JORNAL GRANDE CIRCULAR JUNHO 2014

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Fortaleza, Junho de 2014

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FANOR

CULTIVARTE

A ANTIGA ARTE DA LUTHIERIA

CRÔNICA Das janelas ou alma da praça REALIDADE SOCIAL Fortaleza: do Rua para quem? luxo ao lixo CAMPUS A humanidade de Dráuzio Varela TRÂNSITO Hora de pedalar CULTIVARTE A cena do cinema cearense PÁTRIA DE CHUTEIRAS Copa da ostentação MÚSICA A antiga arte da CULTIVARTE Guns and Roses no Ceará Luthieria 2

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EDITORIAL Complexidade. Se pudéssemos resumir a vida contemporânea nas grandes cidades em uma única palavra, esta seria forte candidata para qualificá-la. As inúmeras variáveis político-econômicas que forjam o cotidiano, a multiplicidade de desafios, a diversidade cultural e a justaposição de realidades contrastantes nas grandes metrópoles impõem a condição de lançar olhares multiangulares para compreendê-las.

CRÔNICA

Das janelas ou da alma da praça TEXTOS: HELIANA QUERINO

FOTO: SANDRA HELENA FREITAS

A região metropolitana de Fortaleza, com mais de três milhões de habitantes, é certamente um desses complexos centros urbanos pós-modernos. O Grande Circular se propõe, nesta edição e no porvir, a “glocalizar”, ou seja, lançar olhares para as questões locais, mas contextualizando e pensando globalmente a Cidade como mais um nódulo da sociedade, repleta de diversidade. Nesta edição destacamos, em reportagens, temas sobre cinema independente, música internacional e luthieria mostrando um pouco da diversidade cultural da capital cearense. Reportagens sobre a desigualdade social, o lixo nas ruas, o transporte urbano expõem os desafios de viver na metrópole. Por fim, comunicamos a todos, a imensa satisfação em produzir mais uma edição do nosso jornal laboratório do curso de Jornalismo da Fanor. Boa leitura!

EXPEDIENTE Jornal laboratório do Curso de Jornalismo da Fanor/Devry Brasil. PRESIDENTE Carlos Alberto Guerra Filgueiras

Na Praça do Ferreira: o edifício do antigo Hotel Excelsior.

C

hegando ao centro da cidade, entro no Leão do Sul para comer meu pastel favorito. Como de costume olho as fotos da praça antiga. Hoje tenho ainda um motivo especial, busco inspiração para escrever uma crônica. O compromisso me deixa ansiosa, esqueço os quadros na parede e sigo rumo à praça. A ilusão de comer junto àquelas pessoas logo passa. Me dou conta do isolamento no meio da multidão. O que parece um coletivo é a dura realidade da separação. Com meu pastel na mão, dou voltas na Praça do Ferreira. É um dia comum no coração da cidade – homens com seus olhos vagos, bancas e bancos, vitrines e fantasmas. Corações que batem sem pulsar. Ao centro, um relógio imponente que a tudo observa – o dia, a noite, a falsa comunicação, os donos de seus próprios conflitos. Os passantes, os andantes, viajantes... E a ilusão de estarmos juntos me angustia por ser apenas uma ilusão. Penso na crônica, no professor e no João do Rio:

DIREÇÃO GERAL Marcelo Adler COORDENAÇÃO ACADÊMICA Professor Humberto Fonseca COORDENAÇÃO ACADÊMICA DE JORNALISMO Alyne Virino Ricarte COORDENAÇÃO DE OPERAÇÕES

- E agora, se vim à praça por uma crônica, não tem janela, vou-me embora?

ACADÊMICAS DA COMUNICAÇÃO Aurileide Alves EDITOR CHEFE Jornalista/Professor Rodrigo Cesar Garcia Rodrigues REPORTAGENS Alex Monteiro, Lenilson Santos, Maria Aryane Amaro, Priscilla Ramos e Vinícius Abreu REVISÃO Elves Rabelo PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Professora Aurileide Alves IMPRESSÃO Expressão Gráfica TIRAGEM 300 exemplares

Cansada me sento num banco no lado oposto do antigo cinema. Na ponta do banco uma cena faz cócega na minha alma – meia dúzia de velhinhos, bem vestidos e perfumados, jogam conversa fora e dão sinceras gargalha-

das. Quem sabe foram compadres do bode Ioiô ou algum deles também vaiou o sol... Ali a comunicação não era falsa! Nostalgia de um tempo que não vivi – quantos pés já pisaram nesse chão, quantas cadeiras nesses bancos já sentaram, quantos beijos, quantas Iracemas... De longe observo à antiga Oswald Cruz, quase poética, cercada de modernas vitrines. Estava enganada, a praça é uma grande janela, fisionomia e cópia fiel da cidade; da aldeia à aldeota, dos quatro cantos da praça. Aparente alegria, imagem que seduz, miséria camuflada, passos desesperados que cruzam as calçadas de lá pra cá e de cá pra lá. A vida reduzida ao consumo, a solidão da praça cercada pela multidão. Almas desnorteadas rondam seu chão. E sobre a alma da praça? E a cor da praça? E o coração da cidade tem um coração? Reza a lenda que sim, tem um coração rebelde que tem pressa de viver. Tem uma alma violentada pela vidaque, ao cair a madrugada, se encontra com a alma esquecida do maltratado rio que não é o do João, é do velho massacrado e “malcriado” Pajeú. Segundo a lenda, essas almas estão compadecidas com a fragilidade que ainda resta do VERDE daquele que deságua nas praias do Caça e Pesca e Sabiaguaba... Um toque na minha mão, de súbito sou chamada de volta a realidade:

- Ei tiiia, daí um pedass desse pastel, tômorrendifome ó! É sinal que a noite se aproxima. Descalço, sem camisa, sem pai, sem comida, banho e lar, sem mãe, sem compaixão: - Qual seu nome garoto? - Tia, meu nome é Mossí. - Mossí ou Moacyr? - Acho que é desse jeito que a senhora ta falando, tanto faz. - Me dá o pastel? Estendo a mão e entrego o que agora é só um pedaço de massa fria. O menino segue contente. Eu já estava calada, agora permaneço sem voz. Lembro do canto de Natal, o prédio amarelo, o grande laço vermelho e as luzes coloridas com promessa de vida feliz. Os pequenos cantores, a fonte e o relógio. A páscoa, os ovos, o peru, a mesa farta, a gravata, o carnaval, o turista, a cegueira. O que é real? Talvez eu visite a Ponte Velha, a Metálica, o pôr do sol - devo escrever sobre amantes e amores, marinheiros e pescadores, sobre encantos e desencantos, alegrias e dissabores. Talvez eu vagueie pela noite e talvez ela, como chama, me consuma.


