05 MANICÔMIO 10 MANIAS DE TORCEDOR 12 POR ENTRE CELAS DE AULA
ISSN 1982-2995 REVISTA DA FACOM-UFBA. ANO V, N. 8. SALVADOR, INVERNO 2010
Regata Lev Smarcevski, 24-01-2009 - Fotos Graciela Natansohn
EXPEDIENTE
_ Redação: (editores) __ Circo Urbano: Vitor Villar __ Prova dos Nove: Marília Moreira __ Meio e Mensagem: Fernanda Aragão __ Impressões: Labfoto/Facom __ Passepartout: Elaine Morgana __ Cubo Mágico: Marilúcia Leal e Lucas Albuquerque _Repórteres: André Araújo, Bruna Rocha, Camila Camilo, Caroline Aquino, Daniela Pinocci, Edely Santos, Elaine Morgana, Felipe Campos, Fernanda Aragão, Gabriel Simões, Gabriela Baleeiro, Henrique Mendes, José Marques, Josiane Guimarães, Laís Carvalho, Lara Nunes, Luan Santos, Lucas Albuquerque, Lucas Leal, Marília Moreira, Marilúcia Leal, Marina Teixeira, Naiana Carolina, Patrick Silva, Paulo Pereira, Renato Oselame, Talyta Almeida, Tâmara Terso, Tayana Valério, Thaís Caribe, Thaise Reis, Vitor Andrade, Vitor Villar. _Ilustração: Paula Ângela, Pedro Britto, Valnei Góes. _Fotografia: Agnes Cajaíba, Alderon Costa, Aline Trettin, Camila Queiroz, Gabriela Teixeira, Márcio Mascarenhas, Matheus Sampaio, Nicole Bianchi, Paula Boaventura, Rafael Martins, Ticiane Bicelli, Vasco Menut, Virna Soares,Yves Padilha, Zé Marques. _ Direção de Arte e Diagramação: Alice Vargas
EDITORIAL
Editorial Graciela Natansohn
Lupa para todos os gostos. Você, como bom torcedor baiano, pode carregar a revista de um lado ou de outro, a escolha é sua. Nesta oitava edição da Lupa, não conseguimos nos subtrair do clima geral: futebol. Por isso, após o furacão de julho, melhor voltar a conversa para nossos times da casa. Mandingas, manias e superstições de torcedor nem sempre dão certo, mas não se discutem. Veja quais são as preferidas dos baianos e se tiver alguma mais forte (mesmo que mirabolante) não deixe de nos contar. Frente e verso: de um lado, Marcus Pimenta e de outro, Ramon Menezes, ambos falam das relações perigosas entre a imprensa e o futebol. Educar ou castigar? Sobre manicômios e cárceres, o que há e o que falta nesses locais que ninguém quer ver de perto. E tem mais: pornografia no cinema, erotismo na literatura. Boa leitura!
Faculdade de Comunicação da UFBA Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. CEP: 40170-115 Tel: (71) 3283-6174, 3283-6177 Fax: (71) 3283-6197 lupa.revista@gmail.com www.lupa.facom.ufba.br Latitude: 13° 0’5.57”S Longitude: 38°30’36.42”O
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CAPA Baêa-Nêgo, referente a matéria “Essas manias de torcer”, página 10.
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_ Impresso em: PrintColor Gráfica e Editora Ltda. Fortaleza. _ Tiragem: 4.000 exemplares
As opiniões expressas neste veículo são de inteira responsabilidade dos seus autores.
_ Reitor da UFBA: Prof. Naomar de Almeida Filho _ Diretor da Facom: Prof. Giovandro Ferreira _ Coordenação Editorial: Profa. Graciela Natansohn (DRT/BA 2702) _ Chefe de Redação: Carlos Eduardo Oliveira e Carlene Fontoura _ Revisores: Carlene Fontoura e Carlos Eduardo Oliveira _ Edição de Fotografia: Labfoto – Gabriela Baleeiro _ Projeto Gráfico: Alice Vargas (www.avargas.com.br)
Foto: Agnes Cajaíba
Lupa é uma publicação da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). ISSN 1982-2995. Turma da disciplina Comunicação Jornalística 2009.2. Ano V, Número 8. Salvador, Inverno de 2010. Distribuição Gratuita.
CARTA DO LEITOR
EDITORIAL
Comentários recebidos por e-mail:
SUMÁRIO
03 Editorial Expediente
28-12-2009
CIRCO URBANO 05 Manicômio: uma instituição Sem Razão 08 Onde está Rubimário? 10 Essas manias de torcer
PROVA DOS NOVE 12 15 17 20
Por entre celas de aula Eis a questão - Entrevista Genildo Ferreira Memórias de um bravo payayá Coisa de preto dá certo
IMPRESSÕES 18 Consumo da Carne Ensaio fotográfico de Rafael Martins 10
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Foto: Márcio Mascarenhas
29-08-2009
Acompanho, na medida do possível, as publicações da FACOM e acho muito legal que circulem pelo campus, pois assim efetivamente são veículos de informação dentro da UFBA. Também tô enviando este e mail, pois sou da Comissão de Mães e Pais da Creche UFBA e queria solicitar uma matéria sobre o assunto. (...) Vim fazer um apelo, afinal quase ninguém da UFBA sabe nem da existência da creche, quanto mais das condições reais das coisas por lá... Isabela Rodrigues
Foto: Ticiane Biceli
MEIO E MENSAGEM 21 22 24 25 26
Gostaria de agradecer por terem publicado meu texto sobre ditados populares (Maria Préa, a dona do boteco quente), eu fiquei feliz por ser um dos ganhadores do concurso literário. Acho de extrema importância a abertura que a revista dá para nós estudantes de letras que gostamos de escrever nossos textos. Reinaldo de Souza Oliveira
Um olhar sobre Maria Lúcia Pereira Tv: A cinquentona na era digital Treino é treino, entrevista é entrevista Sangue novo no radiojornalismo esportivo baiano Broadcast yourself
ERRATA Na editorial da Lupa 7 (verão 2009) nos referimos ao conteúdo como sendo da Lupa 8. É o desejo que nos joga peças. Agora sim, chegamos na oitava edição.
PASSEPARTOUT 28 Outrora o maluco do pneu, hoje é Peu Meurray 29 De Angola para Amêsa 30 O último gozo da pornografia?
CUBO MÁGICO 32 Minicontos Eróticos 34 Bactérias, vírus e outras pestes FALECOM
ILUSTRADO 35 Paula Ângela
lupa.revista@gmail.com
CIRCO URBANO
MUA N I C Ô M I O : ma Instituição Sem Razão A doença mental não é crime
Texto Luca s Albuquerque e Gabriel Simõ es Foto Yves Padilha e Agnes Cajaíba
_ Lá, os corpos vagam sem razão. Corpos frágeis de andar cauteloso circulam pelo pátio do segundo andar. Ora pedindo um cigarro, ora nos perguntando de onde viemos, é impossível não se sensibilizar com os olhares tristes e as falas desconexas. O hospital psiquiátrico Juliano Moreira, de Salvador, possui duzentos leitos para internos em tratamento de distúrbios mentais como esquizofrenia, depressão aguda e surtos psicóticos causados por dependência de drogas. A maioria dos pacientes é de baixa renda e não está ali pela primeira vez, vítimas de um modelo de terapia psiquiátrica hoje fortemente combatido: o manicômio.
Por que os manicômios devem ser proibidos?
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Foto: Agnes Cajaíba
_ As críticas do movimento antimanicomial incidem sobre dois aspectos, o dos procedimentos terapêuticos efetuados e sobre a relação que se estabelece entre a instituição e o paciente. A história traz registros de práticas absurdas nos leitos dos manicômios. Muito se ouve sobre aplicações de eletrochoques nas têmporas, injeções “sossega-leão” ou sobre a lobotomia, que é a retirada de porções de massa encefálica. E era tudo verdade. Sem contar com o ambiente insalubre e mal iluminado, as agressões físicas e, é claro, a camisa de força. Muitos pacientes foram mortos e poucas pessoas foram punidas. Em virtude das conquistas dos integrantes do movimento e da sanção da Lei Antimanicomial, essas práticas, teoricamente, ficaram num passado recente. Continua, porém, o descaso com o lado emocional do paciente. A clausura por longos períodos aliada aos tratamentos medicamentosos elimina a possibilidade do indivíduo de se relacionar com o meio social de maneira saudável.
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_ O modelo de terapia proposto pelo movimento antimanicomial para substituir os hospitais psiquiátricos são os CAPS, centros que prestam serviços terapêuticos e sociais para os usuários de saúde mental (termo adotado para designar indivíduos portadores de transtornos psíquicos). Os CAPS são serviços de saúde abertos a todos e realizam o tratamento clínico de pacientes com
“Quem está desorganizado psiquicamente precisa de assessoria existencial para se conduzir e se reinserir na sociedade.” Marcus Vinícius de Oliveira, professor da faculdade de Psicologia da UFBA
problemas mentais graves e persistentes. Estes centros possuem estruturas ambulatoriais capazes de fornecer o amparo diário necessário para que o paciente não tenha que ser internado em hospícios. Os CAPS proporcionam atividades de reinserção social do indivíduo na sua comunidade, sempre buscando o fortalecimento dos laços sociais dos usuários com a família e com as pessoas com quem convive. O grande objetivo desses centros é o resgate da autonomia do paciente, oferecendo-lhe a chance de falar e ser escutado. Ou seja, o usuário participa ativamente do seu processo de tratamento. Para isso ele conta, juntamente com os psicólogos, com o trabalho conjunto de profissionais de diversas áreas, como assistentes sociais, fisioterapeutas, psiquiatras e professores de educação física. _ Dos 154 CAPS existentes na Bahia, talvez o mais peculiar deles seja o CENA (Centro Docente Assistencial de Narandíba), por estar instalado no mesmo espaço físico do famoso Hospital Juliano Moreira. São poucos metros que separam a instituição psiquiátrica mais emblemática da Bahia e o centro de assistência psicossocial liderado por Edna Amado, grande expoente da luta pela Reforma Psiquiátrica no Brasil e, junto à Marcus Vinícius, sócio-fundadora do
Movimento de Luta Antimanicomial. _ O CENA é um espaço de vivência comunitária e o seu aspecto físico condiz com a proposta do local. Possui salas espaçosas e iluminadas para a realização de oficinas e atividades em grupo e um salão para a realização de palestras e apresentações teatrais. Este centro também conta com um refeitório amplo e limpo e um espaço de área verde com bancos e mesas pintados pelos próprios usuários. Nada de grades ou saletas não aproveitadas. No CENA são promovidas oficinas de costura e tapeçaria e os produtos confeccionados pelos pacientes são expostos e vendidos em bazares semanais. Acontecem também as aulas de artes plásticas, nas quais os usuários aprendem a pintar e fazer esculturas com materiais recicláveis. As obras dos pacientes estão espalhadas pelas paredes e ajudam a decorar o local. No refeitório todos comem juntos, desde Edna até os pacientes recém chegados. _ “O paciente pode chegar aqui em crise, mas vai comer no mesmo refeitório que eu, vai usar os mesmos pratos e talheres e terá que lavar a sua louça assim como todos os outros. Dessa forma, eles começam a assumir um sentimento de responsabilidade e têm a possibilidade de desenvolver uma certa autonomia”, relata Edna ao falar sobre o processo de recuperação e reinserção social dos usuários. Com as idas e vindas facultativas dos usuários de saúde mental, o CENA atende em média 30 pacientes por mês. _ Lúcia, 31 anos, mora no Cabula e frequenta esse CAPS há 40 dias. Antes de ser encaminhada para o CENA, ela já havia sido internada no Hospital Juliano Moreira e nunca apresentara sinal de melhora nos seus transtornos. Assim como centenas de pacientes internados à contragosto em hospícios, Lúcia por muitas vezes tentou fugir ou resistir às internações. Na última, atirou-se para fora do carro em movimento durante uma crise, e por sorte nada de grave aconteceu, além de algumas escoFoto: Yves Padilha
CAPS: um sistema alternativo
Foto: Yves Padilha
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_ Excluir uma pessoa da sociedade e depositá-la num local onde não há uma estrutura eficiente de amparo psicossocial não melhora o seu quadro e, em muitos casos, acaba por agravar o estado do paciente. “A idéia de tratamento e a idéia de internamento são bem diferentes do ponto de vista social. Quem está desorganizado psiquicamente precisa de assessoria existencial para se conduzir e se reinserir na sociedade”, afirma Marcus Vinícius de Oliveira, professor da faculdade de Psicologia da Universidade Federal da Bahia, doutor em Saúde Coletiva e sócio-fundador do Movimento de Luta Antimanicomial. Também questionam-se os interesses econômicos que giraram em torno dos manicômios. Antes da implementação do SUS, a verba utilizada pelo governo para a manutenção dos serviços de saúde era proveniente do fundo de Previdência Social, o que dificultava a fiscalização e tornava os manicômios públicos e privados empreendimentos lucrativos. _ A “indústria do internamento” foi uma prática comum nas décadas de 70 e 80. Grande parte do dinheiro público recebido pelos hospitais psiquiátricos é destinada ao pagamento das AIHs (Autorização de Internamento Hospitalar). Com a falta de fiscalização, a dinâmica que se instalou era bem simples: quanto mais leitos ocupados, maiores eram as verbas recebidas e os lucros dos donos e diretores de manicômios. “Os hospitais públicos e privados mamavam nas tetas da Previdência Social. O Brasil atingiu o impressionante número de 140 mil leitos em asilos psiquiátricos, e muitos desses eram o que chamávamos de ‘leito chão’. Havia hospitais que tinham 300 leitos e 400 internos”, relata Marcus Vinícius. _ Desde a década de 90, a união entre as políticas públicas a favor da causa antimanicomial e o aumento da fiscalização pelo Ministério da Saúde ocasionou um recuo no fluxo de internamentos. Já não era mais tão lucrativo manter clínicas psiquiátricas e as forças políticas tencionavam para o fechamento dos manicômios.
