Ensaio sobre a Cenografia do Desfile Outono Inverno 2015 da Grife Louis Vuitton
O Espetรกculo da Moda
O Espetáculo da Moda
Ensaio sobre a Cenografia do Desfile Outono/Inverno 2105 da grife Louis Vuitton Universidade de Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Departamento de Teoria e História em Arquitetura e Urbanismo Disciplina de Ensaio de Teoria e História de Arquitetura e Urbanismo Autora: Bárbara Veras Rodrigues Queiroz Orientadora: Ana Suely Zerbini
Agradecimentos A minha orientadora, Mestra Ana Suely Zerbini, pela sua dinamicidade, praticidade e brilhantismo. A cenógrafa Es Devlin e toda a sua equipe do Es Devlin Studio pela paciência e grande ajuda prestada. Aos amigos que me ajudaram neste incrível processo. A família pelo amor e apoio.
RESUMO A moda como se conhece é repleta de elementos que influenciam e são influenciados pela cultura pop. O poder e a relevância que esse mercado possui sobre a cultura de massa o coloca numa posição de ditadora de imagem: como se vestir, se comportar e viver. As grandes grifes mundiais, sendo a mais rentável delas a Louis Vuitton, estão de maneira cada vez mais frequente investindo em seus desfiles de moda de maneira a criar a magia ao redor dos objetos de desejo, e consequentemente, vender. Essa busca pela modernização da imagem da marca atrai novas maneiras de expandir e explorar o mercado da cenografia. Desta forma, este Ensaio buscará compreender o impacto da indústria da moda no mundo, podendo assim justificar as dimensões que o desfile de moda ganhou no marketing da grife, bem como criar referencial para a compreensão do processo e da técnica da cenografia para desfiles de moda.
re
Palavras chave: moda, desfile, cenografia.
ABSTRACT Fashion as we know is full of elements that influences and are influenced by pop culture. The power and relevance that this market has upon mass culture puts it in a position of image dictator: how to dress, how to behave and how to live. The great world fashion brands, which Louis Vuitton is the most profitable of them, are more and more frequently investing on their fashion shows in order to create the magic around the objects of desire, and consequently sell. The quest for modernization of the image of the brand attract new ways to expand and explore the scenography industry. Therefore, this paper will seek to comprehend the impact of the fashion industry on the world, thus justifying the dimensions that the fashion show gained in the marketing of the brand as well as create reference for the understanding of the process and the technique of scenography for fashion shows.
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Key words: fashion, fashion shows, scenography.
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INTRODUÇÃO A MODA E A SOCIEDADE A GRIFE HISTÓRIA NICOLAS GHESQUIÈRE A COLEÇÃO
LOUIS VUITTON A/W 2015/16 ES DEVLIN O DESFILE - PROJETO DE CENOGRAFIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS 09
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INTRODUÇÃO
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Introdução
O objetivo deste Ensaio é criar material de referência para a caracterização do Desfile Outono/Inverno 2015/16 promovido pela grife Louis Vuitton em março de 2015. O desfile foi desenvolvido pela equipe criativa da grife tendo como cenógrafa principal a londrina Es Devlin. Visando cumprir o objetivo geral, foi necessário o entendimento de vários elementos que compõem um desfile. Primeiramente este Ensaio buscou compreender a moda do ponto de vista social. Visando alcançar esse objetivo, foram coletados elementos que auxiliassem na compreensão do comportamento humano frente ao mercado de luxo através de bibliografias escritas pelo sociólogo Pierre Bourdieu e pelo semiólogo Roland Barthes. Segundo, conhecer a história da grife de maneira a compreender como ela se 012
posiciona nesse mercado de tradição que ao mesmo tempo demanda inovação. Para isso, foram coletadas informações a respeito de sua fundação, crescimento e estabelecimento dentro do mercado e ainda inovações que trouxe ao longo de sua existência por meio de biografias, artigos de grandes veículos de comunicação e teses de doutorado sobre o marketing. Terceiro, conhecer a história das mentes criativas bem como seu processo de criação. Esse entendimento se tornou possível através da busca de informações em documentários, entrevistas, artigos de grandes veículos de comunicação e biografias. Por último, expor o processo cenográfico até seu produto final. Para isso, foram levantados dados como plantas, referências exploradas, estudos volumétricos, maquetes virtuais, esquema de cores e processo técnico. O Es Devlin Studio disponibilizou todo o material visual para a caracterização cenográfica do desfile, deixando a cargo da autora deste Ensaio, toda a interpretação e sistematização do material. Ainda, os
dados também foram buscados em material audiovisual e artigos de grandes veículos de comunicação. Desta maneira, este Ensaio nasceu do interesse e vontade que logo se tornou uma necessidade pessoal, por estudar a cenografia de desfile e aprofundar os conhecimentos sobre moda, seu mercado e seu envolvimento com a sociedade.
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022 014
MODA E SOCIEDADE
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A Moda e a Sociedade
Pierre Bourdieu, considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas e um dos mais importantes pensadores do século XX, contribuiu para os estudos da sociologia das práticas culturais, entre elas a moda, campo o qual foi um dos precursores. Dentre suas várias produções, escreveu três ensaios - o primeiro, A Produção da Crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos, o segundo O costureiro e sua grife: contribuição para uma teoria da magia e o terceiro, Modos de Dominação - para seu livro de mesmo nome do primeiro ensaio, publicado em 2002. Os bens simbólicos os quais Bourdieu faz referência são aqueles que geram um capital simbólico, ou seja, aqueles bens que geram um capital baseado no valor sociocultural da mercadoria, não o valor do 016
modo de produção e/ou da mais valia. A grife se beneficia justamente dessa simbologia sociocultural a qual o autor se refere, visto que produz bens que possuem valores que extrapolam as relações cotidianas de mercado - o valor do modo de produção e/ou da mais valia. Em ‘O costureiro e sua grife: contribuição para uma teoria da magia’ - um dos ensaios do livro (2002) - aborda a questão das grifes1 tradicionais como Dior2 e Balmain3 em oposição às novas grifes como Paco Rabanne4 e Ungaro5. Além disso, discorre a respeito dos modos de dominação do campo da moda e a maneira como usa-se de elementos simbólicos como forma de distinção social. 1
Grife, diferente de marca, leva o nome de seu estilista e está
relacionada à criação e produção manual de peças exclusivas e de luxo, a alta costura. A marca representa uma empresa com produção em maior escala e que não necessariamente leva o nome de seu principal estilista. No caso das marcas de luxo, os conceitos de exclusividade e qualidade se mantêm. 2
Grife de luxo francesa fundada por Christian Dior em 1946.
3
Grife de luxo francesa fundada por Pierre Balmain em 1945.
4
Grife de luxo francesa fundada pelo estilista espanhol, naciona-
lizado francês, de mesmo nome em 1966. 5
Grife de luxo francesa fundada pelo estilista Emanuel Ungaro
em 1965. Ungaro é considerado o último grande costureiro. Se aposentou em 2005.
