Educação, Trabalho e Tecnologia

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EDUCAÇÃO, TRABALHO e TECNOLOGIA Newton Antonio Paciulli Bryan


DIRETOR GERAL Wilon Mazalla Jr. COORDENAÇÃO EDITORIAL Marídia R. Lima COORDENAÇÃO DE REVISÃO E COPYDESK Catarina C. Costa REVISÃO DE TEXTOS Paola Maria Felipe dos Anjos EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Fabio Diego da Silva Tatiane de Lima CAPA Camila Lagoeiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bryan, Newton Antonio Paciulli Educação, trabalho e tecnologia / Newton Antonio Paciulli Bryan. -- 1. ed. -- Campinas, SP : Editora Alínea, 2015. Bibliografia 1. Educação - Tecnologia 2. Educação e Estado Brasil 3. Educação profissional - Brasil 4. Educação profissional técnica - Brasil 5. Educação profissional - Brasil - História 6. Educação profissional - Brasil - Metodologia I. Título. 15-00585

CDD-379.81

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Ensino profissional : Política educacional 379.81 ISBN 978-85-7516-390-0 Todos os direitos reservados ao

Grupo Átomo e Alínea Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br Impresso no Brasil


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Sumário

Prefácio............................................................................................................. 9 Introdução....................................................................................................... 13 Parte 1. Economia Política e Qualificação do Trabalho............................ 19 Capítulo 1 Hodgskin e os Institutos dos Mecânicos......................................................... 21 A economia política do trabalho de Hodgskin.......................................... 26 Os institutos dos mecânicos...................................................................... 36 Capítulo 2 Marx: produção e difusão do saber................................................................. 49 Desenvolvimento capitalista e apropriação do saber................................ 49 A fábrica mecanizada: o saber como força produtiva do capital............... 55 Difusão do saber e trabalho produtivo...................................................... 64 Parte 2. O “Sistema Russo” de Ensino das Técnicas Produtivas.............. 83 Capítulo 3 Rússia, Século XIX: burocracia, modernização conservadora e emancipação dos servos.............. 85 Os servos................................................................................................... 86 Nobreza endividada................................................................................... 88 O medo da revolta dos servos................................................................... 91 A Glasnost e a dramaturgia burocrática.................................................... 93 Os grupos de interesses............................................................................. 95 Emancipação dos servos: “um grande negócio” para a nobreza............. 100


Capítulo 4 A Intelligentsia entre a Reforma e a Revolução........................................... 107 A intelligentsia Russa.............................................................................. 107 A glasnost, o movimento estudantil e a “escola da contestação”.............111 O populismo russo................................................................................... 113 Capítulo 5 Desenvolvimento do Capitalismo e Ascensão dos Tecnocratas.................... 133 Origens da indústria russa....................................................................... 133 A tomada de consciência do atraso industrial......................................... 134 Desenvolvimento desigual e combinado da produção industrial............ 137 Os trabalhadores assalariados.................................................................. 140 A ascensão dos tecnocratas e grupos empresariais.................................. 142 Os tecnocratas e a educação.................................................................... 144 Capítulo 6 Dilemas da Política Educacional do Regime Autocrático............................ 149 Modernização educacional e construção do Estado-nação..................... 150 Política educacional de Uvarov: o atraso como necessidade.................. 154 Educação na era das reformas................................................................. 157 Reformistas, conservadores e a contrarreforma educacional.................. 161 Capítulo 7 A Pedagogia analítica de Della-Vos.............................................................. 175 Nacionalização dos técnicos e independência tecnológica..................... 175 A Escola Técnica de Moscou: de orfanato a laboratório pedagógico..... 179 O método analítico de ensino do ofício: concepção e operação............. 182 A difusão do método de Della-Vos.......................................................... 190 O método Della-Vos, o ensino tecnológico e o “americanismo” russo... 196 Parte 3. Taylorismo: gestão tecnocrática e padronização do trabalhador..... 205 Capítulo 8 O Contexto da Gênese do Taylorismo: desenvolvimento do capitalismo, transformações no processo de trabalho e a formação do trabalhador nos Estados Unidos...................... 207 Origem da produção capitalista nos EUA............................................... 207 O artífice e o controle do processo de trabalho....................................... 208 O imigrante entre o capitalista e o sindicato de ofícios........................... 211


