nº 53 - abril/2015
Terceirização
Você quer escalar tudo de novo? Projeto de lei 4330, que deve ser votado pela Câmara no início de abril, libera a terceirização ilegal no Brasil. Se aprovado, todos os direitos trabalhistas conquistados em séculos de luta iriam para a lata do lixo e o país voltaria a viver um cenário parecido com o período da Revolução Industrial
ano 5
Revista dos Bancários Publicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco
Redação Av. Manoel Borba, 564 - Boa Vista, Recife/PE - CEP 50070-00 Fone 3316.4233 / 3316.4221 Site www.bancariospe.org.br Presidenta Jaqueline Mello Secretária de Comunicação Anabele Silva Jornalista responsável Fábio Jammal Makhoul Conselho editorial Jaqueline Mello, Anabele Silva, Geraldo Times e João Rufino Redação Camila Lima e Fabiana Coelho Projeto gráfico e diagramação Bruno Lombardi - Studio Fundação Imagem da capa Jesadaphorn / ©DepositPhotos Impressão NGE Gráfica Tiragem 12.000 exemplares
Sindicato filiado a
Editorial
Sinal de alerta A Revista dos Bancários deste mês está mais “sindical” que de costume. E não é para menos. Nos próximos dias, o Congresso Nacional pode aprovar um Projeto de Lei que promete jogar no lixo todos os direitos conquistados pelos trabalhadores em séculos de luta. Trata-se do PL 4330 que, a pretexto de regulamentar a terceirização no Brasil, legaliza o trabalho precário e, na prática, acaba com a carteira de trabalho. Como o novo perfil do Congresso, eleito em outubro, é dos mais conservadores, o PL 4330 tem grandes chances de ser aprovado. Só a luta dos trabalhadores é capaz de evitar que a proposta entre em vigor. O Sindicato já está nesta batalha desde 2013, quando obteve uma série de vitórias parciais. Entenda como PL 4330 vai prejudicar a sua vida, e como lutar, na matéria principal desta edição. Afinal de contas, os bancos são os principais defensores do projeto e têm feito um forte lobby no Congresso Nacional. Se a matéria for aprovada, abre-se a possibilidade de que um banco demita todos os seus funcionários e passe a contratá-los de uma outra empresa, sem os direitos que hoje são devidos aos bancários. O banco também pode exigir que seus gerentes sejam Pessoa Jurídica e, portanto, prestadores de serviços sem vínculo com a empresa - que exime-se das obrigações trabalhistas. Outra reportagem importante é sobre os delegados sindicais. Previstos na Constituição Federal, esses representantes sindicais de base não têm garantias em muitas profissões. Com os bancários, apenas os bancos públicos reconhecem o delegado e garantem uma série de proteções. Já para a entrevista do mês, a Revista dos Bancários conversou com a professora Tania Bacelar, uma das economistas e cientistas social mais respeitadas do Brasil. Ela explica a crise na economia brasileira, revela sua real dimensão e dá algumas saídas, sempre pensando no lado social, com proteção aos mais carentes. Conheça também o bancário de talento do mês e as nossas dicas de cultura e de turismo. Boa leitura!
@bancariospe
2
Revista dos Bancários
/bancariospe
/bancariospe
/tvbancariospe
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Índice
ENTREVISTA DO MÊS Tânia Bacelar explica a crise na economia
04 CONHEÇA PERNAMBUCO Panelas realiza este mês a sua tradicional Corrida de Jericos
Elielma Santos
Página 8
TERCEIRIZAÇÃO PL 4330 acaba com os direitos do trabalhador
Página 16
DELEGADOS SINDICAIS Uma história de luta e representatividade Página 11
AGENDA Veja nossas dicas de lazer e cultura Página 14
BANCÁRIO DE TALENTO Elton Bruno, um escritor que agrada todas as idades Página 15
Abril de 2015
3
PL 4330
Marcos Santos/USP Imagens
Querem jogar fora os direitos trabalhistas Projeto de lei que libera a terceirização ilegal será votado no início de abril. Saiba porque a mobilização dos bancários é essencial para evitar o fim dos direitos trabalhistas
I
magine receber metade de seu salário e trabalhar cerca de três horas a mais, sem ganhar horas extras. Ou ter que cumprir todas as metas e não ter direito a qualquer bônus de Participação nos Resultados. Imagine ser obrigado a mudar o local de trabalho periodicamente, de acordo com a disponibilidade do banco. Ou trocar de patrão a cada seis meses, sem conseguir gozar férias quase nunca. Imagine ter controlado até o tempo que você vai ao banheiro, sem conseguir fazer pausa sequer para cumprimentar o colega. Ou não ter certeza se vai receber as verbas indenizatórias quando for demitido.