Para Bourdieu (2002), ocorre uma luta de classes no campo da moda entre os costureiros estabelecidos (p. ex. Dior e Balmain) e os pretendentes a ingressar nesse campo (os novos designers ou os designers independentes). O autor traça suas comparações utilizando a sociedade francesa como plano de fundo para essa ‘luta’. Em ‘A Moda como prática cultural em Pierre Bourdieu’, Maria da Graça Setton (2008), socióloga e docente da USP, um dos nomes que introduz os pensamentos do Bordieu no Brasil, afirma que: “[...] a moda atua sobre as exterioridades, sobre as facetas de nossa vida orientadas para a sociedade. Completa a identidade social dos agentes. A obediência à moda exprime um jogo entre os indivíduos e as forças socializadoras exteriores”
Setton (2008) e Bourdieu (2002) entendem moda como um fator importante para o estudo das questões sociais. A moda extrapola o campo da indumentária: pode exercer seu poder em espaços físicos e na vida social dos indivíduos, o que afir-
ma a relação de dominante e dominado. Setton explora ainda a reflexão sobre a moda como uma prática cultural e formula seu argumento em três eixos: socialização, habitus e distinção. Para a autora, Bourdieu funda um modelo experimental e teórico a respeito das práticas culturais e a moda é um campo que torna oportuna a explicitação das contribuições do sociólogo. Entende-se socialização como o pertencimento em uma estrutura social. Esse pertencimento parte das práticas culturais que podem ter as mais variadas manifestações. Essas práticas estão relacionadas à política, religião, vestimenta, alimentação e, até mesmo, às ações como ‘fazer um sinal da cruz em frente a uma igreja ou beijar uma mesusá ao sair ou entrar em casa’ 6. Todos esses costumes culturais são produtos de uma história social, ou seja, não são práticas neutras ou naturais pois são resultado de maneiras e condições específicas de socialização que nos fazem pertencer a uma estrutura social. Habitus está diretamente relaciona6
SETTON, Maria da Graça. A Moda como prática cultural em Pier-
re Bourdieu, pp. 122
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do com a forma de expressão individual e
de grupos de modo que estabelece um diálogo entre indivíduo ou grupo e sociedade. O habitus é um conjunto de pensamentos advindos de duas esferas que moldam o comportamento humano. A primeira identidade social, o habitus primário, do indivíduo é feita na família, visto que é o primeiro núcleo socializador. O habitus escolar, como o nome já indica, é forjado na escola e confere ao indivíduo conhecimento de ordem da aplicação de diferentes campos de pensamento e ação de maneira a criar ‘uma predisposição a uma forma de observar, interpretar e se apropriar de experiências estéticas e escolher algumas práticas de cultura’ 7. Por último, a distinção está relacionada à maneira como a moda pode classificar hierarquicamente os grupos sociais. É com base na distinção que Bourdieu discute a respeito das produções de poder simbólicos e como esses símbolos se tornam uma crença coletiva. Dessa maneira, a noção de distinção destaca as pessoas e as coloca em diferentes grupos ao mesmo tempo que 7
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Ídem, pp. 127
se tornam uma verdade universal.
Roland Barthes (1967), semiólogo francês autor de The Fashion System discorre a respeito da indústria da moda e da indumentária em si como signos. Em seu livro, Barthes estuda a moda a partir da descrição escrita, limitando sua análise a artigos dedicados à roupa feminina, como os que se vêem nas revistas de moda. Por se tratar de um trabalho de pesquisa, não visa trazer um ponto de vista novo em relação a moda. Forma um conjunto que se agrupa sob o nome de ‘estruturalismo’: um instrumento de análise que tenta encontrar, a partir de métodos precisos, as estruturas dos objetos sociais, das imagens culturais e dos estereótipos em todas as sociedades, das arcaicas as atuais. A moda, assim como outros objetos utilitários - as coisas - possuem funções, ou como o nome já diz, uma utilidade; seja a casa para abrigar, a alimentação para alimentar, as ruas para circular e a moda para vestir. Porém, já é sabido que para o homem, esses objetos que possuem funções precisas e diferentes constituem um meio de comunicação ou seja, são veículos de
significações.
A Revolução Francesa trouxe consigo um acontecimento histórico que ilustra a capacidade comunicativa que a indumentária possui. Uma consequência da revolução foi a uniformização das roupas, e pela necessidade frívola de se diferenciar do proletário num puro jogo de aparências, a aristocracia francesa procurava de toda maneira driblar essa uniformidade com o objetivo de manter uma certa diferença formal de suas roupas que manifestasse a distinção entre as classes sociais. É importante destacar que a roupa, mesmo sendo construída como um sistema de signos, pode sofrer ressignificações ao longo da história. Barthes afirma que ao se estudar a moda a partir de sua dimensão histórica, é inevitável perceber sua profunda regularidade. Prevê em uma de suas entrevistas, inclusive, que entre os anos 2020 ou 2025, ‘as saias deveriam estar de novo bem compridas’ 8 em comparação com as mini saias da época de sua pesquisa. Essas suas declarações podem ser percebidas de certa maneira como contra8
O Grão da voz: entrevistas 1962-1980, pp. 87.
ditórias. Como pode algo que é ressignifi-
cado durante a história ser regular ou previsível? Essa ressignificação que se fala é do ponto de vista do uso, ou seja, o que o contexto a qual a roupa pertence exige da sua utilização (questões como higiene, conforto, costumes da época). Sua regularidade e previsibilidade no decorrer de sua história refere-se a uma análise macro das tendências, partindo do ponto científico e classificatório dos elementos. Assim como Bourdieu, Barthes também afirma que a roupa busca descrever aquilo que as pessoas pensam de si mesmas. Em outras palavras, a roupa é uma ferramenta que procura delimitar o papel complexo que o indivíduo busca desempenhar na sociedade. Assim como a socialização, o habitus e a distinção tratada por Setton, Barthes afirma que a roupa é um elemento social que auxilia no reconhecimento e no pertencimento de determinados grupos, com suas mentalidades e valores.
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A GRIFE
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A Grife
A Louis Vuitton possui uma história marcada pela exclusividade. A jornada do fundador de origem humilde contou com o apoio de grandes nomes da aristocracia francesa como a imperatriz Eugenie de Montijo, esposa de Napoleão III. Ao todo, quatro gerações da família Vuitton estiveram presentes no comando da empresa, mesmo que indiretamente. Durante esse tempo, a família conseguiu construir uma reputação e influência no mundo dos artigos de viagens. O Louis Vuitton Building (Imagem 01), patrimômio histórico da França, na Champs Elysée e a Fundação Louis Vuitton (Imagem 02) , projeto do arquiteto canadense Frank Gehry, no Bois de Boulogne explicitam o impacto da grife em campos que extrapolam a indumentária. O primeiro, marca a antiga geração da grife: original, tradicional e 022
luxuosa enquando o segundo mostra uma nova fase: a grife moderna, relevante e multimilionária.
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História
A grife Louis Vuitton possui em sua identidade o espírito de aventura. Sua fama vem da origem de sua história: até a entrada de Marc Jacobs em 1997, a grife só produzia artigos de luxo para viagens, com especialização em malas e baús de pouco peso e herméticos. Louis Vuitton, fundador da marca nasceu em Anchay, uma cidade ao leste da França em 4 de agosto de 1821. Ao chegar em Paris em 1836 consegue trabalho como aprendiz de um artesão de baús e malas, uma profissão altamente respeitada na época. No final da década de 1850, abre sua primeira loja de malas na Rue Neuves des Capucines em Paris como o nome de Louis Vuitton Malletier. Em 1892, Louis Vuitton deixa seus negócios para o filho, Georges Vuitton. A empresa posteriormente passa para Gaston
Vuitton, que a assumiu de 1936 até 1970. A partir da década de 1970 a empresa passa a ser comandada por Henry Racamier, esposo da filha de Gaston, Odile Vuitton. Racamier, que assumiu a empresa já aos 65 anos, fez sua fortuna na indústria de aço e em 13 anos na empresa, fez com que a Louis Vuitton se tornasse a renomada multibilionária companhia que é hoje. Em 1987 foi anunciada a fusão da Louis Vuitton com a empresa francesa de champanhe e conhaque Moët-Hennessy, criando a LVMH. No ano seguinte, Racamier convida o empresário francês Bernard Arnault, na época com 39 anos, para ser seu aliado na empresa investindo na LVMH, mas quando Bernard Arnault entra na empresa começa uma batalha de dois anos pelo controle da marca e do conselho. Na época da saída de Racamier, a empresa já tinha mais de 130 lojas ao redor do globo e receita anual de 1,2 bilhões de dólares segundo o The New York Times1. Bernard Arnault se tornou CEO da LVMH e hoje é o homem mais rico da França. 1
Artigo Henry Racamier Dies at 90; Revitalized Louis Vuitton , por
John Tagliabue publicado em 1 de abril de 2003.