Edna Amado, assistente social do CENA
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Foto: Agnes Cajaíba
Pacientes no Hospital Juliano Moreira
Lugar de doido não é no hospício _ Muitas vezes essas famílias, por falta de estrutura financeira ou pela crença na eficácia do método reclusivo dos hospícios, sentem-se mais seguras com o internamento por acreditarem que seus parentes estarão sendo assistidos em tempo integral. “Não é à toa que temos o chavão popular: ‘lugar de doido é no hospício’. A concepção de que pessoas com transtornos mentais são
perigosas e não têm condições de viver em comunidade está enraizada na nossa cultura”, atesta Edna Amado. _ A evolução das idéias antimanicomiais e a concretização da Reforma Psiquiátrica, levando ao fechamento gradual dos hospícios e à criação dos CAPS, sem dúvida trouxeram avanços no tratamento dos pacientes e elevaram as taxas de recuperação efetiva e de reinserção do usuário em sua comunidade. Mas ainda estamos longe daquilo que seria o ideal. Das 140 mil vagas em hospitais psiquiátricos que existiam no final dos anos 80, ainda há cerca de 35 mil. “O governo vem fechando em média mil leitos por ano. Se continuar assim, será preciso esperar mais de 30 anos para declarar a extinção do manicômio”, afirma Marcus Vinicius.
Doido não é de amarrar _ A grande luta desse movimento pela implantação do modelo substitutivo de atenção aos usuários de saúde mental está na sua proposta de revisão da concepção secular de doença mental. Ou seja, para além de uma mudança prática na forma de tratamento, busca-se a quebra das idéias preconceituosas que estão culturalmente atreladas às patologias mentais. Não é possível pensar em reinserção sem que a sociedade conheça as verdadeiras dimensões dos distúrbios psíquicos e aprenda a lidar com suas peculiaridades. Dessa forma, o usuário vai ter a possibilidade de conviver de maneira saudável em sua comunidade, exercer um trabalho e constituir uma rede de relacionamentos. Os portadores desses distúrbios, nesse sentido, merecem atenção especial e devem ser estimulados para reivindicar seus direitos. Eles devem ser reconhecidos como cidadãos.
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completa Edna. _ Muitas críticas são feitas ao modelo substitutivo dos CAPS. A mais persistente delas diz respeito à capacidade de atender a demanda de pacientes oferecida por esse sistema em comparação às numerosas vagas dos antigos manicômios. “A dinâmica desse modelo é outra. A intenção é tratar o paciente visando à sua volta para casa no fim do dia, o que nos dá a possibilidade de tratar um número maior de casos”, explica a diretora do CENA. Para os casos severos que necessitam de internação, existem centros do tipo CAPS III que possuem leitos que podem ser ocupados por no máximo uma semana. Ou seja, a lógica do menor tempo possível de internação continua. _ Além do CAPS III, existem também o CAPSi – designado para o tratamento de crianças e adolescentes – e o CAPS AD, voltado para usuários de álcool e outras drogas. É importante salientar o papel fundamental que as famílias exercem sobre o tratamento de um indivíduo. O sistema de terapia dos CAPS apresenta bons resultados quando a família acompanha de perto o dia a dia do paciente, participando das decisões tomadas e cooperando com atividades que promovam a sua recuperação física e cidadã.
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riações. Não demorou muito e Lúcia passou por avaliações, recebeu alta e, com a autorização da família, tornou-se paciente do CENA. Quando perguntada se ela gosta de ir ao CAPS e se as visitas lhe fazem bem, ela é enfática: “meu tio me traz aqui todos os dias às sete horas. Todos tomamos café da manhã juntos, lavamos as louças e ajudamos a arrumar a casa. Depois nos reunimos no pátio e sabemos qual serão as oficinas do dia. Eu gosto muito daqui porque eu converso com todo mundo. Passamos muito tempo contando histórias e dando risada. As pessoas aqui me fazem sentir bem.” _ O êxito no tratamento de Lúcia se deve ao envolvimento da família e ao empenho dos profissionais do CENA em agregar pacientes oriundos de manicômios. Vale ressaltar, porém, que existem pacientes que estão há quinze, vinte anos internados e já não apresentam nenhuma possibilidade de cura. “Esses são pacientes ‘cronificados’”, diz Edna Amado, “e já apresentam seqüelas irreversíveis. Ficar abandonado, tomando medicações fortíssimas e perambulando por corredores durante vinte anos deixa qualquer um em estado vegetativo. Sem contar com o esquecimento das famílias”, afirma. Esses pacientes crônicos, uma vez retirado dos hospícios, terão a possibilidade de ser encaminhados para residências terapêuticas, casas de abrigo para usuários que não têm para onde ir. Esses abrigos são escassos, por isso, muitos pacientes que perderam os vínculos com suas famílias e amigos continuam vivendo nos manicômios por não terem para onde ir. _ “Acabar com o internamento por longos períodos e proporcionar atividades interativas aos usuários evita o aumento do número de pacientes crônicos que apresentam estados irreversíveis”,
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Foto: Virna Soares
simpósios que participei, onde fui como jornalista do interior (o que na verdade ele não é), vesti um paletó, passei pelos seguranças e consegui chegar ao quarto dele e quando o abracei tiraram uma foto”. Rubimário também conta que, quando algum conhecido está chegando a algum evento, ele vai cumprimentá-lo e aproveita para entrar com essa pessoa, conseguindo driblar a segurança. Em alguns eventos, já montou estands da OSID (Obras Sociais Irmã Dulce): “eu pego material para vender com a sobrinha de Irmã Dulce, para ajudar a instituição, o que também facilita a minha entrada nos congressos”. Rubimário então aproveita a oportunidade para ficar perto de políticos e famosos. _ Sua rotina inclui a participação em coquetéis e simpósios dos mais diversos, de medicina à maçonaria, dos quais guarda todos os certificados. Essa rotina tem rendido frutos, mas é claro que um pouco de sorte também pode ajudar na hora de conseguir a foto. Uma das mais inesperadas ocorreu quando, uma vez, estava bebendo com os amigos no Pelourinho e viu uma mulher “baixinha e que canta rock”. “É a Cássia Eller” disse Rubimário, mas seus amigos não acreditaram então Rubimário se levantou e disse: “Cássia, dá uma canja pra gente”. Para surpresa de todos, não
só era a Cássia Eller como também ela cantou. No final, Rubimário conta que ela agradeceu o convite, e foi quando ele aproveitou para tirar a foto. _ Em sua busca, Rubimário diz ter vivido momentos de grande emoção, como estar ao lado da família Magalhães no enterro do Senador ACM, tendo sua foto publicada no Jornal A Tarde e na Revista Caros Amigos, segundo ele. Foi também a única pessoa fora da família a acompanhar o caixão de Mamede Paes Mendonça desde o Aeroporto até o velório no Campo Santo. _ Também fazem parte do seu acervo fotos com personalidades políticas como os presidentes Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor de Melo e Lula antes de ser eleito. Conseguiu ainda obter fotos com Ulisses Guimarães. Ele não parece se importar com as convicções políticas dos fotografados, porém em 1989, se candidatou a vereador na Cidade de Salvador. Não se elegeu, mas consegue guardar amigos (e fotos) daquela época. No carnaval de 2009, ele participou do concurso para Rei Momo e ficou em 5º lugar, à frente de personagens conhecidos da população baiana como Carlinhos Brown, Zé Bin e Raimundo Varela. Tudo por um click.
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_ Um cara-de-pau. É assim que Rubimário se define e tanta franqueza não é para menos. Ele é um especialista em driblar seguranças, furar bloqueios e entrar em festas para as quais não foi convidado. Um James Bond? Nada disso. Um papagaio de pirata no estilo baiano. Com mais de 200 fotos junto a músicos, atores e políticos, ressalta um detalhe: ele nunca leva câmera. Sempre pede para alguém que está fotografando por perto. _ A vocação para tanto atrevimento começou cedo. Aos 16 anos, saiu do Município de Miguel Calmon e foi para Salvador, à procura de trabalho. Chegando aqui, se dirigiu à sede do Governo e ficou escondido atrás de uma árvore, à espera do governador Waldir Pires. Quando o governador apareceu, Rubimário se aproximou dele correndo e pediu um emprego. Conseguiu, e desde então, não deixa de se aproximar de alguém importante por causa do acanhamento. _ Vergonha não é uma palavra que faz parte do vocabulário de Rubimário, que se vale das mais diversas estratégias para participar de eventos para os quais não foi convidado e chegar mais perto dos famosos. “Quando Michael Jackson estava hospedado no Hotel da Bahia, eu peguei um crachá de um dos
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Texto Edely Gomes e Daniela Pinocci | Foto Virna Soares e Arquivo Pessoal
Foto: Márcio Mascarenhas
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Essas manias de torcer De talismãs incomuns àquelas velhas cuecas da sorte, vale tudo na hora de torcer
_ Você é daquelas pessoas que jura que a vitória do seu time depende apenas de você estar usando a sua cueca da sorte? Não se preocupe, você não está sozinho! A superstição no futebol está completamente incorporada ao imaginário futebolístico brasileiro. Uma cueca da sorte não falha. Mesmo se o time perder, a culpa não é da cueca. Provavelmente, algum outro evento agiu contra. E se não deu certo hoje, vai dar certo no próximo jogo, claro! _ A superstição faz parte da cultura do brasileiro. A crença que “isso” deu sorte para “aquilo” está no nosso inconsciente, mesmo que juremos não tê-la. Misture uma das populações mais supersticiosas do mundo com um esporte de massa, verdadeira paixão nacional, e você terá a força motriz de grande parte dos brasileiros. O futebol une todo o país, independente de idade, sexo ou religião. Cada um com suas devidas manias e amuletos pendurados no pescoço.
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Coisas de torcedor _ “Basta nascer aqui na Bahia pra ter alguma superstição, né?”, diz Silvio de Itapuã, 56 anos, torcedor do Vitória. Para ele, entrar no estádio com o pé direito já virou costume. Apesar de nos contar que não tem nenhuma superstição tão curiosa, o simpático torcedor rubronegro tem lá suas manias. Ele gosta de observar bem o que fez durante os jogos que o seu Leão venceu para poder repetir tudo na próxima partida. Por exemplo, se ele leva alguém de carona para um jogo em que o Vitória venceu, faz questão de levar novamente essa pessoa no próximo. Mas, se o seu time perder, infelizmente esse amigo nunca mais poderá contar com a sua ajuda para chegar a partida. Ele conta que, algumas vezes, já saiu do estádio mais cedo só pra ver onde estacionou o carro, para utilizar a mesma vaga no
jogo seguinte. _ Já Madona, morador de Cosme de Farias, tem 35 anos e é torcedor do Vitória. E, ao dizer isso, ele sempre completa: “Do-en-te! Sou torcedor doente pelo Vitória!”. Madona é uma figura, personagem conhecido por várias rádios da cidade. Gozando de tanta fama, ele afirma que Apodi, jogador do Vitória, faz os gols pra ele. Mas Madona também é um cara muito cismado. Primeiro, porque ele não vai ao estádio, com medo da violência. Prefere assistir ao jogo num barzinho ou escutar pelo rádio com os amigos. E não pode ser qualquer bar ou rádio não, viu? O torcedor cismou que seu Vitória só vence quando Ivanildo Fontes, da Rádio Itapoan, narra o jogo. Além disso, se for pra fazer o rubro-negro vencer mesmo, ele tem que ir até o Vale do Ogunjá, porque “lá é que fica o bar da sorte”. E como todo bom torcedor do Vitória tem que ter uma superstição pra secar o rival, Madona tem as suas. “O bar que dá azar ao Bahia é um aqui perto de casa”, ele diz. “Só que esse bar também dá azar para o Vitória!”. Além de assistir ao jogo no barzinho estratégico, Madona ainda cruza os dedos durante toda a partida. “Sempre que cruzo os dedos durante o jogo, o Bahia perde.”, ele diz, rindo. _ Se normalmente a superstição dos brasileiros já é grande, quando chega a copa do mundo, ela é colocada a toda prova. Todo mundo tem a história de um tio, vizinho, amigo ou adicionado no Orkut que jura que o Brasil só foi campeão em 1994 porque ele se ajoelhou durante a cobrança de pênaltis. Contudo, o tio de Políbio Lins, estudante de 20 anos, vai além. Na primeira copa que tio e sobrinho assistiram juntos, a de 1994, o resultado foi sensacional: Brasil tetra-campeão mundial, após uma espera de 24 anos. Na copa de 1998, os dois vinham assistindo todos os jogos juntos e a seleção conseguiu chegar
até a final. Entretanto, no domingo da decisão, Políbio teve que viajar, deixando seu tio para assistir ao jogo sozinho. O Resultado? É melhor nem lembrar que é pra não dar azar à nossa matéria. A tensão familiar durou quatro anos, até a Copa de 2002. Nessa, tio e sobrinho assistiram a todos os jogos lado a lado. E aí, amigo, no final foi só comemoração. Brasil pentacampeão, para alívio da família e do país inteiro, claro. Já na Copa de 2006... Bom, essa deixarei para vocês, leitores, concluírem se o estudante e seu tio assistiram aos jogos juntos ou não. Sobre a Copa de 2010, Políbio comenta: “Meu tio até me ameaçou se eu não for assistir aos jogos com ele!”. É, amigo, obedeça seu tio e vá mesmo, hein?
