Arte Baniwa: cestaria de Arumã

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ARTE BANIW A


s índios Baniwa fazem cestaria, rica em grafismos, utilizando o caule do arumã - uma planta her­ bácea (Iscinosiphon spp) cipós, corantes e fixadores naturais. Nas aldeias do Rio Içana as m u­ lheres usam cestaria de arumã no processamento da mandioca brava, como há pelo menos 2 m il anos.

O

COLÔMBIA

VENEZUELA

BRASIL

São G abriel. da Cachoeira


ARTE BANIW A

CESTARIA DE ARUMÃ TERC EIR A ED IÇÃ O C O R R IG ID A E ATU A LIZA D A

FOIRN IN STITUTO SOCIOAMBIENTAL

" ^ações

SÃO G A B R I E L DA C A C H O E I R A - SÃO P AU L O 2001


ARTE BANIW A© FOIRN te x to fo to s

Beto Ricardo d e s i g n g r á f i c o e e d i t o r a ç ã o Sylvia M onteiro Pedro M artin elli f o t o s c o m p l e m e n t a r e s e d a c a p a Beto Ricardo

c a p a logom arca baseada no liixíap o = "um bigo" ou "guia", inicio o b rig rató rio do trançado de urutus e jarros; guando aparece no m eio do trançado é d enom inado kettam árhi (u m tipo de desenho encontrado ñas costas de um b esouro) c o l a b o r a d o r e s b a n i w a A ndré Fernando, Pedro da S ilva, Fernando José, A urora M ig u el, B onifacio José, O távio H o racio, F ran klin, Raul, A rm ind o , Alicia, lolanda, M arie la , C laudia, Laura e A n g elin a (de T ucum ã-R u p itã), M ário Farias (Santa M arta), Paulo da S ilva (Tunuí), G uilherm e R odrigues, F élix Rodrigues, Diva C ristina, Paulo R odrigues e Francisco G uilherm e (T rind ad e), B asilio dos Santos, M au rícia M e lan ia (P u p u n h a ) e A rsindo M ig u el (S . Jo sé), A rm ando Fontes (S . Rosa), Jaim e Paiva e André Paiva (Jacaré P oço), Jú lio Jo aq u im , Cesário G raciliano, A rm ind o G racilian o e N azário V alen tim (Jandu C ach oeira), G erôncio Ju lio , C arlos M an d u e Laureano S antos (M a u á C ach oeira). o u tr o s c o la b o r a d o r e s

G eraldo A n d rello, Henri R am irez, Robin W right.

M árcia S ig n o rin i Vera Feitosa

p ro d u ç ã o g r á fic a r e v is ã o

A P O IO PA RA P U B L IC A Ç Ã O d is t r ib u iç ã o

fo to lito s

Bandeirante

HONZOnt3000

F O IR N /IS A /O IB I

Os direitos relativos aos co n hecim ento s sobre as m atéria s-p rim as e o processo de produção da cestaria de arum ã, tal co m o registrados nesta publicação pertencem exclusivam en te ao povo Baniw a. A renda p roveniente da venda desta p ub licação reverterá integralm ente para a co n so lid ação e am pliação das ativid ad es de produção, d ivulgação e com ercialização da cestaria baniw a de arum ã. Fica p ro ib ida a reprodução total e parcial de q ualq u er form a, sem a prévia e expressa autorização da O IBI - O rganização Ind ígena da Bacia do Içana, cuja sede fica na co m u n id ad e de Tucum ã-R u p itã. Contatos p odem ser feitos pelo endereço eletrôn ico < o ib i@ p o ran g an et.co m .b r> ou pelo telefo n e (9 2 ) 4 7 1 .2 8 2 9 , no entreposto da O IBI na cid ad e de S. G abriel da C ach oeira (A M ).


CESTARIA BANIWA DE ARUMÃ

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OS HOMENS QUE FAZEM

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AS MULHERES QUE USAM

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SÍLABAS GRÁFICAS

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OFICINA DE TUCUMÃ-RUPITÃ

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INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO E AS PARCERIAS

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FONTES

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GLOSSÁRIO

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GUIA DE PRONÚNCIA DAS PALAVRAS EM BANIWA

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CESTARIA BANINA DE ARUMÃ _ ^ M L. i

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cestaria de arumã é uma arte milenar ensinada aos homens baniwa pelos seus heróis criadores e cujos graflsmos foram Inscritos pelos antepassados nas pedras, em forma de petroglifos, para que nunca fossem esquecidos. Para os Baniwa, fazer arte de arumã é condição da pessoa plenamente cultural. Os Baniwa são um povo de língua aruak que vive na fronteira do Brasil com a Colôm bia e Venezuela, em aldeias localizadas às margens do Rio Içana e seus afluentes Culari, Aiarl e Cúbate, além de comunidades no alto Rio Negro/Guainía e nos centros urbanos rionegrinos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos (AM). Os Baniwa fazem parte de um com plexo cultural de 22 povos Indígenas diferentes que habitam há séculos o extremo noroeste da atual fronteira geopolítica da Amazônia brasileira. Baniwa não é uma auto denominação, mas um termo genérico utiliza­ do desde tempos coloniais para se referir aos povos de língua aruak desta parte da Amazônia. Entre si, se distinguem pelos nomes de suas fratrías, com o Hohodene, W alipere-dakenal, Dzaulnai e outros. A população baniwa atual é estimada em 12 m il pessoas, das quais cerca de 4 mil no Brasil, vivendo basicamente de agricultura especializada na m andioca brava e da pesca, em aproximadamente cem aldeias e sítios. Desenvolveram uma adaptação fina a uma região com baixa capacidade de suporte, isto é, com solos ácidos e pobres, com manchas descontínuas de terra firm e separadas por campinaranas e igapós. 5


UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA s B aniw a en traram em contato co m os c o lo n izad o res eu ro p eu s no início do sécu lo 18. P ersegu ido s e escravizad o s p or es p a n h ó is e p ortug u eses, boa parte da sua p op u lação foi d izim a d a por e p id e m ias de saram p o e varíola, trazi­ das pelos b rancos. F oram h o stilizad o s e ex p lo rad o s por co m ercian tes brancos, aliad o s dos m ilita res dos fortes portug u eses de S. G abriel e M arab ita n a s. Em m eados do sécu lo 19, os B aniw a e outros p ovos da região p ro tag on izaram m o vim en to s m e ss iâ n ico s co n tra a opressão dos brancos. A p artir de 1 8 7 0 , com o boo m da b orracha, fo ram ex p lo rad o s p or patrões do extrativism o nos seringais do baixo Rio N egro. No sécu lo 2 0 , ch eg aram na região do Rio N egro e aflu en tes os m iss io n ário s católico s salesian o s e suas escolas civiliza d o ras. No final da d écada de 4 0 , S o ph ie M u ller, u m a m iss io n ária evan gélica n o rte-am eric an a da M is s ã o Novas Tribos, inicio u a evan gelização dos C u rip aco na C o lô m b ia e cheg o u aos B aniw a do alto Içana. O m u n do baniw a se d iv id iu entre católico s e evan gélicos. A p artir dos anos 70 , os B aniw a assistiram à en trada de n ovos personagens nas suas terras, com a tentativa de ab ertura de um trecho da R o d ovia Perim etral N orte, a co n stru ção de p istas de p ouso para uso m ilitar, a invasão de em presas de g arim p o e a retaliação de suas terras pelo govern o federal com a dem arcação de "ilhas", o que eles rejeitaram . D urante d écadas os h om en s baniw a se en d iv id aram co m patrões extrativistas de balata, so rva e piaçava, no Brasil e na C o lô m b ia . Desta form a, ad q u iriam roupas, arm as de fogo e outros bens ind u strializad os. A tu alm ente, a co m e rc ia­ lização de artesanato, es pecialm ente da cestaria de arum ã e ralos de m adeira, é um a das poucas fontes regulares de renda m o n etária. N os anos 9 0 , os B aniw a co m eçaram a se o rg an izar em as so ciações filiad as à FO IR N (F ed eração das O rg an izaçõ es Ind ígenas do Rio N eg ro ), fu nd ad a em 1 9 8 7 . Entre 1 9 9 6 /9 8 , o govern o federal fin a lm en te reconheceu os d ireitos coletivos dos povos ind ígenas da região do alto e m édio Rio N egro e d em arcou um co n ­ jun to de cin co terras co n tín u as, co m cerca de 1 0 .6 m ilh õ es de hectares, nas q uais estão inclu ídas as áreas de o cupação tradicio nal dos B aniw a no B rasil.

EXPERIÊNCIA DE MERCADO s Baniw a produzem cestaria de arum ã para vender por d in h eiro ou trocar por bens há décadas. D ependendo da posição da co m u n id ad e no Rio Içana, o qual apresenta só no trecho b rasileiro 1 9 cach oeiras (ou co rred eiras fortes) 6


que d ificu ltam a navegação, os p ro du to res -co m ercian tes ban iw a saem para ve n d er/tro c ar seus pro du to s em M itú (C o lô m b ia ) ou S. G abriel da C ach oeira. N a d écada de 5 0 , a preferencia era vend er em M itú , o q ue im p lica va rem ar forte rio ac im a e carregar a cestaria a pé pelo varado uro que ligava a B acía do Içana ao U aupés, já na C o lo m b ia. N os anos 7 0 , co m erciantes c o lo m b ian o s p as­ saram a descer o Içana para co m p ra r nas ald eias baniw a, aviand o a produção co m m ercad orias; m esm o assim havia q uem p referisse ir até M itú . D epo is houve um tem p o dos co m erciantes b rasileiros, que su b ia m o Içana e o A iari tro cand o a cestaria por m ercad orias nas co m u n id ad es , para revender d ep ois em M an au s; alg u n s B aniw a se aven turaram a navegar até M an au s, em gran d es canoas com m o to r de popa, para vend er artesanato d iretam en te. Em S. G ab riel, os preços sem p re foram baixos. A m issão católica estabeleceu o co stu m e d ep reciativo de tro car o artesanato ind ígena por roupas usadas. Em 1 9 9 3 , a recém fu nd ad a O IBI (O rg an ização Ind ígena da B acia do Içana) tentou o rg an izar a p ro du ção de cestaria de aru m ã para atend er a um p ed id o de cin co m il u nid ad es, m as não co n seg u iu capital de giro para co m p letar a transação. Em 1 9 9 7 , a FO IR N inaug u ro u um a loja de arte ind ígena na sua sede em S. G ab riel.

NOVO SISTEMA partir de 1 9 9 8 , d ep ois da d em arcação das terras indígenas na região do Rio Negro, a FO IR N e as so ciações filiad as , em p arceria com o ISA, co m eçaram a im p la n ta r um co n ju n to de p ro je to s -p ilo to para v iab iliza r alg u m as iniciativas prio ritá rias das co m u n id ad es ind ígenas, na d ireção de u m Programa Regional de Desenvolvimento Indígena Sustentável Entre estas, in c en ­ tivar a p ro du ção sustentável p or en co m e n d a de cestaria de aru m ã para co m e r­ cialização co m a gestão d ireta dos recursos pelas as so ciações b an iw a, ag re g a n ­ do va lo r cu ltural e am b ien tal aos p ro du to s e id e n tifican d o n icho s de m ercad o ad eq u ad o s para obter preços co m p en sado res. C o m e ça r por um co n ju n to de p ro du to res de 1 6 co m u n id ad es , re co n h ec id a­ m ente m estres no o fício , foi u m a opção ap o ia d a na capacid ad e de m o b ilizaçã o da O IB I, no p otencial de gestão dos seus d irig en tes e na constatação de que a arte da cestaria de aru m ã estava ali, n aq uele trecho do alto Rio Içana, plenam en te em v ig o r (veja m a is so b re o percurso e os resu ltado s d esta ex p e riên cia p ilo to no ú ltim o capítu lo desta p u b lic açã o ou no site do ISA: w w w .s o c io a m b ie n ta l.o rg ). 7


URUTU s Baniwa fazem esse tipo de cesta em form atos grandes, sem desenhos marchetados, para reservar massa de m andioca (antes e depois de espre­ mer no tip iti) e tam bém para guardar farinha, beiju e roupa. Para com ercializar, os Baniwa produzem urutus de vários tam anhos - tanto de diâmetro quanto de altura - geralmente com grafism os coloridos marchetados. Estes cestos paneiriform es têm grande aceitação nos mercados urbanos, onde são utilizados com o cachepôs para vasos de plantas e flores ou para colocar lápis, revistas, brinquedos e lixo seco. Consta que esse tipo de cesta é de origem baniwa, pelo m enos na região do Rio Negro.

Com grafismo colorido (kophe ittipi= peixe rabo) e na cor natural de arumã raspado. 8



BALAIO s waláya aparecem na m ito lo gia e nos rituais de iniciação das meninas e m eninos baniwa. Tradicionalm ente, os m eninos aprendem a fazer cestas deste tipo e ofertá-las às suas am igas rituais, ao térm ino do período de reclusão. Os Baniwa usam os waláya makapóko = balaios grandes, para recolher a massa de mandioca (antes e depois de espremer no tip iti) e para servir beiju e farinha nas refeições. Serve de suporte para presentear com frutas e outros alim entos. Essa cesta tigeliform e é considerada pelos artesãos baniwa a mais trabalhosa, especial­ mente pelo acabamento que requer o beirai (no detalhe abaixo: beirai de cipó uambé e na página ao lado, beirai de tira trançada sobre­ posta). Há vários tipos de acabamento: em arumã natural ou apenas raspado, sem fin g i­ mento; ou com grafism os coloridos, m archetados em uma ou nas duas faces. Tem sido com ercializada em diferentes tam anhos e acabamentos e utilizada com o cesta para pães e frutas ou para colocar a correspon­ dência recebida em casa, e até com o embalagem para produtos cosm éticos.