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Em 1997, com a entrada do ameri-
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A expressão ready-to-wear a partir desse ponto será substitu-
cano Marc Jacobs, a grife teve sua primeira coleção ready-to-wear2 apresentada na Semana de Moda de Paris. A escolha do estilista não foi aleatória: desde a década de 1980, com Racamier ainda no comando da empresa, a grife já buscava meios de perder o estigma de que seus produtos eram destinados ao público mais velho. Dessa maneira, promover a imagem da marca, lançando-a no mercado globalizado jovem sem perder o status de grife tradicional sempre foram os princípios tanto de Racamier quanto de Arnault. Desde a entrada de Jacobs como diretor criativo, as vendas alavancaram em 80%, além de trazer revitalização, inovação e midiatização para a Louis Vuitton. Dentre as coleções famosas feitas por Marc Jacobs estão as bolsas feitas com a colaboração do artista plástico Stephen Sprouse: a incorporação de elementos modernos como o grafite sobre o monograma padrão tornou a coleção um grande sucesso (Imagem 03) em 2001 para a coleção de ída pela expressão pronta para vestir em tradução livre para o português.
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Primavera. Outra colaboração de sucesso foi a do também artista plástico, conhecido por seus trabalhos com mangás , Takashi Murakami que utilizou de trinta e três cores para representar o tradicional monograma canvas sobre bolsas brancas e pretas (Imagem 04) na coleção Primavera/Verão de 2003. A coleção estampou as vitrines das maiores lojas da grife (Imagem 05). A parceria também inclui um curta de animação denominado Superflat3 Monogram (Imagem 06) para ser exibido nas lojas Louis Vuitton japonesas. Recentemente, logo antes da saída de Marc Jacobs, em 2012, a grife lançou uma coleção com a artista Yayoi Kusama (Imagem 07) . Sua característica artística mais icônica é a pintura de círculos de diferentes tamanhos e cores de maneira repetitiva. A coleção levou o nome de Infinitely Kusama e foi composta por bolsas, sapatos e acessórios e que foi exibida nas vitrines de todas as lojas da grife (Imagem 08).
3
Superflat é o nome do movimento artístico pós modernista cria-
do pelo artista plástico, influenciado pelos estilos mangá e anime .
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O livro Louis Vuitton Windows lança-
do em 2015 pela editora Assouline mostra as vitrines mais memoráveis das lojas LV. A vitrinista responsável pelo sucesso das fachadas é a designer Faye McLeod juntamente com o diretor de arte Ansel Thompson, todas as 460 lojas ao redor do mundo são pensadas e cuidadas por eles. McLeod entrou para o time LV em julho de 2009 como a diretora criativa de vitrines da grife. As vitrines são geralmente preparadas 12 meses antes e seus elementos são distribuídos ao redor do mundo por navio. McLeod acredita que vitrines são uma plataforma para a performance, numa espécie de quadro teatral congelado. Em 2012 foi promovida a diretora de imagem virtual da LVMH. Toda a história da grife explicita a questão que Bourdieu traz em ‘O costureiro e sua grife’ sobre bens simbólicos e o valor sociocultural da mercadoria. A Louis Vuitton durante a jornada de estabelecimento do seu nome se apoiou em um público específico, primeiro a aristocracia francesa e posteriormente o público rico mundial. Esse público seria então o único que pode sus-
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tentar os valores desses bens simbólicos
que, como já dito, não são determinados a partir do valor do preço de produção ou mais valia. Bernard Arnault em entrevista para o veículo de notícias CNN4 afirmou que no negócio da moda, a palavra mais importante é o desejo, então, para o futuro da grife o plano é continuar produzindo peças que despertam esse desejo. Sua afirmação confirma a fala de Setton sobre as facetas que a moda atua: as exterioridades que são usadas para a vida em sociedade. Dentro dessa dinâmica de produção de uma imagem, entra o desfile. Essa estrutura de marketing, aliada a campanhas publicitárias criam a magia ao redor dos produtos objetos de desejo. Dessa maneira, é crucial nesse momento capturar a atenção da mídia e dos possíveis clientes. Os desfiles promovidos pela Louis Vuitton desde sua primeira coleção pronta para vestir buscam trazer elementos teatrais traduzidos em grandes espetáculos de moda. Segundo entrevista ao veículo de 4
Artigo $30B fortune from luggage: Bernard Arnault explains suc-
cess of Louis Vuitton, por Milena Veselinovic e Isa Soares publicado em 1 de abril de 2014.
notícias CNN, Bernard Arnault afirma5: “A semana da moda é um momento em que os estilistas podem mostrar suas idéias para o mundo. Na passarela você vê peças que são inovadoras e acionam o desejo do cliente. A partir dessas idéias você pode criar produtos que seguem essa direção, mas de uma forma mais acessível.”
Dessa forma, o desejo mantém o status das grifes visto que, nas estruturas sociais atuais certos produtos não são acessíveis a todos, e é nessa distinção que a moda pode classificar hierarquicamente os grupos sociais e, ao mesmo tempo, destacar os (poucos) indivíduos que de fato podem consumir os produtos.
5
Ídem.
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3.2_
Nicolas Ghesquière
Nicolas Ghesquière nasceu em Comines, norte da França, em 1971 e cresceu em Loudun, uma comuna francesa. Cresceu apreciando os esportes e trouxe essa inspiração para dentro de seu trabalho. Aos 14 anos estagiou com a estilista francesa Agnès B. na grife que leva o seu nome. Logo depois decidiu que moda era um ramo muito complicado e decidiu voltar para sua cidade a fim de terminar seus estudos. Depois que se formou, Ghesquière trabalhou de 1990 a 1992 como assistente de design de Jean-Paul Gaultier. Em 1995, usando alguns de seus contatos com a grife Balenciaga6, conseguiu um emprego no departamento voltado para o mercado asiático. Seu trabalho era criar uniformes de
golfe e roupas de funeral para uma licença da grife no Japão, um trabalho que ele declarou7 ser possivelmente “a pior posição no mundo da moda”. Em 1997 foi nomeado diretor criativo da grife Balenciaga, sucedendo o estilista holandês Josephus Thimister. Alguns anos depois o grupo PPR, hoje Kering, uma das maiores competidoras do mercado da LVMH, comprou a grife numa leva de aquisições multimilionárias. Ghesquière foi responsável por colocar a Balenciaga de volta no mercado global produzindo peças que entraram para história do mundo da moda. Tom Ford, estilista americano, já declarou8 que Ghesquière sozinho ressuscitou a Balenciaga. Ao sair do cargo em novembro de 2012 o estilista passou alguns meses em silêncio e posteriormente, numa entrevista exclusiva com a revista de moda britânica System, afirmou que os últimos anos na gri7
With a Glance at the Past, por Cathy Horyn publicado em 9 de novembro de 1999. 8
6
Grife de luxo fundada pelo estilista espanhol Cristóbal Balen-
ciaga em 1937.