A manufatura de peças intercambiáveis.................................................. 214 Administração sistemática....................................................................... 215 Padronização........................................................................................... 217 Mecanização e parcelamento das tarefas................................................ 219 A crise do regime de aprendizagem........................................................ 222 A produção empresarial do conhecimento.............................................. 226 O engenheiro industrial........................................................................... 228 A aprendizagem sob o controle do capital: os centros de treinamento... 230 Capítulo 9 O Ideário Taylorista e a Eficiência Tecnocrática.......................................... 239 O artífice fidalgo..................................................................................... 239 Eficiência e salário.................................................................................. 241 Concepção taylorista de homem............................................................. 246 Sociedade de massa e tecnocracia: o ideal taylorista de sociedade......... 251 Capítulo 10 Da Fábrica-caserna à Fábrica-escola............................................................ 261 Em busca de um novo regime disciplinar............................................... 261 A supervisão funcional............................................................................ 266 A tarefa.................................................................................................... 270 Capítulo 11 Os Avatares do Taylorismo........................................................................... 283 Capítulo 12 Os Bolchevistas e a Organização do Trabalho: o taylorismo como tecnologia....................................................................... 291 Conclusão...................................................................................................... 321 Referências.................................................................................................... 329



Prefácio

A construção da Engenharia? Raízes do Taylorismo? Da Escola de Mecânicos na Inglaterra do século XVII ao MIT? Tecnologia: da Rússia Czarista aos Estados Unidos e seu retorno à Rússia Comunista? Karl Marx, Friedrich Engels e Max Weber entrecruzando-se na história da Tecnologia? Avanço tecnológico e educação – um entrelaçamento complexo? De que se trata, afinal, o estudo desenvolvido pelo Dr. Newton A. Paciulli Bryan que acabou tendo como título Educação, Trabalho e Tecnologia? Trata-se disso tudo e muito mais. É o resultado de uma profunda imersão do autor na história moderna e contemporânea, com ênfase no desenvolvimento da tecnologia. É o resultado de um trabalho que ultrapassa os limites da interdisciplinaridade, alcançando – fato raro – a transdisciplinaridade. Estão nele presentes a Filosofia, a Sociologia, a História, a Economia, a Administração, a Psicologia e, claro, a Educação. Engenheiros, Administradores e outros profissionais ligados a essas áreas encontrarão nesta obra subsídios indispensáveis para que possam reorganizar seus conhecimentos, abrindo-se para áreas afins. Professores universitários terão acesso a um livro que poderá ser trabalhado com seus alunos, especialmente os de pós-graduação. Para a área de Educação, é uma leitura interessante para ser feita a longo prazo, com os alunos de Pós-graduação, pois permite uma discussão em profundidade de seus capítulos e convida ao debate subsequente com outras faculdades: de Engenharias – Civil, Mecânica, de Produção, Elétrica, de Administração e Economia, de Ciências Humanas – Filosofia, Ciências Sociais e História – para, juntos, refletirmos sobre as imbricadas relações entre disciplinas e áreas de estudo, trazendo para o momento atual, primeira década do século XXI, as experiências vividas no decorrer da história, até o século anterior, que são estudadas nesta obra.


