O Associativismo no Barreiro

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OBJECTIVA BARREIRO

Nยบ5 OUTUBRO 2011

O Associativismo no Barreiro

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OBJECTIVA Revista digital de opinião e História Local

Edição digital com publicação bimestral de distribuição gratuita e subscrição Edição www.barreiroweb.com BARREIRO Nº5 Outubro 2011

Nº5 OUTUBRO 2011

Temas O Associativismo no Barreiro Nota do editor José Encarnação.... 3 Associativismo e a sua longa história na ordem social dos povos Carlos Alberto (Carló) .... 4 Os Novos Desafios do Associativismo

Editor José Encarnação Redacção: Carlos Alberto (Carló) Armando Teixeira Nuno Soares Dulce Reis Manuela Fonseca Dourado Mendes José Encarnação Montagem e Fotografias José Encarnação Contactos: Barreiroweb@barrreiroweb.com

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Nuno Soares.... 8 A Escola Associativa Armando Teixeira.... 9 Associativismo: do (Meu) Passado ao (Nosso) Futuro (Notas de um Percurso de Vida) Manuela Fonseca.... 12 Associativismo no Barreiro Dulce Reis .... 16 As Colectividades A Política e a Crise Dourado Mendes.... 19 Sociedades Recreativas José Agusto Pimenta .... 20


NOTA DO EDITOR O Associativismo no Barreiro, foi este o tema escolhido em conversa com um amigo à mesa de uma esplanada, num sábado de verão. Amigo ligado ao movimento associativo e que rapidamente se predispôs a contribuir para a edição ligada a este tema. Escolhido o tema, foi lançado o desafio aos regulares colaboradores que participam, desde a primeira hora, nesta aventura de cidadania plena, que, em tempo de crise, também se tem vindo a revelar escassa a participação dos cidadãos na vida da nossa terra. Apesar de tudo, mais uma vez, estes colaboradores, deram a sua contribuição desinteressada. Nos tempos que correm, o movimento associativo no Barreiro, não está de grande saúde. As dificuldades são muitas: poucos sócios, pouca participação, grandes dificuldades na promoção e divulgação das iniciativas, problemas de gestão e económicos, falta de democracia interna, associações “

fechadas” que não se abrem à comunidade e aos sócios, etc…etc… Num período de recessão económica (e não só), poucas são as associações do Barreiro que de uma forma coerente e regular, contribuem para a melhoria da vida dos cidadãos e dos seus sócios realizando actividades culturais e de índole desportiva. É claro que nem tudo é mau. Existem vários exemplos de sucesso e de muita imaginação para criar e desenvolver actividades a custo zero. O Barreiro, sendo como é uma terra com fortes tradições nesta área do associativismo, mesmo com todas as actuais adversidades não pode caminhar para o abismo. É necessário que todos os cidadãos e o poder local, em conjunto voltem a prestar a atenção ao movimento associativo. Incentivar as associações com ajudas concretas, mais importantes do que os subsídios para “almoços de aniversário”, nomeadamente, ajudando na formação de dirigentes, na área de gestão de sócios, na área das finanças, na área cria-

tiva, na elaboração de projectos, na divulgação das suas iniciativas, na criação de um portal das colectividades, no fornecimento de programas informático para gestão de sócios, incrementando a entreajuda entre as várias associações, partilhando meios e vontades. Enfim incentivando a participação e cidadania de uma forma activa. São pequenos passos que podem até não significar qualquer aumento de custos para o poder local. Nas actuas circunstancias da vida, o Barreiro, na área do Movimento Associativo, tem condições excelentes, dada a sua tradição nesta área, onde o Associativismo faz parte da cultura dos Barreirenses, da sua forma de estar na vida, radicando no princípio de que a união entre cidadãos, é o caminho para resolver os problemas. Haja vontade e determinação e algum incentivo activo para juntar e dinamizar vontades adormecidas. José Encarnação

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Associativismo E A sua longa história na ordem social dos povos Calos Alberto (Carló)

A história do associativismo e o seu longo percurso na ordem social em Portugal em geral e no Barreiro em particular destaca-se quando se havia iniciado o século XIX, se bem que já na idade média as confrarias se afirmavam associações. Em Portugal o associativismo antecipou-se à estrutura governamental com a sua Histórica aparição no século XIX, prosseguido o exemplo da luta popular nas repúblicas dos países mais avançados, Inglaterra e França, nascendo em Lisboa a primeira Associação, Sociedade dos Artistas de Lisboa, fundada nos valores da independência e autonomia, democracia, cidadania de forma voluntária, ou seja formada por indivíduos livres em estreita paridade social e reforço da Comunidade envolvida. Objectiva Nº 5 Pag 4

O movimento popular tomou volume e ganhou prestígio com a matriz solidária, tornando o homem mais social, desenvolvendo actividades desportivas e culturais de importância crescente para a pessoa humana como ser gregário, permitindo o incremento associativo e a intervenção comunitária de relevância civilizacional. Movimento superior e explícito que procurara na conjugação populacional reforçar a estrutura social sujeita a tenazes económicas que oprimiam os povos. A revolução industrial alterou o quadro da vida em Sociedade, aproximando a massa operária que se reforça no Movimento Associativo onde o primado eram as vertentes fraternidade, solidariedade que deram vida às sociedades mutualistas

e às associações de instrução e recreio com o objectivo de equilibrar e suavizar os obstáculos das classes laborais sem qualquer segurança social, qualquer rede de instrução, actividade desportiva ou cultural públicas. Estes princípios continham veia política que se opusera aos poderes de Estado anti-social com a força da solidariedade em debates clandestinos, politizando a massa associativa. As angústias do trabalho ou da falta dele perturba as sociedades a todos os níveis da escala social, ausentando a racionalidade e o equilíbrio no seio associativo. Na Europa os povos procuraram a estabilidade social, reforçando a força colectiva das sociedades de recreio. Em Portugal a primeira Associação de cultura e recreio terá


