Paginas Abertas

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ANO 34

nº 38

2009

ENTREVISTA

Em homenagem aos 50 anos sem Villa-Lobos, os professores Sérgio Molina e Maristela Loureiro falam sobre a colaboração do maestro na Educação por meio da música

SAÚDE

Mochilas pesadas e má postura são motivos de alerta

O saber além da escrita Páginas Abertas Reflexões sobre a construção do conhecimento e a formação educacional

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Editorial

Amigo Educador, É com muita alegria que apresentamos mais um número da revista Páginas Abertas. Nossa equipe trabalhou de forma intensa para oferecer matérias e artigos que possam ajudá-lo em sua importante missão de educar com qualidade. Nesta edição, Páginas Abertas faz uma homenagem aos 50 anos sem Villa-Lobos, um dos maiores artistas da música clássica. Entrevistamos Sérgio Molina, professor do curso de Música, e Maristela Alberini Loureiro, professora do curso de Educação Artística, ambos da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Os entrevistados falam sobre a influência de Villa-Lobos na educação do Brasil e sua importância mundial. Na matéria de capa, nossa equipe aborda o analfabetismo funcional, assunto polêmico e merecedor de profunda reflexão. Em COLUNA: CUIDADOS ESSENCIAIS, especialistas explicam como os alunos devem usar suas mochilas, alertando para as consequências da má postura e do excesso de peso que carregam. Dando continuidade à seção ESPECIAL FORMAÇÃO DE PROFESSOR, apresentamos mais um projeto pedagógico para colaborar na preparação de atividades criativas e diferenciadas. Nesta edição, confira o projeto pedagógico preparado a partir do livro Armando

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e as diferenças. Páginas Abertas ainda traz artigos, sugestões de leitura, DVDs, CDs, entre outras novidades.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Equipe Páginas Abertas

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Especial formação de professor Armando e as diferenças, de Mônica Guttmann, é uma obra contagiante pela sua mensagem. Armando quer entender mais sobre as diferenças entre as pessoas e tentar construir um mundo melhor e mais justo. Beatriz Tavares de Souza mergulha nessa ideia e propõe atividades criativas em seu projeto pedagógico.

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Sumário pág.

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Ano 34 – nº 38 – 2009 ISSN 1414-4638 Diretor Presidente Valdecir Antônio Conte Diretor Geral Manoel Conceição Quinta Diretor de Difusão Valdêz Dall’Agnese

Foto: stockXpert

Diretor de Produção Arno Brustolin

Conselho Editorial Carolina Piepke, Dílvia Ludvichak, Simone Maximo e Tom Viana Colaboradores Rubem Alves, Regina Mara de Oliveira Conrado, Gustavo Teixeira, Douglas Tufano

Capa Em uma sociedade globalizada, as exigências na formação educacional dos indivíduos são cada vez maiores. Porém, o processo educacional presente, muitas vezes, não supre essas demandas e cria uma geração de analfabetos funcionais escolarizados. Um cenário que só poderá ser transformado se houver investimentos na qualidade dos conteúdos, na formação de professores e incentivos pessoais.

Formação docente

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Diretor de Redação José Dias Goulart MTB 20.698

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Em seu segundo artigo publicado na Páginas Abertas, a profª. Regina Mara de Oliveira Conrado aborda a necessidade de um perfil de professor que acredite e incorpore a importância de cursos, oficinas, leituras, pesquisas, entre outras formas de qualificação cotidiana. O educador deve ser mais do que um informador: ele deve ser um formador, preparando-se continuamente para uma sociedade do conhecimento.

06. Entrevista

34. Sala de Aula

10. Tempus Fugit

36. Vi, gostei e recomendo!

14. Atualidade

38. Páginas Abertas Indica

20. Saúde

46. Crônica

Projeto Editorial e Gráfico Bruno Cavini Capa Bruno Cavini Coordenação de arte Bia Araujo Reportagem e Edição de Texto Assessoria de Imprensa da PAULUS Revisão Chantal Rangel Redação Rua Francisco Cruz, 229 – 04117-091 São Paulo – Tel: 11 5087-3742 FAX: 11 5579.3627 paginasabertas@paulus.com.br Atendimento ao leitor Tel: (11) 3789.4000 assinaturas@paulus.com.br A revista PÁGINAS ABERTAS é uma publicação da Pia Sociedade de São Paulo. Nenhum material desta publicação pode ser reproduzido sem prévia autorização. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas desta obra e sua editoração. Entre em contato conosco caso queira citar algum artigo. A assinatura da revista PÁGINAS ABERTAS é gratuita. Sugere-se a contribuição para despesas de correio no valor mínimo de R$ 15,00. Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores, não representando necessariamente a posição da revista Páginas Abertas.

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30. Orientação

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Entrevista | Por Simone Maximo da redação

O Brasil de Villa-Lobos Nascido em 5 de março de 1887 no Rio de Janeiro, Heitor Villa-Lobos cresceu envolvido com a música. Aprendeu, aos seis anos de idade, com o pai, a tocar clarinete e violoncelo. Viajou pelo Brasil, Estados Unidos e Europa, mostrando a diversos públicos o que ele simplesmente amava fazer: música. Foi um educador e incentivou o ensino do canto coral e da música nas escolas do Brasil. No ano em que é celebrado os cinquenta anos de sua morte, é válido rememorar as obras deste grande maestro. Nesta edição, entrevistamos Sérgio Molina, professor do curso de Música, e Maristela Alberini Loureiro, professora do curso de Educação Artística, ambos da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.

Que herança ele deixou para os aprendizes e amantes da música? Maristela Alberini Loureiro – VillaLobos nos deixou como herança um conjunto de valores e práticas musicais decorrentes do uso do material folclórico e popular. Elaborou também o Guia Prático, com temas populares harmonizados. Com este trabalho e a partir deste pensamento, as escolas regulares ofereciam em sua grade curricular o Canto Orfeônico,

meio de educação musical em massa, e o Solfejo. Foi Villa-Lobos quem impulsionou o ensino da música nas escolas brasileiras na década de 30, quando apresentou um projeto musical para São Paulo. Em agosto de 2008 foi sancionada a lei que determina, no prazo de três anos, o ensino da música em todas as escolas do Brasil. Você acredita que as escolas estão preparadas para isso? Maristela Alberini Loureiro – Tornou-se um grande desafio a formação de professores qualificados para a inclusão do ensino de música nas Foto: Divulgação

No ano de comemoração dos 50 anos de sua morte, como você avalia a presença de Villa-Lobos na cultura brasileira? Sérgio Molina – No contexto do ensino de música e do repertório de música clássica brasileira executado no Brasil, Villa-Lobos é reconhecidamente o nosso principal compositor e cada vez mais vem merecendo espaço compatível à sua importância. Por outro lado, sua presença na cultura brasileira em geral já foi muito mais contundente, tanto no que diz respeito à sua direta participação no ensino de música nas escolas (que só agora voltará a ser obrigatório depois de muitos anos) quanto na grande influência que teve na música popular brasileira dos anos 60 e 70 através da obra de Egberto Gismonti, Tom Jobim, Milton Nascimento, entre outros.

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Mesmo sabendo que somente em 2011 uma nova política definirá as séries em que a música será incluída, este tempo não é suficiente para obter qualidade no ensino musical.

Maristela Alberini Loureiro

escolas. Esta formação não pode ser a curtíssimo prazo, pois o preparo e tempo necessários para absorção de conteúdos e experiências musicais requerem a vivência da linguagem. Mesmo sabendo que somente em 2011 uma nova política definirá as séries em que a música será incluída, este tempo não é suficiente para obter qualidade no ensino musical. As escolas brasileiras ainda não conquistaram uma cultura e pensamento pedagógico-artístico-musical suficientes para o desenvolvimento individual dentro de seu ambiente social e cultural. O que o professor deve e pode ensinar em sala de aula, já que o objetivo não é formar músicos, mas sim expandir o nível cultural dos alunos? Maristela Alberini Loureiro – De acordo com o parecer da Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Educação para a implantação da Lei nº. 11.769, “O MEC recomenda que além das noções básicas de música, dos cantos cívicos nacionais e dos sons de instrumentos de orquestra, os alunos aprendam cantos, danças e sons de instrumentos regionais e folclóricos para conhecer a diversidade cultural do Brasil”. Para Villa-Lobos: “Antes do aluno ser atrapalhado com regras, deve familiari-

zar-se com os sons. Deve-se ensiná-lo a conhecer os sons, a ouvi-los, a apreciar suas cores e individualidade”. Sabemos que a música abrange muitos lugares na vida. O ensino musical é mais significativo quando realizado em um contexto de experimentação. As escolas devem proporcionar muito mais do que elementos básicos; devem, sim, oferecer aos alunos oportunidades de criar, improvisar, desenvolver a percepção e o imaginário, ao invés de praticarem fórmulas prontas de atividades musicais. Somente assim é que professores poderão conquistar a autoria e o domínio da linguagem, considerando a possibilidade de cada um, e uma produção em grupo - utilizando a voz, instrumentos convencionais ou a reprodução de sons pesquisados. Infelizmente o Brasil ainda sofre com a desigualdade social, o que permite que muitos não tenham acesso à cultura, à musica e ao conhecimento. Na sua opinião, os eventos que marcam os 50 anos da morte de Villa-Lobos podem ser uma forma de difundir seu nome entre os brasileiros que não conhecem suas obras? Sérgio Molina – A desigualdade social impede, de fato, que muitos tePáginas Abertas

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Entrevista

O nome de Villa-Lobos é comumente associado à Semana de Arte Moderna de 1922, evento que revolucionou diversas áreas da arte brasileira. Depois desse evento, o maestro residiu durante grande parte da sua vida no exterior. Hoje em dia é possível estudar música clássica no Brasil e aqui permanecer ou esta arte precisa de mais incentivos em âmbito nacional? Maristela Alberini Loureiro – É possível estudar música no Brasil e ter boa formação. Os incentivos em âmbito nacional para o estudo musical devem ser pensados sob duas perspectivas: a de quem faz música e a de quem ouve música, no caso, o público apreciador. Existem

bons professores, bons músicos, boas faculdades e escolas de música. Os movimentos sociais têm oferecido oportunidades para todas as camadas da sociedade, o que é importante para a abertura de um leque profissional e para a ampliação das oportunidades de trabalho. As restrições políticas e econômicas são grandes e o campo profissional ainda é restrito, fazendo com que o músico sinta necessidade de ir para o exterior, o que acaba inviabilizando a permanência de muitos jovens no país quando estão em início de carreira. Fale um pouco sobre a união da música clássica aos sons naturais, traço típico do trabalho de Villa-Lobos. Sérgio Molina – Como outros compositores de sua geração, no Brasil e no exterior, Villa-Lobos soube olhar e reconhecer as qualidades artísticas da música popular, seja ela urbana ou interiorana, com todos os seus sons e timbres particulares. Sobre essa inesgotável fonte de inspiração, Villa aplicou, como poucos, o filtro da tradição da música clássica de origem europeia, que fundamenta a composição na escrita musical, para produzir criativamente uma dicção legitimamente brasileira para o ambiente da música de concerto.

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nham acesso à cultura, assim como a falta de cultura das pessoas que ocupam uma posição de liderança e poder no Brasil gera e mantém, como vem acontecendo há muitos anos, a desigualdade social. A falta de cultura não é exclusividade das classes mais pobres. O papel da mídia e das entidades promotoras de cultura, neste ano de comemorações, pode vir a ser fundamental na medida em que promova atividades regulares de difusão da obra de Villa-Lobos para além do cinquentenário de sua morte.

O papel da mídia e das entidades promotoras de cultura, neste ano de comemorações, pode vir a ser fundamental na medida em que promova atividades regulares de difusão da obra de Villa-Lobos para além do cinquentenário de sua morte.

Sérgio Molina

* Sérgio Molina é compositor e mestre em Musicologia pela USP. É professor de Análise Musical e História da Música na Faculdade Santa Marcelina, professor responsável pelo curso de Composição e Arranjo na UEPA (Belém) e criador e professor do Curso de Degustação Musical. Tem diversas premiações em festivais de canção e concursos de composição. Participou, em 2005, como compositor convidado do 1º International Guitar Festival de Round-Top (EUA), estreando o concerto O Percurso das Almas Cansadas, para quarteto de violões e orquestra de cordas. Em fevereiro de 2007 voltou aos EUA para a estreia do Quinteto para um outro tempo, obra comissionada pelo Quaternaglia (quarteto de violões) e pelo pianista americano James Dick. Segundo Gil French, do American Record Guide, “... é assim que Mahler teria escrito para piano e quatro violões”. Em 2008 teve seu Poema de Vidro (canção sobre poema de Lilian Jacoto) interpretado no Suntory Hall de Tóquio. No momento prepara as gravações do projeto Sem pensar, nem pensar (músicas de Sérgio Molina, letras de Itamar Assumpção e voz de Miriam Maria) e a estreia norte-americana (2009) de Down the Black River into the Dark Night para piano, quarteto de violões e octeto de cordas. * Maristela Alberini Loureiro é professora dos departamentos de Música e de Educação Artística (licenciatura em Música) da Faculdade Santa Marcelina (FASM-SP). Desenvolve atividades de ensino orientando estágios, ministrando disciplinas de Estruturação Musical, Prática de Ensino I, Prática de Ensino II e Flauta Doce - Instrumento Complementar. Coordenadora na área de música e professora da Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA-SP). Ministra aulas de flauta doce, percepção, iniciação musical e musicalização para crianças de 5 a 12 anos. Desenvolve atividades artísticas como flautista e cantora em grupos de música de câmara.

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Filosofia | Por Claudiano dos Santos*

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A filosofia pode ser alegre?