Mandinga faz a gente se sentir bem _ Para alguns dos torcedores brasileiros, as suas manias são muito mais que um modo de ajudar seu time. Elas também lhes proporcionam um tremendo bemestar. Quem pinta o corpo para dar sorte ao time, veste “aquela” camisa amuleto ou realiza qualquer excentricidade, está exercitando um prazer, um modo de se sentir único. _ Um legítimo caso disso é a aposentada Norma Andrade, de 74 anos. Ela tem três paixões na vida, como ela mesma diz: “meu apartamento, que é o mais confortável do mundo, meu cachorro, que é o mais lindo do mundo, e o meu Bahia, que é o melhor time do mundo!”. E parece que para o tricolor dela vencer, é necessário que essas três coisas entrem em uma perfeita comunhão. Para isso, antes de todos os jogos, a torcedora passa por um verdadeiro ritual. Primeiro, ela transporta o rádio da cozinha para a sala, onde o coloca no mesmo local de muitos e muitos anos. Depois sintoniza o rádio sempre na mesma estação, que é a da
Foto: Ticiane Bicelli
Texto Vitor Villar e Lara Nunes Foto Ticiane Bicelli e Márcio Mascarenhas
Toredores do Bahia, em Pituaçu
CIRCO URBANO
Foto: Ticiane Bicelli
à noite, eu sempre levo um boneco de pelúcia comigo. E todo jogo vou com três pulseiras: uma vermelha, uma azul e uma branca. Todas três são olhos gregos. Isso e um escapulário com o escudo do Bahia.” Além disso, Fernanda tem um pedaço da
Fonte Nova no seu quarto, junto com adesivos, relógios, e todo tipo de coisas com o escudo do time que conseguiu encontrar. Haja espaço! E as histórias, essas não faltam. “Se eu achar um torcedor com a bandeira de cabeça pra baixo, vou até ele e mando colocar o escudo pra cima. Sempre que vejo uma bandeira dessas, o Bahia está perdendo. E a culpa é de quem? Dessas pessoas, lógico!” Tem outra que ela jurou, de pé junto e tudo, ser verdade. Ela têm de ver o jogo do alambrado. “Várias vezes, assim que eu saio do alambrado, o meu time toma gol. E quando volto pra lá, nunca demorou mais de vinte segundos pro Bahia fazer um gol. Todo mundo me ameaça dizendo que vão me algemar no alambrado pra sempre!” Sobre sua paixão, Fernanda é clara: “Vou avisar logo. Se meu filho quiser ser alimentado, ter educação, amor, saúde, brinquedos... Vai nascer gritando: ‘Bora bahêa!’. Tá no DNA, não existe outro time.” _ Este é o torcedor brasileiro, tão folclórico quanto o próprio futebol. Se as superstições são válidas ou não, é você quem vai concluir. Mas não custa nada uma fezinha, não é? Então, mãos a obra, porque o Brasil está na Copa do Mundo!
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Torcedora do Vitória, no Barradão
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Foto: Ticiane Bicelli
sorte. Aí vem a hora de cuidar do apartamento, pendurando a toalha de pratos da sorte na cozinha. Isso mesmo, a toalha de pratos da sorte! Calma, que não acabou: em seguida, ela coloca a gravata da sorte, com o escudo do Bahia, no seu cachorro, um shin-tzu chamado Beto. Por fim, é a hora dela se arrumar, colocando o vestido da sorte que, por sinal, não pode ser, de jeito nenhum, vermelho e preto. O curioso é que a toalha de pratos e os vestidos são, digamos assim, “mutáveis”. Antes do jogo, ela escolhe um modelo de cada. Se o Bahia vencer, o vestido e o pano que foram escolhidos continuarão para os próximos jogos, até o tricolor perder. Só aí que ela vai escolher outros modelos, reiniciando o ciclo. _ Outro exemplo é Fernanda Varela, uma daquelas torcedoras fanáticas pelo seu “Bahêa”. Com vinte anos, ela conta que desde os quatro já começou seu rol de mandingas. Quando era pequena, ela tinha que usar absolutamente tudo do Bahia. Desde calcinha a meião tricolor, e com direito a boca metade vermelha, metade azul e branca no meio. Como ela mesma fala: “Se não fizesse isso, tinha certeza que o Bahia não jogaria igual”. E quem é capaz de duvidar? Mas as suas superstições vêm de família. Quando ela e o pai estavam indo para um jogo, sempre o fazia parar no estacionamento, e quando passavam de mãos dadas pelo acesso da Fonte Nova, tinha que olhar para a piscina do ginásio Balbininho e dizer: “Pai, pra que serve essa piscina? O Bahia treina aí?”. E continua: “Aí saía correndo, passava na frente dele (do pai) e trocava de mão. Depois disso a gente sentava na quarta fileira, nas mesmas cadeiras. Os vendedores já guardavam nosso lugar!”. _ E os amuletos? “Quando os jogos são
PROVA DOS NOVE
POR ENTRE CELAS DE AULA O desafio de transformar unidades prisionais em espaços educativos
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Entrevista a André Araújo e Thaís Caribé | Foto Paula Boaventura
_ Tensos e cheios de expectativas, chegamos ao portão principal da Penitenciária Lemos Brito. Liberada a entrada, percorremos um longo caminho de terra e asfalto até a escola estadual que leva o nome da unidade prisional. Depois da etapa de identificação, descemos um vão de escadas e, para nossa surpresa, nos deparamos com um ambiente bastante aconchegante, composto por três salas de aula, secretaria, diretoria, almoxarifado, cozinha, biblioteca, sala de professores e dois banheiros.
PROVA DOS NOVE
“São alunos que se interessam, vêm pra aula e valorizam o que o professor traz” Sandra Borges, educadora
Educação no cárcere _ Por muito tempo, o sistema penitenciário foi visto apenas como uma forma de retirar indivíduos “indesejáveis” do convívio social, entendendo o isolamento e a privação da liberdade como os únicos meios de tentar reencaminhá-los para a sociedade. A partir dos anos 50, essa concepção começou a mudar e outras formas de ressocialização passaram a ser discutidas e implementadas, como a introdução de diferentes modalidades de ensino em unidades prisionais, especialmente a educação básica.
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_ Ali fomos recebidos por Raimundo Dias, diretor da escola, e que foi um dos responsáveis pela sua fundação em 1991. Tudo começou a partir de um grande incidente. “Eu era o diretor de uma escola que funciona ao lado da Lemos quando houve uma fuga de internos. Fugitivos correram para lá, a polícia também, e os alunos ficaram em polvorosa. Eu fui comunicar ao diretor da penitenciária o que tinha acontecido, quando ele me perguntou se existia a possibilidade de trazer uma escola aqui pra dentro”, lembrou Dias. Depois de algumas orientações, ele nos levou às carceragens dos módulos II e V da Lemos Brito, onde visitamos quatro salas de aula. _ “Vocês estão com celular?”, perguntaram os agentes penitenciários antes de entramos nas carceragens. Os presos nos observavam atentamente, mas até chegarmos às salas de aula do Módulo V não ouvimos uma fala, a não ser cumprimentos cordiais entre nós e eles. O único barulho vinha de um culto evangélico que acontecia nas dependências do mesmo módulo. Segundo Dias, apenas professores e religiosos são autorizados a entrar na penitenciária para trabalhar com os detentos. Psicólogos, assistentes sociais e advogados recebem os presos algemados na portaria de cada módulo.
condição pra gente sair daqui e ter uma vida digna?”. _ Segundo os educadores e o diretor da escola, um dos principais problemas enfrentados é a oscilação do número de detentos que frequentam as aulas. “Hoje eu tenho 12 alunos, mas às vezes são 17, outras 23”, apontou a educadora Newdith. Por conta disso, o processo de matrícula é ininterrupto durante todo o ano. “Eu posso não encontrar amanhã um aluno que está hoje em sala de aula. Ele pode ter mudança de regime ou sair em condicional. Esta é uma escola que trabalha com essa situação”, explicou Dias. _ Esse não é o único diferencial. A rotina de aulas se adapta à dinâmica de funcionamento da penitenciária, a começar pelos horários. Pela manhã, por exemplo, as aulas têm início às oito e meia da manhã, quando se dá a abertura das celas. Outra questão é a imprevisibilidade de algumas ações policiais. Nos dias em que a polícia faz vistorias surpresas - os chamados “baculejos” – também não há aula.
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Raimundo Dias, diretor da escola na Penitenciária Lemos de Brito
_ As salas de aula são celas adaptadas e funcionam com uma estrutura que não é a ideal, mas que também não se distingue do padrão oferecido, geralmente, pelo ensino público. Quadro, carteiras, televisor, trabalhos feitos pelos alunos expostos na parede e decoração de Natal compunham o ambiente escolar. Para nossa surpresa, os alunos prestavam atenção à explicação da professora e demonstravam um respeito que pouco se vê nas classes fora dos muros da prisão. “O professor aqui é muito respeitado”, afirmou Newdith Dias, professora do Conjunto Penal Feminino e da Colônia Penal Lafayette Coutinho. “São alunos e alunas que se interessam, vêm pra aula e valorizam o que o professor traz”, completou a professora Sandra Borges, educadora que atua no Módulo V. _ Para muitos detentos, aquele era o primeiro contato com a escola e com o mundo letrado. “O colégio está servindo como um exemplo pra aqueles que antes não estudavam. Até pra puxar carroça tem que saber ler e escrever. A gente devia ter uma oportunidade do Governo, um voto de confiança pra voltar pra sociedade”, afirma Edilson Araujo, um dos alunos da professora Sandra. Para Rosivaldo, outro detento e aluno, falta de estudo traz preconceito: “Estamos tendo oportunidade de ter um conhecimento dos nossos direitos. Nós somos nascidos e criados na roça, no interior, trabalhamos sempre com serviço pesado e hoje a gente vive discriminado. Eu tenho cinco filhos em casa passando por necessidade, enquanto nós estamos aqui sendo tratados como marginais. Que futuro nós teremos presos e sem estudo? Qual futuro vamos ter lá fora, se o nosso estado não oferece uma
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“Qual futuro vamos ter lá fora, se o nosso Estado não oferece uma condição pra gente sair daqui e ter uma vida digna?” Rosivaldo, detento Sala de Aula Módulo II, Penitenciária Lemos de Brito.
SEC, as mudanças de gestão nas secretarias de Justiça e Educação fizeram recuar o diálogo entre os dois órgãos. A SJCDH também foi contatada para se posicionar sobre o assunto, mas não deu nenhuma declaração à respeito. _ De acordo com Letícia Monteiro, coordenadora do projeto Educação nas Unidades Prisionais, do Instituto Anísio Teixeira (IAT), outro grande entrave relatado pelos docentes que trabalham com este tipo de educação é a falta de material didático adequado e de uma formação que atenda à realidade prisional. Apenas em 2008 foi realizada a primeira capacitação voltada para atender aos professores que atuam em unidades prisionais do estado. “Essa formação buscou proporcionar aos professores uma reflexão sobre as condições sociais que levam uma pessoa a estar aprisionada, e que consequências sociais e psicológicas isso traz para essa pessoa, além de propor estratégias pedagógicas específicas”, afirmou Letícia. _ Durante a Conferência Estadual de Educação da Bahia, realizada em novembro de 2009, Ive ressaltou que o mais adequado seria chamar essa modalidade de ensino de “educação em unidades prisionais” e não de “educação prisional”. “É um tipo de educação que acontece nas prisões, e não para as prisões. É uma educação que envolve outras questões que nada têm a ver com o espaço da prisão”, explicou. Na mesma ocasião, Naly Lopes, professora que dá aulas na penitenciária de Juazeiro, deu uma forte declaração: “Ou a gente inclui ou a gente manda matar. É muito pesado pra gente carregar as dores deles. São coisas que mexem com as nossas almas”.
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Lista de Chamada
_ A lei de execuções penais 7210, de 11 de julho de 1984, regulamentada esse direito no país. E, na Bahia, o trabalho é desenvolvido através de uma parceria entre a Secretaria de Educação (SEC) e a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH). Em todo o estado, existem 22 unidades prisionais, entretanto, apenas em 14 existe algum tipo de projeto educacional. Em muitos casos, a justificativa é a falta de espaço físico, motivo pelo qual ainda não seria oferecido
ensino médio na escola da Lemos Brito. “Eu já comuniquei à Secretaria de Justiça que nós precisamos de mais espaço”, enfatizou Dias. _ O Plano Diretor do Sistema Penitenciário da Bahia, produzido pela SJCDH em 2007, apontava como meta a ampliação tanto no número de salas e turmas quanto no de modalidades de ensino, no entanto, passados três anos, pouca coisa mudou. Para Ive Lima, integrante da Coordenação de Educação de Jovens e Adultos da
A Escola Estadual Especial Lemos Brito atende todas as unidades prisionais da capital: Penitenciária Lemos Brito, Presídio Salvador, Conjunto Penal Feminino, Colônia Lafayette Coutinho e Hospital de Custódia e Tratamento. Ao todo, são 629 detentos matriculados, o que corresponde a 18,8% do número de pessoas em privação de liberdade (na capital existem 3399 pessoas sob custódia, segundo dados de novembro de 2009, sem contabilizar os presos que cumprem pena em delegacias). A frequência às aulas contribui também para a remissão da pena dos detentos. A cada 18 horas de trabalho intelectual, os detentos ficam um dia mais próximos da liberdade.