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Sociedade machista ou erro? TEXTO: MARIA ARYANE AMARO

O cearense do Ceará N

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nstituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulga resultado de pesquisa realizada que causa polêmica entre as mulheres após grande repercussão, IPEA admite erro. Foi emitida no mês passado uma pesquisa que nos revelou a opinião da população sobre o estupro. 65% dos entrevistados concordaram com a afirmação, “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. Fato que levou várias mulheres à indignação e a fazerem protestos. As opiniões sobre a pesquisarealizada em maio e junho de 2013 pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),divulgada no dia 27 de março,são complexas pelo fato da mulherser considerada osexo frágil, porém devemos considerar que nem sempre devemos colocar a culpa em um só indivíduo. Pois, devemos analisar cada fato. Existem várias situações em que há um conflito ideológico.Mesmo que não vivamos em uma sociedade patriarcalé importante ressaltar que em um passado recente a mulher era totalmente submissa ao homem. A mulher veio ganhar autonomia e independência há poucas décadas, quando começou a trabalhar e a votar, entretanto, antes disso, ela era considerada inexistente na sociedade;ela vivia para o lar, não podia votar e não tinha voz. Não é possível uma sociedade, como a brasileira, que viveu esse contexto histórico não ser machista. Mesmo com o passar do tempo ecom a modernidade, ainda há pessoas bem conservadoras e outras mais liberais. No Brasil ainda temos muitos costumestradicionalistase que estão presentes na atualidade. Eles ainda podem perdurar por anos em nosso país, o que une esses costumes é o amparo legal, ou seja, as leis cívicas. A constituição nos garanteo direito de ir e vir -: por que as mulheres não têm esse direito?Se esse direito é constitucional, não apenas para as mulheres, mas para todo cidadão;por que elas devem ser atacadas? Será que estamos no período colonial quando a mulher não tem voz ou direito? Na verdade, a mulher é tão

livre como o homem.Ela tem amparo legal como qualquer cidadão brasileiro e cabe ao governo proteger a integridade de todos. Dados estáticosnão vão diminuir a violência sexual sofrida pela mulher ,ao contrário, as opiniões expressas na pesquisa do IPEAapenasdemonstram uma situaçãoem que a mulher é inferior ao homem, mas na realidade ela não é. Atualmente, a mulher conquistouespaços no mercado de trabalhoque eram ocupados exclusivamente por homens e elas executam essas funções tão bem, ou melhor, do que eles. Vale lembrar que temos direito a expressar nossa opinião, seja através de mídias sociais ou conversas entre amigos. Temos direito à liberdade de expressão, vivemos em uma democracia, e ainda existem críticas à manifestação “Não mereço ser estuprada!”. Isso comprova que ainda existem conflitos sociais e ideológicos quando o assunto é o sexo feminino. Portanto, essa é apenas uma forma das mulheres dizerem para a sociedade que não importa a vestimenta, a cor da pele, o credo, a idade, ninguém deve ser violentado sexualmente. Existem profissionaisque questionam o resultado da pesquisa.Críticos que defendem a tese que houve uma má elaboração nas perguntas do IPEA, e que elaspodem ter levado a uma confusão na resposta dospesquisados. Isso não pode ser considerado uma justificativa para o resultado machista da pesquisa, mas levanta uma suspeita de manipulação. O IPEA posteriormente divulgou que havia um erro no gráfico, o que mudou radicalmente o rumo dos resultados. Na primeira divulgação, 65% concordavam com “o ataque às mulheres”. Após a retificação, o número caiu para 26%. Por conta do ocorrido o presidente do Instituto pediu exoneração. Portanto temos um processo complicado no qual a mulher ainda é tratada como no período colonial. Apesar do erro ocorrido na pesquisa é possívelnotamos que existe preconceito e quea mulher ainda é considerada inferior ao homem,pois, durante asmanifestaçõesocorreram várias críticas que as ridicularizaram. De fato, o é Brasil com uma grande diversidade ideológica e cultural.

um estado brasileiro onde a luz reina o ano inteiro, há um povo diferente do resto do Brasil. Esse povo é o cearense, mas não é o cearense que a grande mídia costuma veicular na telinha. Na verdade, o cearense é um povo inteligente, antenado às novidades e que dá valor a seus costumes e às suas crenças. Nesse estado, o humor se faz presente em toda parte. Desde uma topada - de arrancar o chaboque - de um vizinho até uma palhaçada de um humorista qualquer na Beira-mar. Pense num povo engraçado. Não é à toa que é daqui que sai a maior quantidade de humoristas profissionais do país. Outra característica marcante da gente é o modo de falar. Nós temos vocabulário próprio. Repleto de conteúdos e até regras, de origens algumas até estadunidenses. Isso porque o Ceará serviu de base militar para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. E escutando as expressões que normalmente os soldados americanos falavam, passamos a cearencizá-las. Virando o que conhecemos hoje. She’sprettycute, por exemplo, é uma expressão usada para dizer que uma moça é muito bonita. Aqui no Ceará virou “Ispilicute” (mulher cheia de frescuras, arrumadinha etc.).Outra palavra comumente utilizada na Terra da luz é “Baitola”. De caráter pejorativo, a origem vem da construção da primeira estrada de ferro do estado, na qual o engenheiro responsável, um inglês com jeito afeminado, costumava repetir: - Atenção para a baitola! Querendo dizer bitola, que é a distância entre os trilhos. “Diabeissomã/má”, é usado para designar espanto. O “mã” ou “má” vem do inglês manque significa homem. Você no Ceará não joga nada no lixo, você rebola no mato. Você não se assusta, assombra-se. É engraçado como nós nos tratamos. Tudo é motivo para se fazerpiada. Pessoas tolas são chamadas de abestadas. Perder-se? De jeito nenhum. Aqui você fica ariado. Gente cheia de grana é estribada. Mas não se baldeie - ficando confuso - e nem se encha de leriados - jogando conversa fiada - . Porque pra você nos entender, tem é Zé. Se tiver ficado a fim de compreender um pouco mais do cearense do Ceará, junte seus bregueços, pegue o beco pra cá e venha frescar conosco. Pois aqui o povo não se acha só as pregas...

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REALIDADE SOCIAL

Fortaleza: do luxo ao lixo Um carro de luxo e um barraco onde mora uma família de baixa renda. O que separa esses dois mundos? TEXTO: VINÍCIUS ABREU passa pelas estreitas Quem ruas de Fortaleza se depara com a dura realidade de ter que ver contrastes que não agradam nem ao artista mais contemporâneo. A questão da desigualdade nesta bela cidade é percebida até no asfaltoque os veículos percorrem, em certos bairros é clara a falta de cuidados até mesmo com saneamento básico.

Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), Fortaleza é a quinta cidade mais desigual do mundo, isso reflete claramente nas questões sociais como violência, educação e infraestrutu-

Além disso, Jefferson pega dois ônibus para ir a seu trabalho que fica próximo ao Estádio Castelão (bairro Planalto Castelão), o tempo gasto nesse percurso é em média uma hora e vinte por viagem. Com essa subdivisão da cidade temos a paisagem de várias “Fortalezas” em uma única metrópole. Uma prova disso é que 7% das pessoas com maior renda detêm 26% da riqueza total da cidade, enquanto nos bairros mais pobres famílias tentam sobreviver com atéR$ 70 mensais em média, segundo a Secretaria de Segurança Pública e Social (SSPDS). Em bairros como Cidade 2000, por exemplo, temos a favela do Pau Fininho que convive com edifíciosde luxo em sua vizinhança e a construção de um dos maiores shoppings de Fortaleza.

Não é possível haver um pacto social ético e voltado para a paz com uma cidade tão desigual como a nossa. ra por exemplo. A tentativa de dividir administrativamente a cidade em regiões não foi muito eficaz, considerando que houve aumento da segregação, a prova disso é que dos dez bairros mais ricos de Fortaleza, nove deles estão situados na Regional II e dos bairros mais pobres sete estão localizados na Regional V. Jefferson da Silva Procópio, 23, estudante universitárioe morador do bairro Vicente Pinzon (Regional II), mais especificamente no morro Santa Teresinha, afirma, “Na questão de fluxo policial há uma grande diferença para os outros bairros, no meu bairro quase não há a presença da polícia. Mas no trajeto da Avenida Beira-Mar, que fica a cinco minutos da minha casa,há um grande fluxo. É revoltante essa situação,pois é o básico que deveria ter. Aqui é um bairro tranquilo, o problema é que taxistas, por exemplo, não vêm pra cá, com receio de subir o morro”.

“Aqui é um bairro tranquilo, apesar do medo da violência exacerbada em nossa cidade, aqui particularmente tem uma constante presença policial o que me deixa mais tranquilizados. Incomoda-me um pouco os moradores do Campo do América, porque não sei que tipo de pessoas eles são, não tenho nada contra, mas veja o que sempre passa na televisão, isso me deixa preocupada”.Afirma Maria de Lourdes Silveira Barreto, 37, moradora do bairro Meireles.