*Claudiano Avelino dos Santos é coordenador da coleção Como ler filosofia, da Paulus. E-mail: filosofia@paulus.com.br

Ela perguntou por que estudar filosofia. Não esperou resposta e já foi falando que filosofia é coisa de pessoas meio sem juízo, e que a maioria dos “filósofos” que conhece é gente sisuda, de cara fechada, descuidada no vestuário e afirmou, com certa ênfase, até nos hábitos de higiene. Para terminar, expressou que a única coisa a combinar mesmo com a filosofia é a coruja, aquele bicho esquisito, de olhar estranho, que vive em tocas e geralmente voa quando está escuro e, diferente dos alegres periquitos, não anda em bandos e vive sozinha. Como defender a filosofia dessas acusações? Talvez quem se dedica a ela não esteja ligando muito para opiniões alheias. Mas vale a pergunta: a filosofia pode ser alegre, colorida, festiva? A filosofia é marcada pela capacidade de fazer perguntas. Observemos com que tranquilidade as crianças fazem perguntas. Questionam geralmente quando estão muito à vontade, quando não têm medo. E uma das características mais fascinantes da infância é a alegria, o riso, a gargalhada. Há um parentesco entre a pergunta e o riso. Ninguém ri verdadeiramente sem liberdade não falo aqui de mostrar os dentes, como fazem muitos profissionais por obrigação. O riso autêntico – que pode variar de uma gargalhada gostosa e escandalosa até o sorrisinho contido – tem o poder de revelar aspectos diferentes das coisas e

até da vida. Por seu caráter exploratório, pelo ar de novidade que traz, o riso pode, sim, ser aliado da filosofia. Não que o silêncio, as reflexões feitas no crepúsculo não mereçam a fama de bons instrumentos para o conhecimento, mas eles não excluem a dinamicidade alegre do riso que movimenta, descontrai, desconcerta.

Há um parentesco entre a pergunta e o riso. Ninguém ri verdadeiramente sem liberdade.

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Tempus Fugit | Por Rubem Alves*

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Lições de

* Rubem Alves é mineiro de Boa Esperança, bacharel e mestre em Teologia, doutor em Filosofia e psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Possui várias publicações como crônicas, livros infantis, de Teologia e Filosofia da Ciência e Educação.

abismo O campo ondulava ao vento e a luz oblíqua do outono dava ao verde do capim tons suaves de amarelo. As flores silvestres buscavam o denso tecido da relva, e emergiam pontos coloridos por todos os lugares. Aos olhos acostumados às coisas grandes, elas passavam despercebidas. Mas quem se desse ao cuidado de se abaixar para vê-las perceberia a mesma perfeição simétrica das grandes. Mais delicadas. Miniaturas. Havia o bom cheiro silvestre no ar, misturado com as abelhas que zumbiam, e se sabia, com certeza, que em algum oco de árvore ou buraco de cupim o mel se acumulava. Palmeiras. Mais ao longo o adensamento da vegetação, árvores especialmente viçosas e em formação compacta, gigantesca lagarta verde sinuosa sobre o campo, anunciava um regato escondido. Ali o ar era mais fresco e a sombra borbulhava ao ruído da água que rolava sobre as pedras e molhava as samambaias. Tudo estava cheio de tranquilizante ausência dos homens e seus detritos. Uma árvore velha havia caído sobre o riacho, mas se recusara a morrer de todo, e mesmo de sua posição horizontal lançava novos brotos verdes, e na sua casca rugosa meio podre, úmida, verdejavam musgos de veludo e avencas transparentes. Dali se podiam ver as vacas que mastigavam sua tranquilidade imperturbável sob a sombra de árvores copadas. Tudo existia sem pressa. Não se percebia nenhum desejo insatisfeito no ar. Todas as coisas diziam, silenciosamente: “É assim mesmo, está bom que seja sempre assim…”. E assim era. Bichos e plantas aconteciam como sempre tinham acontecido por milênios, e só desejavam que continuassem acontecendo, sem novidades. Eram inconscientes felizes. Somente os infelizes buscam

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coisas novas. Felicidade é, sempre, recuperar aquilo que se perdeu. Mas ali sabia-se que o perdido haveria de retornar. O corpo, subtraído do tempo de pressa que marca a infelicidade do progresso urbano, se reencontrava com suas origens imemoriais: o ar, a terra, a água, o sol. De novo no paraíso, sua origem e destino. Tudo se tornava transparentemente simples. O desejo aparecia, luminoso: só queremos a harmonia. E surgia um impulso louco de sair por ali abraçando as árvores, bebendo a água, agradando o capim, respirando o ar e dizendo a tudo da imensa felicidade… Mas, abruptamente, sinais de um cataclismo de tempos imemoriais. A mansa terra aparecia interrompida, rasgada numa ferida profunda, abismo, garganta aberta, que deixava ver suas entranhas, paredes verticais de setenta metros, pedras negras, e o regato desaparecia, suas águas se precipitando, desamparadas, no espaço vazio. O corpo fica diferente. Não é mais companheiro das vacas que mastigam tranquilidade à sombra das árvores. Agora ele olha para baixo, vê o abismo que se abre dali aos seus pés, e sabe que o seu destino será o mesmo do riacho, se der um passo a mais. À beira do penhasco, contempla a possibilidade de sua própria dissolução. Dentro da garganta está a morte. Mas o fascínio é incontrolável porque a visão é fantástica. As árvores, dantes criaturas tranquilas, agora são formas que se agarram às rochas, suas raízes, dedos crispados à procura de fendas onde se agarrar, sentindo a atração do vazio. Vivaldi ficou para trás, com as vacas, as abelhas, as florzinhas. Agora é Somente os infelizes Brahms que se ouve. E é certo que os buscam coisas pensamentos das árvores abissais não são os mesmos que os das árvores de novas. Felicidade é, planície. E eu? Ser de planície ou ser de sempre, recuperar abismo? Quero ver a água que não posso aquilo que se perdeu. ver, escondida na verticalidade da rocha. Só há uma forma. Tornando-me abissal também. O corpo se agarra à árvore pendurada, as mãos se crispam em volta do tronco, sentindo-se como continuação das raízes. O corpo solta-se sobre o abismo e vê as metamorfoses da água. Em cima ela corre inocente, cantando, ignorando o seu destino inevitável. De repente, o pulo sobre o abismo. E ela se perde, em gotículas sem conta, cada vez menores, até que tudo se resuma à neblina através da qual a luz do sol se revela como arco-íris. Lá embaixo ela se reencontra, lagoa mansa de águas verdes, ao lado da cachoeira. Ali as crianças podem brincar, e se vacas houver naquelas funduras, é certo que não terão medo de beber. E o regato se retoma novamente, no fundo do abismo. Ouve-se, de novo, a música de Vivaldi. O corpo se contorce, e volta do abismo para a planície. Sua hora ainda não chegou para o grande mergulho. De novo andando pela mesma campina, já não é um mesmo. Percebe, então, que o cheiro estranho que vinha no vento, misturado ao cheiro da relva, das flores e do mel, era o cheiro dos abismos e dos vazios. Quem nunca se pendurou sobre o abismo não compreende a beleza dos campos. Pois, como diz Rilke, “o belo é o grau do terrível que ainda suportamos e admiramos porque, impassível, desdenha destruir-nos…”. Mansos como as árvores cuja sombra as vacas mastigam, selvagens como as árvores que se dependuram sobre o abismo…

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Reflexão | Por Regina Mara de Oliveira Conrado *

Formação docente:

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o desafio da qualificação cotidiana As exigências do mundo fazem com que o trabalho da escola se torne cada vez mais completo. Administrar a responsabilidade de transmitir conhecimentos, ensinar valores, orientar famílias, capacitar o corpo docente e demais colaboradores, bem como gerenciar conflitos dentro de um mercado altamente competitivo, muitas vezes, geram conflitos. Em função da globalização, várias áreas de interação com a sociedade foram afetadas, e a escola, como exemplo de um desses domínios que mantém um estreito vínculo entre pais e educadores, também não ficou de fora desse processo. Educadores precisam inovar em seus conhecimentos, refletir, criar, dinamizar e evoluir. Na mesma medida, suas práticas educacionais devem ser ampliadas pela busca de novos horizontes, tendo como meta a melhoria pedagógica da aprendizagem, bem como a formação humanística da escola. Essa melhoria deve ser uma meta. Vivemos num tempo em que tudo se modifica e moderniza rápido demais. A educação não foge a essa regra. Hoje nossos alunos têm outras necessidades: eles precisam de aulas dinâmicas e atuais que resgatem valores morais e éticos. Com o novo perfil de família, a escola tem que ir além do seu papel de transmissora de conhecimentos e assumir sua identidade de “educadora”, no sentido pleno da palavra, tendo a função de cumprir com seus conteúdos pedagógicos e suprir a necessidade dos pais no que diz respeito à educação moral.

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É muito importante ter definido que o ser humano é uma “caixinha de surpresa”: é necessário que os educadores se abasteçam de dinamismo (diversas formas de se empregar a prática pedagógica na construção do conhecimento), de humildade (perceber, reconhecer e assumir que o educador não possui o domínio total do conhecimento, e sim que ele é um companheiro nesta busca pelo aprimoramento e aprendizagem, sendo o mediador desta ação educativa. O processo de desenvolvimento cognitivo, social, cultural, emocional, político e de formação humana é visto como um desafio de crescimento para ambas as partes) e de propostas inovadoras que visam facilitar e proporcionar, através da imaginação e criatividade, variadas atividades pedagógicas que transformem as práticas educativas. O professor atualmente não é só aquele que instrui, mas aquele que proporciona o desenvolvimento de valores éticos, morais e sociais, tornando-se, desta forma, um brilhante educador. A importância de uma qualificação acadêmica é indispensável e recomendável, impulsionando-o a aprimorar os conhecimentos adquiridos; porém, a qualificação cotidiana é um desafio no sentido de ser uma

exigência para que o docente atue em sala de aula. Formar o docente para as novas tendências educacionais significa proporcionar-lhe autonomia e segurança para administrar sua independência profissional. Muitos docentes, mesmo sendo profissionais assíduos, brilhantes e dominadores da sua própria técnica de conteúdo, aprenderam muito na prática, errando, observando, aplicando, buscando. O desafio de se aprimorar e de se estar no processo contínuo de formação são determinantes imprescindíveis para o educador de hoje e do futuro, no tocante ao processo de formação sólida e contínua. É necessário um perfil de professor que acredite e incorpore intensivamente a importância de cursos, oficinas, leituras, pesquisas; a vivência oferecida pelos alunos, recursos e experiências de sua própria aprendizagem, e as vivências culturais, práticas educativas e a diversidade na sala de aula (inclusão social – somos todos inclusos, pensamos, agimos, acreditamos de formas diferentes). A intenção é dar continuidade a um processo de qualificação que promova educadores com diferentes linguagens contemporâneas. O educador deve atualizar-se e assumir um espaço formativo de atuação como agente que também é aprendiz. Mais do que um informador, ele deve ser um formador, preparando-se continuamente para uma sociedade do conhecimento, devendo ser alguém com capacidade para estabelecer vínculos afetivos e ter um olhar diferenciado em relação a cada um dos seus alunos. Deverá estabelecer relações com as novas tecnologias, alimentar o processo de desenvolvimento cognitivo e contribuir para a formação sócio-emocional, moral, afetiva e ética: este é o desafio de um profissional no contexto de uma qualificação cotidiana, garantindo condições positivas na formação da sua própria aprendizagem enquanto professor-aprendiz. Contribuindo com o desenvolvimento e com a formação de seus alunos, o educador primará tanto pelo seu desenvolvimento profissional como para a qualidade de ensino, acreditando que um cenário educacional de qualidade é um sonho que qualquer escola pode realizar! * Regina Mara de Oliveira Conrado é psicóloga, pedagoga e atua como coordenadora pedagógica no Colégio São José e na Escola Americana de Santos.

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Atualidade | Por João Luís de Almeida Machado *

Educação e Tecnologia O impacto da “Inclusão Digital” em nossas escolas Temos alunos do século XXI e escolas do século XX. Tentamos a todo custo modernizar as salas de aula para que este paradoxo seja superado. Governos investem em laboratórios de informática, conexão com a Web em banda larga, projetos que relacionam educação e tecnologias de informação e comunicação, formação dos professores quanto ao uso de computadores... E de que vale todo este esforço, por mais que ele possa ser concatenado, se não fizermos de imediato um retrato em branco e preto das atuais condições relacionadas ao uso das tecnologias em sala de aula? Falo não no sentido de definir através destas linhas se somos favoráveis ou contrários à adoção de computadores, periféricos, acesso à Internet, softwares e outros recursos usados no cotidiano escolar. Isto já não está em questão. Somente radicalismos extremistas não concebem que as escolas, como parte da sociedade, para sua total integração, precisam participar do processo de “inclusão digital”. O que se pretende, de imediato, é perceber os impactos positivos e negativos da “inclusão digital” em

nossas escolas. Neste sentido, o que apreciamos são os fatos constatados a partir do advento das tecnologias ao contexto educacional ao longo destes anos, conquistas que abrem o novo século e o novo milênio. E para facilitar a nossa compreensão, destacamos alguns dados que estão na mídia, mas que, por conta do emaranhado de informações bombardeadas todos os dias, por vezes passam despercebidos. O perfil de nosso aluno, conforme detectado pelas pesquisas mais recentes, tanto no Brasil quanto no exterior, é o do multitarefas (multitaskers). Isso significa que estes estudantes mantêm um contato cada vez maior e mais prematuro com as novas tecnologias (computadores, Internet, câmeras digitais, telefones celulares) a partir das relações que estabelecem em contextos extraescolares, pautando-se, assim, no uso paralelo e/ou simultâneo de vários recursos tecnológicos. Nossos alunos, independente da faixa etária, utilizam o MSN ao mesmo tempo em que realizam buscas no Google, ouvem música em MP3, assistem televisão, atendem ao telefone, enviam torpedos e fazem tarefas.

