Família Less

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Família Less Texto: Caroline Lopes Bernardino de Lima Ilustração: Vitor Afonso Jorge

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L770S

Lima, Caroline Lopes Bernardino de.

A Família Less / Caroline Lopes Bernardino de Lima. São Paulo: edição do autor, 2015. X p.

ISBN: 978-85-444-0852-7 1. Ficção nacional. 2. Literatura infanto juvenil.

CDD: 800.086 CDU: 821.134.3(81)

Reprodução proibida sem prévia autorização do(s) escritor(es). Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

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Agradeço a John Cotis, que deu forma às minhas ideias, e, aos meus pais, que deram todo o suporte necessário para a realização deste trabalho.

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Na Rua dos Ceifadores, nĂşmero 77, mora a famĂ­lia Less...

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Spark Less, mais conhecido como vovô Grim, é um senhor um tanto sombrio, porém muito sábio. Aposentado do ofício de ceifador, dedica seu tempo a compartilhar seus conhecimentos da vida e da morte com a comunidade local.

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Ruth Less é a chefe da casa. Impiedosa, controla se todos os outros membros da família estão cumprindo com seus deveres e aplica os devidos castigos sempre que necessário.

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Heart Less é um garoto determinado. Pensa sempre com a razão e é muito bom de matemática. Sempre termina suas tarefas de ceifeiro muito rápido e aproveita o tempo livre para jogar vídeo games.

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Mercy Less é a mais nova da família. Costuma demorar mais para terminar suas tarefas. Quando sobra um tempinho, gosta de ficar sozinha no quarto lendo historinhas sobre humanos em segredo. Sim, em segredo! Ai se Dona Ruth a pega... diz que é má influência para seu desenvolvimento como a impiedosa ceifadora que deve ser!

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As tarefas que a famĂ­lia Less e todas as outras famĂ­lias da Rua dos Ceifadores devem cumprir ĂŠ a mesma: Levar almas do mundo dos vivos...

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... para o mundo dos mortos.

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Toda sexta feira Ă meia noite chegam pelo correio as listas com os nomes daqueles que devem enfrentar seu fim em breve. Cada ceifeiro deve terminar sua lista em uma semana.

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Aqueles que nĂŁo conseguem executar seu trabalho nesse tempo sĂŁo levados a Academia de La Mort para serem treinados duramente por um perĂ­odo que parece mais uma eternidade!

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“Heart, aqui está a sua...” – Diz Dona Ruth entregando a lista ao garoto. “Oba! Vou ao Egito essa semana!” “Mercy...” – Dona Ruth entrega a lista de Mercy. “Hum... Pólo Norte, Itália, Índia, Brasil... Brasil! Eu gosto do Brasil! Um país tão grande e tão cheio de gente diferente uma das outras... nem parecem que são do mesmo lugar!” “E lá vou eu para a África de novo...” – Murmurou Dona Ruth.

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Mercy trabalhou duro para terminar tudo o mais rápido possível. Deixou o Brasil por último, para terminar a semana com chave de ouro. Estava curiosa para saber que tipo de brasileiro encontraria desta vez. “Bom, agora vou descansar, pois amanhã será um grande dia!”

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É terça-feira. Mercy arruma sua maleta com cuidado para não esquecer nada.

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“Bom dia!” – Diz Mercy à todos. “Bom dia, Mercy” – Respondem todos ao mesmo tempo. “Posso saber motivo de tamanho entusiasmo?” – Perguntou Dona Ruth. “Hoje irei a uma aldeia distante no Brasil. Ouvi dizer que lá as pessoas vivem apenas da natureza, que não usam roupas e nada dessas modernidades e tecnologias que vemos...” Ruth interrompeu: “A mocinha não anda lendo aqueles livros sobre humanos de novo, anda?” “N-não, não...” – Respondeu Mercy cabisbaixa. “Bem, vou indo!” “Brasil, aí vou eu!” – Diz Mercy animada.

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Mercy chega à aldeia. São quatro e quarenta e três da madrugada. Todos estão dormindo. Mercy aproxima-se de uma cabana, entra, observa o local, as pessoas... sim, eram índios! Uma raça rara de humanos que está em extinção.

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Mercy aproxima-se de uma rede com menos volume... “É ele... preciso levar esse garotinho comigo... mas é tão pequeninho!” Parou e observou o menino por alguns minutos. “Não, não pode ser...”