sido à Associação de Operários de Lisboa em 1838. E a primeira associação desportiva, a Real Associação Naval de Lisboa em 1811 e o futebol amador iniciou-se em Portugal em 1875. O final do século XIX foi fértil no aparecimento de associações das classes laboriosas, sindicais, de comércio e indústria e também política/partidária onde se destaca o Partido Comunista Português. Seguiu-se um extravasar do colectivismo e da forte expansão do movimento associativo pelo país fora. Com o advento da República irrompem as sociedades de instrução e recreio, modo de colmatar as insuficiências do Estado com rede pública débil. Neste estilhaçar de tempo e mundo actual que lugar ocupa a solidariedade? O meio associativo poderá de novo fazer o equilíbrio nas actividades desportivas que a alta competição transformara as populações em meros consumidores, simples espectadores, arredados do seu protagonismo. Nesta época de transformações estruturais aceleradas, reviravoltas económicas, sociais e culturais, o Barreiro, o país e de alguma manei-

ra, mercê da globalização, o mundo inteiro, atravessam, fruto de prepotências de Estados e terrorismo económico à escala global, falsos trilhos sociais com resultados financeiros desastrosos para os povos. O movimento associativo, genuína forma democrática de gerir a relação humana sem outra ambição que não seja a paridade social, potencial dos povos unidos por direitos comuns, poderá de novo ser uma das vias de oposição aos poderes anti-democráticos. Não se descobriu até hoje melhor lugar onde se conjuguem, desenvolvimento cultural e relações pessoais profícuas, sem efeitos corrosivos, do que nas associações culturais e desportivas, cujos objectivos estão na génese do ser humano, estendendo-se por toda a sociedade através das colectividades de bairro, opondo-se em tempo real a esquemas que atropelam os valores gerais das sociedades em particular do associativismo. O movimento associativo do Barreiro não é diferente dos restantes no país, embora a presente característica, força plural e democrática, não ser a actividade humana de outrora com a tradicional força associativa

que o Barreiro demonstrou possuir, dando vida a grupos de teatro, canto, desporto, pintura, música, poesia, leitura, debates e muitas outras actividades artísticas. O associativismo envolve-se em todas as vertentes da existência dos homens e das mulheres, numa perfeita associação humana, opondose aos ditames de Estado é a resposta à turba que pretende enjaular as populações no esquema capitalista em linha global. Voltar a dar vida a grupos de teatro, corais, bibliotecas, grupos desportivos, musicais, debates de intervenção social e política, revigorará por certo o acabrunhado Associativismo actual. Com a Revolução de Abril, numa primeira fase o movimento associativo sofreu desvios de quadros na expansão colectiva pelos imensos afazeres políticos e sociais que absorveram muita da população que assegurava o Movimento Associativo, um baluarte da resistência no período ditatorial da sociedade portuguesa, forte aliado para a democracia, mas sofreu desgaste e no final do século viu forças anti-democráticas tomarem posição no desmantelar do associativismo, sofrendo oscilações que o afastaram do interesse dos jovens. Como os seus valores não se alteraram a atracção pelo movimento associativo terá de partir de pressupostos que interessem aos mais novos, solicitações culturais, desportivas e de lazer que se afirmem em resultados convincentes na fraternidade, sem objectivos lucrativos e realizado voluntariamente. Reina grande indefinição quanto ao que deve ser o papel do movimento associativo. As realidades sociais, políticas culturais motivam a fórmula dos tempos áureos do associativismo. Mas precisa de ganhar os jovens para um projecto renovado. A fixação da juventude nas colecObjectiva Nº 5 Pag 5


tividades tem de ser hoje de outro formato social, diminuindo a couraça que os reveste, procurando vias imaturas de arredada solidariedade. É imprescindível encontrar novos caminhos para atrair os mais novos, ajudando-os a vencer o presente e o futuro que é deles. Passará por ganhar a solidariedade destroçada e reforçar o poder social com a blindagem associativa para edificar a mudança de vida nas sociedades. O movimento associativo atravessa, perante a concorrência dos negócios desportivos e interesses políticos, imensas dificuldades No mundo actual, na essência, nada tem vida sem a concórdia económica. A desastrada aplicação do dinheiro por governos neoliberais e a acumulação indevida perturbam

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a conjuntura social global, tornando o planeta um lugar inseguro, lúgubre de viver para milhões de seres humanos, enquanto uns nababos não aprenderam outra coisa se não descapitalizar tudo que lhe não pertença. Aceleradas desigualdades sociais, assimetrias económicas perturbam a prática desportiva, cultural e de lazer, crescendo um mercado financeiro onde a primazia é o lucro. O Associativismo perante este assalto financeiro perde momentaneamente terreno com as roturas na ligação às comunidades. A resposta na era actual necessita de encontrar o futuro na tradição/ inovação/unificação espaços necessários para rejuvenescimento da vida comunitária associativa. Estamos perante o paradoxo da uma sociedade baseada no traba-

lho que produz bens essenciais num mercado de emprego que ameaça extinguir-se. Mas, chegará o tempo da recuperação. Pois nada impede que o associativismo ganhe asas de novo, como outrora quando fora a raiz social nas lutas dos povos que surpreenderam por todo universo, o mundo político com diagnósticos liberalizantes, defendendo-se com os antivírus associativos no combate à doença epidémica da estrutura social que prolifera no mundo.