4
Revista dos Bancários
O cenário assemelha-se ao período pós Revolução Industrial, de formação da classe operária. No entanto, esta é a realidade de mais de 10 milhões de brasileiros que trabalham em empresas terceirizadas, segundo o dossiê organizado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). Os dados analisados são de 2010 e revelam que, naquele ano, os trabalhadores terceirizados perfaziam 25,5% do mercado formal de trabalho no Brasil. Hoje, este número deve ser bem maior. O dossiê mostra ainda que estes empregados recebem quase 30% a menos que os contratados diretamente; têm jornada de cerca de três horas a mais, sem contar horas extras; e permanecem no mesmo emprego menos de metade do tempo que os demais. E o pior é que, se os trabalhadores não se mobilizarem, esta pode se tornar a realidade de toda a classe. É que, no início de abril, será votado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei 4330, que torna qualquer atividade passível de ser terceirizada. Significa que, se a matéria for aprovada, abre-se a possibilidade de que um banco demita todos os seus funcionários e passe a contratá-los de uma outra empresa, sem os direitos que hoje são devidos aos bancários e sem
Jaqueline Mello
um sindicato que os represente e organize coletivamente. De acordo com o Projeto 4330, uma empresa contratada pode, inclusive, recorrer a uma outra – a chamada quarteirização de serviços. Se isso for aprovado, o banco também pode exigir que seus gerentes sejam Pessoa Jurídica e, portanto, prestadores de serviços sem vínculo com a empresa - que exime-se das obrigações trabalhistas. Em 2013, o Congresso Nacional ameaçou votar o projeto, mas a intensa mobilização das centrais sindicais e movimentos sociais acabou fazendo com que ele fosse momentaneamente engavetado. Este ano, com o perfil conservador dos parlamentares eleitos, o PL 4330 foi desarquivado e vai
exigir uma pressão ainda maior. “A liberação da terceirização significa um retrocesso de quase um século de lutas e organização dos trabalhadores. Significa jogar no lixo os direitos conquistados durante anos...”, afirma a presidenta do Sindicato, Jaqueline Mello. Atualmente, a legislação que rege a atividade terceirizada ainda é frágil. Mas existe, ao menos, uma Súmula do TST (Tribunal Superior do Trabalho) – a 331 – que impede a terceirização de atividades-fim.
Mudanças na Caixa Foi graças a esta única salvaguarda legal dos trabalhadores que, em 2001, os sindicatos garantiram a proibição da terceirização na
Arquivo Pessoal
O PL 4330 é um retrocesso para os trabalhadores
Caixa. Graças a uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, o banco foi obrigado a anular os contratos de terceirizados e substitui-los por empregados concursados. Embora ainda existam prestadores de serviço que, a despeito da lei, realizam atividades bancárias nas agências, o número foi drasticamente reduzido. Dinarte dos Santos é, hoje, empregado contratado da Caixa. Mas, há oito anos, era como terceirizado que ele trabalhava no banco. Realizava serviço semelhante ao que executa hoje, mas sua realidade era bem diferente. “Recebíamos cerca de um salário mínimo para fazer tudo o que os outros faziam. Mesmo naqueles sistemas aos quais não tínhamos acesso, sempre tinha alguém que emprestava a senha para que a gente pudesse trabalhar. Ajudávamos a cumprir as metas, mas não recebíamos os bônus”, conta. Segundo ele, a jornada variava de acordo com a empresa que o contratava, que mudava constantemente. “Raramente passávamos mais de seis meses em uma mesma empresa. Já cheguei a passar
“Recebíamos cerca de um salário mínimo para fazer tudo o que os bancários faziam” Dinarte dos Santos Empregado da Caixa e ex-terceirizado Abril de 2015
5
PL 4330
A terceirização só gera empregos precários Suzineide Rodrigues
apenas um mês em uma terceirizada”, lembra o bancário. A constante mudança de empresa impedia Dinarte de gozar férias. Em oito anos de trabalho como terceirizado, ele acredita que tirou férias duas ou três vezes. O rompimento dos contratos de trabalho nem sempre foram acompanhados pelo pagamento das verbas indenizatórias. “Entramos na Justiça, ganhamos a ação, mas não recebemos nada porque as empresas fecham ou, muitas vezes, quando vamos verificar o endereço, descobrimos que são empresas fantasma”, revela Dinarte. Segundo o dossiê da CUT/ Dieese, estes calotes são comuns. Com o objetivo de vencer o processo licitatório, muitas empresas são criadas exclusivamente para este fim e apresentam valores de contrato abaixo dos necessários para cumprimento das obrigações trabalhistas. Dinarte já foi funcionário do Bradesco e, entre 91 e 92, fez parte de um dos primeiros grupos de terceirizados no Banco do Brasil.