As principais fontes de atualização de informações que utilizo para meu trabalho em educação são:

Qual a quantidade de horas que seus filhos gastam na Internet por dia?

Internet (sites e blogs) - 85%

1 hora ou menos - 69%

Livros -7,5%

2 horas - 10%

Jornais e/ou revistas – 2,5%

3 horas - 3%

Filmes e outros recursos culturais - 5%

4 horas ou mais - 16%

Fonte: Planeta Educação – Enquetes Online Participantes: 220 pessoas

Fonte: Planeta Educação – Enquetes Online Participantes: 156 pessoas

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Profissionais da Educação Básica e capacitação com as novas tecnologias (uso de Internet) - Dados Brasil

10%

7%

Já participou mas tem dificuldade em utilizar

Já participou e sabe utilizar

24%

Não informado

34%

Nunca participou e não sabe utilizar

25%

Nunca participou mas sabe utilizar

Fonte: Mec/Inep - 2003

Quando estes estudantes chegam à sala de aula, em virtude da diferença de velocidade e recursos disponíveis utilizados na transmissão de conhecimento, o interesse real pelos estudos, invariavelmente, declina. Se pudermos fazer uma comparação com o mundo virtual, seria como se eles estivessem plugados na rede, contando com periféricos variados, em alta velocidade (banda larga) e, ao entrarem na escola, adentrassem um ambiente que ainda usa conexão discada, com velhos micros XP ou AT e gravação de dados em disquetes. Felizmente os investimentos estão sendo feitos para que as escolas tenham bons laboratórios de informática, equipados com computadores atualizados quanto à configuração e periféricos (como impressoras, scanners) com acesso à rede em banda larga. Em alguns municípios brasileiros, temos projetos de informática educativa. Existem até processos de formação dos educadores para o uso destas tecnologias em certas localidades. O que não existe, porém, é a concatenação destes esforços, a plena introdução do que está sendo ensinado ao cotidiano das escolas e a aferição dos resultados relativos ao uso das tecnologias em sala de aula. Sintetizando, poderíamos dizer que temos alunos cada vez mais “ligados” nas tecnologias a partir de influências extraescolares e investimentos na infraestrutura de apoio, tudo para que a “inclusão digital” de nossas escolas aconteça; porém, não temos ainda a efetivação deste procedimento devido à falta de aplicação e de avaliação daquilo que está sendo disponibilizado para as escolas brasileiras. Qual fator impede a plena concretização da “inclusão digital” de nossas escolas? Onde está o entrave? A princípio, as pessoas poderiam pensar em culpados e apontar o dedo para algum grupo relacionado à efetivação da educação, como

gestores ou educadores. Não penso desta forma. A cultura promovida em nossas escolas, pautada nos princípios mais conservadores (apesar de se dizer progressista, crítica, construtivista), é impeditivo fortíssimo, que estabelece barreiras e promove um continuísmo na pedagogia nacional, além de não abrir espaços reais para a efetivação de transformações reais nas escolas brasileiras. O que é oferecido para a “inclusão digital” de nossas escolas esbarra nestes empecilhos. Não basta dar cursos de formação rápida. É preciso que haja continuidade nestes cursos, acompanhamento em sala de aula, tutoria por especialistas, cobrança de aulas que utilizem o que foi aprendido quanto às novas tecnologias e, ao final de tudo, aferir os resultados. A permanência quanto ao uso das tecnologias só ocorrerá se formos perseverantes no trabalho com estes recursos, por mais exaustivo que esse trabalho possa parecer. Entretanto, ele deve ser concretizado para que colhamos os frutos no amanhã da educação nacional. Pela forma como as tecnologias foram incluídas até o momento nas escolas, as possibilidades de ganhos são praticamente nulas. Nossos alunos abusam do “copiar e colar”; tornaram-se fiéis frequentadores do Google; utilizam os comunicadores instantâneos de forma corrente com um idioma novo, especialmente criado para este fim, e, ao se firmarem como multitaskers, consagram o sistema operacional do mundo virtual em suas mentes, pecando porque, apesar de informados, não depuram a informação a ponto de consolidá-la como conhecimento. * João Luís de Almeida Machado, editor do Planeta Educação (www.planetaeducacao. com.br), é doutor em Educação pela PUC-SP e mestre em Educação, Arte e História da Cultura pelo Mackenzie/SP.

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“Não sei ler nem escrever, a vida não me propiciou essas regalias. A ausência desses saberes, entretanto, não impediu a construção de alguma felicidade. Tenho família, tenho emprego e embora o que eu ganhe permita que minha família não passe fome, bem sei que o que posso oferecer aos meus filhos não os impede de cobiçar vitrines, com olhos gulosos. Agora estou frequentando um curso de alfabetização de adultos e, segundo minha professora, em pouco tempo saberei conhecer as letras, decifrar marcas, saber o que os letreiros dos ônibus falam e, até mesmo, olhar os remédios na prateleira da casa de meu sogro, identificando o nome de um ou de outro. Sabendo ler, creio que ganharei um pouco mais, mas mesmo assim ainda olharei com inveja o mundo das pessoas que sabem mais, muito mais que eu...”. São com estas palavras que o professor Celso Antunes, bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo, especialista em inteligência e Cognição e mestre em Ciências Humanas pela mesma instituição, ilustra um problema que atinge milhares de pessoas no país e no mundo: o analfabetismo funcional.

História e evolução Originalmente cunhado nos Estados Unidos na década de 30 e utilizado pelo exército americano, o termo alfabetismo funcional indicava a capacidade dos indivíduos em entender as instruções escritas necessárias para a realização de tarefas militares. Desde então, esta denominação passou a caracterizar as pessoas em contextos diferentes, como as implicações das habilidades da leitura e da escrita no ambiente doméstico, profissional, cotidiano, social e comunitário. A disseminação mundial deste conceito deu-se em 1978 pela Unesco, que classificou alfabetizada funcional a pessoa que conseguia utilizar a leitura e a escrita em seu contexto sociocultural, aliando essas práticas às necessidades da sociedade e usando essas competências em prol do seu desenvolvimento pessoal e profissional. Já na década de 90, a Unesco passou a recomendar como indicador do alfabetismo funcional o número de séries escolares concluídas pelo indivíduo, e não a autoavaliação, na qual a população recenseada era questionada sobre a capacidade de ler e escrever uma mensagem simples. Tais mudanças acompanharam o desenvolvimento e o contexto mundial, como explica Ana Lucia Lima, diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro: “Esta evolução nos conceitos é um reflexo de quão mais exigente vêm se tornando as demandas da sociedade. Escrever o nome certamente já não basta para que um indivíduo possa exercer de maneira plena seu papel na sociedade atual”. A professora Maria Auxiliadora Seabra Rezende, presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e secretária de Educação de Tocan-

tins, ainda complementa: “Hoje a sociedade exige para as atividades mais simples um mínimo de compreensão. Até mesmo para trabalhar em uma produção rural, por exemplo, é preciso saber ler os rótulos e operar as máquinas”.

Realidade brasileira E esta é uma realidade que os números revelam. Segundo o relatório divulgado em dezembro de 2008 pelo movimento Todos Pela Educação (mobilização da sociedade civil que reúne lideranças sociais, representantes da iniciativa privada e educadores) em 2007, apenas 27,9% dos alunos da 4ª série do Ensino Fundamental aprenderam o conteúdo adequado para a respectiva série em língua portuguesa. Já para a 8ª série, o relatório mostra que somente um a cada cinco estudantes entendeu a matéria. O movimento defende que até 2022, 70% ou mais dos alunos tenham conhecimento adequado para as suas séries. Dados como estes indicam que o analfabetismo funcional é um problema que se inicia logo nos primeiros anos escolares e cuja raiz está em um processo educacional deficiente, como relata Maria Auxiliadora Seabra Rezende: “Se analisarmos os dados do PNAD e do IBGE de hoje, observamos que 78% dos analfabetos já tiveram contato com programas de alfabetização; entretanto, eles não se consideram alfabetizados porque não deram continuidade ao processo de letramento. O analfabetismo funcional é fruto de programas desta natureza. O seu processo de alfabetização é tão precário que, mesmo continuando na alfabetização, se torna difícil prosseguir com sucesso na escola. Infelizmente nós temos alguns casos de pessoas que estão na 4ª, 6ª e 8ª série e têm um nível de letramento muito reduzido, quase considerado um analfabeto funcional – conseguem juntar letras, mas não leem, não interpretam e não inferem uma informação. Isso é fruto ou de um processo de escolarização inadequado, ou de uma escolarização incompleta”. Com um processo educacional incapaz de suprir as necessidades básicas dos alunos para que exerçam um papel ativo na sociedade, o caminho para a redução dos índices de analfabetismo funcional é oferecer uma alfabetização eficaz. Para a professora Maria Auxiliadora Seabra Rezende, a primeira etapa da escolarização é fundamental para o desenvolvimento educacional do aluno. “Muitas das crianças da escola pública não têm acesso à pré-escola, o que não ocorre com os alunos da escola privada, que normalmente entram com 2 anos, 2 anos e meio ou 3 anos. Ele vai trabalhando a coordenação motora e a percepção. Em muitos casos, o aluno da escola pública entra com 7 anos e olhe lá. Pesquisas mostram que existe uma grande diferença entre a criança que cursou e a que não cursou a pré-escola”, explica. Páginas Abertas

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Capa | Por Carolina Piepke da redação Além da formação educacional de base ser imprescindível para um início de qualidade na aprendizagem, outros fatores também sinalizam as causas do analfabetismo funcional. “Podem ser apontadas como causas desde a falta de acesso à escola e ao ensino de qualidade, como também aos meios de comunicação e cultura. A falta de estímulo na própria família também é um fator a ser considerado, até mesmo porque ela como um todo pode ser considerada analfabeta funcional se não teve acesso aos incentivos necessários”, explica Ana Lucia Lima. Se um conjunto de fatores caracteriza este problema, suas consequências igualmente se somam e qualificam uma geração de excludentes. A falta de acesso à cultura de estímulo para um aprendizado contínuo e de boas oportunidades de formação pessoal e profissional indicam uma classe de indivíduos com sub-empregos e baixa remuneração, consequentemente uma população assinalada pela desigualdade social, econômica e cultural. Dessa forma, um investimento se faz necessário e urgente para que essa geração tenha poder de participação e igualdade de direitos. Para Ana Lucia Lima, é somente a união de forças aliada à mensuração de dados e pesquisas sobre essa realidade educacional do país que apontarão novos caminhos, debates e projetos: “Foi exatamente para melhor conhecer a realidade brasileira e trazer à tona esta importante questão que, desde 2001, o Instituto Paulo Montenegro, em parceria com a ONG Ação Educativa e com o IBOPE Opinião, publica o INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), que traz valiosas informações sobre as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática da população adulta brasileira, de modo a fomentar o debate público e subsidiar a formulação de políticas educacionais e culturais. Ela ainda exemplifica: “Os dados do INAF mostram que a quase totalidade dos analfabetos absolutos e a maior parcela dos analfabetos funcionais pertencem às gerações que não puderam frequentar a escola ou não puderam ir além das primeiras séries! (...) Nosso maior risco, nos dias de hoje, é continuar a produzir analfabetos funcionais escolarizados!”

Reescrevendo a educação Diante deste cenário, observa-se que uma reformulação no processo educacional emerge das distorções encontradas na escolarização, que não supre as demandas do mundo globalizado. Investir na educação é transformar as perspectivas educacionais oferecidas atualmente, visando a qualidade, a

Analfabetos funcionais pensam que sabem o que deveriam saber e muitas vezes se satisfazem na ilusão de uma compreensão que desconhecem, de uma significação que jamais podem elaborar. Celso Antunes, professor

continuidade e a superação. É o que explica Paulo Augusto de Podestá Botelho, professor e consultor de empresas para programas de engenharia de qualidade, antropologia empresarial e gestão ambiental: “Qualidade é a busca do melhor, da excelência, da superação. Ninguém pode melhorar se não puder se superar. Qualquer programa de ensino precisa ser formulado a partir de um levantamento das necessidades dos alunos. E este programa precisa alcançá-lo em sua totalidade. Educação é um processo efetivo de comunicação escrita e falada. É linguagem. E linguagem é a institucionalização da necessidade humana de intercâmbio, de troca. Ela permite que a comunicação transcorra ao nível do simbólico. E o simbólico exige uma gramática, uma sintaxe que seja comum a todos e que dê sentido à vida”. A reconstrução que gere um significado à vida é o norte de um novo processo educacional. Nesse caminho, o professor Celso Antunes explica ainda que a realidade educacional de hoje, muitas vezes, não contribui para a dignidade do ser humano. “É indiscutível que se necessita repensar, e com urgência, o processo educacional. Ainda vigora em muitos países (e nesse contexto não se oculta o Brasil) uma escola voltada para a informação e não para a sabedoria, para a memorização e não para a construção de significação, para a rotina repetitiva de fatos sem sua análise. E em não renovando o processo educacional, ainda persistirá a amargura da divisão social entre pessoas que vivem e compreendem seu espaço e seu tempo e muitas outras que jamais se incluirão como protagonistas dessa situação. Um diploma oferecido por escolas com essas prerrogativas é documento inútil, informação ilusória. Rotu-

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lam-se pessoas, não se fazem profissionais, alienam-se pensamentos, não se atribui dignidade à criatura. Já Ana Lúcia Lima comenta que além da reestruturação de conteúdos, a educação deve ser pensada como um conjunto de fatores que influencia a qualidade e o desempenho escolar: “Acho importante que haja uma atualização constante dos conteúdos escolares mas, em minha opinião, isto não significa abandonar a transmissão, aos mais jovens, dos saberes acumulados por nossa sociedade e nossa cultura. Creio que mais do que uma revisão dos conteúdos, seja urgente uma revisão dos métodos e, principalmente, das condições estruturais da educação. Todo aprendizado é relevante se estimulado por uma curiosidade genuína. Mas para despertar nas crianças, adolescentes e jovens o desejo de descobrir, conhecer e compreender o mundo que os cerca, é preciso criar um ambiente propício, com recursos materiais adequados e recursos humanos competentes. E este ambiente não se deve limitar à escola: é fundamental que os pais, a comunidade em que vivem e a sociedade como um todo valorizem o conhecimento. Creio que esta seja a mudança de que a educação brasileira precisa”. Refletir sobre estas mudanças implica também repensar na formação dos professores, pois eles são o principal canal entre o conhecimento e o aluno. É por meio dos educadores que a qualidade da educação chega aos estudantes. Dessa forma, incentivar políticas direcionadas aos docentes se faz tão necessário quanto investir na reformulação dos conteúdos, como relata Maria Auxiliadora Seabra Rezende: “Nós precisamos de uma grande política de incentivo ao processo de letramento,

de leitura, de alfabetização, e insisto que o professor precisa ter clareza de que a cada atividade que ele realiza, uma habilidade é trabalhada. É comum, mesmo entre os bons professores alfabetizadores, realizar atividades que trabalhem o mesmo nível de competência, a mesma habilidade, pois eles não sabem porque estão trabalhando com um joguinho de letras, com o jornal e qual a habilidade que vão abstrair dali, que vão conseguir trabalhar com os seus alunos (...)”. Os cursos de formação de professores não estão preparando este profissional para lidar com a alfabetização. É preciso que haja compreensão de que não é só o professor de língua portuguesa o responsável pela alfabetização. Durante todo o processo de ensino/aprendizagem, a compreensão, o letramento e a leitura com qualidade devem ser perseguidos por todas as áreas do conhecimento.