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JARRO term o kaxadádali, em baniw a, refere-se ao fo rm ato bar­ rig ud o de u m a cesta ou cerâm ica, palavra que se ap lica tam bém às pessoas (m u lh e res grávid as, p or e x e m p lo ) e aos an im ais; an tig am en te era feito tam bém de cip ó e usado para g uard ar m iu dezas, co m o b óias de m o lo n g ó e iscas para pescar, fican d o su b m erso até o pescoço. C onsta que, para os B aniw a, esse tip o de cesta tem o form ato do universo. A tu alm ente, os jarros p ro du zido s para a co m ercialização em fo rm atos grandes, são u tilizad os co m o lu m in ária s, porta g u a rd a-ch u va ou para co lo c ar roupas. M in iatu rizad o s, são usados co m o p o rta-ve la e até co m o e m b a la g e m de perfum e.

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PENEIRA s m ulheres baniwa se orgulham das suas peneiras, objetos de uso diário que dem onstram a com petência artesanal dos seus m aridos. As peneiras são cestos platlform es circulares, com talas afastadas, usadas para cernir a farinha e para transportar o belju do forno até o jlrau; suspensas por um tirante de cordas, servem com o suporte para em pilhar belju seco. Há vários tipos de peneira usados pelos baniwa atualmente: dopitsipeethepóko, peneira para fazer belju; dopitsi matsokapóko, peneira para fazer farinha; báatsi, peneira de tallnhas m ulto finas de arumã, usada exclusivam ente para coar suco de frutas; ttíiroli, de form ato tlgellform e, conhecida também com o cumatá, usada para tirar goma de tap i­ oca da massa de m andio­ ca brava e para coar bebidas, com o os vinhos de açaí e patauá. Os Baniwa produzem peneiras para trocar e presentear parentes e tam bém para vender no com ércio de S. Gabriel. Fora da região, a com ercialização de peneiras tem encontra­ do mercado reduzido para exposições, decoração de paredes ou com o bandeja para servir certos alim entos.


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ntre os Baniw a, cestaria de arum ã tradi­ cio nalm en te é trabalho m asculino, com o a m aio r parte das tarefas artesanais, entre elas fabricar ralos de m adeira, canoas e rem os, além de pescar, (secundariam ente) cagar, der­ rubar a m ata para botar roça, construir casas, lim par cam inhos e preparar arm adilhas de pesca. A cestaria de aru m ã é ab so lu tam en te In d is­ pensável para o p ro cessam en to da m an d io ca brava, base da alim en tação . Fazer cestaria de aru m ã co m esm ero é to rn ar-s e ad u lto , atesta­ do de co m o so b reviver no m u n d o . N o m ito de Kowai, filh o do criado r Nhiãperikuli, três rapazes in ician d o s são d evo ­ rados p orqu e tra n s g rid em regras alim en tares. Kowai, transform ad o em m o n stro , vo m ita seus restos em b alaios e tip itis, co m o se fossem m assa de m and ioca, co lo c a n d o -o s na praça da a ld eia, defronte à casa ritual, sim b o lizan d o suas "m ortes" co m o crianças. No ritual de in i­ ciação, os m e n in o s ban iw a em reclusão a p re n ­ dem a fazer cestaria de arum ã, cu jas peças serão ofertadas às kamarara, suas am ig as ritu ­ ais. N o m esm o m ito , a cestaria de aru m ã aparece tam b é m lig ad a à iniciação das m e n i­ nas, q ue recebem o b en zim en to final da reclusão p isan do n um b alaio e ten d o outro c o b rin d o a cabeça, os q uais serão rem o vid o s d ep ois que as regras de co n vivê n c ia social fo rem tra n s m itid as pelo benzedor. H á d écadas os h om en s ban iw a tam bém fazem cestaria de aru m ã para vender, tra b a­ lhando nos intervalo s das suas ativid ad es de rotina, nos finais de sem ana, à tarde e à noite, co m luz de lam p arin a; ev en tu a lm en te as espo sas aju d a m seus m arid o s, es p e cialm e n te na fase de acab am en to e em b a la g e m . 17


O ARUMÀ aru m ã (Ischnosiphonspp.), é u m a p lanta da fa m ília das m arantáceas, que cresce em to uceiras em terrenos ú m id o s ou s e m i-a la g a d o s e brota ap ó s o corte. É u tilizad a p elos p ovos ind ígenas am azô nico s, a partir do M aran h ã o . Na região do Içana é a m a té ria -p rim a por ex celência para se fazer a cestaria usada no p ro cessam en to da m and ioca. M a s os B aniw a tam bém u sam outras plantas para este fim , co m o a ¡acitara, o caranã e o javari, m e sm o p orqu e há c o m u n id a ­ des que não têm arum ã nas suas áreas de d o m ín io . 18


OS BANINA DISTINGUEM CINCO TIPOS DE ARUMÀ 1. (póapoa) halépana = arumã branco, de folha branca; m ais usado para fazer cestaria destinada à com ercialização; ocorre nas cabeceiras de igarapé e nas capoeiras de roças de terra firm e; colm os grossos e altura de até 5 m; 2. póapoa kántsa = arumã verdadeiro, fino, de folha verm elha (rosa), mais resistente, usado para fazer cestaria de uso dom éstico; só ocorre nas cabeceiras de igarapés de terra firm e e caatinga, nos igapós; altura m áxim a de 3 m; 3. oni-póapoani = arumã d’água, que ocorre som ente na beira de rio; serve para fazer tupé e tip iti; chega a 3,5 m; 4. (póapoa) attíne híorhi= canela de jacam im; depois de raspado a tala é mais avermelhada e brilhante que as demais variedades; bastante resistente; mais usado para fazer peneiras; ocorre nas capoeiras velhas e na caatinga; chega a 10 m, mas apresenta nós a cada metro, o que impede sua utilização para fazer peças grandes; 5. (póapoa) tolípa = arum ã peludo, bastante resistente, usado para fazer todos os tipos de cestaria; encontrado na capoeira velha; só atinge 2 m.


