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Introdução
Este caderno técnico nasceu como desdobramento de uma série de cinco cursos a respeito do uso criativo de acervos fotográfcos, ministrados por mim, para o Centro de Conservação e Preservação Fotográfca (CCPF) da Fundação Nacional de Artes (Funarte) entre 2013 e 2015. Foram realizados, respectivamente, no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro; no Memorial da Resistência, em São Paulo; no Museu Theo Brandão de Arqueologia e Antropologia da Universidade Federal de Alagoas, em Maceió; no Museu da República, no Rio de Janeiro; e na Sociedade Fluminense de Fotografa, em Niterói. O bom resultado dessas experiências em instituições de perfl e interesses variados, mesclando museólogos, conservadores, arquivistas, historiadores, pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, fotógrafos profssionais e amadores, assim como o público leigo, estimulou o CCPF a consagrar seu oitavo caderno técnico ao uso criativo de acervos fotográfcos. Contudo, ainda que compartilhe o mesmo título do referido curso, este caderno não segue seu programa à risca, nem busca espelhar a proposta original, mesmo porque isso seria impossível, levando-se em consideração que a cada uma das edições do curso sua estrutura foi modifcada de modo a adequá-la aos interesses, às reações e às reais capacidades dos participantes. Assim, partindo de uma série de módulos previamente concebidos eu os alternava, encadeava, expandia ou até mesmo os suprimia, de modo a tornar as aulas mais atraentes e acessíveis aos participantes. Esta postura é semelhante à do músico que, dispondo de um amplo repertório, não opera com uma playlistfxa, modifcando a sequência da sua seleção de composições dependendo do local, da receptividade do público e do “astral” do momento, o que pode fazer com que ele suprima determinada canção, por julgá-la redundante ou dispensável, preferindo alongar outras, com a introdução de um solo de guitarra ou de bateria, foreios vocais ou a participação
especial de convidados-surpresa, de tal forma que o show integrante de uma mesma turnê adquire feições diferentes a cada apresentação, sem, no entanto, se afastar ou trair sua concepção original. Isso porque não há outra forma de se fazer um trabalho criativo a não ser recriando-o continuamente, posto que o maior inimigo da criatividade é a repetição.
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Prosseguindo com o paralelo musical, é possível estabelecer uma correlação entre a redação deste caderno técnico e a edição de um CD de gravações realizadas ao vivo em diferentes cidades: de um manancial de opções possíveis são escolhidas as interpretações mais bem-sucedidas de uma mesma canção, para montar a compilação mais perfeita possível, da mesma forma que elegi os temas e as ideias que se revelaram mais necessários ou que mais motivaram os participantes do curso. Existe, entretanto, uma falha no paralelo estabelecido entre um álbum gravado ao vivo e este caderno: o primeiro se destina à audição passiva, ou, na melhor das hipóteses, ao acompanhamento em estilo karaoke de uma performance que, normalmente, jamais poderá ser igualada pelo ouvinte, ao passo que esta obra não visa a simples leitura, sendo, ao contrário, um convite para a ação, de tal forma que seria mais apropriado compará-la a uma partitura, no sentido de que esta constitui uma referência técnica, uma estrutura básica, sendo autorizadas as mais diferentes versões e interpretações. Ou seja, este texto difere daqueles que o precederam pois não oferece fórmulas científcas irrefutáveis, que conduzem a resultados previamente defnidos, com possibilidade de exata repetição ad infnitum; mesmo porque tal coisa seria impossível, visto que ninguém conseguiu até hoje encontrar a fórmula infalível no domínio da criação artística, muito embora existam ingênuos que acreditem o contrário, mesmo diante da evidência do escritor best-seller que vira autor encalhado, do músico recordista de vendas que não consegue emplacar mais nenhum sucesso, ou da estrela de cinema condenada ao ostracismo. Pode-se dizer inclusive que este texto tem algo de livro de autoajuda, de guia de ginástica ou de livro de receitas: só adquire sentido quando efetivamente utilizado e adaptado pelo leitor às suas próprias necessidades e convicções. No fnal do curso realizado no Museu Theo Brandão de Arqueologia e Antropologia, em Alagoas, aconteceu uma coisa imprevista: alguns participantes resolveram arrumar as cadeiras em círculo ao fnal das aulas para que todos pudessem relatar suas impressões. Foi uma experiência muito emocionante, comparada por alguns com uma sessão de análise em grupo, posto que cada depoente abriu verdadeiramente o coração e indicou as ações que pretendia empreender a partir da experiência vivenciada durante o curso. Uma das participantes chegou a dizer que se sentia “fecundada” pelo curso e pretendia se dedicar seriamente à prática fotográfca dali em diante. Esse foi justamente meu propósito maior ao compor este caderno: tentar lançar algumas sementes de inspiração e motivação para que seus leitores possam fazê-las germinar e crescer no próprio âmago, dando origem então a exposições, livros, sites, blogs e outros produtos audiovisuais, coletivos e empreendimentos fotográfcos das mais diferentes naturezas. Sou profundamente grato a Sandra Baruki, assim como a toda a equipe do Centro de Conservação e Preservação Fotográfca da Funarte, pela oportunidade de tentar essa semeadura que, temos certeza, há de cair em solo fértil, gerando belos e preciosos frutos.