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Eis a questão A obrigatoriedade do ensino de filosofia e sociologia está dando o que pensar
Ainda é um fardo grego ensinar filosofia para adolescentes? É um grande desafio. Como motivar adolescentes a quererem estudar um
filósofo da Grécia Antiga? A filosofia, principalmente a acadêmica, exige muita disciplina e um rigoroso treino de ouvido, de leitura e de escrita. Normalmente, os alunos do ensino médio veem filosofia de forma genérica. Isso é interessante, mas isso não é filosofia exatamente. Há grandes motivações, mas o segredo ninguém descobriu ainda. Embora esse “segredo” ainda não tenha sido descoberto, querendo ou não, os alunos do ensino médio deverão estudar filosofia e sociologia. Qual a importância dessas disciplinas? Há um consenso que a filosofia é a “ciência da verdade” e que ela vai abrir
a cabeça dos estudantes, aprimorandolhes o pensamento crítico. Essa crença é muito ingênua porque todas as disciplinas podem ajudar o estudante a desenvolver o senso crítico. Além disso, existe uma resolução da Organização das Nações Unidas indicando a importância do ensino da filosofia e da sociologia no ensino médio na formação do cidadão. A filosofia não é para formar cidadão, ela vem para complementar a formação humana. Em qualquer área que nos formemos, temos na escola disciplinas básicas que compõem o conjunto essencial na educação. Sem filosofia, creio que essa formação geral fique incompleta. A filosofia é um complemento na parte de humanidades e proporciona
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“Pensar dói. Nem todo mundo quer sentir essa dor”, resume Genildo Ferreira, doutor em filosofia e professor adjunto da Universidade Federal da Bahia. Com tom crítico, Ferreira alfineta os órgãos públicos responsáveis pela implantação e fiscalização da lei que obriga o ensino de filosofia e sociologia no ensino médio. Em entrevista à Lupa, ele admite que convencer um aluno a compreender Platão é uma tarefa complicada.
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Entrevista a Camila Martinez e Henrique Mendes | Foto Camila Queiroz
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uma noção mínima do instrumental que o estudante se apossa para compreender, analisar, criticar e interpretar a realidade. Imagino que a importância da filosofia é a complementaridade na formação geral do estudante. Que impacto isso traz ao ensino superior? Os alunos dos cursos mais concorridos do vestibular da UFBA, como medicina, psicologia e direito, são bastante preparados em termos de conteúdo, mas falta uma coisa fundamental que a filosofia ajuda a desenvolver, que é a ideia de autonomia. O aluno chega à universidade escrevendo e debatendo bem, mas a noção de crítica ainda falta. A filosofia motiva o aluno a criar certa autonomia a respeito do conhecimento e a não recebê-lo como uma coisa pronta e acabada. Imagino que a implantação da filosofia não vai mudar o mundo, mas talvez possa ajudar na formação dos alunos, não só na especificidade do vestibular, mas numa formação mais geral, assim como propõe o bacharelado interdisciplinar da UFBA.
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Que dificuldades as escolas enfrentam para cumprir a nova lei? A falta de determinação do Governo para fazer concurso é a grande dificuldade. Fazer concursos seria o mais sensato e razoável. O parecer do Conselho Estadual diz claramente que deve ministrar filosofia e sociologia quem tem formação acadêmica nessas áreas. Essa não é a realidade. Pode estar havendo também alguma dificuldade quanto ao preenchimento da carga horária de um professor em uma única escola. Um professor de uma pequena escola de ensino médio teria que ser alocado em outras escolas e isso é difícil. Sendo a Bahia muito grande, como distribuir esses professores? No que diz respeito às escolas privadas, as melhores instituições que conheço já lecionavam essas disciplinas mesmo antes da aprovação da lei. O filósofo contemporâneo Luc Ferry escreveu o livro “Aprendendo a Viver”, que surgiu a partir de um curso de filosofia para pais e filhos. Utilizar obras desse tipo podem facilitar o aprendizado? Esse livro é bastante criticado. Primeiro porque é um livro que se oferece como um best-seller e isso é de se estranhar, pois a filosofia nunca vende muito. Há uma discussão de que o intuito de torná-la mais acessível e agradável aos adolescentes a expõe ao risco da banalização. Eu não diria que condeno o livro, mas ele me deixa desconfiado.
Os livros didáticos também são muito criticados por especialistas pela falta de complexidade e banalização dos temas propostos. Há aí um problema muito grande: a visão capitalista. Quando a lei do ensino obrigatório de filosofia no ensino médio foi aprovada, muitas editoras passaram a querer publicar livros. Até gente que nunca lidou com isso quis publicar. Colegas nossos receberam propostas de editoras para produzir livros para o ensino médio. Os filósofos nunca se preocuparam em escrever um material para o ensino médio.
A sociedade contemporânea exige cada vez mais a especialização do conhecimento. De que forma o ensino de filosofia interfere nesse contexto? A filosofia vem exatamente nos dizer que o conhecimento não pode ser fragmentado. Muita gente imagina que quem faz comunicação não precisa saber nada de física, por exemplo. Isso é fragmentar o conhecimento. Temos a tendência de fragmentar a ciência em especialidades, ficando inteligentes de um lado e burros do outro. A filosofia quer mostrar que o conhecimento é muito amplo e está acima de qualquer ciência. O indivíduo deve estar aberto aos diversos campos do conhecimento.
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Texto Tayana Valério e Thaíse Reis Foto Gabriela Teixeira
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Memórias de um bravo payayá
_ Em um fim de tarde em que Amanacy pretendia despejar sobre nós suas águas, o guerreiro payayá nos recebeu, não em sua oca, mas na Escola Senhor do Bonfim. Escola?! Sim, é lá que o cacique dá lugar ao professor. A docência toma apenas uma pequena parcela do seu tempo, já que grande parte dele dedica inteiramente às questões de seu povo. Mas até mesmo na sala de aula Juvenal mostra suas raízes, estampadas no colar que usa como amuleto de proteção e que nunca tira do pescoço. _ Esse auá deixou a tribo e conseguiu se alfabetizar com onze anos, depois de ser expulso de sua terra por fazendeiros e ter ido morar na cidade. Os payayá se espalharam! Juvenal conta que hoje tem payayá até nos Estados Unidos. Aos 23 anos, entrou na vida acadêmica. Começou a estudar história na Universidade de São Paulo, mas teve de interromper seus estudos.Voltou para a Bahia e prestou vestibular para economia em Feira de Santana. Foi nesse período que se engajou nos movimentos indígenas, como o Movimento Associativo Indígena Payayá (MAIP), que hoje coordena. _ Nosso índio relata que para chegar a coordenar um movimento indígena passou por muitas desconfianças dos caciques de outras tribos. Os caciques imaginavam que, como Juvenal havia estudado e se tornado professor, teria se tornado um homem branco que desejava obter vantagens sobre os indígenas, como ganhar evidência social militando pela questão indígena sem realmente se interessar pela causa. Só depois de tomar iniciativas e demonstrar interesse em participar de causas indígenas foi que Juvenal conseguiu se afirmar no posto que hoje mais o orgulha, o de cacique. _ Depois de se envolver totalmente com a militância indígena, cursou pedagogia na Universidade do Estado da Bahia. A escolha pela profissão também faz parte de uma de suas lutas. Juvenal acredita que a lei que insere o ensino de cultura indígena na educação brasileira serve para ajudar a escola tradicional a entender a cultura indígena. _ Airequecê já brilhava no céu quando nosso guarani contou um dos episódios de sua vida em que foi vítima de uma agressão moral. Durante uma viagem ao Mato Grosso, acompanhado de um grupo de pessoas brancas, teve de parar em uma oficina mecânica. Todos os outros companheiros de viagem do payayá entraram na oficina/ ele foi o último. Juvenal, que estava com colares indígenas no pescoço, foi surpreendido por uma infeliz expressão: “entrou a desgraça aqui”. O silêncio pairou sobre o local. Para o payayá, o silêncio foi mais indignante que a própria ofensa. E continua sendo o silêncio do descaso.
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Foto e Texto Rafael Martins
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cho instigante poder fazer uma imagem que não pareça ser real. Acho que tenho esse dilema de uma forma particular com a fotografia. Afinal, são muitas as discussões em cima da questão de verossimilhança, do poder de comprovação, de atestar o real que há na imagem fotográfica. Gosto de trabalhar subvertendo essa lógica que já caiu há muito tempo. Mas não é só isto. Não é mera chatice, é interessante porque com uma linguagem que tira imagens a partir do mundo físico, do dito real, tentamos criar imagens surreais, que perpassam a realidade e o sonho. Crio essas imagens misturando elementos sólidos com luzes que preenchem o espaço e criam uma sensação lisérgica.
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PROVA DOS NOVE
COISA DE PRETO DÁ CERTO
Uma experiência de ensino da cultura afro-brasileira numa escola de Salvador
Entrevista a Marília Moreira e Marilúcia Leal Foto Vasco Menut
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_ Jacilene Santos da Silva, pedagoga especializada em África pela Universidade do Estado da Bahia, é diretora da Escola Municipal Parque São Cristóvão, cuja missão é levar a história e a cultura africanas para as salas de aula da educação básica. Mulher determinada e defensora de ideias um tanto quanto impactantes sobre educação e questões afro-brasileiras, Jaci é reconhecida, nacional e internacionalmente, pelo trabalho que realiza na escola próxima à Estrada Velha do Aeroporto.
“Alice no País das Maravilhas”, “Branca de Neve”, “Cinderela”. Nós não. Rainhas de contos como “Menina Bonita do Laço de Fita” e “Histórias da Preta”, negras como Dandara e Akotirene, são mulheres belas. Eles vão crescer querendo essas belas rainhas para namorar. Caímos em cima quando um jogador de futebol ou um cantor de pagode procura uma loira para casar, e esquecemos que eles cresceram ouvindo que tinham de encontrar uma princesa loira e branquinha. Aqui eles crescem com outros ideais de beleza.
evangélicos não entendiam. Quando pintamos no muro a inscrição “Mãe África” e figuras africanas, um grupo de pais veio reclamar porque um pastor disse que aquilo não era coisa de Deus. Decidimos deixar uma parte do muro em branco para que eles pintassem os signos com os quais se sentiam identificados. Eu tenho quatro professores evangélicos que trabalham entendendo que aqui não é local de religião. Nós trabalhamos a cultura africana e o terreiro de candomblé como quilombos de resistência.
Esse modelo de educação sofreu muitas críticas? Geralmente perguntam: “É só África? Cadê o conteúdo?”. Em 2007, saiu o resultado da Prova Brasil e a maior nota da Bahia foi a nossa, a mesma nota que Santa Catarina. A gente mostrou que a prova que os alunos de Santa Catarina e do Rio de Janeiro responderam foi a mesma que os nossos meninos fizeram, trabalhando com coisa de preto. Nós não fugimos da grade curricular. Eu não quero tirar dos meninos o direito de aprender o legado europeu, até porque eles vão concorrer com esse conhecimento.
A obrigatoriedade do ensino da cultura indígena pode gerar alguma perda para o movimento negro? Para quem sabe onde tem o pé, não é uma perda. Falar de índio é fácil. Índio tem cabelo liso e a pele clara, socialmente aceita. Falar do negro é mais difícil porque a minha pele e o meu cabelo lhe afrontam. Os meninos vão aprender a respeitar a cultura indígena, mas a minha clientela não é indígena. A periferia de Salvador é negra. Primeiro eu tenho que me reconhecer, porque eu não vou valorizar a cultura do outro se eu não conheço a minha. O objetivo da escola não é que o negro fique acima do índio ou acima do europeu, o que a gente quer é que o preto, o branco e o índio se olhem e digam: “Aqui, nós somos tratados sem distinção!”.
A comunidade, composta por evangélicos, colaborou com o projeto pedagógico? No início foi difícil. Os pais que eram
Como você usa a própria aparência para desmitificar a ideia de que o negro é feio? Quando os meninos dizem “Fulana é neguinha do cabelo duro, preta e feia”, eu digo: “Pegue no cabelo de Jaci. De que cor é Jaci?”. “Preta”, eles respondem. “Pois é, Jaci é preta e tem o cabelo duro. Jaci é feia?”. Eles respondem: “Não”. “Então, se Jaci não é feia, sua colega também não é”. Essa foi uma forma de mostrar às meninas que elas têm duas opções: alisar os cabelos ou usar crespo como eu, e das duas maneiras elas podem se sentir queridas e respeitadas. Para os meninos daqui, ser chamado de negro não é um xingamento. Como se trabalha isso em sala de aula? Muitas escolas utilizam fábulas como
Jacilene Santos da Silva e alunos da Escola Municipal Parque São Cristóvão
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Um olhar sobre Maria Lúcia Pereira
A ex-moradora de rua que se tornou repórter e colunista do jornal Aurora da Rua
Texto Josiane Guimarães e Talyta Almeida
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_ Foi na sede do projeto “Levanta-te e Anda”, situado na Igreja São Francisco de Paula, em Água de Meninos, que Maria Lúcia Pereira, 40, nos recebeu para um bate-papo sobre sua militância em projetos sociais e sua história no jornal Aurora da Rua. Mulher de liderança e sem papas na língua, esbraveja ao falar sobre o olhar da sociedade em relação ao povo de rua. “Eu não sei que diacho acontece que acham que os moradores de rua brotam de uma fonte. Esquecem que as pessoas que vivem nesta situação tiveram ou tem uma casa. Que foram parar ali por causa das drogas, da bebida. Muitos chegaram a ingressar em uma faculdade e tem família”. Nascida em Itapetinga, interior da Bahia, Lúcia veio para Salvador com apenas três anos de idade. Com os olhos marejados ao falar das recordações passadas, ela conta que os motivos que a levaram para as ruas foram a dependência alcoólica e uma família desestruturada. “Perdi o contato com minha irmã quando tinha 15 anos. Com 18 a reencontrei, mas tínhamos muitas dores e mágoas e acabei voltando para as ruas. Foi lá que minha dependência alcoólica aumentou e surgiu a química também”. Nos momentos de sanidade, conseguia arrumar um emprego e alugava um quarto. Porém, logo depois, se enveredava pelas marquises da Baixa dos Sapateiros novamente. Em mais de 15 anos vivendo nas ruas, passou por momentos difíceis, como estar dormindo e ser acordada com um jato de água pela equipe de limpeza urbana ou ser espancada. Até mesmo em ser acordada de madrugada e colocada dentro de uma Kombi junto com outras pessoas e serem levadas para longe e ter que voltar andando. Apesar de todas as dificuldades,
_ Em 2001, conheceu a Comunidade da Igreja da Trindade que acolhe moradores em situação de rua. A partir daí, se recuperou dos vícios e reencontrou a família biológica. “Foi como se tivesse fechado uma página do meu livro. Consegui juntar minhas duas famílias: a biológica e a de rua. Esta, responsável pelo que sou hoje, pois me ensinaram a viver e sobreviver”, contou emocionada. Morando na Comunidade, participou da criação do projeto “Levanta-te e Anda”, que oferece serviços de higiene pessoal, atendimento psicológico, recuperação de documentos e cursos profissionalizantes. “Nós percebíamos que muitas pessoas não conseguiam subir as escadarias da Comunidade, porque subir significa parar de usar drogas, parar de beber. Então, surgiu este projeto para que estivessem mais próximos da gente. Se eles ultrapassam estas barreiras, já é uma vitória.”, explica. Com um meio sorriso no rosto, nos conta que, antigamente, quando o projeto foi lançado, em 2007, ficava na frente da sede chamando gente, e que era engraçado porque parecia que estava “fazendo vida”, mas agora é o
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Quando tudo começou a mudar
contrário: muitos vão até eles. _ Outro projeto que Maria Lúcia ajudou a fundar, no mesmo ano, foi o jornal Aurora da Rua, uma produção de moradores em situação de rua, ressaltando o que se passa em suas vidas. “Decidimos que, já que os jornais ditos como sérios não conseguiam retratar com fidelidade o que acontecia, seríamos a voz de todas as pessoas que não tinham nem voz e nem vez”, afirma. No início, vendia e divulgava o jornal, mas sua habilidade com a escrita foi reconhecida e ela se tornou repórter e colunista, responsável pela editoria Brilho da Aurora que se dedica a publicar perfis de moradores e ex-moradores de rua. _ Atualmente, representa o povo de rua de Salvador no Movimento Nacional da População de Rua, acompanhando todo o projeto das políticas públicas para moradores de rua e participando de reuniões. Ainda quer realizar um de seus sonhos: cursar direito. E, dessa forma, continuar defendendo as causas dos moradores de rua. Para Maria Lúcia, que é hoje convidada por empresas, escolas e faculdades para dar palestras, a maior alegria é perceber que aquilo que ela escreve pode mudar vidas e fazer com que a sociedade enxergue as pessoas que moram na rua de outra forma. “Somos um povo extremamente cativante. Basta perderem o medo de se aproximar da gente” finaliza a conversa. Foto: Ives Padilha
Foto: Alderon Costa
Lúcia aprendeu o que significa solidariedade e transparência. “Talvez as pessoas vão para as ruas porque não acreditam mais nesta sociedade tão mentirosa, cheia de artimanhas”.
