Rodrigo Braga: geração de um Pernambuco contemporâneo

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RODRIGO BRAGA

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GERAÇ~O DE UM PERNAMBUCO CONTEMPOR^NEO

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RODRIGO BRAGA ORG Rebeka Monita

TEXTOS Marcelo Coutinho Maria do Carmo Nino Rebeka Monita

Recife, 2019

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— AGRA DECIMEN TOS pre-textual - 30/10 - 09h41.indd 4

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A publicação deste livro só foi possível

Pinheiro, que tem meu total respeito e pro-

porque, no Brasil, aprendemos a fazer o

fundo agradecimento, dedico este livro.

percurso da produção cultural por entre afetos, de mãos dadas. Ademais, ao longo

Assim, seguem meus sinceros

da minha trajetória acadêmica, fui cercada

agradecimentos.

por amigas e amigos que deram contribuições inestimáveis. Minha família foi

Aderbal Maia, Antonia Cavalcanti,

fundamental nesse processo: acreditou,

Augusto Barros, Bárbara Buril, Betânia

incentivou, apoiou e me acolheu nos bra-

e Silva, Beth da Matta, Carlos Rodiney,

ços. Minha filha, Clarissa Monita, que me

Clarice Peres, Cristiana Dias, Elaine Anjo,

acompanhou ainda bebê em congressos,

Eugênia Simões, Guilherme Luigi, Gustavo

reuniões e exposições e na Universidade,

Albuquerque, Isabela Faria, Jaidete

é a fonte de força e inspiração na jornada

Pinheiro, Jane Pinheiro, Joana D’Arc de

da vida. Aos professores dos Departa-

Souza Lima, José Luiz do Nascimento,

mentos de Artes Visuais da Universidade

Juçara Pinheiro, Liliana Tavares, Lúcia

Federal de Pernambuco e da Paraíba, em

Santos, Luciana Tavares, Luciene Pontes,

especial ao meu orientador, Carlos Newton,

Luiz Fabiano Pinheiro, Mabel Medeiros,

a Maria do Carmo Nino e a Marcelo Couti-

Madalena Zaccara, Marcio Almeida,

nho, que estiveram comigo antes mesmo

Margot Monteiro, Maria do Carmo Guerra,

do meu ingresso no mestrado e aqui estão

Maria José Barbosa, Marina Didier, Poliana

em verbo, poesia, análise e parceria, toda a

Alves, Renato Contente, Raul Kawamura,

minha gratidão. Ao artista Rodrigo Braga,

Ricardo Freire, Rinaldo Carvalho, Robson

meu interlocutor nessa viagem, muito obri-

Xavier da Costa, Valquiria Farias, Wanessa

gada pela inspiração, disponibilidade, gen-

Ribeiro, Wanessa Santos e Wilton de

tileza e, sobretudo, pela amizade traçada

Souza.

vida afora. À minha mãe, Maria do Carmo

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REBEKA MONITA

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— SU MÁRIO pre-textual - 30/10 - 09h41.indd 6

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Travessias de Rodrigo Braga Maria do Carmo Nino

Sal, prata e outros elementos: a fotografia na obra de Rodrigo Braga

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08 Apresentação

O fundamento da queda Marcelo Coutinho

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Rebeka Monita

Versão em Inglês [English Version]

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— APRE S E N TA ÇÃO

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Braga, manauara, radicado no Recife desde

território de rica e vasta produção em

a primeira infância até o ano de 2011,

artes visuais. Artistas de gerações dife-

quando foi morar no Rio de Janeiro, vem

rentes apresentam produções que esta-

desenvolvendo os seus trabalhos entre o

belecem diálogos mundo afora, revelando

Sertão, a Zona da Mata, o Litoral, a capital

o esfacelamento de temas regionais e

pernambucana e outras cidades do País e

apontando para o esgarçamento de terri-

estrangeiras. Atualmente, reside na França

tórios antes bem definidos nas artes. Uma

e se destaca nos cenários brasileiro e inter-

pluralidade de discursos, técnicas, expe-

nacional das artes visuais, com exposições

rimentações, formações e atuações que

nas cinco regiões do Brasil e em diversos

atravessou gerações.

países. Suas obras se encontram em acer-

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Pernambuco sempre se revelou como um

vos de importantes instituições culturais Na busca, então, por problematizar,

— como a Maison Européenne de la Photo-

individualmente, a poética de artistas

graphie, em Paris, o MAM do Rio de Janeiro

contemporâneos com produções em

e de São Paulo e o Museu de Arte Moderna

Pernambuco nos últimos anos — a par-

Aloisio Magalhães – Mamam, no Recife —

tir especificamente dos anos 2000 —,

e são relevantes para pensar modos poé-

e materializar e difundir um debate crí-

ticos de se apresentar que foram (e são)

tico aprofundado acerca da produção des-

importantes para uma geração de artistas

ses artistas, nasce o projeto GERAǘO DE

e críticos em Pernambuco que fomentam o

UM PERNAMBUCO CONTEMPOR^NEO.

diálogo da arte contemporânea na cidade do Recife com outras partes do mundo.

O GERAǘO DE UM PERNAMBUCO CONTEMPOR^NEO/RODRIGO BRAGA inaugura essa

Embora tenham sido feitas pesquisas aca-

proposta com um livro sobre um relevante

dêmicas sobre a obra de Rodrigo Braga

artista da chamada Geração 00. Rodrigo

e ele tenha em seu currículo diversas

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publicações avulsas de catálogos de expo-

UFPE e pesquisadores do campo da arte

sições individuais, este é o primeiro livro

contemporânea.

sobre seus trabalhos, desvinculado de uma mostra. Uma publicação de especial

Na primeira parte do livro, Maria do

relevância por registrar e, principalmente,

Carmo Nino faz uma análise dos signos de

difundir o conhecimento sobre os traba-

dezenas de trabalhos de Rodrigo Braga.

lhos desse artista e a sua poética de uma

Um percurso que vai desde trabalhos mais

maneira mais ampla, trazendo questões

antigos (2001) até os mais atuais (2018),

sobre a sua trajetória e a arte contempo-

que são alinhavados por seus símbolos e

rânea e expandindo o conhecimento sobre

significações, em sobreposição à ideia de

o pensamento crítico gerado na região

uma linha do tempo. Através do verbo,

Nordeste do Brasil.

a autora nos leva a um mergulho poético nas obras desse artista, reavivando o

Um trabalho, desde o princípio, pensado

olhar para o improvável e suas dimensões

em três partes, que juntas formam um

simbólicas.

conjunto composto por “entres”, como uma forma rizomática, sem lugares fixos,

Na segunda parte, atenho-me às relações

onde os capítulos não evoluem como

da linguagem fotográfica no trabalho de

uma árvore genealógica com ponto cul-

Braga, imergindo assim nos conceitos de

minante, tampouco, separam sujeito

mestiçagem, hibridização, contaminação

de objeto. Um livro que parte da pes-

e fotografia expandida. Ao percorrer os

quisa acadêmica, sem ignorar os afetos.

fios entrelaçados das obras desse artista,

Por isso também o convite a Maria do

sobretudo Comunhão (2006), Fanta-

Carmo Nino e Marcelo Coutinho, artistas,

sia de Compensação (2004), Sal e Prata

professores de Rodrigo Braga durante

(2010) e Leito (2008), faço uma leitura

a sua graduação em Artes Visuais na

sobre a fotografia como recurso, suporte

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e linguagem e atento, com a filosofia, aos aspectos simbólicos e vivenciais desses trabalhos, analisando elementos como morte, vida e animalidade em suas obras — características que atravessam a discussão sobre a busca de si do próprio artista. Em seu ensaio, Marcelo Coutinho aborda as questões da crítica enquanto linguagem que não representa o mundo, mas que se desdobra a partir dele, circunscrevendo, com total fluidez, a proposta do livro. Sua escrita incorporada desvela as odes de Rodrigo Braga, com uma ode à poesia, à linguagem, à poiesis, ao grito, à queda, ao sentimento oceânico. E, nesse caminhar, um reencontro entre o aluno e o professor e o encontro de artistas, um chamado para um encontro maior entres os pares, através da arte contemporânea e com o que ela nos alimenta.

REBEKA MONITA

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Maria do Carmo Nino

— T R AV E S SIAS DE RODRIGO BRAGA


A vida é uma hesitação

O que vive não entorpece. O que vive fere.

entre uma exclamação e uma interrogação.

O homem, porque vive, choca com o que vive.

Na dúvida, há um ponto-final.

Viver é ir entre o que vive. JOÃO CABRAL DE MELO NETO02

Realizar esta leitura cruzada de alguns

APOSTAREI NELA: CON(V)IVÊNCIA

dos trabalhos do artista Rodrigo Braga me

Con(v)ivência é uma palavra-valise

causa a impressão de uma conversa ima-

que se me apresenta, a princípio, um

ginária com ele, como se dialogássemos

termo adequado, sedutor, uma vez que,

diretamente. Sem dúvida esse sentimento

quando penso nesse conjunto de traba-

se vê reforçado devido à nossa convivên-

lhos, estas são noções que me parecem

cia de vários anos em sala de aula. Afinal

essenciais e complementares. Interativas.

é disso que se trata, do que as obras dele

Fenomenológicas.

13

FERNANDO PESSOA01

me sugerem e me afetam na medida em que elas comungam com minhas próprias

Uma obra certamente não é algo isolado:

preocupações e pensamentos. Analisar

é um relacionamento em si mesma, é um

os signos e as significações, ampliá-los,

eixo de inúmeros e diversificados rela-

mostrar possíveis caminhos, mas, ao

cionamentos com o mundo. E é fruto do

fazê-lo, guardar claramente o reconhe-

esforço e da congregação de muita gente

cimento do escopo de serem a partir das

que colabora, embora não protagonize

minhas próprias referências. Entreglosar,

diretamente sua emergência no mundo.

como diria Montaigne. Ou, ainda, como não lembrar de Oscar Wilde, que afir-

Obra que neste caso começa de fato

mava que a crítica era uma forma maior

pelos idos do início do século XXI, com

de biografia?

uma série realizada em 2001 denominada Unha e carne (Cartas ao vizinho).

Mas que nome no geral eu poderia dar a

Ao outro. Ao próximo. Tão unidos como

esta série de reflexões que possa me ser-

sendo os dois uma só parte. Outridade.

vir de fio de Ariadne neste passeio labirín-

Quando lemos Octavio Paz em O arco

tico e não necessariamente cronológico?

e a lira03, percebemos que outridade

Uma expressão me vem à mente.

é uma espécie de passagem ao outro

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limiar que ao mesmo tempo constitui um

Nestas séries iniciais, incluindo Risco de

encontro com algo que já estava em nós.

desassossego (2004), Fantasia de Com-

“Nada mais alheio e mais nosso”, nos diz

pensação (2004) e uma série Sem título

o poeta.

(2005), a imagem manipulada digital-

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mente ganha uma ênfase. AssumidaPaul Valéry falava de penser en serpent,

mente proteica. É sobretudo a tecnologia

que se come pela cauda, eu contenho o

digital que dá acesso a esse investimento

que me contém e sou sucessivamente

como Proteus, este metamorfo, hábil

continente e conteúdo. Quando vejo essas

entre o ir e vir como bem entendia entre

imagens, elas evocam em mim ao mesmo

lados opostos, cruzando umbrais. Entre

tempo estranhamento e familiaridade.

chien e loup. Mas a visceralidade do olhar

Algo que se dá nas relações complexas

e do sentir está lá. Seja nos pregos que

entre limites que são dizimados. Mœbius.

cravam a pele desse corpo híbrido em

In media res, ou seja: no meio das coi-

Unha e carne, ou ainda na brasa do fós-

sas. Instaura um eterno “entre” onde os

foro aceso que queima a pele em Risco de

opostos que se unem estão sempre pre-

desassossego, ou mesmo na tinta verme-

sentes em todo lugar. Não ser nem com-

lha que cobre o olho na série Sem título,

pletamente si mesmo nem inteiramente o

na existência do corpo do artista, de uma

outro, ser algo entre.

pele que se torna ela mesma teatralizada, emerge um eu que não cessa de ser posto

Convivência sugere um “entre”, algo

em jogo através de seus próprios esboços.

sempre a ser complementado, uma cum-

Somos todos múltiplos, e artistas, em

plicidade em aberto, em processo. Uma

suas obras, fazem emergir esses eus pos-

experiência, no sentido fenomenológico

síveis. Agem como os escribas de um eu

que damos a esse termo. Conivência

interior. O verbo estar é de todos o mais

sugere reciprocidade, uma vivência em

livre, o mais afeito à matéria perecível do

devir, que se erige entre choques e cria

qual somos constituídos. Impermanên-

fagulhas, onde está implícita a aceitação

cias: estados de transição. Talvez Kundera

de um sempre recomeço, numa espé-

devesse ter preterido o ser em favor do

cie de roda autogiratória ou um rio que

estar para evocar a leveza, afinal.

não para de fluir, um santo “Sim” para o jogo da criação e da vida, como vemos

É no entanto mais radicalmente em Fan-

em Zaratustra.

tasia de compensação que a intensidade da metamorfose operada se mostra mais

Que fluir é este que sempre vai de meio

com grande impacto. Como mediado-

a meio entre duas margens, mas em

res de forças enigmáticas, misteriosas e

busca de uma terceira e cuja fonte do rio

revoltas que os habitam, ao idealizar e

é inconcebível?

realizar uma dança coreografada no caos

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Sem tĂ­tulo [Olho] (2005)

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Sem tĂ­tulo [Olho] (2005)

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Sem tĂ­tulo [Olho] (2005)

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do mundo que imperiosamente emerge

Fernando Pessoa: “Quem sou eu para

de suas noites, desse mar de dentro da

mim? Só uma sensação minha”04.

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infância, os artistas são aqueles que, ao reagir a esse status quo e se arrisca em

Um guia importante para estes meus pen-

pô-las à mesa, surpreendem, incomodam,

samentos que irão se seguir foi um livro

perturbam, desestabilizam. Polemizam.

de Maria Esther Maciel, intitulado Litera-

Seduzem também. Exploram limites.

tura e animalidade05, onde alguns aspec-

Mergulham na transcendência, buscando

tos ligados à zoopoética apareceram para

apreender o que afinal nos escapa a

emergir em mim como um interessante

todos, o devir do abismo, das franjas que

viés para a apreensão de vários momentos

jamais conseguimos comunicar: a com-

da trajetória de Rodrigo. A zoopoética,

preensão da vida, da morte, os encontros,

nos esclarece a autora, se insere entre

acasos, a natureza, ...tudo enfim.

aquelas poéticas que, através da linguagem verbal (ou outras, como a visual ou

Recordar experiências do passado cria

verbo/visual, diria eu), estabelecem um

alianças com os estratos de nossos eus

pacto, um elo com nossa própria essência

anteriores por mais distintos que seja-

animal. São tentativas ficcionais estra-

mos no presente. E para levar a cabo este

tificadas a partir do uso de metáforas,

empreendimento, mais do que necessa-

de alianças que têm como objetivo fazer

riamente ser forte, é preciso acreditar-se

o homem ter uma consciência mais aguda

forte. A concepção dessa série de imagens

de si mesmo, que nos fazem refletir sobre

do amálgama homem-bicho/fera usa a

nossa própria natureza e sobre o con-

concepção clássica da máscara da feroci-

ceito de humano no qual nós temos todos

dade animal como elemento ameaçador

sido forjados.

que opera, nesse contexto específico, como uma “fantasia” de força, coragem,

Na tradição ocidental e europeia, princi-

agressividade. Ter, escrutinar, encontrar e

palmente, o humano foi definido contra o

reconhecer verdades da sua própria alma,

animal. Tudo se passa como se o animal,

expurgar traumas, preencher as fendas,

ao ser rebaixado, permitisse ao humano

curar as feridas, promover reconciliação

ser elevado. Hierarquia pura como esteira

com a dor do passado. E sobreviver, sim-

de base tida como natural para a nossa

plesmente. Resistência como reexistência

compreensão do inumano. Nossa con-

e superação. Tudo que somos e que vive-

cepção de humanismo e de humanidade é

mos se encontra no instante presente.

antropocêntrica, ela é erigida às expensas

Falar sobre si é ter consciência de si.

do recalque da nossa própria animalidade.

Objetificar o que é subjetivo.