Comprometimento As competências e habilidades são qualidades conquistadas pela superação de limites, um contínuo aprendizado e dedicação, estímulos esses que partem de diversos espectros e que dependem de ambientes e contextos favoráveis para tais práticas. Analfabetos funcionais não podem ser apontados em sua totalidade por esta condição, pois usufruem de um processo educacional deficiente que muitas vezes exclui os indivíduos das oportunidades por não capacitá-los para as novas demandas da sociedade. Os compromissos necessários para esta mudança de cenário incluem diversas frentes de trabalho. Organizações não-governamentais, entidades privadas, mobilizações sociais e comunitárias e o Estado devem compor um time de combate em prol da reeducação no país.

“Atualmente os alunos não se interessam em ler qualquer livro que seja. Uma minoria lê aquilo que fez ou faz sucesso. É o caso de Harry Potter, por exemplo. Cria-se uma geração de jovens que não sabe fazer uma pesquisa e que não vai a uma biblioteca, lendo apenas aquilo que é obrigada a ler. Isso também se deve às facilidades da Internet. Esse meio que deveria ser um grande incentivo à cultura não funciona, pois os alunos não sabem e não querem aprender a diferenciar o que é bom do que é ruim dentro da rede. Não acho que meus alunos da rede particular sejam analfabetos funcionais, e sim pessoas que não têm a curiosidade de descobrir novos conhecimentos. Tenho alunos na 8ª série que não sabem quem foi Hitler ou Júlio César, por exemplo, relata Diego Masiviero, professor de História formado pela PUC-SP”.

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Saúde | Por Simone Maximo da redação

Coluna: cuidados essenciais

Mochilas leves e postura correta garantem uma boa saúde

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Cadernos, livros, estojos, dicionários, pastas, bolsas e muitos outros materiais são solicitados aos pais pelas escolas públicas e privadas no início do ano. Preços elevados justificam as novidades, as cores, os personagens e tudo o que chama a atenção de crianças e adolescentes. Após adquirir todo o material que compõe a lista, chega a hora de organizar as mochilas. Embora pareça

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simples, este momento é fundamental para a saúde da coluna. Manter os objetos mais pesados no fundo da mochila e mais próximo ao corpo são formas de evitar dores e mal-estar; porém, o risco apresentado pelas bolsas não se limita apenas ao peso, mas também à forma como são utilizadas pelos estudantes. Alguns alunos, principalmente os adolescentes, costumam usar apenas uma das alças no ombro, sobrecarregando o lado do corpo exigido. É importante que os pais e os professores fiquem atentos na forma como os alunos utilizam esse acessório para evitar dores e desconforto na coluna. De acordo com o ortopedista do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas, Alexandre Fogaça Cristante, as bolsas com rodinhas são os melhores modelos, já que as crianças podem puxar ou empurrá-las, mas, se tiverem que ser carregadas nas costas, alguns detalhes importantes devem ser observados antes da compra. “O ideal são as mochilas com três pontos de apoio: dois nos ombros e um na cintura”, explica. Cristante destaca que os alunos devem manter uma postura correta enquanto assistem às aulas para evitar problemas no futuro. “O tampo da mesa deve estar na altura dos cotovelos, de modo que o aluno possa apoiar os antebraços, havendo apoio para as costas. Em caso de uso do computador, a tela deve estar na altura dos olhos do aluno”, explica. Uma das maneiras de evitar dores na coluna por causa do peso é a pré-disposição da escola em oferecer armários onde as crianças possam guardar seus materiais, porém, este é um modelo raro de escola no Brasil, limitando-se apenas a alguns colégios privados. O Colégio Padre Moye, em São Paulo, adotou os armários como uma facilidade para os alunos. Segundo a gerente educacional, Maria Cecília de Souza, essa iniciativa era um desejo antigo, já que os alunos enfrentam cada vez mais situações em que precisam se locomover, depois da aula, para outro local que não seja a casa deles. “Nem sempre eles transportam só o material escolar”, diz. O uso dos armários pelos alunos é um serviço cobrado e o contrato de pagamento é estabelecido diretamente com a empresa que presta o serviço. Cecília afirma que gostaria que o uso dos armários pelos alunos fosse gratuito, mas que o colégio não consegue arcar com essas despe-

sas. “O investimento é bastante alto e o uso dos armários com a segurança adequada implica em gerenciamento de detalhes, como os seus segredos, por exemplo. Isso traria a responsabilidade total para o colégio”, argumenta.

Diagnóstico Dores na coluna são causadas por diversos fatores, mas o chefe do Centro de Tratamento das Doenças da Coluna do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, Luiz Cláudio Schettino, alerta que é preciso diferenciar o desconforto causado pelo uso de mochilas pesadas e doenças da coluna. “Carregar peso não causará um desvio da coluna. Escoliose, por exemplo, é uma deformidade, uma doença, e vai muito além de carregar mochilas pesadas. Mas se a criança sentir dores persistentes que a impeça de brincar, é preciso procurar um médico para fazer o exame clínico”, afirma. O exame é simples e fácil de detectar quando há alguma deformidade. O paciente, em pé, se curva para a frente com os joelhos retos, como se fosse pegar o seu próprio pé. Se for constatado algum desvio, o médico encaminhará o paciente a um especialista, que pedirá uma radiografia para detectar qual o tipo e grau de deformidade da coluna. Para tratamento há terapias, exercícios de educação postural e, em casos de desvio estrutural e progressivo da coluna, é recomendado, de acordo com a gravidade, o uso de coletes ou a realização de cirurgias.

m co s s o a hil ois n c mo io: d ra. s u a o int ão e ap c s d al na ide ntos um O po os e s trê mbr o

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Saúde | Por Simone Maximo da redação Algumas doenças da coluna

Escoliose

Cifose

Lordose

Alteração da postura definida como uma curvatura lateral da coluna vertebral, no plano frontal (vista posterior), que também está associada habitualmente com a rotação das vértebras, com pequenos desvios e sem sintomas; entretanto, nos casos mais graves, a deformidade pode comprometer a região cardiopulmonar.

Deformidade da coluna vertebral caracterizada pela flexão excessiva da região torácica, que produz no indivíduo uma postura corcunda. Mais comum em mulheres, tendo maior incidência em pessoas de idade avançada em ambos os sexos. O aumento dessa curvatura pode favorecer o desgaste vertebral e causar o aparecimento de “bicos-de-papagaio”, e ainda comprometer a função pulmonar por redução dos movimentos das costelas.

Alteração da postura caracterizada pelo aumento das curvaturas fisiológicas, podendo ser observada na região lombar e cervical. Provoca desconforto nessas regiões e pode colaborar com o futuro aparecimento da hérnia de disco.

ANDRADE, Patrícia Horta e GONÇALVES, Ângelo Roberto. Como cuidar da sua coluna? São Paulo, Ed. Paulus, 2004.

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Especial For m a รง รฃ o d e

Pr o f e s s o r s a รง n re e if d s a e o d n Arma

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Especial formação de professor | Por Beatriz Tavares de Souza*

Criatividade sempre! Foto: Divulgação

Conforme publicamos na edição anterior, a equipe de Páginas Abertas pretende colaborar cada vez mais com os educadores na difícil missão de ensinar. A fim de contribuir com o trabalho desses importantes profissionais, continuamos sugerindo atividades por meio dos produtos PAULUS. Confira nas próximas páginas o projeto pedagógico do livro Armando e as diferenças elaborado por Beatriz Tavares de Souza.

Título: Armando e as diferenças Autor: Mônica Guttmann Ilustrações: Mirella Spinelli Formato: 21,5 cm x 27,5 cm Número de páginas: 32 páginas

* Beatriz Tavares de Souza é mestre em Linguística Aplicada e pós-graduada em Língua Portuguesa pela PUCSP. Tem licenciatura plena em Língua Portuguesa e é bacharel em Língua Espanhola, também pela PUC-SP.

Apresentação Trata-se de uma produção literária que leva para o leitor as indagações sobre tantas diferenças entre os seres humanos, apesar das inúmeras semelhanças existentes entre eles. Mônica Guttmann desenvolve sua obra de forma criativa com a presença de Armando, principal personagem, cuja figura pode representar alguém, um de nós, mas especialmente a criança aguçada por sua curiosidade. Tratam-se de questionamentos para que possamos entender sobre o comportamento humano inserido no meio social ou na vida de cada um. A autora procura utilizar recursos como a linguagem verbo-visual para retratar a realidade do mundo e dos sonhos que existem dentro de nós, como a expectativa de mudanças em nosso convívio a partir de um novo modo de agir das pessoas.

Projeto Pedagógico Como reconhecer as nossas semelhanças e diferenças entre os outros.

Justificativas A temática do livro é direcionada ao público pré-adolescente, tendo em vista a abordagem de problemas relacionados ao coletivo, ligados à dificuldade das pessoas em se aceitar, bem como à falta de tolerância e de respeito diante das diferenças dos outros. A partir dessas constatações é possível propor atividades para que o aluno se conscientize da pluralidade cultural entre os povos e das formas de agir e de se interar com os outros, semelhantes ou não entre si.

Objetivos Levar o aluno a ler e a atribuir sentidos; relacionar o texto escrito à imagem; levar o aluno a desenvolver a percepção em relação aos conhecimentos textuais linguísticos e de mundo, ligando os fatos do cotidiano sob os aspectos do comportamento social à temática do livro: “semelhanças e diferenças entre pessoas”; questionar a dificuldade encontrada pelas pessoas em aceitar, tolerar e respeitar as diferenças de um e de outro; promover discussão sobre novas formas de convivência.

Temas Secundários O sonho e a grandeza do tempo; emoções humanas; descoberta do mundo e seus mistérios; transformações. Áreas do Conhecimento Língua Portuguesa, História, Ciências Naturais, Geografia, Psicologia (o desenvolvimento da percepção da criança), Antropologia, Sociologia e Educação. Temas Transversais Ética, pluralidade cultural, meio ambiente e saúde. Indicação Ciclo 1: indicado para alunos do 5º ano.

