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Valdemir Cunha
Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
(CIP)
Cunha, Valdemir O Brasil invisível / [concepção editorial e fotografias/concept and photos Valdemir Cunha ; texto/text Xavier Bartaburu ; direção de arte/art direction Eli Sumida ; tradução/English version Matthew Rinaldi]. -- São Paulo : Editora Origem, 2012. Edição bilíngue: português/inglês. 1. Brasileiros - Fotografias 2. Fotografias Brasil I. Bartaburu, Xavier. II. Sumida, Eli. III. Título.
12-06933
CDD-779.9981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Fotografias
779.9981
Patrocínio
Realização
www.editoraorigem.com.br
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CARTA DO PATROCINADOR
Ihil id quos eate nus magnis re nim quunt moloreptatur repedit aepudi cuptatur, nessuntore nihilluptis ex et volorentia dolores voluptae plit adis maiorio con nest optaquassime dit a nos ea eicitat es reperum iliat quod maio ma cullatiam, omnime quasit omnis doluptat occae et voluptas alibusa ectemporem sin conem harchiliquis molorrume serchillecum alis voluptamus eum quia volent as et rem. Si odi non cuptaqui dolorunt explias expla voluptis consequ ossinctem qndam, nossera tatur? Perdi non cuptaqui dount. Ipsusciasped que volorectores essit et fugit dolene proribus as nimpore sectore, ius dolupta parum rempeliquo dolo blaudaepreio min plit, nam voluptua parum rempeliquo dolo blaudar? Giae volum invelicabor sum, excearum in nulpa vendae doluptin conse et od magnimperis autem ipsam et volorer ferchil laborecae acepeles a volorep ereiur? Qui dolor sequi doluptat ende nonem es pre corera aut latibearum deligendia quatem aceatem venimodi commolu ptatem idel modi blacias aut venda cusa sint ut aut qui dis aborum volorpo remperf eratem haristo vel invendaecati rest, vendictibus alis aut lis esequam volorum latemol orpores solut licab impos sit volestem quame consequia sequo omnimus abo. Nam, te maximin imenti officia suntiae periatur?Is simoluptatum labor rat.a parum rempeliquo dolo blauda Ebit ex earum con eture coribus arci dolestia est laci comniendam fuga. Et verit et eiciam, voluptati optatus, commolu piendae cum faccupt iisiti utempost liqui.a parum rempeliquo dolo blaudadi non cuptaqui do di non cuptaqui do di non cuptaqui do.
CARTA DO PATROCINADOR Ihil id quos eate nus magnis re nim quunt moloreptatur repedit aepudi cuptatur, nessuntore nihilluptis ex et volorentia dolores voluptae plit adis maiorio con nest optaquassime dit a nos ea eicitat es reperum iliat quod maio ma cullatiam, omnime quasit omnis doluptat occae et voluptas alibusa ectemporem sin conem harchiliquis molorrume serchillecum alis voluptamus eum quia volent as et rem. Si odi non cuptaqui dolorunt explias expla voluptis consequ ossinctem qndam, nossera tatur? Perunt.xpla voluptis consequ ossinctem qndam, nos Ipsusciasped que volorectores essit et fugit dolene proribus as nimpore sectore, ius dolupta parum rempeliquo dolo blaudaepreio min plit, nam voluptur? Giae volum invelicabor sum, excearum in nulpa vendae doluptin conse et od magnimperis autem ipsam et volorer ferchil laborecae acepeles a volorep ereiur? Qui dolor sequi doluptat ende nonem es pre corera aut latibearum deligendia quatem aceatem venimodi commolu ptatem idel modi blacias aut venda cusa sint ut aut qui dis aborum volorpo remperf eratem haristo vel invendaecati rest, vendictibus alis aut lis esequam volorum latemol orpores solut licab impos sit volestem quame consequia sequo omnimus abo. Nam, te maximin imenti officia suntiae periatur?Is simoluptatum labor rat.xpla voluptis consequ ossinctem lorpo remperf eratem haristo vel invendaecati rest, vendictibus alis aut lis esequam volorum latemol orpores solut licab impos sit volestem quambo. Namur?Isequ ossinctem qndam, nos Ebit ex earum con eture coribus arci dolestia est laci comniendam fuga. Et verit et eiciam, voluptati optatus, commolu piendae cum faccupt iisiti utempost liqui.
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CARTA DO EDITOR
Há um país escondido dentro do Brasil. Nele vivem milhões de pessoas espalhadas nas entranhas deste território de proporções continentais. E compartilham a mesma língua, assistem aos mesmos programas de televisão. São negros e loiros, puros e mestiços e gente vinda de outras terras. Habitam serras e praias, savanas e florestas, cidades e aldeias. Ali onde estão, os médicos são raros, as escolas distantes, o saneamento básico é inexistente. Mesmo estando na tênue linha que separa a miséria de uma vida simples e digna, essa gente acredita que tudo pode mudar pela força de seu trabalho e pelas possibilidades que as regiões onde habitam lhes proporcionam. Lutam por uma vida melhor para seus filhos e são felizes a despeito de suas privações. Este livro mostra o cotidiano dessas pessoas. De lugares desconhecidos e de uma população que o Brasil não está habituado a ver. Nesses dez anos viajando pelos rincões de nosso país, registrei a alegria, o trabalho e a esperança dessa gente. E percebi que esses brasileiros estão cada vez mais visíveis e chamando a atenção do país e do mundo. Eis aqui o meu Brasil Invisível.
LETTER FROM THE EDITOR There’s another nation hidden within Brazil. In it live millions of people spread throughout the guts of a country of continental proportions. They share the same language, they watch the same TV shows. They’re black and blond, pure-blooded and of mixed race and people who have come from other lands. They inhabit mountains and beaches, savannas and forests, cities and villages. Where they live, doctors are rare, basic sanitation is inexistent, schools far away. And even as they walk the fine line between abject poverty and a simple life of dignity, these people believe that it can all change by the sheer force of their work and the possibilities offered by the places where they reside. They struggle for a better life for their children and they’re happy despite their hardships. This book shows the daily lives of these Brazilians. People from unknown places, a population that Brazil is not used to seeing. Traveling to every corner of this nation over the last 10 years, I documented the joy, hard work and hope of these people. And I have realized that they are becoming more visible, attracting the attention of Brazil and the world. So here it is: my Invisible Brazil.
Valdemir Cunha
Valdemir Cunha
Editor
Editor
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OS DE CÁ, OS DE LÁ E OS DE TODO LUGAR Por Xavier Bartaburu
PEOPLE FROM HERE, THERE AND EVERYWHERE
Eu ouço as vozes eu vejo as cores eu sinto os passos de outro Brasil que vem aí
I hear the voices I see the colors I feel the footsteps of another Brazil on its way
(Gilberto Freyre)
(Gilberto Freyre)
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rimeiro foi o espanto. Do mar, rasgando sargaços, chegaram naus imensas carregando gente tão estranha quanto esplêndida. Eram homens, todos, e traziam o rosto tapado de pelos e a pele de panos. Aportavam fétidos e infectos, dados os longos meses através do oceano, mas portavam coisas bonitas e incomuns, como pentes, espelhos e facões. Por um momento, os de cá pensaram que gente assim só podia ser coisa dos deuses. Os de lá, por sua vez, ainda a bordo viam a praia encher-se de um povo rubro e reluzente, despido de toda roupa, culpa ou pecado. Viviam na mata, e da mata tiravam tudo quanto lhes bastasse, fossem frutos carnudos ou carnes suculentas que toda flecha pudesse acertar. Parecia o paraíso, tamanho o gozo e tal a inocência daquela vida pagã. Alguém achou, por um momento, que deviam ser anjos. Anjos não eram, logo se soube, pois também eram dados à guerra e, pior, mastigavam carne humana. Ao mesmo tempo, representavam sério entrave ao avanço sobre aquela terra recém-achada e tudo o que de valioso ela pudesse conter. Passado o assombro inicial, instalou-se o atrito. Os de cá tratavam de manter-se vivos ou livres, providos de setas e tacapes e também da mata que lhes servia de fortim vegetal, permeável apenas aos que soubessem compreendê-la. Os de lá, embora menos numerosos, traziam arcabuzes, epidemias e jesuítas. Quem não morria por obra de bala, rendia-se à varíola. Quem vivesse, ou gastava a humanidade carregando toras de pau-brasil ou perdia a alma para a cruz dos missionários. Mas houve também a paz das redes de dormir. Já nos portos, as índias ofereciam-se aos brancos em troca de presentes, para depois na maloca entregar-se a eles na esperança de emprenhar – antes mãe de mameluco que coisa nenhuma. Sem brancas com quem casar, os de lá também se despiam de panos e culpas, movidos pelo desejo duplo de saciar a carne e povoar a terra. Alguns chegaram a constituir família, de muitas esposas e numerosos filhos, atados a aldeias inteiras por laços de parentesco. Por toda a costa, ventres bugres geraram gente nova. Eram já crias diversas, nem de cá, nem de lá. Não se reconheciam na mãe, que mãe índia por aqui se rejeitava, e tampouco desfrutavam o respeito do pai, que os tinha por impuros. Por torná-los alguma coisa, os padres trataram de ao menos fazê-los cristãos. Entre uma missa e outra, entretanto, fizeram-se também raça inédita, ainda por lavrar, que não via destino senão se inventar com tal de existir. No início viviam feito os de cá, que era a única vida que a terra agreste permitia. Com o povo da mãe, aprenderam a roçar o milho, a depurar a mandioca, a tomar banho de rio, dormir em rede, trançar cestos e falar tupi. Tinham também olhos, ouvidos e narinas de bugre, já talhados para a mata, e ainda meninos engrossavam as bandeiras que alargaram as fronteiras da colônia à cata de ouro e nova indiada para submeter. Do pai, herdaram saberes de além-mar, que muito ajudavam no amansar da terra e dos gentios: pilavam o milho no monjolo, cozinhavam em tachos de metal, tiravam carne e leite do gado e forjavam o ferro no fabrico de machados, enxadas, facas e facões. Não tardaram também para trocar a palha das malocas pelo adobe e pela taipa. E, em pouco tempo, tornaram vilas as aldeias que habitavam.
First came the shock. From the sea, immense ships arrived, ripping through the sargassum and carrying people as strange as they were splendid. They were men, all of them, and they had faces covered in hair and pale skin. They brought with them stenches and infections, due to their long months on the ocean, but they also brought beautiful and unusual things like combs, mirrors and machetes. For a moment, the natives thought that such people could only be sorts of gods. For their part, the newcomers, while still on the water, saw the beach fill up with crimson, gleaming people, bereft of all clothing, shame and sin. They lived in the forest and from the forest they took everything that was provided them, whether it be plump fruits or the succulent flesh of the animals they hit with arrows. It seemed like paradise, such was the pleasure and innocence of the pagan lives they led. For a moment, someone thought they had to be angels. But angels they weren’t, as was soon seen, since they were also given to war and, even worse, consumed human flesh. At the same time, they represented a serious hindrance to any advancement upon that recently-discovered land and all that it contained of value. The initial fright having passed, friction set in. The ones from here employed themselves in staying alive or free, armed with sharp and blunt objects as well as the forest which served them well with a stronghold of vegetation, permeable only by those who could undertsand it. The ones from there, though less in number, had brought arquebuses, epidemics and Jesuítis. Those who didn’t die by the gun succumbed to smallpox. And the ones who survived spent their lives carrying logs of brazilwood or lost their souls to the cross of the missionaries. But there was also the peace that came with sleeping in the hammocks. At the ports, Indian women offered themselves to the white men in exchange for gifts, to later in their huts present themselves to them in hopes of becoming pregnant – for it was better to be the mother of a mameluco than nothing at all. With no white women to marry, the men from there also stripped themselves of clothes and guilt, moved by the dual desire to sate the flesh and populate the land. Some of them came to build families, with many wives and numerous children, tied to entire villages by family bonds. Along the entire coast, the wombs of savages bore new people. They were a diverse breed, neither from here nor from there. They didn’t recognize themselves in their mother, as Indian mothers were rejected, nor did they enjoy the respect of their father, as he saw them as impure. To turn them into something recognizable, the priests made efforts to make them Christian, at least. When they weren’t saying mass, however, they themselves also became a new race, while had to invent itself in order to exist. In the beginning, they lived as the people here did, since it was the only life that the rustic land permitted. With the people of their mothers, they learned to raise corn, peel manioc, bathe in rivers, sleep in hammocks, weave baskets and speak Tupi. They also had the eyes, ears and nostrils of savages, sharpened by the forest and, while still children, they placed the flags that enlarged the colony’s borders in the hunt for gold and new Indians to enslave. From their fathers, they inherited wisdom that came from beyond the seas, which greatly helped them to tame the land and the pagans: they ground corn in mills, cooked in metal pans, extracted meat and milk from livestock and forged iron in factories into axes, hoes, knives and machetes. It also didn’t take long for them to trade the straw of their huts for adobe and stucco. And, in a short time, their settlements became villages.
