nº 48 - novembro/2014
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Rebeldes com causa
Passadas as eleições presidenciais mais acirradas da história do Brasil, agora é hora do povo ir às ruas cobrar mais avanços do governo e do Congresso Nacional. O Sindicato já está preparado para as novas batalhas, e você?
Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Editorial
O país do futuro A eleição presidencial deste ano foi a mais disputada desde a redemocratização do país. Nenhum eleitor conseguiu ficar alheio ao debate, que acirrou ânimos, rompeu amizades, criou brigas em família... Mas a eleição também mostrou que, cada vez mais,
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00
o brasileiro está politizado, consciente e aprendendo a gostar de discutir política. Assim como ocorre em épocas de Copa do Mundo, quando o
Fone 3316.4233 / 3316.4221
patriotismo do brasileiro pinta o país de verde e amarelo, nas
Site www.bancariospe.org.br
após a Copa, quando o patriotismo desaparece, o eleitor pode se
Presidenta Jaqueline Mello Secretária de Comunicação Anabele Silva Jornalista responsável Fábio Jammal Makhoul Conselho editorial Jaqueline Mello, Anabele Silva, Geraldo Times e João Rufino
eleições 2014 o eleitor virou torcedor. Mas, assim como ocorre esquecer da política ao final das eleições. Na verdade, é agora que o brasileiro precisa tomar as ruas e exigir que o governo, em seu novo mandato, e os parlamentares eleitos trabalhem para garantir mais avanços para o país. E causas para protestar não faltam. Reforma Política, regulamentação do sistema financeiro, mais direitos para os trabalhadores, democratização da comunicação.... A lista é longa, basta você escolher suas causas e lutar. Só não pode deixar de ir à luta. Porque, depois, não adianta
Redação Camila Lima e Fabiana Coelho
reclamar que o governo fez isso ou não fez aquilo. É a sociedade
Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação
um país mais justo.
Imagem da capa Yuliang11 / ©DepositPhotos Impressão NGE Gráfica Tiragem 12.000 exemplares
Sindicato filiado a
que precisa pressionar o governo pelas pautas que farão do Brasil E entre as milhares de entidades da chamada sociedade civil organizada está o Sindicato dos Bancários. Aqui, você encontrará uma série de bandeiras de luta que se encaixa direitinho na sua vida. Afinal, você é bancário e o Sindicato é você. Que bancário quer ser terceirizado? Que bancário quer conviver com as metas abusivas dos bancos? Que bancário quer que a política mantenha todas as suas mazelas do nosso sistema atual? Então, o que você está esperando? Venha lutar com a gente por um futuro melhor para o Brasil. Pode ter certeza que o outro lado, o do capital, está organizado e na luta.
@bancariospe
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Revista dos Bancários
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Antônio Cruz/Agência Brasil
Índice
Colecionadores de carros antigos e de muitas histórias Página 8
Inaldete Pinheiro e as mulheres que fazem o movimento negro Página 11
Confira nossas dicas de cultura e de lazer Página 14
Funcionário do BNDES, Anibal usa sua música para mudar o mundo Página 15
ELEIÇÕES 2014 Novas batalhas pra melhorar o Brasil
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Conheça Conceição das Crioulas, uma vila com muita História Página 16 Novembro de 2014
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Eleições 2014
A força do povo As pessoas que foram às ruas apoiar as eleições de Dilma estão convocadas, agora, para novas batalhas
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segundo turno das eleições presidenciais, e o medo de ver o Brasil retroceder a um período de ataques aos trabalhadores e concessões ao mercado, reacendeu os ânimos da velha militância. O vermelho retornou às ruas. Antigos combatentes, que andavam frustrados e cabisbaixos, tiraram de seus baús as velhas boinas vermelhas. Retomaram a voz. Esta energia resgatada foi fundamental para que Dilma fosse reeleita. Mas precisa continuar a postos para ajudar o governo, e o Brasil, a enfrentar novas batalhas. Há um mercado financeiro unido e coordenado, pronto para impor sua política econômica, nem que seja pelo terrorismo que tomou conta das páginas dos gran-
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Revista dos Bancários
des jornais. Há um Congresso Nacional conservador, que já deu mostras de que vai dificultar os avanços ao derrubar o decreto sobre participação popular. Há uma imprensa que, já durante as eleições, mostrou que tem lado. E, agora, passada a votação, continua unida na defesa dos mesmos interesses. E do outro lado, o que tem? “Nós, do movimento sindical, dos movimentos sociais, dos movimentos estudantis, dos movimentos populares. Tem os trabalhadores e trabalhadoras, os militantes que foram às ruas. Somos nós que temos que continuar fazendo pressão, para que o governo possa avançar”, afirma a presidenta do Sindicato, Jaqueline Mello. Ou seja, o futuro do Brasil nos próximos anos não está apenas nas mãos do governo, mas da sociedade civil organizada que conseguiu, neste segundo turno, enfrentar o poder econômico e os barões da mídia. Para a secretária de Finanças do Sindicato, Suzineide Rodrigues, há quatro desafios principais: a Reforma Política, a democratização dos meios de comunicação, a regulamentação do sistema financeiro e enterrar os projetos que tentam legalizar a terceirização ilegal. “Com esse Congresso e este sistema político, com os meios de comunicação de massa nas mãos das mesmas pessoas e com um sistema financeiro que não goza de nenhuma responsabilidade social, fica difícil garantir avanços. Eles estão empenhados para fazer com que o governo siga seus interesses”, opina Suzi.
Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil
Pressão do mercado Esse empenho ficou evidente ainda durante a campanha eleitoral. Em relatório escrito no final de setembro, o analista da Nomura Securities, Tony Volpon, afirmou: “A visão otimista é que, uma vez que a eleição acabe, Rousseff sabe que precisa se comprometer com os mercados e ser mais pragmática... Nossa visão atual é que, provavelmente, só veremos uma mudança real na política econômica em um segundo governo Dilma sob pressão substancial do mercado”. A mudança na economia de que fala Volpon e outros representantes do sistema financeiro é elevação da taxa Selic por parte do Banco Central, contração fiscal e aperto monetário. Em outras palavras, redução dos gastos públicos com obras sociais e cerco aos trabalhadores, consumidores e pequenos empresários.
Vale ressaltar que, no primeiro dia após as eleições, o índice Bovespa caiu 2,77%; a cotação do dólar registrou alta de 2,5%; as ações da Petrobras sofreram queda de 12% - a maior redução desde 2008. Poucos dias depois, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, subiu a taxa básica de juros (Selic) de 11% para 11,25% ao ano. “Em vez de dialogar com a sociedade, o BC preferiu dialogar apenas com o mercado financeiro, o mesmo que vem promovendo a mais criminosa campanha de terrorismo econômico jamais vista em nossa história. A decisão só serve para engordar o lucro dos bancos e inibir os investimentos das empresas na produção, na contramão do compromisso assumido pela presidenta reeleita”, afirmou o presidente da Contraf-CUT (Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financei-
ro), Carlos Cordeiro.
Pressão da mídia Os senhores do mercado e os barões da mídia estão do mesmo lado, na defesa dos mesmos interesses. Isso ficou evidente durante a campanha eleitoral, no empenho e parcialidade com que a mídia tratou os candidatos. A Revista Veja é o exemplo mais óbvio, mas os demais veículos de comunicação de massa também revelaram de que lado estão. Na Folha de São Paulo, por exemplo, segundo análise do Observatório da Imprensa, Dilma foi campeã de chamadas e manchetes negativas por quase todo período de campanha, com exceção de um breve momento quando Marina a ultrapassou levemente, e da semana de 12 a 18 de outubro, quando Aécio pela primeira vez superou Dilma em negativos. No caso de O Estado de São Novembro de 2014
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Eleições 2014
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Lumen Fotos
O Sindicato está empenhado na luta pela reforma política
Deputados e senadores eleitos em outubro são os mais conservadores desde 1964
Fabio Rodrigues Pozzebom /Agência Brasil
Paulo e O Globo, a cobertura é ainda mais parcial. Só na última semana de campanha, o Estadão publicou 32 matérias contrárias a Dilma e 8 contrárias a Aécio, somente em suas capas, e O Globo atingiu a marca de 27 a 4, para os respectivos candidatos. Mas coube à Revista Veja, do grupo Abril, escancarar a partidarização da cobertura jornalística. A edição 2397 circulou de forma antecipada com uma matéria de capa que se baseia apenas na suposta denúncia de um doleiro, cuja autenticidade foi questionada até por seu advogado, sem provas ou apuração. O abuso foi denunciado e