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Propostas de Atividade Observamos que é importante lembrá-los de que para desenvolver as atividades ligadas aos temas transversais aqui mencionados, se faz necessário o entendimento de conhecimentos acumulados de caráter interdisciplinar no campo da História e da Geografia e de noções e conceitos originários da Antropologia, da Linguística e da Sociologia, a fim de balizar o trabalho pedagógico desse tema. 1. Antes da Leitura Propomos que explore o conhecimento prévio dos alunos, discutindo sobre o tema do livro – as diferenças entre os povos do mundo inteiro. Leve-os a falar sobre suas origens como brasileiros e como participantes de algum grupo cultural específico. Organize a classe em grupos formados por dois ou três alunos e promova um diálogo para que falem sobre: a) O grupo étnico, como a ascendência (japonesa, italiana, portuguesa, africana etc.). b) O estado onde os pais nasceram. c) A cidade onde nasceram. d) A região do Brasil (ou de outro país, se estrangeiro) onde os pais nasceram. e) As principais características dessa região. Após o diálogo, explique sobre as diversas culturas presentes no Brasil e propicie um clima descontraído para os alunos apurarem sua percepção em relação à família do outro. Pergunte: 1. Quais as diferenças percebidas entre a sua família e a dos outros colegas? 2. Essas diferenças estão influenciando a sua relação com eles? 3. O que há de semelhante entre vocês? A partir desse diálogo, mostre também aos alunos as diversas formas de organização que existem para compor uma nação ou meio social. Sugerimos levar algum filme/documentário ou revistas e atlas geográfico para mostrar algumas culturas caracteristicamente mais diferenciadas em relação à nossa. Por exemplo, a do mundo oriental ou de alguma etnia ligada aos povos culturalmente mais primitivos. Após a exposição pergunte: 1. Qual das características observadas nesses povos mais chamou a sua atenção? Assinale com um X. a) O modo de se vestir ( ). b) A maneira de se cumprimentar ( ). c) O costume religioso que praticam ( ). d) As características quanto à cor da pele, do cabelo, estatura, formato do rosto etc ( ). 2. Em relação à sua família, as características apontadas são diferentes ou semelhantes? Dê sua resposta assinalando com um X: a) Diferentes ( ). b) Semelhantes ( ). Sugerimos levar o aluno a se conscientizar de que essas diferenças culturais são fatores fundamentais para o fortalecimento de uma sociedade regimentada pela democracia. Explique que isso ocorre graças às alianças político-econômicas, mas principalmente pelo entrelaçamento das diversas formas de organização social de diferentes grupos, que acabam contribuindo para a concretização do tecido social. Páginas Abertas

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Especial formação de professor

Observe que essas atividades ajudam a levar o aluno a conhecer o seu próprio valor e a resgatar a sua autoestima como ser humano pleno de dignidade. 2. Iniciando a Leitura 1. A partir das atividades anteriormente desenvolvidas, propicie a elaboração de hipóteses sobre o título “Armando e as diferenças”. 2. Leia o livro com os alunos iniciando pela última página, que aborda informações sobre Mônica Guttmann, tais como sua formação e atuação profissional no mundo cultural. a) Questione seus conhecimentos sobre as outras obras da autora ali mencionadas. b) Procure familiarizá-los com o livro, comentando sobre o papel importante da ilustradora durante a elaboração da obra, citando Mirella Spinelli. c) Explique aos alunos sobre a linguagem visual, o que ela pode representar/contribuir para aquelas pessoas incapazes de ler um texto escrito. Pergunte: E se não existissem as placas de trânsito “ilustradas/desenhadas” para sinalizar, por exemplo, uma estrada? Como essas pessoas “leriam” esta mensagem? d) Mostre que a linguagem plástica também está “dizendo” alguma coisa. Instigue os alunos questionando: “Então para que serviriam as cores padronizadas dos semáforos instalados mundo afora?”. 3. Monitore o processo de leitura dos alunos, levantando questões e buscando significados a partir de algumas pistas dadas, escritas no texto ou não. Para responder oralmente: a) Observando a capa, em sua opinião, qual o sentido de Mirella ter produzido a figura do menino (Armando) entre sinais de pontuação, um na cor vermelha e outro na cor verde? b) Responda assinalando com X: O nome desses pontos é: interrogação ( ); exclamação ( ); ponto final ( ). c) Justifique sua resposta: O ponto é de _______ porque Armando está ____________________ sobre alguma coisa. d) Você conhece alguma bandeira de país representado pela cor verde? Qual (is)? _____________________ ______________________. E pela cor vermelha? Qual (is)?_______________________________. e) Você concorda ou discorda desta afirmação: “Tudo indica que Mirella, já na capa, quer dar o seu recado sobre as diferenças entre as culturas por meio de uma cor que mais destaca o lugar de um povo”. Não concordo_______. Sim, eu concordo______. f) E então, qual a cor da bandeira brasileira que mais se destaca?______ Por quê? Nota-se que na página 3 a autora inicia o texto abordando o ciclo de ensino como fase de letramento e compreensão de outras leituras, como, por exemplo, as diferenças existentes no mundo. Propomos organizar os alunos em grupos para que discutam por que as pessoas brigam tanto. Dê algumas pistas: a) Nem todos sabem respeitar as diferenças uns dos outros. b) Porque muitos acham que são mais poderosos do que os outros. c) Porque nem todos sabem compartilhar ou trocar o que possuem para ajudar uns aos outros. d) Muitos acreditam que sempre têm razão e nunca erram... Outros se acham incapazes, submetendo-se aos caprichos de terceiros. Sugerimos observar com os alunos as questões da página 27 produzidas pela autora. Propomos que cada grupo escolha uma das questões como atividade e apresente depois aos colegas. Ajude-os a criar palavras, frases e mensagens de solidariedade/amizade e propicie ambiente para que façam uma troca entre os colegas.

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1. Solicite que cada um descreva o seu sonho em uma folha para apresentar aos colegas. Por exemplo: a) Eu sonho ser ..................................................................... no futuro. Ao realizar esse sonho, quero ..................... ...................., mas sei que até lá vou encontrar ................................................ no meu caminho. 2. A partir das descrições, classifique-as na lousa quanto às semelhanças/diferenças. Organize grupos, cada qual com “o mesmo sonho” – quer seja profissional, familiar, social etc. 3. Solicite que cada grupo crie um projeto com o propósito de “ajudar uns aos outros a crescer e a criar um mundo cada vez melhor”. No projeto deverá constar as possíveis barreiras (diferenças) que poderão encontrar e o que pode propiciar a realização desse projeto (ideais semelhantes). Sugerimos observar as páginas 28 e 29 e propiciar o desenvolvimento das atividades propostas nos exercícios criados pela autora, no pátio da escola, em conjunto com as outras classes. A partir dessas atividades realizadas, crie um dia de exposição com a participação dos pais/familiares. A temática do livro propõe explorar outros conhecimentos, como os direitos e deveres do cidadão na sociedade. Sugerimos explicar que viver em sociedade significa ter o seu comportamento orientado por leis e regras criadas, com o objetivo de tornar a convivência adequada à diversidade cultural. Pergunte: 1. Quais as regras que você conhece existentes nesta escola? 2. Em sua opinião, essas regras ajudam a ter uma boa convivência com seus colegas? Por quê? 3. Quais as principais regras existentes na sua casa? 4. Em sua opinião, tais regras são muito rígidas? Por quê? Sugerimos abordar questões ligadas às diferenças entre pessoas quanto à idade, deficiência física, visual e mental. 1. Escolha uma destas alternativas para responder. O meu comportamento em relação ao idoso é de: a) Respeito, diálogo, solidariedade. b) Justiça, amizade, respeito. c) Tolerância, porque é meu parente. 2. Muitas vezes teremos que conviver com alguém limitado no andar, falar, ouvir, brincar etc. Pergunta: Qual seria a sua atitude diante de alguém que portasse alguma deficiência física e que fosse do seu convívio social, escolar e/ou familiar? a) Sentiria indiferença; outras vezes, sentiria pena. Algumas vezes sentiria repúdio por elas, pois acham que são assim porque merecem. b) Trataria essas pessoas de modo igual às outras que não têm deficiência. c) Agiria naturalmente. Teria respeito, seria solidário e ofereceria a minha amizade sincera. 3. Muitas vezes entre colegas há divergências de opinião sobre determinados assuntos. O meu comportamento em relação ao colega que torce a favor de um time de futebol diferente do meu é: a) Normal, quase não tocamos no assunto para não brigar. b) Por causa das discussões, brigamos quando o meu time ou o dele perde o jogo. c) Respeitamos a opinião um do outro. 4. Acreditamos, geralmente, na doutrina religiosa que nossos pais nos ensinaram. Pergunta: Existe alguém entre seus amigos de religião diferente da sua? Qual (is)? Encontre-a (s) na relação abaixo e assinale com X: budista ( ); católica ( ); presbiteriana ( ); espírita ( ); evangélica ( ); católica ( ); outras ( ); todos os meus amigos são da mesma religião que a minha ( ).

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Especial formação de professor

O livro apresenta ilustrações que podem fornecer dados sobre a pluralidade cultural. Ajude os alunos a relacionar o país com sua cultura, com o modo de se vestir, de praticar suas crenças etc. 1. Encontre nas ilustrações das páginas 10 e 11 elementos representativos mundialmente conhecidos, e escreva o nome do país de origem: a) Cristo Redentor ______________. b) Torre Eiffel ____________________. c) Palácio de Taj Mahal _____________. d) Gôndola _____________. 2. Nas ilustrações, verifica-se pessoas fazendo gestos ligados aos seus costumes. Encontre-as ainda nas páginas 10 e 11 do livro e escreva o país de origem: a) A figura de uma menina assoprando um instrumento musical ____________. b) A figura de uma mulher impondo suas mãos em gesto de oração__________. c) A figura de um homem sobre os calcanhares (de cócoras) impondo suas mãos em gesto de oração _____ ________________. d) Um homem com traje típico conduzindo uma gôndola _____________. e) Um outro sorrindo, com seu pescoço e cabeça ornados por colares e outros adornos afins ___________. 3. Observe as ilustrações das páginas 12 e 13. Encontre o nome dos países que têm relação com as bandeiras representativas e as pessoas ali ilustradas. a) As figuras das pessoas têm relação com o país da ________________ e da ____________ por causa do seu modo de se ___________. b) As bandeiras representativas de países são: 1ª linha na horizontal: __________,__________,_________,________. 2ª linha na horizontal: __________,__________,_________,________. 3ª linha na horizontal: __________, _________, _________,________. Observe com os alunos as páginas 14 e 15 e ajude-os a descobrir por que a ideia de Armando de querer criar um mundo com pessoas misturadas, sem divisão de espaço político, não deu certo. Crie ambiente e propicie aos alunos utilizar a imaginação, como Armando fez. Levante algumas questões sobre a invasão de território político, de espaço aéreo etc. Explique aos alunos por que é tão importante uma nação ter a sua própria língua. Como atividade, sugerimos organizar a classe em grupos e pedir que pesquisem sobre países. Por exemplo, solicite que busquem dois ou três do Continente das Américas (Sul, Central e Norte), do Continente Europeu, da África e da Ásia, e depois respondam: 1. Quais as características desses países quanto ao idioma, à religião e à cor? 2. Quais os oceanos que banham esses países? 3. Em que hemisfério do globo terrestre eles se localizam? Amplie os conhecimentos dos alunos explorando o trecho da página 17: “(...) apesar de as divisões de países e de continentes serem as mesmas, todas as pessoas de todos os lugares do mundo tinham os mesmos direitos e possibilidades de aprender a ler e a escrever, de poder sonhar e de realizar (...)”.

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1. Em sua opinião, qual a sugestão de sentido dada pela autora para o trecho da obra acima? a) Nem todas as pessoas têm acesso aos seus direitos. b) Muitos não lutam pelos seus direitos e nem pelos direitos dos outros. c) Algumas pessoas não respeitam os direitos dos outros. d) Nem todas as pessoas acreditam que todos nós temos os mesmos direitos que os outros em relação às coisas simples para viver com dignidade. Um assunto leva ao outro: Sabemos que o Brasil, culturalmente, é rico pela sua diversidade. Explore a diversidade musical. Sugerimos levar para os alunos canções típicas das regiões do Brasil. Mostre a música de raiz – o gênero sertanejo. Por exemplo, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho etc. Compare suas características com as do samba, bossa nova, rock, e outros estilos. Desafios: • Pergunte quem conhece ou tem, em seu meio de convívio, alguém que saiba cantar com/tocar instrumentos típicos da música brasileira, principalmente viola, sanfona, rabeca etc. • Propicie momentos para levar os alunos a ouvir a pessoa do cancioneiro ou, quando não, um CD a partir do qual seja possível tomar conhecimento dessa diversidade musical brasileira. • Planeje visitar com os alunos de sua classe, ou juntando com os de outras também, alguns teatros populares, por exemplo, o do SESC. Sugerimos também criar um momento descontraído para falar sobre a diversidade de nossa língua. Mostre o sotaque característico de algumas regiões como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, o interior de São Paulo e capital, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, estados do Norte e Nordeste etc. Sugestões para avaliação: Participação nas atividades; atendimento às propostas de trabalho; desempenho nos trabalhos em grupo e criatividade.

Ressaltamos que as atividades aqui propostas têm por objetivo oferecer subsídios para a mediação do trabalho pedagógico com a obra Armando e as diferenças, da PAULUS Editora, e que não pretendem ser determinantes do trabalho desenvolvido em sala de aula, tendo em vista que somente o professor conhece as necessidades específicas de sua turma.

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Orientação | Por Gustavo Teixeira *

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Transtorno desafiador opositivo

e a indisciplina na sala de aula O transtorno desafiador opositivo é uma condição comportamental comum entre crianças de idade escolar e pode ser definido como um padrão persistente de comportamentos negativistas, hostis, desafiadores e desobedientes observados nas interações sociais da criança com adultos e figuras de autoridade de uma forma geral, como pais, tios, avós e professores, podendo estar presente também em seus relacionamentos com amigos e colegas de escola. Esse transtorno pode estar relacionado com outras

condições comportamentais e frequentemente precede o desenvolvimento do transtorno de conduta. As principais características de quem sofre do transtorno desafiador opositivo são: perda frequente da paciência, discussões com adultos, recusa a obedecer solicitações ou regras, perturbação e implicância com as pessoas a ponto do indivíduo responsabilizá-las por seus erros ou mau comportamento. Ele se aborrece com facilidade e comumente se apresenta enraivecido, agressivo, irritado, res-

sentido, mostrando rancor e ideias de vingança. São crianças que apresentam uma dificuldade no controle do temperamento e das emoções (uma teimosia persistente), sendo resistentes à ordens e testadoras dos limites dos pais a todo momento. Os sintomas aparecem em vários ambientes; entretanto, é na sala de aula e em casa onde estes podem ser melhor observados. Tais sintomas causam prejuízo significativo na vida social, acadêmica e ocupacional da criança. Mostra-se impor-

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tante observar que no transtorno desafiador opositivo não há sérias violações de normas sociais ou direitos básicos alheios, como ocorre no transtorno de conduta. Com frequência essas crianças e adolescentes apresentam baixa auto-estima, fraca tolerância às frustrações, humor deprimido, ataques de raiva e possuem poucos amigos, pois comumente são rejeitadas pelos colegas devido a seus comportamentos impulsivos, opositores e de desafio às regras sociais do grupo. O início do uso abusivo de álcool e outras drogas merece especial atenção nessas crianças, pois os conflitos familiares gerados pelos sintomas do transtorno, como comportamentos de oposição e de desafio às normas, podem facilitar o envolvimento problemático com essas substâncias no futuro. É muito importante ressaltar que o transtorno desafiador opositivo é muito mais do que aquela “birra” ou desafio típico de criança, que seria, na verdade, uma simples reação contextual de oposição, como ocorre quando a criança deseja um sorvete e não é atendida pela mãe. Devemos entender também que um comportamento opositivo temporário é comum e faz parte do desenvolvimento normal de crianças, tendo inclusive um aumento natural durante a adolescência. No transtorno desafiador opositivo, nos deparamos com crianças apresentando sintomas severos que provocam graves prejuízos em sua vida escolar e social e que interferem muito nos relacionamentos com os membros de sua família. É fundamental saber diferenciar esse transtorno de comportamento de um comportamento opositivo e desafiador

normal que toda criança experimenta durante seu desenvolvimento, conforme cresce e ganha mais autonomia. Algumas investigações clínicas são importantes para um correto diagnóstico de crianças com transtorno desafiador opositivo, como a correta e cuidadosa avaliação comportamental infantil, realizada pelo médico psiquiatra especialista na infância e adolescência, além da investigação de outros transtornos de comportamento associados, assim como a avaliação escolar, desempenho acadêmico, padrão de comportamento em sala de aula, no recreio escolar, na entrada e saída da escola, interação social com colegas, professores e funcionários da instituição de ensino. A avaliação familiar também será muito importante: é válido observar os padrões de comportamento dos pais, estilo de criação, interação social e comunicação parental, além da história de transtornos comportamentais na família, alcoolismo, uso de outras drogas, agressividade, violência e problemas com a justiça.