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Texto Fernanda Aragão e Marina Teixeira | Foto Camila Queiroz
Programas que fizeram sucesso, curiosidades dos bastidores, a evolução dos equipamentos e as mudanças trazidas pela entrada da TV digital _ Todo mundo já deve ter ouvido falar (mesmo que não saiba como funciona) sobre a TV Digital, já que, desde dezembro de 2007, ela tem se instalado no Brasil e não faltam propagandas sobre a maior modificação no meio televisivo desde o padrão em cores . Aqui em Salvador, onde o sinal chegou em dezembro de 2008, a finalização dos trabalhos de adaptação de todas as emissoras locais para transmitir as imagens no sistema digital deve se estender até, pelo menos, o final deste ano. Coincidência ou não, em 2010, comemoram-se os 50 anos da chegada da televisão aqui na Bahia; mais especificamente em 19 de novembro, data da primeira transmissão gerada pela TV Itapoan.
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Todo mundo queria aparecer
_ Pioneira e líder absoluta de audiência nos anos 60 (ora, era a única emissora no estado!), a TV Itapoan identificou-se logo com os baianos. As pessoas desejavam ver e serem vistas. “Todo mundo queria aparecer. Até batizado de boneca queriam que a gente filmasse.”, lembra, divertido, Francisco Aguiar, primeiro editor de telejornalismo da Itapoan. José Jorge Randam, conhecido por ser noticiarista e galã de radionovelas, conta que a expectativa era grande para a chegada da TV, mas houve frustração. “Como éramos de rádio, não pudemos nos inscrever para fazer o curso e trabalhar na televisão, pois disseram que tínhamos vícios de rádio. Isso nos deixou decepcionados. Mas, com o decorrer do tempo, acabei furando o bloqueio e posteriormente passei a ser o ‘repórter Esso’ substituto e a apresentar telejornais”, afirma Randam. Os programas da época, em sua maioria ao vivo, traziam os talentos da terra (como Gilberto Gil e Cynara e Cybele, do Quarteto em Cy, que saíram do “Escada para o Sucesso”); sem falar do futebol – paixão declarada do povo baiano – que teve seu espaço garantido naquele aparelho diferente e fascinante. _ De propriedade do grupo “Diários Associados”, capitaneado por Assis Châteaubriant (dono da TV Tupi), a Itapoan passou a enfrentar a concorrência em 1969, da TV Aratu. O “galinho”, símbolo da emissora, chegou atrelado à rede carioca que mais avançava em aspectos tecnológicos: a Globo. Primeira a transmitir em cores na Bahia, conseguiu não só polarizar a audiência com a Itapoan, como também superá-la, com atrações como “O Arraial do Galo” e a épica Tia Arilma que, com seu programa “Recreio”, embalou a infância de nossos pais. Precursora de apresentadoras infantis como Xuxa, Angélica e Mara Maravilha, Tia Arilma era contratada da Itapoan, mas a Aratu apresentou uma proposta irrecusável e, na emissora do galinho, ela viveu seu auge. Além disso, outros programas da emissora tiveram muita influência em produções nacionais. Que o diga o “VT Show” nos anos 70, atração de variedades cujo modelo inédito deu base para o “Video Show” da rede Globo _ Na década seguinte, chegaram as últimas emissoras que hoje compõem o cenário da televisão local. Em 1981, a Band Bahia foi inau-
gurada e, ao contrário das outras, ela pertencia à rede e não era uma afiliada. Segundo Rubem Perez, produtor executivo da emissora, inicialmente a Band exibia poucos programas locais, pois a maioria deles era definida pela rede, mas hoje há mais espaço para essas produções. Quatro anos depois, mais duas TVs foram fundadas: A TVE, do Estado, que tinha (e tem) como objetivo incluir em sua programação elementos e manifestações da cultura baiana; e a TV Bahia, do grupo de Antonio Carlos Magalhães. Esta, inicialmente, era afiliada à Manchete, mas dois anos depois trocou a emissora dos Bloch pela Plim Plim, numa situação nebulosa. Tão confusa que tanto a TV Bahia quanto a Aratu passaram algum tempo transmitindo a mesma emissora: “A passagem da retransmissão da Manchete para a Globo foi um pouco tumultuada e trouxe perdas para um lado (Aratu) e ganhos para o outro (TV Bahia) que ficou com o ‘ouro’ (programação da Globo) nas mãos”, afirmam Manoel Sacramento e Jorge Almada, funcionários da TV Bahia há 24 anos (ambos supervisores de operações). De acordo com eles, as modificações internas foram em termos da programação porque, ao contrário da TV Aratu, mais antiga, a TV Bahia já tinha os equipamentos e a estrutura nova para receber o padrão de qualidade que a Globo exigia na época. Eles não desconsideram, entretanto, o fator político interferindo nesta mudança .
Do “olhômetro” ao eletrônico
_ Todos esses programas e jornais tinham que ir ao ar de alguma maneira. Imaginem ter que gravar uma imagem em filmes de películas de 35 mm, revelar, esperar secar e depois a imagem ser convertida de negativo para positivo em um maquinário? Pois bem, eram assim que
José Jorge Randam, primeiro apresentador de TV na Bahia VT-quadruplex. Apenas com o Betacam, que oferecia qualidade próxima à este, a condução dos equipamentos e a conseqüente agilidade na produção foi possível. “Na época, achávamos que o U-Matic era ótimo. Quando começamos a usar o Betacam percebemos o quanto a qualidade era superior”, confessa o supervisor de operações da TV Bahia, Jorge Almada.
Uma pequena revolução
_ Alta resolução e qualidade de imagem, portabilidade, interatividade – essas são as vantagens da TV digital. Aos poucos, os “chuviscos”, os “fantasmas” e distorções das cores estão desaparecendo. Já não existe mais o sistema de gravação em películas e os últimos equipamentos Betacam só servem para transformar fitas de arquivos em formas mais modernas de exibição destas imagens nas emissoras. Mas, essa mudança exige investimentos de milhões de reais. Os estúdios e equipamentos das TVs precisam estar adaptados para receber o sinal digital. E, para transmiti-lo, cada uma delas precisa ter uma antena (diferente da analógica) e um transmissor do sinal digital a serem colocados, respectivamente, na torre e em um ambiente devidamente refrigerado (veja foto). _ Em Salvador, onde as emissoras ainda estão em fase de adaptação à TV digital, alguns ajustes em partes da cidade para melhorar a recepção das imagens no novo sistema devem acontecer. Segundo Newton Monte, analista do setor de transmissão da TV Bahia, lugares como a Pituba e o Iguatemi, onde há concentração de muitos prédios, apresentam dificuldades na recepção do sinal digital. Para resolver o problema e evitar que as pessoas tenham que instalar antenas externas, o sistema digital possibilita que sejam colocados “reforçadores” - torres como as de celular – na região, a fim de que o sinal recebido da transmissão principal seja amplificado novamente e retransmitido para a área.
_ Com toda essa evolução tecnológica é natural que haja uma preocupação com relação à possibilidade de perda de mão de obra. “Quando a edição passou a ser feita dentro de um computador, mais ou menos seis pessoas foram descartadas”, lembra Jorge Almada. Curiosamente, a passagem para o sistema de transmissão digital, ao menos no que diz respeito ao trabalho técnico, tem aproveitado a mão-de-obra já existente qualificando-a. Essa qualificação, aliás, é questionada. por alguns funcionários. “Não vejo uma preocupação dos empresários, que lucram bastante com a televisão, em investir na qualificação do seu profissional. A edição não-linear, por exemplo, é complicada e um erro nosso pode, inclusive, trazer prejuízo para eles”, destaca Rubem Perez. Os supervisores de operação da TV Bahia reclamam do pouco tempo de preparação para lidar com os equipamentos e afirmam que muitas dúvidas têm que ser dirimidas por telefone. Por outro lado, na própria TV Bahia, graças à evolução tecnológica, há algum tempo, funcionários estão aprendendo o inglês básico, para saber lidar com o manual dos novos equipamentos. _ A passagem do sistema de TV analógico para o digital está acontecendo de maneira gradativa, assim como a inserção dos soteropolitanos nas novidades trazidas por ele. A interatividade, antigamente realizada através de cartas depositadas em urnas na entrada das emissoras, agora acontece de maneira muito mais sofisticada.O melhor de tudo isso é que não é preciso pressa. Oficialmente, todos têm até 2016, ano em que o sinal analógico será desativado, para adquirir um conversor de sinal digital ou um aparelho de TV que já tenha a capacidade de transmiti-lo.Porém, diante da condição socioeconômica de grande parte da população brasileira, muitos imaginam que dez anos seja pouco tempo para todos passarem a assistir às imagens em alta definição. Mas, qualquer que seja a maneira encontrada para solucionar esses e outros problemas, tudo indica que a televisão continuará a ser o principal meio de informação e entretenimento para a maioria das pessoas daqui e de grande parte do país.
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as reportagens eram exibidas na televisão daquela época. “Era um processo artesanal. O texto era redigido separadamente pelo redator e lido pelo apresentador de maneira que coincidisse com as imagens que estavam sendo passadas no momento” lembra Francisco Aguiar. Havia também um aparelho chamado telecine, que era um conjunto de equipamentos composto por dois projetores de filme bitola 16 mm, um projetor de slides duplo e uma câmera de TV, onde eram exibidos filmes e comerciais feitos em slides ou em filme. “Naquele tempo, o operador manuseava a máquina, hoje se faz uma programação e as máquinas fazem tudo sozinhas” destaca Perez - que na época, era operador deste aparelho na TV Aratu. _ Se as formas de projeção e captação de imagens não eram tão simples, a apuração de uma reportagem não ficava atrás. Jorge Randam lembra que se esperavam 30 a 40 minutos para conseguir um telefonema que, às vezes, nem funcionava bem, graças à tecnologia pífia da empresa telefônica que existia aqui na Bahia, na opinião do ex-apresentador. “Mas fazíamos porque tínhamos muito amor à causa. Tem trabalhos externos que eu fiz que hoje eu nem acredito ter sido possível”, lembra. _ Até a chegada do videotape (VT) as edições de vídeos eram feitas manualmente, como conta Randam. “Tinha uma régua de alumínio com um corte vertical, um horizontal e outro diagonal, onde ajeitávamos a fita pelo som (da narração) e fazíamos o corte no ‘olhômetro’”. Com o videotape, aparelho de gravação de som e imagem em fita magnética, foi possível que as imagens fossem vistas logo após a gravação e a edição passou a ser eletrônica, trazendo agilidade na produção e fazendo com que muitos programas fossem gravados - apenas os telejornais, eventos esportivos e alguns programas de auditório continuavam ao vivo. Entretanto, os equipamentos (VT) eram muito pesados e muitas gravações externas do jornalismo ainda continuaram a ser feitas em película. O sistema U-Matic, um equipamento portátil que utilizava fitas mais finas (3/4polegadas) dentro de estojos de fácil manuseio, surgiu logo depois, mas não era tão eficiente quanto o
“Era um amadorismo no sentido de amar mesmo o que fazíamos”
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Tecnicamente e de maneira simplificada, a TV analógica forma a imagem e o som de modo contínuo; por isso, ocorrem distorções provocadas por interferências (secador de cabelo, liquidificador), inclusive no som que, às vezes, sai em estéreo.Já a TV Digital transforma cada elemento da cena e do som em um número binário formado somente por zeros e uns, como nos computadores. Disso decorre a alta definição 16:9(relação entre a altura e a largura da tela), que é comumente conhecida pelas siglas HD (High Definition) ou HDTV (High Definition Television), e a qualidade do som, semelhante à do cd. O formato digital com resolução comum, 4:3, conhecida como SD (Standard Definition) iniciou as transmissões, mas, aos poucos, a HDTV está sendo introduzida e questões de ordem estética surgem.Detalhes como rugas, linhas de expressão e outros aspectos físicos podem aparecer com maior nitidez na tela; por isso, exige-se da equipe de maquiagem das emissoras um cuidado maior na preparação de jornalistas e atores.