Essa mesma animalidade, inclusive, constitui até uma das nossas feridas narcísicas

Não posso deixar de pensar no poeta

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através da teoria evolucionista de Darwin

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que, como sabemos todos, evidencia as

Cada imagem é fruto de ação cuidadosa-

origens animais do homem. Evocando

mente refletida, dirigida, encenada, pré-

Agambem, no que diz respeito à “máquina

-produzida, que envolve inclusive a busca

antropológica”, esse livro de Maria Esther

de pessoas que facilitem a ele o reconhe-

nos faz lembrar como a dualidade é diale-

cimento de campo. É necessário criar uma

ticamente constituída enquanto oposição

“amizade” com o lugar, uma vez chegado

e então abrange a exclusão como modus

aos locais onde irá incidir a ação. A fim

operandi. A tendência atual pós-huma-

de criar uma realidade sensorial fabricada

nista seria, então a de desestabilizar essa

na qual por vezes, além de performer,

soberania constituída culturalmente

Rodrigo age como escultor, como pintor,

entre nós.

tudo em sua maioria com o objetivo prinsão pessoais, mas que ecoam em diversi-

animal, atravessado que é por comple-

ficadas intensidades, como seria de espe-

xos valores socioculturais, aliado ao seu

rar, em outros seres humanos.

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cipal de incorporar questionamentos que Reconhecer as múltiplas facetas do signo

confronto direto, corporal e fenomenológico com aspectos espaciotemporais do

O que se inicia de modo mais tímido em

ambiente natural, passou a ser cada vez

Para quem me faz bem (2004), onde a inte-

mais um dado conceitual constitutivo do

ração direta do corpo com a matéria orgâ-

trabalho autoral desse artista. Quando

nica constituída pela planta e pela terra

vejo algumas das séries de fotografias,

vai se desdobrar em um processo em que o

como Da compaixão cínica (2005/2007),

fator de caráter performático está mais em

Da alegoria perecível (2005), Comunhão

harmonia, como indicado no próprio título,

(2006), a performance Negativo (2005),

com os elementos com os quais o corpo

o tríptico Do prazer solene (2005), Teu

interage, observados no recurso ao mel,

(2007), Leito (2008), o corpo, a matéria

à terra, à água e às plantas em Do prazer

orgânica, antes usados de modo repre-

solene, ou ainda no corpo desnudo de Teu,

sentacional mais visualmente organizado

onde o vemos de costas para a câmera e

como fator de sedução, se colocam em

com a cabeça abaixada totalmente, voltado

cena de uma outra maneira. O estatuto

em um ato de entrega e respeito devo-

performático associado à prática do regis-

cional para a paisagem diante de si, que

tro fotográfico, editados em vídeo ou não,

visualmente lhe complementa o corpo.

e eventualmente a captação de uma ação em vídeo confirmam as referências em

Em Da alegoria perecível e em Da compai-

campos artísticos ampliados, resultando

xão cínica, ele promove o traspassamento

em performances dirigidas para a câmera

de fronteiras entre os mundos do humano

que vão ser colocadas em evidência a par-

e não humano por meio de devires e meta-

tir dessa fase.

morfoses, ao associar o corpo a elementos

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Da compaixão cínica (2005/2007)

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Da compaixão cínica (2005/2007)

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Da alegoria perecĂ­vel (2005)

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Da alegoria perecĂ­vel (2005)

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Para quem me faz bem (2004)

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de partes de animais, vísceras, pés de gali-

Berger, postula a condição intrínseca da

nha, escamas de peixe, plantas, fluidos,

outridade do animal em relação à nossa

etc.

racionalidade. Quanto mais observados e imaginados por nós, mais distantes

Do ponto de vista fotográfico, essas ima-

ficam. Esta distância se dá pela falta de

gens são variantes do autorretrato e, por

uma linguagem comum, pelo silêncio do

essa via, são ligadas ao conceito de iden-

animal, por sua diferença, enfim. “Mas

tidade e de ficcionalidade do eu. A foto-

exatamente por causa desta diferença,

grafia é um dispositivo propício à rein-

a vida de um animal, que jamais se pode

venção de papéis através do seu sistema

confundir com a de um homem, corre

de enunciação, que é o enquadramento,

paralelamente à dele. Só na morte as

e seu corte constitutivo, através das

duas linhas paralelas convergem [...]”06.

advindas da variação de luz, das possi-

Quais foram os segredos da semelhança

bilidades do trabalho sobre a escala e

do animal vivenciados com a experiên-

recriações de cenários que mimetizam a

cia de cunho ritualístico com as imagens

realidade. São, pois, características da lin-

constitutivas de Comunhão (2006)?

guagem ligadas às possibilidades do meio,

O bode morto e a interação de compa-

tanto miméticas quanto mecânicas.

nheirismo tácito e de cunho meditativo

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variações de montagens ou das mudanças

com ele apontam para o reconhecimento Porém, mais do que se encenar como outro,

de que os seres humanos precisam se

de aceitar-se como outro ou ainda aceitar

reconhecer animais para se tornarem

o outro em si, mais do que dar voz à poe-

humanos, e esta é uma postura ética que

ticidade lapidar de Rimbaud em Je est un

abraça intuitivamente a ideia atualmente

autre, Rodrigo, pela escolha de trabalhar

vigente neste campo de estudos de que

esses materiais de natureza orgânica para

o conceito de humano deve ser revisto

contextualizar essa outridade, se insere

e reconfigurado fora do domínio antro-

nesta tentativa ficcional de con(v)ivência

pocêntrico, apostando na desconstrução

com esse ser que a tradição antropoló-

da hierarquia entre as espécies, afinal a

gica vê como insondável e radicalmente

morte a todos nos une, indistintamente.

outro, apesar de o reconhecimento dele

A questão aqui não é a de conviver com

também ser nosso duplo, e de assumir

o animal (morto), que não pode revidar

para nós configurações e afetos diversos

o olhar, mas como Rodrigo, enquanto

que podem ser afetivamente tão positivos

sujeito, se constitui através do animal,

quanto negativos.

ainda que seja este um que a nossa ideia de seres urbanizados prioritariamente

Em um ensaio exemplar de 1977 inti-

rejeite, como a um porco ou um bode.

tulado Por que olhar os animais?, John

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Posteriormente em Leito (2008), no

enfim, se assemelha a uma operação de

entanto, a representação na sequência

coisificação. É um processo de distancia-

de imagens fotográficas em looping, já

mento do bicho em uma matéria amol-

denota, a meu ver, certas características

dável ao bel-prazer humano. Esta seria

de embate, de peso, assumidamente de

sem dúvida uma dimensão a ser consi-

fardo, mesmo que a ação esteja ancorada

derada na performance Negativo (2005),

na troca de um lugar que traz implícito

ela também de caráter ritual, imbuída de

conotações afetivas, como leito, proteção

uma solenidade presente na mesa coberta

e abrigo, entre ele e o porco exumado,

impecavelmente com uma toalha branca,

esse intercâmbio não se dá sem um consi-

onde a carne de origem animal, proces-

derável esforço físico. No entanto o modo

sada, moída, é manipulada pelas próprias

de exposição, em que a sequência sem

mãos do artista para adequar-se ao seu

som é vista em escala reduzida a partir de

rosto, cabeça, braços, cotovelos, peito,

uma caixa de aço de 24 cm, rebaixa o tom

como em um processo técnico escultórico

dessa ideia de força empregada.

tradicional da fabricação de um molde tridimensional, destinado a abrigar o

Anteriormente a Leito, em um (inquietante

material liquefeito que culminará com um

e instigante) vídeo denominado Vontade

resultado final em positivo. É uma pre-

(2007), há a transferência da noção simbó-

sença in absentia, uma “não-presença”.

lica de fardo para a associação com a ideia da frustração e do desejo da impossibili-

Operando também com a matéria orgâ-

dade da liberdade do alçar voo, colocando

nica constituída de pedaços de carne, em

neste caso o protagonismo em duas peque-

Ode (ao que se fode) (2007) ele trabalha

nas aves atadas entre si por um cordão,

com uma sequência de doze fotografias

onde uma delas, inerte, impede a outra de

em que pedaços de carne inicialmente

partir em pleno elã. Frustração e impotên-

dispostos como uma estrela ou uma

cia da pequena ave, ao mesmo tempo que

espécie de flor desabrochada vão sendo

nossa, já que aves em geral suscitam nossa

paulatinamente moldados até formar um

empatia; assim podemos também refletir

coração. Neste processo de (des)constru-

sobre a difícil noção de lidar com a perda

ção, a estrela/flor pode ser vista como

ou com o abandono, por exemplo, além de,

um coração esmagado, frágil como uma

concomitantemente, o artista se afirmar

piscina espelhada de pensamentos, nos

em sua vontade soberana de nos provo-

dizeres da poeta Sylvea Plath.

car, ainda que seja por um breve período de tempo.

Os animais desde sempre foram sujeitados e adorados, criados e sacrificados, e

Matar um animal, comê-lo, cozinhá-lo,

estão no Gênesis, no Antigo Testamento,

transformá-lo, mesmo domesticá-lo,

exemplos de exploração da energia

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animal. Coisificados. Como nos lembra

sobre a importância do reconhecimento

Berger, a primeira tinta foi de sangue

da fragilidade para a vida, observamos

animal, assim como o primeiro tema de

que, quando tentamos de algum modo

pintura também foi igualmente animal.

exercer um poder sobre outras pessoas,

Quem assiste por exemplo, ao filme docu-

taticamente pensamos ser melhor escon-

mental do diretor alemão Werner Herzog,

der nossas próprias fraquezas, mas usar

A Caverna dos sonhos esquecidos (2010),

o conhecimento que temos das fragili-

se depara com imagens rupestres que

dades alheias contra elas mesmas para

comprovam incontestavelmente fatos

que consigamos subjugá-las. Conquista

dessa natureza.

que no final das contas esquece que, em essência, o trabalho principal da alma e do espírito humanos é um processo con-

tornam ambígua a noção de beleza e

tínuo de luto: é o ciclo constante de lutos

horror. Sereia amplia em grande escala e

e de superações sucessivas que nos per-

torna sensual a imagem de uma lagartixa

mite receber e aceitar nossas fragilidades.

desmembrada, e Hiato mostra a muti-

Saber ganhar e saber perder. Ser alterna-

lação de um rabo, uma cauda cujas par-

tivamente caçador e presa.

27

As séries Hiato (2007) e Sereia (2007)

tes separadas, como indica o título, são colocadas linearmente, potencializando

Na série Paisagens (2008), o processo de

a falta, a separação. Ambas são imagens

três semanas de imersão em ambiente

que falam da fragilidade e da precarie-

natural incita o artista a reconfigurar o que

dade constitutiva dos seres vivos . Várias

vê. Ele observa, analisa e registra fotogra-

outras imagens remetem a essa questão

ficamente as intervenções assim efetiva-

na trajetória do artista, ao fazerem apelo

das. Às vezes sutis, às vezes mais ostensi-

ao ciclo de vida/morte e regeneração sim-

vas, sempre imaginativas, elas nos obrigam

bólica através da arte, como vemos em

a escrutá-las como enigmas e a considerar

Biomimesis (2010), Biólito (2010) e Refugo

a ação simbólica humana envolvida em

da maré baixa (2010).

busca do que se integra em um mimetismo

07

entre intervenção humana e estado natural Como aceitamos a falta, o oco, o vazio,

que se revela ambíguo e se constitui efe-

o desconhecido, o incontrolável, o impon-

tivamente como um convite que excita a

derável, o evasivo? Com dificuldade, na

imaginação para que se responda às even-

maioria das vezes. Somos culturalmente

tuais dúvidas que surgem, suscitando o

levados a negar a nossa fragilidade,

efeito de estranhamento, que se contrapõe

negligenciando o fato de que é a partir

ao efeito de real. Coloca assim em evidên-

de nossas vulnerabilidades que surgem

cia o elemento da representação, por um

nossas diversidades, nossas possibilida-

efeito de distanciação e de recuo, e a artifi-

des, nossos pontos fortes. Ao refletirmos

cialidade (a ação humana) fica evidenciada.

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Vontade (2007)

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Negativo (2005)

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Negativo (2005)

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Hiato (2007)

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Biomimesis (2010)

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Biรณlito (2010)

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Assim, em Habitat uma pele curtida de

a uma certa tradição da prática desse

couro animal (boi) se camufla estendida

meio, que foi dominante no século XX

por sobre os rochedos por onde corre um

e que consiste na caça, no encontro, no

rio; um cardume de peixes é visto, como

discernimento e no reconhecimento do

se fosse um cacho de frutas, fusionado

momento e da captação do flagrante,

com uma árvore em Samambaia; da terra

do impacto instantâneo ou da busca da

vermelha erodida, emergem, em con-

poesia de algo já existente e diluído no

traste e como em uma cascata, fios de

cotidiano. A fotografia construiu toda

peixes prateados e pescados em Fato;

uma reputação, principalmente de base

já em Magma, um amontoado grande

documental, desde quando surge, no

de ovos emerge das entranhas de uma

século XIX, até o século XX, ancorada

caverna; Segredo mostra uma árvore de

nessa visão.

cujo tronco paradoxalmente brota uma serra; Mina nos traz uma abundância de

Mas a forma de concepção iconográfica

frutos de diversas espécies e tamanhos,

que aposta na construção da cena, apesar

como se eles tivessem jorrado, emergindo

de preexistir à virada do digital, no início

de uma cavidade da terra, resultantes de

do século XXI, se viu muito beneficiada por

uma origem em comum; e finalmente em

essa mesma tecnologia, e, cedendo o lugar

Paisagem, imagem que dá título à série,

primordial da noção de rastro, do “isso foi”

no enquadramento entre duas árvores

bartheano, do índex (índice), nos aproxima-

de porte e de aparência similares, ao se

mos do que Philippe Dubois chama hoje de

observar uma delas, a viçosa com suas

imagem-ficção08. Essa postura estética que

folhas verdes, nos deparamos com uma

evidencia a construção e a mise en scène

foice pendurada e, estando esta árvore

(staged photography) aproxima a feitura

diante da outra, que por sua vez se

da fotografia daquela que é característica

encontra desnudada, ficamos a imaginar

da imagem pictórica estática, onde o pintor

uma narrativa de causa e/ou consequên-

ou mesmo o escultor, ao realizar uma com-

cia que possa explicar as duas situações

posição a partir da coleta de formas esco-

em paralelo.

lhidas, procede por uma ordenação com base em uma triagem que se aproxima do

A noção de agricultura da imagem é

conceito de montagem, em que a justapo-

muito cara ao artista, o ouvimos afirmar

sição de elementos diversos e/ou fragmen-

isto, e todo o conjunto do trabalho atesta

tos podem aludir a confrontos concretos

esse dado categoricamente. Rodrigo preza

de texturas, formas, e estar associados

a ideia de cultivo e de preparo que nela

à justaposição de montagens temporais.

está inscrito, a de que o artista que se

Uma concepção de tempo que se viu então

expressa fotograficamente crie a reali-

estendida ampliou-se para outros horizon-

dade que lhe aprouver, indo de encontro

tes, cuja maior característica é pertencer a

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todos os tempos com camadas de referên-

de águas aludem à ideia de seivas vitais;

cias geográficas e culturais e fazer caber

já em Deriva (2010), também o tronco de

neles uma impossível ou paradoxal paisa-

uma árvore coberta por águas claras e

gem. Mais uma atopia

09

do que uma utopia.

Uma zona de indeterminação.

límpidas se deixa perceber em uma imagem tirada a partir de uma perspectiva título (pedra e árvore) (2012), onde as

peixe situado em uma poça de água

texturas e a aparência do item de origem

pequena demais para seu tamanho cria

mineral se torna quase indiscernível com

um estranhamento; Terra (2008) apre-

o elemento de origem vegetal. Como

senta uma montagem com chifres e pedra

se fossem de natureza indistinta. Uma

em uma forma que desafia qualquer taxo-

imagem como essa evoca em nós as sen-

nomia; Ilha negra (2011) apresenta um

sações provenientes do toque, do gesto

belo tríptico com uma densidade de luz

de tatear.