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Saiu e sentou-se do lado de fora da cabana, detrás de uma árvore. Pensou sobre o sentido da vida e sobre o sentido da morte... não conseguia compreender o porquê dessa sua missão... era apenas um garotinho que vivia com o pai e a mãe no meio de uma floresta distante. “O sol já está nascendo...”

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O pai saiu da cabana primeiro, depois de um tempo apareceram a mãe e o garotinho. Mercy continuou a observá-los detrás da árvore. “Onde será que vão...?” Seguiu o pai e o garoto até um rio. Lá o pai já ensinava ao garoto como pescar usando apenas uma lança de madeira. O garoto gargalhava a cada peixe pescado que pulava em suas mãos.

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Um deles caiu de volta no rio e num impulso o garoto se debruçou para fora da canoa tentando pegá-lo novamente. O impulso foi tão grande que o indiozinho de tão pequeno ficou com as pernas para o ar, pendurado pela barriga na beira da canoa! Mercy se aproximou num susto: – É agora! O garoto caiu na água. O pai ouviu o barulho e mergulhou para salvá-lo! Mercy ficou observando o silêncio da água calma por algum tempo e de repente...

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... o pai saiu da água com o garotinho em seus braços! – Ufa! Que alívio... – Suspirou Mercy. Aliviada? Como assim aliviada? Pensou consigo. Ele sobreviveu! Portanto ela havia falhado! Bateu com o cabo da foice na cabeça. – Acho que estou ficando meio biruta!

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– Quer saber? Acho melhor voltar para casa...

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Ao chegar em casa, Mercy foi disfarçadamente até a biblioteca do vovô Grim e pegou todos os livros que encontrou sobre o Brasil e levou para seu quarto. Começou a ler sobre os índios e sua triste história. Era um povo que vivia numa terra enorme e rica de natureza. Até que os europeus atravessaram o oceano atlântico em navios e chegaram até eles, roubaram suas terras e os fizeram de escravos. Com o passar dos séculos foram desaparecendo e agora estão extintos.

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Mercy acabou dormindo sobre os livros. Acordou horas depois com Dona Ruth batendo na porta. – Mercy! Mercy!!! Você está aí?! Responda! Quando abriu os olhos se deparou com os livros do vovô Grim, os livros sobre humanos! Os livros proibidos! – Já vou! – Respondeu amedrontada. – E agora? O que vou fazer com todos esses livros?! Tentou empurrar todos para baixo da cama, mas não cabia mais. Então pegou um lençol jogou por cima e foi abrir a porta.

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– Por que demorou tanto? – Perguntou Ruth já nervosa. – Eu estava dormindo... – Tenho boas notícias... Heart e eu terminamos nosso trabalho da semana antes do prazo, e por isso ganhamos entradas para a Deathslândia! Deathslândia era a Disneylândia dos ceifadores. Todos eles amavam o parque e seus brinquedos macabros, era puro terror! – Só não entendi porque não veio o seu... você não foi cumprir com sua última missão ontem, quando partiu para o Brasil?

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Mercy só não ficou mais branca porque era uma caveira. – Sim... – E..? – Houve um imprevisto e terei que retornar hoje... – Então termine logo com isso porque já é quarta-feira e você só receberá sua entrada se terminar sua lista hoje!

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Dona Ruth saiu do quarto e em alguns instantes Mercy a viu pela janela saindo de casa e indo até a vizinha. Correu para levar a pilha de livros de volta para a biblioteca do Vovô Grim. – Espero que ele não tenha sentido falta de nenhum!

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Lá ia Mercy novamente em direção ao Brasil pensando em tudo que lera no dia anterior sobre aquele povo.

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Ao chegar na cabana da família de índios, Mercy vê os pais do garotinho sentados ao lado de sua rede. Ao se aproximar percebeu que ele estava doente. O pai colocava umas plantas em sua testa e a mãe lhe dava um chá de cor escura para beber. Mercy sentou num canto e ficou observando tudo aquilo por horas. Estava frio e o indiozinho tremia. Não havia vestígios de roupas no local. A cabana era muito simples, tinha apenas três redes, três banquinhos de madeira, duas panelas de barro e uma cuia, que ficavam perto de um bocado de lenha.

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– Acho que agora entendo porque essa raça de humanos está extinta. Aqui falta comida para nutrir seus corpos, faltam os tais médicos para cuidarem de suas doenças, falta aquele monte de coisa que serve para proteger do frio, das tempestades, dos bichos e até de outros humanos! Olhou fundo nos olhos do garoto, que suava e tremia de frio ao mesmo tempo. – Não posso... não posso levar esse garotinho nesse momento! Está decidido. Vou-me embora!