Em longo prazo, os efeitos causados por isso são desemprego,aumento da violência (e isso é algo que já é presenciado no dia a dia da população) e transtornos de mobilidade. Também, por causa dessa separação de classes por bairro, há um maior investimento industrial e/ou comercial em regiões diferentes. “Não é possível haver um pacto social ético e voltado para a paz com uma cidade tão desigual como a nossa. Diferentemente de outras cidades onde já há clara separação dos bairros nobres da periferia, aqui as favelas estão no meio dos condomínios de luxo”. Afirma o Sociólogo da Assembleia Legislativa do Ceará Cícero Róbson Pereira. O estado precisa atentar-se a essa questão. Vale lembrar que, no dia 1° de Janeiro, durante seu discurso de posse, o atual prefeito Roberto Cláudio, referindo-se à lamentável desigualdade, prometeu, “Quero derrubar a muralha da vergonha em Fortaleza”. Esse é um processo que requer tempo, ou seja, deve ser solucionado em

Fortaleza pobre 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

longo prazo, portanto,muito deve ser feito para mudar esselastimável dadoestatístico. Nessas horas, as soluções devem vir com compromisso e paciência, então por que não começar pela educação? Como se pode acabar com a desigualdade sem oportunidades de educação iguais para todos? A desigualdade econômica, social, serviços públicos e tantas outras existem principalmente porque a carência de uma educação pública de qualidade é uma pequena bola de neve que se transforma em uma gigantesca avalanche social. Essa é a solução para se quebrar as muralhas da vergonha.

Fortaleza rica Conjunto Palmeiras Parque Presidente Vargas Canindezinho Siqueira Genibaú Granja Portugal Pirambu Granja Lisboa Autran Nunes Bom jardim

FONTE:Instituto de Pesquisa e Econômica do Ceará)

1. Meireles 2. Guararapes 3. Cocó 4. De Lourdes 5. Aldeota 6. Mucuripe 7. Dionísio Torres 8. Varjota 9. Praia de Iracema 10. Fátima


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CAMPUS

Humano, desmasiado humano Drauzio Varella, em entrevista ao Grande Circular, fala sobre o sua maneira de fazer Jornalismo e retratar a realidade. TEXTO: HELIANA QUERINO

FOTO: THIAGO SOUZA superlotado complexo de pavilhões onde 111 presos foram mortos pela polícia em 1992 e que acabaria implodido dez anos depois. Há cerca de 20 anos, quando o jornalista, Fernando Vieira de Mello, da rádio Jovem Pan, fez uma entrevista com o médico sobre AIDS. Naquela época ninguém falava naquela doença. E assim começou, muito timidamente. “Médico sério não fazia essas coisas”...“Os médicos da mídia apareciam em programas de TV apresentando clínicas de cirurgia plástica e de embelezamento”. Havia muito preconceito. Drauzio também tinha. Mas, foi aos poucos, se convencendo de que é uma das funções da medicina. E assim, como o tempo, ele juntou a experiência com o poder de alcance da mídia, com séries sobre saúde pública. Drauzio acredita que hoje existe bastante espaço, ele afirmou que no passado quem aparecia em televisão era mal falada, consideradas pessoas que iam pra televisão fazer propagandas de si mesmo. O que era um mal entendimento do papel da mídia. “A televisão foi inventada pra isso, para levar o conhecimento às pessoas”. Alguns médicos acham que a medicina exige certo recolhimento, que deve ser praticada nos consultórios, evitando, ao máximo, uma fontes e seus temas. A essa característica, exposição pessoal. Drauzio respeita essa ele diz que é o papel do médico e afirma que posição. Mas sabe que a maioria dos médicos é para isso que a profissão serve – “o médico acredita que esta é uma visão equivocada, se forma pra isso, para aliviar o sofrimento porque a medicina não foi feita para servir aos humano”, afirmou, com sua peculiar fran- médicos e sim à sociedade. “O que eu faço é só queza. Nos tempos do Carandiru, Drauzio levar o conhecimento na área de saúde, como costumava se reunir com os carcereiros para outros profissionais fazem em outras áreas e tomar cerveja e escutar suas histórias. O muitos fazem na área de saúde. Varella conta médico fez amizades que duram até hoje com que hoje tem um número grande de médicos pessoas que ele considera muito próximas. que participam de programas de televisão, “Para escrever sobre um assunto tem que ser programas de rádio dando informações e a com alguém do meio, que entende e vive a maioria deles exercendo uma função muito realidade”. Mesmo assim, ele não pretendia importante para a sociedade. escrever sobre o tema, porém, de tanto ouvir histórias interessantes, o médico escritor De livro de pequenas crônicas, a relatos resolveu escrever o livro Estação Carandi- do submundo das penitenciárias, Drauzio ru. Drauzio quis mostrar que os carcerei- Varella, é um livro variado que mostra ros são homens comuns, não são bandidos. tantas vivências diferentes, além de ser um “A sociedade tem uma péssima impressão cancerologista conhecido, atual e informado, tem um jeito de fazer jornalismo onde desses homens”. demostra toda sua sensibilidade e capacidaDesde o início de sua carreira, aliás, desde de de conhecer e interpretar a essência do muito jovem, Drauzio disse ter interesse por comportamento humano. essa dualidade dos seres humanos, que são muito mais do quer ser bom ou ruim, existe Em suas palavras, “os médicos que não se algo mais complexo que vai além dessas clas- dedicam a esse tipo de atividade, não ensificações.Em 1989, a gravação de um vídeo tenderam o papel da medicina. O papel do educativo sobre a transmissão do HIV o levou médico é informar as pessoas e aprender pela primeira vez à Casa de Detenção de São medidas que possam ajudá-las”. Paulo. Tinha fascínio por cadeias. Pouco depois, virou médico voluntário da Casa, o Drauzio em entrevista para o jornal laboratório.

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le está entre os nomes mais populares do Brasil, Drauzio Varella, médico com mais de 40 anos de experiência em atendimento a pacientes com câncer e AIDS, veio a Fortaleza para realizar palestra na Faculdades Nordeste (FanorDeVryCe) no evento Experience Day. Como escritor, conquistou reconhecimento e fama, o livro que escreveu a partir de sua experiência na casa de detenção Estação Carandiru, virou peça de teatro e filme. O resultado desse trabalho, levou Drauzio ao Rádio e à TV, com programas que falam sobre medicina e principalmente saúde pública. Com um jeito simples trata ainda de temas polêmicos como o aborto e a proibição da camisinha pela Igreja Católica.

Em 1985, já com vasta experiência no setor de imunologia do Hospital do Câncer, em São Paulo, Drauzio participou, na Suécia, de um congresso sobre o HIV. Na volta, conseguiu publicar no jornal O Estado de S. Paulo um artigo sobre a terrível novidade. Era a estreia em comunicação, área em que se tornaria celebridade. Quando o Carandiru foi desativado, Drauzio Varella passou a atender a penitenciária feminina e depois voltou a escrever sobre o assunto, no seu livro Carcereiro. O médico sempre procura o lado mais humano de suas

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REALIDADE SOCIAL

Rua pra quem? A Regional I não resolve. Constantes problemas com lixo na rua causam frustração e irritação entre os moradores do Álvaro Wayne TEXTO E FOTO: LENILSON SANTOS

Ainda naquela manhã, fico impressionado com o verde tão bonito de algumas árvores daquela praça, mas também percebo tamanha sujeira e ingratidão com a população daquele local e desrespeito com a praça que poderia ser mais bem tratada. Isso tudo é gerado por causa da imundice naquela rua, o lixo sempre jogado lá é revoltante e intolerável: papéis, copos descartáveis, caixas de papelão e sacos plásticos sempre voam e acabam deixando a praça suja e aparentando verdadeiramente um lixão a céu aberto com ratos e pombos.

Caminhão de caçamba vermelha despeja lixo pela Rua Walter Pompeu.