acatado pela Justiça, através do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que não impediu que os demais meios de comunicação repercutissem a especulação do semanário, nem que a reprodução da capa da revista fosse distribuída como material de campanha. Para os movimentos sociais, a democratização das comunicações, com criação de um novo marco regulatório, é essencial. Ao contrário do que dizem os grandes oligopólios da mídia, que tentam classificar como censura qualquer tentativa de regular a comunicação, o que se pede é a revisão de um Código Brasileiro de Telecomunicações, que data de 1962 e não estabelece limite à concentração dos meios de comunicação, nem fortalece o serviço público de rádio e televisão. Para garantir a regulamentação, entidades da sociedade civil estão
encaminhando um Projeto de Lei de Iniciativa Popular. Para isso, é preciso atingir a marca de um milhão e trezentas mil assinaturas, o que colocará o projeto em debate no Congresso Nacional. “Menos de dez famílias concentram todas as grandes empresas de jornais, revistas, rádios, TVs e sites de comunicação no país. Ou seja, a informação a que nos dão acesso vem das mesmas fontes e servem aos mesmos interesses. Isso precisa mudar!”, opina a secretária de Comunicação do Sindicato, Anabele Silva.
Pressão do Congresso Outro forte obstáculo está no parlamento. No último dia 28 de outubro, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o decreto presidencial que criou a Política Nacional de Participação Social. O decreto fortaleceria e ampliaria o alcance dos cerca de 60 mil conselhos municipais existentes em todo país. São eles que representam a população em conferências nacionais e possibilitaram a criação de políticas públicas como o Sistema Único de Saúde (SUS), Plano Brasil Sem Miséria,
Estatuto do Idoso e a Lei de Cotas para Negros no serviço público. Se a situação já é difícil com o parlamento que temos hoje, tende a piorar nos próximos anos. A bancada sindical, por exemplo, que hoje conta com 83 deputados no Congresso Nacional, será reduzida à metade. Apenas 47 parlamentares representarão os trabalhadores. Já a bancada empresarial, segundo levantamento preliminar do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), será composta por 190 deputados. A bancada ruralista, formada pelos representantes do agronegócio, terá 139 deputados. A bancada evangélica terá 74 deputados. Houve ainda um aumento de policiais e militares eleitos em cerca de 30%. Para o secretário-geral do Sindicato, Fabiano Félix, a próxima legislatura terá um parlamento extremamente conservador, que não representa os interesses e necessidades da sociedade brasileira. “Pelo contrário, é o retrato da interferência do poder econômico em nosso sistema eleitoral. E isso só muda com uma Reforma Política”, afirma Fabiano.
Reforma Política já! Em setembro, mais de 7,7 milhões de pessoas de todo o Brasil disseram que querem, sim, a instalação de uma assembleia constituinte para fazer a Reforma Política. Já no seu primeiro pronunciamento, a presidenta Dilma reafirmou o compromisso com estas mudanças. No entanto, se depender do Congresso, a reforma não sai. “Ou seja, tem que haver pressão popular, e muita!”, afirma o secretário de Administração do Sindicato, Epaminondas Neto.