Calos Alberto (Carló)


OS NOVOS DESAFIOS DO ASSOCIATIVISMO

NUNO SOARES

Conhecer o passado para agir no presente com os olhos no futuro!

sobretudo de índole comercial. Na Idade Média surgem as Corporações estruturadas sobre a vida económica, logo após as invasões, persistindo até muito tarde. Lousse diz que a sociedade Uma definição de Associação poderá ser: em finais do século XVIII se encontra organizada como “União duradoura e organizada de pessoas que se pro- uma cadeia de corporações. põem conjugar esforços para prossecução em comum Já no século XVIII, a Revolução Francesa vem ferir viode determinados fins” que não se traduzam em bene- lentamente as associações corporativas, cuja agonia se fícios económicos para os seus associados e que não prolonga pelo século XIX, extinguindo-se paralelamenprejudiquem os direitos de outrem. te as associações profissionais, pelo que os trabalhaMuitos podem ser os fins das associações. dores se vêm desprotegidos e isolados. Embora discutível, as associações também podem de- Contra este isolacionismo surgem as correntes sindicais signar um princípio ou doutrina económica. e socialistas. Os operários que se associam, afirmamEmbora igualmente discutível, surgem associações de se pela própria força de grupo, melhores defensores índole económica na Grécia Antiga (Antiguidade Clás- dos seus direitos, ou, opondo-se às conceções econósica). micas liberais, mais fortes para exigir uma maior justiEm Roma, menos discutível, conhecem-se associações, ça social. Tomas Morus, com a Utopia, vem influenciar

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estas correntes. Nesta trajetória, ao longo dos séculos, as associações constituem-se como grupos de pessoas organizadas num primeiro plano para a prossecução de interesses de ordem profissional e económica, social e mesmo religiosa. Surge o cooperativismo em Inglaterra, espalhando-se energicamente por todo o mundo e legando à História da Humanidade um património social e cultural riquíssimo. A monarquia assumiu um papel de repúdio pelas associações, defendendo que seriam perigosas para a liberdade dos indivíduos. Surgem no entanto, Associações Comerciais, de Lisboa e do Porto, em 1834, ano da abolição das associações corporativas. Poderemos refletir que aliado ao fenómeno de aparecimento ou aumento de repressão na sociedade, os homens souberam fazer ressurgir as suas associações e, unindose, defender os seus interesses, tendo por base e por vontade própria (inscrição facultativa) o auxílio recíproco. Assim foi no Barreiro, “do trato Objectiva Nº 5 Pag 8

profissional e pessoal, quotidiano, entre os associativistas nasce uma família una, coesa e consciente dos lidimos direitos laborais e sociais. Embora de ideias díspares, de que as associações são o catalizador, nasce um Barreiro novo, uma nova mentalidade barreirense, a mentalidade do saber fazer bem as coisas de interesse comunitário, sem especulação, ou seja a cultura presente que também é preciso preservar. O Barreiro caracterizou-se enquanto terra de fraternidade e do associativismo tradicional (J.C.Proença). Foi assim que se criaram laços de solidariedade, fraternidade e democracia, associados e dignificados pelos valores da liberdade, igualdade, responsabilidade e autonomia. Hoje o Associativismo guarda um Passado valioso e enfrenta um Presente assinalado por ventos de mudança. As associações de hoje, têm o dever e a necessidade de preservar o seu património, que foi e é trabalho de tantos, desbravar um caminho novo e enfrentar com êxito os desafios de uma cidadania participativa de um mundo fascinantemente interativo.

As associações e os indivíduos que as formam são agentes promotores de uma melhor vivência democrática, participativa, e geradora de bens sociais e culturais, na comunidade em que estão inseridos. “A vida associativa é, na verdade, um pilar da democratização cultural, um terreno muito específico onde se desenvolvem valores de sociabilização e atitudes criativas que contribuem para a “caracterização” da realidade de vida da Comunidade. O movimento associativo tem de ser capaz, dentro de si mesmo, com as suas próprias forças encontrar os rumos de adaptação ás mudanças e ao fluir da história” (A.S.P. em, Fazer Associativismo). Cada associativista, cada dirigente associativo, deve interiorizar que depende de si, do seu empenho e exemplo, a força do associativismo e que, do trabalho conjunto, depende essa mesma força geradora de novos empreendimentos. Terá igualmente que ter a capacidade de gerar na sociedade reacções positivas às causas que o associativismo defende. Terá que estimular a


participação cívica, muitas vezes em contacto direto com outros agentes que não conhece, com vista a favorecer objetivos comuns. Esta é a luta, uma luta que visa impulsionar o mundo em que vivemos, mesmo o mundo de cada indivíduo, transformando-nos também, nas nossas ideias, pensamentos e causas que defendemos. As associações debatem-se com inúmeros problemas, alguns resultantes do próprio associativista (estes deverão deixar fora das associações as suas próprias fragilidades), ou do Meio. São no entanto crucial o empenho e a participação consciente e responsável das pessoas. Por outro lado, o conceito de cidadania ajuda à mobilização de uma participação alargada dos cidadãos na gestão e desenvolvimento da sua cidade, possibilitando a criação de alternativas. Esta poderá ser considerada outra “função” do dirigente associativo atual, cativar o cidadão para a cida-

dania participada. Os acontecimentos no Mundo sucedem-se num ritmo surpreendente e as associações poderão assumir um papel importante na sua divulgação e reflexão junto da Comunidade. Esse papel ativo poderá funcionar como transformador da própria realidade. Hoje, alem da vontade de cada um, as associações contam com uma importante ajuda: as novas tecnologias. A Informática/Internet proporciona de uma maneira rápida, acessível e eficiente, a divulgação da informação e permite uma coordenação de atividades ou estratégias. O Mundo tem vindo a assistir a fenómenos organizados por grupos de indivíduos ou Comunidades que em momentos sociais críticos apelam à mobilização coletiva. Assim, a Internet (emails, facebook, twiter, etc.), deve permitir o contato constante entre as várias associações, a divulgação das suas atividades, a divul-

gação dos princípios que defendem e das causas que as sustentam. Para se atuar assertivamente, é fundamental as associações e os seus dirigentes compreenderem as transformações e as necessidades das novas sociedades. Assim, a par da formação dos dirigentes associativos (observemos um bom exemplo levado a efeito pela Associação de Colectividades e Associações do Concelho do Barreiro no passado dia , nos Celtas, uma ação subordinada ao tema “A Fiscalidade nas Colectividades”), a Informatica/Internet deve ser entendida no presente como uma ferramenta das Associações. Deste modo, o futuro das Associações passa pela inovação, criatividade, precisão, clareza, mas sobretudo e sempre pela motivação dos seus dirigentes. Manuel da Fonseca disse: “as coisas belas só pertencem a quem as ama”. Nuno Soares