PREPARAR OARUMÃ o dado verde e d esb astad o co m au xílio de u m terçado, um a to uceira de aru m ã resulta num co n ju n to de "canas" de co lm o liso e reto, am arrad as em feixe [póa-poa nako = aru m ã feixe), para fac ilitar o transpo rte até a ald eia. 0 co lm o do aru m ã oferece su p erfície plana, flexível, que su p orta o corte de talas m ilim étric as. As talas para trançar ( líipee) p o d em ser tirad as d iretam en te, "com casca", o que resultará em cestas “ve rd es”, m ais resistentes. M a s o artesão p od e d ecid ir raspar (para rem o ver a líia) e arear os co lm o s n um Igarapé. C o m isso obterá talas de co r clara laqueada, as quais, co m o tem po , assu m irão u m a cor caram elizad a, b rilh an te. C aso o artesão q u e ira Im p rim ir gratísim os co lo rid o s nas peças, terá q ue tin g ir os co lm o s antes de Iniciar a retirada das talas (ver nas p ág in as 2 4 a 2 7 ).

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PREPARAR O FIXADOR

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ing ir o aru m ã dá trabalh o . A os p ig m e n to s (ve rm e lh o e p reto ) d eve -se ad icio n ar um fixad o r natural. F ixad ores ou bases são vern izes ou selvas viscosas extraídas da en trecasca do ingá ou outras árvores. T ira -s e co m cu idado a casca e rasp a-se a entrecasca com facão para extrair finas lascas em b e b id as do verniz. E sm ig alh ad as, estas lascas são es p rem id as no tipiti e, as sim , o su m o estará pro nto para ser m istu rado aos p ig m ento s.

N as fotos, P au lo, da c o m u ­ n id ad e T uc u m ã-R u p itã , extrai o ó leo fixad o r do tro n co de u m a árvo re d e n o m in a d a em ban iw a weráama.


VERMELHO URUCU


p ig m e n to ve rm elh o é o btid o a p artir de p lantas cultivadas: o urucu (Bixa orellana L .) e o caraju ru kerrawídzo (Arrabidaeae chica H .& B .), um co rante v e rm e lh o -tijo lo ou ve rm e lh o -o c re , extraído das fo lh as de um a p lanta da fam ília das B ig no n iáceas e co n sid erad a u m a tinta m ais nobre, p orqu e só pode ser o b tid a por troca ou co m p ra de trib os q ue se es p e­ cializaram no seu p rep aro, entre as q uais alg u n s clãs b an iw a, no Içana (cf. R ib eiro , B.: 1 9 8 0 , p. 3 7 4 ).

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PRETO FULIGEM

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ara tin g ir de preto, usa­ se fu lig em de q uerosene ou de óleo diesel ac u m u lad a em urna lata ou na lam p arin a. P o d e -se usar tam b ém , co m o tra d icio n a lm en te, a cinza dos to rn os ou potes de cerám ica. O utra o pção é q u e im ar pau de em b aú b a, tirar o carvão, s o c á -lo bem no p ilão e coar em paño fino seco. Jarros e urutus com g rafism os co lo rid o s exig em q ue os co lm o s do arum ã sejam tin g id o s so m ente pela m etade. S ecad os ao sol, estarão p rontos para serem transform ad o s em talas.


DESCORTICAR ep arar a casca lisa do m io lo dos c o lm o s de aru m ã ( líipee, parte nobre co m a qual se trança) e p ro ­ d uzir talas u n ifo rm e s na larg u ra e na espessura é urna operação q ue exig e precisão de m o vim e n to s. O m io lo ain da é d iv id id o em duas partes, separand o a líixa para fazer em b a la g e n s e outros panei ros, da lílxami, parte central, ú m id a , que será descartada. Para descorticar, além das m ãos, de urna faca e de urna cruzeta de to q u inhos de arum ã, os artesãos u sam os pés e até a boca.

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TRANÇAR rançar é u m ato so litá rio , q ue exig e atenção, p aciên cia e ded icação . A cestaria b an iw a é feita com rig orosa s i­ m etria gráfica e com esm ero, para durar. In iciar o trançado se faz com duas ou três talas. C o m e ça r co m quatro rende m ais, m as é co n sid erad a um a opção exag erad a, u tilizad a em situ a­ ções e m e rg e n c e s . 0 n úm ero de talas para co m eçar o trançado é d efinid o em fu nção da largura das talas ou do tipo de d ese­ nho, exceto no caso da peneira. H á n om es d iferen tes que d efinem o ato de trançar, relacio nado s ao n úm ero de talas u tilizad as no início: dzamaita (p ara d uas), madalitapenali (p ara três) e Hcoetakapenali (p ara q uatro ). S e o artesão vai fazer urutu ou jarro, ele pode usar q u a lq u er um dos jeitos de trançar. A gora, caso ele vá fazer pen eira, só pode usar a m o d alid ad e dzamaita, a ú nica que garante um a tram a ad eq u ad a para cern ir a m assa de m and ioca, seja para fazer farin h a ou beiju , ou para reter a b orra de frutas. U rutu s e jarros co m g rafism os m archetad os co lo rid o s, exig em talas previam ente p in tad as ao m eio , d ife ren ­ tem ente de p en eiras e b alaios que são trançad os com talas m o n ocro m áticas. H á varios tipo s de trançado especí­ ficos para fazer tip iti (co m o , por ex em ­ plo, phitíema dente de cotia e porhe iiw i escam a de je jú ). 30


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DAR ACABAMENTO

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á vários tipos de acaba­ m ento das cestas de arum ã, com o uso de cipós e am arrilhos naturais. Os m ais com uns para se fazer os aros são: o heemáphi (e s p in h a d e a n ta ), um tipo de árvore-cipó; o cipó titic a [Heteropsis spp.), dapikántsa, epífita da fam ília das Aráceas, em pregado tam bém para fazer aturás e peneiras; e o cipó u a m b é (ou A m bê-A çu) = okána, cip ó-trep ad eira ( Philodendron spp., tam bém da fam ília das Aráceas) que se enrosca em árvores de até 5 0 m etros de altura, com diâm etro de 2 cm , que um a vez descascado, é usado para fazer os aros de contorno da borda das apás. Os am arrilh os são feitos de curauá ( Bromelia sp.), heríwai pokoda, planta de roça da qual se extrai a fibra (heriwaíkhaa). U m a vez torcida é utilizada para fazer cordas e, passada no breu, para fazer linhas para pescar e fios para am arrar o acabam ento das apás e urutus. O breu máini é um a resina coagulada no tron­ co de várias espécies de Burseráceas, m isturada com carvão, é em pregada para endurecer e dar durabilidade ao fio de curauá.

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LOGOMARCA E ETIQUETA


cestaria de aru m ã tem sido co m e rc ia lizad a em dúzias. T rata-se de u nid ad e m ín im a de produção por en co m en d a, facilitan do o transporte. Para o produtor, a dúzia é tam b é m u m a referência de valor, para efeito de troca por d in h eiro ou p or m ercad orias. No caso dos urutus (foto ao lad o), o artesão já p roduz as cestas o bservan do an teci­ pad am ente o d iâm etro das duas peças m aio res, em cada qual serão encaixad as su ces­ sivam ente m ais cin co peças, fo rm a n d o duas m eias dúzias, po sterio rm en te am arrad as e em b a la d a s (ver fotos na pág in a segu inte). Em cada peça, o artesão am arra a etiq ueta com a lo g o m arca “arte baniw a".