6
Revista dos Bancários
“Na época, eu achava que terceirização era geração de emprego. Hoje, eu sei que é precarização do trabalho. Somente quando passei a ser empregado concursado, tive condições de fazer um Curso Superior – algo que o meu salário e a minha jornada de terceirizado nunca permitiriam”, afirma. Segundo o dossiê da CUT/ Dieese, se a jornada dos trabalhadores terceirizados fosse igual à dos contratados diretamente, seriam criadas cerca de 801.383 vagas de trabalho. “Este argumento de que a terceirização gera empregos é uma falácia. Ela gera emprego precário. O ritmo exaustivo e as jornadas maiores a que são submetidos os terceirizados reduzem a oferta de empregos”, ressalta a secretária de Finanças do Sindicato, Suzineide Medeiros.
O caso Contax Outro argumento comumente difundido é o de que os baixos salários dos terceirizados se devem ao fato deles estarem alocados em pequenas empresas. O dossiê da
terceirização, entretanto, revela que 53,4% destes trabalhadores estão em empresas com mais de 100 funcionários. É o caso da Contax que está funcionando sob liminar depois de uma fiscalização do Ministério do Trabalho que constatou terceirização ilícita, trabalho precário, assédio moral e adoecimentos em massa. De abril de 2013 a dezembro de 2014, uma equipe de 14 auditores fiscais do trabalho investigou as condições de trabalho dos profissionais de teleatendimento que prestam serviços para a Oi, Vivo, Santander, Itaú, NET, Citibank e Bradesco. O resultado: 932 autos de infração lavrados, R$ 318,6 milhões em multas, R$ 119,7 milhões de dívidas com o FGTS e quase R$ 1,5 bilhão em débitos salariais. Cristina Serrano, auditora do trabalho, pesquisou a situação de trabalho dos funcionários da Contax no Recife que prestam serviços de teleatendimento aos bancos. Os resultados são alarmantes. O perfil destes trabalhadores assemelha-se ao que consta no Dossiê da Terceirização, elaborado pela CUT/ Dieese: são jovens, no primeiro emprego, a maioria mulheres, muitos homossexuais e transexuais, com ensino médio e pertencentes a classes menos favorecidas. Ou seja, a população mais vulnerável que, por falta de opção, submete-se a esta situação degradante. Os serviços realizados através do teleatendimento incluem atividades tipicamente bancárias, como parcelamento e contestação de faturas em cartão de
crédito; cancelamento, bloqueio ou aumento do limite do cartão; financiamento de veículos; crédito pessoal; empréstimo consignado; recuperação de crédito; venda de seguros; entre outros. A remuneração é de, no máximo, um salário mínimo para jornada de 180 horas mensais. O tíquete é R$ 4,21. Não há cesta alimentação. Não há Participação nos Lucros e Resultados. No máximo, eles são bonificados com brindes, prêmios ou pequenos valores em campanhas de cumprimento de metas. O monitoramento é ostensivo, com controle de pausas, inclusive na ida a banheiros. As metas e exigências são exageradas e as punições são abusivas. A consequência são níveis epidêmicos de adoecimento, com destaque para transtornos mentais, doenças osteomusculares, perda auditiva, distúrbios vocais e doenças do sistema urinário.