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m pleno feriado numa manhã ensolarada de terça-feira, vou à Praça do Lúcio para conversar sobre a vasta sujeira na Rua Walter Pompeu, localizada no bairro Álvaro Wayne. Chego à praça, lá encontro três mulheres que aparentavam estar muito alegres, segurando uma “geladinha” e um tira gosto muito suculento em uma mesinha. Sento ao lado delas e pergunto se elas aceitam conversar sobre a sujeira na Rua Walter Pompeu. Logo elas dizem “menino, é para algum jornal, é? É sobre o mau odor dali? É sobre as galinhas que jogam sempre ali, é?”. Logo me animo, percebendo que conseguirei várias informações sobre aquele fato, elas logo se apresentam. “Me chamo Carla Freitas, sou vendedora e tenho 26 anos e essas são minhas vizinhas: Régia Pereira Silva, dona de casa, 28 anos, e Glacilene Pereira, dona de casa”. Nós começamos a conversar e pergunto o que acontece para ter todo esse lixo e tremendo fedor na praça. A Régia logo se pronuncia “Isso aqui é uma porcaria, há mais de vinte anos vivemos com isso. Sabe o que acontece aqui? Jogam tudo, mas é tudo, meu filho; vêm carros jogar entulho, jogam restos de comida, jogam lixo, animais mortos, tudo, tudo o que você imaginar!”. Quem quis se pronunciar também foi

vizinhos já foram enviadas para o órgão responsável pela administração do bairro e nada foi feito. Ela diz mais: “tem mercantis que jogam coisas aqui e tem um restaurante que joga restos de alimentos, também. Até tem uma caçamba que tira o lixo quase todos os dias, mas também tem uma caçamba vermelha que joga muito entulho aqui”.

a Carla: “É pra falar? Mas é pra falar tudo? Porque se for assim, eu tenho muito que falar.” Ela começa a soltar o verbo: “Seu menino, isso aqui está muito complicado, vem gente de tudo que é canto jogar lixo aqui, vem até mercantis da proximidade ‘deixa’ lixo aqui. Nós já pegamos os nomes dos mercantis, número das placas de quem joga, damos para a ‘reclamação’, e eles dizem que farão algo, mas nada fazem. Olha, sabe o que estão fazendo agora? Estão trazendo fios de energia para queimar e tirar o cobre. E isso faz mal a nós, a fumaça é horrível e prejudica bastante as crianças. E com tanto lixo assim, aparecem bichos que fazem mal a toda população. A gente convive com muitas baratas e muitos ratos, mas é muito, muito mesmo, isso é muito nojento! Essa sujeira toda acaba com o nosso lazer, a nossa praça, uma grande parte do lixo voa para cá e fica sujando tudo, e não vem ninguém limpar, assim não dá pra viver”. Do trio das vizinhas foi a Glacilene a falar por último. Ela foi quem deu declarações mais fortes, declarações que eu não esperava escutar. Ela critica fortemente a Regional I, pois todas as reclamações dos

Glacilene continua a declarar: “Mas o pior de tudo é o que vou lhe contar agora. Eu nunca tinha visto isso em canto nenhum, sempre vem um homem com um carro muito velho jogar frango aqui e isso faz feder muito. Nós moradores não suportamos a situação e fomos reclamar com esse homem, perguntar por que ele fazia isso quase toda semana. Sabe o que ele fez? Uma coisa que deixou todos nós, moradores, com medo: ele nos ameaçou com revólver, e disse que, para quem reclamasse, ele iria usar o que tinha na mão. Esse foi o dia que mais medo eu tive, pois estávamos reclamando sobre uma coisa que é para o bem da comunidade e vem um cara desses fazer isso, não sei nem pra quem reclamar, pois os responsáveis não dão jeito, quem dará!?”. E com essa grave denúncia de Glacilene, encerro minha conversa com o trio de vizinhas que aproveitavam bem o feriado merecido. Percorrendo mais um pouco o entorno da Praça do Lúcio, deparo-me com um salão de beleza de muro alto e cor rosa bastante chamativo. Vejo um homem no balcão do salão conversando com os clientes e bastante descontraído. Ele me recepciona bem e pergunta o que eu quero, novamente pergunto se ele quer falar e se ele tem o que falar da Rua Walter Pompeu, ele se surpreende e diz: “Sobre aquela rua

fedorenta? Deus me livre, ali só tem o que não presta! Olha, lá os próprios moradores jogam lixo também, e as noites são muito perigosas, pois sempre tem usuários de drogas, e ainda mais, tem uma coisa que não entendo: por que nunca se teve postes fluorescentes para iluminar aquele quarteirão?”. A insatisfação dos moradores do entorno da praça é constante, eles reclamam pelos seus direitos, por uma limpeza e higienização da Rua Walter Pompeu para o bem da comunidade e a saúde da população. Os moradores do entorno já reclamaram várias vezes ao órgão responsável, mas nada se foi feito. Entrei em contato com a assessoria de comunicação da Regional I, sobre o descaso do lixo na Rua Walter Pompeu, mas eles não quiseram se pronunciar. O proprietário do salão de beleza, Edson Lelis, 46 anos, faz uma declaração inusitada, ele desabafa que nos finais de semana o mau cheiro é tão forte que ele não suporta e tem que alugar casas em outros lugares para passar o final de semana. E continua a denunciar: “Aqui no salão só estamos atendendo por hora marcada, os clientes não aguentam sentir tamanha fetidez, e digo mais, para tentar amenizar estou utilizando produtos com um bom cheiro para exterminar a ‘catinga’ que vem de lá”. Ninguém sabe o que é morar próximo à Rua Walter Pompeu, a não ser os moradores do entorno. Morar lá seria muito bacana, pois tudo tem próximo - eles têm restaurantes, posto de gasolina, igrejas, academias, lanchonetes e uma praça; mas o triste é que com tudo isso os moradores têm que conviver com o ‘lixão’ no qual se transformou um dos quarteirões da Rua Walter Pompeu. Moradores não sabem explicar porque não há solução, eles já procuraram órgãos responsáveis do bairro para uma melhoria, mas nada é feito. O que cabe para eles é viver com o mau odor, a insatisfação de não terem um lugar limpo para ter lazer e a amargura do esquecimento por parte da administração pública, por mais de vinte anos, sem resolver o problema.


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TRÂNSITO

Saia da caixa e vá de bike Veja o que várias pessoas estão fazendo para se livrar do trânsito congestionado da capital. TEXTO: ALEX MONTEIRO FOTOS: ALEX MONTEIRO E NINA TANGERINA

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rânsito congestionado, calor insuportável, má educação por parte de alguns motoristas e um “buzinaço” ensurdecedor são características da quinta maior capital brasileira. A cidade de Fortaleza possui graves problemas de mobilidade urbana. Segundo o Detran (Departamento Estadual de Trânsito), nas últimas duas décadas, o número de carros no Estado do Ceará aumentou 78,23%. Há 20 anos, um automóvel era sinônimo de liberdade, autonomia e mobilidade, agora, em pleno século XXI, percebe-se que várias pessoas já procuram novas alternativas para se locomover com mais rapidez pela cidade, e o uso da bicicleta como meio de transporte tem sido a opção mais favorável. Nos últimos anos, a bicicleta passou de um simples brinquedo de criança para um transporte alternativo bastante eficaz dentro das zonas urbanas. Atualmente é utilizada por várias pessoas que optaram por esse meio para se deslocar por ruas e avenidas cada vez mais lotadas de carros. “Já faz dois anos que optei por usar a bicicleta para ir ao trabalho, percebi que, além de dinheiro economizado, houve uma melhora na minha qualidade de vida, pois não me estresso mais no trânsito” comentou Thiago Régis, 26, que todos os dias da semana faz seu percurso do bairro Montese até o seu local de trabalho que fica no centro da capital. Mas essa constante briga por espaço vem ocasionando uma polêmica entre governantes, motoristas e ciclistas, como afirma o condutor Júnior Vieira, 28, sobre a faixa exclusiva que existe na Rua Ana Bilhar, “Depois que colocaram essa faixa exclusiva, o trânsito aumentou e tem poucos ciclistas que trafegam por ela. Isso é um absurdo, reduzir o espaço do carro enquanto que eles não utilizam o espaço que conquistaram”.