Na escola O transtorno comportamental em questão pode comprometer o desempenho escolar, e reprovações escolares tornam-se frequentes. Esses jovens não participam de atividades em grupo, recusam-se a pedir ou a aceitar a ajuda dos professores e querem sempre solucionar seus problemas sozinhos. O curso e a evolução do transtorno desafiador opositivo são variáveis. Formas leves apresentam melhores prognósticos e evoluções positivas, enquanto sintomas mais severos tendem a se tornarem crônicos.

Crianças com início precoce e sintomas severos do transtorno desafiador opositivo, incluindo brigas corporais, agressividade, pais usuários de drogas e níveis socioeconômico e cultural menos favorecidos são fatores que aumentam o risco para a piora do quadro e futuro desenvolvimento do transtorno de conduta na adolescência. Cerca de 67% das crianças com o diagnóstico de transtorno desafiador opositivo deixarão de apresentar os sintomas nos anos seguintes, desde que acompanhados terapeuticamente, enquanto que os restantes poderão perpetuar os sintomas ou ainda intensificá-los, até se transformarem em um transtorno de conduta. Desta forma, cerca de 30% das crianças com diagnóstico inicial de transtorno desafiador opositivo evoluirão para o transtorno de conduta na adolescência e, naquelas em que o início dos sintomas opositivos e desafiadores se iniciaram precocemente, antes dos 8 anos de idade, o risco de evolução para o transtorno de conduta será muito maior. Quando o transtorno desafiador opositivo não é tratado, a evolução para o transtorno de conduta pode ocorrer em até 75% dos casos. Logo, o diagnóstico e tratamento precoce exercem um importante papel preventivo. Essas crianças também apresentam uma incidência maior de transtornos comportamentais associados no decorrer dos anos, principalmente para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtornos do humor e transtornos ansiosos. Aproximadamente 10% das crianças com transtorno desafiador opositivo, após evoluírem para o transtorno de conduta, Páginas Abertas

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Orientação | Por Gustavo Teixeira *

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É fundamental saber diferenciar esse transtorno de comportamento de um comportamento opositivo e desafiador normal que toda criança experimenta durante seu desenvolvimento, conforme cresce e ganha mais autonomia.

terão uma evolução para o transtorno de personalidade antissocial. As causas do transtorno desafiador opositivo são complexas e multifatoriais. Os estudos científicos evidenciam que múltiplos fatores de risco estão relacionados com o surgimento do transtorno. Esses fatores são eventos, características ou processos que aumentam as chances do desencadeamento do problema comportamental, e seu desenvolvimento está provavelmente relacionado com a quantidade de fatores de risco presentes na criança. Todos esses possíveis fatores estão relacionados com questões sociais, psicológicas e biológicas, sendo suas interações responsáveis pelo surgimento, desenvolvimento e curso clínico da condição. O entendimento das causas do transtorno é imprescindível para a aplicação de intervenções precoces, pois quanto mais agregados estiverem, menores serão as chances de sucesso terapêutico. As pesquisas médicas não são conclusivas com relação à origem genética do transtorno desafiador opositivo, entretanto, diversos artigos descrevem uma possível relação genética em seu desencadeamento, reforçando a ideia de que o temperamento da criança modula o surgimento do transtorno no futuro. Estudos identificaram que mulheres que fumam durante a gravidez, assim como gestantes abusadoras de álcool, apresentam maiores chances de terem filhos com o diagnóstico de transtorno desafiador opositivo. Outros dados se referem à crianças prematuras, com baixo peso ao nascerem, complicações de gestação

ou no momento do parto, além de crianças com doenças crônicas, que apresentam mais chances de desenvolver a alteração comportamental. Alguns fatores biológicos relacionados com características da própria criança, como temperamento, negativismo, baixa capacidade de adaptação à mudanças, crianças com déficits neuropsicológicos apresentando dificuldades de linguagem, memória, planejamento, organização, disciplina, atenção e julgamento favorecem o desenvolvimento do transtorno. Outros estudos descrevem alterações estruturais no córtex pré-frontal, região cerebral responsável pelo controle das emoções e da impulsividade, alterações no funcionamento de substâncias neurotransmissoras dos sistemas serotoninérgicos, dopaminérgicos e noradrenérgicos, baixa de cortisol e níveis elevados de testosterona. Esses dados, entretanto, também não são conclusivos. É importante ressaltar que não existem exames laboratoriais ou de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, capazes de realizar o diagnóstico, sendo este efetuado através de uma avaliação clínica criteriosa envolvendo a criança, sua família e a escola. Hipóteses comportamentais descrevem que o surgimento do transtorno desafiador opositivo estaria relacionado com questões ligadas ao aprendizado social e a modelos de apego: as crianças agressivas, por exemplo, apresentam uma dificuldade no processamento de informações ligadas ao relacionamento social. Comumente observo lares opressores e de normas demasiadamente rígidas. Nesses casos, a criança con-

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vive diariamente com a violência, hostilidade e brigas dos pais. Essa criança pode assumir o comportamento dos pais como “normal” e levar essa conduta aprendida para o ambiente escolar. Ora, dentro de casa ela aprende que tudo deve ser resolvido na base da agressão física e, assim, tentará resolver seus problemas da mesma forma. Outro padrão interessante pode ser observado em crianças vivendo em lares onde os pais não dão limite aos filhos. Esse outro perfil comportamental sugere que a oposição seria um comportamento aprendido e reforçado, no qual a criança exerce controle sobre as figuras de autoridade. Por exemplo: a mãe solicita ao filho que arrume seu quarto. Neste momento o filho tem um ataque de raiva, chora, grita e se nega a arrumá-lo. A mãe é coagida a retirar a solicitação. Toda vez que ela fizer uma nova solicitação que desagrade a criança, esta realizará o comportamento aprendido, que será sempre reforçado toda vez que a mãe se desautorizar. Desta forma, a consequência é o efeito “bola de neve” e a tendência natural é o agravamento e piora dos sintomas a cada dia. Não existem padrões sociais definidos, contudo, algumas pesquisas científicas identificaram uma relação entre famílias com baixos níveis socioeconômicos e o transtorno desafiador opositivo. Crianças com comportamentos agressivos precoces e rejeição no grupo de amigos de escola, por exemplo, são fatores sociais importantes que normalmente precedem um comportamento delinquencial e au-

mentam as chances de diagnóstico. Fatores escolares também são descritos como facilitadores do transtorno. Ambientes escolares inadequados, com salas de aula superlotadas, professores despreparados, negligentes, inábeis para lidar com situações-problema, com dificuldade em aplicar a disciplina e em lidar com alunos com problemas comportamentais em sala de aula podem favorecer o surgimento do transtorno. Crianças com o transtorno desafiador opositivo podem apresentar algumas condições comportamentais associadas, sendo o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade a condição mais prevalente, estando presente em até 14% dos casos, transtorno associado que confere um pior prognóstico quando presente. Essas crianças apresentam maior agressividade, maior impulsividade, mais conflitos com outros estudantes, maiores dificuldades nos relacionamentos sociais e pior desempenho acadêmico. Essa associação pode ainda facilitar a evolução do transtorno desafiador opositivo para o transtorno de conduta. Outras condições comportamentais associadas com frequência ao transtorno desafiador opositivo são os transtornos ansiosos, presentes em mais de 10% dos casos; o transtorno depressivo, presente em até 9%, e o transtorno bipolar do humor, além da íntima relação com o comportamento bullying no ambiente escolar. Sendo assim, quanto mais tardio se dá o diagnóstico e o início do tratamento, pior serão os sintomas e mais difícil será a possibilidade de reversão do quadro comportamental. Desta maneira, o diagnóstico e a

intervenção precoces são palavraschave para o sucesso terapêutico dessas alterações comportamentais. Seria como se tivéssemos a possibilidade de interromper o crescimento dessa verdadeira “bola de neve” em formação, ou ainda, como se pudéssemos recolocar a “locomotiva de volta aos trilhos” o mais rápido possível. As intervenções preventivas para crianças em idade escolar se baseiam em programas psicoeducacionais para pais, com estratégias de controle comportamental, treinamento em habilidades sociais, resoluções de conflitos e técnicas de controle da raiva. Para prevenção em adolescentes, os programas psicoeducacionais devem se basear em intervenções cognitivas, treinamento em habilidades sociais, orientação vocacional e reforço escolar para aqueles que estiverem apresentando dificuldades acadêmicas. Intervenções escolares devem enfocar o trabalho de prevenção ao comportamento bullying, prevenção ao consumo de álcool e outras drogas, identificação de possíveis quadros de transtorno desafiador opositivo para avaliação e tratamento com médico psiquiatra na infância e adolescência. É imprescindível que professores, pais, psicopedagogos, orientadores e coordenadores educacionais foquem suas atenções para o bem-estar da criança, a fim de que seu desenvolvimento social e escolar seja sempre o mais proveitoso possível. * Gustavo Teixeira é médico psiquiatra infantil, autor de O Reizinho – Entendendo o mundo das crianças opositivas, desafiadoras e desobedientes (Editora Rubio) e editor-chefe do site www.comportamentoinfantil.com E-mail: comportamentoinfantil@hotmail.com

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Sala de Aula | Por Simone Maximo da redação

AAAAcelera, educação! Existem no Brasil diversas empresas que se preocupam com a educação e o desenvolvimento social de nossa sociedade. Um dos fatores decisivos para colaborar com a melhoria e a aceleração do crescimento de nosso país é, sem dúvida, a educação. Alvo de muitas discussões, a relação entre a iniciativa privada e a educação é antiga e sofreu algumas mudanças com o passar do tempo. Esse assunto ainda gera dúvidas sobre o papel de cada um, ou seja, quais os limites da contribuição do governo ou das empresas? De acordo com Oswaldo Gonçalves Junior, mestre em educação pela USP, “ainda que essa relação seja bastante estudada sob o ponto de vista do sistema formal de ensino, em que diversas escolas privadas coexistem com as públicas estatais, há campos de intersecção entre iniciativa privada empresarial e educação que ainda estão pouco claros, necessitando serem melhor estudados, sobretudo em contextos de sociedades como a brasileira, em que há uma desproporção entre o poder exercido pelas empresas e a população, e em que muitas vezes não há maior clareza sobre limites entre interesses privados e interesse público”, explica. O importante é que o setor privado, principal responsável pelo crescimento econômico do Brasil, tenha consciência de que pode ajudar, bastando atuar de forma ética nos setores mais carentes do país.

Exemplo que deu certo A Fundação Volkswagen, idealizada e fundada pela matriz alemã, completa 30 anos em 2009 investindo em projetos de incentivo à educação e de aumento do desenvolvimento social do Brasil. Com parceiros importantes, como as secretarias municipais de educação e de cultura de todo o país, realiza atividades que fortalecem o ensino público. Até o ano 2000, a fundação beneficiava com investimento em educação apenas os funcionários e seus filhos com, por exemplo, o financiamento de cursos universitários. Depois, os trabalhos passaram a beneficiar a comunidade em torno da empresa, em São Bernardo do Campo. Segundo a diretora de administração e relações

institucionais, Conceição A. Miranda, “hoje a comunidade interna e a externa são uma só”, afirma. O programa Território Escola - uma relação de aprendizagem tem como objetivo estimular o desenvolvimento de práticas curriculares que aproximem os conteúdos escolares do universo cultural dos alunos, com foco na leitura e na escrita. O programa envolve os projetos Brincar, Entre na roda e Estudar pra valer!, ações independentes que se orientam pelos mesmos princípios. Seus projetos pretendem colaborar na melhoria da qualidade da educação pública do país, que enfrenta sérios problemas como a má qualidade de ensino, salários baixos para os professores, violência, falta de infra-estrutura, lotação nas salas de aula, entre outros. Segundo Conceição, outros fatores além da questão salarial podem desmotivar um professor. “Eles são ávidos por cursos de capacitação e precisam ser preparados. O pilar da educação é uma obrigação do governo, só que ele sozinho não dá conta. Há deficiências, por isso entendemos que precisamos colaborar”, explica.

