ENCHANTEDNESS
ENCANTARIA
MARTINA AHLERT
martina ahlert In the numerous possible ways of understanding the world (or worlds), there are people who are never alone. In their journeys, battles, celebrations and daily experiences, they mobilise relationships with other human and non-human beings, establishing partnerships, caring exchanges and bonds. They are equally touched by these encounters and affections, which prompt them to rethink issues of identity and materiality as well as ways of perceiving and appreciating existence. We can use this idea when thinking about the relationship between people and ‘the enchanted’ in the context of Afro-Brazilian religions found in Maranhão, a state in Northern Brazil. The overarching term encataria maranhense (‘enchantment’ from Maranhão) incorporates regional Afro-Brazilian religions such as pajelança, tambor de Mina and terecô. These religions have traditionally fostered encounters and interactions between multiple beings and people. Their local presence dates back to the time of slavery. It is worth mentioning that just before Independence in 1822, Maranhão was the “Brazilian province with the largest proportion of enslaved people (78 thousand or 55% of its population)1” . This region enjoys a pantheon of entities generically called ‘the enchanted’. They are seen as spirits or beings that have not yet experienced death but rather have disappeared by ‘enchantment’2. Encantaria (or encantoria, as it is commonly referred to) is another type of world, another dimension of experience where the enchanted live. In different ways, this dimension is connected to, or intersected with, human experience. It takes place in certain natural environments (such as woods, waterfalls and streams) and religious places dedicated to rituals (such as tents, terreiros, halls and quartos de
Nas diversas formas possíveis de conceber o mundo (ou os mundos), existem pessoas que estão constantemente acompanhadas. Em suas andanças, lutas, celebrações e experiências cotidianas, elas mobilizam relações com outros seres, humanos e não humanos, com os quais estabelecem parcerias, cuidados e obrigações. São, elas mesmas, igualmente mobilizadas por esses encontros e afetos que fazem repensar questões de identidade e materialidade, as formas de perceber e conceber a existência. Podemos falar nesses termos quando pensamos as relações entre pessoas e encantados no contexto das religiões de matriz africana encontradas no Maranhão. Conhecidas como encantaria maranhense, a pajelança, o tambor de Mina e o terecô mobilizam, historicamente, encontros e engajamentos entre seres diversos e pessoas. Sua presença local remonta ao período da escravidão; é importante lembrar que o Maranhão foi, às vésperas da independência, a “província brasileira com maior percentual de escravizados (78 mil, ou 55% da população)1”. Essas religiões possuem um amplo panteão de entidades chamadas genericamente de encantados, que são percebidas como espíritos ou, ainda, como pessoas que não passaram pela experiência da morte, mas desapareceram, encantando-se2. A encantaria – ou encantoria, como é costumeiramente chamada – é uma espécie de outro mundo, ou outra dimensão da experiência, onde vivem os encantados. De formas variadas, essa dimensão se conecta ou se cruza com a experiência humana: em determinados espaços naturais (como árvores, cachoeiras e igarapés), locais religiosos constituídos para a realização de rituais (como as tendas, terreiros, salões e quartos de santo), ou, ainda, a partir dos corpos que recebem e carregam encantados em situações de incorporação. Além da incorporação, os encantados podem ser percebidos em sensações corpóreas ou vistos como espíritos ou, ainda, em sonhos. Suas manifestações costumam incidir sobre corpo e mente, indican61