39

aérea; ou ainda também na imagem Sem Assim vejo Ilha-lago (2009), onde um

rarefeita mergulhada na escuridão que desafia nosso olhar e emerge como mis-

O tato é o sentido que torna a visão real:

tério; Campo de espera (2011) mostra uma

permite-nos ter acesso à informação tri-

árvore onde alguns peixes foram pendura-

dimensional de corpos materiais, dando-

dos em cordas e cujo cheiro atrai urubus,

-nos informações sobre a textura, o peso,

estes pequenos abutres que, em detri-

a densidade e a temperatura. É o sentido

mento de sua importância para o ciclo de

por cujo intermédio o homem se choca

equilíbrio ecológico e do meio ambiente,

com o mundo exterior, em uma forma

evocam um imaginário tão negativo para

mais rude de conhecimento. Polemos

os seres humanos; e Decanto (2011), onde

pater panton: o conflito é o pai de todas

folhas em cores outonais de terra e folhas

as coisas, como diria Heráclito. Para além

verdes são distribuídas em uma malha

das categorias das imagens tradicionais

que lembra uma rede de pesca.

herdadas da pintura, com o gênero de paisagem, retrato, natureza morta, etc.,

Mesmo assim, com essa ênfase dada ao

e herdadas pela fotografia na sua história

cultivo da imagem, a ideia de encon-

como linguagem, algumas das imagens

tro não se ausenta por completo, como

apresentadas desafiam nossa capaci-

podemos observar em Sentinela do rio

dade em circunscrevê-las em categorias

(2010), onde nos é mostrado em desta-

do pensamento restritivas. Elas ganham

que uma estranha e sedutora forma que

em poeticidade o que perdem de clareza

se assemelha a um olho que se erige às

taxonômica. A qualidade do que é poé-

margens da água, como em um estado de

tico requer que o óbvio seja superado,

vigília, já indicado no título; e no vídeo

elevando o sensível, o biológico a um

Venoso e arterial (2013), onde encontros

outro patamar rumo ao reino das coisas

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Sereia (2007)

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Fato (2008)

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Campo de espera (2011)

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improváveis. Algo como voar fora da asa,

muitas possibilidades para esse mergulho

como diria o poeta Manoel de Barros.

que consiste em se dar o desafio, criar o problema, seu storyboard ou esquema, imaginar como resolvê-lo concretamente

nach (Suíça) em doze de agosto de 1916

e entrar em contato com as pessoas que

e intitulada Os doze sentidos e os sete

podem auxiliar nas demandas da viabili-

processos vitais, Rudolf Steiner10 apregoa

zação. Nesse estado de tensão flutuante,

a ideia de que o homem é um microcosmo

então, partir para realizá-lo efetivamente,

e relaciona-se com a vida através de sete

o que, nesse caso, na grande maioria das

âmbitos que a tudo vivificam: respiração;

vezes, exige um considerável esforço físico,

aquecimento; alimentação; segregação;

que fica patente principalmente nas ações

manutenção; crescimento; e reprodução.

registradas em vídeo, como visto em Pro-

Esses processos teriam relação com todos

visão (2009); Sal e prata e Mais do que

os doze sentidos que enumerou, relação

o necessário (ambas de 2010); Mentira

essa que, de certa forma, flui através

repetida (2011); a série de um vídeo em três

43

Em uma conferência proferida em Dor-

de todos eles, consistindo em movi-

canais Tônus 1,2,3 (2012); e De natureza

mento, relacionando-se o homem consigo

passional (2014). Cada ambiente ou situa-

mesmo, com o meio circundante e com

ção apresenta suas características sonoras,

o seu semelhante. Ao agrupar tais senti-

visuais, olfativas e táteis de intimidade,

dos, Steiner procura estabelecer a ligação

introspecção ou monumentalidade, memó-

deles com o Querer (tato, vital, equilíbrio,

ria e afetividade, o que pode ser de caráter

cinestésico), o Sentir (paladar, olfato, tér-

convidativo ou de rejeição, hospitalidade

mico, visão) e o Pensar (audição, lingua-

ou hostilidade, e demanda muita atenção

gem, perspectiva alheia, pensamento do

aos detalhes. Imagino que a importância

outro). Seriam, pois, de origem volitiva,

que Rodrigo anexa a essas etapas acima

emotiva ou intelectual.

aludidas, fala muito da necessidade de sobretudo considerá-las como fruto de

É tentador perceber em suas experiências

vivências, e não apenas como (belas) ima-

artísticas algo que evidencia e potencia-

gens estáticas ou em movimento. Talvez

liza em vários níveis essas dimensões. Se

seja a partir do que na situação se ofereça

o homem, como nos lembra Bachelard, é

mais como resistência que o artista possa

criação do desejo, e não da necessidade,

extrair da experiência um diálogo signifi-

isso objetiva de certa forma trazer à tona

cativamente mais contundente, prolífico e

algo além do mundo consciente, o lugar

profundo para ele mesmo e para os outros.

onde a chama do desejo fica em latência de modo mais profundo. O confronto direto

Apesar de a nossa percepção do mundo

com a natureza e com os desafios espa-

ser formulada por informações prove-

ciais e sonoros que lhe são intrínsecos abre

nientes dos nossos cinco sentidos mais

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alardeados (mesmo que recebidas por

ruídos que contaminam a percepção

canais diferentes), nosso ocularcentrismo

do espaço. “Onde quer que estejamos,

tende a nos fazer negligenciar aspectos

o que ouvimos é maioritariamente ruído.

outros que são pertinentes e essenciais

Quando o ignoramos, ele perturba-nos.

a este trabalho como um todo. A visão

Quando o ouvimos, achamos fascinante”,

isola enquanto o som incorpora. A visão

dizia. O ruído da paisagem sonora11 que

é direcional enquanto o som é omnidire-

nos envolve pode ser considerado um

cional. O sentido da visão implica exte-

som subjetivo, sujeito à análise humana.

rioridade, mas o som cria uma experiência

É adjetivado como indesejado ou inar-

de interioridade. Os olhos alcançam, mas

mônico e, por isso, tem uma conotação

os ouvidos recebem. A tarefa é, portanto,

negativa. Mas é algo intrínseco: mesmo

criar metáforas existenciais corporificadas

quando julgamos estar no silêncio abso-

e vividas que concretizem e estruturem o

luto, temos os sons do organismo.

nosso ser no mundo... nos permitam perceber e compreender a dialética da per-

É com toda certeza sob esta égide sim-

manência e da mudança, para nos estabe-

biótica entre sentidos e processos vitais

lecermos no mundo e para nos colocarmos

que podemos ver inúmeras obras como

no continuum da cultura e do tempo.

as tributárias da estadia nos municípios de Solidão e Tabira, no interior do sertão

Ao abordar animalidade, antroposofia,

de Pernambuco, nomeada Desejo eremita

sexualidade, medo do desconhecido, rela-

(2009):

ção entre homens e animais, reativação da economia local, seus trabalhos cons-

Junto um pouco de mim, um pouco

tituem obras artísticas que, vistas sob o

do entorno, um pouco do outro ani-

viés da Antropologia de hoje, investigam

mal (humano ou não) e rumino ima-

as íntimas conexões entre ciência, socie-

gens. Retratos de fora e de dentro

dade, cultura e política e a posição crucial

[…] Adentrei em busca de sossego,

de seus entrecruzamentos. Travessias.

de uma paisagem simbólica que não encontraria aqui onde vivo, mas aca-

John Cage (1912–1992) foi um artista

bei me deparando novamente com

compositor que trabalhou a questão do

o que já habitava meu trabalho: o

som no espaço. As suas experiências

inevitável ciclo vital ao qual todos os

numa sala à prova de sons e ecos inspi-

seres estão fadados.12

raram-no a compor 4’33”, uma peça que convida os ouvintes a escutar o silêncio

Em uma obra de 2012 Sem título (animal,

durante quatro minutos e trinta e três

vegetal, mineral), ele coloca, na mesma

segundos. Esse silêncio nunca é total, pois

linha de equivalência (a linha do hori-

as pessoas e o próprio edifício libertam

zonte) e intrinsecamente atados entre si,

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Decanto (2011)

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Sentinela do rio (2010)

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os três principais reinos naturais, o que

São todas reflexões que a meu ver

me recorda o fotógrafo Oliviero Toscani

questionam simbolicamente os limites,

com uma representação onde a imagem

as fronteiras, como vemos na série de

de órgãos vitais (coração) é indistinta

obras que compõem Os olhos cheios de

para as três raças, na imagem indicadas

terra (2018). Nelas criticamente são vis-

apenas linguisticamente, como forma a

tas algumas polaridades preestabelecidas

nos conscientizar de uma separação de

arbitrária e culturalmente (por exemplo,

viés apenas ideológico. Este amálgama

no vídeo Esquerda direita preto branco),

também se vê operatoriamente abor-

o que nos faz lembrar como categoriza-

dado no site specific De matéria mestiça

ções estanques devem ser abandonadas

(2014), onde materiais oriundos de vários

para conceder o privilégio à relação:

reinos convivem simbioticamente, assim

nenhum ser é de modo absoluto, mas,

como em outras imagens, como Broto-pe-

ao contrário, demanda a ser visto no

dra (2013), Eclosão (2014), Microcampo

contexto, sempre é com, e, desta forma,

híbrido (2013), Broto-osso (2012), Corpo

a consideração entre natureza e cultura

duro (2013), Mortalha mútua (2013) e

como reinos opostos cai por terra. Isso

Arbusto azul (2013). A obra Abrigo de pai-

implica na necessidade de revisarmos

sagem / veículo de passagem (2015) apre-

pressupostos — importado das divisões

senta um outro tipo de fusão, entre natu-

disciplinares das ciências modernas e

ral e artificial, aqui remetendo mais a um

mesmo do senso comum - a respeito

embate natureza/homem/urbe, dentro da

de onde ocorre a separação entre seres

tradição que relaciona natureza e cultura.

humanos e suas produções, isto é, a cultura - e não humanos — isto é, a natu-

No livro Desonra (1999), de J. M. Coet-

reza sejam eles animados ou inanimados

zee13, as relações entre humanos e ani-

uma vez que as redes sócio-técnicas a

mais abolem dicotomias excludentes e

tudo imbricam junto a saberes e poderes

têm a mesma complexidade das discus-

como se se constituíssem em contradi-

sões das relações entre brancos e negros,

ções concordantes.

homens e mulheres no contexto da África do Sul pós-apartheid. Já o artista Antô-

Na instalação Baía do cavalo morto

nio Dias, com a obra em forma de poesia

(2013), Rodrigo já havia se defrontado

visual The Hardest Way (1970), apresenta

com o desafio de traduzir simbolica-

as palavras GOD DOG também em uma

mente, em um novo ambiente interno, as

mesma linha de equivalência e reversi-

transmutações sofridas na paisagem de

bilidade, aludindo à tensão criador-cria-

uma determinada área urbana em Nova

tura por um viés do espelhamento e da

York. Já na ação com extensão de quatro

continuidade que funciona em ambos

horas Florão da América (2016), o pro-

os sentidos.

tagonismo paisagístico fica por conta do

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Mais do que o necessรกrio (2010)

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De natureza passional (2014)

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Desejo Eremita (2009)

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Desejo Eremita (2009)

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Desejo Eremita (2009)

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Desejo Eremita (2009)

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Desejo Eremita (2009)

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60 Sem tĂ­tulo [animal, vegetal, mineral] (2012)


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Sinais de Alam (2017)

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Sinais de Alam (2017)

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horizonte luminoso do relevo da cidade do

da temporalidade, seja ela incidente sobre

Rio de Janeiro ao fundo, sobre o qual se

seres vivos ou não, minerais ou vegetais,

sobrepõem outros horizontes em menor

assim como a ciclos geológicos, atmosfé-

escala, compostos por ilhotas rocho-

ricos, históricos e imemoriais. Moebiana-

sas, onde bandeirolas amarelas por ele

mente produzindo paisagens e sendo por

denominadas “flâmulas-chama-ouro” se

elas produzidos no nosso cotidiano. Pode-

agitam ao vento sob um céu quase sem-

ríamos enfim dizer com Mario Quintana:

pre anil: título e cores remetem ao sim-

“O passado não reconhece seu lugar, está

bolismo da bandeira e do hino nacional,

sempre presente”.

64

e por este viés, à ideia de conquista de um país e de suas fronteiras continuamente

Uma obra que muito me cativou foi Sinais

em processo.

de Alam (2017), e a escolho para encerrar este relato amoroso de natureza bartheana

Porém, é em obras como Tombo (2015) e

talvez porque perceba nela uma espécie

também Mar interior (2016), ambos site

de condensado de várias ideias que per-

specific impregnados de memória e de

meiam o trajeto de Rodrigo como um todo.

passado, que o resultado se mostra muito

A vontade profunda e intensa de integra-

efetivo, inclusive devido à monumentali-

ção com a natureza (Alam) em um nível

dade, eu creio. Em Tombo, estipes de pal-

transcendente que acomete as pessoas

meiras-imperiais são distribuídas espar-

da região do interior sul da grande ilha de

samente em uma arquitetura neoclássica;

Java, Indonésia, as faz perceber sinais na

em Mar interior, 45 pedras calcárias com

natureza que constituem forças intensas e

fósseis incrustrados repousam na bacia da

influenciam pessoas e paisagens, segundo

esplanada entre dois grandes espaços cul-

o depoimento do artista.14 Mergulho na

turais. Esses confrontos me fazem refletir

transcendência, no sagrado, no que afinal

sobre o olhar para a construção de paisa-

não entendemos: vida, morte, encontros,

gens compreendidas como espaços onde

acaso, natureza, como dito antes neste

seres humanos habitam e transmutam

texto. A vida é afinal sobre o que não se

em uma convivência entre o pragmático

sabe. “Às vezes ouço passar o vento, e só

e o simbólico. Espaços estes em contínua

de ouvir o vento passar, vale a pena ter

transformação, esta podendo ser gerada

nascido”, disse Fernando Pessoa.

inclusive por fatores humanos e não humanos, entre a necessidade de preser-

A mim pareceu um modo de viver a magia

var e derrubar (presente na ambiguidade

e ao mesmo tempo estar num plano físico,

acessada através da língua portuguesa

viver na ilusão de ambos os universos,

do próprio título em Tombo), lembran-

reinos superior e inferior, barreira entre a

do-nos inclusive que a ideia mesmo de

alma superior e o ego inferior, transitando

paisagem não pode jamais ser dissociada

de um para o outro. Morte e vida como

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BaĂ­a do cavalo morto (2013)

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dois pontos com uma linha, inquilinos do mesmo solo entre o qual há divisão tanto

01

Poeta, natural de Portugal (1988-1935).

quanto conexão.

02

Trecho do poema O cão sem plumas, escrito pelo poeta pernambucano João Cabral de

O tempo, segundo Santo Agostinho, é uma aporia, um ponto improrrogável

Melo Neto e publicado no ano de 1950. 03

entre o passado, que já não é, e o futuro, que ainda não é. Mas, quando fechamos nossos olhos, importa o que o silêncio

PAZ, Octavio. O arco e a lira. trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1956), 1982.

04

nos diz.

PESSOA, Fernando. Livro do desassossego, São Paulo: Companhia das Letras, (1997), 1999.

66

Deixemos pois que ele se espalhe.

05

E que semeie.

MACIEL, Mª Esther. Literatura e animalidade, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

E que trabalhe em nós

2016. 06

BERGER, John. Sobre o olhar, trad. Lya Luft. Barcelona: Gustavo Gili S.A., (1980) 2003, p. 13.

07

CARRIÈRE, J.- Claude. Fragilidade, trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Objetiva, (2006) 2007.

08

DUBOIS, Philippe. Da imagem-traço à imagem-ficção: o movimento das teorias da fotografia de 1980 aos nossos dias, trad. Henrique Codato e Leonardo Gomes Pereira, in Discursos fotográficos, Londrina, v.13, n.22, p.31-51, jan./jul. 2017.

09 10

MACIEL, Mª Esther. Op. Cit. p. 90. Fundador da antroposofia, da pedagogia Waldorf, da agricultura biodinâmica, da medicina antroposófica e da euritimia, Rudolf Steiner foi filósofo, educador, artista e esoterista. Ver Os doze sentidos e os sete processos vitais, ed. Antroposófica, 1997.

11

Conceito associado à Ecologia Acústica, que é o estudo da relação entre os organismos vivos e o seu ambiente sonoro, na qual Muray Schafer (compositor, escritor, professor de música e ambientalista) é a figura principal.

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12

Texto do artista em seu site.

13

J. M. Coetzee. Desonra, trad. JosĂŠ Rubens Siqueira. SĂŁo Paulo: Companhia das Letras, (1999), 2000. Texto do artista em seu site.

67

14

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Rebeka Monita

— S A L , P R ATA E OUTROS ELE MENTOS: A FOTOGRAFIA NA OBRA DE RODRIGO BRAGA


[...] os efeitos mais poderosos da arte – dobrar almas, mover pedras, humanizar animais.

DE RELAÇÕES FÍSICAS

Universidade Federal da Paraíba – UFPB, e

A crítica às vezes expressa sua insatisfa-

que se propõe a discutir o uso da fotogra-

ção diante de pesquisadores que pensam

fia na arte contemporânea, partindo dos

contemporaneamente a obra de arte a

trabalhos de Rodrigo Braga.