Segundo a AMC (Autarquia Municipal de Trânsito e Serviços Públicos), isso não é verdade. Antes da faixa exclusiva ser implantada, passavam por lá dois ciclistas a cada três minutos e agora com a faixa exclusiva passam quatro ciclistas por minuto. Em relação ao trânsito que existe no local, o aumento se deve por causa do número de veículos e não pelo aumento de ciclistas. “A melhor opção foi ter trocado o carro pela bicicleta: além de ser mais rápido e de não ser poluente, eu não pego mais trânsito e como a minha rotina no trabalho é bastante conturbada, ir para o trabalho de bicicleta me ajuda a manter a forma,” comentou o empresário Paulo Estevão, 56, adepto à bicicleta como meio de transporte. Existem pessoas que pedalam por dia cerca de 40 quilômetros de casa para o trabalho, assim como o senhor Antônio José da Silva, 52, “Eu trabalho com serviços gerais há mais de dez anos em um condomínio de luxo na Aldeota e moro na Barra do Ceará, sempre ia de ônibus e demorava cerca de duas horas para chegar ao trabalho, quando passei a ir de bicicleta chego em 50 minutos e dá tempo de sobra para me preparar para o expediente”. “Torna-se bastante difícil uma pessoa se locomover de bicicleta pela capital além de ser perigoso por causa dos assaltos, os ciclistas ainda têm que dividir as ruas e avenidas com carros, ônibus, motos e caminhões e é fato que a maioria deles não respeitam os ciclistas. Eu mesmo quase já fui atropelado várias vezes por causa de motoristas ignorantes”. Afirmou João da Silva Pereira, 36 anos, ciclista, dono de uma loja de bicicletas e organizador de um passeio ciclístico pela cidade todas as terças e quintas-feiras, às 20 horas. Não resta dúvida de que a bicicleta é um transporte que ajuda bastante na mobilidade urbana

e ainda melhora a qualidade de vida do usuário, além de não congestionar o trânsito e de também ser um transporte 100% sustentável. Portanto, motivos não faltam para que seu uso seja incentivado pelas autoridades públicas. Das capitais brasileiras, Fortaleza é a que possui a menor estrutura em relação a vias para o fluxo de bicicleta, são 74 quilômetros de ciclovias e faixas exclusivas. Até o final do ano, a prefeitura quer aumentar esse número para 300 quilômetros de ciclovias, um estudo está sendo realizado junto à Secretária de Infraestrutura para saber quais os melhores locais para implantação. Ao redor do mundo a bicicleta também é utilizada como meio de transporte, Estados Unidos, França, Alemanha, Holanda, Inglaterra, China e Índia estão entre os países que mais incentivam o seu uso. Na Europa existe a maior ciclovia do mundo, chamada de EuroVelo que possui 12 rotas de longa distância somando 60.000 quilômetros também usados para o cicloturismo. Das capitais brasileiras a cidade do Rio de Janeiro é a que possui o maior espaço cicloviário do país. São 250 quilômetros e até o final de 2014, a cidade irá ganhar mais 100 quilômetros de ciclovias, obtendo a maior malha cicloviária da América Latina com 350 quilômetros de extensão.

Ciclovia na Rua Ana Bilhar, Aldeota 7


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CULTIVARTE

A cena do cinema cearense Além dos cinemas comerciais, o público também vem lotando as salas dos cinemas independentes, e, dessa vez, não é para assistir apenas as produções globais. TEXTO: PRISCILLA RAMOS

FOTO: SHEYLA CASTELO BRANCO

Sala do Cinema do Dragão: Fundação Joaquim Nabuco.

[take1]

As bilheterias esgotam-se rapidamente e a procura do público é por pequenas produções cinematográficas, pequenas por não ter auxílio e divulgação das produtoras reconhecidas no mercado nacional, mas com grande reconhecimento em festivais e elogios da crítica especializada. Exemplos disso são os recentes filmes ‘Ninfomaníaca’, ‘Azul é a Cor Mais Quente’ e ‘Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’, que ganharam o interesse e bons comentários do público cearense, talvez pela abordagem mais ‘alternativa’ que possuem. Público para a sessão de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho.Foto: Asssessoria de Comunicação e Marketing do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. As produções independentes, de linguagens diferentes geralmente são expressões artísticas de um realizador que deseja e tem liberdade para definir a forma de narrativa, as técnicas e o conteúdo da trama fora dos padrões da indústria de entretenimento. O público também está atento aos filmes que concorrem em festivais locais como o Festival Cine Ceará, Curta Canoa, Festival de

Jericoacoara, For Rainbow [consolidado como um dos mais importantes do Brasil na temática, diversidade sexual] e o recém-realizado Curta o Gênero. Os filmes que passam por esses festivais geralmente estreiam nas telonas dos cinemas independentes, como o Cinema do Dragão, daFundação Joaquim Nabuco, e dificilmente vão parar nas salas sofisticadas dos cinemas comerciais. “Eu frequento mais o do Dragão. Por conta dos filmes terem muito mais conteúdo, terem geralmente um formato de retrato [origem] francês, que eu adoro, e ainda é mais barato”. Disse a estudante Paula Grubert, que deixou ainda mais clara a sua preferência em afirmar que os formatos dos filmes que ela encontra nos cines independentes, como o Dragão, possivelmente não vai encontrar nas salas dos shoppings. As produções locais dificilmente estreiam nos cinemas comerciais, e por isso não são tão divulgadas, consequentemente não ganham tanta repercussão. As exibições acontecem mais nos cinemas independentes onde o público é mais seletivo nas escolhas dos filmes e se comporta

nas seções como observador da arte cinematográfica local. “Eu não sou cearense, mas fui criada aqui e estudo audiovisual aqui e eu me interesso pela valorização da produção local. É importante tanto pra gente se apropriar disso, nós estudantes, como quem consome. Eu acho as produções daqui ‘fodásticas’ [gíria que define uma coisa muito boa, melhor do que as muitas palavrasque indicam elogios,no dicionárioAurélio], não só do Ceará, o nordeste como um todo. Isso é um gosto bem pessoal, eu não gosto daquelas grandes produções ‘hollywoodianas’ de ficção, super-heróis, eu gosto de filmes de arte, documentários. Não são filmes que ‘foram feitos pra vender’ e sim que são belos na sua essência.” Comentou Iarla Lima. Entre os nomes que são referênciado cinema local estão Rosemberg Cariry, diretor de ‘Os Pobres Diabos’ (2013) e de ‘Siri-Ará’onde teve participação no41º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e 19º Cine Ceará- Festival Ibero-Americano de Cinema, os dois festivais em dezembro de 2008.Também KarimAïnouz, diretor e roteirista de ‘Madame Satã’ (2002), selecionado para a mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes e em seguida premiado nos festivais internacionais de Chicago (EUA) e Huelva (Espanha). E o recém-estreado Praia do Futuro (2014). Selecionado para a mostra competitiva do Festival de Berlim 2014. Muitos outros trabalhos foram realizados pelos dois diretores nos quais ocupam também outras funções e parcerias. É inevitável não falar do Halder Gomes que foi roteirista e diretor do fenômeno ‘Cine Holliúdy’, versão longa metragem do curta ‘Cine Holiúdy – O Astista Contra o Caba do Mal’. Esses três cineastas, entre muitos outros que não foram citados acima, são alusões aos novos produtores locais. Um livro que oferece por vários ângulos a cena do cinema local é ‘Cartografia do Audiovisual Cearense’. O livro foi realizado pelo Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria de Cultura, Agência Nacional do Cinema – ANCINE, Banco do Nordeste do Brasil e Universidade Federal do Ceará, por intermédiodo Curso de Cinema e Audiovisual. Ele é uma ótima referência bibliográfica

para os novos produtores e um ‘universo’ histórico para quem gosta de cinema.