Uma vítima Paula Fernanda de Souza passou um ano e dois meses na Contax. Foi o suficiente para desenvolver tendinite, bursite, fibromialgia e início de depressão. “Eu nunca tive qualquer problema de saúde e comecei também a ter picos de pressão. Cheguei a desmaiar durante o trabalho. E meu caso não é uma exceção. Volta e meia, alguém passava mal”, conta. Operadora da Oi Conta Total, ela lembra que a pressão e o controle sobre os serviços eram exagerados. Se o cliente retornasse a ligação, mesmo que fosse por qualquer outro motivo que não
A Contax Recife controla até o tempo que o terceirizado leva no banheiro
o do telefonema anterior, isso gerava pontuação negativa. Se a ligação fosse transferida, ainda que somente outro setor pudesse resolver o problema, também gerava pontuação negativa. O tempo de ligação era outro fator avaliado. “Éramos pressionados pelos clientes por conta de erros da empresa. E, para não pontuar negativamente, muitas vezes, a gente acabava tendo de mentir para o cliente”, conta a trabalhadora. Se as metas eram pesadas e as punições abusivas, o mesmo não se pode dizer da premiação pelos resultados. “Folga, ingresso para cinema... nada demais”, diz Paula. As pausas pessoais eram controladas. “Tínhamos direito a uma média de cinco a oito minutos
de pausa pessoal. Mas, até para ir ao banheiro, a gente precisava sair do sistema. E aí aparecia no computador do supervisor uma luzinha piscando. Depois, ele queria saber tudo: onde a gente estava, o que estava fazendo...”, lembra a operadora. Segundo ela, a organização do trabalho era tão desumana que até quando o sistema caía, ninguém podia sair da sala nem conversar com o colega. Em pouco tempo, o corpo e a mente de Paula sucumbiu à pressão. “Minhas mãos começaram a inchar. Eu tinha dores de cabeça fortíssimas. Fui diagnosticada com fibromialgia e início de depressão. Não tinha mais motivação para nada”, revela. Abril de 2015
7
Entrevista
A economia social de Tania Bacelar
E
m tempos de crise na economia e na política do Brasil, são preciosas análises de profissionais que, além de reconhecida competência, têm trajetórias dedicadas à construção da justiça social. Em entrevista a Revista dos Bancários, a economista e cientista social Tania Bacelar mostra que há várias maneiras de sair da crise e que sacrificar os trabalhadores é escolha política. Doutora em economia, Tania é professora da Universidade Federal de Pernambuco. Foi diretora da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), secretária de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional e secretária da Fazenda de Pernambuco. Também prestou consultorias a instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Qual o tamanho da crise econômica brasileira? O Brasil está passando por um período de dificuldade, mas o tamanho da crise está ampliado
8
Revista dos Bancários
pela dimensão política. As duas dimensões dialogam entre si, para o bem e para o mal. Existe um momento de dificuldade econômica real. O indicador mais relevante, nesse caso, é a queda de crescimento da economia. Mas a dificuldade é ampliada por um momento de crise política. Tivemos uma eleição muito dura. A vitória da presidente Dilma foi por uma margem de votos relativamente pequena. O clima político é muito tenso entre o governo e a oposição. E como se não bastasse, a base do próprio governo está fragmentada. Então, a presidente tem dificuldade de operar na política. Então, a crise política é maior do que a econômica? Sim. A política, hoje, atrapalha mais do que a economia. Quando olho para o lado puramente econômico: o Brasil já viveu momentos
de baixo crescimento, de hiperinflação; momentos de grande dificuldade, com deficit externo sem ter reservas. Hoje, temos um deficit externo, mas temos reservas. Então, a economia do país não está no pior momento da sua trajetória, mesmo recente. E o que gerou a crise econômica ? Vários fatores. Primeiro, no cenário externo, ocorreram mudanças importantes. A crise de 2008 bateu, primeiro, nos países mais desenvolvidos – nos Estados Unidos e na Europa. O Brasil até se saiu bem. Em 2009 e 2010, conseguimos não ter um impacto muito grande na economia. Mas o próprio FMI [Fundo Monetário Internacional] está mostrando que, nos últimos anos, um desdobramento da crise mundial afetou os chamados países emergentes. Nesse segundo momento, os Estados Unidos começam a ter um sinal de recuperação e a Europa está conseguindo sair da recessão. Mas os países emergentes estão com problema: a Rússia, o Brasil e a China. Outra questão importante no cenário mundial é que nós vivemos um ciclo, na primeira década do século XXI, de aumento de preços das commodities, que constituem o principal item das exportações do Brasil. Agora, estamos vivendo o oposto. De 2010 para cá, está havendo uma queda
brusca desses preços. O ferro está perdendo preço. A Vale está com dificuldade. Então, não é só o governo. Além da conjuntura externa, houve decisões internas que não foram efetivas, também. Dilma podia ser mais humilde e reconhecer que ela, também, errou. Algumas medidas não tiveram eficácia econômica e prejudicaram as contas do governo. Por exemplo, a mudança da cobrança da previdência:
a conta pelo trabalhador. Se eu fosse ela, eu deixaria isso para o fim – se fosse necessário. Ela acha que os trabalhadores vão receber isso tranquilamente? Já não foi fácil votar nela, porque a coisa radicalizou tanto. E ela teve um apoio bastante significativo, principalmente das classes populares do Brasil. Quando você vê o perfil do eleitor dela... não foi a classe média de São Paulo. Não sou contra um ajuste fiscal, mas teríamos que discutir um ajuste fiscal mais equilibrado, do ponto de vista de quem paga. O movimento sindical, agora, está cobrando aumento de imposto de grandes fortunas. Isso é dizer: “quem vai pagar? Eu ou o cara que tem muito dinheiro?” O ajuste fiscal pode ser aumentar receita ou reduzir despesas. Então, primeiro: precisava discutir mais. E, segundo: qual é o projeto de retomada? Vamos investir em quê? Aí o governo, de novo, está com dificuldade. Quais são as frentes de expansão da economia brasileira? Isso não está sendo discutido. Os dois ministros da área econômica estão discutindo ajuste. Se eu fosse ela, eu colocava Levy [Joaquim Levy – Ministro da Fazenda] para cuidar do ajuste. E o Ministro do Planejamento [Nelson Barbosa] para cuidar do futuro, a estratégia de retomada da economia brasileira. O terceiro ponto é o desequilíbrio fiscal.