EMBALAGEM trançado da em balagem é aberto, rápido de fazer, do m esm o tipo utilizado tradicio nal­ m ente para a confecção de cestos descartáveis de carga, d en om in ad o s aturás (tshéeto). S ão uti­ lizadas as sobras das próprias talas do arum ã, depois de descortinadas. A lg um as têm alças, para facilitar o trabalho de carregar e descarregar tantas vezes, devido às cachoeiras. P ara evitar que as cestas se ja m dan ificadas no transpo rte, os B aniw a ain d a fazem , p o r d en ­ tro da em b a la g e m , u m a proteção co m fo lh as do p ró p rio aru m ã ou de so ro ro ca. A em b a la g e m foi criada e ap ro vada pelos p articip an tes da O ficin a de M es tres da Arte de A rum ã (ver capítu lo ad ian te), realizada na co m u n id ad e ban iw a de T ucum ã R upitã, alto Içana, em ab ril de 1 9 9 9 .

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TRANSPORTAR ransportar a cestaria de aru m ã das co m u n id ad es do alto Içana até M an au s é u m a en o rm e d ificu ld a d e e p od e levar até duas sem anas. A O IB I, as so ciação ind ígena do Içana, tem u m a canoa grande íita mákali, reg io n alm en te d en o m in ad a b on g o, co m um casco de loiro escavado de 1 4 m etros e co b ertu ra de folhas de caranã. Essa em barcação, com seis trip u ­ lantes, tem ca pacid ad e para transpo rtar cerca de cem dúzias de urutus. N a data m arcad a com an teced ên cia, os d iri­ gentes da A ssociação u sam esse b ongo, m o vid o a m o to r de popa de 1 5 H P , para visitar as co m u n id ad es e reco lh er a pro du ção. 38


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¡ii#f CACHOEIRAS cada cach oeira - e são pelo m eno s dez! - toda a cestaria tem que ser d escarreg ad a e o b ongo arrasta­ do, m u itas vezes so b re a pedra. A cach oeira de Tun u í é um a das m ais fortes do Içana, d ifí­ cil de ser u ltrap assad a co m a carga em barcad a, m esm o no au g e nas chuvas. N este p onto, os viajantes têm que ped ir aju d a aos m o rado res da c o m u n id ad e local. C h eg an d o em S. G ab riel, a cestaria tem que v iaja r 3 0 km pela estrada para ser em b arcad a no porto de C am an au s. Daí, são 3 dias para navegar os cerca de 1 .0 0 0 km até M an au s, onde co m eça u m a longa viag em de b alsa e ca m in h ão , até B elém (m a is 1 .5 0 0 km ) e S ão Pau lo (m a is 2 .1 2 0 km ). 41


AS MULHERES QUE USAM s m u lheres baniw a usam cestaria de aru m ã na roça e, so b retu d o, na preparação dos alim en to s à base de m a n d io ­ ca. A pro du ção artesanal fe­ m in in a de u ten sílio s d o m ésti­ cos re su m e -se tra d icio n a l­ m ente à cerâm ica (larg am en te su b stituíd a h oje em d ia por objetos de alu m ín io e ferro ) e às cuias. As m u lheres vão d ia ria­ m ente à roça para lim par e, pelo m eno s, duas vezes por sem ana, para arrancar m an ­ dioca. N o rm alm e n te um a fam ília tem três roças, um a m adura, outra “ve lh a” e outra “n ova”, com cerca de 1 0 0 m etros q uadrad os cada e ocu ­ padas q uase to talm ente por dezenas de variedades de m and ioca brava, além de frutíferas e plantas m edicin ais. P esqu isa recente sobre m anejo tradicio nal da m an d io ca na A m azô nia registrou que nessa região do alto Içana os B aniw a id e n tifi­ cam 7 4 varied ad es e que cada fam ília, em m édia, m aneja cerca de 3 0 delas nas suas roças.


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UM DIA DE CLÁUDIA láudia, espo sa de A n d ré, m ãe de três filh o s p eq ueno s, acordo u cedo e prep arou um m in gau para a fam ília antes de ir para a roça, ac o m p a n h ad a de su a m ãe Laura e carreg an do S ilv an a, recé m -n asc id a. Para ch eg ar à roça m a is perto da c o m u ­ n id ad e de T uc u m ã-R u p itã o nd e m o ra, C láu d ia teve que rem ar três horas rio ac im a, no Içana e, d ep ois, no igarapé P am ari. F oram necessárias cin co horas para arran ­ car e ap arar raízes de m an d io ca em q uantid ad e su ficien te e cu id a d o sa m e n te encaixad as para en ch er d ois aturás. N a volta, a cano a de C lá u d ia desceu m ais rápid o, ajo u jad a ao bote de a lu m ín io co m m o to r q ue levou o fotógrafo para registrar a cena. A in d a a s s im ,...


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...C lá u d ia e sua m ãe g astaram o resto da tarde para lavar as raízes no igarapé, raspar, ralar e esprem er, para p ro d u zir u m a q u a n tid ad e su fi­ cien te de idaitakapéthi = m assa ralada de m a n ­ dioca, de to xicid ad e reduzida, a qual foi ao forno e viro u alg u n s b eiju s so m ente no d ia segu inte. A lida da m an d io ca - das roças aos a lim e n ­ tos - to m a a m aio r parte do tem po da vid a das m u lh eres baniw a. Exige en o rm e esforço físico e h ab ilidade.

ATURÁ erm o em lín g ua geral que d esig na cesto s-carg u eiro s esféricos, em fo rm a de pan eiro s, p ro vido s de alça para cin g ir a testa e levar nas costas e u tilizad o no trans­ porte de pro du to s da roça, da m ata e de o bjeto s durante viagens; na região do alto Rio N egro, os M ak u fazem aturas de cip o u am bé, kaámeem baniw a; aq u ele feito de cip ó titica ou u am b é os Baniw a ch am am de tsheéto. 46

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RASPAR E RALAR trabalh o de descascar é m ais am en o . As raízes já tratadas são reservadas em uru tus ou bacias de alu m ín io . R alar exig e outra vez en o rm e esforço. O trabalh o é feito co m o ap o io de um ralo de m adeira cu ja fab ricação é esp e cialid a d e dos B aniw a e C u rip aco

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RALO tilitário para ralar as raízes da m and ioca, cu b iu , sem entes de um ari; feito a partir de táb u a de m adeira da fam ilia do m o lon g ó (adarukónale ou adapéna), talh ad a com en xó , co m d iferen tes tipo s de gratísim os riscados ( kowhíapu, saúva cam inh o ; arháipa, pé de um tipo de cabeçudo; tsinotaráale, céu da boca de cachorro; díakhe, tipo de co n s­ telação; konolíke, g alho de um tipo de árvo re) que servem de g uia para incrustar p ed rinh as de quartzo (b ran cas, ádai) que só existem na serra de Tun u í ou de sílex (pretas epíttii), ou ain da de p ed acin ho s de m etal. Encontrável nos arm azéns do co m ércio em São G ab riel, onde é vend ido co m o u tilitario .