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NOVO POVO, NOVOS SERTÕES NEW PEOPLE, NEW BACKLANDS This is how the first century was. Mamelucos thrived wherever there was brazilwood to chop down or savages to capture. And so it went in the sweltering, fertile lands of the northeast, but there, where sugar plantations wreaked havoc on the black soil earth, new people proved essential. They also came from overseas, but from other, hotter lands and as such better endured the forced labor of the sugar mills. There, no peace was to be found, but there was race-mixing and the slave quarters were breeding grounds for new peoples. Indian mothers and their mameluco-producing uteruses were added to African ones, procreators of mulattos; together they made up the incubator in which the first Portuguese seeds were germinated. At the mills, mixed-race children were born slaves and they died as such, but not before untying the knots which bound them to their original tribes. As they couldn’t understand their peers, equal in skin but different in speech, they learned the Portuguese of their overseers. When free, they mixed with mamelucos and transformed into Indians as well, since the best means for sustenance in that new land were learned from the natives. They also turned into Christians, but stored in their souls memories of the ancient divinities imported on the slave ships. With them, they reinvented what remained of Africa in their yards. And when the coastal region was no longer enough, they had to take custody of the backlands. In the inland northeast, far from the sugar plantations, lived stout and fierce Indians which, not being Tupis, were called Tapuias. When they could no longer resist, these natives ended up mixing with the mamelucos who occupied the caatinga in search of pastures for livestock. Wherever cattle trod, roads opened up. Where they rested, villages were born. And in this way vast plots were carved into the backlands in service of the mills which they supplied with meat, leather and work bulls. There, men became either cowboys or lords: some dressed in leather for the labor, others in charge, holding archaic power over a nearly feudal operation. Both of them rangers, comrades in the drought and accomplices in that wilderness which made them strong before anything else. In the south, beyond the Serra do Mar, mamelucos from São Paulo departed for other backlands. Since they had no sugarcane nor pastures, they made their professions from virgin forests, territories and natives. They sought them at missions, already tamed by the cross, or in their tribes, still heathen, and for this, they ventured to the furthest distances they could. They spoke Tupi and in Tupi they named the mountains and rivers which they came across. If they stumbled onto gold or diamonds along the way, even better. And that’s how it happened: from the ravines of the Rio das Velhas where the first deposits were spotted, mining settlements multiplied. So many that the most glorious civilization in this land sprouted many miles from the coast. There, backlanders and Paulistas came together, some from the north, herding cattle, others from the south, cutting through the jungle. Since they got there first, they made themselves owners of the lands, but not without a struggle. White people also came, both those already here and others who came later, fevered and adventurous, retracing their grandparents’ steps. And there were blacks as well, lots of them, imported from local sugar plantations and distant tribes. The locals, speaking the imperial language, gave the deposits names in Portuguese, which overtook Tupi except in matters of topography. In the maelstrom of the colony, they all came together: blacks, mulattos, whites, savages and mestizos. They learned from each other’s wisdom and were enriched with the most diverse colors via makeshift beds. As they were no longer a single thing, they began to see themselves as one people.
Assim foi no primeiro século. Onde quer que houvesse matas de pau-brasil por derrubar ou bugres por apresar, proliferavam mamelucos. Foi assim também nas terras tórridas e férteis do Nordeste, mas ali, onde os canaviais grassaram sobre o massapê, novo povo se fez necessário. Vinham igualmente de além-mar, porém de outras plagas, tão quentes quanto as daqui, e por isso suportavam melhor o ofício que lhes era imposto nos engenhos açucareiros. Ali não houve paz alguma, mas houve a cruza, e também as senzalas se fizeram criatórios de outra gente. À mãe cunhã, útero multiplicador de mamelucos, somou-se ali a africana, parideira de mulatos, e juntas foram a matriz sobre a qual a primeira semente lusa germinou. Nos engenhos, os filhos nasciam pardos e escravos, e assim morriam, mas não sem antes desmanchar os nós que porventura ainda os atassem à tribo original. Por não se entender com seus pares, iguais na pele, mas diversos no falar, aprenderam o português do feitor. Quando livres, misturavam-se aos mamelucos e faziam-se quase índios eles também, que modo melhor de criar sustento nesta terra ainda era aquele aprendido dos nativos. Também se fizeram cristãos, mas guardaram na alma a lembrança de antigas divindades importadas nos tumbeiros. Com elas, reinventaram nos terreiros a África que lhes restava. E quando a costa se fez pequena, houve que se apossar do sertão. Nordeste adentro, para longe dos canaviais, viviam índios parrudos e ferozes, que, por não serem tupis, chamavam-nos de tapuias. Estes, quando não podiam resistir, terminavam por se mesclar aos mamelucos que ocupavam a caatinga em busca de pasto para o gado. Onde as boiadas pisavam, abriam-se estradas. Onde pousavam, nasciam vilas. E assim vastas sesmarias retalharam o sertão a serviço dos engenhos, aos quais forneciam carne, couro e bois de serviço. Ali os homens se fizeram vaqueiros ou senhores: uns encourados para a lida, outros entocados no comando de um poder arcaico, em quase tudo feudal. Caboclos ambos, compadres na seca e cúmplices do ermo que os tornou, antes de tudo, uns fortes. No sul, acolá da Serra do Mar, mamelucos paulistas partiam ao encontro de outros sertões. Como não tinham cana nem pasto do qual tirar proveito, fizeram do mato virgem o território e da preia de bugres a profissão. Iam buscá-los nas missões, já amansados pela cruz, ou nas tribos, ainda gentios, e para tal foram o mais distante que puderam. Falavam tupi, e em tupi foram nomeando as serras e os rios com que topavam. No caminho, se topassem também com ouro ou diamantes, tanto melhor. E assim foi: das barrancas do Rio das Velhas, onde se viu a aluvião original, multiplicaramse os arraiais mineradores. Tantos foram que ali se lavrou, a muitas léguas da costa, a mais resplandecente civilização desta terra. Ali se esbarraram sertanejos e paulistas, uns vindos do norte, tocando os bois, outros do sul, rasgando as matas. Por serem os primeiros, fizeramse ambos os donos das terras, mas não sem certa luta. Brancos também vieram, tanto os que já cá estavam quanto os que depois chegaram, febris e aventurosos, refazendo o caminho dos avôs. E houve pretos também, muitos, importados dos canaviais daqui e das tribos de lá. Os daqui, por falar língua lusa, aportuguesaram as jazidas, desbancando o tupi a não ser na toponímia. No miolo da colônia, todos se encontraram: pretos, pardos, brancos, bugres e caboclos. Ensinaram-se saberes uns aos outros e fecundaram-se nos catres com as cores das mais diversas. Por já não ser mais coisa alguma, começaram a sentir-se um povo só.
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DO NÓ INICIAL À AMÁLGAMA FINAL Minas foi o nó que primeiro atou o Brasil. Chegava gente de toda parte, e quase toda parte da colônia parecia empenhada em alimentar ou nutrir-se da riqueza que jorrava das jazidas. Inclusive o extremo sul, antes apartado dos destinos nacionais, agora se integrava ao centro e ao norte via extensa rede de estradas tropeiras. Ali, nos pastos austrais, outras misturas haviam tingido a gente campeira de sangue castelhano e guarani, que, por não ter maior recurso que extrair da planície infértil, fizera-se perita no amansar do gado xucro deixado pelos jesuítas. Os paulistas lá chegaram também: arrebanharam a vacaria, empregaram a gauchada e conectaram o pampa às minas e ao resto da colônia, carregando mulas, cavalos e bois. Quando o ouro nas minas acabou, alguns ali ficaram, misturados e miseráveis, enquanto outros repovoaram os vales ao sul. Voltaram todos à vida mameluca, que era a que conheciam, mas agora falantes do português e adubados com gene negro. Onde se instalaram, dedicaram-se a roçar os morros e as várzeas para dar lugar às lavouras e ao pasto do gado. Fizeramse caipiras – palavra tupi para “cortadores de mato” – e, com tal de superar as penas impostas pela lida diária, reafirmaram-se cristãos. Ergueram vilas, igrejas e capelas em nome dos mais diversos santos, e ali encontraram não só a fé comum como também os laços que os atavam uns aos outros. Nas festas e nos adros, faziam-se ainda mais caipiras. E ainda houve o norte. Pela boca do Amazonas, os portugueses meteram-se na mata e navegaram igarapés à cata de cacau, baunilha, pimenta, castanha e o que mais lhes ocorresse chamar de drogas do sertão. Para tal, valiam-se da indiada nativa, que eram os pés, as mãos e os olhos que tudo conheciam. Lá também os brancos se misturaram, fazendo-se caboclos, e ainda os bugres entre si, por força civilizatória. Fosse de que tribo viessem, no cativeiro se confundiam, imprecisos, e ainda aprendiam a rezar missa e falar tupi – não o tupi deles, mas o dos mamelucos, língua geral de posse e conversão. Os índios originais, os de cá, fugiram para as cabeceiras, mas ali os caboclos igualmente chegaram, ainda que tardios, atrás dos seringais. Com eles vieram sertanejos, fugidos da seca, até se encostar nas fronteiras. E ali também se acaboclaram: aprenderam a roçar a terra no vaivém da vazante, a morar em palafitas, a caçar com flecha e a pescar com arpão. Naquela altura, já quase ninguém, por todo o território, sabia-se de cepa alguma. Eram todos de cá, netos de avós incertos nos quais viam apenas uma vaga reminiscência de origem. Nem brancos, nem pretos, nem índios, e esses todos ao mesmo tempo. Novos brancos depois vieram, falando línguas diversas, destinados a espalhar-se pelas lavouras paulistas ou pelos vales do sul. Trouxeram saberes inéditos, que muito contribuíram para o progresso da nação, e alguns replicaram nos trópicos a vida que lá na terra tinham. Branquearam a população, é certo, mas muitos também se mestiçaram. E assim seguirão, que é o destino deste povo: destituir-se das matrizes primárias para converter-se em amálgama final, ponte entre o que nunca foi e o que talvez será. Brasileiros, sem mais.
FROM THE INITIAL KNOT TO THE FINAL AMALGAM Minas was the knot that first bound Brazil together. People from all parts arrived and nearly the entire colony seemed bent on feeding on or gathering strength from the riches that poured forth from mining deposits. This included the extreme south which, previously separated from the national destiny, was now attached to the center and north via an extensive network of muleteer roads. There, in the southern pastures, other mxtures colored the country people of Castilian and Guarani blood, who, having no greater resources to extract from the infertile flatlands, skilled themselves in taming the wild livestock left by the Jesuits. The Paulistas arrived there as well: they herded cattle, employed the Gaúchos and connected the plains to the mines and the rest of the colony on the backs of mules, horses and bulls. When the gold in the mines ran out, some stayed there, mixed and miserable, while others repopulated the valleys of the south. They all returned to the mameluco life, which was all they knew, but now speaking Portuguese and imbued with black genes. Wherever they settled, they dedicated themselves to clearing land in the mountains and the meadows to make room for farming and pastures for live stock. They turned themselves into “caipiras ” – a Tupi word which means “cutters of forest” – and, in order to overcome the hardships imposed by the daily labor, reaffirmed their Christianity. They erected villages, churches and chapels named after the most varied saints and there they found not only a common faith but also the ties that bound them to one another. At the parties and churchyards, they became even more “caipira.” And then there was the north. Via the mouth of the Amazon, the Portuguese ventured into the jungle and navigated streams in search of cacao, vanilla, pepper, nuts and whatever else they took to calling “the drugs of the backlands.” For this purpose, the natives proved valuable, serving as feet, hands and eyes for all that they knew. There, the whites also intermixed; they made themselves into rangers, as did the savages, via the civilizing efforts. Regardless of what tribe they came from, in captivity they were muddled together and also learned to pray as Christians and speak Tupi – not their Tupi, but that of the mamelucos, the general language of possession and conversion. The original Indians, the ones from there, fled to the upper reaches, but the mestizos arrived there as well, though a bit late, seeking the rubber trees. With them came the backlanders, fleeing the droughts, until they reached the frontiers. And there, they also took on a ranger lifestyle: they learned to farm the land in between the rise and fall of the rivers, to live in stilted houses, to hunt with bows and arrows and to fish with spears. At that point, there was almost no one left, throughout the entire territory, who knew of their ancestry. They were all from that place, grandchildren of uncertain grandparents, who had only a vague reminiscence of origin. Not white, not black, not Indians, and yet all of these at once. Afterwards, new whites came, speaking various languages, destined to settle across the farms of São Paulo and the valleys of the south. They brought with them unheard-of knowledge which would contribute to the nation’s progress and some of them would replicate the lifestyles of their homelands in the tropics. It’s true that they whitened the population, but many of them also mixed in. And this is how they proceeded, as was the destiny of this people: removed from their primary points of origin to convert into that final amalgam, the bridge between what never was and what perhaps will be. Just Brazilians, nothing else.