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Chegou em casa muito triste... foi ao quarto de Ruth e lhe deu um abraço apertado. – E então, como foi hoje? – Perguntou Ruth Less. Mercy balançou a cabeça negativamente. – Não se preocupe querida... – continuou Ruth – você ainda tem amanhã para cumprir com suas tarefas. Podemos deixar o parque para a semana que vem. Ruth confiava muito em Mercy, pois sempre foi uma ceifadora exemplar. – Não! Vocês podem ir sem mim! – Respondeu Mercy. – Tem certeza que não vai ficar chateada? – Sim, tenho.

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De volta a seu quarto, Mercy olhava seus vizinhos pela janela. – Todos parecem tão felizes... será que só eu enfrento esse dilema? Será que eles não pensam? Ou será que sou eu que estou ficando louca mesmo? Não quero ir parar na Academia de la Mort! Dizem que lá não é um lugar muito legal de se visitar.

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Toc toc. Mercy correu para abrir. Era o vovô Grim. Será que tinha descoberto sobre os livros? – Olá, vovô! – Olá, Mercy. Como você está? Posso entrar? – Claro! Eu... bom, eu estou... erm... Era impossível mentir para ele. – Não precisa responder... posso ver em seus olhos. Quer contar o que está acontecendo?

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Mercy contou tudo. Contou sobre a missão que ainda não cumprira, sobre a repentina pena que estava sentindo e até sobre os livros da biblioteca! Que, diga-se de passagem, o vovô já sabia... – É isso, vovô... não consigo entender o porquê do nosso trabalho... Muito paciente, o vovô Grim respondeu: – Se os seres humanos vivessem para sempre, não haveria espaço suficiente no planeta Terra para todos eles... – E porque não vão para outro planeta, então? – Porque precisam de água e oxigênio para sobreviver, e isso só se encontra na Terra. – Hum...

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– E mesmo que pudessem mudar de planeta não poderiam lutar contra o tempo. – Como assim, vovô? – Com o tempo o ser humano vai ficando bem velhinho e já não pode mais desfrutar de uma vida saudável. Aliás, não é apenas o ser humano que envelhece, Mercy... tudo tem seu tempo, nada dura para sempre. Mercy ficou pensativa...

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– Apesar disso, acredita-se – continuou Spark – que as almas deixam um corpo, mas voltam à vida em outro pouco tempo depois, ou mesmo que vão para um outro nível de existência. – Eu gostaria muito de saber o que acontece com elas depois que as guiamos pelo portal! Vovô, você sabe o que há do outro lado? – Não, Mercy... ninguém sabe exatamente o que há lá. Devemos apenas cumprir com nossa parte nisto que chamamos o ciclo da vida.

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Mercy partiu para o Brasil novamente. Estava feliz em saber que fazia parte de algo t達o importante: o ciclo da vida. Ao chegar na cabana aproximou-se do indiozinho e olhou em seus olhos. Ele olhou de volta com os olhinhos cintilantes. As m達os se tocaram e...

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FIM

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Sobre a autora: Caroline Lopes Bernardino de Lima nasceu em São Caetano do Sul, no estado de São Paulo, Brasil. Desde pequena preferia a ciência das letras a dos números, vermelho a rosa, histórias de assustar a histórias de rir. Era extremamente tímida até os quinze anos de idade, quando conheceu o teatro, que mudou sua vida abrindo caminhos para a liberdade de expressão. Escreveu diversas poesias na adolescência que estão guardadas até hoje no baú. A última, chamada “A Última”, foi escrita em 2008 e veio à público em 2013, quando selecionada entre as vinte melhores no concurso anual de poesia da Universidade São Judas Tadeu, onde iniciou sua licenciatura em Letras Português – Inglês, em 2012. É também formada como Comissária de Voo e sonha um dia mudar de país e conhecer o mundo.

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Sobre o ilustrador: Vitor Jorge nasceu em Viradouro, São Paulo. Sempre gostou de desenhos, assistia à vários pela televisão e tentava copiálos. Na escola, desenhava os professores e colegas valendo até como trabalho para compensar notas baixas. Sempre soube que era isso que queria fazer da vida, pois sente-se feliz desenhando. Sua maior influência foi o tio, que também desenhava. Ao ver seus trabalhos, sentia-se motivado a tentar sempre melhorar. Quer ainda ser um ilustrador que consiga trazer algo de bom ao mundo.

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