69

FRIEDRICH NIETZSCHE01

partir de uma linguagem. Para alguns estudiosos, não dá para analisar o traba-

Rosalind Krauss, em 1979, apontava

lho artístico contemporâneo através de

que o conceito de linguagem artística

um meio. Afinal, esse seria um caminho

tornara-se “infinitamente maleável”02.

contrário ao percurso de artistas, como é

As categorias, como escultura e pintura,

o caso de Rodrigo Braga, que indica fazer

por exemplo, foram moldadas, esticadas

algo que transpassa esses meios.

e torcidas pela crítica que acompanhava a arte americana, numa demonstração da

O fato é que, embora a fotografia con-

elasticidade dos conceitos. A condição de

centre a maior parte da poética desse

mutabilidade de significado das catego-

artista — o que pode ser constatado tanto

rias artísticas — obviamente não desvin-

no sentido da potência artística quanto na

culadas da história desses meios — gera o

predominância da linguagem na sua traje-

que Krauss chama de campo ampliado.

tória profissional —, seu trabalho, simultaneamente, aponta para uma diluição

O diálogo das artes visuais com varia-

dos limites das linguagens.

das linguagens artísticas e também com outras áreas de conhecimento — antro-

As fronteiras estão, portanto, no foco

pologia, literatura, sociologia, filosofia,

deste texto, iniciado ainda durante

só para citar alguns exemplos — confi-

meu estudo no Programa Associado de

gurava-se, de certa maneira, já no início

Mestrado em Artes Visuais da Univer-

do século XX, razão pela qual hoje é tão

sidade Federal de Pernambuco – UFPE/

difícil pensar em fronteiras rígidas nesse

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70

campo. Naquele período, os eventos

Os primeiros trabalhos de Rodrigo Braga

dadaístas e surrealistas já demonstravam

com a fotografia evidenciam bem essas

o desapego de muitos artistas em relação

relações do campo fotográfico com o

às técnicas e aos materiais tradicionais da

corpo da obra. Para a elaboração da série

arte. A pintura e a escultura eram desa-

Cartas ao vizinho (2000/2001), a fotogra-

fiadas e, ao mesmo tempo, produzidas,

fia foi utilizada primeiramente como um

dentro de um espectro mais amplo de

meio, não como uma linguagem artística.

atividades. A linguagem digital só refor-

Para a série, apresentada ao público na

çou essa tendência que reivindica cons-

primeira exposição individual dele, em

tantemente, no processo de análise das

2002, realizada no Centro Cultural de São

obras, o uso dos conceitos de mestiçagem

Francisco, em João Pessoa (PB), Braga

e hibridização.

usou a câmera fotográfica para fazer um registro dos pés dos modelos.

Esses conceitos permeiam este texto, originalmente dividido em três partes que,

Então, a partir da foto, fazia o tea-

juntas, formam um conjunto composto

trinho lá, com as pessoas, com os

por “entres”, com formato e uma escrita

pés, com o que eu queria, fotogra-

rizomática, sem lugares fixos. Um texto

fava e aí, depois, eu ia para o com-

incorporado: entranhado e com fissuras.

putador (escaneava, não é? Porque

Uma escrita que se desloca entre a aca-

era analógica), ia para o computador

demia e a informalidade, entre a história

e fazia o alto contraste e daí passava

e o relato, a ficção e a realidade e entre a

para a impressão, xerox e aí usava

carta e o ensaio.

tíner para depositar a tinta no couro e fazia toda a elaboração bem plás-

Nesse caminhar, cheguei a duas linhas de

tica (BRAGA, 2014)04.

pensamento sobre a produção fotográfica contemporânea: uma que tem como

Nessa ocasião ele utilizou a fotogra-

objeto as relações físicas desses traba-

fia como um elemento que o ajudou na

lhos; e a outra, as relações simbólicas

produção do trabalho — nos bastidores.

e experienciais. Na primeira, o que me

Observe que essa informação é algo que

interessa, valendo-me do termo usado

transpassa a obra acabada — o eis ali

na exposição Olhar e fingir: fotografias

ou, como diria Roland Barthes, o isto foi.

da coleção M + M Auer, é a “transfigura-

Isso aponta o papel importante do uso da

ção física” do registro fotográfico , sua

fotografia como ponto de partida da obra

expansão, como repertório de represen-

para pensar a expansão da linguagem.

03

tação e diálogo com outras linguagens, ou seja, a obra na sua fisicali-

O crítico de fotografia Rubens Fernandes

dade própria.

Júnior (2006) lembra que um dos níveis

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Cartas ao vizinho (2000/2001)

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Cartas ao vizinho (2000/2001)

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Unha e carne (2001)

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de intervenção artística realizados na

na arte contemporânea. Para ela, mesti-

chamada fotografia expandida tem a ver

çagem aponta um tipo de discussão que

exatamente com essa “[...] integração da

propõe pensar a mistura de elementos

fotografia em um organismo visual mais

na obra de arte que não perdem suas

complexo, combinando-a com outras

especificidades, não se fundem nem

mídias ou transferindo-a para outros

formam um novo produto. A arte mes-

suportes”05. Nessa associação aos diversos

tiça pode ser entendida como um mapa

procedimentos, a fotografia desenvolve

formado por diversos elementos no seio

também seu campo fértil de expansão.

do rizoma, aberta e conectável em variadas dimensões.

74

Ao digitalizar a imagem, a linguagem fotográfica é transformada em linguagem

Cartas ao vizinho¸ entre outros trabalhos

binária matemática, ampliando ainda

de Rodrigo, apresenta o que chamo de

mais as possibilidades de modificação e

mistura evidente de linguagens. Neles,

dos limites da linguagem. Foi nesse pro-

a fotografia é usada como mais um ele-

cesso de digitalização que surgiu Unha

mento para compor o trabalho final —

e carne (2001), primeiro trabalho de

um uso, evidentemente, que não é feito

Rodrigo Braga com resultado em foto-

de modo aleatório.

grafia. Ele decidiu manipular, através do computador, as fotografias que até

Em Sal e prata (2010), a união da foto-

então eram usadas apenas como regis-

grafia com o texto e o vídeo faz surgir um

tro e como recurso para a produção de

tempo que desconhecemos. O trabalho

Cartas ao vizinho. As imagens dos pés

foi produzido a partir de um sonho que

digitalmente modificados, que pertencem

o artista teve, em outubro de 2009, com

hoje à referida série, podem ser descritas

Dalva da Silva, funcionária que se dedi-

como parte de um processo de prolifera-

cou ao longo de vinte e cinco anos aos

ção e transversalidade de uma linguagem.

trabalhos domésticos. No sonho “Dal-

É o que Icleia Cattani (2007) fala quando

vinha”, de maneira obstinada, cavava

se observam as obras “que dão origem a

um buraco em direção às profundezas.

outras obras [...] que se abrem a outros

Ela parecia cansada, mas estava certa de

modos de expressão, a novas linguagens,

sua vontade, aparentemente sem sen-

a diferentes suportes e técnicas” , uma

tido: apenas cavar, cavar e aprofundar por

problemática interna ao conceito de mes-

tempo indefinido.

06

tiçagem na arte contemporânea. Para a produção da obra, Rodrigo Braga Cattani, que atualiza a discussão sobre

cavou — com as suas próprias mãos e

hibridização, usa o termo mestiçagem

uma colher de prata, que pegou na casa

para se referir aos cruzamentos diversos

da sua mãe — um buraco de dois metros

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Sal e Prata (2010)

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Sal e Prata (2010)

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Sal e Prata [carta] (2010)

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e quarenta centímetros de profundidade.

O trabalho, que fez parte da exposição

Esse ato, que durou quinze dias, no quintal

individual de Braga (Paisagens) reali-

do seu ateliê que ficava no bairro de Casa

zada em 2008 na Galeria Amparo 60, no

Forte, no Recife, simbolizou a dedicação

Recife, é composto por um objeto — for-

da empregada, que ele conhece desde os

mado por uma caixa de aço (24 x 24 x 24

seus oito anos de idade. Ao cavar, Braga

cm), uma lente (100 mm) e um monitor

assume, simbolicamente, o lugar que ela

(7 pol) —, que reproduz um vídeo em

ocupava no sonho e em sua casa, onde

preto e branco (1’30”), constituído por

levou uma vida de esforço, repetição, tra-

uma sequência de fotografias em looping,

balho, força, isolamento e fuga.

que mostram o artista desenterrando

80

um porco e colocando-se no lugar dele. Sem o vídeo, não teríamos conhecimento

Uma variedade de meios e suportes que

da performance. Cada elemento mos-

possibilita que o artista circunscreva sua

tra uma sequência: o texto, que relata o

obra numa zona diferenciada, estetica-

sonho, faz parte do antes — um momento

mente fora de um compartimento.

anterior, mas já em processo; o vídeo é o próprio processo reduzido — uma ação de

Dito de outro modo, a fotografia foi usada

quinze dias apresentada em nove minu-

nessa obra não apenas como mais um

tos; e a fotografia, o depois, o último ins-

elemento, já que a obra consiste principal-

tante antes da devolução final — a colher

mente nessa exibição das imagens. Ou seja,

foi enterrada naquele buraco fundo.

diferentemente de Sal e prata — cuja obra se divide em três linguagens igualmente

De acordo com Charlotte Cotton (2010),

relevantes —, em Leito a “caixa fotocine-

a fotografia contemporânea é usada de

matográfica” é a linguagem central, um

diversas maneiras nas artes visuais, inclu-

produto mais híbrido, conceito que indica,

sive “[...] como ingrediente que pode

como bem pontuou Néstor García Can-

tanto intencionalmente romper como

clini (2008), em Culturas híbridas, uma

consolidar a narrativa geral de uma ins-

combinação de diversas partes para a

talação ou obra de arte”07. Em Sal e prata

formação de um novo elemento que nada

posso dizer sinteticamente que a fotogra-

tem a ver com a ideia de esterilidade que

fia contribui com o princípio de narrativi-

costuma ser associada ao termo. Afinal,

dade do trabalho, fortalecido, principal-

conforme Canclini, “Não há por que ficar

mente, com a presença do texto.

cativo da dinâmica biológica da qual toma um conceito”08. Nesse sentido, esse fato

Outras obras têm uma evidente mistura

não impede de pensar que há, também em

de linguagens. É o caso de Leito, produ-

Leito, mesmo na hibridização, uma tensão

zida em 2008, no município de Glória

constante entre o vídeo, a fotografia e o

do Goitá, a cerca de 70 km do Recife.

próprio objeto.

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Na sequência fotográfica, o tempo

existência do artista. Menos objetivas,

de observação da imagem é esten-

expandem-se no espaço expositivo não

dido, dilatado, entre as várias imagens.

só conceitualmente, mas plasticamente.

Uma sequência que faz com que o espec-

Projetadas para além do papel fotográfico

tador confunda fotografia com vídeo.

bidimensional, interagem também com

É a diversidade de propostas sensoriais,

o âmbito pessoal e imagético próprio da

como diria Paulo Herkenhoff (2008)09,

imagem fotográfica.

alterando o funcionamento lógico das coisas, seja na forma (fotos transforma-

De um modo geral, o confundir-se da

das em escultura), na utilidade (foto que

fotografia na arte contemporânea se

agora é vídeo) ou no tempo (dilatado).

divide em dois grandes blocos. No pricomo mais um recurso para os artistas

— mudo —, o público tem dúvida se são

visuais. Nesse caso, ela é agregada como

fotografias com aspecto de vídeo ou se

um elemento de formação ou composição

são frames de um vídeo. O que importa?

da obra. É o caso de Sal e prata, Cartas

É impossível separar as fotografias de

ao vizinho e, em certa medida, Leito,

leito do seu vídeo e, como um rizoma não

obras onde a fotografia, em conjunto

é possível nem se quer saber onde surgiu

com outros meios de expressão, torna-se

a primeira raiz. Essa relação foto-vídeo

somente uma frase ou uma palavra em

da obra ainda é reforçada pela separa-

meio a manifestação, apenas mais um

ção entre o observador e o objeto que

elemento capaz de atender à demanda

lembra uma caixa de TV, ou a dimensão

do artista.

81

meiro, a fotografia pode ser pensada Na ilusão do movimento cinematográfico

escultórica da obra. O artista parece ter ficado preso na caixa; o espectador está

Por outro lado, a fotografia também pode

do lado de fora, como um voyeur obser-

ser usada em sua autonomia de gênero

vando pelo orifício da câmera. A fotogra-

artístico. Afinal, a fotografia, com suas

fia, que agora é cinema e objeto, é bi e

especificidades, não é uma linguagem em

tridimensional, — plana e objetiva, mas

extinção na arte. Ela pode participar da

expande-se pelo espaço tridimensional da

arte também como linguagem específica

instalação. Leito tem explicitamente o que

que é construída sob um modo de fazer

o curador Eder Chiodetto chama de uma

contemporâneo. Falo aqui de obras cujo

das principais marcas da Geração 00, que

resultado final é visto especificamente

é essa capacidade de “[...] mesclar e con-

em fotografias, embora certamente

fundir os limites entre linguagens”10.

não tenham sido produzidas isoladas de outros campos. Em obras como Ilha-

As fotografias que formam essa obra

-lago (2009), Arbusto azul (2013), Mor-

se diluem entre o olhar, o corpo e a

talha mútua (2013) e tantas outras que

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compuseram a Exposição Agricultura da

Em Comunhão (2006) —, obra exposta

Imagem , é possível identificar relações

pela primeira vez no Projeto Portifólio

com a pintura. É o contraste das cores

Itinerante, realizado no Instituto Itaú

previamente planejado, a natureza pai-

Cultural, em São Paulo (2006) —, essa

sagística das imagens, é a referência

tensão pode ser percebida pela rela-

cromática de natureza-morta, consciente

ção fotografia-performance, que se faz

ou não, em Ilha-lago, apresentando o

presente no registro, no congelamento

peixe como figura central em uma das

dos instantes das ações de Braga com

duas cores principais que compõem a

o bode — deitado, enterrado e no leito

11

cena, com o uso reduzido de elementos e

de capim. É a fotografia em seu aspecto

a formação de uma moldura, através das

performativo desvelando tensões.

82

plantas. É a influência da pintura, como conscientemente pontuou Braga:

Para a produção de Comunhão — trabalho que, em conjunto com a obra Hiato

A pintura é muito fundamental pra

(2007), deu a Braga o prêmio do 62º

mim até hoje. Eu terminei meu último

Salão Paranaense de Artes Plásticas, pro-

trabalho anteontem [Arbusto Azul] e

movido pelo Museu de Arte Contemporâ-

eu me via um pintor clássico, embora

nea do Paraná — Rodrigo Braga preesta-

eu não estivesse com tinta nem cava-

beleceu as três cenas que seriam expostas

lete. No cavalete, no tripé, estava a

nas imagens. Para isso, ele foi várias

câmera. Mas eu ia o tempo todo entre

vezes a Glória do Goitá, mesma cidade

o visor da câmera e o objeto que eu

onde a obra Leito foi produzida.

estava construindo. E era um objeto escultórico também [...] a fotografia

Em campo, o artista contou com o auxí-

me dá coisas que eu não consigo com

lio de três pessoas para cavar o buraco,

a pintura. Eu nunca deixei de pin-

carregar o bode e a ajudá-lo a registrar

tar porque, em parte, eu adorava a

as ações. Braga costuma fazer uma espé-

manufatura da pintura, eu saí disso,

cie de roteiro para seus trabalhos — uma

eu saí, eu digo “eu nasci” disso, o

sequência de desenhos. São planeja-

desenho, a pintura, tem que ter for-

mentos de cenas que parecem, à pri-

mação mesmo assim12.

meira vista, engessar a ação performática. Todavia, suas ações aproximam-se

A fotografia na arte contemporânea pro-

mais de um ritual do que uma simples

blematiza fronteiras rígidas dos campos

ação pontual.

disciplinares. Mesmo as obras finalizadas em fotografias parecem viver numa

Rodrigo Braga prefere não colocar ato-

constante tensão com outras linguagens,

res para a produção dos seus trabalhos,

demonstrando as diluições de fronteiras.

tampouco representar como um ator.

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Leito (2008)

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Ilha Lago (2009)

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Mortalha MĂştua (2013)

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Arbusto Azul (2013)

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Além disso, prefere realizar as ações

processos pós-modernos exercidos pelo

performáticas sem a presença do público

sujeito/artista, nas fronteiras entre a lin-

— a única exceção foi a performance

guagem fotográfica e/ou videográfica e

Negativo, que ocorreu para o público

a performática, como também entre as

do Museu do Estado de Pernambuco

bordas da obra de arte e o registro da

– Mepe, em 2004. Com a inserção sig-

experiência do artista.