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O que muda com a TV digital
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Treino é treino. Entrevista é entrevista.
O meio-campista Ramón Menezes solta o verbo Entrevista a Lucas Leal e a Luan Santos | Foto Nicole Bianchi
Falta ética ao jornalismo esportivo? Às vezes sim. Tem muitos jornalistas com grande credibilidade e tem muita gente também que, em minha opinião, não tem tanta assim. É necessário que se saiba de onde vêm as notícias. Às vezes, saem notícias que ganham proporções extras e indevidas, por maldade ou para que se vendam jornais. De uma simples conversa já se cria uma discussão ou uma briga. Espero que a mídia tenha um pouco mais de cuidado porque determinadas coisas são muito fortes.
Títulos importantes marcaram a carreira do jogador de futebol Ramón Menezes Hubner ao longo dos seus 37 anos de vida. O meio-campista, que iniciou sua trajetória no Esporte Clube Cruzeiro em 1993, passou por grandes clubes do Brasil e do mundo, como Vasco, Botafogo, Atlético paranaense, Bayer Leverkusen (Alemanha) e Verdy Tokyo (Japão). Consagrado profissionalmente, chegou a vestir a camisa da Seleção Brasileira, em 2001, pela Copa das Confederações. Hoje joga no Vitória. Distante do estereótipo de jogador ignorante, Ramón deu tudo de si para atingir o objetivo máximo de conceder, com êxito, uma entrevista à Lupa.
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Jornalistas reclamam que jogadores sempre falam as mesmas coisas. Jogadores rebatem dizendo que só são feitas as mesmas perguntas. Quem tem razão? Existem jogadores com uma cultura maior do que a de outros. Isso pode ser percebido ao longo da carreira de um atleta, através da forma como fala nas entrevistas, das oportunidades que aparecem e da maneira como ele as aproveita, além do comportamento fora de campo. Essa história de jogador ignorante mudou muito. Você vai fazer uma entrevista com um garoto de 18 anos e ele vai falar bem, já tem opinião formada e sabe expor suas ideias. Quanto às perguntas serem sempre as mesmas, é devido à falta do que perguntar. Quando acaba um jogo, o repórter vai perguntar o quê? O assunto é o mesmo, é sempre futebol, não se pode fugir muito disso. A imprensa ora glorifica, ora demoniza o atleta. Em 2002, por exemplo, você foi eleito pela revista Placar como o melhor meio-campista do Brasil (Troféu Bola de Prata), mas hoje é constantemente questionado sobre sua idade. Como você lida com essa tensão?
O tratamento que a mídia dá à sua relação com o treinador Wagner Mancini, por exemplo, atrapalha o trabalho de vocês? Com o Wagner houve alguns problemas, que já foram superados. Ano passado ocorreu uma divergência, talvez de idéias, mas eu tenho um respeito muito grande pelo profissional que ele é. Quando o Mancini retornou ao comando do Vitória, também foi dita muita coisa, como, por exemplo, que ele não apertou minha mão quando chegou e tantas outras histórias.
A mídia tem um papel importantíssimo tanto nas fases boas quanto nas ruins de um atleta. O jogador tem que estar preparado para tudo, pois mesmo na boa fase sempre haverá algum crítico. Eu estou me aproximando do final da minha carreira e isso não pode ser escondido de ninguém, mas trabalho muito e tenho a consciência do quanto ainda posso render. Tem muitas pessoas que discordam, mas a minha resposta ocorre dentro de campo, jogando bem e marcando gols. Hoje, exclusivamente no Brasil, se criou um preconceito muito grande por grande parte da imprensa de que o jogador com trinta anos está velho. Se o atleta prestar atenção todo o tempo às críticas da mídia, termina por não realizar bem sua função, que é simplesmente jogar futebol.
A imprensa concentrada no eixo Centro-Sul tem tratado as equipes do Norte-Nordeste com mais respeito e reconhecimento? A falta de títulos de expressão dos clubes do Norte-Nordeste é um fator que influencia na maneira como são tratados, mas as imprensas brasileira e sulamericana, de modo geral, já começam a visualizar os clubes do NorteNordeste de forma diferente, atribuindo devido valor. O Vitória era conhecido como o “Vitória da Bahia”, mas hoje o quadro começa a se modificar. Sabemos que o clube precisa ganhar um título de expressão, disputar uma Libertadores, e é isso que estamos buscando. Não temos as mesmas condições financeiras que outros grandes centros do país possuem, mas, pacientemente, estamos nos estruturando. Em breve, vamos conquistar o devido reconhecimento.
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Sangue novo no
radiojornalismo
esportivo baiano Marcus Pimenta é a nova face da crônica esportiva no rádio baiano. Enfim, um pouco de jornalismo profissional em uma área de muita prosa e pouco conteúdo. Entrevista a Felipe Campos e a Bruna Rocha | Foto Ticiane Bicelli
Entrar em um meio onde, como você afirmou, “há 20 anos são as mesmas pessoas” e montar uma equipe sem os radialistas antigos lhe deixou preocupado?
Com esse novo modelo de programa apresentado por jornalistas e ex-jogadores, vocês não sentiram receio de como o público acostumado com os antigos radialistas iria reagir? A gente faz tudo que os outros fazem, só que os outros não fazem tudo que a gente faz. É a mesma estrutura. Polêmica, a gente tem. A informação, a resenha que todos fazem, nós fazemos, só que nós temos um diferencial: a análise dos jornalistas, a opinião de gente do
meio. Não nos baseamos em sensacionalismo, mas na credibilidade da equipe. Não tem como sustentar uma audiência durante três horas com uma coisa muito sisuda. A informação é o ponto-chave, mas você pode construir uma informação de uma maneira descontraída e um pouco mais divertida. Rádio é entretenimento. Tem gente que apela pro sensacionalismo e tem gente que faz um programa muito sério, muito quadrado. A gente consegue pegar um pouquinho de cada e adaptar ao nosso estilo. Utilizar o Twitter, o MSN e comunidades do Orkut como meios de interatividade são uma forma de atingir um público mais jovem que ainda está se familiarizando com o radiojornalismo esportivo? Claro. Existe os ouvintes mais conservadores e tem o público novo, que ainda não conhece tanto o rádio antigo e busca o rádio moderno. Depois que a gente chegou no rádio baiano, ele evoluiu muito porque as pessoas descobriram que era possível investir em gente nova, em um jeito novo de fazer rádio. A gente coloca nosso programa na Internet, interage através dela, mas sabe que não há como competir em termos de cobertura. Da mesma maneira, o rádio sempre terá seu público, aquele cara que vai para o bar ou para um casamento e está sempre resenhando futebol. Pra ele, não basta ver pela televisão. Ele sente a necessidade de participar, de sentir o local, de estar dentro da resenha. Esse público sempre existiu e sempre vai existir, porque a paixão pelo futebol é isso: é a resenha.
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Você já confessou que não sentia muita paixão pelo rádio no início de sua carreira e que entrou no radiojornalismo meio que por acaso. Era minha última opção, mas meu primeiro estágio foi justamente numa rádio, onde comecei a ver o meio de uma maneira diferente. Eu sempre fui apaixonado por esporte. Me lembro que, desde que eu era pequeno e ouvia jornalismo esportivo no carro com meu pai, eram sempre as mesmas pessoas que o faziam. Cresci, entrei na faculdade e eram sempre os mesmos. Há 20 anos são as mesmas pessoas! Foram elas que criaram tudo isso, a gente tem que ser grato mesmo, mas eu sentia que faltava uma renovação. Quando comecei a trabalhar profissionalmente com radiojornalismo esportivo, imaginei um formato em minha cabeça para renovar, trazer gente nova e mais profissionais de comunicação.
Não. A minha preocupação sempre foi outra. É igual a time de futebol: você tem que apostar na divisão de base, em gente nova, mas, se você escalar todo mundo novo, o time não vai pra lugar nenhum. Você tem que saber mesclar a experiência dos veteranos com os novos talentos. A minha preocupação foi trazer ex-jogadores que conhecessem bem o futebol e que não tinham a oportunidade de trabalhar em rádio, às vezes por preconceito, às vezes pelo mercado fechado. Quis trazer pessoas que tivessem credibilidade e o respeito das torcidas do Bahia e do Vitória. Assim cheguei aos nomes de Emerson Ferretti e Preto Casagrande, dois ex-jogadores que sabem se comunicar e que jogaram nos dois times. Trouxe Marcelo Santana, que é um grande jornalista do meio impresso, e também Elton Serra, outro excelente jornalista que tem o melhor portal de jornalismo esportivo em termos de informação e conteúdo. Tem também Sinval Vieira, que foi diretor de futebol do Vitória e é um velho conhecido no meio. Mas eu também trouxe profissionais antigos do rádio que já conhecem os trâmites dos clubes, os dirigentes...
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Bronzeado, com roupa da moda e sorrisão no rosto, Marcus Pimenta, 28 anos, é o descontraído líder da Equipe Gol, um dos mais modernos programas esportivos do rádio baiano (Tudo FM 102.5), que se consolida em um mercado dominado por antigos radialistas e formatos obsoletos. Ex-apresentador do programa esportivo Cartão Verde da TVE, Pimenta é ainda correspondente local da rede Record, âncora da TV Itapoan e radialista da Tudo FM.
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A internet e os novos modelos de consumo e distribuição da música
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Texto Gabriela Baleeiro e Patrick Silva | Foto Camila Queiroz
_ Foi-se o tempo em que comprar álbuns era o único meio para ouvirmos a nossa banda favorita. A criação dos players de mp3 tem substituído antigas mídias, como o vinil e o CD. Enquanto as grandes gravadoras ainda se debatem pela fórmula mágica deste cenário incipiente, bandas iniciantes – e grandes grupos, em caráter experimental – usam o espaço proporcionado pela internet para divulgar seus trabalhos e alcançar de forma independente a notoriedade perante seu público. As redes de compartilhamento de conteúdo através da internet, conhecidas como peer to peer (P2P), tem tirado o sono dos produtores culturais. Este material - músicas, filmes, seriados - se populariza de forma ilegal, ignorando as leis de propriedade intelectual e inviabilizando o retorno financeiro para seus criadores. Mas, será que a troca de arquivos é a real culpada pela queda no faturamento das gravadoras? Segundo um estudo recente realizado pela Forrester Research, empresa
de tecnologia e pesquisa de mercado da Inglaterra, quem compartilha arquivos na web gasta 75% mais com música do que aqueles que não o fazem. É um balde de água fria sobre o principal argumento da RIAA (Associação das Gravadoras dos EUA) e reforça a ideia de que esta é uma mudança cultural: o CD tem sido menos consumido porque este formato não é mais confortável para alguns consumidores. A Apple – empresa do ramo da computação responsável pelos maiores objetos do consumismo atual, como o Iphone, Ipod e, mais recentemente, o Ipad – foi pioneira e criou um novo nicho no mercado, faturando muito com a venda de música legal pela internet. A iTunes Store, lançada em 2003, conta com mais de 200.000 itens. Em janeiro de 2009, já havia vendido mais de 6 bilhões de arquivos e é responsável por 70% das vendas de música legal no mundo. “O preço das músicas é bem pequeno. Não é como as lojas que vendem mp3 no Brasil”, diz
Eduardo Pelosi, assessor de imprensa, que comprou algumas músicas em 2008 para testar o serviço. E para o assessor, a falta de suporte ao Brasil é o maior empecilho. “Para comprar, precisa-se de cartão internacional. Se houvesse suporte, cadastraria como nos outros países e ao plugar o Ipod, com um clique tudo se resolveria”, reclama. No Brasil, o selo Trama Virtual disponibiliza álbuns para download de forma gratuita e divide com os músicos os lucros gerados pela publicidade do site. Voltado para o público alternativo, o projeto também abriga artistas famosos do mainstream, como Ed Motta e os grupos Cansei de Ser Sexy e Móveis Coloniais de Acajú. Para o DJ e produtor soteropolitano Luciano Matos, os serviços de compartilhamento facilitaram muito a busca por novos grupos e sonoridades. “Acho que qualquer ferramenta de divulgação é valida, física ou digital, gratuita ou não. A internet facilitou muito o meu trabalho”, completa. Luciano alerta
_ Eis que, em 2001, surge um novo tipo de licença com o objetivo de tornar mais flexíveis a utilização, a execução e a distribuição de obras: o Creative Commons (CC). A entidade, que é representada no Brasil pelo Centro de Tecnologia e Sociedade da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas e não possui fins lucrativos, recriou a ideia “todos os direitos reservados” para “alguns direitos reservados”. Na música, houve até uma significativa adesão a esta nova proposta, principalmente por artistas do circuito alternativo. O conceito, em suma, é simples: “O Creative Commons ajuda você a publicar sua obra online e deixar claro para todos o que exatamente eles podem e não podem fazer com sua obra”. Para João Caribé, publicitário e consultor de novas mídias, esta é uma “solução genial”, pois a maioria das obras é liberada para compartilhamento, além de existir uma parcela de obras liberadas para futuras alterações. “Imagine você poder baixar uma música e mixá-la?”, questiona. Mas, para Bruno Nogueira, que desenvolve uma tese sobre crítica de música no Doutorado em Comunicação e Cultura Contemporânea da Faculdade de Comunicação da UFBA, a questão da propriedade intelectual na música ainda
Renato Almeida, músico
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Vending machine da Eletrocooperativa
Automático como tomar uma Coca _ “Ser digital” na Bahia também significa distribuir renda. Esse é o lema principal da Eletrocooperativa, fundada em 2003 e localizada no Pelourinho. Com apoio do governo, a instituição tem como intuito “humanizar o processo de inclusão digital” ao disponibilizar a estrutura necessária para que jovens músicos componham suas músicas. A renda é gerada através da comercialização do que é produzido ali. Tilson Ribeiro, um dos membros do projeto, pontua a importância do Portal da Eletrocooperativa para se entender “o valor do ser digital”. “O Portal é onde disponibilizamos o material aqui produzido para que as pessoas baixem e até mixem as músicas. Ele funciona também como uma rede social, onde se cria um perfil e se participa das Chamadas Criativas”, completa Ribeiro. Chamada Criativa é um projeto periódico do portal onde se contempla com o prêmio de R$400 o usuário que produzir a melhor chamada a partir de um tema proposto. E, para não fugir do formato do CD, Eletrocooperativa pensou em uma alternativa interessante e inusitada: a vending machine. Uma máquina que vende CDs produzidos pela empresa por R$5. A estrutura fica localizada na Praça de Alimentação do Shopping Center Lapa, encostada em uma coluna com bastante visibilidade. É só escolher e levar o seu para casa. Tão simples como escolher um refresco.
