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TODOS OS VAPORIZADORES COMERCIALIZADOS NO BRASIL SÃO CONTRABANDEADOS
Dispositivo é ilegal no país, mas é livremente vendido em diversos tipos de estabelecimentos
VÍTOR D'AVILA
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Nos últimos anos tornou-se comum ver pessoas nas ruas utilizando vaporizadores, também conhecidos como "cigarros eletrônicos". O consumo é potencializado em festas ao ar livre, como as que ocorrem durante o Carnaval, por exemplo. O que poucos sabem é que o produto não é regulamentado no Brasil e, atualmente, todos que são comercializados são 100% originários do contrabando.
Apesar dessa proibição no país, a comercialização ilegal vem crescendo em bares, baladas, postos de gasolina, comerciantes ambulantes e até aplicativos de entregas, e já atende mais de 2 milhões de consumidores brasileiros, segundo o levantamento do Ipec realizado em 2021 e divulgado no início de 2022. A farmacêutica niteroiense Alessandra Bastos, ex-diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e consultora da BAT Brasil, comentou sobre os riscos.
"100% dos cigarros eletrônicos comercializados no brasil são produtos ilegais. O risco nós sequer conseguimos mensurar porque, já que são produtos de origem desconhecida e não seguem nenhuma regra sanitária, não conhecemos as substâncias que estão sendo ofertadas, o dispositivo em si. Há risco de explosões. Como se trata de um produto que não se conhece, o risco é altíssimo porque está se assumindo substâncias que não conhecemos", explicou.
Alessandra comparou o consumo de cigarros eletrônicos a ingerir uma bebida que não se conhece a origem. Isto porque não há informações sobre a composição dos vaporizadores. Entretanto, o consumidor muitas vezes não sabe que a proibição existe e pode estar consumindo um produto ilegal que vai prejudicá-lo no longo prazo.
"Misturas de substâncias que podem ser altamente tóxicas. A gente não consegue imaginar o que contém nessas soluções. A quantidade de solventes disponíveis para esse tipo de mistura é infinita. Já que não se sabe o que está sendo ofertado não utilize. Se você estiver num bloco e fosse ofertada uma bebida sem rótulo, de uma cor que você não conhece, certamente não teria coragem de ingerir", alertou.
A farmacêutica ainda enfatizou que esses dispositivos podem conter substâncias entorpecentes, que podem provocar qualquer tipo de problema. Desde pulmonares a neurológicos. Alessandra destacou que há uma infinidade de problemas desconhecidos, por não se saber exatamente o que está sendo ofertado, não há como mensurar o que pode acontecer com o usuário.
COMPRAR CIGARRO ELETRÔNICO É CRIME?
Se os cigarros eletrônicos vendidos no Brasil são contrabandeados, quem os compra está praticando receptação? Para Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sim, mas com algumas ressalvas.
"Em tese, aquele que adquire um cigarro eletrônico para uso próprio comete o crime de receptação (art.180, caput, do Código Penal). Porém, na prática, essa conduta não é punida por ser considerada insignificante e porque o usuário é, no final das contas, uma vítima da venda de um produto que não é regulamentado", disse.
De acordo com o especialista, a Legislação Brasileira prevê que quem realiza a compra e venda comercial do cigarro eletrônico pode responder por crime contra as relações de consumo, previsto no art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/90, pois é considerado um consumo impróprio para consumo. Além disso, quem compra pela internet ou traz de fora do Brasil também pode ser enquadrado.
"Quem importa os cigarros eletrônicos pode cometer o crime de contrabando, seja para consumo pessoal ou para fins comerciais (art. 334, caput, do Código Penal)", explicou o especialista.
ALTERNATIVA MENOS NOCIVA AO CIGARRO
Alessandra Bastos Soares explicou que, em cerca de 80 países, o cigarro eletrônico é destinado para o adulto fumante que busca uma alternativa de potencial risco reduzido em comparação ao cigarro convencional. Hoje, a proibição no Brasil inviabiliza o acesso a essa opção, além de deixar o consumidor totalmente vulnerável para adquirir um produto sem qualquer tipo de controle sanitário e de segurança.