92

nificativa de fotografias de performances nos espaços museológicos, atuando

Tomo a palavra pós-moderno valendo-

como a própria obra de arte, a presença

-me das ideias de Lyotard, que considera

do público durante a ação performática

sociedade pós-moderna o “[...] estado

foi prescindida. O fato é que as perfor-

da cultura após as transformações que

mances e ações escapam de qualquer

afetaram as regras dos jogos da ciência,

definição exata e simples e Braga está ali

da literatura e das artes a partir do final

passando por uma experiência que ele se

do século XIX”14 com a incredulidade dos

deu a meta de passar. Algo, sem dúvida,

metarrelatos. Cenário provocador do

que fica mais evidente nos trabalhos que

requestionamento das delimitações dos

envolvem vídeos ou sequências fotográ-

campos e das disciplinas clássicas, que dá

ficas maiores, como é o caso de Leito,

lugar “a uma rede imanente [...] de inves-

em que o público consegue visualizar

tigações cujas respectivas fronteiras não

mais objetivamente a ação performática

cessam de se deslocar”15. Usando o con-

do artista.

ceito no campo das artes, em suma, penso nos rearranjos das linguagens tidas antes

Sobre a relação fotografia-performance,

como independentes e também na relação

o professor e curador Tadeu Chiarelli

sujeito/objeto arte/vida.

disse há muito que “Os autores das fotografias contaminadas são fundamental-

DE RELAÇÕES SIMBÓLICAS

mente performers”13 e nesse sentido não

E EXPERIENCIAIS

são vistos como fotógrafos, mas como

Após compreender o processo de diluição

artistas que manipulam o processo e o

das especificidades físicas das lingua-

registro fotográfico e os contaminam

gens artísticas —, mesmo em obras que

com sentidos e com práticas. A obra de

fisicamente se fazem fotográficas —,

Rodrigo Braga, seja ela finalizada com

percebo que há algo nelas que se esconde

fotografia ou outra linguagem, perpassa

por entre o som das palavras, algo que

pela experiência corporal do artista na

não possui enlace possível com qual-

produção do trabalho — algo que se

quer linguagem.

situa no limite entre a arte e a vida — e é feita sob o campo da performance. Seus

Philippe Dubois explica que na fotogra-

trabalhos operam, como reflexos dos

fia há “signos por conexão física” que

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atestam a existência de algo a nossos

relações de troca, mas a cada vez por

olhos, mas que não explicam o sentido do

razões intrínsecas. É em função de sua

que está ali representado — índices, que

evolução própria que elas percutem uma

“[...] nada nos diz sobre o sentido dessa

na outra”17. Ele considera essas três áreas

representação” .

como espécies de “linhas melódicas” que,

16

mesmo sendo estranhas umas às outras, Segundo Dubois, toda fotografia é, antes

não prescindem de interferência entre si.

uma relação de semelhança, quando ela

Ao pensar nas possíveis relações simbó-

se torna parecida com (ícone) e adquire

licas da produção fotográfica de Rodrigo

sentido (símbolo). As relações simbólicas

Braga, percebo, em trabalhos como

da imagem fotográfica podem ser compa-

Comunhão, que a fotografia se expande

radas ao que os historiadores costumam

não apenas ao se apresentar imbricada

chamar de imaginário, algo que diz res-

com a performance, mas também nessas

peito às representações de uma socie-

relações de ressonância que a linguagem

dade, às ideias que determinado grupo

artística estabelece com outras áreas de

tem sobre morte, corpo, futuro, vida,

conhecimento — um amálgama na arte.

93

de tudo, índice. Depois, ela se define por

Deus, mulher... Algo que, sobretudo, diz respeito — partindo do significado his-

E, nesse sentido, defendo que pensar a

toriográfico mais comum de iconografia

simbiose dessa fotografia com outros

—, aos aspectos que incluem as ques-

organismos que formam a esfera cultural

tões artísticas e o imaginário por trás de

leva à reflexão sobre os motivos gerado-

cada trabalho.

res da obra que, como bem disse Marcelo Coutinho, continuam ali inquietos, “[...]

A fotografia artística contemporânea

na vastidão do seu silêncio, a proliferar

incita o espectador a tentar decifrar seus

brasas e perguntas”18. Falo de atravessa-

códigos e sua simbologia, desvelando a

mentos que não promovem a fusão (afi-

relação da arte com outros campos do

nal, as especificidades dos elementos —

saber, como a filosofia, por exemplo.

arte e filosofia — são preservadas), mas

Imbricadas com outras linguagens e áreas

geram questionamentos.

de conhecimento, muitas vezes, essas fotografias não são de fácil leitura.

É o pesquisador Eduardo Jorge quem considera — ao tecer uma análise sobre

Deleuze afirma, ao falar sobre as seme-

Comunhão I — que simbolicamente essa

lhanças “extraordinárias” entre os cria-

imagem sugere a conciliação entre o

dores científicos e cinematográficos, que

corpo do ser humano e do animal. Esten-

“a filosofia, a arte e a ciência entram

dendo a observação para as três imagens

em relações de ressonância mútua e em

que compõem a referida série, considero,

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além disso, que Comunhão problematiza

Após a ação, Rodrigo Braga doou o ani-

o distanciamento e as diferenças entre os

mal ao mesmo comerciante que o vendeu

seres, chamando a atenção para a relação

(naquele dia e lugar, outros seis bodes

hierárquica que o homem exerce sobre os

foram abatidos). Sobre o bode usado na

animais, como fala Rodrigo Braga no tre-

produção do trabalho, o artista escla-

cho abaixo.

rece: “Eu sequer mandei matar o animal, eu aguardei matar”20 — ainda assim, uma

O fato de eu estar vivo e de ele estar

escolha possível — uma relação de poder.

98

morto existe, [...], embora a imagem seja muito confluente, bela. É comu-

No início da pesquisa, eu acreditava que

nhão, mas uma coisa meio hierár-

a morte era um dos temas dos trabalhos

quica [...]. Foi um animal de abate,

de Rodrigo Braga. Hoje, percebo que se

que o homem matou. Como domina

separarmos esse assunto de outros, essa

a natureza, mata a natureza e tira

premissa não é falsa, mas se, ao con-

dela o que ele precisa19.

trário, não estabelecermos divisões nos discursos do artista, podemos perceber

A série trata da tensão — encontro/

que a morte, como a animalidade, faz

desencontro — entre os viventes. Mostra

parte da discussão sobre a existência dos

a animalidade do ser humano — sintonia

seres. Todos os seres acabam em morte.

e confluência com o bode —, e paralelamente expõe a condição “humana, dema-

A morte — em Leito, representada pela

siado humana” de Braga, uma consequên-

cova; em Comunhão, por corpos que

cia dos questionamentos sobre a origem

parecem estar em um ritual de sepul-

do animal. Quem matou o bode? Como ele

tamento e pelo desejo de findar junto

foi parar ali?

— proporcionou uma maior aproximação das linhas que separam o ser humano e

Rodrigo Braga comprou o bicho em uma

o animal.

feira de abate. Entre os bodes vivos, ele escolheu um bode velho, que tinha

É na morte, ou em sua eminên-

as características (pelo espesso e chi-

cia, que talvez o homem expe-

fres grandes) que achava importantes

rimente mais radicalmente sua

para o trabalho. Braga então solicitou

condição existencial animal. O

ao comerciante que, após o abate, dei-

desdobramento da produção de

xasse aquele animal reservado para

Rodrigo Braga é perpassado pela

ele. É dessa condição hierárquica que o

intencionalidade de superar todas

artista fala. O homem domina a natu-

as fronteiras do animal/homem,

reza, mata a natureza e tira dela o que

em todas as etapas da experiência

ele precisa.

do sujeito21.

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Para o filósofo inglês John Berger, só a morte

questionamentos sobre o que realmente

é capaz disso. Em Animais como metáforas,

significa ser humano, há um outro não

ele diz que o silêncio do animal é o respon-

menos importante. Tanto em Comunhão

sável por torná-lo diferente do humano,

quanto em Leito, Rodrigo executou as

“É somente devido a essa distinção, con-

ações despido. Em ambos os trabalhos,

tudo, que a vida de um animal, nunca a ser

a nudez do artista — mesmo quando

confundida com a de um homem, pode ser

não diretamente vista —, se não revela

considerada paralela à deste” . Em outras

de maneira convincente uma harmonia

palavras, Berger, apoiando-se na filosofia e

entre os seres, mostra ao menos o desejo

em uma narrativa da Antiguidade, diz que

de conciliação.

22

homem e o animal os torna diferentes um do

No esforço por um encontro, ele se coloca

outro. A morte, portanto, silencia os seres e

em situação de igualdade com os animais.

evidencia suas semelhanças.

Abraça o bode, enterra-se no lugar de um

99

a falta de uma linguagem comum entre o

bicho ou com um bicho. O corpo a corpo, Em suas obras, Braga reforça, através

exposto de maneira literal (homem encos-

das sequências das imagens, que a morte

tando sua cabeça na do animal) ou não,

faz parte do ciclo da vida. Em Comunhão

revela um homem imerso na vida animal,

I, a terra úmida, aquela que faz brotar,

no leito da morte. Em Comunhão II, eles

é a mesma que enterra. Na imagem sub-

parecem descansar em paz, uma espécie

sequente, o posicionamento do corpo do

de recato pensativo, algo comum entre

artista e do bode gera um desenho oval

os humanos. Parece também exausto,

que faz lembrar um esquema cíclico —

por uma luta travada que não é física,

o ciclo biológico dos seres: vida e morte,

no sentido de contato, mas que provoca a

transformação da matéria. Em Comunhão

exaustão do corpo/mente.

III, o leito de braquiária — nome do mato que aparece nas imagens — acentua esse

Essa tensão se faz presente também em

ciclo que acaba em morte e que recomeça

Fantasia de compensação, uma obra que

todos os dias, como a grama viva e a

trata, de maneira evidente, da capaci-

vegetação no primeiro e terceiro plano da

dade especulativa da manipulação digital,

imagem. Em Leito, essa realidade se faz

mas metaforicamente tensiona os limites

presente com o enterro de quem estava

entre os seres humanos e os não huma-

vivo no começo do vídeo — vida e morte,

nos. Afinal, o que é aquilo? As linhas

humano e animal: o sistema inclusivo de

que separam as partes do cachorro e

opostos que configura a arte mestiça.

do homem são, observe na imagem, de certo modo difusas. São linhas que desor-

Entre esses simbolismos, usados pelo

ganizam a função essencializante de

artista para traduzir para imagem

um contorno.

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Fantasia da compensação (2004)

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Estaria Braga imitando um animal? Cer-

desconhecido. Parece saber que, no pro-

tamente não. O jovem artista, outrora

cesso de devir, é preciso desaparecer,

acometido por fobia social, incorpora

como falou Deleuze. Rodrigo Braga

simbolicamente e de maneira experien-

diferencia-se de si mesmo e propõe

cial a força do rottweiler (por que não a

o seu reencontro, e o do mundo, com

do porco ou a do bode também?). Ele não

a natureza.

nem homem. Não há imitação, o homem

Seus trabalhos expõem de forma intensa

aqui não opera por semelhança. A figura

a animalidade, ou seja, são encontros

humana se desfaz através de uma cirur-

que nos fazem lembrar o quão somos

gia simbólica e, a meu ver, partindo das

animais. Um reencontro para fazer notar

ideias de Deleuze, essas operações são

que a gente está muito mais próximo dos

“[...] antes, um encontro entre dois rei-

animais do que parece e de que a vida

nos, um curto-circuito, uma captura de

e a morte estão implicadas na gente e

código onde cada um [bode, cão, porco,

no bicho.

homem] se desterritorializa”

23

101

vira cachorro nem homo cão nem bicho

em um

processo de metamorfose, aumento de

Mas o que é precisamente um encontro?

valência, devir.

Deleuze respondeu Parnet: “Será um encontro com alguém, ou com animais

As relações simbólicas e experienciais se

que vêm povoá-los, ou com ideias que os

misturam aqui. Simbolicamente, como

invadem, com movimentos que os como-

dito, o artista incorpora o animal, toma

vem, sons que os atravessam?”25. A meu

sua força e energia e, nesse ritual, tam-

ver, os encontros de Braga com o bode e

bém incorpora a imagem do bicho forte.

com o porco foram físicos e no plano das

No processo de caça de si, traduzido pelo

ideias e movimentos em torno da vida.

interesse do artista por temas existenciais, Braga vai em direção à sua diferença

Parto de Deleuze então para pensar que

— indivíduo morto, animal não humano,

é na captura dos movimentos filosó-

traidor de seu reino, de sua vida. São

ficos que Rodrigo Braga cria obras de

linhas de fuga, movimentos de desterri-

arte que implicam em questões exis-

torialização, criadores de devir — devir-

tenciais. Na busca de si, Braga trata de

-bode, devir-porco e, por que não? devir-

elementos existenciais comuns ao ser

-criança, no qual o porco e o bode eram a

humano contemporâneo e possibilita a

mãe; e o artista, “[...] a criança desespe-

sua visualização plástica, especialmente

rada diante da mãe morta”24.

através da imagem fotográfica — isso é o que Eduardo Jorge chama de oscilação

Em Fantasia de compensação, o artista

entre a metáfora e a metamorfose. São

perde seu rosto, sua identidade, torna-se

obras que, ao ganhar contornos mais

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filosóficos, expandem a malha do fazer

“sangrar interiormente”, como disse nova-

fotográfico para um campo mais subje-

mente Didi-Huberman ao falar do que

tivo e permeável.

Bataille chama de experiência-interior.

É nesse sentido que o texto aqui apresen-

Esse assunto me trouxe à memória uma

tado foi nutrido também, durante o pro-

carta que enviei a Marcelo Coutinho,

cesso de pesquisa, de relações experien-

como requisito para avaliação da dis-

ciais, pois não trata, como dizem Deleuze

ciplina que cursei no mestrado durante

e Guatarri, de se apropriar de devires “[...]

o processo de desenvolvimento deste

para caçá-los e reduzi-los a relações de

estudo. Para uma melhor compreen-

correspondência totêmica ou simbólica”26.

são do que se trata, opto por expor a

Embora nunca tenhamos a dimensão

carta na íntegra, mesmo que alguns

exata da experiência de Rodrigo Braga, a

dados ou observações já tenham sido

experiência dele nos atinge.

aqui elencados.

Mas como contemplar neste texto o hiato entre a experiência do artista e a minha, como pesquisadora e espectadora? O trabalho de Braga é atravessado por essa experiência-limite. Porém, é preciso entender que diante dos olhos, como diz Georges Didi-Huberman, a imagem permanecerá irredutível: Nem o saber (como pensam muitos historiadores) nem o conceito (como pensam muitos filósofos) a apreenderão, a subsumirão, a resolverão ou redimirão. A imagem é uma passante. Nós devemos seguir seu movimento sempre que possível, mas devemos igualmente aceitar que jamais a possuímos completamente27.