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CORUMBIARA, RO
KUNIBU, QUANDO SOUBE DE BRANCO, JÁ SOUBE TARDE. Branco chegou derrubando mata, queimando maloca, matando parente. Kunibu nem atinava que povo assim existisse no mundo, e muito menos entendia porque é que vinha tão zangado. Com medo, Kunibu sumiu no mato com quem sobrou da matança. E ninguém mais teve notícia. Aí branco veio de novo, um tanto de anos depois. Era outra qualidade de branco, queria amizade. Queria proteger a família de Kunibu dos outros brancos, os que tinham comido a floresta em volta daquela onde a indiada se escondia, perto do igarapé Omerê. Contando Kunibu, eram sete no total, e os vizinhos kanoê chamavam eles de akuntsu. Kunibu agora é cacique e pajé dos akuntsu. Tem duas esposas e duas filhas, uma com cada. Na aldeia vive também uma velha e o filho dela, que vai se casar com uma filha do cacique, e assim prosseguir com o povo akuntsu. Todos aqui vivem do que a terra dá: rocinha de milho, amendoim e mandioca, fruta colhida no mato e carne caçada de anta, paca e porco-do-mato. Andam nus, mas adoram enfeite de concha, semente e plástico colorido, que ganharam de presente dos kanoê. E não se sabe muito mais deles, que Kunibu fala uma língua lá só dele, que nem índio de outra tribo entende. Mas dá pra ver que Kunibu ainda tem medo. Quando chega estranho na aldeia, ele logo vai lá fazer os benzimentos dele, soprando pra longe o que tiver de espírito ruim. WHEN KUNIBU HEARD ABOUT THE WHITE MAN, IT WAS ALREADY TOO LATE. The white man had come to cut down the forest, setting fire to huts, killing his relatives. Kunibu had no idea that such people existed in this world, nor did he understand why they came with such fury. Frightened, Kunibu disappeared into the woods with those who had survived the pillage. Then the white man came again, several years later. A different sort of white man, trying to make friends. He wanted to protect Kunibu’s family from other white men, the ones who had brought down the forest around the one where the Indians now hid, nearby the Omerê stream. There were seven of them, counting Kunibu, and their Kanoê neighbors called them “Akuntsu.” Now Kunibu is chief and shaman of the Akuntsu. He has two wives and two daughters, one with each wife. In the village where they live, there’s also an old woman and her son, who is to marry the chief’s daughter and, as such, carry on the Akuntsu bloodline. Everyone here lives off what the land has to give: a small plantation of corn, peanuts and manioc, fruit gathered from the forest and the meat of hunted tapir, paca and boar. They don’t wear clothes, but they love ornaments made from shells, seeds and colored plastic, given as presents from the Kanoês. And not much else is known about them, since Kunibu speaks a language that is his alone, even Indians from other tribes can’t understand it. But it’s clear that Kunibu is still afraid. When a stranger arrives in the village, right away he goes to make his blessings, in order to blow whatever evil spirits may come far away.
Cacique Kunibu,
índio akuntsu, Terra Indígena Rio Omerê, município de Corumbiara, Rondônia, janeiro de 1996. Akuntsu Indian, Rio Omerê Indian Reservation, municipal Corumbiara, Rondônia, January of 1996.
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SÃO FRANCISCO, MG
O TANTO DE VIDA QUE DONA ANÍSIA TEM É O TANTO DE VIDA QUE ELA DEU. Faça as contas: 62 anos de idade, 62 partos no currículo. Parteira como ela, nestas bandas do Rio São Francisco, não tem igual. “Até hoje não morreu ninguém”, ela diz. Vai ver é pra compensar o tanto de vida que o pai há de ter tirado. Seu Martinho jura que nunca matou ninguém, mas bala de jagunço, sabe como é, ninguém vê onde se enterra. Ainda mais jagunço do bando de Antônio Dó, um dos grandes deste Grande Sertão, temido em vida e cantado em causo por todos esses vales de Minas à Bahia. “Meu pai dizia que as armas dele era tudo enfeitiçada”, conta Anísia. “Bala nenhuma acertava Antônio de Dó.” Falam que ele guardava patuá na capanga, e era mandinga pra fechar o corpo. Só morreu quando se engraçou com mulher, que lhe tirou o amuleto e abriu caminho pra que os do próprio bando lhe cobrissem de tiro. Foi aí que seu Martinho, pai de Anísia, que havia se juntado ainda moço à tropa de Dó, desvirou jagunço e ganhou o mundo. Mas deixou correndo na veia o sangue bandoleiro. “Ele tomava as muié dos outros e ia-se embora. Se ela não respeitasse, ainda batia nas perna dela.” Filhos, que se tenha notícia, espalhou dezenove. E com todos foi severo por demais. Quase que não deixou dona Anísia se casar com o João, só porque não gostava de preto. Por fim aceitou, mas mandou aviso. No dia do casamento, botou o rapaz embaixo do braço e disse: “Agora tu tem que sê homem!”. THE AMOUNT OF LIFE DONA ANÍSIA HAS IS THE AMOUNT OF LIFE SHE HAS GIVEN. Do the math: 62 years old, 62 births on her resume. In these environs of the Rio São Francisco, there’s no midwife like her. “None of them have died so far,” she says. Maybe it’s to compensate for all the lives that her father has taken. Martinho swears he never killed anyone, but you know, no one can say where the bullets from bandits’ guns end up. Especially a bandit who ran with Antônio Dó, one of the greatest in the Great Backlands, feared during his life and sung of in tales all throughout these valleys from Minas to Bahia. “My father used to say that his guns were all magic,” Anísia says. “No bullets ever hit Antônio de Dó.” They say he kept an amulet in his pouch, and it was a spell to keep his body intact. He only died after a tif with his wife, who took the amulet and made way for his own men to pump him full of lead. It was then that Martinho, Anísia’s father, who had joined Dó’s posse while still a boy, left banditry behind and roved land and sea. But the outlaw blood still ran in his veins. “He used to steal other men’s women and run off with them. And if she didn’t show him respect, he would hit her in the legs.” He had nineteen children, that are known of. And with all of them, he was very strict. He almost didn’t allow Dona Anísia to marry João, just because he didn’t like black people. In the end, he accepted it, but not without a warning. On their wedding day, he locked the young man under his arm and said: “Now you gotta be a man!”
Anísia Macedo,
parteira na zona rural do município de São Francisco, Minas Gerais, agosto de 2005. Midwife in the rural zone of municipal São Francisco, Minas Gerais, August of 2005.
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PORTO VELHO, RO
DIZEM QUE FOI O INFERNO. Era mato, chuva, bicho, índio, mosquito, e ainda aquele calor dos diabos, num aperreio infindo que, quando não matava, consumia o sujeito até comer-lhe as carnes. Mais de seis mil homens morreram na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. E o pai de Dionisio não foi um deles. Ainda bem. Charles Nathaniel Shockness veio ainda moço, arrancado pela necessidade do paraíso onde vivia, uma ilha bonita nas Antilhas chamada Granada, e aqui conheceu o demônio em forma de selva. Foi em 1910. Com ele chegaram muitos, de outras ilhas, negros todos, batizados de “barbadianos”. Quem não morreu, ou voltou pra casa ou acabou ficando. Charles ficou, e fez da ferrovia profissão. Dele e do filho. Trabalhou na Madeira-Mamoré por mais de quarenta anos; Dionísio quase o mesmo tanto. Esse começou menino, com doze anos só, e antes de criar bigode já posava de maquinista entre Porto Velho e Guajará-Mirim. Orgulho maior desse homem é ter conduzido tudo quanto era locomotiva a vapor que já faiscou sobre aqueles trilhos. Nem quando aposentou, nem mesmo quando a Madeira-Mamoré acabou e o mato começou a comer a sucata Dionisio Shockness largou daqueles trens. Com o que sobrou, foi lá, montou museu, refez os trilhos, botou locomotiva pra apitar de novo, nem que fosse pra levar turista ou adiar o esquecimento. Na ferrovia da morte, pai e filho encontraram a vida. THEY SAY IT WAS HELL. It was woods, rain, beasts, Indians, mosquitos, as well as that demonic heat, in an endless struggle which, if it didn’t kill you, wore you down to skin and bones. Over six thousand men died in the construction of the Madeira-Mamoré railroad. But Dionísio’s father wasn’t one of them. Good thing. Charles Nathaniel Shockness came as a young man, torn by necessity from the paradise where he lived, a beautiful island in the Antilles called Grenada, and here he met the devil in jungle form. That was 1910. Along with him came many men, all of them black, nicknamed “Barbadians,” from other islands. Those who survived either went back home or ended up staying. Charles stayed, and made his living from the railroad. He and his son. He worked on Madeira-Mamoré for over forty years; and Dionísio nearly as long. The latter started as a boy, just twelve years-old, and before he had whiskers he was already working as a machinist between Porto Velho and Guajará-Mirim. The man’s greatest pride is having conducted back when the trains were steam-engine locomotives that made sparks fly on the tracks. Even after he retired, after the Madeira-Mamoré met its end and the forest had started to eat into the scrap metal, Dionisio Shockness didn’t let go of those trains. He went there and assembled a museum out of what was left over, redid the tracks, put back a locomotive to whistle once again, even if it were just to transport tourists or delay people from inevitably forgetting. In the railroad of death, a father and his son found life.
Dionisio Shockness,
ex-ferroviário, morador de Porto Velho, Rondônia, fevereiro de 2005. former railwayman, resident of Porto Velho, Rondônia, February of 2005.
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UIRAMUTÃ, RR
SÓ SOBROU A PISTA. Avião mesmo já faz um bocado de tempo que não pousa. Se pousasse, já pensou o divertimento que ia ser pro Ícaro e pra curuminzada toda? Avião aterrissando na porta de casa não é coisa que se vê por aí. Acontece que, bem antes de o menino nascer, o governo proibiu tudo quanto era garimpo de ouro e diamante naquelas quebradas do norte do país. De uma vez, fechou todas as pistas de pouso da região, inclusive aquela que hoje serve de quintal pra família do seu Telcimar. Ele é o pai do Ícaro e é índio macuxi. Por causa de gente como ele que os garimpeiros foram mandados embora daquele pedaço de Roraima, pra que os índios ali pudessem tomar conta de sua terra do jeito que bem entendessem. Seu Telcimar mesmo às vezes sai com a bateia atrás de alguma pedrinha de valor. Tem vez que acha, e dá pra encher a despensa. Viver de pedra é que tá difícil. Ainda mais com oito filhos pra criar. Já o Ícaro gosta é de cristal, que ali na reserva indígena também tem de monte e ainda brilha mais bonito. Talvez, daqui a uns anos, ele comece a gostar de diamante. Mas não agora. A pista é grande e ainda dá pra muita brincadeira. Mesmo sem avião. THE RUNWAY IS ALL THAT’S LEFT. It’s been quite a few years since an actual plane has landed there. If one were to land, can you imagine what fun it would be for Ícaro and all the youngins? A plane landing by your doorstep is not the sort of thing you see around there. It just so happens that, long before the boy was born, the government prohibited all kinds of gold and diamond prospecting in those northern Brazil hillsides. All at once, all the landing strips in the region closed, including the one which today serves as the yard of Telcimar’s family home. He’s Ícaro’s father and he’s a Macuxi indian. It was because of people like him that the miners were kicked out of that part of Roraima, so that the Indians there could tend to their land in as they best knew to. Sometimes Telcimar even goes out with a pan looking for some little stones of value. Now and then he finds some and they put food on the table. Living off the stones is hard though. Even more so with eight kids to raise. But what Ícaro really likes are the crystals, which are plentiful and which shine even brighter on the Indian reservation. Maybe, in a few years, he’ll start liking diamonds. But not yet. The runway is big and there’s still a lot of playing to be done. Even without planes.
Ícaro Cunha,
índio macuxi, Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, município de Uiramutã, Roraima, junho de 2007. Macuxi Indian, Raposa-Serra do Sol Indian Reservation, municipal Uiramutã, Roraima, June of 2007.
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ILHÉUS, BA
TODO BARCACEIRO SABE: CACAU MOLHADO É CACAU RUIM. E é por isso que, nem bem começa a chover na Fazenda Lagoa Pequena, Osvaldo já se aperreia todo. Sai logo na carreira pra cobrir as doze barcaças enfileiradas no fundo do vale, onde o cacau seca no sol pra começar a virar chocolate. Se chove demais, vai tudo pra estufa, onde a secagem se dá por obra das caldeiras. Como explica Osvaldo: “Aqui nós pega duas temperatura: é sol e fogo”. Do fogo ele não gosta, que lá o cabra sua que nem preá quando foge da cobra. Prefere o sol, mesmo que seja pra ficar torrando o dia todo junto com o cacau. Como seja, é serviço sem domingo nem feriado, pra dar conta do tanto de semente que chega a todo instante das roças, engordando os caçuás dependurados nos burros. E aí, quando arriba, tem que ir lá sem demora descarregar tudo nos cochos de madeira, onde os caroços fermentam até soltar aquele visgo quente e enjooso que o sujeito leva anos pra se acostumar. Só depois é que vão pras barcaças, e ali é o dia todo remexendo com a pá, pra que o sol toste todos por igual. Tem vez que bate uma chuvinha e o cacau, mesmo na barcaça, cria mofo. É uma trabalheira danada pra tirar, mas bonito de se ver. Parece até que Osvaldo faz carinho nos caroços quando se põe sobre eles e, com um passo miúdo e enviesado, vai tirando o visgo com os pés. Parece até que ele dança. ALL BARGEMEN KNOW: WET COCOA IS BAD COCOA. And this is why, when it had hardly even begun to rain at Fazenda Lagoa Pequena, Osvaldo already had goosebumps all over. He went out right away to cover the twelve barges lined up at the bottom of the valley, where the cocoa dries in the sun, beginning the process of transformation into chocolate. If it rains a lot, everything is taken to the hothouse, where the drying is handled by the boilers. As Osvaldo explains: “Here, we get two temperatures: sun and fire.” He doesn’t care much for fire, being that it makes the guy sweat like a guinea pig fleeing from a snake. He prefers the sun, even if he spends the whole day roasting in it, along with the cocoa. As things are, it’s an everyday job, including Sundays and holidays, handling the cocoa beans that are constantly arriving from the fields, filling up the baskets hanging from the burros. And then, when things pick up, he has to go there quickly, to unload everything into the wooden troughs, where the beans ferment until they release that hot, naseauting sap which takes years to get used to. Only afterwards do they go to the barges, where they have to be flipped all day long with a shovel so that the sun toasts them evenly. There are times when a little rain falls and the cocoa beans, even in the barges, get moldy. And it’s hard work to get the mold off, but beautiful to watch. It even seems like Osvaldo is caressing the beans as he positions himself on top of them and, with soft and equivocal steps, he starts removing the goo with his feet. It almost looks like he’s dancing.