Veja abaixo os projetos realizados atualmente pela Fundação Volkswagen • Projeto Brincar – O brinquedo e a brincadeira na rotina da Educação Infantil O foco do projeto é a formação de professores para que eles possam contribuir com a melhoria do trabalho pedagógico realizado com crianças da Educação Infantil pública. As ações propõem a reflexão e orientação dos professores para as atividades recreativas, lúdicas e expressivas, que fazem parte da rotina escolar dessas crianças. A formação continuada dos professores consiste na realização de encontros e oficinas, com oito horas de duração, distribuídas em intervalos regulares durante o ano letivo, beneficiando diversos profissionais, como auxiliares e professores de desenvolvimento infantil, professores titulares e adjuntos da Educação Infantil, coordenadores pedagógicos, supervisores escolares e auxiliares técnicos de educação.

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• Projeto Estudar pra valer! Aprendizagem de leitura e escrita Este projeto, que conta com o apoio da Unesco, contribui com a formação de professores do Ensino Fundamental, gestores de escolas e do órgão central de redes públicas de ensino, propiciando o efetivo aprendizado da língua portuguesa a todos os alunos, em todas as áreas do conhecimento. Encontros de formação para professores e gestores distribuídos em intervalos regulares ao longo do ano letivo, com acompanhamento das atividades em sala de aula, fazem parte do desenvolvimento deste projeto, que beneficia professores, técnicos educacionais e alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas. • Projeto Entre na Roda – Leitura na escola e na comunidade Com o objetivo de promover e incentivar a cultura de valorização da leitura na escola e na comunidade por meio da formação de professores, técnicos educacionais e voluntários, este projeto oferece oficinas distribuídas em intervalos regulares ao longo do ano, momento em que são vivenciadas atividades de leitura e a abordagem dos gêneros discursivos, articulados a momentos de reflexão e discussão teórica. Com essa ação são beneficiados educadores, agentes sociais, técnicos e gestores educacionais e voluntários da comunidade.

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• Desenvolvimento Social Além de atuar na área da educação, a Fundação Volkswagen realiza ações que pretendem contribuir com o desenvolvimento social de comunidades carentes. • Projeto Volkswagen na Comunidade Para incentivar a prática do voluntariado, realiza-se um concurso para que colaboradores da Volkswagen do Brasil inscrevam projetos de entidades onde são voluntários. Um projeto por unidade da empresa ganha um prêmio em dinheiro e um curso de gestão de projetos para aprimorar o desenvolvimento desses trabalhos. Os beneficiados são os funcionários e profissionais terceirizados que atuam nas unidades da Volkswagen de São Bernardo do Campo/SP, São Paulo/SP, São Carlos/SP, Taubaté/SP, São José dos Pinhais/ PR e Resende/RJ. • Projeto Coral da Gente O objetivo deste projeto é complementar a educação formal de crianças e adolescentes do Ensino Fundamental por meio do contato com a música e de atividades de canto coral na escola e na comunidade, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases do Ministério da Educação, beneficiando crianças e adolescentes das comunidades carentes de Heliópolis, em São Paulo, e DER, em São Bernardo do Campo.

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Para saber mais, visite o site da Fundação Volkswagen: www.vwbr.com.br/fundacaovw

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Vi, gostei e recomendo! | Por Marcelo Florio *

O DVD O Povo Brasileiro, da PAULUS, baseado na obra O Povo Brasileiro, do importante antropólogo do século XX Darcy Ribeiro, investiga a formação da cultura brasileira e responde à questão: quem somos nós, os brasileiros? O DVD duplo traz os dez programas da série coproduzida pela Superfilmes, TV Cultura, GNT e Fundar e conta com as participações especiais de Antônio Cândido, Aziz Ab’ Saber, Paulo Vanzolini, Gilberto Gil, Chico Buarque, entre outros. O conteúdo do DVD é importante para que entendamos as diversidades culturais presentes na formação do povo brasileiro, que se originou de três culturas distintas: a indígena, a lusitana e a africana. O DVD é estruturado em dois discos. O disco 1 contém os programas Matriz Tupi, Matriz Lusa, Matriz Afro, Encontros e Desencontros, Brasil Crioulo, Brasil Sertanejo e Brasil Caipira. Já o disco 2 apresenta os programas Brasil Sulino, Brasil Caboclo e Invenção do Brasil. O DVD também apresenta os seguintes extras: Intérpretes do Brasil: Darcy Ribeiro, Entrevistas, Galeria de Fotos e Biografias. No programa Matriz Tupi, vários grupos indígenas são apresentados, além dos de origem Tupi. Nessa produção, aprenderemos sobre a diáspora dos tupis-guaranis e desvelaremos muitas das práticas, rituais, hábitos e costumes indígenas. Assim, entenderemos que a “Ilha Brasil” já existia antes da chegada dos portugueses, e que a terra, para o indígena, era concebida como um bem comum a todos e não um lugar de disputa política. A informação deveria ser acessível a todos e o chefe seria um mediador, e não aquele que viveria para dar ordens. Veremos também que herdamos dos indígenas as técnicas de sobrevivência, o uso de ervas, o conhecimento sobre as diversas frutas e principalmente o ato de se viver integrado à natureza, em coexistência pacífica e amistosa.

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A Miscigenação e o Sincretismo do Povo Brasileiro

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No programa seguinte, denominado Matriz Lusa, discutir-se-á a expansão portuguesa ultramarina, desenvolvida por uma questão de sobrevivência de uma nação que, entremeada por mares, transformou-se num país de pescadores e navegadores, o que acabou por resultar na formação de uma grande potência naval. O terceiro programa, Matriz Afro, descortina o continente africano e suas sociedades heterogêneas e mostra que os povos africanos que desembarcaram no Brasil impregnaram significativamente nossos costumes, nossa religiosidade, nossa produção artística e nossa gastronomia, sempre com criatividade. Os negros formaram a “massa substancial”, resultando no florescimento de nossa cultura miscigenada. A intenção do programa Encontros e Desencontros é mostrar que as Vilas de São Vicente e Piratininga deram início ao processo de colonização oficial no Brasil, além de debater sobre a mistura étnico-cultural produzida em nosso território geográfico, herança que nos legou a originalidade, fruto da conjugação da diversidade de povos que se reinventaram cotidianamente no nosso modo de andar, falar, se alimentar e se portar. Nessa perspectiva, discute-se a importância da miscigenação e do sincretismo que tanto nos caracteriza: é essa a nossa maneira de ser e de estar no mundo. Já no programa Brasil Crioulo é discutido o primeiro modo de ser dos brasileiros, produzidos com a sociedade do açúcar. Apresenta-se a opulência e a aristocracia geradas a partir dessas novas práticas sociais instituídas nas cidades coloniais brasileiras, como também o poderio do senhor de engenho, o cotidiano das colônias e a vida cruel das senzalas. Mostra-se como a abolição da escravidão levou os negros à marginalização, processo que não os impediu de criar um mundo paralelo, que logo se integrou à cultura brasileira. Os dois programas que finalizam o disco 1 são Brasil Sertanejo e Brasil Caipira. No primeiro é apresentado o Brasil da caatinga nordestina e o universo dos indivíduos criados envoltos pelo gado. Nesse contexto, mostra-se a cultura própria produzida no sertão e sua economia pastoril. Exibe-se também as lutas dos cangaceiros, fruto de um coronelismo que tinha suas milícias particulares. No programa Brasil Caipira é debatido o Brasil do interior das moradas paulistas, onde se localiza um dos tipos do homem rural brasileiro. Identifica-se que o mundo do bandeirante, ao se sedentalizar, em parte, tornou-se caipira. No contexto histórico desses grupos verifica-se que ocorreu o enriquecimento cultural com a herança indígena e africana,

e que o assentamento no solo deu-se de forma dispersa. No programa Brasil Sulino, que abre o disco 2, são apresentados os diferentes brasis sulinos dos índios guaranis e das missões jesuíticas, que geraram os gaúchos, e o dos ilhenhos que, segundo Darcy Ribeiro, Portugal mandou buscar para fixar uma presença portuguesa no Sul. Mostra-se também os negros que cultuam orixás. Entremeados por textos do Padre Vieira e Marechal Rondon, o programa Brasil Caboclo desvenda a formação e as características do Brasil caboclo. Mostra a criação da Transamazônica e a biodiversidade, com imagens captadas no Amazonas. O último programa do disco 2 denomina-se A invenção do Brasil. Nessa produção, a intenção é refletir sobre a confluência de povos que gerou uma cultura unificada. Nesse sentido, é dito que há uma uniformidade brasileira construída sobre as diferenças sociais, processo esse que se edificou com muitos conflitos e embates econômicos, culturais, políticos e religiosos e que, por vezes, tornou-se sangrento. O DVD O Povo Brasileiro nos ensina a olhar com respeito as diversidades étnico-culturais presentes no nosso território geográfico, o que significa aprender a lidar com as diferenças sociais produzidas no nosso cotidiano. Desse modo, entenderemos que a cultura do “eu” não precisa entrar em conflito com a cultura do “outro” e nem julgá-la por ser diferente, mas sim percebê-la e vivenciá-la como enriquecedora. Nesse sentido, poderá haver o convívio harmônico entre o “eu” e o “outro”, repleto de troca e de um constante aprendizado. Desse modo, afastaremos de nossa prática social a visão cultural que adota uma postura etnocêntrica. O etnocentrismo é uma visão de mundo que impede a comunicação entre culturas diferenciadas porque um determinado grupo acredita ser o centro de tudo, fazendo com que os demais grupos sociais sejam pensados através de seus valores e modelos existenciais. Uma atitude etnocêntrica inferioriza o outro grupo social e pode adotar atitudes como o medo, o estranhamento e até a hostilidade em relação a uma determinada cultura. O DVD propicia a seguinte reflexão: mesmo com o atual processo de globalização, o povo brasileiro abriga uma heterogeneidade de culturas com histórias, costumes e religiões contundentes, o que nos leva a afirmar que o Brasil é sinônimo da pluralidade inscrita em nossos modos de viver. * Marcelo Flório é professor da FAPCOM e da UAM, mestre em História do Brasil e doutor em Ciências Sociais.

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Páginas Abertas Indica O mistério da coniunctio Imagem alquímica da individuação

A prudência em Aristóteles Pierre Aubenque

Edward F. Edinger

O livro é uma investigação sobre a separação e a síntese dos opostos psíquicos em alquimia, pois Jung revelou que se o ser humano prestar atenção com seriedade às imagens alquímicas, irá perceber que o mesmo surge em seus sonhos. O autor propõe algumas reflexões acerca do tema e responde que a alquimia é uma percepção única das profundezas da psique inconsciente, uma percepção que nenhum outro conjunto de símbolos é capaz de prover exatamente da mesma forma.

O livro tem como um de seus grandes méritos mostrar o elo entre a ética da prudência e a metafísica. O homem, parte de um mundo contingente, marcado por uma indeterminação essencial que jamais será superada por qualquer conhecimento humano, só pode guiar suas ações por regras maleáveis, adaptáveis às sinuosidades das circunstâncias, pois no mundo da contingência não há lugar para a rígida determinação científica da ação humana.

Formato: 13 cm x 20 cm – 136 páginas Catálogo: Psicologia

Formato: 14 cm x 21 cm – 352 páginas Catálogo: Filosofia e Ciências Humanas

Por que ler?

Por que ler?

O mistério da coniunctio faz parte da tradicional coleção Amor e Psique, que completou 25 anos em 2008. A mesma contempla mais de 70 títulos que colaboram com estudantes, profissionais e interessados nos assuntos da Psicologia tratados sob a ótica de Jung.

Este clássico da Filosofia é um excelente instrumento de estudo e colabora com o leitor na compreensão do pensamento de Aristóteles. O livro, que contou com o apoio do Ministério Francês das Relações Exteriores, é dividido em 3 partes: O problema, A interpretação e A fonte trágica permitem ao leitor compreender o rico conteúdo apresentado por Pierre Aubenque nesta obra.

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Prelúdio à história das religiões Momolina Marconi

Estética: fundamentos e questões de Filosofia da Arte Peter Kivy (org.)

O livro introduz os leitores no tema, oferecendo-lhes os instrumentos de orientação em um universo de divindades, mitos, ritos e símbolos. A obra propõe um caminho de estudos que parte do mito e abarca o estudo dos deuses, do sacerdócio, do sacrifício, das imagens, dos ex-votos e das relíquias, da máscara, do gesto, entre outros.

O leitor desta obra descobrirá evidências mais diretas sobre a estética e encontrará nos ensaios apresentados pelo autor uma série abrangente de temas que não só remetem às principais questões da estética, como também guardam relações com inúmeras preocupações filosóficas na metafísica, epistemologia, filosofia da mente, filosofia da linguagem, entre outras áreas.

Formato: 13,5 cm x 21 cm – 144 páginas Catálogo: Filosofia e Ciências Humanas

Formato: 16 cm x 23 cm – 440 páginas Catálogo: Filosofia e Ciências Humanas

Por que ler? Alguns detalhes presentes no livro enriqueceram o conteúdo deste prelúdio: notas de rodapé e pequenos versos no início de cada capítulo colaboram com o leitor na compreensão da obra. O livro faz parte da coleção Estudos Antropológicos, que contém diversos títulos que abordam o ser humano e suas relações.

Por que ler? Dividido em duas partes, As questões fundamentais e As artes e outros temas, o livro contém 18 ensaios sobre crítica da arte, sua interpretação e suas formas, tais como literatura, cinema, dança e música. Além disso, foi escrito de forma clara e acessível por filósofos da arte, que analisam os problemas e avaliam os argumentos dos principais temas da área.

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Páginas Abertas Indica O dom da lei – Kant e o enigma da ética Jacob Rogozinski

Para entender a comunicação - Contatos antecipados com a Nova Teoria Ciro Marcondes Filho

“Como determinar o que é justo quando os ‘signos da história’ que despertavam entusiasmo e esperança se turvam e se apagam? Como escapar à crise da ética, à perda de toda referência, de toda regra que nos ajudaria a nos orientarmos na existência?”. Essas indagações estão em O dom da lei, obra que reflete o pensamento do autor, Jacob Rogozinski, ao justificar o caminho seguido para escrever o livro.