“A sociedade precisa continuar fazendo pressão para que o governo possa avançar” Jaqueline Mello Presidenta do Sindicato
“Precisamos fazer a Reforma Política, democratizar a imprensa, regular os bancos e acabar com a terceirização ilegal” Suzineide Rodrigues Secretária de Finanças do Sindicato
“A grande imprensa pertence a dez famílias, que controlam as informações. Isso precisa mudar” Anabele Silva Secretária de Comunicação do Sindicato
“Os deputados e senadores eleitos são o retrato da interferência do poder econômico nas eleições” Fabiano Félix Secretário-geral do Sindicato
“Se depender do Congresso Nacional, a Reforma Política não sai. Tem que haver pressão popular” Epaminondas Neto Secretário de Administração do Sindicato Novembro de 2014
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Ivaldo Bezerra
Automóveis antigos
O passado de volta Apaixonados por carros antigos, pernambucanos colecionam automóveis de todas as épocas e muitas histórias fantásticas
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ernando Miranda cuida de seu MP Lafer, um automóvel da década de 70, como de um filho recém-nascido. A pintura perfeita é valorizada pelo polimento e limpeza constantes: sempre há um detalhe para melhorar. Quando mais novo, era este o carro dos desejos: vermelho, conversível. Alguns anos depois, os sonhos de juventude renascem através de seu Lafer. Elvânio Jatobá tinha onze anos quando se apaixonou por um Vemag. O automóvel de sua professora de História era parte da última linha de produção da fábrica alemã no Brasil. Mais de dez anos depois, aos 24 anos, ele viu um automóvel igual para vender. Comprou, restaurou e
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este se tornaria o primeiro dentre seus onze automóveis antigos: dez Vemag e um fusquinha 68. Armando da Fonte, o Armandinho, foi piloto de corrida entre seus 18, 20 anos. Correu no autódromo de Joana Bezerra, foi um dos que inauguraram o autódromo de Caruaru. Hoje, os carros que fizeram parte de sua vida no automobilismo continuam com ele. Histórias como as de Fernando, Elvânio e Armandinho alimentam a paixão dos colecionadores de carros antigos, que unem memória e amor pelos automóveis. Fernando é o atual presidente do Caape (Clube de Automóveis Antigos de Pernambuco), que tem 36 integrantes e é quem organiza eventos como o 11º Encontro Pernambucano de Veículos Antigos, realizado no mês passado, no Hotel Portal de Gravatá. A vida de Fernando está ligada aos automóveis há um longo tempo. Já foi juiz de provas de automobilismo, tesoureiro da Federação Pernambucana de Automobilismo e sua vida profissional esteve sempre ligada a fábricas ou concessionárias de veículos. Ele cuida com carinho de seus dois carros de estimação: o MP Lafer e um TL, da Volkswagen, empresa em que trabalhou. Assim como seu compadre Fernando, Armandinho também sempre trabalhou com automóveis. Seu pai tinha uma concessionária e ele, além
De passeio em passeio Seja moderno ou antigo, carro não pode ficar parado. Os colecionadores, portanto, precisam, de vez em quando, levar seu veículo de estimação para passear. E não faltam passeios. Exposições, festivais... há uma rede de colecionadores em todo o país, que promovem atividades constantes durante todo o ano. Quando o evento é perto, dá para ir rodando. Quando é um pouco mais distante, às vezes uma carreta acompanha. “Recentemente, fomos ao Piauí e ao Maranhão. Teve a exposição aqui em Gravatá e o Encontro Regional, na Bahia, em outubro”, diz Fernando. No ano passado, ele conta que foi de São Paulo até Lindoia, um total de 230 quilômetros. Mas aventura mesmo foi empreendida no último mês de agos-
Ivaldo Bezerra
de pilotar em corridas, seguiu os passos do pai. Hoje, coleciona oito carros antigos. Para Elvânio, que é técnico em mecânica, engenheiro químico e está enveredando pelo Direito, os carros são seres inanimados, mas nem tanto. “Precisam de carinho, cuidado. Garanto a você: se a gente disser que um deles é o melhor de todos, os outros começam a dar defeito”, afirma Elvânio, conhecedor que é da “psicologia automobilística”. Por conta disso, ele passeia, cada vez, com um automóvel diferente. Tem um mais moderno, que ele chama de descartável, que é para “as necessidades do dia a dia. Desses que a gente pode trocar por qualquer outro”, diz. Os outros são a paixão.