Osvaldo Macedo,
barcaceiro de cacau na Fazenda Lagoa Pequena, município de Ilhéus, Bahia, novembro de 2010. Cocoa bargeman at Fazenda Lagoa Pequena, municipal Ilhéus, Bahia, November of 2010.
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ALTO RIO MOA, AC
TEM DE UM TUDO ONDE A DONA RITA MORA. Tem água boa de beber, tem caça do mato, tem rocinha pra plantar milho, mandioca, banana e feijão e casa de farinha pra fazer beiju. Até prainha no quintal a dona Rita tem, quando o Rio Moa na vazante se recolhe e a areia fabrica, no pé da casa, um pequeno litoral. Tevê ela não tem, mas tem a do vizinho, uma preto e branco que ele deixa a vila inteira assistir na hora da novela. E telefone, veja só, até isso lá já chegou: orelhão amarelinho, bem do lado da casa dela, orgulho do lugar que o povo fechou com cerca pras vacas não estragarem. “Tenho tudo de que preciso aqui”, ela diz. Só não tem panela, né, dona Rita? Aí, carece de se ir até a cidade, e disso ela não gosta muito não. Se pudesse, ficava só ali, naquele povoadim bonito e sem nome no sopé da Serra do Divisor, bem onde a borracha inventou um estado e o Brasil se fez mais ocidental e amazônico. Mas a dona Rita é cozinheira arretada: sem panela, não fica. E, vez ou outra, até se atreve a sair daquele fim de mundo, extremidade oeste da nação, só pra aumentar a coleção de caçarolas. Viaja doze horas rio abaixo até o porto de Japiim e mais quarenta quilômetros de estrada até Cruzeiro do Sul. Depois faz tudo de volta, com mais uma panela pra enfeitar a parede da cozinha. Que nem troféu. THE PLACE WHERE DONA RITA LIVES HAS A BIT OF EVERYTHING. It has good drinking water, it has game in the woods, it has land to plant corn, manioc, bananas and beans and a house for flour milling where she can make beiju*. Dona Rita even has a little beach in her yard, when, in the ebb tide, the Rio Moa shrinks away and the sand gives way to a small coast at the foot of her house. TV is something she doesn’t have, but her neighbor has one, a black and white set which he lets the entire village watch when it’s time for the telenovela. And look, even phone lines have made it there: a yellow payphone, right next to her house, pride of the place which the people closed off with a fence so the cattle wouldn’t ruin it. “I have everything I need here,” she says. Except for a stovepot, right Dona Rita? All that’s left is for her then is to go into town, something she doesn’t like to do. If it were it up to her, she’d stay there, in that pretty little village with no name in the foothills of the Serra do Divisor, right where rubber invented a state and Brazil became more Western and Amazonian. But Dona Rita is a fussy cook: she can’t rest without a pot. So now and then, she ventures out of the boonies, in the country’s extreme west, just to add to her collection of cooking pots. She travels twelve hours downriver to the port of Japiim and another 25 miles on land to get to Cruzeiro do Sul. Afterwards, she makes the entire trip back, with one more pot to hang on her kitchen wall. Like a trophy. * A kind of dough made from manioc or tapioca, of indigenous origin.
Rita Pereira da Silva,
dona de casa na zona rural do município de Mâncio Lima, Acre, em área do Parque Nacional da Serra do Divisor, outubro de 2008. A housewife in the rural district of municipal Mâncio Lima, Acre, in the area of Serra do Divisor National Park, October of 2008.
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PAINEL, SC
O SENHOR RESPEITE, QUE DE PINHÃO SEU TONHO ENTENDE. Bote aí uns cinquenta anos, ou mais, trepando em araucária pra catar pinha e tirar pinhão. Hoje, ele quase não vai, que a idade fraqueja a carne e o serviço é arriscado, mas um pinheiro ou outro ainda ele visita. E sobe no jeito antigo: armado de facão, cavando escada no tronco e ganhando altura, na unha e no pé, até alcançar a copa. Aí, pousa que nem gralha nos galhos e empurra as pinhas com vara de bambu. Tem as que debulham, explosivas, quando chegam ao chão, espalhando pinhão pra tudo quanto é lado. Fica pra bicharada: vem gralha, cutia, papagaio, macaco, esquilo – de pinhão, não tem quem não goste. O povo da serra também adora, tanto é que come de tudo quanto é jeito. Tem o pinhão que é assado na chapa do fogão, tem o que é moído pra virar paçoca e tem também o sapecado nos galhos secos da araucária, chamuscado em fogaréu. Até cru o povo engole. Mas o melhor, pro seu Tonho, é o pinhão no borralho, aquele que queima “no rescaldo da cinza”, em lenha que também aquece a casa. “Ele primeiro cozinha pra depois assar.” É tanto pinhão que dava até pra enjoar. Mas pro seu Tonho, quando acaba a temporada, o que mais dá é saudade. Aí, toca esperar o frio bater e o céu encher de papagaio: é sinal de que já tem pinha no pé. Como diz a dona Teca, mulher do seu Tonho: “É só dar uma esfriadinha que já dá vontade de sair pra pegar pinhão no mato”. SHOW SOME RESPECT SIR, BECAUSE PINHÃO* IS A SUBJECT TONHO KNOWS WELL. He’s spent some fifty years or more climbing araucaria trees to collect pine cones and pinhões. These days he hardly goes at all, because age makes one weaker and the work is risky, but there are a few Paraná pine trees that he still visits. And he climbs up the same old way: armed with a machete, digging his steps into the trunk and gaining altitude with nails and feet until he reaches the canopy. And he stays up there perched on the branches like a crow, knocking the pine cones with a bamboo rod. Some of them are explosive, breaking into pieces when they hit the ground, scattering pinhões every which way. Animals end up getting these: crows, agoutis, monkeys, squirrels – after all, there’s no one who doesn’t like pinhões. The people in the mountains love them too, so much so that they eat them in every way possible. There are pinhões cooked on the stove, some are ground to make a sugary candy and still others are dried on the trees’ branches, scorched over bonfires. People even eat them raw. But for Tonho, the best is pinhões in embers, those that are heated “in the burning ashes” of the log fires that heat people’s homes. “First they get cooked, then baked.” So many pinhões that you might just get sick of them. But, for Tonho, it’s what he misses when the season’s over. Then he has to wait for the cold to return and the sky to fill with parrots: that’s the sign that there are pine cones up there. As Tonho’s wife Dona Teca says: “All it takes is a little chill to make him feel like going out to the woods after some pinhões.” *The edible seed of the araucaria tree, similar to a large pine nut.
Antônio Inácio Sobrinho,
coletor de pinhão na zona rural do município de Painel, Santa Catarina, maio de 2012. Collector of pinhões in the rural zone of municipal Painel, Santa Catarina. May of 2012.
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MONTEIRO LOBATO, SP
É COMO NO TEMPO DOS ESCRAVOS. O tacho de cobre, a garapa no fogo, e seu Otacílio lá, mexendo e escumando até aquilo virar melado. “Se parar de mexer, queima”, avisa. E haja braço: rapadura exige mais de hora pra acertar o ponto, e açúcar ainda é mais um tanto. Mas seu Otacílio não cansa nem reclama. Senhor e escravo de si mesmo, produz mascavo e rapadura ligeiro e sozinho, por vezes com a ajuda da mulher, do jeito que aprendeu com o pai, e o pai com o avô, e este com sabe-se lá quem. Só não mói mais a cana em moenda de pau, girada no cavalo, que a luz aqui no sítio já chegou – agora o triturar se faz ligado na tomada. A cana ele diz que planta lá mesmo, na várzea, das mais diversas qualidades. Boa mesmo é a javanesa, e é melhor ainda quando colhida na seca. “Fica mais doce.” Mas veja, mesmo se fosse em época diversa, ficava bom do mesmo jeito, que rapadura e açúcar como as do seu Otacílio ainda hão de fazer melhor. Diz ele que é por causa da cana. “Aqui ela é mais doce porque a gente não põe adubo, nem químico, nem nada.” Tal como no tempo dos escravos. Nem parece que a Dutra fica logo ali, detrás do morro. IT’S JUST LIKE THE SLAVE DAYS. The copper pot, the sugar cane juice on the fire and Otacílio there, stirring and skimming until it turns syrupy. “If you stop mixing, it gets burned,” he warns. And you need muscles: jaggery takes over an hour to prepare and sugar takes even longer. But Otacílio doesn’t tire and doesn’t complain. Master and slave to himself, he produces brown sugar and jaggery promptly and alone, sometimes with the help of his wife, the way he learned from his father, and the way his father learned from who knows who. But the sugar cane isn’t ground with a wooden horse mill anymore, since these days the country house has electricity – now all you need is to plug it in an outlet. The sugar cane that’s planted there in the lea, he says, is of all different qualities. The really good kind is Javanese and it’s even better when harvested during a drought. “It makes it sweeter.” But still, even if it were picked at a different time, it would be just as good, since there’s yet to be any jaggery or sugar better than those made by Otacílio. “They’re sweeter here because we don’t put in any fertilizers or chemicals or anything.” Just like in the slave days. You can’t even tell that the Dutra highway is nearby, right on the other side of the hills.
Otacílio Francisco Claro, produtor rural no município de Monteiro Lobato, São Paulo, abril de 2012. Rural craftsman in municipal Monteiro Lobato, São Paulo, April, 2012 .
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VALE DO CATIMBAU, PE
BATEU O OLHO, PRONTO: ZÉ BEZERRA JÁ IMAGINA O BICHO QUE AQUELE TRONCO VAI VIRAR. Começa assim. Depois entram a faca, o serrote e o formão. E em poucos dias, o que era um pedaço de pau se converte em passarinho, cutia, calango, mocó ou qualquer outro animal que habite aquele sertão. Faz mais de dez anos que é assim, desde quando Zé Bezerra sonhou que deixava de ser caçador pra se tornar artista. Era bem este o sonho: ele no mato, caçando tora em vez de bicho, pra fazer escultura. Aviso dado, vida nova. Virou escultor. Diz ele que é feitiço da bicharada, um jeito que ela achou de voltar a viver depois de extinta. “O espírito dos bichos que eu matei me ajuda a encontrar os troncos na mata”, explica. Devem ser espíritos dadivosos, pois o Zé já até perdeu a conta do tanto de lenha que tornou arte. E ainda tira o sustento disso, veja só. Quando não é escultura que viaja pra fora, é o povo de fora que vem comprar. Aí o Zé faz a festa. Quando tem visita, sempre arrisca uma cantoria acompanhada pelo dedilhar do berimbau que ele inventou – uma corda de aço atada a duas chaleiras. Depois leva pra conhecer o quintal, onde ficam os bichos todos, convertidos em arte. É tanto bicho que parece até zoológico. ONE LOOK AND ZÉ BEZERRA CAN ALREADY IMAGINE WHAT ANIMAL THE TRUNK WILL TURN INTO. This is how it starts. Then comes the knife, the hand-saw and the chisel. And in a few days, what was once a piece of wood has been converted into a bird, an agouti, a lizard, a rock cavy or some other animal that inhabits those backlands. It’s been like this for over ten years, since back when Zé Bezerra dreamed he’d given up hunting and became an artist. This was the exact dream: he was in the woods, hunting for logs, rather than game, to make sculptures. With this sign came a new life. He became a sculptor. According to him, it’s animal withcraft, a way for them to come back to life after meeting their end. “The spirit of the animals that I killed help me to find trunks in the woods,” he explains. They must be generous spirits since Zé has lost count of all the lumber that he’s turned into art. And he even makes a living from it. When his sculptures aren’t being shipped abroad, people from abroad are coming here to buy them. And then Zé puts on a show. When he has visitors, he always does some singing accompanied by strumming on the berimbau that he invented – a steel string stretched between two teapots. Then he leads them to his yard, where all the animals are, converted into art. There are so many animals there that it seems like a zoo.
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José Bezerra,
morador da zona rural do município de Buíque, Pernambuco, em área do Parque Nacional do Catimbau, março de 2012. Resident of the rural zone of municipal Buíque (PE) in an area of Catimbau National Park, March of 2012.