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Propriedade Intelectual
tem que evoluir bastante. “A gente não tem nenhum exemplo excelente de algo que mudou no paradigma do consumo, a partir do CC. Isso deixou muita gente descontente porque, no fim das contas, o CC não é nenhuma novidade, é só uma interpretação da Lei do Direito Autoral - com um novo nome e com sugestões criativas de como podemos usar isso”, argumenta. _ Renato Almeida, estudante de Produção Cultural da UFBA e baterista da banda de rock Sine Qua Non, que atua no cenário underground da capital baiana desde janeiro de 2004, acredita que é uma questão de “adequar o seu produto” do que propor uma alternativa às idéias ultrapassadas de direitos autorais. O estudante alega que o Creative Commons é muito mais funcional na divulgação inicial de bandas independentes. Passada esta primeira etapa, o artista provavelmente só optará por usar o selo depois que tiver conquistado certa notoriedade. Ou seja, disponibilizar sua obra na rede não será sinônimo de dinheiro perdido. E há ainda quem crê que esta já é uma alternativa defasada para a música. É o que pontua Jorge Luiz Santos, diretor administrativo do Sindicato dos Músicos da Bahia. “Hoje a maioria dos artistas já tem selo próprio”, diz. Além disto, muitos artistas não optam pelo CC pelo simples fato de não quererem uma marca associada ao seu nome. “O que dá dinheiro para um músico é show, e não álbum. A internet possibilita que bandas emergentes se mostrem ao público e cresça a partir disso”, explica Almeida. Exemplo mais óbvio disso? A Banda Calypso, sucesso nacional que vive sob a lógica de faturar nos shows, desde quando começou sua carreira, há oito anos.
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ainda que não se deve menosprezar o poder da mídia física. “Mandar link por e-mail normalmente não funciona muito bem. É só um link entre vários. O CD ou vinil vem com outras informações, como a capa. Um trabalho bem feito que chama a atenção. O artista precisa saber com que público e com que produtores está lidando e usar a ferramenta que for mais apropriada”, diz.
hoje é Peu Meurray
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Outrora o maluco do pneu,
Transformando o lixo em luxo, o músico ambientalista não recicla a sua velocidade de pensar
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Texto Elaine Morgana e Vitor Andrade | Foto Ticiane Biceli
_ A partir de agora, falaremos pneumaticamente. Para entrar, não precisa garbo nem elegância. Apenas calce os chinelos da humildade e se deixe embalar pelo barulhinho bom do pop-samba-emborrachado bem próprio daquele que, outrora, era o maluco do pneu e hoje é Peu Meurray. _ “Humilde, comedor de jaca de Amargosa, a cidade que você vai amar e gozar, músico percussionista e hoje me considero músico ambientalista”, assim se define Jamsom Jorge, aquele que carrega o som desde o nome de batismo. Toda essa música começou a ser propagada aos seus dezenove anos. Começando com a extinta banda Chácara, viajando com bandas de baile como a Oliveira, de Castro Alves, até o pisciano desaguar em Salvador. E, desde então, São Jorge vem iluminando seus passos, o guru indiano Sathya Sai Baba lhe servindo de identificação espiritual - dando o tom da sua filosofia do “viver bem”- e o tambor abrindo seus caminhos. _ Peu Meurray já compôs para símbolos da musica nacional como Simone Moreno, Saul Barbosa, Arnaldo Antunes, Davi Moraes. Recentemente, compôs a música Pessoal Particular com Seu Jorge. Nessa escola da vida musical, “pós-graduou-se” nas composições Barulhinho Bom, Memó-
rias Crônicas e Declaração de Amor feitas com Marisa Monte, “cheia de assunto aos montes”. Foi com a régua e o compasso dados pela Bahia que Peu Meurray fez seu tambor ecoar pela Europa, onde morou entre 2002 e 2003, transformando-se em “Euro Peu”, uma brincadeira mercadológica desse “artista independente totalmente dependendo do mercado”. _ “Em música a gente é Macumba (boacumba), blues e jazz. Não tem como correr” assim Peu define o seu estilo musical. E dentro de sua musicalidade, prefere ser mais o tambor, o que une as tribos, do que o cantor. “O tambor me leva para o mundo de uma forma muito mais ampla do que ser só o canário, por isso já gravei sete discos e não lancei nenhum”. E o seu tambor não é alternativo, mas bem particular: pneus retirados do lixo. Pneus, que além de dar o som, também são as matérias-primas para a confecção de móveis, como puffs, mesas, esculturas, caixas de som e percussões. Assim, há treze anos, esse pacato cidadão vem transformando o lixo em música e arte, dando para ele uma utilidade luxuosa dentro de seu laboratório e ateliê, o Galpão Cheio de Assunto. Nesse caldeirão cultural, onde acontecem oficinas, shows
e curadoria de arte, o assunto pega fogo. Peu é enfático ao dizer que o Galpão não é uma casa de espetáculos e que “a gente não é ONG porque a gente é pneu e pneu tem em todo canto”. Foi nesse espaço que surgiram Peu Meurray e os Pneumáticos e a banda Papa Jaca Sound, com a boa nova dos tambores de pneus e sua orquestra, quando dão a cor e o tom cênicos das apresentações. “O universo musical precisa de novidade. Nós somos a novidade e queremos apresentá-la”. _ “Saravá pra festa”, canta Peu. Assim, o músico ambientalista com o Projeto Jam Sessions recebe convidados ilustres para pôr mais assunto no Galpão.O amargonense festeja para além dos limites físicos do Galpão, levando sua Cegonha sem vergonha, uma carreta que carrega treze carros semelhante a um prédio deitado, para desfilar na Avenida como um trio elétrico de base ambiental. Típico interiorano, faz de sua terra natal, palco de poesia e literatura de cordel, resgatando a tradição do São João em cima da Sai Baba, caminhonete ano 67, com o Forró Zona Rural. Peu Meurray, um pisciano cheio de assunto e com o seu pneu na estrada, deixa a dica: “viver bem, estar bem é particular”.
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De Angola para Amêsa A história da atriz que reviveu seu passado por conta de um trabalho artístico Texto Carol Aquino | Foto Aline Trettin
por trás da personagem e se sentir a pessoa mais poderosa do mundo, como fazia quando criança. Ali, ela estava fragilizada. Amêsa falava muito de Heloísa. Era a história do pai que a abandonou, da perda da mãe. Não tinha como se distanciar e fazer um estudo frio da personagem. Aceitou a proposta e seguiu em frente. Com uma das experiências mais fortes de sua vida, acredita ter atingido o ápice do amadurecimento. No Festival de Teatro de Curitiba, Heloísa conheceu por acaso o autor da peça e recebeu o convite para
voltar à Angola, depois de 15 anos, para apresentá-la. Retornou como a primeira universitária da família da sua mãe e aclamada pelo público. _ Heloísa acredita no teatro como um veículo político e diz que isso é a sua respiração, o que a faz pulsar. Se ainda se considera uma vítima da guerra? Não. Se acha forte, raçuda, assim como o povo de suas duas terras: Angola e Brasil. Guarda consigo uma lição dada pela mãe, falecida em 2003: sempre confiar na vida e nas pessoas.
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Atriz angolana Heloisa Jorge
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_ A peça Amêsa conta a história das perdas de uma mulher na guerra de Angola, mas não através dos fatos, e sim das marcas que ficaram em seu corpo. O monólogo ganhou em 2009 os prêmios de melhor atriz, melhor diretor e iluminação no Festival Nacional de Ipitanga, além de vários elogios pela crítica. Pode até parecer uma história comum, a não ser pelo fato da vida da personagem se confundir com a da atriz. _ Era uma vez uma moça que começou a se lembrar dos seus tempos de menina. Ela tinha quatro irmãos, sendo, muitas vezes, responsável por eles. Já passaram por muita coisa juntos, como pular de casa em casa ou se esconder na banheira. Mas, essas não eram brincadeiras de criança. Eram tentativas de sobrevivência. O local era Angola e a moça se chama Heloísa Jorge. Em 93, a guerra civil angolana estava ficando cada vez mais dura. Nenhum cidadão podia deixar o país. Por ser filha de mãe angolana e pai brasileiro, Heloísa conseguiu vir refugiada para o Brasil. E assim, aos nove anos, deixando para trás mãe, família e referências, foi morar com um dos irmãos em Montes Claros, cidade do Norte de Minas Gerais. _ Na nova cidade, se sentia diferente. Foi a única negra da turma, onde estudou em um colégio particular da cidade. Isso gerava confusões em sua cabeça, pois em Angola, era a mulata canga maça, por ser branca demais. E agora, negra. O que era afinal? Também teve dificuldades para se adaptar à cidade porque não se enxergava nas pessoas. Era tímida e, na escola, odiava falar em público. Por isso, toda vez que tinha que fazer isso, montava uma cena teatral. Dessa forma, podia se esconder por trás da personagem. Com o tempo, descobriu o teatro: primeiro, o amador e depois, o profissional. Foi através da vontade de atuar profissionalmente como atriz que prestou vestibular para Artes Cênicas. Escolheu Salvador para cursar a universidade. Sabem por quê? Aqui se sentia mais a vontade: a cidade é muito parecida com Luanda e as pessoas são muito mais próximas. _ Até que o passado bateu em sua porta na forma de um convite feito pela diretora teatral Suelma Costa. Foi escalada para fazer um monólogo, a peça Amêsa, escrita pelo autor angolano Mena Abrantes. A trama contava a história das perdas de uma mulher na guerra através não de fatos, mas de sensações. Heloísa relutou em fazer o espetáculo. Primeiro, por não se sentir preparada profissionalmente e segundo, por saber que iria mexer naquilo que estava guardado há anos. Algo que certamente escondia para não se lembrar da dor. “Su, eu não vou conseguir porque sou eu”, lembra da conversa que teve com a diretora. Não podia mais se esconder
Foto: Zé Marques
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Um retrato de como sobrevive o mercado tradicional de pornografia em Salvador Texto Zé Marques e Renato Oselame
_ Nos Estados Unidos, o fundador da Revista Hustler, Larry Flint, pediu apoio financeiro ao Congresso Americano para os produtores e distribuidores de filmes adultos. Em território nacional, as produtoras de filmes eróticos Sexxxy, Explícita e Platinum atestam quedas de 20% a 50% em seus faturamentos, segundo o Jornal Metro São Paulo. Ao redor do mundo, a indústria pornográfica vive uma crise. Assim como vem acontecendo com outras mídias, a pirataria e o download gratuito têm absorvido boa parte dos consumidores dos tradicionais meios de consumo pornográfico. A disponibilidade de vídeos gratuitos online, em sites de free streaming – como o RedTube e o YouPorn – também provocou uma queda de rentabilidade em produtoras, locadoras, cinemas e revendedores de pornografia em geral. Diante dessa realidade, como resiste esse mercado em Salvador?