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Segundo um artigo do New York Times, Rescuing Balenciaga,
Segundo um artigo do New York Times, At The End, a New Start,
por John Koblin e Matthew Schneler publicado em 5 de março de 2014.
fe o esgotaram, “como se eles quisessem
roubar sua identidade e ao mesmo tempo homogeneizar as coisas”9. A entrevista foi motivo de processo da grife contra o estilista. Ghesquière assumiu o cargo de diretor criativo da Louis Vuitton em 2013 e apresentou sua primeira coleção em março de 2014. O novo desafio para a marca é criar um foco que não foi feito na era de Marc Jacobs. Segundo10 o chefe executivo da Louis Vuitton, Michael Burke, Jacobs não estava focado em definir uma mulher atemporal, e esse será o desafio para Ghesquière. Dessa maneira, a intenção da grife ao contratar o estilista era traçar um perfil atemporal de quem a mulher Vuitton deve ser. Em seu primeiro show para a grife, Ghesquière deixou uma carta11 em cada assento a qual ele agradece a todos presentes, celebra a nova fase e faz uma saudação a Marc Jacobs: 9
Ídem.
10 11
Ibidem.
Carta em português traduzida para o site da Louis Vuitton Bra-
sil. Disponível em <https://br.louisvuitton.com/por-br/la-maison/ nicolas-ghesquiere#collection>
Hoje é um novo dia. Um grande dia. Você está prestes a testemunhar meu primeiro desfile para a Louis Vuitton. Palavras não podem expressar exatamente como eu me sinto neste momento... Acima de tudo, sinto uma imensa alegria de estar aqui, consciente de que minha expressão do mundo do estilo vai ao encontro da filosofia da Louis Vuitton. O legado do reconhecimento. A história inspiradora que olha para o futuro e para o mundo. A busca por autenticidade e inovação. O desejo do que é atemporal. Não é verdade que todos os estilistas buscam, por fim, criar algo atemporal? Eu parabenizo o trabalho de Marc Jacobs, de quem eu sinceramente espero seguir o legado. E eu agradeço você por estar aqui para compartilhar este momento comigo. Agradeço a todos aqueles que me ajudaram a contar esta nova história e que fazem da Louis Vuitton o que ela é e, especialmente, àqueles que trabalham comigo. Agradeço a todos que estão aqui neste dia, nesta manhã. Agora. Nicolas, 5 de março, 2014.
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Com a sua chegada, iniciou um pro-
grama de exibições públicas que mostram uma visão dentro do mundo da Louis Vuitton e de sua visão criativa para cada desfile da temporada. A primeira, Series I (Imagem 09), ocorreu em Shangai e Tóquio e teve como tem seu desfile de estreia para a grife, a Series II (Imagem 10) em Pequim e Roma por sua vez apresentaram o desfile de Primavera/Verão 2015, a Series III (Imagens 11-14) em Londres teve como tema o desfile que será objeto de estudo deste Ensaio, o desfile de Outono/Inverno 2015/16. A grife deu continuidade ao programa intitulando as Series em ordem crescente e de acordo com as temáticas dos desfiles subsequentes. Faye McLeod é a responsável por incorporar a cenografia dos shows para dentro das exibições, bem como para as vitrines. Para a equipe de identidade da marca se completar, Ghesquière trouxe a cenógrafa Es Devlin e o DJ Michel Gaubert. A visão do estilista a respeito da atemporalidade que a grife quer traçar para seu público é de que até mesmo algo atemporal algum dia foi verdadeiramente novo. A moda, segundo Ghesquière, deve refle-
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tir nosso tempo e enquanto ele é apontado
como um estilista futurista para ele o futuro é agora. Após vários anos na Balenciaga, e sendo responsável por colocá-la de volta na relevância dentro do mercado da moda, sua jornada na Louis Vuitton já parece muito confiante. Suas visões para a grife estão mais focadas e sua segurança quanto a sua contribuição já faz jus ao nome que construiu: “‘Você não sabe, mas eu acredito que eu saiba como vai ser [as roupas] no seu futuro. Compre ou não. Mas em seis meses, vai ser assim.’”12 Quanto ao seu processo criativo para as coleções Ghesquière produz um trabalho integrado com a equipe de design da Louis Vuitton. Primeiramente, organiza suas ideias iniciais em referências visuais variadas, depois, seu Gerente de Pesquisa Iconográfica Florent Buonomano, acha referências e fontes ao redor da ideia principal. Uma vez que todos os elementos são coletados, tudo é passado para sua equipe criativa. 12
Em entrevista para a Vogue Americana de Outubro de 2014.
Artigo Vogue Meets Ghesquière, por Vogue publicado em 1 de outubro de 2014.
A dinâmica de produção da coleção
deve ser feita de maneira relativamente rápida, considerando os elementos que um desfile desse porte deve ter. Durante o ano, grifes como a Louis Vuitton produzem 3 coleções: Outono/Inverno, Cruise e Primavera/ Verão. Dessa maneira, as coleções devem ser desenvolvidas entre 3 a 4 meses. A coleção de Outono/Inverno acontece em meados de março, a coleção Cruise - considerada uma intermediária do ponto de vista dos tipos de roupas apresentados, a coleção Cruise surgiu na época que os ricos começaram a escapar do frio do Hemisfério Norte em direção a lugares mais quentes - que acontece do fim de maio até julho, e a coleção Primavera/Verão ao fim do ano em meados de outubro. As coleções Cruise não estão vinculadas às Semanas de Moda como as de Outono/Inverno e Primavera/Verão. As Semanas de Moda acontecem duas vezes ao ano. A cidade que abre as Semanas de Moda ao redor do mundo é Nova York, seguida por Londres, Milão e por último, fechando a temporada, Paris. 031
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3.2.1_
A Coleção
O conceito para o desfile outono/inverno 2015/16 pode ser considerado como clássico futurista. Porém, deve-se manter em mente que o objetivo geral dos desfiles da grife é criar um guarda roupa para a mulher moderna, com peças que falem mais sobre o estilo do que as tendências. Traçar a mulher Louis Vuitton é vital para o trabalho que deve ser feito na grife e dessa maneira Ghesquière mistura seu traço futurista e um tanto quanto couture1 para a linha pronta pra vestir alinhado com o tradicionalismo e elegância da marca. A idéia dos desfiles é criar um conceito o qual não se trata mais de bolsas, sapatos ou saias e sim um modelo completo, uma silhueta. Para o desfile em questão (Imagens 23-70) 1
A expressão couture, do francês haute couture, significa alta
costura, ou seja, a produção artesanal de modelos sob medida exclusivos, diferentes das linhas prontas para vestir que por sua vez são mais adaptadas e comerciais.
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o objetivo era celebrar a mulher moderna. Como já dito, o estilista acredita que o futuro é agora e visando explorar essa visão, acrescenta dentro dos pequenos baús, elementos como iPods, smartphones, iPads, fones de ouvido e todas as ferramentas que indiquem a modernidade. Os baús, por sua vez, já representam o conceito explorado pela temporada. Ghesquière os descreve como “a caixa de ferramentas digital para os dias atuais” (Imagem 15) . Esse novo estilo de maletas, que carregam as necessidades da modernidade, foram um design original do estilista para se candidatar a vaga de diretor criativo e foram feitas em fibra de vidro transparente, alumínio, cobre e carbono superleve, elementos que auxiliam na construção da ideia futurista da coleção. O show iniciou com a primeira modelo exibindo um grande casaco branco de pele e uma maleta metálica de alumínio. Os tecidos utilizados muitas vezes high tech moldavam silhuetas familiares, explicitando assim o quão confortável o estilista estava em relação a inovatividade da temporada. Ao total foram 48 modelos apresentados.