10 Prefácio A inquietude intelectual do autor fez que ela fosse publicada apenas 15 anos depois de sua apresentação como tese de doutorado na Unicamp. Período tão extenso é o pagamento devido por parte de quem está presente nos mais diversos setores da vida universitária e política do país. Durante este tempo todo, Newton Bryan foi diversas vezes à França, para nutrir-se e atualizar-se na cultura francesa e ter a oportunidade de ver nosso país de um ângulo privilegiado, isto é, à distância, de fora. Participou da vida política nacional atuando com Associações de Municípios e viajando pelo Brasil de ponta a ponta. Orientou várias dissertações de mestrado e teses de doutorado, liderou projetos de pesquisa que integraram diferentes áreas do conhecimento, foi chefe de departamento, lecionou na graduação e na pós-graduação. Há pouco mais de 30 anos, ele nos impressionou fortemente ao ser entrevistado pela banca examinadora de candidatos para o Mestrado em Educação da Unicamp. A cultura geral daquele jovem candidato, sua capacidade de ligar fenômenos das Ciências Exatas, Tecnologia e Educação surpreendeu a todos. Com formação técnica Química Industrial no Ensino Médio, atuou como técnico no IPT, Instituto de Pesquisa Tecnológica, entidade fundada 100 anos atrás, no Estado de São Paulo. Graduou-se em Psicologia e Filosofia. Certamente, sem essa formação ampla ele jamais teria podido pesquisar e redigir com tanta clareza aquilo que se propôs a investigar. Tínhamos ele e eu, como orientador, decidido deixar para o doutorado parte daquilo que seria apresentado, originalmente, em nível de mestrado: a descoberta da influência do trabalho de Victor Della-Vos, um russo que viveu na segunda metade do século XIX sobre Taylor, nos Estados Unidos, durante o último quartel dos 1800 e na primeira década do século XX, assim como o amplo desenvolvimento do Taylorismo na indústria e na administração americana e sua disseminação na jovem Rússia Comunista sob os aplausos de Lênin. Isso não diminuiu o valor de seu mestrado Educação, processo de trabalho e desenvolvimento econômico. Contribuição ao estudo das origens e desenvolvimento da formação profissional no Brasil centrado no Senai, o qual clarificava as relações entre as séries metódicas adotadas por essa instituição e o trabalho parcelado e rigidamente controlado com base nos pressupostos de Frederick W. Taylor, Father of Scientific Management. Para sua tese de doutorado, as incríveis relações entre a Rússia czarista e os Estados Unidos e deste país com a jovem Rússia Socialista são analisadas exaustivamente. A figura de Della-Vos é focalizada ao longo dos últimos quarenta anos do século XIX, desde o momento em que, como Diretor Administrativo da Escola Técnica Imperial de Moscou, recebeu a incumbência de reformular sua estrutura pedagógica, até a divulgação de seu método na Exposição do Centenário de Filadélfia, em 1876, que recebeu 10 milhões de visitantes.


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Desse fato à organização científica do trabalho sistematizada por Frederick W. Taylor é apenas um passo. O discurso administrativo imbrica-se com o pedagógico: a legitimação de seu novo modelo organizacional baseado na disciplina objetiva é buscada na ciência do engenheiro e na prática, consagrada socialmente, do professor. Depois de descrever as bases do taylorismo e sua rápida divulgação nos Estados Unidos, Bryan mergulha, mais uma vez, na jovem república socialista, mostrando de que modo esse modelo é recebido como emblema da racionalidade técnica que havia feito a grandeza do país que era tido como sinônimo da modernidade por Lênin, Bukharin e outros líderes bolchevistas os Estados Unidos. Para elaborar seu texto, Bryan desenvolve uma verdadeira garimpagem de dados e informações que abrangem de Francis Bacon, Adam Smith e Montaigne, no início da era moderna, a Foucault, Hobsbawn e Habermas, nossos contemporâneos. Da mesma forma, o leitor terá a oportunidade de tomar contato com Comênio e Pestalozzi, na área da Educação, com Benedetto Crocce e Antônio Gramsci, na Filosofia, com Marx na Economia Política e Max Weber na Sociologia. Dr. Newton A. Paciulli Bryan: professor/educador, pesquisador, administrador compromissado com a escola pública, participante da vida política nacional. Um intelectual de primeira linha. Newton Cesar Balzan