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VILA DO TEPEQUÉM, RR
POVO LÁ NO TEPEQUÉM DEVE TER ACHADO QUE JANUÁRIO FELISMINO ERA FROUXO DO JUÍZO. Onde é que se viu cavar buraco no chão da própria sala? Tá certo que diamante, ali, naquelas lonjuras de Roraima, dá onde até Deus duvida. Mas logo dentro de casa, seu Januário? É que já faz um bocado de tempo que quase não se vê mais gema de respeito na Serra do Tepequém, desde quando o governo proibiu máquina no garimpo e deixou o povaréu nos arraiais de peneira na mão, catando pedregulho. Tem uns que ainda insistem, esses poucos que não se foram, como Januário Felismino. E aí, quando chega aviso em sonho, urge atender. Primeiro ele sonhou com onça. Uma pintada graúda, acompanhada dos filhotes, bangolando na sala de casa. Na noite seguinte, uma galinha. Branca, cuidando dos pintos todos. Januário enxergou recado: tem diamante aí. Um grande e outros menorzinhos. E cavou. Abriu um vão até fazer sumir o chão da sala, pra depois encontrar só o negrume. Pois diamante, mesmo, ele não viu nenhum. Então, encheu o oco de água, fez poço. E botou lá uns jabutis, pra garantir a janta. “Só como quando tô com fome”, avisa. PEOPLE THERE IN TEPEQUÉM MUST HAVE THOUGHT THAT JANUÁRIO FELISMINO WAS TOUCHED IN THE HEAD. Where did they see him digging a hole but in his own living room? Okay, it’s true that in that godforsaken part of Roraima, there seem to be diamonds everywhere you look. But right there inside your house, Januário? It’s just that it’s been so long since you see any proper gems in Serra do Tepequém, ever since the government barred prospecting machinery and left the people in the campgrounds with pans in hand, collecting pebbles. There are some who still keep on, a handful of those who never left, like Januário Felismino. So then, when a sign comes in a dream, you’d better pay attention. First he dreamed of a leopard. A spotted full-grown female, accompanied by her kittens, strutting around his living room. The next day, a hen. A white one, caring for all her chicks. Januário got the message: there’s diamonds there. One big one and some other smaller ones. So he dug. He opened up a void until there was no more floor in the room, nothing but darkness. But as for diamonds, he hasn’t seen any. So, he filled the hole with water, made a well. And he put some red-footed tortoises in it, to guarantee he’d have dinner. “I only eat one when I get hungry,” he informs us.
Januário Felismino,
garimpeiro na Vila do Tepequém, município de Amajari, Roraima, junho de 2007. Diamond prospector in Vila do Tepequém, municipal Amajari, Roraima, June of 2007.
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CARRETÉIS, SE
SE TAMANHO FOSSE DOCUMENTO, QUE É QUE SERIA DA DONA MARIA? Um metro e oito centímetros de altura, isso é tudo o que ela tem. Mas se é pra medir a alegria dessa mulher, aí não há fita métrica que dê conta. Baixinha feliz que nem ela, aqui em Carretéis, ainda tá pra nascer. E olha que tem um monte de gente assim na cidade. Quase cem, tudo nanico. Coisa de primo casando com primo, deu no que deu. Na família, pequena é só a dona Maria. Tem ainda duas irmãs e um irmão morando na casinha que a prefeitura deu pra eles viverem, e são todos “altos”, como se fala por aqui. Nenhum sabe ler nem escrever. Luz elétrica não tem e banho, só no riacho lá de baixo. Algum dinheirinho do governo sempre aparece, pra ajudar no de-comer. Lucro, mesmo, a dona Maria só tira das cordas de palha que ela faz, e que dizem ser as melhores de Carretéis. De resto, só a rocinha de mandioca, milho e feijão pra sustentar a casa. “A gente passa gerunga, mas num morre”, ela fala. E fala gargalhando. Quem vê ela assim nem imagina que “gerunga”, na língua de cá, é fome. Na cidade até tem doutor fazendo tratamento com a anãozada, pra ver se o povo cresce mais um bocadinho. Mas a dona Maria não faz muita questão, não. Um metro e pouco já tá bom. “Deus fez cada um como tem que sê”, ela ensina. “Se Ele me fez encoída, é assim que vô vivê.” IF SIZE WERE EVERYTHING, WHAT WOULD THAT MAKE DONA MARIA? Three feet and five inches, that’s how high she stands. But if we were measuring the woman’s joy, no tape measure would be long enough. A shortie as happy as her the town of Carretéis is yet to see. And actually there are tons of people like her in town. Almost a hundred of them, all dwarves. Something that came from cousins marrying cousins. In her family, Dona Maria’s the only little one. She has two sisters and a brother who live with her in the house that city hall gave them to live in and they’re all “tall,” as they say around here. No one knows how to read or write. There no electricity and no running water, just the stream down below. A little money always comes along from the government, to help for something to eat. But Dona Maria’s only real income comes from the straw ropes that she makes, which they say are the best in Carretéis. As for the rest, there’s a small plantation of manioc, corn and beans to sustain the house. “We get the ‘gerunga,’ but we don’t die,” she says. And she says it laughing. To look at her, you’d never imagine that ‘gerunga’ means ‘hunger’ in the local dialect. There’s even a doctor in town treating some of the little people to see if they might not grow a little more. But Dona Maria doesn’t care so much. Three feet and change is fine enough. “God made each of us how we have to be,” she instructs. “If he made me shrunk, then this is how I’ll live.”
Maria Cardoso,
artesã no distrito de Carretéis, município de Itabaianinha, Sergipe, julho de 2005. Craftswoman in the district of Carretéis, municipal Itabaianinha, Sergipe, July of 2005.
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NOVA OLINDA, CE
QUANDO O CABRA CHEGOU COM A SANDÁLIA NA MÃO, O PAI DE ESPEDITO JÁ SABIA: ERA HOMEM DE LAMPIÃO. Pedia encomenda. Queria que seu Raimundo fizesse uma alpercata que nem aquela, mas com a sola de um jeito que, pelo rastro, não desse pra saber onde era a frente e onde era atrás. Assim o rei do cangaço podia escapar pelo sertão despistando a soldadesca. Pai fez e nem quis cobrar, só de medo. Mas o molde ficou. E Espedito Seleiro, que herdou o ofício, um dia catou o molde e fez sandália igual, pra vender pra fora. Vai daí que a alpercata de Lampião caiu no gosto e entrou no pé de tudo quanto é artista. Depois vieram os cintos, as bolsas, os chapéus, tudo de couro. Espedito ficou famoso, celebridade maior do Cariri. Fez roupa pra filme e pra desfile de moda e recebe encomenda até do estrangeiro. Mas coisa de que gosta mesmo, e isso ele não esconde, é produzir pra vaqueirama, essa que garantiu o de-comer do pai, do avô e do bisavô. Se pudesse, ficava só fazendo sela, arreio, cangalha, perneira e gibão. Pena que não dá, que vaqueiro hoje é bicho quase extinto na caatinga. E os que têm por aí acham que Espedito Seleiro só trabalha pros de fora. Injustiça da pior. Se vaqueiro encomendar alpercata, o cabra faz na hora. E faz com gosto. Diz até que faz melhor do que se fosse pra artista. WHEN THE GUY ARRIVED WITH A
SANDAL IN HAND, ESPEDITO’S FATHER KNEW RIGHT AWAY: HE WAS ONE OF LAMPIÃO’S MEN. He placed an order. He wanted Raimundo to make him some alpercatas* just like that one, with a soul designed so that you can’t tell which side was the front and which was the back. This way, the king of the bandits could escape into the backlands, misleading the soldiers on his trail. His father made it and didn’t want to charge him, out of fear. And Espedito Seleiro, who inherited the craft, stumbled on the mould and made more sandals just like the original, to sell out of state. And just like that the Lampião alpercatas, came into fashion, seen on the feet of all types of celebrities. Then came the belts, the wallets, the hats, all of them made from leather. Espedito got famous, the biggest celebrity in Cariri. He made clothing for movies and fashion shows and even receives orders from overseas. But what he really likes, and this is something he can’t hide, is to produce cowboy items, a craft that put food on the table for his father, grandfather and greatgrandfather. If it were up him, he’d just make saddles, harnesses, pack saddles, gaiters and jackets. Too bad it’s out of the question since these days cowboys are facing extinction in the scrubland. And the ones that are still there think that Espedito Seleiro only works for outsiders. How unjust. If a cowboy were to order slippers, he’d make them right away. And with pleasure. He says he’d do a better job than for any celebrity. * Kind of regional flat sandals, usually made of leather.
Espedito Veloso de Carvalho, artesão em Nova Olinda, Ceará, maio de 2008. Craftsman in Nova Olinda, Ceará, May of 2008.
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GARIBALDI, RS
QUANDO NÃO ERA TICO-TICO, ERA TATU. Ou porco-espinho. Lagarto, às vezes. Tudo com polenta. Na casa da dona Odete, quando criança, fauna local era refeição. Coisa dos avós italianos, que, com tal de sobreviver na nova terra, inventaram receita com tudo quanto era bicho que se pudesse comer. Quem quiser aprender, a dona Odete ensina: “O lagarto a gente deixava um dia escorrendo na água e depois fritava, que nem peixe. Já o tico-tico era sapecado na banha, com sálvia”. Ela garante que nunca passou fome na infância, mas fartura também não era algo que se visse todo dia nesses vales do Sul. Vai ver foi isso, o pavor da privação, que fez a dona Odete transformar o porão de casa numa cantina, a Osteria della Colombina, onde empacha os comensais com uma comilança pra nunca se esquecer. Quase tudo ela produz aqui: vinho, grapa, vinagre, geleia, suco, pão, queijo, manteiga. O que não tem, ela manda trazer, e fica bom do mesmo jeito. Só ticotico é que não tem mesmo, nem tatu, que isso é coisa do passado. Em vez disso, a dona Odete faz desfilar uma farta e vasta seleção de receitas que carregam no gosto e no nome o mesmo sotaque que ela deixa escapar no seu falar: polenta brustolada, carne lessa, pien, fortaia... A italianada, quando vem, diz ela que enlouquece. “Eles não acreditam que ainda exista tudo isso que nós fazemos aqui. Até choram.” WHEN IT WASN’T SPARROW, IT WAS ARMADILLO. Or porcupine. Sometimes, lizard. Always served with grits. At Dona Odete’s house when she was a kid, the local fauna made for meals. This came from her Italian grandparents who, having to survive in a new land, invented recipes for all the edible critters that could be found. Anyone interested can learn from Dona Odete: “We used to leave lizards soaking in water for a day and then we’d fry them, just like fish. But sparrow we cooked in grease with sage.” She guarantees that she never went hungry growing up, but these valleys of southern Brazil were no land of plenty either. Maybe it was this, the fear of going without, that led Dona Odete to transform the cellar of her house into a cantina, Osteria della Colombina, where she stuffs her customers with feasts that they’ll never forget. Almost everything is produced on site: wine, grappa, vinegar, jelly, juice, bread, cheese, butter. What she doesn’t have, she orders, and prepares it with the same care. Only there’s no sparrow, nor armadillo; those are things of the past. Instead, Dona Odete brings forth a vast and plentiful selection of recipes whose flavor and names carry the same accent that comes out when she speaks: polenta brustolada, carne lessa, pien, fortaia... And she says that the Italians go crazy when they come. “They can’t believe that everything we do here still exists. Sometimes, they cry.”
Odete Bettú Lazzari,
cozinheira na zona rural do município de Garibaldi, Rio Grande do Sul, julho de 2007. A cook in the rural zone of municipal Garibaldi, Rio Grande do Sul, July of 2007.
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MUMBUCA, TO
“MOÇO, FOI COISA DE DEUS.” Dona Noemi era menina ainda quando o pai ficou adoentado da vista. Do nada, sem que ninguém tivesse ensinado a receita, veio a ideia: foi no quintal, catou umas folhas de alfavaca, fez chá e deu pro pai lavar os olhos. No dia seguinte, o homem estava de novo na roça, enxergando tudo. “Deus usou a gente pequenininha. E foi um recurso fundamental.” Pronto, deixou de ser Noemi. Virou “Doutora”, que é como todo mundo lá em Mumbuca conhece a mulher. Mumbuca é vila pequena, coisa de pouco mais de duzentos viventes, todos evangélicos. O povo nem dança, que o pastor não deixa. Mas ninguém recusa as garrafadas que a dona Noemi faz misturando as ervas do Cerrado. É remédio de índio, coisa de pagão, mas, se cura, quem é que vai reclamar? Pra dor de barriga e enxaqueca, dizem que não há coisa melhor que as puçangas de Doutora. Bom disso é que ninguém fica doente, e assim a Mumbuca consegue dar conta da produção de artesanato em capim dourado, que recebe encomenda de tudo quanto é canto deste mundo. Pra quem não sabe, capim dourado é planta que brota só nas veredas do Jalapão, e seu trançado também é ensinamento de índio, repassado de mãe em mãe até que virou ofício exclusivo das mulheres do lugar. De tão bonito, ficou famoso no Brasil todo. E lá fora também. Até no estrangeiro tem cesto que a Doutora fez. “YOUNG MAN, IT WAS GOD’S DOING.” Dona Noemi was just a girl when her father’s vision got bad. Out of nowhere, without anyone having taught her the recipe, the idea came to her: it was out in the yard, she picked a few leaves of lettuce, made some tea with it and gave it to her dad to wash his eyes. The next day, the man was back in the fields, with perfect vision. “God used me when I was little. And it was a fundamental resource.” And just like that she was no longer Noemi. She became “Doctor,” which is what everyone in Mumbuca calls her. Mumbuca is a small village, with a population of just over two hundred, all of them evagelical Christians. People there don’t even dance; the pastor won’t allow it. But no one passes up the bottled mixures that Dona Noemi makes from the herbs of the Cerrado. They’re Indian recipes, the stuff of pagans, but if the cures work, what harm can it be? For stomach pains and migraines, they say there’s nothing better than the Doctor’s folk remedies. The good part is that no one gets sick and, as such, Mumbuca manages to produce a lot of golden grass handicrafts, receiving orders from all corners of the world. For those who don’t know, golden grass is a plant that only grows in the trails of Jalapão, and weaving it is also an Indian technique, passed down from mother to daughter until it became the official trade for the women there. The beauty of these items made them famous all over Brazil. And abroad as well. Baskets made by the Doctor can even be found overseas.
Noemi Ribeiro,
artesã no distrito de Mumbuca, município de Mateiros, Tocantins, maio de 2007. craftswoman in the district of Mumbuca, municipal Mateiros, Tocantins, May of 2007.