Algumas peças evocavam o futuro de maneira mais focada como as blusas de malha com nervuras e cortes acima do busto com barras e mangas caneladas e arredondadas (Imagem 16). Os vestidos cintilantes de tecido metálico - alguns que se assemelhavam à seda chinesa mas em vez de dragões, eram águas vivas - e mangas bufantes (Imagens 17-18) foram as peças de maior destaque do show. A primeira parte do show, antes das barras subirem, os tecidos ficassem transparentes e as modernas calças e saias de couro em corte A aparecerem, a coleção estava focada em mostrar peças para serem compradas no lugar de serem objetos de fantasia, podendo serem usadas como “roupas de trabalho sem complicações”2. Algumas das críticas3 do desfile foram feitas com foco maior na sua segunda parte, quando as peças ficaram mais ousadas e joviais, difíceis de adaptar e longe da “compra fácil” que marcou as outras estações. A paleta de cores do desfile foi com2
Segundo um artigo da revista Elle, Dispatches from Paris: Louis
posta basicamente de tons sóbrios como
branco, preto, tons de azul, beges, marrom e cinza. As peças como a malha canelada laranja e o modelo todo vermelho com transparência e calça de couro foram o ponto de cor de todo o desfile. Os tecidos, por sua vez, consistiram em peles, couro, malhas, tecidos cintilantes, transparências e alguns bordados. É natural que esses dois elementos importantes para a narrativa de um desfile, cores e tecidos, tenham sido escolhidos de maneira a suprir as necessidades e as expectativas das estações de outono e inverno: se manter aquecido e utilizar cores mais escuras. O casting4 seguiu a tradição ao contratar algumas modelos famosas como Freja Beha Erichsen e Tamy Glauser. Do ponto de vista de representatividade a grande maioria era caucasiana. Ao todo, foram 48 modelos e desse total apenas 8 ou seja menos de 17% delas representavam negras, latinas e asiáticas. O biotipo geral era o mesmo: a escolha tradicional das grifes, na maioria das vezes, são modelos de mane-
Vuitton autumn/winter 2015, por Elle UK publicado em 11 de março de 2015. 3
Ídem.
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Expressão utilizada no ramo da comunicação que consiste na
seleção de profissionais para atuar em um evento.
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quim 34 ou 36.
Para esse desfile não ocorreu homogeneização de penteados de maneira que podiam ser vistas mulheres de cabelos platinados, coloridos, curtos, longos e de cabelos raspados. A maquiagem por sua vez consistia em olhos marcados, delineados em todo seu contorno, e peles pálidas, sem nenhuma indicação de destaque das características faciais das modelos (Imagens 19-22).
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LOUIS VUITTON A/W 2015/16
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Louis Vuitton A/W 2015/16
O processo por trás do desenvolvimento de um desfile, desde a coleta de referências até a chegada da coleção das lojas, passa por várias etapas no seu desenrolar. Para o desfile objeto de estudo deste Ensaio não foi diferente. Para que a cenografia do Louis Vuitton A/W 2015 fosse completamente desenvolvida, foram aproximadamente 3 meses. A coleta de material para referência por parte do Es Devlin Studio foi feita em meados de dezembro do ano anterior ao desfile, que ocorreu em março de 2015. Dado que o próprio estilista desenvolve a coleção em aproximadamente 4 meses, a cenógrafa desenvolve seu trabalho de maneira quase que conjunta. Assim, o processo de criação de toda a cenografia sofre várias modificações no decorrer dos meses, dada a simultaneidade que o de048
senvolvimento do projeto tem com o desenvolvimento da coleção.
4.1_
Es Devlin
Es Devlin é uma cenógrafa londrina que desde muito cedo teve contato com arte. Ainda adolescente, ia para Londres de trem para suas aulas de violino na Royal Academy. Ainda muito jovem ganhou o The Linbury Prize1 de 1995. Seus trabalhos em cenografia inicialmente eram em teatros pequenos: seu primeiro foi o Bush Theatre. Seu trabalho tem um viés psicológico singular. Ao fazer o projeto para um show de música, uma peça ou até mesmo uma mostra, seu processo sempre busca mergulhar os espectadores em sensações e memórias. Se estabeleceu no mercado mundial principalmente por conseguir subverter as percepções humanas nas experiências que cria. Com a ajuda de espelhos, elemento que utiliza desde o início de sua carreira, 1
Prêmio de Cenografia de maior prestígio no Reino Unido.
Devlin cria não-espaços, lugares infinitos e
algumas vezes perturbadores. Kanye West, rapper americano mundialmente famoso, se interessou pelo seu trabalho ao ver o show que Devlin fez para a banda britânica Wire (Imagem 71). Entediada com a cenografia dos shows que vira durante toda sua vida, propôs o espetáculo feito todo dentro de caixas: cada integrante da banda performaria dentro de sua respectiva caixa, tornando a composição visual do palco uniforme. Seu processo criativo começa como o de outros profissional da área de criação: folha branca, mesa, lápis e o cliente sentado na sua frente. Pode ser um diretor, um músico ou um estilista. A conversa acontece e os desenhos começam (Imagens 72-73) a acontecer imediatamente. A quantidade de encontros que faz com seus clientes podem variar tanto quanto a duração do desenvolvimento do projeto, podendo ser anos ou apenas meses. Sua equipe faz os modelos e ela desenha os tipos de modelos que ela acha que podem ser desenvolvidos. Após essa etapa ela mostra suas idéias ao cliente.
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É importante salientar que a cenógrafa tra-
elemento técnico visto que não existia, no
foi usada para dar o tom da peça e como
galeria, não terá o mesmo efeito que tem
balha com orçamentos muitas vezes milionários visto que sua clientela é composta dos maiores nomes da música mundial. Esse fato dá abertura para que sua criação não seja limitada pelas barreiras de produção que podem surgir no decorrer do processo. Utiliza de cinco ingredientes principais que atuam como guias para seu processo criativo. Esses guias não necessariamente vão delimitar sua criação de maneira a restringi-la visto que parte da sua fama está ligada a maneira como subverte os aspectos das percepções humanas. O espaço é o primeiro dos cinco ingredientes para se fazer cenografia. Segundo a cenógrafa, ela não sabe o que vai projetar enquanto não conhecer o lugar que vai receber seu trabalho. A peça The Faith Healer (Imagem 74), uma série de monólogos que acontecem na chuva, é um exemplo de um trabalho de Devlin que utiliza das limitações do espaço em favor da narrativa. As lacunas entre monólogos deveriam evocar tristeza. A chuva 050
teatro em que aconteceu, alguma barreira que escondesse a mudança de cenário. A luz é o segundo ingrediente. Os projetos podem achar, rasgar e moldar os espaços de maneira a permitir que a luz entre. Os espaços que utiliza para permear com seu trabalho tendem a ser desprovidos de luz e dessa maneira, com ela, consegue dramatizar narrativa. O terceiro ingrediente é a escuridão: há algo unificante nela. Quando um show ou uma peça está prestes a começar e todas as luzes se apagam, as pessoas todos sentadas lado a lado aguardam o início de uma experiência. A ausência de luz cria esse ambiente de descoberta, anseio. Qualquer coisa pode acontecer. O quarto ingrediente é a escala. Posicionar uma pessoa de maneira a ficar enorme ou minúscula em relação ao mesmo objeto pode se tornar uma composição interessante da narrativa. O quinto ingrediente é o tempo. O projeto acontecerá em um tempo específico: se colocado em um museu ou numa
quando está sendo usado no seu tempo. Os
projetos cenográficos são efêmeros. Deve-se saber desde o início da criação que o projeto desaparecerá algum dia: as vezes em quatro dias, as vezes em quatro anos. Você precisa estar lá naquele dia para ver aquela performance. No fim, tudo vai existir apenas na memória das pessoas.