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A ESCOLA ASSOCIATIVA

Armando de Sousa Teixeira - Senhor António, boa tarde! - Boa tarde, rapaz! - Não viu por aqui o “Kilas” ou o “Fininho”? - Ná, ainda não apareceram! Quem esteve cá foi o “Gago”, mas já há um bom bocado. -Tá bem! Vou esperar, obrigado. A esquina era o ponto de encontro por excelência, lugar privilegiado de convívio, de conversa e de combinações da malta, onde todos iam parar sem aviso prévio. Na posição de “cegonha”, pé encostado à pedra polida pela usura de tantas solas de sapatos de várias gerações, a espera normalmente era curta, dava para fazer e desfazer, trocando a perna de apoio, aí umas três vezes. Já lá vinha o “Papuço”. - O que estás a fazer aí à esqui-

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na?… - Estou a segurar o prédio, não vês! - Ontem fomos a Lisboa para comprar roupa à maneira, nos “Porfírios”!… - Se podes é assim mesmo, à moda! O que cumpriste compraste ? - Oh! Oh! Oh! Estão a falar dos “Porfírios”? O “Coniça” deu uma “granda” barraca! Queria gamar umas peúgas e tirou um número de criança! Ah! Ah! Ah! - o “Fininho” fazia uma entrada tiunfal. Ao sair de casa mesmo em frente, percebera logo a conversa . - Não foi nada , pá! Vai à merda! O rapaz voltou logo atrás e atirou-as para o monte! - A melhor foi a do “Pitchirilo”. Quando ia a descer para a cave, há um grande espelho na parede, foi

contra ele e pediu desculpa à própria imagem. Oh! Oh! Oh! - Tás a gozar mas também não compraste nada! - É tudo uma cambada de tesos! Ninguém tem cheta no bolso mas vão para Lisboa fazer figura! - acrescentava o “Caldeirada”, entretanto chegado e já metido na conversa, no tom sarcástico característico. Afinal ninguém comprara nada, a indigência monetária era generalizada, as famílias operárias da vila velha, trabalhando na CUF, no Caminho de Ferro, ou ainda na pesca tradicional, viviam com grandes dificuldades. O orçamento insuficiente para as necessidades básicas, não dava para aqueles “luxos”. Desfazia-se a frustração inicial do “Professor”, que mesmo a estudar


(o único!) com uma bolsa de estudo, também não podia chegar às “modas”.

*

- Já estamos quatro, bora jogar às cartas para a Sociedade!? - Bora! Vem aí o “Kilas” também! - Não posso ir!… Não sou sócio constrangia-se o “Céguinho” - Não faz mal, vais “c’agente “! Todos possuíam uma certa vivência associativa pela frequência quase diária das colectividades do bairro. O contínuo alto e mal encarado fez uma inspecção visual rigorosa à entrada e atirou arrogante : - Onde é que vão? - Vamos jogar às cartas! Não se pode?…- o “Fininho” tinha um ódio de estimação pela criatura embirrenta que tinha fama de bufo. - Só na saleta lá do fundo! - Então é nesta sala abafada que jogam às cartas? Cheira a mofo! - reparava o “Professor”, pela primeira vez naqueles propósitos. - Estes “velhos” tão sempre a correr connosco! Só querem a sala grande para eles! Para compensar o castigo do isolamento, o grupo já ampliado, fazia uma algazarra enorme para despertar naturalmente a atenção contrariada.

Não tardou a aparecer um director com ar oficial, muito zangado : - Vamos fechar a saleta, acabaram as cartas! - “Tamém”, têm a mania que são donos disto tudo!… O meu pai paga a quota todos os meses! - Identifique estes senhores! - a ordem era para o contínuo-bufo pau mandado, neste caso com satisfação : - Há dois que não são sócios! - afinal a criatura mal encarada estava atenta ao negócio. - Quem não é sócio não pode entrar na colectividade! - Mas os rapazes estão connosco! Até iam meter a proposta para sócios!…- o “Kilas”, normalmente muito calmo, estava a perder o sério. - São as normas da colectividade! - Assim não vão conseguir cativar os jovens, que serão os dirigentes associativos do futuro! - Quem é o senhor para me dar lições? - Nada, nada! Estava só a pensar em voz alta, Boa noite! - Malta, bora! Vai um, vão todos! Metam esta merda no c…! Depois venham cá pedir para ir representar a colectividade! O “Fininho” referia-se à recente

delegação que participara, equipada à maneira com as cores da Sociedade, na inauguração do Estádio Alfredo da Silva, no dia 30 de Junho de 1965, com a presença do presidente da República, o almirante corta-fitas, Américo Tomás. Sem actividade desportiva significativa, a colectividade do bairro arrebanhara uma série de miúdos para preencherem a sua delegação, com bandeira e tudo. Era característico dos tempos que se viviam de política de fachada, de pompa oficial orquestrada para mostrar o “apoio popular” ao regime. O facto é que o estádio estava cheio, e quase todas ( houve honrosas excepções!) as colectividades do concelho lá estavam. Como no caso vertente, a maioria com delegações forjadas, fingindo uma actividade inexistente. Actividade real, com a participação de muitos daqueles jovens “expulsos” do jogo das cartas, em cargos de coordenação, aconteceu alguns meses depois, na participação nos Jogos Juvenis do Barreiro. Mas por outra colectividade do bairro, mais modesta e simpática, o Casalense! Armando Teixeira