Introdução

O presente trabalho trata do tema comumente referido na literatura especializada sob a rubrica difusão ou transmissão do conhecimento, especialmente do conhecimento empregado na produção que caracteriza o seu portador como trabalhador qualificado. Procura também discutir a difusão dos métodos de ensino elaborados e empregados para a difusão das técnicas de produção. O processo de gerar e de disseminar o conhecimento, embora tivesse sido objeto de análise dos clássicos da economia política (Smith e Ricardo) e de seus críticos (Hodgskin e Marx), que o trataram como um fenômeno relacionado com as transformações que ocorriam na base técnica da produção, permaneceu, durante muito tempo (quase um século), estudado apenas pela sociologia industrial e do trabalho e pelas teorias da organização. Na década de 1970, esse assunto foi posto na ordem do dia pela eclosão de movimentos de trabalhadores que contestavam, abertamente, as formas de organização do processo de trabalho e os produtos das novas tecnologias que desqualificam o trabalhador, em vigor nas empresas capitalistas e estatais em várias partes do mundo. O editor da histórica revista da esquerda americana Monthly Review, Harry Braverman, publicou, em meados dessa mesma década, seu livro Trabalho e Capital Monopolista, que desencadeou a retomada de estudos aprofundados sobre o tema em escala internacional. Ao lado dessa renovada produção teórica sobre o processo de trabalho, desde os anos 60, analistas das mais diversas áreas das Ciências Sociais, que se debruçaram criticamente sobre a questão da escola na sociedade capitalista, passaram a fazer a crítica às teorias em que se baseavam tanto o planejamento educacional como a organização burocrática da instituição escolar. Houve, no decorrer dessas pesquisas e análises, a preocupação de utilizar os resultados dos estudos sobre o processo de


14 Introdução trabalho e uma retomada das teses marxistas sobre a relação da Educação com o trabalho. A partir da década de 1970, ocorreu também o desenvolvimento das pesquisas sobre a história das técnicas (também uma preocupação dos clássicos da economia). Embora continuassem a ser feitos estudos de uma perspectiva que vê a técnica desvinculada da sociedade, a posição que se tornou predominante na produção teórica nessa área foi a de examinar a técnica com base em seus condicionantes sociais, culturais, econômicos e políticos. O presente trabalho apoia-se na produção teórica dessas áreas complementares do conhecimento. O objetivo perseguido foi o de observar os desafios da transformação do saber técnico do artífice, transmitido apenas por meio do processo tradicional de aprendizagem no local de trabalho, em conhecimento elaborado e transmissível por intermédio da instituição escolar ou em programas de formação combinados com o exercício do trabalho. As seguintes questões, presentes implícita ou claramente na literatura utilizada, foram o fio condutor das reflexões apresentadas: 1. Qual é a relação entre a proposta de ensino tecnológico feita por Marx e o conjunto de suas análises da sociedade capitalista e seu projeto político? 2. Que fatores levaram educadores socialistas e liberais a interpretar o “sistema russo” de ensino como meio para efetivar essa proposta? 3. Por que os bolchevistas, especialmente Lênin, adotaram o “sistema Taylor”, como meio adequado para organizar o tra­balho nas fábricas e órgãos estatais, assim como conteúdo e método para organizar o ensino escolar na jovem República Socialista que propunham construir na Rússia? 4. Como os socialistas, de Hodgskin a Lênin, discutiram o tema da produção, difusão e controle do conhecimento? A realização do referido objetivo foi procurada por meio da análise do modo pelo qual esse tema foi abordado no momento em que adquiriu um relevo especial, em decorrência das profundas transformações que estavam ocorrendo no processo de trabalho industrial. Tais mudanças atraíram a atenção de cientistas sociais, engenheiros, educadores e reformistas sociais, que se aplicaram em analisá-las, elaborar teorias e em apresentar propostas a respeito delas. Na primeira parte, é examinado o afloramento desse tema na obra de dois pensadores que se dedicaram a formular teorias econômicas e sociais para dar conta da sociedade capitalista e que delas extraíram propostas educacionais: Thomas Hodgskin e Karl Marx. Ambos foram argutos críticos da sociedade organizada no