Fernando é apaixonado por carros desde criança
to, por Armandinho e Elvânio, em seu Belcar e Pracinha, ambos DKW Vemag. Foram 2.540 quilômetros, de Recife até Poços de Caldas (MG). O objetivo, além da diversão, era participar do encontro anual de Vemag, o 12º Blue Cloud. Toda a viagem foi documentada no blog www.pernambucoracing. com. “Fazíamos uma média de 500 a 600 quilômetros por dia, em um total de cinco dias de viagem”, conta Armandinho. No primeiro dia, o destino foi Paulo Afonso, na Bahia; no segundo, rodaram até a cidade baiana de Milagres; no terceiro, o destino foi Salinas, Minas Gerais; no quarto dia, o pouso foi em Sete Lagoas (MG) e finalmente, no quinto dia, chegaram ao destino
final: Poços de Caldas. Os probleminhas técnicos aconteceram sobretudo no primeiro dia de viagem. Nada que não fosse facilmente resolvido pela própria equipe pois, segundo Elvânio, “Vemag não quebra, dá intercorrência”. Os colecionadores são unânimes em afirmar que a grande vantagem dos modelos mais antigos é que os defeitos podem ser resolvidos mais facilmente. “Carro novo, quando dá algum problema, não tem jeito da gente consertar. É tudo eletrônico, tem que levar pra oficina”, completa Elvânio. Para Fernando, outra grande vantagem é a durabilidade: as chapas
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Ivaldo Bezerra
Automóveis antigos
Os colecionadores costumam passear com um carro diferente a cada vez, para não causar ciúmes nos demais
são mais grossas e o material mais pesado. No entanto, aquilo que lhe confere durabilidade é também o que lhe faz entrar em desvantagem no quesito economia: automóveis antigos consomem muito mais combustível. “Também não há como comparar com os modelos modernos em termos de conforto. Além disso, o carro de hoje é feito para que seja o mais econômico possível. Então ele precisa ser mais leve”, diz. Uma viagem como essas, até Minas Gerais, sai portanto muito cara. Por isso, nem sempre é possí-
A grande vantagem dos modelos mais antigos é que os defeitos podem ser resolvidos mais facilmente
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vel participar de todos os eventos. Mas há atividades em lugares mais perto. Todo último domingo do mês, por exemplo, os donos de carros antigos se reúnem no Recife Antigo. E há os encontros estaduais e regionais, geralmente em cidades mais próximas. Esses encontros, além de reforçarem a teia de relações entre os colecionadores e amantes de automóveis, também são ótima oportunidade para comprar peças e deixar no estoque. São vários stands de venda de materiais e peças para
veículos antigos. Outro detalhe são as premiações: há prêmios para o melhor Vintage, automóveis do período entre 1919 e 1930; o melhor Pós Vintage (1930/1945); o melhor Pós-Guerra, entre os quais está o Cadillac (1946/1960); o melhor contemporâneo; o mais antigo; o que veio de mais longe rodando; entre outros. “Há colecionadores, como Antônio Carvalho, de Gravatá, que tem mais de setenta automóveis, das mais diferentes épocas e modelos”, conta Fernando. Estes encontros são, também, férteis em histórias. Durante o encontro de Vemag em Poços de Caldas, um filho e um pai estavam juntos para expor seu relato. O filho, já adulto, encontrou o carro que tinha sido do pai, hoje com 94 anos. Comprou, restaurou e foram os dois para o evento que, coincidentemente, aconteceu no mesmo hotel onde, um dia, filho e pai haviam se hospedado em uma das viagens com o Vemag reencontrado.
Mês da Consciência Negra
Vozes femininas
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Fala um pouco sobre a criação do movimento negro... Eu vim para o Recife em 1969, para estudar enfermagem e tinha uma colega de turma, Irene Souza, que costumava passar as férias em São Paulo. Lá, ela e as primas frequentavam um grupo da USP, de universitários negros. E nós ficávamos encantadas com essa possibilidade. Em 78, houve um protesto em São Paulo, depois de um incidente em que um atleta do Clube Regatas foi impedido de entrar na área social do clube por ser negro. Passaram a chamar o movimento, que também incluía não negros, de Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial. Em 79, encontramos com um colega chamado Sílvio Ferreira e marcamos uma reunião lá em casa. Naquele momento, a gente assumiu que estava criando um grupo de movimento negro. Ainda
Inaldete Pinheiro de Andrade é pioneira no movimento negro em Pernambuco
Beto Oliveira
s griot são contadores de histórias em terras africanas: respeitados guardiões da memória de seus povos em lugares onde predomina a oralidade. Inaldete Pinheiro de Andrade é uma griot afro-brasileira, com sotaque nordestino. Enfermeira e escritora, ela é uma das guardiãs da história e cultura negra: de escola em escola, fala com a linguagem das crianças sobre escravidão, racismo e exclusão; sobre resistência e orgulho da raça. Em seus livros e histórias, narradas ao povo miúdo, ela dá voz à heróis esquecidos ou invisibilizados. Entre todas estas tramas, estão os 35 anos do movimento negro em Pernambuco, uma história que ela ajudou a construir. Pela sua voz, nesta entrevista à Revista dos Bancários, surgem outras vozes, sobretudo femininas: mulheres negras que tiveram participação essencial em cada uma das conquistas do movimento. Confira os principais pontos da entrevista, feita especialmente para a edição de novembro, Mês da Consciência Negra.