[take2] Produções in’dependentes’

Apesar do aumento de frequentadores, de discussões sobre as produções locais e mais interesse em conhecer essa arte, as produções cearenses ainda não têm um espaço visível em festivais e em salas de cinemas. Um facilitador para essas exibições, tanto para os produtores independentes quanto para os cinéfilos,são as mostras de cinema e os cineclubes, como O Cine Caolho,realizadono Cinema do Dragão, Fundação Joaquim Nambuco, sempre com a presença dos realizadores dos filmes para um debate com o público após as sessões. A internet também é outro facilitador, pois é importante ter um espaço de divulgação nas redes, um exemplo disso é a produtora local,Alumbramento Filmes, grupo de jovens artistas que compartilham do desejo de fazer filmes e usam a internet como um meio para divulgá-los. De fato o cinema cearense vem ganhando reconhecimento e adeptos. Além dos cursos de graduação em duas universidades, Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (Unifor), também acontecem formações básicas na área através de escolas que possibilitam o conhecimento dessa arte, sem nenhum custo, como Porto Iracema das Artes, a Vila das Artes, a Fábrica de Imagens e a Rede Cuca. A consequência disso só poderia ser muitas produções independentes, curtas-metragens, longas-metragens, documentários e animações, sem grandes investimentos e que por muitas vezes só são executados através de editais, incentivos às produções artísticas e culturais com apoio e financiamento público. O órgão responsávelpela criação de editais e formulação de políticas públicas de culturano estadoé a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult-CE).Dentre os editaislançados em 2014 está o Ceará de Cinema e Vídeo 2014 que terá o investimento total aproximado de R$ 4,4 milhões. Já em Fortaleza o órgão responsável por editais é a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), que não respondeu às quatro tentativas de contato da produção do jornal para informar quais foram os recentes investimentos na área cinematográfica da cidade.


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Tiago Pedro, 27, é um desses produtores independentes. Tiago é autodidata e já estudou na Vila das Artes, no Porto Iracema das Artes e é o único nordestino, da última seleção, que passou na Escuela Internacional de Cine y Televisión (EICTV), em Cuba. Ele trabalha há pelo menos sete anos com audiovisual em Fortaleza e já participou de quatro editais, três estaduais e um do Rumus Itaú Cultural.Tiago informou o que a Secultfor não foi capaz de responder, “ASecultfor sempre atrasa os pagamentos de editais. Isso é um problema sério de produção pra filmes, outra coisa, a Secultfor não fez edital esse ano e diminuiu em 30% a verba pra pasta de cultura, o que agrava a situação. A questão é supercomplexa. Cultura é prioridade pra Fortaleza? Creio e acho que não. Prioridades são fome, saúde, educação e segurança. A cultura tem que transpassar essas coisas, ajudando elas. A pasta em cinema pode ajudar a divulgar a cidade, a promover questões de memória e de cultura. Podem ser ditas trinta coisas, existem filmes que podem ser feitos com trinta mile filmes feitos com três reais, cada filme tem sua demanda. Era legal que houvesse verba,mas isso também cria uma dependência dos editais. Só faz filmes se tiver verba pública, não existe patrocínio privado”. As observações do Tiago Pedro levaram a outra questão, é muito difícil produzir filmes sem verba. Se o patrocínio público é difícil, o patrocínio privado é quase inexistente para produções independentes. Tem gente que só produz se ganhar edital, fica evidente então que as produções independentes são, na maioria das vezes, dependentes de verba pública e se ela não existe, não existe filme.Quem quer fazer cinema ainda depende de mais iniciativas públicas, criação de mais editais, formações e espaços para exibições e a valorização das produções locais. Ainda bem que está havendo um reconhecimento e respeito das produções independentes locais e que existem alternativas que ultrapassam as limitações dos órgãos públicos nas criações de editais, como O Programa de Ocupação dos Espaços da CAIXA Cultural e os editais culturais do Instituto de Artee Cultura do Ceará – IACC, através do Dragão do Mar.

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PÁTRIA DE CHUTEIRAS

Copa da ostentação As promessas foram muitas, mas o que foi concluído para a Copa do Mundo e quanto custou o jogo político. TEXTO: VINÍCIUS DE ABREU

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m 2007, o Brasil penta campeão mundial foi eleito sede da Copa do Mundo de 2014. A notícia que o país do futebol iria sediar o maior evento futebolístico do mundo, há sete anos, gerou uma comemoração estrondosa. Mas somente dois anos depois começaram as obras para estruturar o país em torno dessa festividade global.

aos turistas que têm problemas com acesso ao estádio, prejudica principalmente aos moradores que moram nessa área. A dor de cabeça é generalizada pelo barulho das máquinas, a poeira que invade as casas, além do comércio local que é prejudicado pelas obras.

ainda não foram terminados, e fica claro que não haverá tempo antes da copa.

As obras no Brasil inteiro só começaram dois anos após sermos eleitos sede da Copa de 2014, e hoje pagamos a conta pelo tempo perdido e pela falta de planejamento para um evento grandioNão somente na capital cearense, so como esse. Os estádios estão como também em todo o Brasil, quase prontos, ainda faltam Além do futebol, também somos o problema mais preocupante quatro a serem concluídos. Mas conhecidos por outras caracterís- está na mobilidade pública. Os onde está um país padrão FIFA ticas mundo a fora – deixar tudo tão sonhados Veículos Leves em volta desses estádios? Os para a última hora e a vontade sobre Trilhos (VLT), projeto que ônibus cada dia mais lotados, e de querer gastar dinheiro aos caminha lentamente para sua dentro desses ônibus é possível montes. Quem acompanhou o conclusão. Por meio de nota oficial ver obras inacabadas com proplanejamento brasileiro para a o Governo do Estado do Ceará messas de conclusão “o mais candidatura da copa, viu mara- disse que essas obras serão en- rápido possível” e com um suvilhas estruturais. Uma refor- tregues o mais rápido possível. perfaturamento absurdo. Dados mulação total de infraestrutura, Outro projeto que envolve a mo- mostram que o gasto previsto inclusão de 17 estádios de futebol, bilidade urbana são os BRT (Bus para os estádios eram de 6,152 melhorias na mobilidade urbana, Rapid Transport) – transporte bilhões de reais, e o custo real inovações dignas de filmes de rápido por ônibus em português. foi de mais de nove bilhões. É um ficção científica. Que insere ônibus mais modernos, acréscimo final de mais de 40%. confortáveis e seguros em uma Onde foi parar esse dinheiro? Com todo o planejamento finan- linha exclusiva para deixar o ceiro feito, a promessa do então trânsito mais fluente. Porém De que forma serão utilizados os estádios que não têm a mínima ministro do esporte, Orlando Silva visibilidade futebolística? São de que os gastos com estádios paros casos das cidades de Cuiabá, tiriam da iniciativa privada, com Manaus e Brasília. São essas previsão de cerca de um bilhão decisões políticas que nos de reais em cada estádio não deixam temerosos; saber que se cumpriu. Um exemplo é o o estádio Mané Garrincha Maracanã, orçado em R$ 932 custou mais de um bilhão e milhões, acabou custando meio de reais, quando o seu aproximadamente R$ 1,2 custo inicial era de metade bilhões, sendo que um terço desse valor. dos gastos veio dos cofres públicos. Essa obsessão de querer gastar dinheiro para imPassado seis anos e cinco pressionar entidades como a meses a realidade é totalFIFA revela a ambição dos pomente diferente das belas líticos brasileiros que é o convite imagens 3D criadas por comà corrupção desmedida. Essa putação gráfica. Das 167 obras frase aguça minha imaginação, anunciadas para a Copa, menos pois com todos os gastos exada metade foram concluídas, cerbados realizados até agora, apenas 68 (41%) foram construínão impressiona se entre uma das no prazo. reunião e outra, alguém queira acender um charuto cubano queiEm Fortaleza não é diferente, mando uma nota de cem reais. apesar de a Arena Castelão ter Essa pode não ser a melhor Copa sido inaugurada no prazo correto, do mundo, mas certamente será faltam ser concluídas as estrutua “Copa da O$tentação”. ras à sua volta. A Avenida Paulino Rocha ainda sofre com essa falta de compromisso com o cronograma. Esse atraso não prejudica somente 9


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Luthieria: uma arte mais antiga que o Brasil TEXTO E FOTOS: VINÍCIUS ABREU

FOTOS: DIVULGAÇÃO

ção, restauração, etc. Então, o mercado chinês atrapalha só neste setor: fabricação. Mas luthiers aproveitam também desse mercado, hoje podemos comprar lá a preços de 5 a 20 vezes mais barato do que nas lojas daqui de Fortaleza.”Explica Patrick Rubaud, luthier francês que já mora e pratica sua profissão no Brasil há mais de uma década.