A economia do país não está no pior momento da sua trajetória, mesmo recente. A grande imprensa faz uma leitura enviesada ela tirou da folha e colocou no valor agregado. Não conversou isso com os sindicatos. Há, no governo, dificuldade de interagir com a sociedade e com o mundo político. O ajuste fiscal proposto pelo governo está indo pelo caminho adequado? O nosso debate devia ser sobre a natureza do ajuste fiscal. Quem é que vai pagar a conta? Existem várias maneiras de fazer ajuste fiscal. Dilma começou a cobrar
Abril de 2015
9
Entrevista A conta de governo no Brasil se divide em receitas e despesas. Qual é a receita? Receita tributária e outras receitas. E a despesa? Despesas de pessoal, custeio, transferências e investimento. Aí, tiramos o superavit primário. Se o governo se financiar, tudo bem. Senão, pode emitir dívida. Desde os anos 80, o governo brasileiro não se financia sozinho. Então, o ajuste fiscal não é neutro. É uma disputa também política e social.
Abrir o capital da Caixa seria o fim do banco. A medida fragilizaria a instituição, que é estratégica para as políticas públicas 10
Revista dos Bancários
Qual a sua opinião sobre a cobertura da economia brasileira pela chamada grande mídia? A grande imprensa só dá voz a economistas do setor financeiro, com uma leitura enviesada. A grande maioria desses economistas defende os interesses dos aplicadores, o aumento de taxa de juros. Na grande imprensa, falta o debate mais aprofundado e tratar melhor as diferenças de visão. O Brasil é uma sociedade muito complexa, tem visões diferentes, portas de saída diferentes. A imprensa devia estar discutindo isso. No rádio, na televisão é a mesma cantilena: corrupção e aumento de taxa de juros. Não é apenas esse o debate. No final do ano passado, o governo cogitou abrir o capital da Caixa. Qual a sua opinião sobre isso? Sendo bem radical, para mim seria o fim da Caixa. O Brasil tem três grandes bancos públicos: o Banco do Brasil, a Caixa e o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social]. O BNDES tem uma missão específica, pois é um banco de investimento. Ele patrocina investimentos de peso. O Banco do Brasil já abriu o capital social, tem acionistas minoritários do setor privado. Assim, ele tem que conciliar os objetivos de ser público e dar satisfação aos seus acionistas privados. Isso interfere na lógica de funcionamento da instituição. A Caixa é um único banco 100% público do Brasil. Por isso, ela serve melhor para o país fazer política pública. Ela só presta contas à União, ao Ministério da Fazenda. E faz anos que ela é superavitária. Nesse tripé [Caixa, BB e BNDES], a Caixa tem um papel especial, que é o de fazer o que os outros não podem fazer. E fazê-lo com competência, sem prejudicar o equilíbrio das contas do governo. Quem faria, no Brasil, o que a Caixa faz com o Bolsa Família? Muita gente se oferece para pagar o Bolsa Família em São Paulo. Agora, vai pagar lá no “Cafundó de Judas”, dentro de um barco, num sei por onde... Qual o banco privado que vai fazer isso? E, se fizer, vai cobrar muito caro. Se abrir o capital, a Caixa vai ficar parecida com o Banco do Brasil. A pergunta seguinte é: “para quê dois?” Ela ocupa um espaço grande, no sistema financeiro; e esse espaço é disputado no mercado. A maior poupança popular do Brasil está com ela. A abertura de capital da Caixa fragilizaria essa instituição, que é estratégica para as políticas públicas. Para o povão, a Caixa presta um serviço inestimável.