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TIPITI tipiti é fab ricado p or to do s os povos indígenas da região do Rio N egro. É um utensílio indispensável no preparo de alguns tip o s de farin h as, beijus e m in gaus, alim en to s d erivado s da m a n ­ dioca. U sado pelas m u lheres baniw a para extrair o su m o que co n ­ tém o ácid o clan ídrlco, tóxico, e secar a m assa antes de Ir ao forno. H o m e m que não sabe fazer tipiti não está pronto para casar. T rata-se de um cesto cilín d rico elástico, fab ricado co m talas de aru m ã ou jacitara sem raspar nem m archetar, co m ab ertura na parte su p erio r e duas algas: a de cim a para p ren d ê-lo a um ponto fixo e a de baixo para Introd u zir u m a alavan ca e fazê -lo disten der-se. Para uso na cozinha baniw a, os tip itis são fab ricado s com cerca de 1 ,7 0 m de co m p rim ento ; é possível en co n trar peças deste tipo no co m ércio de S ão G abriel da C ach oeira. Os B aniw a fab ricam versões m in ia tu rizadas com talas co lorid as, que são vend idas co m o souvenirs tam bém em M a n au s e Belém e já foram u tilizad as co m o em b a la g e m de p ro ­ dutos co sm ético s.

PEGA-MOÇA um a espécie de m in i-tip iti, com cerca de 2 0 cm de co m p rim e n to , usado nas b rincad eiras entre joven s: en co lh e, en ca p s u la e prende o dedo; é ve n d id o em lojas de arte­ sanato co m o b rinq u ed o.

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MASSA, MANICOERA, FARINHAS ara extrair a m a n ico era da m assa ralada, os B aniw a u sam o cu m atá ttíiroli, um cesto -co ad or, trançad o de talas de aru m ã co m as m a lh as cerrad as, ap o ia d o n um trip é de varas. D o líq u id o co ad o resulta a tap io ca méenthi, um p o lvilh o que d ecanta no fu nd o do pote, e a m anico era, que deve ser fervida pelo m eno s por duas horas para lib erar o veneno. Para esfarin har a m assa seca no tip iti, u sam p en eiras trançadas em arum ã raspado, co m m a lh as abertas. A m assa p en eirad a vai ao forno p ara to rrar farin h a ou assar b eiju s, com o ap o io de gran d es ab an o s de arum ã. Os balaios e urutus de arum ã servem para reservar a m assa da m and ioca seca.

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TIPOS DE FARINHA PARA OS BANIWA matsóka, farin h a d ’ág u a, que m istu ra a m assa seca com a que ficou de m olho; matsóka mewídali, farin h a seca; motóipe, m assoca, bem fina, feita de m an d io ca m o le que ficou de m o lh o três dias, to rrada lentam ente no forno m o m o , especial para fazer ch ibé e b eiju zinh o para crianças pequenas.

PANEIRO es to -e m b a la g e m d escartável, de tram a aberta, de cipó titic a /u a m b é /a ru m ã , forrado de fo lh as de aru m ã ou de soro ro ca (d e d iversas M u sác ea s silvestres), onde se aco n d ic io n a a farin h a de m a n d io c a para uso e para venda. 53


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BEIJU e iju s - c o m o as farin h as - são assa­ d os num forno póali, tra d icio n a lm en te de cerâm ica, ag o ra cada vez m ais de ferro, ap o iado sobre base de barro. As m u lheres baniw a fazem vários tipo s de beiju: péethe tarhewali, beiju seco (no sol); péethe pothidzáite, beiju doce (fresco); péethe methíwa, curadá (m assa m istu rada com g om a de tap ioca); péethe thaphéwa, beiju de m assa de m and ioca a m o lec id a na água, sem uso d o tip iti. 0 trabalh o é feito com a p o io de dois u tilitário s o b rig ató rio s na cozinha baniw a: cotimápa, u m a pá de m adeira co m fo rm a de m e ia lua, usada para rem o ver o excesso de m assa p en eirad a e acertar as b ordas e kadoitsípa, ab an o de aru m ã trançad o, usado para ab an ar o fogo sob o fo rn o, virar e tirar o beiju.

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SÍLABAS GRÁFICAS d esenh o do trançad o fo rm a n d o q u ad rad o s co n cên trico s (walálapoem b an iw a, b a la io -e le vê), sem o uso de talas co lo rid as , é o p rim eiro q ue to da criança aprende: é co m o o alfab eto a p re n d id o para p o d er ler na escola. A p arece no fu nd o de to do urutu. A través das técnicas do trançad o, vários m o tivo s g eo m étric o s p od em ser criado s, to do s com um sig n ificad o sim b ó lico específico . A lg u n s artefatos ap resentam um único m o tivo , outros u m a co m b in a çã o de vários deles. A s diferen tes co m b in a çõ es de talas co lo rid as em preto ou ve rm elh o co m talas lisas, raspadas ou não, p erm item visu alizar m e lh o r os d esenh o s do trançado, assim co m o p ro d u zir pad rõ es ain d a m ais variad os. N o s cu m atás e p en eiras redondas, o cam p o d eco rativo do tecido de aru m ã se m ­ pre aparece d iv id id o em quatro p or um a cruz, osso ou sustento do cesto. S o bre a varied ad e dos desenh o s em uso na cestaria, re g istro u -se 2 7 n om es durante a O ficin a de M es tres , realizada em Tucum ã em 1 9 9 9 (ver ad ian te), p raticam ente o m esm o n úm ero (2 8 ) an o tad o pela an tro p ó lo g a Berta R ib eiro na d écada de 70 . Na p ág in as segu intes aparece u m a am ostra destes pad rõ es g ráfico s, co m os n om es em b an iw a. A n tigam en te h aviam alg u n s pad rõ es p rivativo s de d eterm inado s p ovos e clãs. 56

kettamárhi= desenho das costas de um tipo de besouro

makowe íthi= ave noturna olho

tssípa ittípi= pacu rabo


iwithoípa = massaiico pegada

kettamárh¡= desenho das costas de um tipo de besouro

diákhe = desenho/movimento infinito

dzaawi iphoakaromi = onça pegada

aakoro = tapuru 57


rowidzokami = mulher peneirar marca

kettamárhi= desenho das costas de um tipo de besouro

vv.wwv.uvv

kettamárhi= desenho das costas de um tipo de besouro

ornai ttieda = piranha lombo

dawaaki hiieidáphi= jandiá osso cabeça

iwithpa = massarico pegada

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kettamárhi= desenho das costas de um tipo de besouro