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4.2_
O Desfile - Projeto de Cenografia
O desenvolvimento de ideias no decorrer do processo criativo se deu de maneira focada em conceitos base. Para que isso fosse possível, ocorreu a primeira discussão de idéias e referências entre a equipe do estilista e a equipe da cenógrafa. Consequente a isso, são apresentadas as primeiras propostas para a cenografia do desfile. A esse ponto já é sabido a intenção da grife para o mercado e como isso reflete nos desfiles. Primeiro, o desfile deve vender o desejo e para isso sua estrutura deve fazer jus à magia criada ao redor do produto e despertar esse desejo, segundo, a grife tem um nome e uma tradição a manter e para isso a seriedade e integração do processo como um todo são imprescindíveis. É importante destacar que um projeto cenográfico dessa dimensão não é reali052
zado só por uma empresa. Tratando-se da
grife mais rentável do globo, as equipes de trabalho e as etapas de criação foram variadas e o trabalho integrado e coeso. O diretor e estilista responsável pelo desfile foi Nicolas Ghesquière. Os conceitos do desfile e da coleção também ficaram a cargo de Ghesquière e de seu diretor de pesquisas iconográficas Florent Buonomano. A cenografia por sua vez foi desenvolvida pelo time criativo do estilista: a cenógrafa Es Devlin, a designer Faye Mcleod e seu parceiro Ansel Thompson. Toda a parte técnica necessária para um espetáculo dessas dimensões como iluminação, audiovisual e produção ficaram a cargo de Phillipe Cerceau, Luke Halls do Treatment Studio e da empresa La Mode En Images respectivamente. Ghesquière é um admirador da arquitetura. Para esse desfile, a referência a Buckminster Fuller (1895-1983), arquiteto americano inventor do domo geodésico (Imagem 75) , esteve fortemente presente. Domos geodésicos são estruturas de sistema sinérgico considerados por muitos a maior invenção do século XX em ter-
mos de estruturas. A sinergia diz respeito ao comportamento das partes que não necessariamente correspondem ao comportamento do todo. Esse conceito, aplicado às estruturas arquitetônicas permitiu que fosse criado a cúpula de grande estabilida-
de e resistência mecânica. Dessa maneira, a geometria tridimensional que já era característica dos átomos, é aplicada em maior dimensão a arquitetura. As primeiras referências utilizadas foram os observatórios de estrutura geodé-
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sica e aura futurista (Imagem 76), a organicidade de curvas de nĂvel e estruturas orgânicas membranosas (Imagens 77-81). Dessas referĂŞncias surgiram duas propostas iniciais.
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A primeira proposta inicial consistia
na implantação de quinze domos geodésicos no terreno da Fundação Louis Vuitton (Imagem 82) . Desses domos, um seria semiaberto com sua abertura voltada para o prédio da Fundação, projetado pelo arquiteto canadense Frank Gehry. O trajeto da passare-
la possuía um desenho extenso e orgânico e seria percorrido pelos quatorze dos quinze domos e teria início na estrutura semiaberta (Imagem 83).
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A segunda proposta inicial foi de-
nominada pela equipe da cenógrafa como “Inverse Inflatable”(Imagem 84) o que, em tradução livre significa “Inverso Inflável”. Essa proposta mantém as estruturas em formato de cúpula e a organicidade da proposta anterior mas de maneira reinventada. A
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idéia era desenvolver uma estrutura única
de visual maleável e orgânico, lembrando o interior de um coração humano com átrios e ventrículos. Os assentos já foram pensados de maneira integrada à estrutura, numa coesão visual singular. O projeto representa com maestria a integração entre aura futurista, organicidade e arquitetura.
Paralelo ao desenvolvimento de pro-
postas foram apresentados três elementos conceituais a serem integrados a elas. Primeiro, os contornos dos terrenos (Imagem 85) , conhecidos como curvas de nível, que possuem característica naturalmente orgânica e escalonada e que poderiam ser utilizadas no projeto dos assentos. Segundo, a implantação de árvores dentro de pontos específicos por todas as estruturas (Imagem 86) . Terceiro, a instalação de telas de LED V-Thru projetadas para serem leves e semitransparente de maneira a permitir a visualização da Fundação ao fundo (Imagem 87). Todos os três elementos foram incorporados para estudo na primeira proposta inicial. A segunda, “Inverso Inflável”, não foi desenvolvida.
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Os estudos iniciais volumétricos fo-
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ram desenvolvidos em softwares de produção 3D. O primeiro momento contou apenas com estudos de forma (Imagens 88-91), esquema de assentos e implantação. Todos os outros elementos como iluminação, forro das estruturas, acessos principais, saídas de emergência, material, etc não foram abordados.
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061
Menos de um mês depois o projeto
enviado à grife já possuía maiores níveis de detalhes. Derivado da primeira proposta inicial, manteve as estruturas semicirculares e o longo caminho orgânico de passarela (que agora ganha dimensão de 1,4 metros de largura) porém, a quantidade de domos foi reduzida de quinze para nove.
O novo projeto
(Imagem 92-94)
procurou
manter os assentos orgânicos e incorporou a forma das curvas de nível de maneira escultórica no centro das estruturas. Dos nove domos, três foram destinados para o suporte técnico (as duas estruturas menores de onze metros de diâmetro) e bastidores (a estrutura maior central de quatorze metros
VISUALIZAÇÃO 1
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de diâmetro). Toda a estrutura de suporte é
setorizada na extremidade do projeto. Os outros seis volumes abrigam o desfile em si. Seu traçado regulador em planta-baixa consiste de três círculos pequenos de quatorze metros de diâmetro, um círculo médio de vinte metros de diâmetro e duas esferas maiores de extremidades sobrepostas de vinte e sete metros de diâmetro cada. A sobreposição das esferas maiores apresenta abertura de dez metros de largura e cinco metros de altura. O projeto destinou duas áreas diferentes para os fotógrafos. A primeira foi locada dentro da estrutura maior e a segunda dentro da estrutura média. É sabido que os locais destinados aos fotógrafos devem apresentar bons ângulos de visibilidade em relação ao caminho percorrido pelas modelos. Geralmente, a área é locada diretamente de frente para as modelos e o caminho orgânico traçado nesse projeto aliada a estrutura de assentos e setorização não possibilitam esse ângulo. Dois novos elementos são incorporados a esse projeto. O primeiro é o deck do lado de fora que circunda todas as estrutu-
ras e o segundo é a implantação de piso de
espelho com um formato orgânico característico de corpos d’água (Imagem 88) no centros das três estruturas maiores.
VISUALIZAÇÃO 1
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VISUALIZAÇÃO 2
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063
Ainda, o material disponibilizado
pela equipe da cenógrafa apresenta para esse etapa de projeto o que parecem ser duas estruturas diferentes de casca. Em uma delas é mantida a característica geodésica dos domos e as esculturas escalonadas que fazem alusão às curvas de nível estão posicionadas no centro onde também há o piso espelhado, ou seja, é a proposta mais próxima da descrição feita até agora (Imagens 95-96) . A outra proposta (Imagens 97-98) assume o caráter escalonado das esculturas centrais e parte desse ponto para fazer a estrutura como um todo. Essa segunda opção de envoltória, ainda que extremamente rica visualmente, não foi desenvolvida.