Bancos públicos
Qualquer problema, chame o delegado! Organização por Local de Trabalho nos bancos, representada pelos delegados sindicais, passou por vários percalços e tem muito a avançar
T
omam posse, no dia 1º de abril, os novos delegados sindicais que representarão os funcionários dos bancos públicos em seus locais de trabalho. Trata-se da forma mais direta e democrática de participação dos trabalhadores no movimento sindical. A história da Organização por Local de Trabalho (OLT) é antiga, desde os chamados “Workers Councils” europeus do início do século XX. Mas a participação efetiva dos bancários brasileiros nas ações do Sindicato e decisões da empresa passou por fases diversas e ainda tem muito a avançar. A Constituição Brasileira afirma em seu capítulo 11: “Nas empresas com mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um representante com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”. No entanto, não há garantias constitucionais para aqueles que assumem a função de representar os colegas. Entre os bancários, esta regulamentação foi garantida em acordo coletivo, mas apenas nos
bancos públicos. Mesmo assim, a conquista passou por fases diversas, de acordo com o contexto histórico. “A Organização por Local de Trabalho é um dos eixos do movimento sindical e da luta dos trabalhadores. É lá, nas agências e departamentos dos bancos, que os conflitos e problemas acontecem. A atuação dos delegados sindicais - realizando reuniões, ouvindo e informando os colegas, organizando as demandas e estimulando a participação - faz uma diferença enorme”, avalia a secretária de Bancos Públicos do Sindicato, Daniella Almeida. Nos bancos privados, a eleição de delegados sindicais é uma reivindicação histórica da categoria. O tema não consta na Convenção Coletiva assinada com a Fenaban (Federação Nacional dos Bancos). Apenas nos acordos aditivos dos bancos públicos. Contudo, isso não impede que, de maneira informal e sem as garantias legais, os trabalhadores de bancos privados exerçam a função, como um dia já aconteceu na Caixa e Banco do Brasil.
Apesar dos riscos... Foi como representante de base que a atual presidenta do Sindicato, Jaqueline Mello, começou sua trajetória no movimento sindical. Um ano depois de entrar na Caixa, ela já era delegada sindical da agência Caxangá, onde permaneceu durante muito tempo. “Eram tempos de Collor, 1990. Os embates eram grandes e as campanhas acirradas, embora realizadas separadamente – na Caixa, BB, BNB e bancos privados. Já no primeiro ano como delegada sindical, fizemos greve para Abril de 2015
11
reverter demissões. Eu era muito respeitada pelos colegas. Fazia questão de cobrar as pausas para os caixas, de me informar e zelar para que nossos direitos fossem cumpridos”, lembra Jaqueline. O respeito era proporcional ao seu esforço para organizar os colegas. “Quando chegava alguma convocatória do Sindicato, eu ia de um em um para convidá-los a participar. Guardo até hoje o caderninho onde o pessoal assinava, depois que recebia a convocatória”, conta Jaqueline. O reconhecimento era a resposta. “Lembro que, uma vez, a supervisora não me liberou para participar de um congresso. Disse que havia muita demanda e não dava pra ficar com um caixa a menos. Os colegas caixas se juntaram, disseram que podiam até reduzir a pausa de almoço. Mas que era importante que eu participasse do encontro”, lembra Jaqueline. Com a gestão Fernando Henrique Cardoso e as ameaças de privatização do banco, a organização ficou mais difícil. As negociações eram cada vez mais duras e os acordos coletivos se fragilizavam. Vários direitos foram retirados, entre eles as garantias aos delegados sindicais. Mesmo assim, Jaqueline e muitos outros – da Caixa e do Banco do Brasil – permaneceram firmes em sua função de organizar os trabalhadores. “Fazíamos reuniões à noite. A pressão era grande, principalmente por causa da RH 008, norma do banco que permitia a demissão sem justa causa”, diz a presidenta.
12
Revista dos Bancários
Arquivo Seec-PE
Bancos públicos
A presidenta do Sindicato, Jaqueline Mello, já foi delegada sindical na agência da Caixa Caxangá, em 1995
Em 97, ela passou a fazer parte da diretoria do Sindicato e, dois anos depois, apesar da conjuntura desfavorável, a gestão tentou resgatar a organização por local de trabalho. “Convidamos algumas pessoas de cada agência para um jantar de sensibilização. Fizemos eleição de delegados e tivemos alguns candidatos, sobretudo os antigos militantes, que passaram a assumir a função, apesar dos riscos”, afirma.
A reconquista Se na Caixa e no Banco do Brasil ainda foi possível manter alguns resistentes na organização por local de trabalho, no BNB a situação foi pior. O terrorismo da gestão Byron Queiroz deixou enormes feridas,
que demoraram a cicatrizar. Maria Helena Lopes não viveu este período. Entrou no BNB há dez anos, quando as garantias para delegados sindicais nos bancos públicos já tinham sido reconquistadas, nos acordos coletivos de 2003. Desde então, a conquista vem se fortalecendo a cada ano. Em 2004, primeiro ano de retomada das eleições, havia 23 candidatos do BNB; 38 da Caixa; e 36 do Banco do Brasil. Este ano, foram 41 candidatos da Caixa; 38 do Banco do Brasil; e 105 do BNB. Dentre os inscritos, há um grande percentual de gente nova, que foi contratada para trabalhar nas agências recém inauguradas, sobretudo do Banco do Nordeste. Para Maria Helena, esta renovação
Arquivo Seec-PE
colegas da Caixa de Camaragibe. “O pessoal sempre me procura pra pedir informações ou relatar algum problema. Na Campanha Nacional, a gente para tudo na agência e faz ação nas portas dos outros bancos”, conta o delegado sindical.