kettamárhi= desenho das costas de um tipo de besouro

diákhe = desenho/movimento infinito

rowidzokami= mulher peneirar marca

kowheapo = saúva caminho

aalidali iekoa = tatu testa

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OFICINA DE TUCUMÃ-RUPITÃ ■m ab ril de 1 9 9 9 , ap ó s q uatro m eses de p rep aração , a O IB I, co m ap o io da F O IR N e do IS A , o rg an izo u u m a o fic in a de m estres da arte de arum ã, id e n tificad o s n u m a a s se m b lé ia da asso ciação no an o a n terio r e c o n vid a d o s para o even to. D u rante u m a sem ana, es tiveram re u n id o s na casa co m u n itá ria de T u c u m ã -R u p itã 2 0 artesão s de dez co m u n id a d e s do alto Içana. C ada qual tro u xe um co n ju n to de peças p ro ntas para m o strar e m a té ria s -p rim a s para prep arar e trançar até o ac ab am en to . Essa situação de trabalh o e co n vivê n c ia p erm itiu u m a interação inédita entre os artesãos, os d irig en tes da O IB I e a eq u ip e do ISA, que contou co m Beto Ricardo (an tro p ó lo g o , co o rd en ad o r do P ro g ram a Rio N e g ro ) e Fáb io M o n te n e g ro (en carreg ad o da elab o ração de um p lano de co m e rc ia lizaç ão ), e com a p artici­ pação especial do fotógrafo Pedro M a rtin e lli. A ped id o da artista gráfica S ylvia M o n te iro , que vo lu n taria m e n te se en carreg ou do d esenh o e ed itoração desta p ub licação, foi m o n tad o um estúd io na ald eia, para fo tog rafar as peças co m fu nd o infin ito e luz natural. C o n tan d o com o ap o io dos m o rado res da c o m u ­ n id ad e h ospedeira, que g arantiram um b om astral e c o m id a farta, crio u -s e um am b ien te que p erm itiu d ocum en tar d etalh ad a­ m ente não só todos os passos da p ro du ção da 60


cestaria p elos h om en s e de uso pelas m u lh eres no pro­ cessam ento da m and ioca, co m o passar a lim p o os vários aspectos relacio nado s ao m ercad o ( co m o co n tro le de q u a lid ad e, em b a la g e m , custos e p reços).

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INFORMAÇÕES SOBRE O PROJETO E AS PARCERIAS Os objetivos centrais do projeto de p ro du ção e co m e rc ia lizaç ão de ces­ taria b an iw a de aru m ã são: (1 ) valo rizar o p atrim ô n io cu ltural; (2 ) an im a r a p ro ­ dução de o bjeto s de arum ã, co m o u m a fo rm a de re ciclag em e d is sem in a ção de u m a tradição cultural m ilen ar; (3 ) identificar n icho s d u rad o u ro s de m ercad o, co m p atíveis com a capacid ad e de p ro du ção das co m u n id ad es ; (4 ) gerar renda p ara os p ro du to res ind ígenas e suas asso ciações; (5 ) c o n trib u ir para o uso sustentável dos recursos n aturais; e (6 ) capacitar a FO IR N e as so ciações filiad as no g eren ciam en to de projetos. 0 pro jeto AR TE B A N IW A é u m a p arceria entre a O IB I (O rg an ização Ind ígena da Bacia do Içan a), a FO IR N (F ed eração das O rg an izaçõ es Ind ígenas do Rio N e g ro ) e o IS A (In s titu to S o cio a m b ie n ta l). A OIBI (O rg an ização Ind ígena da Bacia do Içana) fu nd ad a em 1 9 9 2 , filia d a à F O IR N , representa 1 7 c o m u ­ n id ad es ban iw a (S. José, Jacaré Poço, S an ta Rosa, T ap ira-P o n ta , S an ta M arta, Ju ivitera, A rapaço, Tarum ã, P u pu n ha, T u c u m ã-R u p itã , J a n d ú -C a c h o e ira , M a u á -C a c h o e ira , Trindade, A racu -C a ch o e ira, S iu s i-C a c h o e ira , T u c u n aré-lag o e T am and u á), num trecho do alto Içana. D esd e 1 9 9 4 , a FO IR N e o IS A es tab eleceram um a p arceria para d esenvolver um P ro g ram a R egio nal de D e se n v o lvim e n to Ind ígena S u sten tável do A lto e M é d io Rio N egro. A FOIRN - Federação das O rg an izaçõ es Ind ígenas do Rio N egro - é um a asso ciação civil, sem fin s lucrativos, fu nd ad a em 1 9 8 7 para o rg an izar os 2 2 p ovos ind ígenas da região e lutar pelo reco nh ecim en to dos seus d ireitos c o le ­ tivo s à terra, saúde, ed u cação e cu ltura. A sede da FO IR N é em S ão G abriel da C ach oeira. Existem 3 4 asso ciações ind ígenas filiad as à F O IR N , represen tan do 3 0 m il pessoas de m a is de 6 0 0 co m u n id ad es. O ISA - Instituto S o cio a m b ie n ta l - é u m a as so ciação civil, sem fins lucra­ tivos, fu nd ad a em 1 9 9 4 para p ro po r so luções integradas a q uestõ es so ciais e am b ien tais. O ISA tem co m o o bjetivo d efender bens e d ireitos so ciais, co letivo s e d ifu so s, relativos ao m eio am b ien te, ao p atrim ô n io cu ltural, aos d ireitos 62


h um an os e dos povos. C o m sede em São Paulo e um escritó rio em Brasília, o ISA tem su b -sed es regio nais em S. G abriel da C ach oeira, no Rio N egro (A M ), no X ing u (M T ) e no V ale do R ibeira (S P ). A p arceria IS A /F O IR N inclui várias ativid ad es, com o: a instalação de um a rede de radio fon ía e transporte, o d esenvolvim en to de pesquisas d irig id a s, a p u b li­ cação da p rim eira série de livros de autores indígenas no B rasil, a im p lantação de escolas ind ígenas, de p ro jetos de p iscicu ltu ra e de m anejo ag ro florestal, a fo rm ação de um banco de d ados so cio am b ien tais g eo rreferen ciad os, a d em a r­ cação, proteção e fiscalização das terras e o d esenvolvim en to de alternativas ec o n ô m ica s ap ro p riad as, in c lu in d o a capacitação das o rg an izaçõ es indígenas. Estas ativid ad es co n tam com ap o io s técnico s e financeiro s de várias p essoas e o rg an izaçõ es g overn am en tais e n ão -g o ve rn am e n ta is, do Brasil e do exterior. A pós vários testes de m ercad o, o ISA identificou a em presa T o k & S to k, do segm en to de m ó veis e o bjeto s de d ecoração para co n su m id o re s específicos de classe m éd ia dos gran d es centros u rb an os b rasileiros, e co n stru iu u m a p arceria co m ercial que acolh eu a h istória da arte ban iw a e flexib ilizo u alg un s p ro ced i­ m ento s p ad ro nizad o s para os fo rn ecedo res, co m bons resultados. Os recursos o btid os com a venda da cestaria ban iw a de aru m ã são u tilizad os integralm en te para rem u nerar os pro du to res, co b rir custos o peracio n ais e ap lic ar em p ro jetos de Interesse das asso ciações baniw a.