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modo de produção capitalista, mas, ao mesmo tempo em que apontavam a profunda degradação que esta causava nas condições de vida e trabalho da classe operária, identificavam, nessa sociedade, um potencial de libertação humana que, embora bloqueado pelo sistema, deveria ser desenvolvido pela luta política. Tanto na obra de Hodgskin como na de Marx, a socialização do conhecimento é considerada como poderoso meio para a transformação social. E ambos trabalharam para que ela se efetivasse: Hodgskin criando e atuando no Mechanics’ Magazine e no Mechanic’s Institute de Londres, e Marx orientando o movimento operário internacional organizado na Associação Internacional dos Trabalhadores, que lutava por uma nova escola onde a educação intelectual e física se articulasse com o ensino tecnológico e o trabalho produtivo. A difusão do conhecimento, com a rapidez necessária que as transformações técnicas exigiam, impôs aos planejadores e educadores o desafio de criar novos métodos de ensino, que foi enfrentado pelo trabalho educacional e organizacional do engenheiro Victor Della-Vos, num país que fora obrigado, em meados do século XIX, a tomar consciência de seu atraso intelectual e econômico em relação aos países da Europa Ocidental. Na Rússia, Della-Vos transformou o processo de ensino segundo a lógica da organização capitalista do trabalho e reformou a estrutura organizacional da Escola Técnica Imperial de Moscou para formar sistematicamente artífices e técnicos de nível superior, para os órgãos estatais e empresas privadas. Esses profissionais eram urgentemente demandados no período em que o Estado autocrático se reformava para evitar uma transformação das suas estruturas e desencadeava o desenvolvimento capitalista. Esse período foi também marcado pela eclosão de movimentos sociais e de concepções cuja riqueza influenciou e continua a influenciar o desenvolvimento desse país. As ideias gestadas nessa época pela intelligentsia, na sua forma literária, política, filosófica e científica, logo transbordaram as fronteiras nacionais e adquiriram o caráter de univeralidade. Seus autores, Herzen, Tchernichevsky, Turgeniev, Dostoievski, Bakunin, Kropotkin e Mendeleiev, tiveram reconhecimento internacional. Na segunda parte, o trabalho de Della-Vos é examinado como produto do engenho de seu autor laborando nas condições econômicas, sociais e culturais dessa “era notável”. Para isso, a análise da obra de Della-Vos foi precedida por quatro capítulos que tratam da disputa pelo poder dos grupos que atuavam no interior da burocracia estatal e da sua influência na elaboração das reformas, da origem e posições políticas da intelligentsia, do desenvolvimento do capitalismo e do sistema educacional na Rússia. A difusão do método de Della-Vos, por intermédio das Exposições Mundiais, encontrou um meio bastante receptivo nos Estados Unidos, constituído pela rápida


16 Introdução criação de escolas técnicas industriais e de engenharia no último quarto do século XIX. Instituições como o Massachusetts Institute of Technology, Stevens Institute of Technology e Universidade de Washington organizaram seus nascentes cursos técnicos industriais e de engenharia tendo como base a experiência desse engenheiro russo. Foi nessa fase, marcada por uma profunda crise do capitalismo, pela ascensão das grandes corporações industriais e pela eclosão de greves organizadas pelos sindicatos em defesa das condições de trabalho, que Frederick Winslow Taylor recebeu sua formação em engenharia, nas oficinas de produção de máquinas, onde trabalhou como metalúrgico, nas salas de aula e laboratórios do Instituto Stevens e também nos encontros promovidos pela Associação Americana de Engenheiros Mecânicos (Asme). Taylor elaborou um ambicioso programa de organização do trabalho, incorporando, em um todo orgânico, os elementos desenvolvidos pelo capitalismo nos Estados Unidos: a padronização relacionada à produção em massa e em série com peças intercambiáveis, a administração pautada em registros escritos, a produção do saber em centros de pesquisa empresariais e nas universidades, o treinamento da mão de obra no local de trabalho. E contou com a disponibilidade de trabalhadores com formação técnica escolar e de um exército industrial de reserva, crescentemente engrossado por levas de imigrantes, para enfrentar o movimento operário que se rebelava ante as transformações que punham em perigo a posse do saber técnico sobre a qual se baseava seu poder no interior da fábrica. Na terceira parte, é discutida a obra de Taylor como uma resposta elaborada para confrontar os desafios e impasses do desenvolvimento capitalista. As análises contidas numa parcela da (imensa) bibliografia sobre o taylorismo foram tomadas como ponto de partida, mas foi dada ênfase especial aos próprios escritos do autor, destacando-se um aspecto pouco examinado tanto pelos críticos, como pelos discípulos de Taylor: as imagens recorrentes sobre a escola e as práticas escolares. As alusões, analogias, metáforas e alegorias referentes à instituição escolar e às suas ações, empregadas por Taylor, mostraram, no curso do estudo, não serem meros recursos retóricos, ao contrário, apontaram ser a escola (a escola técnica em especial) uma das fontes de inspiração e recurso de legitimação do seu sistema. Foi observado também como esse sistema, criado originariamente para organizar a produção industrial, promovendo a separação do trabalho intelectual e de execução, foi amalgamado, na sua difusão e implantação, com outras teorias administrativas, metamorfoseando-se gradativamente. No final da terceira parte, é discutida a introdução do taylorismo na recém-criada República Soviética como meio de organizar o trabalho e o conteúdo do ensino. As causas desse procedimento que têm sido apontadas na literatura são relacionadas com a conjuntura política e econômica extremamente difícil em que os bolchevistas inicia-