Renovação
Jaqueline entrou na direção do Sindicato em 1997, depois de anos de militância na base
ajuda a oxigenar a organização dos trabalhadores. “Hoje, tem muita gente comissionada, que acaba sendo alvo fácil das pressões do banco”, opina. Ela já chegou a ir sozinha à frente da agência para fazer greve e convencer os colegas. Durante a Campanha, ajudava a fechar outras agências perto de onde trabalhava, em Paulista. Ia para as reuniões com a filhinha pequena nos braços. Enfrentou, e enfrenta, um câncer e ainda teve de brigar para reconquistar o direito ao auxílio enfermidade, que havia sido
retirado pelo banco. Também teve de lutar contra situações de assédio moral e até mesmo para participar dos cursos promovidos pelo banco, dos quais ela era excluída. Desde 2009, ela já foi delegada sindical várias vezes. Teve de se afastar por conta da doença, mas continuou atuante. Com expectativa de voltar à agência em junho, Helena voltou a se candidatar. Assim como ela, Heliovânio Torres tem uma longa trajetória na Organização por Local de Trabalho. Há cerca de sete anos, ele é reconduzido à função pelos
No caso do Banco do Brasil, desde a retomada das eleições para delegado sindical, há uma trava que dificulta a organização. Ao invés de um delegado por agência, o banco impõe a eleição de um delegado para cada grupo de até 80 empregados. Significa que, para eleger os delegados, é preciso agrupar pessoas de unidades e mesmo de regiões diferentes, deixando várias agências sem representação de base. Embora atrapalhe, os critérios do banco não impedem o fortalecimento e a renovação da representação de base. Paulo Thiago Colaço, por exemplo, candidatou-se à delegado sindical pela primeira vez este ano. Há apenas um ano e meio no banco, ele tomou a decisão depois de perceber que, se não fosse ele, sua agência, em Ipojuca, podia ficar sem representante, já que não houve outros candidatos. “Não dava pra deixar a agência sem delegado sindical. Sabemos a importância deles para garantir melhores condições de trabalho”, diz o bancário. No ano passado, ele aderiu à greve de forma tímida. Este ano, promete uma atuação bem mais contundente. “Eu tinha acabado de chegar no banco, por isso não me envolvi tanto. Desta vez, vai ser diferente”. Abril de 2015
13
Dicas de cultura EVENTOS
ESPORTE E LAZER
Jogos do Sindicato serão nos dias 25 e 26
OCUPE ESTELITA
Atenção, bancários atletas: estão abertas as inscrições para a quarta edição dos Jogos do Sindicato. Marcadas para os próximos dias 25 e 26, no Clube de Campo dos Bancários, em Aldeia, as competições serão nas seguintes modalidades: vôlei, natação, atletismo (com corrida rústica e de velocidade), queimado,
spiriball, tênis de mesa, xadrez, sinuca, arremesso de dardo e dominó. A participação também é aberta aos dependentes dos bancários sindicalizados, diretores e funcionários do Sindicato, ampliando o entrosamento entre todos. Para inscrever-se acesse: www.bancariospe.org.br/jogosdosindicato
NA AABB
FESTIVAL TREMA
Congresso de Dança de Salão A AABB sedia, nos dias 1, 2 e 3 de maio, o 3º Congresso de Dança a Dois de Pernambuco. Trata-se do maior congresso de danças de salão do Nordeste, tanto pela qualidade quanto pela pluralidade da programação: bolero, zouk, samba de gafieira, forró, salsa, west coast swing, tango, soltinho, samba
14
Revista dos Bancários
No próximo dia 12, o evento OCUPE Campo-Cidade toma as ruas do Cais José Estelita. O movimento de resistência à especulação imobiliária se une a grupos como o MST e o Centro Sabiá para discutir a relação cidade-campo. Haverá feira agroecológica, oficinas de plantio e bioconstrução, aulas públicas, cinedebate e atrações culturais.
funkeado, bachata, kizomba e dança esportiva. As inscrições custam R$ 230 para o pacote individual, e R$ 360 para o casal. O pacote dá direito a todas as aulas, três bailes, shows profissionais, palestra e mostra paralela de dança. Inscrições pelo site: congressodedancadoispe.blogspot.com.br.