Falo do movimento entre o símbolo e a experiência, uma experiência que, embora diferente da do artista, é capaz de causar inquietação e “de nos abrir”, de nos fazer

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Olinda, 17 de janeiro de 2014. Querido professor Marcelo, Como vai? Como passou o fim de ano? Espero que tudo tenha corrido bem. Soube na Universidade que as aulas da graduação ainda não acabaram e que você, apesar do término dos nossos encontros no mestrado, não teve férias. Lamento por isso. Espero que mesmo assim tenha conseguido descansar e encontrado os momentos de silêncio de que tanto precisa —

Como andam as coisas em São Serafim? Muitas frutas neste verão? Como estão os animais humanos? E os não humanos? Estão

103

momentos estes que certamente nos reconectam com a natureza.

bem? Espero que sim. Marcelo, a distinção acima não foi feita à toa. Meus devaneios e errâncias no mundo poético de Rodrigo Braga têm me levado a pensar nas semelhanças e diferenças entre os viventes humanos e os viventes animais. Mas você acredita mesmo nessa diferença? Eu acredito. Afinal, sou diferente de um bode. Sem dúvida ele é mais forte, mais bravo e mais peludo do que eu. Não utilizamos a mesma linguagem, certo? E ele, como animal não humano, tem uma capacidade admirável de respeitar seus instintos. Entretanto, isso não significa dizer que há uma barreira alta e bem definida entre os bichos e a gente. Afinal, tenho amigos (humanos) que também são mais fortes, mais peludos, mais bravos e possuem uma linguagem diferente da minha. Comparo os limites que nos separam a uma névoa, esta que se faz tão presente hoje nas linguagens artísticas contemporâneas. Falo aqui então de zonas tênues, mestiças. Você deve ter notado que junto à carta mandei um outro envelope. Nele há imagens de um trabalho de Braga: Comunhão, uma série fotográfica. Gosto muito dessa série e, desde o início da pesquisa, queria estudá-la. Porém, perdi muito

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tempo tentando justificar essa escolha, pois a tradicional academia e a minha insistente racionalização não aceitariam como resposta: “Entrou porque eu gosto!”. Pensei então estudar as obras premiadas de Braga, as obras produzidas a partir de 2000 ou mesmo estudar todas as séries do artista, qualquer coisa que possibilitasse a inclusão das obras que mais gosto no meu trabalho. Desejava mesmo partir da seguinte pergunta: por que gosto desses trabalhos? Mas eu mesma policiava meus afetos. Eu nem sabia por que gostava, só descobri no processo de pesquisa para a criação do

104

presente texto. Enfim, venho aqui falar sobre isso também. Comunhão é uma obra que foi produzida em 2006, no sítio do artista Márcio Almeida (certamente você o conhece), em Glória do Goitá - PE. Nessa obra, Braga redimensiona a ideia de oposição entre natureza e cultura. Ele propõe o reencontro dos seres com a natureza. Rodrigo Braga, e agora eu, fala de reencontro porque, em algum momento, houve uma separação dos seres. A filosofia diz que o que torna o homem diferente do animal é a linguagem. Entretanto, embora seja evidente a demarcação entre esses seres, Rodrigo Braga me fez lembrar que a linguagem nos faz diferentes, mas não completamente separados dos animais. Inclusive, andei pensando: há várias pessoas que são capazes de compreender a linguagem dos animais, não é verdade? Uns dizem até que compreendem melhor os não humanos e reclamam de não se sentirem compreendidos pelos da mesma espécie. Rodrigo Braga nunca me afirmou isso, mas já li entrevistas suas que falam de ter sentido, em um momento, fobia social. Não seria esta uma espécie de não compreensão momentânea do humano, ou ao menos de alguns humanos, por parte de um outro humano? Percebo que em alguns momentos poderíamos substituir a palavra humanidade por animalidade — pensando a animalidade no sentido mais pejorativo que o humano foi capaz de pensar —, e, nesse sentido, a humanidade seria apenas outro lado da animalidade.

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Desculpe-me pela confusão! É que esta reflexão, Marcelo, é feita em um momento bastante confuso da minha vida. Estou, como dizem as pessoas por aí, no “olho do buraco”, no “olho do furacão”. Certamente, os problemas pessoais, os rompimentos, as afetações e os medos fazem de mim a pessoa mais confusa do momento. A angústia está em evidência na minha vida e não tenho como separá-la da pesquisa. Aliás, no momento não está fácil separar coisa alguma. Mas há uma separação que tem causado angústias ainda maiores. Conheço várias pessoas que falam da importância de o ser inclusive, que não posso me esquecer da razão, que preciso usá-la. Com certa dificuldade, após um semestre intenso de

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humano ser mais racional do que emocional. Há quem me lembre,

aulas, tento não hierarquizar, ao menos academicamente, esses opostos. Isso se reflete no formato da dissertação, que expõe, a partir da obra de Rodrigo Braga, questões, dúvidas e angústias minhas. As palavras de Oriana Duarte fazem sentido aqui, nesta carta, onde “deslizam variadas narrativas e contextos dos quais emergem expressões e referenciais de diversas áreas de conhecimento, ou melhor, de tantas formas de pensar e agir”28. A partir daqui, não apresentarei a obra de Braga, mas a recriarei. Isto é aceitação de opostos, razão e emoção em um só corpo. Por isso não vou privilegiar o conteúdo em relação à forma e buscarei estreitar a distância entre o dito e o vivido. Tentarei uma escrita que seja reflexão e ação ao mesmo tempo. Razão e emoção em um só corpo. Entretanto, Marcelo, paradoxalmente, algumas situações me fazem castrar fortemente a emoção, uma espécie de disciplina contra o corpo, na qual coloco em casas separadas o sentir e o pensar. Uso algumas das estratégias ascéticas de combate aos afetos que Nietzsche enumerou, deixando “[...] os desejos se enfraquecerem através da sua não satisfação por longos períodos de tempo[...] e desloco as forças do corpo para outras direções, para o trabalho, por exemplo”29.

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Em outro momento, te falei que escrever é, para mim, exorcizar. Desde muito nova, percebia que, por meio da escrita, exorcizava alguns demônios. Muitas vezes, ao me desentender com alguém, discutia a relação por meio de uma carta. Irritados, não conseguíamos conversar. Então eu me isolava e escrevia. Aliviada, deixava a conversa fluir. Através da escrita, eu coloco meus pensamentos em ordem, como você, que em algum momento, me falou isso. Desculpe-me se minha fala está longa e cansativa. Geralmente falo assim, sem parar, parece até que sem respirar. Sei que

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preciso urgentemente me reconectar, tenho pensado no assunto. Mas, no presente texto, tentarei me castrar o menos possível. Como falo exatamente do policiamento de afetos, considero que este não seja o melhor momento para castrar nem a minha tagarelice. É Bataille quem nos fala sobre a violência que o ser humano sofre ao castrar emoções. Atitudes que submetem as emoções em favor da mente causam um desequilíbrio no ser. Uma paixão, por exemplo, é capaz de provocar angústias, mas controlá-la não garante o fim das angústias; ao contrário, as intensifica, pois os afetos pertencem à constituição estrutural do existir. Isto é, a angústia e a solidão fazem parte do ser, são sensações violentas, mas necessárias, pois é através delas que cada um pode descobrir coisas surpreendentes de si. Qualquer tática evasiva de supressão de uma das partes do corpo provoca danos. Para escapar desses danos, diz Bataille, transgredimos, usamos estratégias. Como disse anteriormente, eu tenho as minhas. A arte é uma delas. A arte preenche um vazio e também aumenta o buraco — um paradoxo, não? Comunhão, é para mim um trabalho que se encontra entre as fronteiras da tática de fuga e o momento soberano. Primeiro fujo e intensifico minha relação com essa obra, daí deixo a angústia me consumir e transformo a dor em vigor — meu momento soberano. Diante das reflexões angustiantes a que Comunhão me expõe, compreendi

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que não é à toa que algumas obras de arte nos deixam estupefatos — esse trabalho de Braga me deixa assim. Comunhão é, para mim, a incorporação da ideia de não separação entre natureza e cultura, razão e emoção. Ora, há questões comuns que perpassam por mim e pela obra, atravessamentos. Certamente isso acontece porque eu, a partir do meu contexto, da minha história, da minha subjetividade, a recrio. Afinal, não sou capaz de pensar/ver esta obra apenas com cabeça/olhos alheios. Estes me trazem perspectivas sobre ela, que, misturadas a outras ideias – outros atravessamentos cartografias sentimentais:

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–, permitem-me recriá-la. Suely Rolnilk fala disso nas suas

As citações nem sempre são literais; muitas vezes consistem numa evocação de ideias alheias que sofreram transformações ao se incorporarem à elaboração e ao estilo do presente texto [...]. Em alguns casos, os estrangeiros se transformaram tanto no processo de elaboração da cartografia, misturaram-se e diluíram-se a tal ponto, que sequer são detectáveis30 Enfim, agora entendi por que sou apaixonada por esse trabalho (a paixão deve estar presente na pesquisa, não acha?). Comunhão parece-me que fala em resolução de conflitos do ser, isto é, dos meus conflitos — não de maneira pacífica. Na angustiante/apaixonante série, Braga coloca em evidência sensações opostas do ser humano: humano-animal. Parece-me que, transformando sua própria dor — metamorfose produzida pela angústia —, ele nos convida a comungar desses opostos, aceitando-os, convidando-nos a não controlar nossos afetos, instintos, pulsões, emoções, razões, animalidade. Através da morte, do sacrifício do bode, Braga parece libertar- se de um mal-estar — afinal, com a morte a linguagem humana não esbarra mais no seu limite. Diante

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dela e do silêncio que nos resta, somos empurrados de volta à nossa condição animal. Humano e animal em um só corpo. Observe que ele faz isso através da linguagem artística — outro paradoxo, mas que não será debatido aqui. Em Comunhão, encontro o equilíbrio do ser humano — não é um equilíbrio passivo, sem caos, sem angústias, mas sem sobrepor a emoção à razão ou vice-versa. Razão e emoção! Razão na escolha do bode, nesse processo contraditoriamente hierárquico — Braga escolheu um entre os bodes criados para o abate. Emoção no que se refere às questões orgânicas do trabalho

108

— Rodrigo Braga abraçou o bode, sentiu seu cheiro (o de enxofre – como ele mesmo disse —, belzebu. Exorcizou-se com o próprio bode), sentiu também a temperatura do animal, quente, na terra fria. Rodrigo Braga sentiu-se pertencer à natureza e nos convidou a isso, mesmo em situação de domínio, posição racionalmente hierárquica. Razão e emoção juntas, em um só corpo. Comunhão põe em xeque, por meio do corpo do artista e da fotografia, a relação do sujeito com a natureza. É um trabalho que desvela o ser no mundo e a consciência de sua própria condição. Trabalho de dentro para fora, e o contrário também, visceral, orgânico. Nas imagens, o corpo de Braga é também espírito, um espírito animal, o espírito animal do homem. Que tal um espírito-bode? Rodrigo Braga fez ali um movimento contrário e não permitiu o desmanchamento dos seus afetos, deixou-se, sem resistência, levar por seus impulsos animais — é a realidade do devir. A imagem mostra Rodrigo diferindo de si mesmo, como uma planta indo em direção à luz —, a sua diferença. O encontro aconteceu na medida certa, por isso a potência.

Não me resta dúvida de que esse não é o único trabalho de Braga que potencializa seu devir-animal. Certamente, sem que eu soubesse, era isso que me chamava a atenção. Um ser onde a força animal pulsa constantemente, um devir à espreita, como

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um carrapato esperando o momento de lançar-se no boi. Corpos vibráteis. Metamorfoseando-se. Em Comunhão, o corpo nu de Braga se despiu da cultura, da civilização, do que castra a animalidade humana, poda e medeia sua natureza. Como disse a pesquisadora Priscilla Faria, seu trabalho visita uma natureza selvagem que “[...] se desfaz das palavras, feroz e familiar porque anterior à linguagem, existência que não se organiza em verbo”31. Hoje já são 27. Há dez dias comecei a escrever esta carta. Racionalmente, assumia o concurso para o qual fui chamada. Emocionalmente, não assumiria: vou ser feliz, estudar!

109

Nesse período, razão e emoção brigaram dentro de mim.

Racionalmente, a vida continua mesmo após a morte cerebral de um jovem rapaz, cunhado de coração. Emocionalmente, a gente desiste de viver, chora, sofre, mata, agride. Porém, percebo que, após os momentos mais extremistas e dicotômicos, quando parece só permanecer ou a razão ou a emoção — não os dois juntos —, há uma conciliação entre a mente e o coração: ambos em um só corpo. Animal-humano, natureza-cultura, razão-emoção: um só corpo! Sinceramente, às vezes quero buscar a animalidade ora perdida para abandonar a humanidade inventada. Você também sente isso? Mas que vontade insaciável de extremos! Por que será? Não compreender: somente sentir. É castração também! Ouço Bataille: “Transformar dor em vigor”. Diluir as fronteiras entre a razão e a emoção. “Processo galopante de desabamento” de limites (ROLNIK), perder bordas, como as fotografias de Braga: entre performance e imagens; corpos e objetos; entre vida e arte; filosofia e arte; Processo criativo que implica “[...] construção de analogias (metáforas) e transbordamentos (metonímias) daquilo que ele é”(ENTLER, 2011)32. Sair de compartimentos: vida acadêmica, vida pessoal, vida familiar, vida profissional. Deixar-me arrebatar pelas

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paixões, pertencer a lugar nenhum, como o amor na zona limítrofe entre o sensível e o racional, entre natureza e cultura. Afirmar a arte, como bem disse Oriana Duarte,

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como potência de reinvenção de mundos e modos de viver.

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SilĂŞncio

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Marcelo, só agora entendi por que . a ideia de uma performance do silêncio33 — ausência de linguagem. Um ano, não é? Um longo

. um encontro com si mesmo, tempo aos olhos do tagarela. Mas com seus opostos. Certamente, se assim o fizeres, será angustiante, mas não mais danoso que um intenso policiamento de devir. Uma lamentação: como preciso desse silêncio... Não este da performance, mas o de Décio Pignatari falando a Almandrade da sua futura reclusão: “Vou passar duas semanas no meu adorável mato de Valdevinos [...] a luz dourada do inverno paulista

112

e o maravilhoso vazio dos meus sentimentos e/ou das minhas ideias”34. Infelizmente não poderei tê-lo agora, no caos. Será? Ou isso seria novamente o estabelecimento de uma relação dicotômica? Não sei. Preciso descansar agora. Dia 03 volto ao trabalho. Eu acho. Desejo-te então algo que venho desejando para mim: luz, silêncio, paixão e harmonia. Marcelo, espero revê-lo em breve. Será um grande prazer. Se puder, escreva-me. Certamente me encantaria. Um grande abraço — com cheiro, cor, temperatura e sentido.

Rebeka Monita 27 de janeiro de 2014

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Sem dúvida, o trabalho de Rodrigo Braga

Rodrigo Braga tece a si próprio na cons-

mexe com o espectador. O público, obvia-

trução da sua obra — que é visceral.

mente mediado pela objetividade do

Como bem observou Maria do Carmo

olho da câmera — seja ela fotográfica

Nino, durante os intensos diálogos que

ou videográfica —, passa por uma expe-

tivemos sobre esta pesquisa, a gente tem

riência que é inerente a outras artes ou,

que ter esse acordo tácito de que o tra-

para ser mais específica, a outras ima-

balho de Rodrigo é um trabalho que mexe

gens fotográficas. Parafraseando François

muito com ele inicialmente e depois com a

Soulages, quando este falava sobre os

gente, mas inicialmente com ele.

Rodrigo Braga oferece ao espectador um

No processo de criação da obra Venoso

mundo: o dele, “[...] que se torna o nosso

e arterial, Rodrigo Braga fez uma obser-

por nossa recepção interpretativa e meta-

vação que parece indicar sua inten-

morfoseante”

.

35

ção visceral durante a produção. Esse

113

artistas da Geração 00, posso afirmar que

esboço, sobretudo, configura-se como Além disso, é preciso sempre pensar que,

uma memória pregressa da visceralidade

ao colocar qualquer corpo em questão,

do trabalho.

a obra interpela o espectador de maneira particular, incitando uma reflexão que o

Vila de Nazaré (Cabo-PE) 11 de julho

coloca nesse corpo sugerido ou figurado,

de 2013

“[...] corpos que se transformam, que se desdobram em nossos corpos. Trata-se

17:00h – nenhum ‘trabalho de

ainda de ambiguidades de sentidos, no

artista’ ainda, mas aconteceu.

vai e vem entre o Eu e o outro” (CATTANI,

No encontro, eu, a terra, o céu e o

2007)36.

mar. Obra do jorro vital. Carícias estrondosas, risco sem medo, tem-

Todavia, é relevante destacar que Rodrigo

pestade de sêmen banha os corpos,

Braga não quer apenas atingir o público

encharca a terra e enche o oceano

com uma apresentação de uma experiên-

(BRAGA)37.

cia, mas com a própria vivência. É diferente de um filme, que, embora seja con-

Nesse sentido, estaria Rodrigo Braga, por

densado (como os trabalhos de Braga), é

meio da sua imersão na terra — visuali-

um tipo de verdade que realmente vem

zada, entre outras obras, em Comunhão

por outra via. Parece-me que a intenção

—, buscando purificar sua animalidade já

dele é da ordem da experiência mesmo.

tão contaminada? Seria um culto dioni-

Aqui, parece não haver uma nítida sepa-

síaco de purificação pessoal e da comu-

ração entre as dimensões fenomenológi-

nidade? Ou, como em um ritual de pas-

cas e simbólicas da obra de arte.

sagem, o artista tenta obter a resistência

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comum ao bode, animal de pelagem

indivíduo que “ [...] expele, para o meio

grossa que se adapta às adversidades?

externo, exóticos, horrendos e mesmo

É possível que ele tenha se lembrado

sedutores seres”, como Gaia, a mãe-terra

da história de Serra Branca, a cabra que

— disse Ana Cecília Soares (2009)41,

seu pai lhe deu quando ainda era muito

quando se referia às obras Da alegoria

pequeno . Braga não contou segredos

perecível e Da compaixão cínica (ambas

ao bode, tampouco tentou explicar sua

realizadas em 2005).