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Mês da Consciência Negra nos reunimos várias vezes em minha casa, antes de decidir buscar uma sede, que funcionou durante vários anos no DCE (Diretório Central dos Estudantes da UFPE).
O preconceito contra o Norte e Nordeste é, também, um preconceito contra a população negra Inaldete Pinheiro de Andrade
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Revista dos Bancários
Nestes 35 anos, o que você destacaria como momentos importantes do movimento? Neste tempo, ganhamos aliados importantes, também fora da militância, que ajudaram a garantir várias conquistas. Tenho, por exemplo, um agradecimento especial a Humberto Costa, na conquista da Lei Federal 10.639, que institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana. Essa foi uma discussão iniciada por nós, foram doze anos de luta no parlamento. Não esqueço de minha alegria quando li uma notinha pequena no Jornal do Commercio anunciando a conquista. Há outras conquistas que você credita ao movimento e tem um valor especial para você? Uma conquista que começou aqui diz respeito à saúde da população negra. Era uma preocupação nossa que a anemia falciforme continuasse matando gente, sem que ninguém soubesse sobre a doença. Eu sou enfermeira e via isso. E aprendi sobre a anemia falciforme, não no meu curso, mas no movimento negro. Então, já na Marcha para Brasília, nos 300 anos de Zumbi, em 95, pedíamos a instituição de um programa para combate a esta e outras doenças que atingem a população negra. Quando Humberto Costa assumiu
a Secretaria de Saúde do Recife, na gestão de João Paulo, ele abraçou o projeto e o programa de anemia falciforme foi aprovado. Pouco depois, o governo federal instituiu o Programa de Saúde da População Negra, que foi um imenso salto de qualidade para o atendimento a esta população. Como você avalia a importância das mulheres no Movimento Negro de Pernambuco? Fomos nós, sempre, quem carregamos o piano. O Alafín Oyó, criação do Movimento Negro Unificado, teve uma gestão só de mulheres. E foi uma época em que ele brilhou muito! Os homens que me desculpem, mas nós fazemos a diferença. A própria idealização do movimento teve duas mulheres e um homem. Claro que os homens deram uma contribuição enorme também. Mas eu digo sem vaidade nenhuma, nós brilhávamos... Já que estamos falando sobre mulheres e estamos no mês da morte de Zumbi, ele teve uma esposa guerreira não é? Quantas Dandaras há no mundo? Mas quantas pessoas sabem quem foi ela? É um nome bonito, mas poucas sabem o significado histórico de seu nome. O que nós, do Movimento Negro, adotamos muito é o registro de nossos filhos com nomes africanos pra tentar resgatar esse encontro com a África, de onde viemos. Meu filho, Iorubá, sabe a história desse povo que ele carrega no nome. Mas a história oficial não sabe sobre as mulheres. Menos ainda sobre as negras e
Tua entrada na literatura é pra resgatar essas histórias? Exatamente. Eu sempre gostei muito de escrever. E o Movimento Negro me fez sentir isso como necessidade. Em 88, durante os 100 anos da abolição, havia pouco material que pudesse contar nossa história para as crianças. Foi quando teve início o processo de criação de Cinco Cantigas para se Contar e Pai Adão era Nagô. O Centro Luís Freire financiou e eu ia às escolas com cartolina, lápis, tinta... contava as histórias e os alunos recriavam com desenhos e pinturas. Contei sobre personagens daqui: Seu Luís de França, Dona Santa, o maracatu, as cantigas de ninar... fazendo uma conexão com a história negra. Contei sobre todo o preconceito e perseguição às religiões do povo negro, por meio da história do primeiro sítio de candomblé do Recife, de Pai Adão. Você acha que existe uma literatura com característica negra? Tem, sim. E tem alguns escritores que, embora não tenham uma literatura negra, ficam reconhecidos por algumas obras do tipo. Como
Beto Oliveira
africanas. Não sabem sobre Nzinga, que enfrentou os colonizadores na área que hoje é chamada Angola. Muito menos sobre tantas anônimas, que lutaram bravamente contra a ocupação de seus territórios e contra a escravidão de seu povo. Essas histórias circulavam oralmente, mas aos vencedores não interessava registrar. Só muito tempo depois é que algumas delas passaram a ir para os livros.