De 8 a 12 de abril, a capital pernambucana recebe a 3ª edição do TREMA! Festival de Teatro de Grupo do Recife. O evento contará com a presença de cinco grupos que realizam pesquisa continuada de linguagem: Mala Voadora, de Portugal; Coletivo Mazdita, Argentina/Brasil; As Travestidas, Ceará; e do Recife, Magiluth e O Poste Soluções Luminosas. Saiba mais em www.tremafestival.com.br.
Bancários de talento ELTON RODRIGUES
Literatura para todas as idades Empregado da Caixa, o escritor Elton Rodrigues tem o bom humor como marca registrada nos seus livros, que agradam da avó ao netinho
O
prazer ao ler e produzir literatura chegou cedo à vida de Elton Rodrigues. Ainda na adolescência, decidiu escrever textos de ficção. Mais tarde, veio o interesse pelo teatro. Nas duas linguagens artísticas, o bom humor é uma marca das produções do escritor. “Em todos os meus livros, até naqueles que ainda não terminei, há um pouco de comédia”, afirma. Em 2004, Elton publicou, pela editora Universitária, seu primeiro livro, “Táxi: uma corrida contra a lei”. Na contracapa do livro, há uma descrição adequada: “Uma comédia policial cheia de aventura, Táxi é um livro para se ler como se assistisse a um filme, pela sua linguagem clara e o ritmo empolgante de sua narrativa”. Ao publicar Táxi, o escritor
definiu-se de maneira simples e precisa, como “um autor sem pretensões de já produzir uma obra-prima, mas ambicioso para proporcionar aos leitores boas risadas”. Táxi está esgotado, mas Elton pretende reeditá-lo, em breve, nas versões digital e impressa. O projeto em andamento do escritor é um romance baseado na história de São Jorge. “A ideia surgiu contando histórias para o meu filho. Quero contar a lenda do guerreiro da forma como minha mãe me contava”, diz Elton. Produções baseadas nas relações afetivas são comuns na trajetória de Elton. Um dos seus roteiros para teatro intitulado “Malu e o dragão” foi um presente dele para a afilhada. “Adoro literatura fantástica, da idade média. Quero produzir literatura para todas as idades, para meu filho e para minha afilhada, mas também avós e tios”, afirma Elton. A formação dos leitores, também, é uma das preocupações dele. “Nos aniversários das crianças da minha família, elas já sabem que, de mim, vão ganhar livros”, diz. O escritor lembra com orgulho que uma professora de uma escola, no interior do estado, contou para ele que Táxi é um livro muito lido na biblioteca de lá. “Não há satisfação maior do que ouvir isso”, completa. Elton é empregado da Caixa, há 12 anos e, desde 2012, está lotado na Caixa Cultural, no Recife. Ele se identifica com o trabalho que desenvolve lá, principalmente pelo interesse que possui na atuação da Caixa como incentivadora de trabalhos culturais. É possível entrar em contato com o autor pelo e-mail tonluiz@ yahoo.com.br. Abril de 2015
15
Conheça Pernambuco
PANELAS
A terra da Corrida de Jericos
P
anelas é a terra da Corrida de Jericos. Neste ano, em sua 42ª edição, o Festival Nacional de Jericos ocorre de 30 de abril a 3 de maio. O município localizado no Agreste do estado, a cerca de 200 quilômetros do Recife, mantém a tradição local de maneira irreverente. O jumento, também conhecido como jerico, é um animal importante para a economia local. Conta-se que o Festival foi idealizado, na década de 1970, por um professor para chamar a atenção das autoridades para
16
Revista dos Bancários
matança dos jumentos. Os participantes da Corrida de Jerico, que vêm de várias cidades de Pernambuco e de outros estados nordestinos, disputam prêmios. Em 2014, os mais bem colocados ganharam motos, notebook, eletrodomésticos e bicicleta. Além da Corrida, há o Concurso de Jericos Fantasiados, que também premia os participantes. São quatro dias de festa, com shows, missas e apresentações culturais banda de pífanos, repentistas, bumbas meu boi, reisados, bacamarteiros, mamulengos, pés de serra, mazurcas, maracatus e xaxados. As competições, tradicionalmente, ocorrem no Dia do Trabalhador, em 1º de maio. As festividades começam com a distribuição do Munguzá do Turista, no início da manhã, e seguem até a madrugada do dia seguinte. A programação de 2015 ainda não foi divulgada. Nos anos anteriores, bandas locais e nacionais, em sua maioria de forró, apresentaram-se na festa, para um público que ultrapassou 100 mil pessoas nos quatro dias. A programação do 42º Festival Nacional dos Jericos deve ser divulgada, nas próximas semanas, no site da Prefeitura de Panelas.