38

114

obra, como Joseph Beuys na sua famosa ação com a lebre morta. Rodrigo Braga

Os seres rodrigueanos — refiro-me menos

parece mesmo se conectar mentalmente

aos seres antropomórficos que por vezes

com o bicho expiatório, não como quem

aparecem em suas imagens do que aos

sente as impurezas que ele possa carregar

que aparecem por sensação — criam

do mundo — animal ligado ao inferno, às

tensões nos trabalhos do artista. São

profundezas da terra —, mas a força da

expressões de dor e furiosos embates

sua energia vital.

internos, implicados pela busca do autoconhecimento — Rodrigo Braga em busca

No seu percurso com animais simbolica-

de si e do outro, nessa aparente caça

mente poderosos, o artista vai também

pelos acontecimentos que permeiam os

ao encontro do porco (Leito). No contato

homens e os animais em que ele discorre

com o cadáver, estaria Braga novamente

sobre si mesmo. Aproprio-me então dos

em busca das tão proclamadas impurezas

termos usados por Herkenhoff42 para falar

desse animal? De novo um ritual, inten-

da dimensão plurissensorial dos trabalhos

sificado pelas sequências de imagens em

de Ana Maria Maiolino e afirmo: Braga é

preto e branco e sem áudio do slideshow

um artista “contaminado” com obras de

de Leito. Ao tocar o porco, Braga se reco-

desenvolvimento rizomático.

nhece — quem é o mais sujo dos seres? Até que ponto eles são diferentes um do

Enquanto artista/fotógrafo, não sou

outro ou semelhantes? —, tenta-se igua-

capaz de dissociar a minha produção

lar ao animal, exumando-o e tomando

de mim mesmo. Certo teor autobio-

o seu lugar. Parece nos dizer, lembrou a

gráfico das fotografias — presente

crítica Juliana Monachesi, “Mereço morrer

até mesmo em trabalhos nos quais

mais que ele” .

meu corpo não figura como objeto de

39

cena — não é algo gerado proposita-

Braga revela em seus trabalhos imagens

damente. Porém, o uso de referências

que são “[...] em verdade, a síntese de

pessoais — e até mesmo psicológicas,

uma sensação” . Suas obras, como cos-

enquanto discurso — acaba sendo

tuma dizer Clarissa Diniz, sintetizam o

inevitável, uma vez que a produção

furacãozinho que há em Rodrigo, um

da imagem é, para mim, uma maneira

40

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mais confortável de me relacionar

seus aromas, sabores, sujeiras e can-

com meu entorno (BRAGA, 2008) .

saço. É “o corpo vivido (corps vécu)”44 do

43

artista se metamorfoseando com o visível. Em resumo, uma evidente operação Não é arte se fazendo de divã, não no

de mestiçagens.

se ilude na sua própria imagem. O artista

No esforço do processo de interiorização

coloca seu corpo como uma espécie de

de descoberta do ser, Braga se possibilita

pátria, onde vê em si mesmo (na sua traje-

um abandono, ao menos temporário, da

tória e no seu mundo) a sua própria pátria e

vida coletiva da cidade. O artista tenta

toma para si o exercício incansável de apro-

se isolar durante as ações por dias ou até

ximar sujeito e objeto. De maneira forte e

meses, pois compreende a importância do

coerente, o artista exorciza seus bichos.

tempo e do espaço no seu processo cria-

Um caminho que não percorre sozinho.

tivo; compreende também que a natureza

115

sentido narcísico — Braga não se contrai e

é parte intrínseca do ser e, embora se Nesse tipo de produção, os artistas

autodefina como um homem urbano, fala

exercem a função de aproximar sujeito

desse isolamento como uma alternativa

e objeto, em parte se distanciando do

para fugir do caos da cidade, como ele

paradigma representacionista. Não é

contou na Revista Tatuí – 2007, ao falar

representação de vida. É arte/vida. É evi-

sobre seu desejo de fugir da confusa rea-

dente o desejo de turvar as fronteiras

lidade urbana da capital pernambucana.

entre a ficção e a realidade. Valendo-me das palavras de Deleuze, ouso afirmar

Já vou. Sinto uma vontade enorme

a respeito de Rodrigo Braga “sobre as

de me isolar covardemente num

linhas de fuga, só pode haver uma coisa, a

paraíso qualquer, enquanto o paraíso

experimentação-vida”, uma ação que é da

existe. A floresta, a caverna: isso é

ordem da catarse.

solução pra mim. Vou me mandar para um lugar bem alto e verdinho.

Na busca por sínteses possíveis entre

Vou trepar na árvore, vou trepar

o homem e o animal, a vida e a morte,

com a terra. [...] não tem como

seus trabalhos aproximam diversos ele-

escapar se ficar na urbe. A saída é o

mentos do campo das artes — como

mato, o mato!45

a performance e a fotografia — e de outros campos do saber, como a filoso-

É importante destacar que diferente-

fia. Mas, sobretudo, como dito em outro

mente de Joseph Beuys, a questão de

momento, são trabalhos maculados

Braga não é “o que é ser civilizado?”, mas

pela experiência do artista. Braga sente

“O que é ser humano?” e, embora o con-

e produz sua obra com o corpo todo e

tato com a natureza aparentemente não

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seja capaz de apaziguar o caos gerado

mecanicista dos ecologistas nem à indife-

pelo furacão, é um dos geradores de

rença ética do ‘capitalismo selvagem’”47.

potência criativa para o artista. Essa rela-

A associação de suas obras à natureza,

ção é também um ponto que expõe a

tanto sob a perspectiva simbólica quanto

influência familiar nos seus trabalhos

a experiencial, gera trabalhos que são

(Rodrigo Braga é filho de biólogos).

metáforas das suas ideias sobre o homem, a vida e a morte.

116

A intensidade desse trato não se limita à discussão ecológica, pois ele até discute

Posso dizer que, dotadas de densidade

questões ambientais e do bem-estar ani-

poética e filosófica, as fotografias de

mal, mas de maneira enviesada, ecofric-

Comunhão, Leito e Fantasia de compensa-

tiva, como ele mesmo fala. Rodrigo Braga

ção derrubam as barreiras do que tradi-

conta que lida com a ecologia desde a

cionalmente se convencionou chamar de

década de 1970, quando acompanhava

fotografia. Aqui, a linguagem é expandida

seus pais nas reuniões das Organiza-

por vetores que não têm começo nem

ções Não Governamentais – ONGs: “Eu

fim, só crescem e transbordam, revelando

ia para reuniões de ONGs desde bebê,

imagens que acolhem uma multiplicidade

na verdade. Meu pai plantou oitenta

de sentidos em constante pulsação.

mil árvores. Eu plantei várias árvores na minha vida”. Ele ressalta que seus tra-

Por certo, poderíamos usar a metáfora do

balhos não erguem a bandeira da eco-

ecossistema, citada por Marcelo Coutinho,

logia, neles a natureza é exposta mais

para pensar o uso da fotografia na arte

para problematizar.

contemporânea. Substituindo a metáfora do campo por uma mais orgânica, Couti-

A questão do nascer, do morrer, do

nho lembra que “As espécies que vivem

se transformar, do ser animal, vege-

em um ecossistema são distintas entre

tal, mineral em transformação. É a

si” e, mesmo assim, são “[...] inextrica-

transformação química, é biológica

velmente abertas ao seu próprio movi-

também, é matéria, mas ao mesmo

mento”48. Nesse movimento, a linguagem

tempo é simbólica, espiritual das

fotográfica se expande e se desdobra em

coisas que estão interligadas, que se

outras formas.

convertem . 46

Como disse Paulo Herkenhoff, no catálogo da exposição Ciclos alterados, Braga desestabiliza “[...] a relação piedosa e conflitada do homem com a natureza sem pagar tributo ao maniqueísmo

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questões da fenomenologia na arte brasiNIETZCHE, Friedrich. Humano, demasiado

leira. Catálogo de exposição. Rio de Janeiro:

humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 110. 02

MAM, 2008, p. 65. 10

KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Reedição da tradução publicada no número 1 de Gávea, revista do Curso

SESC São Paulo, 2013, p. 108. 11

de Especialização em História da Arte e Eder Chiodetto, em parceria com a his-

Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife. 12

dências da Fundação Joaquim Nabuco), 26

M + M Auer em quatro grandes módulos:

de jul. 2013. (Entrevista inédita não publica-

Performances, Fantasias Formais, Belezas

da produzida por Rebeka Monita e Cláudia

eles buscaram expandir o repertório repre-

Bajaró). 13

sentacionista da imagem, colocando-as em desenho. CHIODETTO, Eder. Curadoria em

2002, p. 120. 14

fotografia [livro eletrônico]: da pesquisa à

Olympio, 2013, p. XV.

BRAGA, Rodrigo. Recife (filmado nas depen-

15

Id. Ibid., p. 71.

dências do Mamam), em 17 de mar. de 2014.

16

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. 14. ed.

(Entrevista inédita não publicada produzida por Rebeka Monita).

Campinas: Papirus, 2012, p. 52. 17

FERNANDES JR., Rubens. Processos de entendimento dos vetores e das variáveis da

Paulo: Editora 34, 2013, p. 160. 18

mento e o relato. (tese). Programa de Pós-

semestre de 2006, p. 18.

graduação em artes visuais da Universidade

CATTANI, Icleia Borsa (Org.). Mestiçagens na

Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS.

arte contemporânea. Porto Alegre: Editora

Orientadora Élida Tessler, Porto Alegre, 2011, p. 127.

COTTON, Charlotte. A fotografia como arte

19

contemporânea. São Paulo: Martins Fontes,

20

2010, p. 227. CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas. HERKENHOFF, Paulo. Poética da percepção:

Rebeka - 30/10 15h34.indd 117

BRAGA, Recife. Op. Cit., [entrevista]. BRAGA, Rodrigo. Recife (filmado nas dependências do Mamam), 17 de mar. 2014. (Entrevista inédita não publicada produzida

São Paulo: Edusp, 2008, p.XXI. 09

COUTINHO, Marcelo. Isso: entre o aconteci-

produção fotográfica. FACOM – nº 16 – 2º

da UFRGS, 2007, p. 31.

08

DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. 3.ed. São

criação na fotografia: apontamentos para o

07

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 15. ed. Rio de Janeiro: José

exposição. São Paulo: Prata Design, 2013.

06

CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. 2. ed. São Paulo: Lemos-Editorial,

diálogo com linguagens como a pintura e o

05

BRAGA, Rodrigo. Recife (filmado nas depen-

toriadora Elise Jasmin, dividiu a mostra

Convulsivas e Transfigurações. Neste último,

04

No Brasil, a referida exposição fez itinerância, entre 2014 e 2019, nas cidades de São

Arquitetura no Brasil, da PUC- Rio, em 1984. 03

CHIODETTO, Eder (Org.). Geração 00: a nova fotografia brasileira. São Paulo: edições

117

01

por Rebeka Monita). 21

HERKENHOFF, Paulo. BRAGA, Rodrigo.

01/10/2019 11:11


Ciclos alterados. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2012, p. 29. 22

p. 43-56, dez. 2013, p. 46. 32

extra-moral. 2011. Visualizado em: <http://

Suplemgnto literário: Animais escritos,

iconica.com.br/blog/?p=1861>. Acesso 19

Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Edição 1.332,

118

23

jan. 2014. 33

bre o desejo de fazer uma performance cuja

de Minas Gerais).

ação principal seria permanecer em silêncio

DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos.

durante um ano. A ideia é não apenas ficar

Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo:

sem falar, mas sem se comunicar por meio

Escuta, 1998, p. 36.

de outras linguagens, ou seja, um silêncio

HERKENHOFF, Paulo. Op. Cit., p. 25.

25

DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Op. Cit.,

que comunica. 34

p. 10.

28

29

folha. [arquivo de Almandrade]. 35

em fotografia [livro eletrônico]: da pesquisa

Editora 34, 2012, p. 32.

à exposição. São Paulo: Prata Design, 2013,

DIDI-HUBERMAN, In: INQUIETAR-SE diante

p. 29.

de cada imagem. Flanagens. 07 mai. 2011.

36

CATTANI, Icleia Borsa (Org.). Op. Cit., p. 30.

Visualizado em: < http://¶anagens.blogspot.

37

Caderno do artista.

com.br/2011/05/inquietar-se-diante-de-

38

Em palestra, no evento realizado na ocasião

-cada-imagem.html>. Acesso 05 jan. 2015.

da exposição Agricultura da Imagem, no Sesc

DUARTE, Oriana. Nós, errantes: escritos de

Belenzinho, em São Paulo, Ricardo Braga

existência + falas de uma artista. A travessia

contou que ficou encantando com uma cabra

plus ultra de uma artista atleta parte I: os

que viu em Serra Branca, na Paraíba. O pai

preparativos. 1.ed. Recife: Ed. Universitária

de Rodrigo acabou levando o animal, que

da UFPE, 2013, p. 58.

recebeu o mesmo nome da cidade, para pre-

NIETZSCHE, Friedrich. Aurora (1881). Edaf,

sentear o filho. 39

AMPARO SESSENTA GALERIA DE ARTE.

ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental:

Paisagens & Rodrigo Braga. Exposição: 9 de

transformações contemporâneas do desejo.

maio a 6 de jun. 2008. Juliana Monachesi

Porto Alegre; Sulina Editora da UFRGS, 2011,

[texto]. Heber Costa [tradução]. Recife,

p. 24. 31

SOULAGES. In: CHIODETTO, Eder. Curadoria

Tradução de Suely Rolnik, 2ªed., São Paulo:

2001. 30

PIGNATARI, Décio. [carta] 1995, São PauloSP [para] ALMANDRADE. Salvador – BA.1

DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, v.4,

27

Em sala de aula, Marcelo Coutinho falou so-

p.6-9, set./out. 2010. (Suplemento Literário

24

26

ENTLER, Ronaldo. Rodrigo Braga num sentido

BERGER, John. Animais como metáfora.

FARIA, Priscilla Menezes de. Narrativas nô-

Galeria Amparo Sessenta, 2008. 40

mades de Rodrigo Braga: o conhecimento

de um artista dos fenômenos. [arquivo do

pelos abismos e a douta ignorância. RevistaValise, Porto Alegre, v. 3, n. 6, ano 3,

Rebeka - 30/10 15h34.indd 118

DINIZ, Clarissa. Terceira impressão da obra artista]. s/d.

41

SOARES, Ana Cecília. Seres Rodrigueanos.

01/10/2019 11:11


2009. Disponível em: , http://files.cargocollective.com/574095/2009-por-Ana-Cecilia-Soares.pdf>. Acesso 28 de jul. de 2019. 42

HERKENHOFF, Paulo. Op. Cit., p. 76.

43

BRAGA, Rodrigo. In: Olhavê. Março de 2008. Disponível em:<http://olhave.com.br/blog/ entrevistando/>. Acesso 29 de jul. 2014.

44

HERKENHOFF, Paulo. Op. Cit., p. 67.

45

BRAGA, Rodrigo. Desejo eremita. In: Revista Tatuí. N. 02, Recife: julho de 2007, p. 32-33.

46

MAMAM. Rodrigo Braga: ciclos alteraMamam). Paulo Henkenhoff, Educativo Mamam, Coletivo Acervo em Diálogo – CAD

119

dos. (I caderno de anotações do Educativo

[textos]. Recife, 2011, p. 16. 47

HERKENHOFF, Paulo. Op. Cit., p. 9.

48

COUTINHO, Marcelo. Op. Cit., p. 127.

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Marcelo Coutinho

— O FUNDA MENTO DA QUEDA Marcelo - 30/10 15h35.indd 120

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E o expulsou O-Nome-de-Deus do Jardim do Éden Para cultivar a terra-húmus de onde fora tomado01 HAROLDO DE CAMPO

delicada, feliz...” e que, porém, se por

Não. Ninguém mais sabe o que é tragédia.

um lado apresentava uma abertura radi-

Ninguém mais sabe que foi entre “tragos”,

cal ao futuro, ao oferecer a poesia tra-

entre cabras e bodes, que nasceu essa

gédia como alternativa e superação do

“oidé”. Ninguém mais ouve o balir ou o

conceitualismo metafísico, mantinha em

berrar dos bodes, essa “oidé”, essa ode,

sua escrita uma forma metafísica. Niet-

essa “tragodia”, essa canção que ecoa

zsche soube ser o crítico mais radical de

desde a queda.

si mesmo.