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Associativismo: do (Meu) Passado ao (Nosso) Futuro (Notas de um Percurso de Vida) Manuela Fonseca Era pequena: ia com os meus pais, sócios da Cooperativa Popular Barreirense, às compras, entre as quais os produtos alimentares tinham a primazia. Aquela forma de agregação que a Cooperativa proporcionava juntava as pessoas, em tempos em que o regime totalitário não o desejava, e permitia-lhes trocas, fugazes, de ideias e um consumo menos dispendioso. Diligente, o principal funcionário, o Senhor Herculano, atendia os cooperantes e apontava, sabiamente, as despesas na caderneta que cada família tinha, utilizada – se o tempo não me atraiçoa a visualização de momentos que vivi – para uma eventual forma de pagamento. (Não vou perguntar nada acerca do livrinho à amiga de infância, Isabel Caeiro, então vizinha da instituição e filha de membros da mesma, porque aqui registo, simplesmente, a recordação de uma associação que evoluiu para ser, hoje, um dos marcos culturais da Cidade e das suas vivências democráticas.) Lembro-me da venda do azeite, a acção que mais me maravilhava – o líquido extraído do recipiente colocado sobre o balcão, através de uma medidora que fazia a contagem do volume que pretendíamos e que tinha, acoplados, uma manivela e um êmbolo que, ligados a depósito invisível, punham, na garrafa que levávamos, a quantidade pretendida, fruto da tracção de Herculano ou do seu ajudante, o Jacinto. (Como tudo era difícil então!) Havia os tecidos que a minha mãe comprava para os transformar, com as sobrinhas, em bonita roupa, talhada pelas mãos habilidosas da irmã, a Tia “Bá” – saudosa Bárbara Horta que, na década de sessenta, chegou a leccionar um curso de corte, no Ginásio-Sede do Barreirense, Clube que me habituei a amar com(o) a maior parte da família. De entre os parentes que, sob o ponto de vista desportivo, eram do Luso Futebol Clube, evoco, com saudade e respeito, o primo Francisco Horta Raposo, que, Director do Jornal da agremiação, chegou a ter, atentos leitores do periódico, membros da nojenta “comissão de Objectiva Nº 5 Pag 12

censura” (com minúsculas iniciais, sim, e tenho pena de não poder escrevê-la com tinta invisível). Com a cultura de coragem, sabedoria e silêncio que o Alentejo de origem lhe ensinara, fez daquele órgão, com outros companheiros, em exemplar trabalho de grupo, uma forma de resistência, espelho de um colectivo (indomável, trabalhador e erudito) chamado Barreiro. (Francisco Horta Raposo está, justamente, na nossa toponímia.) O mesmo Luso Futebol Clube onde víamos e ouvíamos, entre outros mestres de Arte(s) e Amor à Liberdade, Zeca Afonso, o crítico de cinema Vieira Marques. As palavras, esclarecidas, continuam em todos os que tivemos o privilégio de, ávidos, escutá-los, em aprendizagem que nos moldou. (Por coincidência, o segundo era irmão da minha professora de Filosofia do Liceu Nacional de Setúbal, a Dr.ª Zita, que, com distinção, paciência e elevada capacidade comunicacional, nos ensinava a reflectir, falar, entender o outro, escrever com método e parcimónia. Fora a senhora empurrada de um estabelecimento congénere por não aceder à “cunha” que um funcionário “metera” para a filha, aluna pouco diligente, transitar na disciplina que ministrava. Zita Vieira Marques, exemplo de dignidade cujo caminho, em boa hora, cruzei.). O Luso Futebol Clube de cultura e inovação foi o local de reencontro com o jovem Carlos Humberto de Carvalho – rapaz sossegado e trabalhador a quem dera lições – e onde, na noite de um dia trágico, conheci a sua namorada, Lurdes, companheira de uma vida de fraternidade. (Carlos Humberto, nada me incomodam, a propósito do que acabo de expressar, leituras que – faço, apenas, uma inferência, talvez despropositada – sugiram o culto da tua personalidade, acção que não se coadunaria nem com a simplicidade que te norteia nem com o espírito libertário com que devo ter nascido.)


Isso aconteceu horas depois do assassínio de José António Ribeiro dos Santos, numa importante reunião estudantil na qual a Lurdes, aluna do Instituto Comercial de Lisboa, participava. Cobarde e barbaramente terminada a vida do rapaz com armas de fogo da DGS, designação e máscara última da PIDE que, com o advento do caetanismo, tinha, apenas, mascarado o nome e mantido a estrutura repressiva. Eram os mesmos os actos, abomináveis, que, com capa remendada, continuavam a exercer: não contentes com a brutalidade da interrupção do conclave estudantil, nesse dia da primeira metade de Outubro de 1972, dispararam sobre aquele aluno do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, indefeso, como os outros, e roubaramlhe, bandidos, o mais precioso bem, a vida. (Ribeiro dos Santos, nome perpetuado, justamente, em artéria de Lisboa, um dos símbolos e visionários do Movimento Associativo Estudantil Português da minha geração, odiado de morte – expressão literal, infelizmente – pelos fascistas. José António, valor e motor dos tempos, duros, que anunciavam a Liberdade, tão dolorosamente conquistada, continua entre nós.) O Grupo Desportivo da CUF, que deu campeões mundiais de Hóquei em Patins a Portugal e ao Barreiro, também meu “adversário”, várias vezes me emocionou, ali, em Santa Bárbara, com jogadas e golos maravilhosos. (A propósito da modalidade: uma maioria de juízes internacionais, incompetentes, tem colaborado, há vários anos, em arredar as Selecções Nacionais Portuguesas de vitórias e das próprias finais, como acaba, mais uma vez, de acontecer. Confesso que já não tenho paciência para ver tantos “roubos de catedral”, em expressão querida de José Maria Pedroto, aplicada a outros actos desportivos.) Na CUF, era atleta de basquetebol a minha prima Maria José Horta, amiga e colega de sempre, que quase me punha fora de mim quando ganhava ao Barreirense! Revejo como a “Zé”, duplamente parente muito querida – os casamentos de dois casais de irmãos, na aldeia da Corte do Pinto, às portas da Mina de S. Domingos, são parte da nossa origem –, se empenhava no jogo, na honra das cores defendidas, na distante década de sessenta. Tivera a possibilidade, que ainda hoje invejo, de praticar desporto federado, para além da participação no marco histórico que os Jogos Juvenis do Objectiva Nº 5 Pag 13


