Saudade um conto para sete dias

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SAUDADE UM CONTO PARA SETE DIAS ツキ CLAUDIO HOCHMAN ツキ JOテグ VAZ DE CARVALHO

CLAUDIO HOCHMAN JOテグ VAZ DE CARVALHO

Books BAGS OF




Ao Lautaro que já sabe o que é a saudade...

Título: Saudade, um conto para sete dias Título original: Saudade, un cuento para siete dias Texto: © Claudio Hochman (hochmanclaudio@gmail.com) Ilustração: © João Vaz de Carvalho Copyright© 2011, Bags of Books, Edições Tradução do Castelhano: © Catarina Camara Revisão: Leonel Melo Rosa design: © Bags of Books © Edição Portuguesa: Bags of Books, Edições, Março 2011 ISBN: 978-989-97076-6-5 Depósito legal: Tiragem da 1ª edição: 2 000 exemplares Impressão: Officina Digital Todos os direitos reservados por Bags of Books, Edições Rua de Goa, Centro Empresarial da Gafanha da Nazaré, nº 20, 2º andar, Escritório 20 3830-702 Ílhavo Tel. 234 384 003 | Fax 234 397 790 www.bags-of-books.pt


texto

CLAUDIO HOCHMAN ilustração

JOÃO VAZ DE CARVALHO Bags of Books, Edições



Primeiro Dia, Segunda-feira

A Lua Segunda-feira, na língua castelhana, diz-se Lunes, em homenagem à Lua.

Num país muito distante, vivia o Rei mais sábio que alguma vez habitou a Terra. Sabia falar todas as línguas, mesmo todas: o persa, o italiano, o mandarim, o guarani, o iídiche, o finlandês... Era um dicionário vivo. Sabia o significado de todas as palavras. Todas as segundas-feiras, lançava um desafio. Qualquer pessoa se podia inscrever e aquela que fosse selecionada podia perguntar ao Rei o que quisesse e ele, claro, para tudo tinha uma resposta. Na segunda-feira em que começa este conto, coube a vez a um homem, um tal Fernando. Fernando vinha de uma Cidade onde as calçadas têm desenhos a preto e branco e, à medida que o dia avança, vão mudando de forma. Fernando entrou com o seu fatinho, a sua gravatinha, o seu bigodinho e os seus óculos pequeninos. Da sua pastinha, tirou um caderno onde estavam anotadas as suas dúvidas e perguntas...


Entretanto, o Rei ia comendo batatas fritas e esperava tranquilo. O homem suspirou e, quase a meia voz, perguntou: Excelentíssima Excelência, queria saber o que é a “saudade”. Saudade? Sau... da... de... ééééé... a sau... Não sei! Todos os súbditos da corte ficaram de boca aberta! Pela primeira vez na sua longa vida, o Rei tinha ficado sem palavras. Olhe, volte daqui a seis dias a esta mesma hora e terei uma resposta! Nessa noite, o Rei não conseguia dormir. Sentou-se na cama e, enquanto pensava e repensava, esteve a olhar para a Lua pela janela. Como em toda a noite não lhe veio a resposta à cabeça, decidiu que no dia seguinte convocaria uma reunião com todos os seus assessores.




Segundo Dia, Terça-Feira

Marte Terça-feira, na língua castelhana, diz-se Martes em homenagem ao planeta Marte.

O Rei levantou-se com a cabeça na Lua ou em Marte. Deu ordem que a reunião dos assessores começasse às três da tarde e foi para a biblioteca. Tinha tantos livros que nem sabia por onde começar. Procurou no dicionário de espanhol e nada. No de inglês, ainda menos. No de francês, não havia nenhum S ao lado de um A seguido de um U... Depois de virar e virar páginas atrás de páginas e de ter vontade de comer um romance, tal era a fome que tinha (porque era quase meio-dia), encontrou o dicionário de português. Na letra S, amontoadas as letras umas atrás das outras, estava a tão procurada palavra SAUDADE. E sabem qual era a definição para SAUDADE? SAUDADE! Como é que vão definir uma palavra com a mesma palavra? Assim ninguém vai saber o que ela significa! Vejam só, gritava o Rei! Eu quero saber o que é um cão e o dicionário diz-me que um cão é um cão! Assim não vale! É batota! É uma ratoeira! Não brinco mais!


Vou almoçar e, às três da tarde, vou consultar os meus assessores! Às três em ponto, estavam todos reunidos, do mais alto ao mais baixinho, do mais careca ao mais gordinho. Que um de vocês me diga o que é a “saudade”, disse o Rei, deixando todos os assessores petrificados como estátuas. Ninguém me vai responder? Têm vinte e quatro horas para saber! Senão, vou enlouquecer! O Rei estava mesmo a dizer a verdade. Não suportava não saber a resposta. Sentia que o mundo lhe caía em cima e, sobretudo, morreria de vergonha quando voltasse a ver aquele homem da pergunta difícil. Os assessores não tardaram a desaparecer da sala. O Rei retirou-se para os seus aposentos, que é para onde se retiram os reis quando estão preocupados e não querem ir para o exílio.




TERCEIRO DIA, QUARTA-FEIRA

MERCÚRIO Quarta-feira, na língua castelhana, diz-se Miércoles em homenagem ao planeta Mercúrio.

Na manhã do dia seguinte, os assessores começaram a investigar no céu, no mar e na Terra, o que era a “saudade”. Consultaram astrólogos e relojoeiros, mendigos e padeiros, feiticeiros e fisioterapeutas. Muitos sabiam o que era a “saudade”, mas nenhum deles a conseguia descrever com palavras... até que um marinheiro, experiente em grandes viagens e descobrimentos, lhes disse o que deviam fazer para que o Rei sentisse a “saudade”. Ao final da tarde, depois de um desses dias para esquecer, desses de que se costuma dizer, “Hoje não me devia ter levantado da cama!”, o Rei reuniu-se com os seus assessores. Estavam todos com cara de “Eu não fui!”, sabendo que, se não o conseguissem ajudar, ia armar um grande pé de vento. Então, perguntou o Rei, quem é que já sabe o que é a “saudade”? Um deles, aquele que tinha sido escolhido por todos para dar a resposta, disse: Não sabemos definir o que é, mas podemos fazer com que sinta a “saudade”. Ah, sim? disse o Rei. E como vão fazer para que eu sinta a “saudade”?



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