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SALVATERRA, PA
“MINHA MÃE DIZ QUE COM SETE MESES EU CHOREI NA BARRIGA DELA.” E quem é que duvida? Não na comunidade de Santa Luzia, quilombo antigo metido nas brenhas do Marajó, onde Cipriano é cabra predestinado, embaixador dos encantados no mitigar de tudo quanto é dor das carnes e do espírito. “Cirurgião”, é como ele se apresenta. Chame também de pajé, chame de xamã, só não de feiticeiro. “Feiticeiro é os caruanas”, ele esclarece. A eles é que Cipriano empresta o corpo na pajelança pra operar a cura, desfazer o feitiço. Funciona assim: “Embaixo da terra tem uma cidade, onde vivem os caruanas. Quando faz a prece, a gente sente a aproximação. Sente a umidade que vem de baixo, tomando conta”. Aí, é maracá de índio, reza de cristão, tambor de negro, e Cipriano no breu, cheio de cinta agarrada ao corpo, mergulhado naquele sono mágico que faz o sujeito se esquecer de quem é. Tem quem jure que já viu Cipriano lambuzar o braço de pinga e tacar fogo, sem sentir nada. Dizem também que ele chupa a dor com a boca e cospe depois, e no meio do cuspe vem inseto, vidro, sangue. Lá na Santa Luzia, todo o mundo confirma: não tem quem chegue carregado na encanteria desse homem e depois não saia caminhando. Caruana tem poder. “Sem ele, a gente não é nada.” “MY MOTHER USED TO SAY THAT AT SEVEN MONTHS, I CRIED IN HER BELLY.” And does anyone doubt it? Not in the community of Santa Luzia, an old escaped slave settlement embedded in the thicket of Marajó, where Cipriano is a man destined, an embassador of spells to soothe all types of pains of the flesh and spirit. He introduces himself as a “surgeon.” He also calls himself a witch-doctor, a shaman, but never a wizard. “The caruanas* are the wizards,” he clarifies. They’re the ones that Cipriano lends his body to for them to administer cures and undo curses. Here’s how it works: “There’s an underground city where the caruanas live. When we pray, we can feel them nearing us. Feel the moisture rising from below, taking charge.” Then come the Indian maracas, Christian prayers, African drums and Cipriano all worked up, wrapped in belts, immersed in that magical dreamstate which makes you forget who you are. There are those who swear they’ve seen Cipriano smear his arm with cachaça and light it on fire without feeling a thing. They also say that he sucks out the pain with his mouth, then spits it out, and in this spit there’s insects, glass, blood. Everyone in Santa Luzia attests to it: everyone who comes here and falls under this man’s spells comes out walking on two feet. Caruana is powerful. “Without him, we’re nothing.” *Entity of native Brazilian mythology, called upon by shamans to cure the ill.
Cipriano Leal,
curandeiro na comunidade de Santa Luzia, município de Salvaterra, na Ilha de Marajó, Pará, maio de 2006. Healer in the community of Santa Luzia, municipal Salvaterra, on Ilha de Marajó, Pará, May of 2006.
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SÃO GONÇALO DO RIO DAS PEDRAS, MG
SE TROVEJAR, NEM SE INCOMODE EM PROCURAR A DONA LENA. Que ela não vai contar história, não. Era assim com o pai, que em noite de tempestade deixava todo mundo passar vontade. Pra ele, trovão só fazia era assustar a criançada. E se acaso a dona Lena estiver no meio dum causo e o céu rugir, também esteja preparado: ela manda todo mundo embora. Também nem tente de dia. Tem uns que insistem, em geral gente de fora. Passam lá na casa dela, pedem pra ouvir história. Mas a dona Lena sempre tem uma desculpa. Fala pra voltarem à noite, depois das sete. É pra manter a tradição, também do pai, de só reunir os filhos pra contar causos e contos de assombração depois que o sol se põe. Ainda hoje a dona Lena faz igual: no escuro, na cozinha, diante do fogo. E em São Gonçalo do Rio das Pedras, faz melhor do que ninguém. Tanto é que vem gente até de longe pra escutar a contação. De quebra, o pessoal aproveita pra conhecer o presépio, que é famoso também. Faz vinte anos que ela monta, e, a cada Natal, só faz crescer. Sempre tem visita trazendo alguma peça, às vezes até do estrangeiro. E o presépio, que começou miúdo, hoje ocupa um quarto inteiro da casa. A dona Lena até já desistiu de desmontar. Deixa lá, pra quem quiser ver. Mas informa: “Ô gente, esse Menino Jesus daqui não faz milagre nem cura! Já aviso, senão não dou conta”. IF IT’S THUNDERING OUT, DON’T BOTHER LOOKING FOR DONA LENA. Because she won’t tell you any stories. It was the same with her father; on stormy nights, he used to leave everyone wanting. For him, the only thing thunder was good for was scaring the children. And if, by chance, Dona Lena is in the middle of a tale and the sky starts to rumble, be prepared: she sends everyone away. Don’t try during the day either. Some people try to insist, generally outsiders. They come by her house and ask to hear a story. But Dona Lena always has an excuse. She tells them to come back at night, after seven. This is to maintain the tradition, which was also her father’s, of only telling tales and ghost stories after sundown. To this day, Dona Lena does it the same way: in the dark, in the kitchen, next to the fire. And in São Gonçalo do Rio das Pedras, she does it better than anyone else. So good in fact that people come from far away to hear her. Right away, visitors take the time to see the nativity scene, which is also famous. She first put it together twenty years ago and it’s gotten bigger with each Christmas. There’s always some visitor bringing a new piece, sometimes from overseas. And the nativity scene, which started out humble, now takes up an entire room in the house. Dona Lena has even given up on taking it down. Leave it there for anyone who wants to see it. But she warns: “Look everybody, this baby Jesus doesn’t do miracles or healings! I’m warning you, or else there’ll be no story.”
Helena Torres,
contadora de histórias no distrito de São Gonçalo do Rio das Pedras, município de Serro, Minas Gerais, janeiro de 2008. Storyteller in the district of São Gonçalo do Rio das Pedras, municipal Serro, Minas Gerais, January of 2008.
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ALTO DO RODRIGUES, RN
ÁGUA? TEM NÃO. NUNCA TEVE. Quem furasse a terrinha do seu Chico um bocado de anos atrás ia achar só o pó. Aí, certa feita, veio a Petrobras, pediu pra furar também. Debaixo do chão seco, onde as cabras pastavam com grande sacrifício, o petróleo esguichou. E o seu Chico, do nada, enricou. Ele e mais um tanto de vizinhos, que o destino fez morar bem em cima do maior campo de petróleo em terra do país. Seu Chico não conta quantas bombas botaram na sua propriedade, mas só no quintal já dá pra ver duas. Seja quantas forem, é delas que se vive por aqui. “Pagam pouco”, ele reclama, “mas é verdade que a feira melhorou depois da chegada deles.” Tem que ver a casa nova do seu Chico, quase de coronel, com alpendre e tudo. Até carro ele comprou. Foi bem quando o asfaltou chegou e a via poeirenta na frente de casa virou a “Estrada do Óleo”. Agora ficou fácil ir à praia, que está ali pertinho. Este pedaço do Nordeste tem isto de bom: o sertão encosta no litoral. O povo brinca que é onde mandacaru vem tomar banho de mar. Mas, se depender do seu Chico, o carro vai é ficar ali mesmo. “A praia é muito longe, umas cinco léguas daqui”, ele diz, todo preguicento. E justifica: “Sertanejo tá acostumado a pisar firme, num sabe?”. WATER? NOT HERE. THERE NEVER WAS ANY. Anyone who broke ground on Chico’s land just a few years back found nothing but dust. Then one day Petrobras came along and asked to dig too. From beneath the dry ground, where goats grazed with great sacrifice, sprang oil. And, from out of nowhere, Chico got rich. He and a bunch of his neighbors, whom destiny had placed upon the largest landlocked oil field in the country. Chico lost count of the pumps they put on his property, but you can see two in the backyard alone. Regardless of how many they are in number, the people around here live off of them. “They don’t pay much,” he complains, “but it’s true my pockets have gotten fatter since they arrived.” You’ve got to see Chico’s new house, it’s almost like an aristocrat’s, with a porch and everything. He even bought himself a car. It was right when the pavement arrived, turning the once dusty road in front of his house into the “Oil Highway.” Now it’s easy to get to the beach, located nearby. This piece of northeastern Brazil is good for this reason: the plateau runs up against the coast. Folks like to joke that the cacti come here to swim in the ocean. But, if it were up to Chico, the car woukd stay right where it is. “The beach is really far away, some five leagues from here,” he says, lazily. And backs himself up: “Sertanejos* are used to walking on firm ground, y’know?” * Term used to describe residents of the “sertão,” a vast semi-arid region of inland northeastern Brazil.
Chico Assunção,
aposentado, morador do município de Alto do Rodrigues, Rio Grande do Norte, novembro de 2007. A retired resident of municipal Alto do Rodrigues, Rio Grande do Norte, November of 2007.
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VALE DO CATIMBAU, PE
MENINO ESPERTO, O VANIEL. Nove anos de idade e já trabalha feito gente grande. Manda até nos irmãos mais velhos. O pai, quando vai pra cidade, nem duvida: é Vaniel que ele deixa no comando. Faz de tudo um pouco o moleque: encanga os bois no carro, fabrica beiju e ainda cuida das cabras. Essas ele leva dia sim, dia não, pros lugares de comer, rasgando a caatinga feito vaqueiro dos bons. Depois, no outro dia, ajunta os bichos todos de novo no curral, pra tirar o leite que depois vai ser misturado com a farinha, pra virar papa. “Quando tem muito leite, mainha faz queijo”, ele acrescenta. Tudo isso é de manhã, pois à tarde o Vaniel vai pra escola. E vai de ônibus, que esse lá já tem no lugarejo onde ele mora, o Brocotó. Não faz muito tempo, pra sair daqui, era só de jegue. Também não tinha tevê, nem parabólica. Nem mesmo a cisterna que hoje bota água na mesa da família tinha. Luz era só de candeeiro e o dormir se fazia em cama de palha de ouricuri. Agora o Vaniel dorme em colchão, veja só. Quando é que os pais dele iam imaginar uma vida assim? No Brocotó, melhorou demais a qualidade do sono e do sonhar. Menino de sorte, o Vaniel. SMART KID, THAT VANIEL. Nine years old and already working like a grown-up. He even tells his older siblings what to do. When his father heads into town, he doesn’t think twice: Vaniel’s in charge. The kid does a little of everything: he crowds the bulls into the car, makes beiju and even cares for the goats-taking them places where they can eat, every other day, trailing through the scrubland like a good cowboy. On the other days, he gathers all the animals in the corral to milk them, then mixes the milk with flour, to make mush. “When there’s lots of milk, mommy makes cheese,” he adds. And all this in the morning, because Vaniel goes to school in the afternoon. And he goes by bus, which they now have in the place he lives, Brocotó. Just a short time back, the only way to leave was atop a donkey. They didn’t have TV either, nor dish antennas. Not even the water tanks which these days provide water for the whole family. Light only came from oil lamps and people slept on beds made of Likuri Palm straw. Now Vaniel sleeps on a mattress. And did his parents ever imagine that life would be like this? In Brocotó, the quality of dreaming and dreams themselves have improved a lot. Lucky kid, that Vaniel.
Vaniel Albuquerque da Silva, morador da zona rural do município de Buíque, Pernambuco, em área do Parque Nacional do Catimbau, março de 2012. Resident of the rural zone of municipal Buíque, Pernambuco, in the area of Catimbau National Park, March of 2012.
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RODEIO, SC
MONTAR NA BICICLETA NÃO É COM SEU LAUDIR. Ele gosta mesmo é de desmontar. Imagine que, de menino, quando viu pela primeira vez uma dessas dentro de casa, nem quis provar da novidade. Esperou o pai sair pra roça, catou a magrela e meteu-se a desfazer ela inteirinha. Arrancou freio, parafuso, para-lama, depois esfregou banha de porco no rolamento e botou tudo de volta no lugar. Pai nem desconfiou. E o que era reinação, virou profissão. Moço ainda, seu Laudir abriu oficina numa beira de estrada entre Rodeio e Timbó, que chamou de Bicicletaria Feltrin. Faz já trinta anos. Fácil não foi, que nesses vales do Sul quase sempre o verão carrega enchente. Numa dessas, o homem perdeu casa e oficina. Passou anos dormindo num colchão apoiado sobre tocos de eucalipto. Um toco desses ele ainda guarda num canto da bicicletaria, pra lembrar de sempre perseverar. “Sofri feito cão na vida, mas sou feliz”, resume. Coisa de que mais gosta hoje é pegar bicicleta velha, dessas que costumava desmanchar quando moleque, e tornar nova. E nem se apoquenta quando chega criança da cidade pedindo pra pedalar. Abre logo o galpão no quintal de casa e deixa a garotada montar em tudo quanto é relíquia. Desmontar é que não. Que isso é só com seu Laudir. RIDING BIKES IS NOT LAUDIR’S THING. What he really likes is taking them apart. You can imagine him, as a boy seeing one of them in the house for the first time, not even wanting to try it out. He waited for his father to go out to the fields, then took hold of the bike and disassembled it piece by piece. He pulled off the brake, screws, fender, then rubbed pig lard in the washers and put the whole thing back together. His father didn’t suspect a thing. And what started as a pastime became a profession. When he was still a kid, Laudir opened a shop beside the road between Rodeio and Timbó, which was called Bicicletaria Feltrin. That was thirty years ago. It hasn’t been easy, since in these valleys of southern Brazil the summer almost always comes with floods. One of them took away the man’s house and his shop. He spent years sleeping on a mattress supported by Eucalyptus tree stumps. One of these stumps remains in a corner of the bike shop to this day, a reminder to always persevere. “I suffered through life like a dog, but I’m happy,” he sums up. What he likes most these days is to take an old bike, the kind he used to disassemble when he was a child, and make it new. And he doesn’t worry when a kid from town comes by asking to go for a ride. He opens up the warehouse in his backyard right away and lets the children have at ‘em, heirlooms and all. They just can’t take them apart. That’s Laudir’s thing.