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A terceira proposta (Imagens 99-101) é de-
senvolvida a partir da anterior. Nela, três idéias são incorporadas ao projeto: a suspensão de toda a estrutura com deck caminhável ao seu redor, a ortogonalização dos caminhos da passarela e as estruturas de assento em origami. As estruturas são reduzidas de nove para sete domos ao todo. Os dois domos maiores não são mais sobrepostos, apenas conectados. Toda a estrutura, antes completamente transparente, perde a permeabilidade visual. Sua fachada torna-se reluzente e opaca. Perde-se a conexão do exterior com o interior.
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Os assentos triangulares escalona-
dos, de forte influência de dobraduras japonesas, criam uma circulação reta e dessa maneira perde-se a organicidade dos caminhos. Como já dito anteriormente, os caminhos mais ortogonais facilitam a setorização da imprensa no espaço. Os estudos iniciais dos assentos foram feitos através de maquete física (Imagem 102).
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Nessa etapa são posicionados 12
treliças metálica nas extremidades dos domos. Essas estruturas suportarão os holofotes e as telas que transmitirão o desfile. Ao contrário do que possa parecer, esses elementos técnicos fazem parte das referências (Imagens 103-107) buscadas para o desenvolvimento do projeto. A repetição de equipamentos tecnológicos faz referência
a modernidade, arte, história e à revolu-
ção que a televisão representou na comunicação humana. A produção do conteúdo audiovisual mostrado nas telas foi feita por Luke Halls da empresa de produção londrina Treatment Studio.
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O processo de estudos de cores se
deu de maneira sistemática. A escolha inicial (Imagens 108-110) mostrava um paleta sóbria: cinza, marrom e marfim e um projeto já modificado: uma maior quantidade de estruturas, oito das quais as quatro menores são destinadas ao suporte técnico e as quatro maiores conectadas para abrigar o desfile.
Dias depois é enviado o outro projeto
com esquema de cores e neles estão presentes o amarelo, vermelho, azul e verde (Imagens 119-121). Além disso, o número de domos diminui: seis ao todo. As estruturas de apoio técnico tornam-se levemente mais espalhadas e as estruturas para o desfile passam a ser três ao todo. (Imagens 117-118)
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Cinza Craft Marfim Cor de Concreto da Passarela Principal
Simultâneo ao esquema de cores e
ao esquema de domos é feito o estudo das coberturas em tecido na parte interna dos domos. Essa cobertura poderia cobrir toda a superfície (Imagem 111) interna das estruturas, o que prejudicaria a permeabilidade visual do projeto, ser semiaberta com um desenho contínuo (Imagem 112) ou fragmentada aleatoria-
mente
(Imagem 113)
. As propostas semiaberta e
fragmentada criam “rasgos” de visualização e não comprometem a permeabilidade visual tanto quanto a primeira.
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As treliças metálicas já mencionadas são estudadas de maneira mais minuciosa nessa etapa do processo. Ao todo três opções são desenvolvidas para esse projeto. A primeira opção são treliças retas (Imagem 114), a segunda opção são treliças retas que se juntam no topo criando estruturas triangulares (Imagem 115) e a terceira opção são treliças curvas (Imagem 116) que acompanham o desenho dos domos. Todas as modificações realizadas ao longo do processo foram feitas ora de maneira sequencial ora de maneira simultânea.
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Dessa forma, as discussões a respeito da
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paleta de cores, posicionamento e modelo das treliças, quantidade e posicionamento das cúpulas continuam até muito próximo 114
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da data do desfile.
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O projeto final (Imagens 122-146) é enviado em etapas dias depois. Consiste em sete domos dos quais três maiores foram destinados ao desfile e quatro destinados ao apoio técnico e bastidores. A paleta de cores consiste em verde, branco, marrom, marfim, vermelho-alaranjado e cinza. São acrescentadas ao esquema final as treliças retas. A cobertura final (Imagens 124-126) segue um esquema de forros semiabertos com um desenho contínuo, criando uma visual dinâmica tanto para os transeuntes quanto para os convidados. Os forros foram instalados de maneira a fazer alusão a estruturas estofadas acolchoadas. (Imagens 135 e 141). Os principais materiais utilizados foram o ferro para a montagem dos domos, os materiais maleáveis sintéticos e os tecidos sintéticos, os forros dos assentos que ora se assemelhavam a plástico ora a feltro e madeira para a estrutura dos assentos. As barras de ferro foram montadas peça a peça até completarem a estrutura completa. No decorrer da montagem a estrutura era erguida com guindastes.
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O material transparente que cobriu os domos principais, ao contrário do que possa parecer, não eram vidro e sim um material sintético plástico. Sua instalação ocorreu com a tensão dessa membrana nas extremidades inferiores das estruturas. O forro preto que cobriu as estruturas de apoio consistia em material sintético opaco e foi instalado da mesma maneira (Imagem 142). O material transparente plástico que cobriu os domos principais, mesmo que ricos visualmente, podem criar altas temperaturas 072
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dentro das estruturas, causando desconforto nos expectadores. O caminho que as modelos percorreram teve início nos bastidores, passando primeiramente pela área da Primeira Fila A (Imagem 123) . São nesses assentos que se encontram as pessoas mais relevantes em relação ao mercado da moda. Neste desfile, na Primeira Fila A estavam sentados Anna Wintour1 e Christian Louboutin2. 1
Editora chefe da revista Vogue Americana. Uma das pessoas
mais influentes no cenário da moda mundial. 2
Renomado estilista de calçados francês, fundador da grife que
Caminho percorrido pelas modelos
InĂcio
Fim FotĂłgrafos Primeira Fila C Primeira Fila B Primeira Fila A
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Ainda que primeira fila, existem as-
sentos mais privilegiados que os outros. O privilégio da Primeira Fila A diz respeito a rapidez que recebe as modelos e a quantidade de oportunidades que se terá para visualizar a roupa. A Primeira Fila B é a intermediária em relação a esses privilégios. As modelos tem um certo atraso na sua chegada até a área em relação a A mas as oportunidades de visualizar a mesma roupa ainda é a mesma. Na Primeira Fila C estão os piores lugares para se ver o desfile em comparação com a A e a B. O atraso da chegada das modelos é maior e tem-se apenas uma oportunidade para visualizar as roupas visto que uma parte do caminho das modelos passa por trás das estruturas de assento no domo correspondente. Ao todo, o desfile contou com 1444 assentos. A estrutura de 30 metros de diâmetro acomodou 720 pessoas, e estrutura de 27 metros acomodou 531 e a menor estrutura de 19 metros por sua vez, acomodou 193 pessoas. A estrutura final (Imagens 134 - 146), como 074
leva seu nome em 1992.
pode ser percebido, seguiu de maneira fiel a versão final do projeto, ilustradas nas imagens de estudos 3D (Imagens 128 - 133).