A obra analisa as novas perspectivas da comunicação a partir do advento da velocidade da tecnologia, da obsolescência das teorias correntes, da confusão das áreas temáticas. Dessa forma, uma nova teoria nasce e determina pesquisas sobre o fenômeno da comunicação, como o estudo do processo e a constituição da relação que se cria entre as pessoas comunicantes: “(...) é falar da ocorrência do acontecimento comunicacional, que tem caráter único, efêmero, irrepetível (...)”, analisa o autor.

Formato: 13,5 cm x 21 cm – 448 páginas Catálogo: Filosofia e Ciências Humanas

Formato: 13,5 cm x 21 cm – 176 páginas Catálogo: Comunicação

Por que ler? Uma certeza guiou a pesquisa de Rogozinski: a de que a fonte secreta da ética kantiana não estava esgotada. A obra, que foi traduzida por Sílvio Rosa Filho, é dividida em três partes: Revelação da lei, Exposição da lei e Os parerga da lei e aborda, entre outros aspectos, o abismo da metafísica e o paradoxo da ética.

Por que ler? Esta obra merece destaque pois é a primeira que antecipa os resultados de um trabalho de duas décadas realizado na Universidade de São Paulo. Além disso, apresenta uma linguagem simples, direta e acessível, e acompanha um CD-Rom de conteúdo dinâmico, que ilustra as teorias e exemplos apresentados na obra impressa.

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Vestígios da travessia – Da imprensa à internet – 50 anos de jornalismo

Formigas Elaine Pasquali Cavion

José Marques de Melo

Autor de diversos livros, sendo grande parte deles voltados para a pesquisa da Comunicação Social, José Marques de Melo relata sua trajetória nesta obra, desde o início da descoberta de sua vocação jornalística até os dias acadêmicos atuais como professor titular da Cátedra Unesco de Comunicação Social, na Universidade Metodista de São Paulo.

Quem imagina que as formigas são repetitivas e fazem sempre tudo do mesmo jeito, dessa vez se enganou. O livro, pequenino como estes seres, conta a história de uma formiga jovem e curiosa que, ao contrário das outras que seguiam a líder de cabeça baixa, olhava para tudo ao seu redor. E foi olhando o verde da imensa floresta de grama que algo chamou a sua atenção: um livro.

Formato: 13,5 cm x 21 cm – 304 páginas Catálogo: Comunicação

Formato: 16 cm x 11,5 cm – 48 páginas Catálogo: Infanto-juvenil

Por que ler? Na primeira parte, o autor faz um relato auto-biográfico, destacando episódios da trajetória percorrida entre a comunidade sertaneja e a metrópole globalizada. Na segunda, ele seleciona textos publicados durante os 50 anos de intensa travessia jornalística que evidenciam as diferentes fases de sua atividade narrativa, desde os exercícios de aprendiz até as suas mais recentes expressões da maturidade.

Por que ler? Com este cenário, a obra aguça a criatividade e a curiosidade das crianças, fazendo com que mergulhem na história e soltem a imaginação enquanto a leem. A autora, Elaine Pasquali Cavion, e o ilustrador, André Neves, uniram em Formigas palavras e desenhos delicados que proporcionam uma leitura divertida e colaboram com os pequenos leitores na descoberta da magia das palavras.

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Páginas Abertas Indica O pulsar da vida Ciro Marcondes Filho

A filha da vendedora de crisântemos Stella Maris Rezende

O ato de viver precisa ser celebrado e comemorado. Viver é sentir o mundo. A vida precisa pulsar, animar-se, ser bela. O autor, Ciro Marcondes Filho, enfatiza a importância de aprender a amar e a eliminar o excesso de egoísmo que muitas vezes o ser humano carrega em sua existência social, além de propor uma reflexão sobre generosidade, solidariedade e compaixão.

Beatriz, protagonista da história, é uma simpática adolescente, moradora de uma pequena cidade de Minas Gerais, que não se conforma com a realidade que vive, e, com seu jeito extrovertido, luta para mudá-la. Com personalidade forte e atitude, a garota procura desvendar dois grandes mistérios: por que seu pai desapareceu e por que ela e sua mãe, vendedora de crisântemos, são discriminadas na cidade onde vivem.

Formato: 14 cm x 21 cm – 112 páginas Catálogo: Autoajuda

Formato: 14 cm x 21 cm – 112 páginas Catálogo: Infanto-juvenil

Por que ler? Esta obra pretende reabilitar os ânimos, os espíritos, as vontades, as energias, as vitalidades para as coisas boas da vida e para o outro, depositando no pensamento uma fé alegre e feliz. Dividido em 6 capítulos, o livro propõe uma reflexão sobre diversos temas relacionados à arte de viver, como por exemplo o exercício diário da sabedoria do corpo e da filosofia.

Por que ler? O livro, que pertence à Série Teens, aborda assuntos comuns do cotidiano dos adolescentes e colabora, por meio de uma história divertida e comovente, com a reflexão sobre o preconceito e o amor ao próximo.

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O Gralha, menino de rua Lourdes Carolina Gagete

Amigos do planeta - Meio ambiente e educação ambiental Vilmar Berna

Ser órfão, passar fome, morar na rua e conviver com drogas e violência é a realidade de inúmeras crianças do Brasil. E é a realidade de Jayme, mais conhecido como Gralha, um jovem morador de rua e protagonista desta obra. O garoto tem quase quinze anos e há um ano mora debaixo de um viaduto em São Paulo, depois que uma forte chuva matou seus pais e levou sua casa, seu futuro e sua esperança.

Aquecimento global, poluição, animais e plantas ameaçados de extinção são assuntos que marcaram os últimos anos. Nunca se falou tanto em desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. As pessoas desejam viver em um mundo melhor; porém, as mudanças devem começar no interior de cada um: nos gestos, no pensamento e na preocupação com o próximo.

Formato: 13,5 cm x 21 cm – 88 páginas Catálogo: Infanto-juvenil

Formato: 13,5 cm x 21 cm – 120 páginas Catálogo: Infanto-juvenil

Por que ler? A autora escreve com sensibilidade uma história triste e toca no coração do leitor ao falar de sentimentos puros em um mundo tão injusto e individualista. Com o objetivo de alertar os jovens para os problemas do nosso país, a obra incentiva uma visão crítica face à desigualdade social.

Por que ler? Essa é a temática abordada por Vilmar Berna. A obra pretende contribuir com pais e educadores na missão de sensibilizar os jovens cidadãos a construir um mundo melhor. O autor dá exemplos de projetos que deram certo e incentiva a prática de atividades realizadas por escolas e comunidades em defesa do meio ambiente.

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Páginas Abertas Indica A profecia na Igreja

Perseptom

José Comblin

É na voz, com a técnica do beat box e da percussão vocal, que o grupo traz a bateria, o pandeiro e os chocalhos, além de todo o preenchimento harmônico, sem deixar nada a desejar aos instrumentos.

Faixas: 13 Duração: 51 min e 49 seg Catálogo: Música e Vídeo

Por que ouvir?

O autor reflete sobre as mudanças que a profecia sofreu nos tempos atuais. José Comblin tem a mesma preocupação de Dom Hélder: o que acontece com a profecia hoje? A Igreja atual é a Igreja dos pobres? Ou a Igreja está de tal modo contaminada pela ideologia oficial e pelo sistema dominante que não se atreve a falar ou nem se dá conta de que poderia falar?

O CD reúne 13 faixas que traduzem clássicos da MPB para os perfeitos e criativos arranjos a cappella feitos pelo grupo. A diversa seleção vai de Alceu Valença a Chico César, passando por Adoniran Barbosa, Tim Maia, Dorival Caymmi, Djavan, entre outros, além de uma faixa inédita de autoria de Aníbal Macário, um dos integrantes do grupo.

Bach e Vivaldi O desenvolvimento da viola deu-se na região norte da Itália, por volta do início do século XVI, juntamente com os outros instrumentos de arco, embora a fase mais importante da consolidação do repertório da viola moderna tenha ocorrido apenas a partir de 1750. Neste CD, as músicas são trabalhadas com muito sentimento e o potencial expressivo do instrumento pode ser constatado na seleção de obras aqui apresentadas.

Formato: 14 cm x 21 cm – 288 páginas Catálogo: Teologia

Por que ler? O livro, que pertence à coleção Comunidade e Missão, propõe uma reflexão profunda acerca do tema, abordando assuntos como o profetismo cristão nos primeiros séculos, a profecia na Idade Média, a profecia na sociedade industrial, entre outros.

Faixas: 19 Duração: 1 h e 11 seg Catálogo: Música e Vídeo

Por que ouvir? Bach e Vivaldi conta com a participação dos músicos Perez Dworecki na viola e Paulo Gori no piano. Refinado, único e com o toque de requinte que a música erudita bem executada exige, o álbum é um excelente instrumento de difusão da música e da cultura. 44 Páginas Abertas

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Coleção Emilia Ferreiro As pesquisas que geraram a psicogênese da língua escrita de Emilia Ferreiro tiveram grande repercussão entre educadores de diversos países, inclusive no Brasil. Sua obra traz uma descrição de como a criança transforma a língua escrita em objeto de conhecimento. A coleção Emilia Ferreiro é composta de quatro DVDs que apresentam a vida e a influência desta grande estudiosa na educação de diversas culturas.

Biografia e contexto Catálogo: Música e Vídeo Duração: 38 min Áudio: Português

Psicogênese da língua escrita e a didática Catálogo: Música e Vídeo Duração: 60 min Áudio: Português

Desdobramentos da psicogênese da língua escrita Catálogo: Música e Vídeo Duração: 98 min Áudio: Português

Introdução à cultura escrita Catálogo: Música e Vídeo Duração: 41 min Áudio: Português

Por que assistir? Os DVDs contam com a supervisão de Telma Weisz, doutora em Psicologia da Aprendizagem pela Universidade de São Paulo. A coleção é um excelente instrumento de estudo, já que conhecer a obra desta argentina tão comprometida com a educação pode ser a chave para importantes mudanças nas práticas pedagógicas, além de influenciar decisivamente o combate ao fracasso escolar.

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Crônica | Por Douglas Tufano*

Foto: divulgação

O tempo e as palavras

*Douglas Tufano é professor de Português, Literatura e História da Arte, formado em Letras e Pedagogia pela Universidade de São Paulo e pós-graduado em História e Filosofia da Educação. É autor de livros didáticos e paradidáticos nas áreas de Língua Portuguesa e Literatura. E-mail: dgtufano@terra.com.br

“Algumas crianças chegaram ao jardim e puzeram-se a atirar à agua migalhinhas de pão. A menor dellas, batendo as mãozinhas, exclamou alegre: — Mas reparem! Ali está mais um cysne! Os irmãos, logo que o verificaram, começaram a dansar á margem do lago, dizendo: — Sim, sim, é verdade, ali está mais um cysne!” Esse é um trecho do conto “O Patinho Feio”, publicado em 1915 pela editora Melhoramentos. Observem a ortografia de algumas palavras: puzeram-se, dellas, cysne, dansar. Era assim que se escrevia naquela época. Por que não aproveitar a questão do novo acordo ortográfico, que entrou em vigor em janeiro deste ano, para conversar com os alunos sobre as mudanças que ocorrem periodicamente na língua escrita? Acho que é uma boa oportunidade para mostrar a eles que as línguas mudam com o tempo, não só a língua oral mas também a escrita. Palavras e expressões desaparecem, caem em desuso. Outras surgem. A pronúncia e o ritmo da fala também se modificam com o passar do tempo. Certas expressões, criadas em determinadas situações, podem tornarse incompreensíveis em pouco tempo. Será que a meninada de hoje sabe que a expressão “cair a ficha” nasceu quando surgiram as fichas de telefone que, quando caíam, permitiam a ligação? Ou que, quando alguém insistia num determinado assunto, a gente costumava pedir para “virar o disco” porque os discos, muito tempo atrás, tinham dois lados? Alguém ainda “embarca em canoa furada”? Ou “tira o cavalo da chuva”? E quem é “uma brasa, mora”? Há

quem ainda pense que “desse mato não sai coelho”? É possível “dar com os burros n’água” em nossas cidades? Por outro lado, quem imaginaria, há pouco tempo, que “deletar” seria um verbo tão popular? Pois ele saiu da informática e já entrou na linguagem cotidiana: “vou deletar esse cara da minha vida”. Hoje as expressões e as gírias são outras. E cada vez mais, cada faixa etária e cada grupo social parecem ter sua própria linguagem. Por isso, como dizem os linguistas, precisamos ser “poliglotas” em português. O jeito como falamos revela nossa idade. Não adianta querer disfarçar o rosto, pois o hábito de usar certas expressões ou gírias denunciam claramente a época em que fomos jovens. Quando alguém nos diz, por exemplo, que acha fulano “um sujeito quadrado”, já temos uma ideia da sua data de nascimento... O trabalho com a dimensão temporal das línguas é fascinante. Enfocando a questão da ortografia por esse ângulo, podemos mostrar aos alunos que a escrita das palavras é uma convenção que pode mudar de tempos em tempos. Por isso, nas palestras que tenho dado sobre o novo acordo ortográfico, sempre destaco esse ponto. Pessoalmente, tenho algumas ressalvas com relação a algumas regras do novo acordo, mas já que ele está aí, temos de aceitar. Por isso, vamos explicá-lo com calma, sem cobranças imediatas. Em pouco tempo, nós e os alunos nos acostumaremos com a nova ortografia. Mas sem precipitação, pois, como se dizia no meu tempo, “devagar com o andor que o santo é de barro”.

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