"AForja": máscara da Morte, utilizada por Raquel Maria e Manuel Alpalhão Costa Barreiro constituíram. (Vingava-me dela, na praia, quando inventávamos provas de natação para ambas e eu tentava ganhar-lhe. Passou perto de mim num destes dias: desfruta, agora, com a calma, comedimento e concentração de sempre, da actividade de avó.) Havia duas sociedades de cultura e recreio, O Clube 22 de Novembro e “Os Franceses”, que frequentava com os progenitores: na primeira, encontrei-me, mais tarde, amante de Artes de Palco, com excelentes interpretações do Teatro de Ensaio do Barreiro, como “A Forja” de Alves Redol, produção artística inesquecível – quase parafraseio o Engenheiro António Redol, filho do grande escritor, após se ter deslumbrado com a obra-prima do TEB. Adoradora (adjectivo que peço emprestado à Isabel Caeiro, uma das militantes da Sociedade de Instrução e Recreio Barreirense, “Os Penicheiros”) da manifestação cultural que, com a Literatura, mais me diz, fui arrebatada pela majestade de Shakespeare, no “Old Vic”, bem como por representações efectuadas em várias cidades da “Aldeia Global”. E, por tê-las sentido tão perto, ouso proferir: “A Forja” e outros trabalhos (do próprio Teatro de Ensaio do Barreiro, da ArteViva, Companhia de Teatro do BarreiObjectiva Nº 5 Pag 14

ro, do UTIBTeatro, do TESFAL) pertencem ao elevado patamar dessas mostras. (Sou casada com o Manuel Alpalhão Costa que imolou parte da vida no TEB e agora, a idade jovem há muito ultrapassada, dá um pouco, o que pode, até atrás do palco, à ArteViva. Não, não foi por acaso que o associativismo nos juntou.) “Os Franceses”, a Sociedade Democrática União Barreirense, foi o local onde, muito jovem, o pai tinha aprendido a tocar o precioso bandolim (que tantas coisas boas me faz ouvir e rever). Dançava, divertido, com a minha mãe, nos sempre animados bailes. Pouco dotada para a actividade que tanto apreciavam, eu ficava na cadeira, bem-disposta, quase tonta com o seu rodopio. Olhavam-nos e sorriam para o engraçado casal: ele, grande e cheio, e a mãe muito pequena. Nessa Sociedade, felizmente actual e pujante (Deus, como teria ocorrido o triste incêndio e fim do “22”?), os meus dois rapazes experimentaram-lhe a vertente pedagógica e o mais velho continua seu associado, na manutenção de herança familiar. Fui, durante algum tempo, membro do Cine Clube do Barreiro, onde cresci no amor ao cinema, já inculcado pelo meu pai, ali bem perto, no Cinema Teatro República, hoje mais um orgulho ferroviário feito pó, onde também tive aulas de Dactilografia, pacientemente dadas por Dona Susete, Mendes por casamento. No velho Largo do Casal, conheci a heróica Helena Rita, entregue ao Cine Clube, ilustre cinéfila da então vila, outra vítima do fascismo a quem também presto homenagem. (Como pode haver gente – neste ou em qualquer outro país – que elogia ditaduras?) “A vida Associativa começa, na verdade, numa união de vontades – vontades que se assumem com uma visão que somos e queremos, uma proposta de vida; que se processa numa missão que procura dar resposta organizada aos objectivos que se pretendem alcançar de forma partilhada, sejam culturais, recreativos, desportivos, económicos, sociais, ambientais, etc.” – escreve um dos meus irmãos espirituais, Sousa Pereira (1), agraciado, muito justamente, com o galardão Barreiro Reconhecido na área do Associativismo. Pensava neste excerto, há poucas semanas, enquanto via a RTPN, agora RTP Informação, em programa dedicado ao Turismo: no cimo dos Andes, a cooperação tem contribuído para o povo índio da região aumentar as vendas do vestuário, natural e excelente, que produz.


Barreiro, Cidade que me orgulha, ainda, com a vertente de Desporto Adaptado e de instituições que também dão excelente contributo para que as pessoas ultrapassem limitações e barreiras. (Alguém, muito querido e chegado, teve apoio da “Nós” de que continuo sócia. E, embora fuja, eu própria, da AMPM – Associação de Mulheres com Patologia Mamária –, ainda sob o trauma de uma recidiva com que me confronto, que abomino e à qual tento não dar tréguas, não deixo de ter a quotização em dia e de, quando necessário, fazer as actas de Assembleias-Gerais, importantes nas informações e decisões, findas as quais, simpáticos lanches são convívio para esquecer “coisas”. AMPM, dedicada na ajuda de quem passa pela dificuldade de encarar, mulher ou homem, o cancro da mama; organização cada vez mais visível pelas Marchas que, anualmente, por esta altura, organiza, com muito suor e êxito, contra tal inimigo.) Barreiro, “terra de artistas e desportistas”, como alguém, há mais de duas décadas, bem o classificou, na nossa Escola Secundária de Santo André. Barreiro, Cidade que um dia, será “Capital Nacional do

Xadrez”, tal o que tem feito pela modalidade? Isso é desejo de todos nós, interpretado por Sousa Pereira (ainda ele): “Um dia, de facto, gostava de ver esta matéria debatida com técnicos, professores, atletas, pais, dirigentes associativos, autarcas e envolver empresas. Foi isto que senti ao assistir à inauguração da Academia de Xadrez…uma porta aberta ao futuro, ali bem perto do Tejo, um lugar que nos leva a sonhar e a pensar o Barreiro voltado para o mundo.” (2) Manuela Fonseca Referências António Sousa Pereira (1)“Fazer Associativismo”. Lavradio, ed. Jornal “Rostos”, Col. Con-textos, 2003, 117 pp., p.88. (2) «Inferências – Diz que é uma espécie de BLOGUE DE NOTAS do Barreiro – Barreiro pode ser reconhecido como a ‘Capital do Xadrez de Portugal’»