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Primeiramente, o estilista decide as referências que utilizará no design dos modelos. A idéia é organizada em documentos: imagens, referências visuais num geral;
Posteriormente, toda a pesquisa é passada para a equipe de design da grife;
O segundo momento é o de pesquisa: Florent Buonomano, gerente de pesquisas iconográficas, acha as referências e fontes ao redor da idéia. Nesse ponto há uma mistura de grande quantidade de referência, que pode estabelecer conceitos diferentes ou complementares aos conceitos pensados primeiramente pelo estilista;
No dia 05 de fevereiro é enviada a proposta que mais se assemelha a versão final: esquema de cores, assentos, forro interior, opacidade exterior, esquema de passarela. A maior diferença é a presença de um domo a mais no esquema de passarela;
No quarto esquema de cores, enviado para a grife no dia 10 de fevereiro, ainda estão presentes o amarelo, vermelho, azul e verde. Além disso, o número de domos diminui: seis ao todo. As estruturas de apoio técnico tornam-se levemente mais espalhadas e as estruturas para o desfile passam a ser três ao todo;
No dia 06 de fevereiro é enviada o estudo de todas as opções de forro no interior dos domos. A quantidade de domos segue inalterada por ora;
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As discussões a respeito da cenografia do desfile são feitas quase que simultâneas com o desenvolvimento da coleção;
As coleções são desenvolvidas em 3 a 4 meses. Durante o ano são três coleções que ocorrem na seguinte ordem: outono/inverno em meados de março, a coleção cruise no fim de maio e a primavera/verão em outubro;
No dia 16 de fevereiro é enviado o esquema final. Sete domos dos quais três maiores são destinados ao desfile e quatro são de apoio técnico e cores finais em verde, branco, marrom, marfim, vermelho-alaranjado e cinza;
No dia 12 de fevereiro é enviado o estudo das treliças na versão de estruturas anterior de seis domos ao todo. As duas opções eram treliças retas ou arredondadas; a idéia de treliças triangulares é abandonada;
A segunda proposta é mandada para a grife menos de um mês depois, no dia 6 de janeiro de 2015. Consiste na versão mais desenvolvida da primeira idéia preliminar;
O primeiro pacote de idéias e proposta inicial do Es Devlin Studio é mandado para a grife no dia 15 de dezembro de 2014. As duas idéias principais preliminares já estão focadas em uma direção, o que significa que primeiro tem-se a discussão de referências entre a equipe e o estilista;
A terceira proposta, desenvolvida em torno da anterior, é mandada para a grife no dia 1° de fevereiro de 2015;
A cobertura final segue um esquema de forros semi-abertos criando uma visual dinâmica tanto para os transeuntes quanto para os convidados. O tipo de forro escolhido garante tanto a permeabilidade visual quanto impede a superexposição;
No dia 20 de fevereiro é acrescentado ao esquema final as treliças retas;
No dia 09 de março começam as montagens do desfile no terreno da Fundação Louis Vuitton;
Começa o estudo de cores para os assentos e as modificações nas estruturas continuam;
Um estudo importante para os conceitos pensados para o desfile é iniciado: as treliças metálicas que suportarão as telas e os holofotes;
No dia 11 de março, ocorre o desfile;
Outono de 2015, a coleção chega às lojas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Considerações Finais
A relação do indivíduo com a moda é um sistema complexo. Dessa maneira, mapear com precisão os porquês da posição que ela ocupa na sociedade é algo, no mínimo, desafiador. Pode ser o elemento da exclusividade que, disfarçado pelo discurso da qualidade, agrupa as pessoas dentro dos que podem e dos que não podem - mas querem. A distinção que a indumentária produz na sociedade classifica hierarquicamente os indivíduos. Trata-se indumentária como signo pelo seu significado e existência concreta. A roupa não é apenas a roupa, ela informa. Numa estrutura capitalista competitiva, esses signos podem ser usados a seu favor. No que se trata de dominação social, a moda a faz com maestria. A hierarquização dos indivíduos bem como a distinção 084
social são elementos chave para que essa
dinâmica seja estabelecida. A hierarquização, que consiste basicamente na separação dos indivíduos em grupos, comuns ou seletos, aliada ao conceito de distinção social, que por sua vez consiste no destaque que esses indivíduos recebem ao pertencerem aos tais grupos seletos confirmam a relação que a sociedade estabelece entre o sucesso pessoal e a posse de artigos de luxo. É com a consciência dessa dura dinâmica que a autora deste Ensaio assume ainda sua profunda paixão pela moda. O sentimento é de dualidade mas, como todas as opiniões bem fundamentadas devem ser, deve-se sempre conhecer o lado menos atraente de nossas admirações. Ao coletar informações a respeito da história da grife bem como do marketing que criou ao longo dos anos, muitas conclusões foram valiosas. Não se cria um ícone sem o trabalho focado em um objetivo. Do ponto de vista histórico percebe-se que toda a criação de signo da marca está pautada nas necessidades do mercado e do sistema capitalista como um todo. Primeira-
mente, o nome da marca foi feito a partir da
imaginativa.
cessos criativos, foco e grande capacidade
o resultado dos dois desafios anteriores:
necessidade da alta elite viajante em possuir malas resistentes. Essas malas passaram a ser uma necessidade devido a consequência do desenvolvimento dos meios de transporte da época. Posteriormente, com a Revolução Industrial, a demanda por bolsas menores como malas de passeio e pequenas viagens começou a fazer parte do repertório da marca. Essa dinâmica de mercado explicita o que a semiótica peirciana ou semiótica geral, desenvolvida por Charles Sanders Peirce (1839-1914) diz a respeito do signo e de objeto dinâmico: a história da marca é um objeto dinâmico para a Louis Vuitton, que é um signo complexo. Dessa maneira, o objeto dinâmico determina o signo assim como sua história determinou o que ela é hoje. A Louis Vuitton é exemplo de como essa criação deve ser composta de profissionais excepcionais. As mentes criativas, Nicolas Ghesquière e Es Devlin, por trás de toda a produção da magia da grife possuem, na essência de seus respectivos pro-
O projeto cenográfico do desfile, por sua vez, é o produto final que este Ensaio buscou caracterizar. Todo seu espaço foi comunicante: sua implantação no terreno da Fundação Louis Vuitton explicita o estabelecimento do poder da grife, sua mega estrutura montada em apenas três dias comunica as dimensões que a narrativa pode assumir visando vender. Até mesmo os posicionamentos dos espectadores são elementos comunicantes: onde as pessoas mais relevantes para que essa venda ocorra devem assistir o espetáculo. O processo como um todo foi extremamente gratificante. Todos os desafios encontrados foram elementos de superação ou de solução. O primeiro desafio encontrado foi o recorte: o que abordar dentro do campo da moda cenográfica, atualmente tão importante e plural. Posteriormente, a coleta de material técnico: ter acesso às plantas-baixas, processo de criação e modelagem 3D não poderia ter sido feita se não fosse o auxílio da equipe do Es Devlin Studio. O terceiro desafio permeia e molda 085
o tempo. Foi incrivelmente desafiador pro-
duzir um trabalho minucioso dentro de um período de tempo relativamente curto, principalmente devido a comunicação com o Es Devlin Studio que, pacientemente, abriu uma exceção na sua agenda para auxiliar no processo. De maneira a facilitar ou pelo menos encaminhar pesquisas que possam vir após este Ensaio, sugere-se organização: não apenas do tempo, mas das ideias. Estruturar ideias bem amarradas é a chave para uma produção de qualidade. Ainda, aos que desejam caracterizar material cenográfico produzidos por grandes estúdios, recomenda-se a antecedência na coleta de informações visto que, geralmente, a agenda dessas empresas podem impossibilitar a comunicação rápida que encaixe com o cronograma estabelecido.
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Bรกrbara Veras Rodrigues Queiroz Ensaio de Teoria e Histรณria Departamento de Teoria e Histรณria Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de Brasilia - UNB