Anamaria Machado, que tem uns quatro ou cinco livros que falam para o negro ou contra o preconceito, entre eles Menina Bonita do Laço de Fita. E tem também os autores que têm uma obra inteira marcada por estas características. Joel Rufino dos Santos tem um livro sobre racismo no futebol editado pela Brasiliense há muitos anos, com várias reedições. Agora, na Copa deste ano, ele sequer foi citado. No entanto, um livro sobre o negro no futebol brasileiro, de outro autor, não negro, foi reeditado com muita pompa. Eu pergunto: que invisibilidade é essa? Quais são hoje as grandes bandeiras do movimento negro? As mesmas, porque não se concluiu nada. Nem mesmo a abolição foi concluída. Continuamos na luta para que a educação seja diferente, que inclua o negro nos livros didá-
ticos; que a saúde tenha atenção especial à população negra; e que a gente consiga um dia sair da marginalidade em que fomos colocados. Meu filho, que teve a felicidade de estudar em uma escola particular, tinha quatro anos de idade quando chegou pra mim e disse: - Mãe, se eu não fosse preto e não me chamasse Iorubá, os brancos me respeitariam. Isso é muito doloroso. O negro e a negra, para serem respeitados, se sentem na necessidade de se fazerem brancos... Essa campanha eleitoral teve um pouco de racismo? Muito. O preconceito contra o Norte e Nordeste é, também, um preconceito contra a população negra. A maioria dos que estavam contra a presidenta Dilma estavam contra a política de cotas e todos os programas de redução das desigualdades. Novembro de 2014
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Agenda cultural
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Cinema celebra a diversidade sexual
OMBELA
Campeonato de Futebol dos Bancários chega à 2ª fase Termina no dia 16 de novembro a primeira fase do Campeonato de Futebol dos Bancários. Apenas uma equipe será eliminada. As outras oito seguem na disputa rumo às semifinais. Até o fechamento desta edição, o Bradesco era o líder, seguido pelo Itaú. O time que estava na lanterna era o Bradesco Olinda, que ainda não conseguira marcar nenhum ponto. As oitavas de finais se estendem até dia 23 e as semifinais estão marcadas para o dia 29. Os campeões serão definidos no dia 6 de dezembro. Confira mais informações no site do Sindicato: www.bancariospe.org.br.
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Revista dos Bancários
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De 11 a 15 de novembro, o Cinema São Luiz exibe 39 filmes, de dez países, com temática LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). É a segunda edição do Recifest – Festival de Cinema da Diversidade Sexual, que conta com o apoio do Sindicato dos Bancários. Além da exibição de curtas estrangeiros, animação e das mostras competitiva de curtas pernambucanos e nacionais, haverá performances, debates e oficinas. A cerimônia de abertura conta com participação da Orquestra de Sinos - Grupo Txaimus, da UFPE, e exibição do longa São Paulo em Hi Fi, de Lufe Steffen. Na noite de encerramento, além da cerimônia de premiação, será exibido o longa argentino “Famílias por igual”. Mais informações, acesse www.bancariospe.org.br.
Os textos do escritor angolano Manoel Rui ganham a cena no espetáculo Ombela, com direção musical de Issar França. A encenação usa falas em português e em umbundo, língua africana de Angola. No Espaço o Poste (Rua da Aurora, 529, loja 1), sábados e domingos de novembro, 20h.
ATELIÊ DO ATOR O Espaço Fiandeiros e o Teatro Capiba abrigam mostra de pesquisa e pedagogia em atuação. São cinco espetáculosexperimentos: “O apocalipse segundo Domingos de Oliveira”, “Na Floresta, a noite é mais escura” (foto), “Arruados”, “The Célio Cruz Show” e “Ateliê de Cenas”.