idem: Os índios das Águas Pretas, SP, Cia. das Letras/EDUSP, 1 9 9 5 ,270p. VÁRIOS NARRADORES Waferinaipe lanhenke: a sabedoria dos nossos antepassados. Histórias dos Hohodene e dos Walipere-Dakenai do rio Aiari. AC IRA (Associação das Comunida­ des Indígenas do Rio Aiari) e FOIRN, S. Gabriel da Cachoeira (AM), Coleção Narradores Indígenas do Rio Negro, v. 3,1999,191 p. VELTHEM Lúcia Hussak van: A Pele de Tuluperê: uma etnografía dos trançados Wayana. Museu Paraense Emílio Goeldi, Coleção Eduardo Galvão, Belém, 1 9 9 8 ,251p. WRIGHT, Robin M.: Cosmos, Self and History in Baniwa Religion. For Those Unborn. Austin: Univ. of Texas Press.

FONTES CABALZAR Flora Dias: Iniciativas Indígenas na Produção e Comercialização de artesanato no alto rio Negro, relatório de atividades, junho/dez 97, ISA, SP, 1998. FOIRN/ISA Povos Indígenas do alto e médio Rio Negro. M apa-livro. 1998, S. Gabriel da Cach oei ra/S. Pau Io, 128p. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL www.socioambiental.org RIBEIRO Berta G.: A civilização da palha: a arte dos trançados dos índios do Brasil, tese de doutorado, USP, 1980. idem Dicionário de Artesanato Indígena, Ed. Itatiaia/EDUSP, 1988, 343p. 63


GLOSSÁRIO (bw = baniwa; reg = regional; Ig = língua geral) Chibé matsókaa (bw ), bebida que se tom a depois das refeições e durante as viagens; deixa-se a farinha inchar na água fria; servida com cuia. Manicoera kenítshiw¡(bw), sum o venenoso (ácido hidrociânico - ou cianídrico (H C N ) ou prússico) extraído da m andioca brava (Manihot esculenta Cranz, tam bém cham ada Manihot útilísima Pohl) no cum atá; deve ser fervido pelo m enos por duas horas até liberar o sum o venenoso. Mujeca (Ig) dzatíkhaa (bw ), ensopado de peixe engrossado com tapioca ou farinha, tem perado com sal e pim enta e consum ido com beiju. Quinhapira (Ig) ttímapa (bw ), cozido à base de pim enta e peixe, em cujo caldo se um edece o beiju. Tapioca mhéetti(bw ), polvllho que decanta no fundo do pote, depois que o líquido da m anicoera é coado; tam bém existe farinha de tapioca, granulada. Tucupi káinia (bw ), sum o venenoso extraído da m andioca brava, obtido após o cozi­ mento da polpa da m andioca puba, quando filtrada pelo tipiti. Depois da ebulição torna-se escuro, xaroposo e um tanto ácido.

GUIA DE PRONÚNCIA DAS PALAVRAS EM BANIWA 0 t tt

ñ ts dz w y h 1 r aa ph

pronuncia-se entre u (com o em português suco) e o fechado (de poço) corresponde ao t da língua portuguesa este som é um tipo de t pronunciado com a lâm ina da língua bem aplicada nos dentes superiores: com pare a pronúncia de íita canoa (com o em português) e íitta fum aça (com a língua nos dentes) com o em português nh ou em espanhol n com o em Inglês, no final da palavra cats com o em inglês no final da palavra beds camas com o em inglês water água com o em inglês yes sim com o em inglês hat chapéu som entre I (com o em português calo) e r (com o em português caro): é um som típico do baniw a-curipaco é tam bém um som típico do baniw a-curipaco: pronuncia-se rr na palavra perro cão, na pronúncia do espanhol da Argentina ee ii oo vogais duas vezes m ais longas em duração que a e, i, o th, tth kh, tsh mh, nh nh wh Ih rh consoantes aspiradas 64


DO MATO ATÉ O MERCADO Cortar o arumã no mato, fazer feixes e carregar até a aldeia Tirar e preparar os materiais para tingimento e acabamento Raspar, lavar e arear Pintar e descorrear em talas Trançar e fazer o acabamento Trançar a embalagem Colocar etiquetas, encaixar as peças e embalar por dúzia Transportar em canoa com motor até S. Gabriel, passando por várias cachoeiras De carro, do porto de cima até o porto de Camanaus Daí até Manaus, de barco De onde segue de caminhão embarcado em balsa, até Belém Para chegar a São Paulo, por estrada

OIBI - Organização Indígena da Bacia do Içana Entreposto de S. Gabriel da Cachoeira (AM), tel (92) 471.2829 - <oibi@poranganet.com.br> FOIRN

- Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro Av. Álvaro Maia, 79 - Centro cep 69750-000 S. Gabriel da Cachoeira - AM - Brasil tel/fax (92) 471.1349 - <foirn@uol.com.br>

ISA - Instituto Socioambiental www.socioambiental.org Av. Higienópolis, 901 - Higienópolis cep 01238-001 São Paulo - SP - Brasil tel (11) 3825.5544/fax (11) 3825.7861 S. Gabriel da Cachoeira - tel (92) 471.1156


"TRANÇAR CESTOS A PARTIR DE FIBRAS VEGETAIS É POSSIVELMENTE

UMA

DAS

MANIFESTAÇÕES

TÉCNICAS E CULTURAIS DAS MAIS ANTIGAS NA HISTÓRIA USADA

DA HUMANIDADE. A MATÉRIA-PRIMA NA

CESTARIA

TRANSPORTÁVEL

E

É

LEVE.

RENOVÁVEL.

FLEXÍVEL, ESTÉTICA

E

FUNCIONAL, ELA É ENCONTRADA ENTRE TODOS OS POVOS

ABORÍGENES

ÁFRICA

E ÁSIA,

DA

ASSIM

AMÉRICA,

COMO

EM

EUROPA, INÚMERAS

SOCIEDADES CAMPONESAS. ATÉ HOJE, O SEU USO ESTÁ

PRESENTE

NAS

CIDADES

MODERNAS

E

MAIS INDUSTRIALIZADAS, AINDA QUE SEJA POR SAUDOSISMO

OU

INCLINAÇÃO

ESTÉTICA."

( L U X V ID A L , A N T R O P Ó L O G A , IN V E L T H E M , L .H . V A N : 1 9 9 8 )

rÚ JL? INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL


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