Laudir Feltrin,
proprietário de bicicletaria em Rodeio, no Vale do Itajaí, Santa Catarina, junho de 2008. Owner of a bicycle shop in Rodeio, in Vale do Itajaí, Santa Catarina, June of 2008.
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SÃO BENTO DO SAPUCAÍ, SP
SEU MANÉ, QUANDO VIAJA, É NO “SISTEMA ANTIGO”. Seja milho, telha ou rapadura, leva a carga nas mulas, atada em cangalha, enchendo bruaca de couro ou jacá de bambu. Tropeiro como seu Mané já quase não tem. Um ou outro ainda sobra no país, como aqui, nos ermos da Mantiqueira, onde estrada é de chão e alguma freguesia ainda reclama a provisão que carro nenhum é capaz de levar. Em São Bento, sobrou somente o seu Mané. “Morreram os tropeiro véio. Só eu fiquei na tradição”, ele diz. E bote idade nessa tradição: desde menino, ele já era companheiro do pai no tropear, e juntos desciam a serra levando fumo e frango pra subir de volta trazendo sal. Por vezes levavam porco capado pra Campos do Jordão, num tempo em que lá ainda deixavam amarrar mula em porta de mercado. Hoje, animal nenhum entra na cidade. “Atrapaiô o gosto.” Contudo, quando chamam, Mané vai. E é sempre no Natal, pra ajudar a dar conta do tanto de leitoa que o povo requer. “Aí todo mundo tem sede de carne, né?” Fora isso, o serviço é pouco. Tropeiro agora tem mais serventia em desfile, pra mostrar pros mais moços como era que se viajava no sistema antigo. Seu Mané mesmo vai em quantos pode, em tudo quanto é cidade da região. Leva a tropa toda, enfeitada que só, pronta pra ganhar concurso. E não é que ganha? Na sala do seu Mané, o que mais tem é troféu. WHEN MANÉ TRAVELS, HE DOES IT “THE OLD WAY.” Whether it be corn, tiles or jaggery, he takes the cargo to the mules, strapped with pack saddles, filling the packs made of leather or bamboo straw. There are hardly any muleteers like Mané. One or two in the country, like here in the recesses of Mantiqueira, where the roads are packed with dirt and some customers still complain about supplies that no automobile is able to carry. In São Bento, Mané’s the only one left. “The old muleteers are dead. I’m the only one still carrying on the tradition,” he says. And he’s put in years in this tradition: ever since he was a boy he accompanied his father on the trails and together they trekked down the mountains carrying tobacco and chicken, bringing salt back up with them. At times, they brought gelded pigs to Campos do Jordão in the days when you were still allowed to leave a mule tied to a post in front of the market. These days, animals don’t enter the city. “They get in the way.” Still, Mané goes when he’s called. And it’s always at Christmas time, to help cover the demand for suckling pigs. “Everyone there gets a craving for meat, you know?” But aside from this, he gets little work. Muleteers nowadays are more useful in parades, to show the young kids what it was like traveling in the old days. Mané himself participates in as many as he can, in all the towns in the region. He brings he whole herd, all dolled up, to win the pageants. And you can bet that he wins. Mané’s sitting room is filled with trophies.
Manuel dos Santos, tropeiro em São Bento do Sapucaí, São Paulo, abril de 2012. Muleteer in São Bento do Sapucaí, São Paulo, April of 2012.
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SÃO JOSÉ DOS AUSENTES, RS
SOPRE OU NÃO O MINUANO, LÁ VAI O ELISEU. Cedinho ele acorda, todo dia, pra campear as coxilhas cuidando da gadaria, arrumando cerca e o que mais a lida na estância reclamar. Frio faz sempre, sobretudo de manhã, que a terra aqui é das mais glaciais neste país, pampa dependurada acima dos mil metros onde até a neve às vezes forra os capinzais. Mas quando chega do Sul o minuano, aí é o inverno no que ele tem de mais estorvador. Pois esse é vento que areja cortante, zunindo nos campos e golpeando nas carnes. “Parece até que a gente trabalha dentro de uma geladeira.” Mas o Eliseu não se aperreia: vai lá, tiritante, fazer o que tem de ser feito, que é pra garantir o churrasco de todo dia. Afora a lida, o guri ainda arranja tempo pra ajudar o pai no fabrico do queijo e faz uns bicos servindo de guia pros gringos, com quem aproveita pra incrementar o inglês. Tem também a música, divertimento maior. Volta e meia se acha o Eliseu num cetegê, fazendo lá os entreveros dele, misturando rock e chamamé. “A gente tem de modernizar, né? Não vê os sertanejos?”, justifica. Por vezes, na lida, montado em cavalo, ele gosta de cantar as músicas que compôs. Canta pra si, pois lá, nos ermos da estância, ninguém ouve nem acompanha. Salvo quando sopra o minuano, que aí é vento e Eliseu fazendo coro. WHETHER THE SOUTHERN WIND IS BLOWING OR NOT, ELISEU IS OUT THERE. He gets up bright and early everyday to scavenge the hills, taking care of the livestock, fixing the fences and whatever the ranch most requires. It’s always cold out, especially mornings, when the earth here is the iciest in all of Brazil, plains that stand over a mile high and where snow is even known to dust the grass. But when the southern wind starts blowing, then it’s winter at its most brutal. For this is a wind that cuts and slices, hissing across the fields and ramming against the flesh. “It almost seems like we work inside a refrigerator.” But Eliseu doesn’t fight it: he goes out shivering and does what he has to do, which guarantees there will be meat for supper. Aside from the work, the guy also finds time to help his father making cheese and even takes side jobs guiding foreign visitors, taking advantage of the opportunity to expand his English. And he has music, his favorite pastime. Now and then, you can find Eliseu lost in Gaúcho lingo, making up his own lines, mixing rock’n’roll with chamamé. “We have to modernize, right? Haven’t you seen the sertanejos?” he explains. Sometimes, in the fields, on horseback, he likes to sing the songs that he writes. Singing to himself, since there, in the isolated recesses of the ranch, no one’s there to listen or sing along. Except when the southern wind blows, and then Eliseu and the wind sing together.
Eliseu Lopes,
peão em São José dos Ausentes, Rio Grande do Sul, fevereiro de 2012. Farmhand in São José dos Ausentes, Rio Grande do Sul, February of 2012.
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ÍNDICE DAS IMAGENS
PÁG. 39 Família de índios Botocudos, de João Maurício Rugendas, acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil. Family of Botocudo Indians, by João Maurício Rugendas, from the collection of the National Library Foundation – Brazil.
PÁG. 41 Negro e Negra em Plantação, de João Maurício Rugendas, acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil. Black Man and Black Woman on Plantation, by João Maurício Rugendas, from the collection of the National Library Foundation - Brazil.
PÁG. 43 Costumes da Bahia, de João Maurício Rugendas, acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil. Customs of Bahia, by João Maurício Rugendas, from the collection of the National Library Foundation - Brazil.
PÁGS. 46-47 Joina Raimunda Brito, professora em Queimada dos Britos, comunidade situada no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, (MA). Joina Raimunda Brito, schoolteacher in Queimada dos Britos, a settlement located in Lençóis Maranhenses National Park, (MA).
PÁGS. 48-49 Crianças vestidas para festa junina, Rodeio (SC). Children dressed up for a “festa junina,” Rodeio (SC).
PÁG. 1 Morador da comunidade quilombola, Salvaterra, Ilha de Marajó (PA). Resident of the quilombola community of Salvaterra, Ilha de Marajó (PA).
PÁGS. 2-3 Parque Nacional do Jaú (AM). Jaú National Park (AM).
PÁG. 5 Romão Pereira Rodrigues, contador de histórias do vilarejo de Serra das Araras, Chapada Gaúcha (MG). Romão Pereira Rodrigues, a storyteller in the village of Serra das Araras, Chapada Gaúcha (MG).
PÁGS. 6-7 Pescadores em jangada, Jericoacoara (CE). Fishermen on a raft, Jericoacoara (CE).
PÁG. 9 Menino se banhando em veredas do Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG). Boy bathing in streams in Grande Sertão Veredas National Park (MG).
PÁGS. 50-51 Crianças brincam nas dunas, Jericoacoara (CE). Kids playing on the dunes, Jericoacoara (CE).
PÁGS. 52-53 Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA). Lençóis Maranhenses National Park (MA).
PÁGS. 54-55 Crianças pastoreiam cabras, Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA). Children herding goats, Lençóis Maranhenses National Park (MA).
PÁGS. 56-57 Mãe leva crianças para a escola, Alto Rio Moa, Parque Nacional da Serra do Divisor (AC). Mother taking her children to school, Alto Rio Moa, Parque Nacional da Serra do Divisor (AC).
PÁGS. 58-59 Menino andando na Foz do Rio Preguiças (MA). Boy on foot in Foz do Rio Preguiças (MA).
PÁGS. 10-11 Dunas do Rosado (RN). Dunas do Rosado (RN).
PÁG. 13 Morador de comunidade quilombola, Cananeia (SP). A resident of the quilombola community of Cananeia (SP).
PÁGS. 14-15 Ribeirinho pesca na região do arquipélago de Anavilhanas (AM). A riverside dweller fishing in the vicinity of the Anavilhanas archipelago (AM).
PÁG. 17 Sertanejo no município de Belmonte (PE). A backlander in municipal Belmonte (PE).
PÁGS. 18-19 Parque Nacional do Vale do Catimbau, Buíque (PE). Vale do Catimbau National Park, Buíque (PE).
PÁG. 60 Crianças dançam lundu, dança típica da Ilha de Marajó (PA). Kids performing the lundu, a traditional dance, in Ilha de Marajó (PA).
PÁG. 61 Viale Moreira da Silva, morador da comunidade mais a oeste do território brasileiro, Parque Nacional da Serra do Divisor (AC). Viale Moreira da Silva, resident of the westernmost point in Brazilian territory, Serra do Divisor National Park (AC).
PÁG. 62 Índio pataxó em reserva indígena, Caraíva (BA). A pataxó on an Indian reservatios, Caraíva (BA).
PÁG. 63 Gessiane da Silva, índia nukini que leciona em aldeia no Médio Rio Moa (AC). Gessiane da Silva, a Nukini Indian woman who teaches in a village in Médio Rio Moa (AC).
PÁG. 64 Crianças em festa na beira do Rio São Francisco, Cachoeira do Manteiga (MG). Children having fun on the banks of the Rio São Francisco, Cachoeira do Manteiga (MG).
PÁG. 21 Menina em casa de palafita, Ilha de Marajó (PA). Girl in a stilt house, Ilha de Marajó (PA).
PÁGS. 22-23 Casa no sertão do Cariri (CE). House in the backlands of Cariri (CE).
PÁG. 25 Luiz Moreira, pescador, Ilhéus (BA). Luiz Moreira, fisherman, Ilhéus (BA).
PÁGS. 26-27 Região do Lagamar, Cananéia (SP). Region of Lagamar, Cananéia (SP).
PÁG. 29 Catador de caranguejos, Ilha de Marajó (PA). Crab fisherman, Ilha de Marajó (PA).
PÁG. 65 Crianças em festa na beira do Rio São Francisco, Cachoeira do Manteiga (MG). Children having fun on the banks of the Rio São Francisco, Cachoeira do Manteiga (MG).
PÁGS. 66-67 Luis Moreira da Silva, um dos poucos ribeirinhos que moram no Parque Nacional da Serra do Divisor (AC). Luis Moreira da Silva, one of the few riverside dwellers who lives in Serra do Divisor National Park (AC).
PÁGS. 68-69 Moradores de comunidade quilombola, Alcântara (MA). Residents of the quilombola community, Alcântara (MA).
PÁGS. 70-71 Família de sertanejos, Sertão do Moxotó (PE). Family of backlanders, Sertão do Moxotó (PE).
PÁGS. 72-73 Barco e casa de família ribeirinha, Nhamundá (AM). A river-dwelling family’s houseboat, Nhamundá (AM).
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PÁG S. 74-75 Mulher toca piano em galpão da Comunidade Yuba, Mirandópolis (SP). Woman playing piano in a warehouse in the Yuba. Community, Mirandópolis (SP)
PÁGS. 76-77 Interior de casa de moradores da comunidade de Queimada dos Britos, Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA). Inside a residential home in the community of Queimada dos Britos, Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA).
PÁGS. 78-79 Interior de casa de pescadores, Ponta do Atins (MA). Inside a fisherman’s house, Ponta do Atins (MA).
PÁGS. 80-81 Família que mora dentro do Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG). A family that resides in Grande Sertão Veredas. National Park (MG)
PÁGS. 82-83 Tribo Akuntsu, Corumbiara (RO). The Akuntsu Tribe, Corumbiara (RO).
PÁG. 122 Ribeirinho da região do município de Novo Airão (AM). Riverside dweller in municipal Novo Airão (AM).