Oficina de Luthieria de Patrick Rubaud localizado no Bairro Colônia em Fortaleza.

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aquele garoto que está aprendendo uma simples música no violão, ao musicista mais bem conceituado de um respectivo país, uma coisa eles têm em comum: alguém que repare ou construa seu instrumento de corda, este é o luthier. Luthier é o nome dado aos profissionais especializados na construção de instrumentos de corda com caixa de ressonância ou elétricos como violão, guitarras, bandolins, violinos, alaúdes. A origem dessa palavra vem do francês luthque significa alaúde, um instrumento de cordas com caixa acústica em formato de gota, bastante tradicional na Europa e Ásia. Este ofício existe há séculos eum dos mais bem conceituadosprofissionais da área chamava-se AntonioStradivari, que por décadas deu vida aos violinos Stradivarius, tão renomados e até hoje sinônimo de perfeccionismo sonoro. Em grande parte da Europa, no sudeste asiático ou países como Estados Unidos essa tradiçãopermanece viva. Além disso, o fato de muitas

peças para instrumentos serem fabricadas por empresas especializadas destes países,esta prática continua sendo alimentada. A força do mercado industrial de produção de instrumentos musicais em larga escala de países como China e Japão torna a vida dos músicos mais fácil, mas também mudou a visão destesprofissionais. Ao contrário de outros tempos onde era impossível a importação de peças e instrumentos, hoje há facilidadepara todo tipo de aquisição. O resultadosão os recordes de vendas de instrumentosno Brasil a cada ano que se passa. Uma das consequências de ano após ano as empresas possuírem saldo positivo nas vendas é diminuir custos levando seus projetos para China e de lá utilizando a mão de obra chinesa, que é mais abundante e mais barata o que barateando o custo total. “A mão de obra na China é praticamente escrava e abundante. Eles conseguem ter preços muito mais baixos. Além disso, o Brasil possui relações comerciais

amplas com esse país, então, o material é facilmente importado e chega a nós com preços interessantes. O foco dessas fábricas [em escala industrial] é nos instrumentos de baixo e médio custo, enquanto os luthiers focam na construção de instrumentos de alto nível.”Explica o luthier Rafael Gomes, há quase 16 anos no ramo da luthieria na cidade de Fortaleza. Não só na questão de importação de peças avulsas, mas também de um instrumento completoque o mercado asiático facilita e realiza o desejo de quem quer ter seu primeiro instrumento, pois uma das consequências da fabricação de massa é uma maior acessibilidade.Entretanto, devido àprodução ser em larga escala, o controle de qualidade às vezes deixa a desejar, tonando lucrativooutraárea da luthieria: a manutenção. “Ao contrário do que essa profissão era de berço, a fabricação não é mais o foco, porque não é mais tão rentável e toma muito tempo,que para nós é algo muito precioso, o foco é a manuten-

Quando se tem certa quantia em dinheiro, experiência em música e se está à procura de um instrumento que sacie a sua necessidade,seja ela para tocar o metal ou a bossa nova, aluthieria abre portas em outro aspecto que o mercado de massa não - a personalização.Muitos destes profissionais têm suas próprias pequenas empresas voltadas para seu seguimento específicoque é saciar o desejo do músico de ter algo único. “Antigamente, o instrumento de luthier era uma “alternativa’’ para quem não tinha ou não queria gastar certa quantia em instrumentos de marcas famosas. Então, optava-se por fazer uma replica. “No meu caso, tento ao máximo valorizar a minha marca, PeruzzoCustomGuitars, e isso vai criando empatia e percepção de valor pelos clientes.”Explica CléderPeruzzo, luthier de Caxias do Sul, com sua empresa especializada em instrumentos customizados.

“Conheço empresários fabricam móveis com madeiras muito inferiores. Eles lucram mais que os luthiers, pois fazem em quantidade e jogam para as lojas venderem aos preços que querem”.


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Em meio a ferramentas como chaves de fenda, réguas de diferentes utilidades, formões, gabaritos para os mais variados serviços feitos nas madeiras, a calma é essencial para quaisquer tipos de trabalho nos instrumentos. O tratamento feito pelo luthier com a madeira, olhando profundamente os desenhos que cada madeira vai formando com o passar do tempo e planejando qual forma vai dar criação a um futuro instrumento de corda. Entretanto um problema comum para todos os luthiers no Brasil é a falta de certas ferramentas para utilização em certos trabalhos no instrumento. E manuseando casa instrumento, descobrindo qual madeira foi utilizada para sua construção, a idade que essas “moças” carregam ou até mesmo o seu estado de conservação, esses profissionais tem varias expressões sentimentais seja ele um acústico ou elétrico. “Quando você testa duas guitarras iguais, com o mesmo amplificador, você vai percebendo quem eles têm sonoridades diferentes, e é por isso que eu tenho convicção que cada instrumento é um ‘ser diferente’. Cada um tem sua identidade própria” – afirma Maurício Bacellar, luthier carioca formado pela SummitSchoolofGuitarBuildingandRepair escola de luthieria canadense.

meu lucro é muito inferior, mas eu trabalho com luthieria pelo amor e satisfação tanto minha como de cada cliente que vem até a minha oficina”. Desabafa o luthier Patrick Rubaud. Algo que teoricamente mudaria a realidade cultural das crianças e adolescentes no Brasil seria a aprovação da Lei 11.769/08, que torna obrigatória a educação musical nas escolas de ensino fundamental e médio, isentando as escolas de impostos na aquisição de instrumentos. A intenção desta lei não é a formação de músicos, mas o desenvolvimento da criatividade, disciplina e a sensibilidade musical. Infelizmente, observando a realidade de muitas das escolas públicas, nota-se uma escassez estrutural, seja para o ensino de música como para qualquer outra disciplina, e isso acarreta a desmotivação dos alunos. A prova maior dessa falta de compromisso com o ensino é que essa lei foi aprovada há seis anos e falta muito para esta disciplina ser praticada.

Contudo, a Anafirma (Associação Nacional dos Fabricantes de Intrumentos Musicais) em parceria com a Sindimúsica (Sindicato Patronal das Indústrias de Instrumentos Musicais) firmou acordo para a campanha “Quero educação musical na escola” com o objetivo de propagar a importância da aprendizagem do estudo musical de crianças e adolescentes. São comprovados cientificamente os benefícios do estudo da música desde a infância, dentre eles estão o fortalecimento da coordenação motora, redução da ansiedade, e melhoras de raciocínio lógico. Contudo,o Brasil começa a criar maturidade para o mercado musical, empresas nacionais estão com mais visibilidade. Aoscilação da moeda americana torna incertos os preços e aburocracia da importação torna ainda mais difícila vida dos músicos e luthiers, que,para poupar dinheiro, acabam comprando diretamente no exterior.E é por

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esse interesse de muitos brasileiros que lojas como Musical Center,situada nos E.U.A., e muitos vendedores de sites como Ebaycomeçam a enviar produtos para o Brasil, visando lucros fora do eixo Estados Unidos - Europa. Seja para alguém que queira comprar um instrumento no exterior ou no Brasil,seja para quem está começando os estudos pela curiosidade, ou já sendo um músico profissional, uma coisa é certa – o luthier pode pegar um instrumento bom e deixa-lo excelente ou fazer um verdadeiro “milagre” em um violão que estava jogado no canto do quarto. Coisas como umidade, variação térmica, não colocar o instrumento em sua devida proteção são os maiores inimigos dos instrumentos feitos de madeira. E estes profissionaissão responsáveis por transformar um instrumento de corda em uma verdadeira máquina musical.