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ram o processo de construção do socialismo na Rússia. Este trabalho visou, além de tomar como referência essas análises, examinar, do ponto de vista teórico, as teses de Lênin sobre o taylorismo, relacionando-as com as diferentes posições existentes na esquerda russa sobre a organização do trabalho e da escola e, por extensão, sobre a construção do socialismo. Essa abordagem teve sua origem em questões surgidas durante a elaboração da dissertação de mestrado defendida em 1983 sobre as escolas ferroviárias brasileiras e o Senai. Nessa época, foi iniciada a pesquisa sobre a influência de Della-Vos e do sistema Taylor na organização do ensino profissional, que procuramos aprofundar com o material coletado na Escola Politécnica da USP, IPT, Public Library de Nova York, British Library, Bibliothèque Nationale e CNAM. Muito do material bibliográfico utilizado foi conseguido graças ao empenho dos funcionários da biblioteca da Faculdade de Educação da UNICAMP. Este livro, fruto da minha tese de doutorado, é tributário da produção intelectual, individual e coletiva de vários acadêmicos e pesquisadores com os quais tive o privilégio de dialogar e trabalhar. Em especial, beneficiou-se dos cursos ministrados por Michel Thiollent e Maurício Tragtenberg na UNICAMP, dos debates organizados por Helena Hirata sobre o “processo de trabalho e organização industrial”, do diálogo com Ruy Gama – historiador da técnica e da tecnologia da FAU-USP. A participação no grupo de pesquisa, coordenado por Leda Gitahy e Françoise Caillauds, sobre os efeitos sociais da incorporação da microeletrônica na indústria brasileira, financiada pelo IDRC-Unesco, proporcionou-me a oportunidade de verificar o funcionamento de instituições de ensino e pesquisa (ITA, Escola Militar de Engenharia e Escola Politécnica da USP) e de manter um contato direto com trabalhadores da indústria elétrica e metal-mecânica. O resultado desse trabalho em campo obrigou-me a evitar interpretações lineares dos textos estudados. O tema desenvolvido nesta obra, ainda em sua fase de confecção, adquiriu relevo especial durante o debate sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, quando foi recolocada na pauta de discussões a proposta de ensino tecnológico (ou politécnico), combinada com a educação geral. A participação nesse debate, assim como o diálogo mantido com os alunos da Faculdade de Educação da UNICAMP, com sindicalistas e professores deram a este trabalho uma contribuição inestimável. Versões preliminares foram analisadas criticamente por Maria Inês Rosa, Letícia Canêdo Bicalho e Terezinha Quaiotti do Nascimento, a quem agradeço as valiosas sugestões. O apoio que me foi dedicado por Ernesta Zamboni, Casemiro dos Reis, Gilberta Januzzi e James Patrick Maher foi fundamental para sua a elaboração.


18 Introdução Ruth Joffily foi o meu alter ego durante a redação final. Revisou cuidadosamente os originais fazendo sugestões para torná-lo legível e foi interlocutora paciente e carinhosa. A Newton César Balzan agradeço a orientação segura, amiga e persistente durante o longo tempo dedicado a este estudo.


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