Outros talentos
Música para mudar o mundo Anderson Silva
Funcionário do BNDES, Anibal é um artista talentoso, que usa sua música para intervir no mundo
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ngenheiro formado pelo ITA, capitão da reserva da Aeronáutica e funcionário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Anibal tinha tudo para ser um engravatado que vive enfurnado no meio da papelada. Mas, transbordando arte por todos os poros, virou um músico multifacetado que usa a sua arte para mudar o mundo. Natural de Fortaleza, Anibal trabalha no BNDES do Recife. Para ele, as experiências pessoais e profissionais de bancário relacionam-se, intimamente, com a sua produção musical. “Trabalhar no BNDES e produzir músicas são expressões da minha intervenção no mundo. No BNDES, sinto-me motivado a contribuir para o desenvolvimento do País, em especial do Nordeste. Quando externalizo uma música, tenho responsabilidade sobre ela. Em épocas de vulgarização da música, escolhi cantar sobre amor no Nordeste”, afirma Anibal. Anibal tem dois álbuns gravados:
“Família Costa Orgulhosamente Apresenta o Espetáculo Mais Doce da Terra” e “Something”. O primeiro foi, literalmente, produzido em família. A irmã e a mãe cantaram junto com o músico. E, como próprio título propõe, trata-se de músicas leves e doces. A faixa dez, “Infinito bom”, é sobre a gestação e o nascimento do sobrinho e todo o amor que ele despertou. “Enquanto minha irmã gerava o bebê, eu gerava a música”, conta. “Something”, nas palavras dele, “traz ousadia e sofisticação. É um pulmão criativo: a capacidade de sonhar e realizar. Uma construção coletiva”. É um álbum de músicas em inglês, com exceção de duas, gravadas em espanhol. Junto com o álbum, o bancário publicou um livro, composto por 25 ensaios. O bancário afirma que as músicas, de certa forma, têm vida própria. “Às vezes, elas vêm prontas. É como um filho que a gente tem. E, um dia, olha para ele e se pergunta ‘quem é esse menino mesmo?’” Os videoclipes são elementos importantes no trabalho de Anibal. Ele acredita que o audiovisual amplia o acesso do público à música. Para conhecer mais sobre o trabalho de Anibal, acesse www.anibalsomething.com. Com o código promocional (L83E85C), é possível baixar quatro músicas no site. Novembro de 2014
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Conceição das Crioulas
Uma vila com muita História
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ontam os mais velhos que, no final do século XVIII, seis mulheres que fugiam chegaram ao interior de Pernambuco, em um local, até então, inabitado. Não se sabe, ao certo, de onde vinham. Arrendaram três léguas de terras e plantaram algodão. Vendiam a produção em uma cidade próxima, e, com a renda auferida, conseguiram tornar-se proprietárias da terra. Um homem que chegou ao local trouxe uma imagem de Nossa Senhora Conceição, e as mulheres tornaram-se devotas da Santa. Atribuíram à proteção dela os fatos de não terem sido descobertas na fuga e de terem conseguido comprar as terras arrendadas. Daí a origem do nome da comunidade quilombola: Conceição das Crioulas. A comunidade integra o mu-
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Revista dos Bancários
nicípio de Salgueiro, que está localizado a cerca de 500 quilômetros do Recife. Conceição das Crioulas foi reconhecida como quilombola pela Fundação Cultural Palmares, e está localizada a 42 quilômetros do centro de Salgueiro. De acordo com a Fundação, quilombolas são descendentes de africanos escravizados que mantêm tradições culturais e religiosas. Em torno de quatro mil pessoas moram em Conceição das Crioulas. A liderança feminina é uma marca da comunidade, desde o seu surgimento. O artesanato feito de fibra de caroá, uma bromélia cultivada na região, homenageia 11 mulheres, que contribuíram, e contribuem, para o desenvolvimento e a valorização da comunidade. Cada boneca, sempre que produzida, mantém o nome e as características da mulher homenageada. Conceição das Crioulas destaca-se, também, por possuir, nas suas escolas, educação diferenciada. Trata-se da valorização, no ensino formal, dos conhecimentos ensinados pelos mais velhos – muitas vezes, conhecimentos orais. E são os próprios professores da comunidade que atuam nessas escolas.
Festival Nos dias 29 e 30 de novembro, Conceição das Crioulas sedia o 2º Festival das Comunidades Quilombolas de Pernambuco. É tradição, na comunidade, moradores receberem visitantes em suas casas. Mais informações sobre o Festival e o agendamento de visitas podem ser obtidos pelos telefones (87) 3946-1011, na Associação Quilombola de Conceição das Crioulas.
Virgínia Ramos - Secult-PE
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