"Em países como Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, estes produtos cumprem o papel de serviço a adultos que desejam parar de fumar, mas decidem continuar consumindo a nicotina de uma forma menos arriscada a sua saúde. Cada país cria sua regra sanitária com bastante critério.
ALESSANDRA Bastos Soares, ex-diretora da Anvisa

Regras que se parecem, porém cada lugar tem seu entendimento. Por exemplo, a quantidade de nicotina. Cada um tem seu limite, embora exista um certo alinhamento", explicou.
O cigarro convencional tem entre 100 e 150 substâncias potencialmente tóxicas, já o cigarro eletrônico, quando regulamentado, possui menos de cinco. De acordo com o relatório mais completo sobre o tema, uma revisão de 400 pesquisas científicas divulgada em setembro de 2022 pelo Ministério de Saúde Inglês, os vaporizadores são 95% menos prejudiciais do que os cigarros convencionais, ou ainda 20 vezes menos nocivos.
"Existem substâncias quimicamente conhecidas que podem ser utilizadas para esta finalidade e que ofertam menos risco, como glicerina e flavorizantes que podem ser misturados ou não à nicotina, de forma mais segura ao indivíduo que tem o hábito de consumir a nicotina, via cigarro convencional. Quando o fumante busca isso, ele tem o dispositivo eletrônico como um grande aliado, desde que seja um dispositivo seguro", prosseguiu Alessandra.
O QUE FALTA PARA O BRASIL Com a regulamentação é possível definir a composição e a procedência dos cigarros eletrônicos, além da comercialização em pontos de venda para maiores de 18 anos. Também é possível fazer um monitoramento do consumo desses produtos. Para que o Brasil, o que falta é o estabelecimento de uma regra sanitária, por parte da Anvisa. Alessandra acredita que isso deve acontecer até o final de 2023.
"Quem toma conta deste tema é a Anvisa. O que falta para que este mercado no Brasil seja regulamentado é a avaliação, que já está sendo feita.
Dados que foram entregues ao longo dos anos, alguns recentes, que falam da segurança do dispositivo, que confirma que esse dispositivo tem êxito para a cessação do hábito de fumar, dados que falam da importância da regulamentação para que seja mantido distante do jovem o acesso a esse tipo de dispositivo", acrescentou.
Alessandra ainda ressalta que, se regulamentados com a indicação de consumo por adultos fumantes maiores de 18 anos, a distribuição e ven- das para menores de idade poderá ser feita com rigor. Hoje, qualquer adolescente tem acesso ao produto, em vários lugares, e que, em sua análise, é uma verdadeira incógnita de onde vem, como é produzido e do que oferece.
"O que falta. hoje, é a Anvisa entregar ao setor produtivo uma regra sanitária para que as empresas possam ter seus produtos avaliados, fabricados dentro desses critérios. Quando a gente fala dessa regra não é só o processo fabril em si. Nessa regra já se prevê, além de todo o processo da fabricação, a distribuição, forma de comercializar e, principalmente, a forma de comunicar sobre este produto", enfatizou.
CUSTOS
A ex-diretora da Anvisa afirmou que existem produtos sendo comercializados, em pontos físicos e na internet, cujos valores variam entre R$ 150 a R$ 700. Independentemente do valor, novamente ela enfatizou que todos são ilegais e originários de contrabando. Em relação aos custos de um eventual produto legalizado no Brasil, ela afirmou que será realizado um debate posterior, mas demonstrou preocupação caso o dispositivo não seja acessível a todos.
"A primeira coisa que tem que ser feita é a apresentação, pela Anvisa, de uma regra. Depois que houver a discussão sanitária, pensar se o consumidor do cigarro convencional tiver dificuldade para adquirir o eletrônico, será um impeditivo para que faça essa migração. É uma discussão que envolve muitas frentes, foge do espectro da Anvisa. É uma discussão que virá posteriormente. Me preocupa se for um produto muito mais caro, porque bloqueia o acesso", explica.