Contudo, todo esse glamour e riqueza histórica que norteia estes profissionais se alteram quando o seu lado humano é posto em questão. Até antes do advento da internet, era muito difícil para quem queria aprender aarte da luthieria até mesmo saber quais ferramentas utilizar. E após anos de estudos,erros e acertos, que é algo pertinente a esteofício, alguns profissionais se sentem frustrados quando o assunto é o devido reconhecimento comparado a outras profissões. “Conheço empresários que trabalham com fabricação de móveis e trabalham com madeiras muito inferiores aos que os luthiers trabalham, porém eles lucram muito mais, pois apenas fabricam em quantidade e distribuem para as lojas venderem aos preços que querem. Já nós,luthiers, fazemos instrumentos de acordo com cada cliente, mas eu trabalho com preços que são viáveis para mim e os meus clientes. Assim,

Guitarra Buffalo Trace II criada por CléderPeruzzo.

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Bem-vindo à selva CULTIVARTE

Fortaleza entra no circuito internacional do rock. Pela primeira vez, a capital cearense recebe o Guns n’ Roses, uma das maiores bandas de hard rock do mundo. TEXTO E FOTO: ALEX FERREIRA MONTEIRO 17 de abril de Quinta-feira, 2014, às 09h00 da manhã, sob

que se via no palco era a imagem de uma caveira com duas rosas. O público começou a ir ao delírio quando se escutou os primeiros acordes de Chinese Democracy tocada pelo guitarrista Dj Ashba: a gritaria começou e quando a banda inteira apareceu,o centro de eventos quase vem a baixo devido à “explosão” de rock e pirotecnia.

chuva forte, vários roqueiros de blusa preta, calças rasgadas e bandanas na cabeça aguardam ansiosamente pela abertura dos portões, para conferirem de perto uma das maiores bandas de rock do mundo: o Guns n’ Roses. Vários fãs chegaram bem cedo para conseguir um espaço bem próximo do palco e nem a forte chuva os atrapalhou. Abrigaram-se debaixo de uma tenda. Os roqueiros americanos encerram hoje a turnê pela América Latina South American Tour 2014, que começou no Paraguai, passando depois pela Argentina, participando do evento Hell & Heaven no México até chegar aqui no Brasil onde se apresentaram em São Paulo, Curitiba, Brasília e Rio de Janeiro antes de chegarem a Fortaleza. É a primeira vez que a banda vem se apresentar aqui na capital. O Guns n’Roses começou a fazer sucesso em 1987, com o disco “Apetite for Destruction” e a partir de então tiveram uma carreira meteórica durante toda década de 1990. Este disco contém várias músicas que se tornaram praticamente hinos de uma geração roqueira como, por exemplo: Sweet Child o’ Mine, Welcome to the Jungle, It´s so easy, dentre outras. Durante esse período, o grupo ganhou o apelido de “a banda mais perigosa do mundo” devido a brigas e confusões com a imprensa que ocorreram em sua turnê mais polêmica: Use Your Illusion. A banda já existe há mais de 30 anos, suas músicas fazem parte da vida de vários fortalezenses, portanto as expectativas são as melhores possíveis para muitos; entretanto, outros acreditam que o show deles vai ser uma ‘furada’ como, por exemplo, o baixista da banda Glorian Day, Albiano Lima (28), “Posso afirmar que o Guns n’Roses acabou, essa formação atual não é muito boa, os músicos até que são bons, mas não chegam perto da formação original. Vale a pena ir para o show somente pelos clássicos; pela banda em si, não”.

Com certeza um dos momentos mais aguardados pelos fãs fortalezenses foi a participação do ex-baixista do GNR, Duff Mckagan, que arrasou na apresentação de Recife e Fortaleza. Ele estava bastante entrosado com a banda atual e até assumiu os vocais na música “Atitude”, que está presente no álbum Use Your Illusion 2. Foi ótimo ao ver o Axel e Duff tocando juntos fez-me lembrar o Guns do início da década de 1990. “O Guns marcou a minha adolescência, uma banda como essa era impossível imaginar que um dia iria vir tocar aqui em Fortaleza. É verdade que eles não possuem a mesma qualidade técnica que tinham no passado e nem mesmo o Slash [guitarrista da formação original de 1987 a 1993] encontra-se entre eles. Porém,três músicos da formação original vão estar no show, então vale a pena” Comentou Leandro Nascimento (30), roqueiro que há doze anos é fã do grupo. Muitos afirmam que é um show histórico para a capital cearense, por que é a primeira vez que uma banda de rock dessa magnitude toca aqui no Estado.

Um fã na multidão

17 de abril de 2014: será impossível esquecer essa data. Assim como muitos, eu estava ansioso para ver de perto o GNR, uma banda que fez história no cenário rock n’roll. Confesso que estava meio apreensivo, pois escutei vários comentários sobre a fase atual da banda que em sua maioria eram desestimuladores: “A banda já era”, “o Axel está fora de forma e não canta mais nada”, “o Guns atual é um cover mal feito do Guns de verdade”.

Foi com esse clima de incerteza que fui assistir ao show. Quando cheguei ao local, deparei-me com aquele mar de gente, filas quilométricas de fãs que estavam bastante ansiosos para ver a banda. Pensei que seria impossível entrar antes de o show começar, mas até que a fila andou rápido. Quando entrei percebi como foi bem produzido o evento. Fiquei espantado quando presenciei no centro de eventos toda a estrutura montada para o show - aquilo era de outro mundo. Além de o espaço ter um tamanho faraônico, couberam todos os fãs, que aos poucos, foram chegando e logo se acomodando para conferir a apresentação. Quando ninguém esperava, as luzes foram apagadas, solos de guitarra começaram a agitar o público - mas calma, galera, era somente a banda cearense 085, encarregada de abrir o show. A banda local tocou músicas autorais, seu show até que foi bom, mas infelizmente não empolgou o grande público que pedia e implorava pelo Guns n’ Roses. A banda 085 terminou sua apresentação às 22h30 e logo alguns fãs comentaram: “vixe... agora o Guns vai fazer hora pra‘mode’ não perder o costume”. Mas não foi bem assim, depois de esperar 40 minutos, todas as luzes apagaram novamente e o

O relógio já marcava 01h30, da manhã de sexta-feira e era visível o cansaço do público que estava vibrando freneticamente com todas as músicas ali tocadas. Quando se pensava que ninguém mais iria vibrar com a apresentação do GNR, algo inusitado aconteceu no palco, na música Civil War, Axel rose apareceu com um chapéu de cangaceiro, praticamente não existe algo que se representa melhor o Ceará e o Nordeste do que um chapéu de cangaceiro. E o público mais uma vez adorou essa forma de respeito por parte da banda. Com certeza esse foi um dos grandes momentos do show que teve uma duração de três horas, Axel e sua banda presenteou os fãs fortalezenses com novos e antigos sucessos. E para encerrar essa noite de clássicos nada mais nada menos que “Paradise city” que veio acompanhada de pirotecnia. Ao final da apresentação Axel reuniu a banda que agradeceu ao público pelo apoio e carinho vindo dos mesmos.

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