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ASSOCIATIVISMO NO BARREIRO Dulce Reis O Associativismo assume no Barreiro uma importância fundamental na organização das populações. Desde cedo, os Barreirenses desenvolveram o gosto pelas colectividades como forma de colmatarem as falhas na educação, cultura e lazer que o poder negava ao Povo nos idos séculos XIX e XX. Existem no Concelho várias colectividades centenárias e cada uma delas prestou um serviço importante nas suas áreas específicas, como é o caso do desporto, da música, do teatro e até do cinema, obras assistenciais, profissionais, de defesa do ambiente, de defesa dos direitos dos animais, etc…etc… Após o 25 de Abril de 1974, em pleno período da Revolução, foram criadas imensas associações, sobretudo ligadas ao desporto e à cultura. Inclusive, no seio dos Sindicatos, nos departamentos de juventude, foram organizados movimentos que criaram grupos de teatro, como foi o caso do Grupo de Teatro dos Trabalhadores do Comércio e Metalúrgicos. As Comissões de Moradores que desempenharam um papel relevante na defesa dos interesses dos moradores, logo a seguir ao 25 de Abril, foram-se mantendo em funções, encontrando-se actualmente com uma actividade muito reduzida ou nula. Já na década de 80, as associações que foram nascendo, apresentavam uma tendência para a defesa de grandes causas, como por exemplo, a defesa do ambiente e a defesa dos consumidores. As Cooperativas, que sendo uma forma de Associativismo bastante antiga na Sociedade Portuguesa, ainda hoje mantém actividades, sobretudo ligadas à cultura, atendendo a que as suas origens se foram, com o tempo, apagando como é o caso da “Cooperativa dos Corticeiros” e a “Cooperativa dos Ferroviários”. Com a extinção (ou quase) destas classes profissionais no Barreiro, houve que proceder a uma mudança e adequação aos tempos modernos, o que estas entidades lograram conseguir. O Barreiro foi e continua a ser, pródigo em organizaObjectiva Nº 5 Pag 16


ção da Sociedade Civil em todas as áreas da vida das populações. Existem vários Grupos de Teatro, que, em regra se constituem em Associação de matriz cultural. Existem várias associações desportivas que incentivam e incrementam a prática do desporto amador e algumas, profissional. O Movimento Associativo encontra-se em fase de criação de uma Associação de Colectividades do Concelho do Barreiro, que se considera ser um instrumento necessário para estabelecer formas de organização, tentando responder às exigências da época em que o País vive hoje. Foram preocupações sentidas quanto à necessidade de melhoria da organização interna, elevação do nível cultural das acções, o rejuvenescimento do Associativismo, entre outras, que levaram à criação de um Grupo de Trabalho, integrado por várias Associações do Concelho, para desenvolver e executar esta ideia da criação da Associação de Colectividades do Concelho

do Barreiro. Caso venha a concretizar-se, poderemos estar perante um poderoso meio para revitalizar o Movimento Associativo do Concelho, dotando-o de meios necessários para, cumprindo a tradição centenária, continuarem a desenvolver trabalho junto da Sociedade Civil, concretizando o conceito constitucional de democracia participativa. Sem sombra de dúvida, que um dos capitais mais importantes deste Concelho é a sua história que se faz também, com a história das Associações e Colectividades, e que lhe atribui uma riqueza de valores e princípios que importa não deixar cair na esteira do tempo, preservando, apoiando, intervindo, participando, pois só da diversidade das ideias e do pensamento, pode construir-se, em torno de um objectivo comum, uma cidade participativa, fortalecendo a Democracia que Abril nos trouxe. Dulce Reis

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AS COLECTIVIDADES A Política e a Crise Dourado Mendes As coletividades de cultura, recreio e desporto são associações democráticas constituídas por cidadãos dos mais diversos quadrantes políticos e religiosos. Esta diversidade política e religiosa faz das colectividades espaços de democracia que constituem uma das maiores riquezas do Associativismo. Nos tempos da Ditadura, era obrigatório constar dos estatutos das colectividades que estas eram alheias a quaisquer atividades políticas ou religiosas. Claro que esta norma estatutária, por si só, nunca impediu que as colectividades fossem privilegiados pontos de encontro da oposição. Se antes do 25 de Abril as colectividades eram referências da Democracia, agora, não há motivos para que o não sejam. A política nas colectividades tem sido tema para inúmeros debates. Não oferece dúvidas de que as colectividades, dado o seu carácter unitário e a sua independência, não podem, por sua iniciativa, promover actividades partidárias, mas, por outro lado, podem ceder as suas instalações aos partidos para estes realizarem actividades pontuais. Com o rodar dos anos, foi surgindo um vasto consenso, quer de responsáveis políticos, quer de associativistas, de que as colectividades devem ficar-se pelas ações político-associativas, isto é, ações que visam dar resposta às legítimas aspirações no acesso à cultura ao desporto e à participação social das populações. Presentemente, vivemos mais uma crise que é assunto constante dos órgãos de comunicação social e de todas as conversas, mas que as colectividades, por razões que não se entende, têm ficado à margem como se o assunto não lhes dissesse respeito. Até aquelas vocacionadas para as actividades culturais não se têm interessado em organizar eventos que trouxessem aos seus associados e à comunidade, em geral, conhecimentos que seriam do interesse de todos. Perante a crise que vivemos, as coletividades deveriam promover debates, conferências, exposições e outros Objectiva Nº 5 Pag 18

meios de comunicação que proporcionassem, aos associados e à comunidade envolvente, conhecimentos sobre o que é, como funciona e a quem serve o FMI, como saem os dinheiros para os offshores, o que são os mercados e quem lucra com eles, o que são as agências de rating e quem essa gente, sem rosto, que tem poder para estrangular países inteiros e tantos outros temas que podem ser tratados no âmbito do associativismo. Perante a situação de incerteza que vivemos e que se vai prolongar, repetimos que é difícil perceber como tem sido possível a indiferença das coletividades, em face dos actuais problemas sociais da nossa sociedade. Neste tempo de crise em que o desânimo, as privações, as preocupações do presente e, também, do futuro atingem a esmagadora maioria das famílias, as coletividades de cultura e recreio devem assumir a sua intervenção social e, com os meios ao seu dispor, promover o necessário esclarecimento junto da comunidade. Sem abdicar do carácter unitário e da independência do movimento associativo. Dourado Mendes