PÁG. 123 Ribeirinho da região do município de Novo Airão (AM). Riverside dweller in municipal Novo Airão (AM).
PÁG. 124 Casa de ribeirinho nos igarapés das cercanias de Belém (PA). Residential riverside house over streams in the environs of Belém (PA).
PÁG. 125 Ribeirinho do Médio Rio Madeira (RO). A riverside dweller in Médio Rio Madeira (RO).
PÁG. 126 Rio Moa (AC). Rio Moa (AC).
PÁG. 95 Trabalhador das roças de cacau, Ilhéus (BA). A cocoa field worker, Ilhéus (BA).
PÁGS. 96-97 Armazém de cacau, Ilhéus (BA). Cocoa in storage, Ilhéus (BA).
PÁGS. 98-99 Mercado de açaí, Ver-o-Peso, Belém (PA). Açaí market, Ver-o-Peso, Belém (PA).
PÁGS. 100-101 Campos de algodão em Goiás (GO). Cotton fields in Goiás (GO).
PÁGS. 102-103 Acesso à Rodovia Belém-Brasília, Paragominas (PA). The entrance to the BelémBrasília Interstate, Paragominas (PA).
PÁG. 127 Canoa no Rio Amazonas (AM). Canoe on the Amazon River (AM).
PÁG. 128 Menino carregando jaca, Caraíva (BA). Boy carrying jackfruit, Caraíva (BA).
PÁG. 129 Urucum. Achiote.
PÁG. 130 Casa de comunidade de Mortandande, Painel (SC). A house in the community of Mortandande, Painel (SC).
PÁG. 131 Casa de comunidade de Mortandande, Painel (SC). A house in the community of Mortandande, Painel (SC).
PÁGS. 104-105 Pescador no Rio Paraíba do Sul, Atafona (RJ). Fisherman on Rio Paraíba do Sul, Atafona (RJ).
PÁGS. 106-107 Foz do Rio Paraíba do Sul, Atafona (RJ). Foz do Rio Paraíba do Sul, Atafona (RJ).
PÁGS. 108-109 Pescador no Lago de Piranhas, Manacapuru (AM). Fisherman on Lago de Piranhas, Manacapuru (AM).
PÁGS. 110-111 Foz do Rio Paraíba do Sul (RJ). Foz do Rio Paraíba do Sul (RJ).
PÁGS. 112-113 Pescador em lagoa do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, Santo Amaro (MA). Fisherman on a lake in Lençóis Maranhenses National Park, Santo Amaro (MA).
PÁG. 132 Casa de colonos italianos, Bento Gonçalves (RS). House built by Italian settlers, Bento Gonçalves (RS).
PÁG. 133 Doceira em Canela (RS). Dessert shop in Canela (RS).
PÁGS. 134-135 Descendente de alemão na zona rural de Gramado (RS). A desdendant of German imigrants in the rural zone of Gramado (RS).
PÁGS. 136-137 Dona Teca Sobrinho prepara farofa de pinhão, comunidade da Mortandade, Painel (SC). Mrs. Teca Sobrinho prepares pinhão meal, community of Mortandade, Painel (SC).
PÁGS. 138-139 Cozinheira da comunidade Yuba, Mirandópolis (SP). A cook in the Yuba community, Mirandópolis (SP).
PÁGS. 114-115 Pescador na represa de Canudos, Canudos (BA). Fisherman at the Canudos Reservoir, Canudos (BA).
PÁGS. 116-117 Canoa de ribeirinho às margens do Rio Jaú (AM). A riverside dweller’s canoe on the banks of the Rio Jaú (AM).
PÁG. 118 Menina de comunidade de Pescadores, Ponta do Atins (MA). A girl from the pescadores community, Ponta do Atins (MA).
PÁG. 119 Peixe assando em fogueira. Fish roasting over a fire.
PÁGS. 120 E 121 Homens vendendo porco no porto do Vero-Peso, Belém (PA). Men selling pork at the port of Ver-o-Peso, Belém (PA).
PÁG. 158 Senhora de comunidade quilombola com tapete de fibra de carnaúba, Horizonte (CE). An elderly woman from a quilombola community with a rug made of carnauba palm fibers, Horizonte (CE).
PÁG. 159 Mulher segurando folhas de buriti usadas para cobrir o teto de sua casa. Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG). Woman holding buriti palms used to cover the roof of her house. Grande Sertão Veredas National Park (MG).
PÁGS. 160-161 Mulher trabalha com fibra de carnaúba, Itaiçaba (CE). Woman working with carnauba palm fibers, Itaiçaba (CE).
PÁGS. 162-163 Tecelagem de redes de dormir, Jaguarua– na (CE). Weaving sleeping hammocks, Jaguaruana (CE).
PÁGS. 164-165 Pescador fazendo manutenção em sua rede de pescar, Galos (RN). Fisherman making repairs to his fishing net, Galos (RN).
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PÁGS. 166-167 Ribeirinho corta madeira podre de mangue em busca de turu, larva branca comestível, Ilha de Marajó (PA). Riverside dweller chopping rotten mangrove wood in search of turu, an edible, white larva, Ilha de Marajó (PA).
PÁGS. 168-169 Pequenos produtores de mandioca preparando a raiz para produzir farinha, zona rural de Vitória da Conquista (BA). Small manioc producers preparing the root to make flour, rural zone of Vitória da Conquista (BA).
PÁGS. 170-171 Homens trabalham em pequena fundição, Potengi (CE). Men at work in a small foundry, Potengi (CE).
PÁG. 173 Produção de jarro de barro com argila tirada das margens do Rio São Francisco, Neópolis (SE). Crafting a pitcher out of clay taken from the banks of the Rio São Francisco, Neópolis (SE).
PÁG. 175 Garimpeiro, Serra do Tepequém (RR). Prospector, Serra do Tepequém(RR).
PÁGS. 216-217 Vaquejada no Rio Grande do Norte. Cattle in Rio Grande do Norte.
PÁGS. 218-219 Sertanejo tocando gado (PE). Backlander herding livestock.
PÁG. 221 Vaqueiro no Parque Nacional do Vale do Catimbau, Buíque (PE). Cowboy in Vale do Catimbau National Park, Buíque (PE).
PÁG. 177 Tecelã produz rede de dormir, Jaguaruana (CE). A seamstress producing a sleeping hammock, Jaguaruana (CE).
PÁG. 179 Barbearia improvisada em armazém, Taboquinhas (BA). A makeshift barbershop inside a warehouse, Taboquinhas (BA).
PÁGS. 180-181 Mulher em barraca de poções da floresta, Ver-o-Peso, Belém (PA). Woman at a stand selling potions from the forest, Vero-Peso, Belém (PA).
PÁG. 182 Detalhe de barraca que vende produtos da floresta amazônica, Ver-o-Peso, Belém (PA). Close-up of a stand selling products from the Amazon rainforest, Ver-o-Peso, Belém (PA).
PÁG. 183 Indiozinho pataxó em reserva indígena, Caraíva (BA). A little Pataxó on an Indian reservation, Caraíva (BA).
PÁGS. 226-227 Tropa de cavalos pantaneiros que servem em comitiva, Fazenda Pouso Alto, Corumbá (MS). Band of Pantanal horses which serve in delegation, Fazenda Pouso Alto, Corumbá (MS).
PÁGS. 228-229 Peão pantaneiro tocando boiada, Aquidauana (MS). A Pantanal farmhand herding cattle, Aquidauana (MS).
PÁGS. 230-231 Sertanejos a cavalo na região de Arcoverde, sertão de Pernambuco. Backlanders on horseback in the Arcoverde region, in the backlands of Pernambuco.
PÁG. 184 Detalhe de indumentária do candomblé (BA). Close-up of candomblé apparel (BA).
PÁG. 185 Indiazinha wari à beira do Rio Mamoré, Guajará-Mirim (RO). A small Wari Indian girl at the edge of Rio Mamoré, Guajará-Mirim (RO).
PÁGS. 186-187 Detalhe de altar em terreiro de candomblé, Ilhéus (BA). A close-up of the altar at a candomblé grounds, Ilhéus (BA).
PÁGS. 188-189 Luzia Maria da Cruz, mestra de congado, São Bento do Sapucaí (SP). Luzia Maria da Cruz, congado master, São Bento do Sapucaí (SP).
PÁGS. 190-191 Sala de ex-votos na catedral de Nossa Senhora de Aparecida, Aparecida (SP). Ex-voto room in the cathedral of Nossa Senhora de Aparecida, Aparecida (SP).
PÁGS. 206-207 Peão pantaneiro, Nhecolândia (MS). A Pantanal farmhand, Nhecolândia (MS).
PÁGS. 208-209 Cabras no sertão, Rio Grande do Norte. Goats in the backlands, Rio Grande do Norte.
PÁGS. 210-211 Barra do Lagamar durante a seca no litoral do Rio Grande do Norte. Barra do Lagamar during drought season on the northern coast of Rio Grande do Norte.
PÁGS. 212-213 Vaqueiro encourado no Vale do Catimbau, Buíque (PE).A leather-garbed cowboy in Vale do Catimbau, Buíque (PE).
PÁGS. 214-215 Peão trabalha em piquete com cavalos pantaneiros, Fazenda Pouso Alto, Corumbá (MS). A farmhand works on a picket fence with Pantanal horses, Fazenda Pouso Alto, Corumbá (MS).
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PÁGS. 222-223 Peão tomando chimarrão, Serra Catarinense (SC). Rural worker drinking mate tea, Serra Catarinense (SC).
PÁGS. 224-225 Gaúcho cavalgando nas bordas do Cânion Montenegro, São José dos Ausentes (RS). A Gaúcho horseman riding on the edge of Cânion Montenegro, São José dos Ausentes (RS).
A ESSE POVO LUTADOR
Ao longo dos últimos dez anos percorri os rincões do Brasil em busca de histórias de brasileiros que valessem ser contadas e mostradas por meio de imagens. Perdi a conta do número de viagens e de lugares que visitei, mas lembro com riqueza de detalhes de cada uma das pessoas que generosamente abriu sua casa, contou sua história, dividiu sua comida, ofereceu hospedagem. Essa gente me recebeu com uma alegria fora do comum, levando em conta as dificuldades que enfrenta para viver. Além da alegria, a esperança de dias melhores e uma estranha certeza de que tudo ficará bem me fizeram admirar e respeitar ainda mais este Brasil que poucos conhecem. Eu e o jornalista Xavier Bartaburu, que me acompanhou em boa parte das viagens, procuramos retratar essas pessoas a partir de histórias prosaicas e imagens do dia a dia. A ideia era mostrar o modo de vida e a forma com que essa gente se relacionava com o lugar onde morava. Por tudo isso, acredito que este livro é fruto da generosidade de todas as pessoas que encontramos e que nos receberam ao longo desses dez anos. E nada mais justo que dedicar Brasil Invisível a todos esses brasileiros, em especial àqueles que têm suas imagens e histórias publicadas neste livro. TO THIS FIGHTING PEOPLE. Over the past ten years, I’ve perused every corner of Brazil in search of stories of Brazilian people that deserve to be told and shown through images. I lost count of all my travels and all the places I visited, but remember in rich detail everyone who generously opened their homes, told their stories, shared their food, offered a place to stay. These people welcomed me with extraordinary joy, especially considering the hardships they face in order to survive. Aside from this joy, their hope for better days and a strange certainty that everything will be okay have made me admire and respect this side of Brazil that few know of. Along with journalist Xavier Bartaburu, who accompanied me on many of these travels, I’ve sought to portray these people from the stories and images of their day to day lives. The idea was to show their way of life and the manner that these people relate to the places they live. For these reasons, I believe that this book is the fruit of the generosity of all the people we’ve met and who have welcomed us over this past decade. Thus, nothing could be more fitting than to dedicate Brasil Invisível to all of these Brazilians, especially those whose images and stories are printed in this book. Valdemir Cunha Editor
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Valdemir Cunha
(à esquerda da dona Anísia Macedo, ver páginas 86 e 87), 45 anos, jornalista e fotógrafo especializado em cultura, povo e geografia brasileira. Tem 11 livros publicados, entre eles Pantanal, O Último Éden (DBA, 2007), Brasil Natural (Editora Origem, 2011), Serra da Mantiqueira (Editora Horizonte, 2012) e Viagem à Bahia de Jorge Amado (Ed. Abril, 2012). Valdemir Cunha (to the left of Anísia Macedo, see pages 86 and 87), 45, journalist and photographer specializing in Brazilian culture, people and geography. He has published eleven books, among them Pantanal, O Último Éden (DBA, 2007), Brasil Natural (Editora Origem, 2011), Serra da Mantiqueira (Editora Horizonte, 2012) and Viagem à Bahia de Jorge Amado (Editora Abril, 2012).
Xavier Bartaburu
(à direita de dona Anísia Macedo), 36 anos, escreve há mais de dez anos sobre viagens, meio ambiente e cultura popular. Publicou oito livros, entre eles Pantanal: O Último Éden ( DBA, 2007), Yuba (Editora Terra Virgem, 2010), Brasil Natural (Editora Origem, 2011) e Viagem à Bahia de Jorge Amado (Ed. Abril, 2012). Xavier Bartaburu (to the right of Anísia Macedo), 35, has been writing about travel, the environment and popular culture for over ten years. He has published eight books, among them Pantanal: O Último Éden (DBA, 2007), Yuba (Editora Terra Virgem, 2010), Brasil Natural (Editora Origem, 2011) and Viagem à Bahia de Jorge Amado (Editora Abril, 2012).
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