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Exibição em segundo plano _ Nos cinemas especializados, a pornografia se tornou um mero coadjuvante para os encontros sexuais e a prostituição. Das grandes salas de exibição do Centro da cidade, apenas duas se encontram em atividade: o Cine Tupy e
Nos cinemas especializados, a pornografia se tornou um mero coadjuvante para os encontros sexuais e a prostituição. o Cine Astor. Parte dos antigos cinemas desapareceu ao longo dos últimos anos. Há, entretanto, resquícios do passado nas construções desativadas do Cine Pax e do Cine-Teatro Jandaia, ambos localizados na Baixa dos Sapateiros. Hoje, próximos aos guichês e painéis de letreiros dos filmes, ambulantes mantém barracas onde comercializam utensílios domésticos e acessórios em geral. _ O Cine-Theatro Jandaia é um símbolo histórico do processo de crise dos cinemas do Centro. Criado em 1911, o cinema evoluiu durante duas décadas até se tornar um dos maiores espaços de entretenimento da população soteropolitana. Em meados dos anos 60, contudo,
sofreu forte concorrência com a vinda de empresas multinacionais de cinema. Eventualmente, o Jandaia perdeu a seu antigo monopólio e arrendado pela Orient Filmes, passou a exibir filmes pornográficos e de artes marciais. Hoje, de portas fechadas, o edifício nada mais é do que um enorme fantasma na Baixa dos Sapateiros. Dentre os cinemas ativos, o Cine Tupy é o maior. Com 350 assentos disponíveis em sua única sala de exibição, a clientela diária varia entre 60 e 90 pessoas. Hoje são exibidos dois filmes pornográficos por dia, sendo cada um repetido por três vezes. Contudo, no passado, o espaço projetava também produções nacionais de outros gêneros e, como o Jandaia, filmes de artes marciais. _ Antigos frequentadores do Tupy garantem que a movimentação local era muito maior. É o que atesta também o bilheteiro, que prefere não ser identificado. “Nos últimos seis anos, houve uma queda bastante acentuada na venda dos ingressos”, relata. “Mas ainda há uma clientela fiel que frequenta o cinema todos os dias”. _ Dentro da sala de exibição, a privacidade é garantida. “Intervenção da segurança”, continua o bilheteiro, “só
PASSEPARTOUT Foto: Matheus Sampaio
Um novo olhar sobre a pornografia _ Enquanto o mercado pornô tenta se readaptar em meio à crise, novos nichos de consumidores surgem, buscando alternativas para a pornografia tradicional. Em Salvador, Natália Soares, estudante de Ciências Sociais da UFBA, é pesquisadora de uma dessas tendências: a pornografia feminista. “O pornô tradicional distancia a mulher que consome a pornografia do seu próprio prazer. O que as mulheres da pornografia feminista perceberam é que há um mercado feminino crescente que quer consumir pornografia de forma diferenciada”, afirma. _ A principal transformação que a pornografia feminista propõe é a valorização do prazer da mulher no filme. “O que marca essa mudança é o orgasmo feminino como ponto fundamental da
Natália Soares, pesquisadora na área de pornografia.
relação”, diz Natália. Apesar disso, o orgasmo do homem não é colocado em segundo plano. Apenas valoriza-se uma das partes da relação que, por muitas vezes, ainda é excluída. _ Por mais que consumir pornografia seja um hábito predominantemente masculino, ao contrário do que muitos pensam, há uma expressiva participação feminina. Sobre o aluguel de pornografia na Video & Cia, Jonas diz que “muitas mulheres vêm à locadora procurando pornô, mas elas são mais discretas. Preferem que o funcionário indique um filme a entrar na área reservada”.
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_ “Não preciso vender pornografia. Existem tantas banquinhas de camelô espalhadas pela cidade”, afirma Darío, dono do sex shop Casanova, localizado no Comércio. Como diversas lojas de artigos eróticos, ele considera o investimento em pornografia um prejuízo. É o que, pouco a pouco, as videolocadoras têm percebido. Em tempos de baixas nos aluguéis, tanto as locadoras especializadas quanto as que dedicam parte de seu acervo aos filmes eróticos tem experimentado mudanças, diminuindo a quantidade de compra de novos DVDs pornôs e o espaço físico da empresa destinado a essas produções. _ Um caso a parte ocorre com a locadora de DVDs Vídeo & Cia. Enquanto a filial da Mouraria está fechando a sua seção restrita a filmes pornô, a da sede, localizada no Largo Dois de Julho, está em processo de expansão. “Na Mouraria, o público é mais reservado, há
A pornografia feminista propõe a valorização do prazer da mulher.
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Queda nas locações
muitos estudantes e famílias. No Largo Dois de Julho, por outro lado, passam muitas pessoas diferentes, o público é mais desinibido”, explica o proprietário Jonas da Silva. _ Isso não quer dizer, no entanto, que as locações de filmes pornôs tenham aumentado. Pelo contrário, experimentaram uma queda de 30% nos últimos anos. Mas esses dados não impedem que a empresa continue a comprar cerca de 45 filmes do gênero todos os meses. “Ainda lucramos muito com a pornografia. Porque quando as outras locadoras entram em crise e fecham, a clientela vem para cá”, afirma.
Foto: Matheus Sampaio
em caso de briga”. É fato que parte do público do cinema não tem o intuito de consumir filmes pornográficos e bastam alguns minutos no interior do Tupy para comprovar isso. A escuridão do ambiente, acentuada pela projeção levemente desfocada, atrai diversos tipos de pessoas oferecendo e procurando serviços sexuais. Alguns frequentadores do Astor e do Tupy utilizam, ainda, a comunidade do Orkut “Fãs de cinema Pornô – Salvador” para conhecer parceiros e marcar encontros.
CUBO MÁGICO
Fizemos um chamado aos leitores e eles responderam. A ler e gozar!
Ilustração Pedro Britto
O Terceiro Desejo
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Marcos Palacios _ Tudo começou quando sai da garrafa, naquela praia da Grécia. É, eu sou uma Jenniyah. Ou era, não sei... É muito difícil explicar o que é ficar tanto tempo encerrada numa garrafa. Posso garantir que não é nada confortável. De qualquer maneira, o tempo é algo muito diferente para nós, Jenniyahs. Não somos fêmeas efêmeras, como as humanas. Somos eternas. Nikos me achou. Catava conchas na praia, deu com a garrafa encalhada numa pequena baía. Pensou em limpá-la, vendê-la a algum turista. Nikos é um rapaz muito sensível.Ele é pastor de ovelhas, nesta ilha grega de Kollosos. Ou era, não sei... Quando Nikos achou a garrafa, cresceume a angústia, o medo-desespero. Será que ele não vai abrir esta maldita prisão ?Ele abriu. Eu sai. Nikos olhou-me com toda naturalidade. Seu jeito lento, direto, pastoral: - Você está livre. Eu a libertei. Agora, atenda aos meus três desejos. Não sei de onde Nikos tirou essa idéia fabulosa. Estava convencido de que quando alguém liberta um Gênio, ou Jenniyah, tem direito a três pedidos irrecusáveis.Ele não vacilou: - Eu sempre fui pastor, sempre morei em
choupana. Eu quero ser cavaleiro, quero morar num castelo, - disse e olhou-me, com olhos de um negro breu: - Primeiro eu quero cavalos. Muitos e negros cavalos. Velozes, grandes e fortes, selvagens como o Vento Norte. Depois eu quero um palácio. De jade, ouro e cristal; com fontes de vinho e mel; com parques que num só dia não cruzem os viandantes, não vençam cascos ou rodas; com bosques de macieiras; com flores e rouxinóis. Que insólito, pensei. Como atender a tão insensatos desejos? Nikos, então, hesitou. Seus olhos de um negro breu, olhando fundo nos meus: - E como terceiro desejo, eu quero você para amar, no pêlo dos meus cavalos, nas camas do meu castelo... Não sei bem o que senti. Sei que senti um fremir, sei que senti um calor. Eu, uma Jenniyah; ele um simples mortal, ele um grego pastor. Era impossível, absurdo... Mas algo eu podia fazer. Podia fazê-lo sonhar. Podia fazê-lo reinar. E Nikos sonhou as ovelhas-corcéis e viveu no palácio-choupana; e bebeu do vinho e do mel; cavalgou seus corcéis pelos campos, por um dia foi rei, foi senhor. Mas quando a noite chegou, Nikos tirou as esporas, Nikos tirou seus culotes, limpou o
suor do seu corpo e, soberano, ordenou: - Quero o terceiro desejo... Olhei para ele, sorri. Ele, um grego mortal; eu só essência e poder, eu ser etéreo, Jenniyah. Nikos é carne. Nikos é úmido. Nikos seu corpo dourado, Nikos pastor feito rei. Mas quando o pastor me chamou, em seu palácio-choupana, em sua cama de palha, brocados, cortinas, dosséis, eu já não era Jenniyah. Nikos um simples mortal, eu uma fêmea da espécie. E pus-me também a sonhar. Da primeira vez nada senti. Só ao final, umidade. Sim, da primeira... Sim, houve outras... E outras... E me fui fazendo carne, como as ovelhas do campo. E me fui fazendo grega, como Helena de Tróia... Não, por favor...Não me pergunte mais nada. Eu já não sei responder. Eu sei que hoje eu sou carne-úmida. Eu sei que hoje eu sou o seu sonho. Nikos não vai acordar. Nikos não vai despertar.Nikos do corpo dourado.Nikos, pastor feito rei. Nikos, seus olhos de breu. Nikos, do vinho e do mel.
_ Perdido assim numa viração alucinada que não cabe em palavra, numa soma de tudo e de nada, vórtice do pleno, que outro lugar não há onde se faça achar, de tempo sim e de tempo não, de cume na pendência da perna e do braço e da face e do chão e no cuspe em intervalos miúdos da glande inchada desse mel colorido, caldo do sumido, suco do incerto, sopa da certeza, óleo do achado. Deus.
_ Aquele homem parecia um gigante; para cima ou para os lados, ela só via seu corpo, estendendo-se até o horizonte. Suas mãos seriam capazes de envolvê-la como um casulo, e foi justamente o que ele fez. As roupas se rasgaram: era a hora da borboleta. Ele a ergueu, um primeiro incentivo para um voo bem-sucedido. Com as pernas e braços presos às costas dele, ela descia e subia, descia e subia, voando, voando.
Devassidão e Memória Maycon Lopes _ Os seus mamilos eram duas pedrinhas atrevidas contra as minhas costas. A posição em que eu me mantinha - à sua frente - somente simulava o escondedouro da minha luxúria. Enquanto ambos aguardávamos em fila indiana um prato de feijão, o mais que pude dizer foi feito pelo deixar cair o pescoço sobre o seu ombro. Malemolente, em pleno fervor do meio-dia, lá me ia eu sucumbindo a tudo o que é prazer revolvido. Todavia, aqueles bicos que, furiosos, enrijeciam, os mesmos que tanto e tanto, em tempos passados, subjuguei com a ponta da minha língua, representavam naquele instante as espadinhas do meu cárcere, ou meu desejo. O meu tácito desejo.
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Breno Fernandes
_ Os olhos piscavam na umidade do sal, fitando a mancha amarelada do teto. Mais umidade. A boca, vermelhada de paixão e dentes, colhia com habilidade as gotas que pendiam do lábio. Suas mãos massageavam, incessantes, o sexo pulsante; a vermelhidão da pele indicava a tensão envolvida. O corpo debilitava-se no frenético contorcionismo dos quadris, orquestrado pelo eco vazio do “não” que ainda ressoava nos tímpanos. Arquejava no chão frio de lamentos e súplicas. Os dedos de unhas grandes e sujas retiravam à sangue a tez virginal. As pernas bambeiam e tremem, num descompasso de minuto. A boca, enfim, deu forma ao expurgo de dor e prazer, que se fez entre soluços.
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A Hora da Borboleta
Pamela Moura
CUBO MÁGICO
Pedro Britto
CUBO MÁGICO
Caro Leitor
Zé Marques Pedreira _ Após conferir essa sensacional oitava edição da Lupa, tente ler a revista de trás pra frente. Existem cinco mensagens satânicas em meio às nossas matérias e, se você encontrá-las, será recompensado pelo feito por Lúcifer em pessoa. Peço às crianças, aos cardíacos e aos cristãos que fiquem longe dessa tarefa. Grato.
A linguagem é um vírus. W. Burroughs Ilustração Valnei Góes
Baila comigo (ou não) Marina Teixeira
_ Certa feita, mamãe achou que eu devia fazer ballet! Ledo engano! A meia-calça rosa-bebê rasgava; o coque era uma tragédia e eu não tinha uma postura decente. Minha nova tentativa foi o jazz, aos dez anos. Jamais devia ter pensado em fazer. Relegada ao fundo nas apresentações, a dificuldade para aprender os passos... Eu esqueci-me de falar da meia-calça rasgada? E no ginásio, o toque de gênio: as dancinhas previamente coreografadas das feiras! Se fosse substituída por um robô, ninguém ficaria triste: ele rebolaria melhor que eu. É, mãe... jamais serei Barishinikov de saias.
Un revê
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Gabriela Baleeiro _ No canto da pista de dança, vacilava na ponta só para poder te alcançar. Você é tão fluor e eu, tão nude, tão mortal. Precisaríamos de mais o quê? Tudo era vibrante como uma fotografia saturada, o seu colete prata estourava luz por todo o meu campo de visão. E, subitamente, o tempo volta. - Pshiii, alguém rebobina o videotape empoeirado. Frame por frame, te vejo. Ali, manchando toda a imagem quase como pintura, a sua robot dance denuncia o quão singular você é.
Gracejo
Lucas Albuquerque _ Tá vendo minha cara de que sempre te amarei e que não sei viver sem você? Lembra de quando te jurei amor eterno, te prometi estrelas, nuvens e os alpes do norte? Sabe aquele dia em que te pedi em casamento, que subiríamos com grinalda no altar? Pois então, era tudo brincadeira.
Para não dizer adeus Elaine Morgana
_ Ahn? Você acende em mim uma alegria tipo curumim e de repente... acabou? Posso falar? Não foi legal, nem pegou bem. Que vontade de chorar, dói. Vamos, feche logo essa porta, termine esse capitulo. Mas dói. Por que isso agora? Eu não queria que fosse assim, mas tenho de ir. E me dizes esse adeus entre beijos, e o que construímos? Preciso deixar no passado, esse tempo já foi necessário, mas foi você quem deu as cores e o tom. Minha cabeça está confusa. Não sou capaz de entender. É certo que não acabou o amor, só o compromisso. Eu vou voar. Quero a Sagatiba. Melhor assim. Me tuita? Pode voltar quando quiser.
Ilustração Paula Ângela
Cerâmica e pintura acrílica “Alagoa de Paula”
Natural da Paraíba, Paula Ângela é artista plástica autodidata. Considerada pintora Naïf por uns, ou artista popular por outros, Paula não se preocupa com as classificações e segue com uma pesquisa livre de escolas e tendências. Seu trabalho é um convite ao lúdico na arte e um mergulho em seu universo.
ILUSTRADO
05 MANICÔMIO 10 MANIAS DE TORCEDOR 12 POR ENTRE CELAS DE AULA
ISSN 1982-2995 REVISTA DA FACOM-UFBA. ANO V, N. 8. SALVADOR, INVERNO 2010