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SOCIEDADES RECREATIVAS Texto original do livro de:

José Augusto Pimenta

Foi no ano de 1848, que pela pri-

meira vez no Barreiro se organizou uma sociedade philarmonica, sendo seu presidente António Maria Bandeira, e director da banda o Sr. Luiz dos Santos Sénior; em consequência de rivalidades que se desenvolveram entre os associados, no ano de 1870 dissolveu-se esta philarmonica e de cada um dos grupos dissidentes brotou uma nova sociedade. Apezar de já decorridos bastantes anos, ainda não se extinguiu o desamor com que reciprocamente se memoseam. Um dos grupos, em número de trinta e quatro, no dia 4 d'agosto d'esse anno, sob a presidência do honrado velho, há pouco fallecido n'esta villa, o Dr. Miguel José António Cândido dos Santos, fundou a «Sociedade Marcial Capricho Barreirense» mais conhecida pela sociedade dos franceses. Três dias depois, o outro grupo com trinta sócios, sob a prezidência de Kaphael Idezio Sebastião Maria Pimenta, instituía a Sociedade Philarmonica barreirense, conhecida pela dos penicheiros. Esta ultima sociedade teve por sócio o Sr. Conde de Peniche, actual marquez d'Angeja, e como sobre este titular e seus partidários recahisse um certo ridículo proveniente da sua mallograda conspiração, o grupo opposto appelidou esta sociedade de penicheiros. Por essa occasião, pouco mais ou Objectiva Nº 5 Pag 20

José Augusto Pimenta Memoria Historica Descriptiva A Villa do Barreiro Ano de 1886

menos, estava no maior auge a guerra franco-prussiana de que resultou ficar a França vencida; isso originou que por sua vez os penicheiros alcunhassem de franceses os seus contrários. Consequência d'esta divergência d'opiniões e da exaltação dos seus partidários, sucedem como em todas as povoações onde há duas philarmonicas, começar a lavrar a intriga, a inveja e as malquerenças de parte a parte, sem que nenhum dos grupos se distinguisse pela sua prudência ou menor exaltação, de que resultou um constante foco de indisposições em que toda a povoação se acha continuamente envolvida, com o que muito perde, e o que ninguém lucra, a não ser um pouco de infatuação para qualquer dos partidários mais acérrimos quando, por acaso se julgam vencedores em qualquer d`essas tricas mesquinhas de política local. Nenhuma d'estas sociedades possue estatutos legalmente approvados, e um bom serviço prestaria a esta villa quem, dissolvendo ambas, com os elementos mais escolhidos de uma e outra formasse um só clube, onde reunidos todos, Penicheiros e Franceses, Intimamente ligados e procurando alliar o útil com o agradável; isto é, proporcionando a todos os barreirenses algumas horas de distracção, tivessem por scopo principal, senão único, o bem-estar e os melhoramentos d´esta povoação, que de bastantes

ainda carece. Poucas povoações, no nosso paiz, haverá que tenham tantos e tão fortes elementos para progredir:— a sua proximidade da capital, a excellente posição topographica em que está edificada, a magnifica praia que possue, e o ser estação terminal do caminho de ferro do sul e sueste, são vantagens todas muito recommendaveis, verdadeiramente excepcionais, e que, bem dirigidas, podiam, em poucos annos, transformar o Barreiro n'uma pequena cidade. Desgraçadamente, porém, na nossa terra em pouco mais se pensa do que em musicas, e quasí afoutamente se pode dizer que os melhoramentos, de que ella hoje está de posse, mais são devidos á força do destino do que ao labutar dos seus conterrâneos. Tanto uma como outra sociedade funccionam em bons edifícios, adequados ao fim a que se destinam, com bilhares, pequeno buftetes e magnificas salas para reuniões. A Sociedade Philarmonica Barreirense possui um pequeno theatro de salla, onde já se têm dado grande número de récitas. Annexa á outra sociedade ha, do mesmo modo, um theatro, magnifico; foi fundado por 17 indivíduos d´esta villa, reunidos pela primeira vez, para esse fim, no dia 25 de Fevereiro de 1880, installando-se logo n´esta assembléa duas comissões, uma para tratar de finanças outra


de trabalhos practeos, sendo ainda presidente tanto de uma como d'outra o dr. Miguel José António Cândido dos Santos, medico do partido municipal d´esta villa, homem de caracter são e coração bondoso, e d'uma austeridade de costumes irreprehensivel. O idificio d'este theatro foi feito exclusivamente para fim sob a direcção condutor das obras publicas o Sr. Iphigenio António de Mattos; possue um espaçoso palco com dois alçapões, plateia e duas ordens de galerias, tendo lugares para centenas de espectadores. O terreno, paredes e madeiramento são propriedade do sr. Joaquim do Rosário Costa, e o restante foi tudo feito com madeira offerecida pelo illustre deputado por este circulo, o abastado proprietário a quem o Alentejo tanto deve, o sr. José Maria dos Santos; pelo trabalho gratuito de alguns dos artistas de que se compõe

esta sociedade, e pelo producto d'um certo numero de pequenas acções, emittidas sem direito a dividendo, subscriptas por muitos indivíduos, tanto d´esta villa como de fora. Este theatro foi inaugurado no dia 12 de junho de 1881, com o notável drama o Santo Antonio, admiravelmente desempenhado por curiosos quasi todos d´esta villa. D´então para cá teem-se ali realisado algumas recitas de verdadeiro euthusiasmo, especialmente levadas a effeito pelos banhistas, e por differentes vezes aquelle palco tem sido pisado por notabilidades como Taborda e António Pedro. Tanto uma como outra sociedade por varias vezes teem tido ensaiadores dramáticos permanentemente e ambas as bandas possuem excellentes professores.

“Os Franceses”

Construção da sede do “Luso”

“Os Penicheiros” Objectiva Nº 5 Pag 21


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