Tragédia, carne vibrando em forma de

“Aquela alma nova” havia se expressado

canto. Tragédia, uma ode de todas as car-

em uma linguagem sistemática, con-

nes, para todas as carnes. Este uivo para

ceitual, e, em confissão ao seu amigo,

o infinito. A eterna oferenda de sangue

Nietzsche dirá: “Que pena que eu não

que apaixonou gregos e judeus, que pro-

tenha ousado dizer como poeta o que

duziu isto que chamamos de teatro, thea-

tinha então a dizer: talvez eu tivesse sido

tron, cura coletiva, expurgo, purificação.

capaz”. Conclamando algo que o Ocidente

Não. Ninguém mais sabe.

e sua cultura metafísica haviam forjado,

121

BREVE PREÂMBULO: DO PRAZER SOLENE

a saber, a verdade como apatheia e sua Ninguém mais sabe que para Friedrich

expressão como o contrapelo da paixão,

Nietzsche o seu O nascimento da tragé-

Nietzsche dirá que, em vez de escrever,

dia guardaria ainda um “perfume fúne-

“deveria ter cantado”02.

bre de Schopenhauer” do qual ele queria se livrar. Ninguém mais supõe que, em

Não. É certo que ninguém mais sabe.

carta ao seu amigo Peter Gast, Niet-

Ou nunca soube. A linguagem não repre-

zsche descreve esse seu livro seminal

senta o mundo. Nunca representou o

como “uma obra indescritível, profunda,

mundo.

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Do prazer solene (2005)

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Do prazer solene (2005)

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Do prazer solene (2005)

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A linguagem sempre foi, antes, um outro.

do deserto e da brutalidade que o acom-

Um outro que se dobra e desdobra sem-

panha. Queda, a consciência de si como

pre “a partir de algo”, nunca “sobre algo”.

pedaço, fragmento, fratura. Queda, o

Assim, eterno outro, a linguagem sempre

princípio ontológico, a origem, o sentido

será externa. Externa ao que aborda e

e o destino. É, portanto, a queda e sua

externa àquele que a usa.

força de rebentação o que vejo atravessar grande parte das obras de Rodrigo Braga.

a linguagem é arbitrária e, assim, livre

Portanto, isso que se apresenta logo

e errante com relação ao seu referente,

mais não será um ensaio crítico “sobre”

cresce e flora em seu livre-arbítrio, como

a obra de Rodrigo Braga. Será a lingua-

a decisão adâmica, direito outorgado por

gem que, sabendo-se igualmente efeito

Deus como ação irruptiva de nomear, de

de uma queda, balbucio, agitação sonora

balbuciar a sua bárbara criação.

incessante, assume-se também como

125

Externa, eterno lado de fora da natureza,

obra, como corpo afetado e contagiado A teoria, a crítica ou o pensamento fun-

pelas forças que atravessam a obra de

dados sobre esse outro paradigma sabem

Rodrigo Braga.

que são, antes de qualquer coisa, poiésis. Poiésis, esta ação criativa que evoca

O que impele a minha escrita será, por-

e produz no mundo uma inauguração.

tanto, algo mais próximo do enthusias-

Antes de uma ação de representação do

mós, esse en-theós, este “deus-dentro”,

mundo, a linguagem é fenômeno criado,

que informa a poesia trágica, sua musi-

produzido, a partir das afetações geradas

calidade e sua natureza diversa da dis-

por outros fenômenos.

tância fria, da apatheia descarnada que a crítica e a análise tradicionais impõem ao

Assumindo-se como fenômeno de fenô-

mundo. Essa escrita quer recuperar, nem

meno, a linguagem da crítica ou da teo-

que seja um breve aroma, o solo comum

ria nunca se imaginará homóloga ao seu

à poesia e à filosofia, o solo primevo do

referente e sempre será rebento desviante

abismo, sempre inaugural, que um dia fez

daquilo que a moveu.

nascer, a um só tempo, a visão poética e a visão filosófica03.

Este pequeno ensaio que aqui ofereço é a incorporação deste princípio. Um princípio

ODE E COMUNHÃO

que se quer como a fratura coisa/signo em

Foi nos corredores de maciço concreto

sua própria materialidade. A palavra aqui

do Centro de Artes e Comunicação da

urdida nasce tendo como fundo metafó-

Universidade Federal de Pernambuco, no

rico a queda. Queda, imagem arquetípica

Recife, quem sabe entre 1998 e 1999, em

do nascimento, do surgimento do homem,

meio à umidade de um inverno tropical,

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Ode [ao que se fode] (2007)

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que Rodrigo Braga, então meu aluno, me

que era capaz de suportar, experimen-

chamou para um canto e falou, numa voz

tando o significado da palavra limite e,

naufragada, que outrora, quando mais

em apneia, senti me invadir um irresistível

novo, atara a uma corda uma faca grande,

prazer em largar-me, em não oferecer

de lâmina forte e longa, uma faca pei-

qualquer resistência, em desistir, e assim

xeira, que a deixara balançando na ponta

relaxei e desfaleci, envolvido por uma

da corda, feito um pêndulo, sobre sua

forte excitação.

cama e ali deitara-se, aninhado feito um feto, abaixo da ponta afiada da faca, que

Desde o início, para alguns fica claro

oscilava ao sabor dos ventos, roçando o

que todo parto contém em si uma par-

couro de suas costas.

tida, e para estes restará compor uma ode, esta será a fórmula grega, a velha oidé grega, emitida pelo tragos, o bode

àquela altura de minha vida eu vira sur-

imolado, tragos e oidé: tragosoiodé,

gir naquela fala que, baixa, debatia-se

tragodia, tragédia, o eterno canto do

em mar aberto, pois o que vislumbrei foi

bode, o choro sem fundo e sem objeto

um diálogo com a queda, diálogo profí-

que sempre servirá de margem para todo

cuo que se anuncia ainda cedo na vida de

gesto humano, choro que antes de ser

alguns, recordei que ali, ainda na aurora

efeito é causa e que nós haveremos de

dos dias, surge também a capacidade de

nos lembrar, sempre: quem chora é o

contorná-la e, depois de aproximar-se e

mundo em meu canto, chora nele tudo

com ela dançar, recordei que para essa

o que é, e o peso deste choro ontológico

dança constrói-se um canto, uma ode

tornado canto é o que sempre está em

paradoxalmente feliz, e aquele que entoa

queda e apontará exatamente para esta

essa ode sente-se orgulhoso de si, de sua

dissimetria inauguradora de tudo.

127

Não era uma imagem performática o que

coragem em aproximar-se daquilo que um dia despencou diante de seus olhos e que

Serão estrangeiros estes homens e mulhe-

o tragou para o fundo.

res para os quais o nascimento é um exílio e assim, paridos e proscritos, terão

O que vi na ponta daquela faca de brilho

tatuado no couro de seus ânimos o signo

oscilante, suspensa sobre uma cama que

do eterno desterro, e a terra para a qual

nunca ofereceria ao meu aluno qualquer

migram, na qual supõem sossego, não

repouso, era o mesmo que um dia eu vira

possuindo chão ou qualquer geografia,

e que tragara igualmente a mim, quando

os leva a vagar leves aqui neste mundo,

ainda era um menino, quando me vi inerte

vagar quase descarnados, administrando

no fundo de uma piscina, quando nela

escombros, Eros e Tanathós, a dança que

pulei e, num desejo incontido de regresso,

nunca cessa, a reencenação desse eterno

prendi a respiração por mais tempo do

nascimento tramado com a morte.

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ILHA MAR, RIO, VENOSO E ARTERIAL

ser adquirido: “Estirpe miserável, filhos do

Foi recorrendo ao mar, mais precisa-

acaso e do tormento! (...) Não ter nascido,

mente a algo maior do que qualquer mar,

não ser, nada ser”05.

128

a saber, o oceano, imagem mais tangível do ilimitado e incontinente, do incontido

É outro o sentido aberto pelo “sentimento

e contínuo, intuição e prenúncio de algo

oceânico”, gerado que é por uma ale-

sem bordas, anterior e posterior a tudo

gria regozijante advinda da dissolução,

e que a tudo gera e dissolve, que a tudo

e mesmo que Freud veja em seu deslimite

pare e sepulta, início e fim, partida e des-

o desejo de refundação de um “narcisismo

tino, círculo incontido, inverso de toda

ilimitado” próprio da infância — esta pré-

forma, reverso de todo corpo, adverso

-história do Eu —, mesmo que veja na

de toda vontade, verso de todo útero e

amamentação um estágio arcaico no qual

de toda cova, foi envolvido nas mesmas

não se reconhece ainda a descontinuidade

águas gregas de Okeanó ou africanas

ontológica que funda tudo que é, o pró-

de Olokun que o poeta Roman Rolland

prio Freud cogita ser o “nosso atual senti-

escreveu para Freud sobre um “senti-

mento do Eu apenas um vestígio atrofiado

mento oceânico”, sentimento apaixonado

de um sentimento muito mais abrangente

de fusão. Esta “vinculação indissolúvel”,

que correspondia a uma mais íntima liga-

este sentimento de “comunhão com todo

ção do Eu com o mundo em torno”06.

o mundo exterior” ao qual refere-se o poeta, descreve um apagamento de fron-

Trata-se da apreensão profunda de um

teiras, um sursis entre um dentro e um

Vasto que a tudo acolhe sem quaisquer

fora, o si mesmo e o outro, reconstruindo

descontinuidades ou fraturas, trata-se

um paradoxal idílio, o idílio de não mais

de uma compreensão que se dá como o

ser04.

avesso da consciência e mesmo da vontade, capaz de ultrapassar toda a mobília,

Porém este será um deixar de ser felici-

todos os estilhaços e retalhos do mundo

tante e apaixonado, cujas ramas se esten-

e, num relance, não mais enxergar dife-

dem mesmo até o erótico, como indicaria

renças, apenas uma imensa e monolítica

mais tarde George Bataille, e esta alegre

continuidade que a tudo envolve, tudo

e inebriante fulminação, que para Roman

abraça e tudo silencia.

Rolland era um ponto cego de Freud em suas análises da formação das religiões,

A experiência da diferença está longe

é bastante diversa daquela outra, devas-

de ser simples, e é preciso retirá-la da

tadora e incontornável, expressa por Niet-

pacificação contemporânea, simplifica-

zsche quando narra a célebre resposta do

dora, cujo uso reiterado conquistou, pois

sábio e ébrio Silenos ao Rei Midas ao ser

é da natureza da diferença a aspereza e

perguntado sobre o maior entre os bens a

o agreste, e este será o fundamento e o

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horizonte da própria existência, pois aqui

resistência à força que impulsiona o pró-

nesta terra só há o que difere, e a tudo,

prio dizer, toda linguagem é tentativa

à todas as partes, é vetado que se esten-

de encontro, e o ato de falar, antes de

dam umas sobre as outras, que superem-

dizer algo, é expor a outrem uma pre-

-se inteiramente a si mesmas e continuem

sença, uma sólida e alienada presença,

a si em outrem, superando essa extensa

é mostrar-se como outro continente e,

planície mobiliada por pedaços, estilha-

assim, é a criação de uma clareira que,

ços, retalhos e descontinuidades.

quem sabe, possa acolher esses estilhaços de existência.

entre as coisas misturadas nunca surgirá

Produzida para gerar um encontro, toda

um terceiro termo, capaz de pôr fim a

linguagem é, no fundo, uma súplica, um

esta incômoda aspereza, a este atrito,

chamado, um uivo que conclama para

não há síntese nesta terra e não há qual-

próximo de si algum resíduo de uma

quer sucedâneo que acalente essa fra-

semelhança distante, perdida.

129

Misturas não são continuidades, e mesmo

tura, nada nos distrairá durante muito tempo do abismo que somos uns para os

Será a diferença, será o outro, sempre

outros, e sendo a diferença incontorná-

insondável, que, portanto, gera meu

vel, nos impondo um rijo incognoscível,

movimento de saída de mim e que, a

um denso inexpugnável, o que nos res-

um só tempo, também obstaculiza, adia

tará serão acordos, acordos para sempre

infinitamente, a cada encontro, minha

temporários. Sim, será tão somente uma

volúpia de extensão e perdição no mundo,

ética o que nos restará, e, como sugere

meu desejo de cumprir o vigor de partir e

Emmanuel Lévinas, será justamente uma

encontrar naquilo que não sou eu alguma

ética a essência de todo empreendimento

continuidade que me livre da condição de

filosófico, pois o próprio conhecer, o des-

parte, de apartado, de anátema, expres-

velar, a alethéia, o logos do filosofar são

são de uma fratura, fratura esta que nos

em si mesmas expressões da fratura, são

marca já no nascimento, que nos deixa na

imagens da descontinuidade e da queda,

carne este buraco, este vazio, o umbigo, a

são empreendimentos de superação do

coroa do Eu.

insuperável, e será por isso que o filósofo lituano dirá que aquilo que não se revela

Todavia, as águas profundas de Okeanó

pela linguagem é o outro07.

e Olokun, submergem e dissolvem tudo o que difere, por isso estas águas são a

Toda linguagem, aliás, antes de ser

cura de todas as feridas, cimentam todas

expressão de um pensamento, é, em

as fraturas, e, à beira do mar, pareço

si mesma, um outro, uma matéria rija

clamar por isso, por isso que me apavora

que difere daquele que a usa e oferece

e me atrai, pois isso que é grandioso e

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Ilha-mar (2013)

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Venoso e Arterial (2013)

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desmedido e atenta contra o pouco que

todo rosto é, o lugar para onde somos

sou, o pouco que sei, este breve cais que

chamados, atraídos que somos por esse

no qual atraco, este quinhão de húmus

aceno apagado, embaçado, aonde mer-

que cultivo, no qual me reconheço, do

gulhamos, aonde nos arrojamos, para

qual me sinto dono, mas o qual ultra-

livrar-nos de nossa condição de parte, de

passo, o qual tendo a abandonar, que

destroço e fragmento, o lado de lá, sem-

sinto como meu cárcere por me reduzir a

pre do lado de lá, é abismo e experiência

mim .

de morte, morte bendita que consente

08

desfazer-se em vida10. Retorno e destino, círculo insondável, Todo nascimento é, portanto, a irrupção

bro, e no mais profundo de suas águas

de uma diferença, todo nascimento é um

não restam quaisquer partes, todas sus-

deserto em que se anda, tal qual um aná-

piram seu último regozijo pois um todo

tema, pois todo indivíduo é o surgimento

irresistível se impõe, uma totalidade sem

de uma oscilação, de uma perturbação,

fraturas, capaz de interromper até mesmo

de uma descontinuidade nesta infinita,

a morte, esta filha do tempo, pois só há

originária e indiferente continuidade, todo

morte onde impera o tempo e sua sangria.

indivíduo é breve onda no oceano, diriam

133

Okeanó e Olokun recolhem todo escom-

budistas e cristãos, e por isso Bataille É uma “nostalgia da continuidade per-

dirá que o erotismo é onde a vida habita

dida” o que George Bataille sugere como

até mesmo a morte, onde a vida invade

sendo a essência do erotismo, que depo-

a morte e nela se compraz, pois o ero-

sita no enlace profundo dos corpos, na

tismo é a sexualidade desvinculada da

violação mútua, no verter de seus sumos

reprodução e, assim, livre da condição de

uns dentro dos outros, este desejo para

criar novos nascimentos e novas descon-

sempre adiado de fulminação, de com-fu-

tinuidades, ele, o erotismo, distancia-se

são com o outro, de perdição dos próprios

do princípio que funda ontologicamente a

contornos, de apagamento das bordas de

existência, a saber, a queda 11.

si dentro do outro e, assim, finalmente deixar de ser, voltar a deixar de ser09.

TERRA E TOMBO É qualquer coisa que cai, isso que se

Pois é abismo o que há entre um ser e

insinua e surge, às esgueiras, através de

outro, entre uma coisa e outra, e seria

algumas raras imagens, imagens a cada

mais eficiente dizer que todo outro é, em

dia mais raras, imagens para sempre

si mesmo, o próprio abismo, uma silhueta

inoportunas, imagens atemporais, exata-

turva que acena distante, do lado de lá,

mente por romperem com a cadeia previ-

aceno apenas parcialmente legível, rosto

sível do tempo linear de Krónos, imagens

rasurado, e será ali, neste “lado de lá” que

que indicam o tempo irruptivo de Kairós,

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Terra (2008)

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Tombo (2015)

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apontando e empurrando a percepção

tudo, o que vemos através delas é isso

para um fora, para este eterno fora do

que cai.

tempo, que insiste em vir à tona e fazer nascer mais uma vez este rebento sem

São imagens opacas o que, via de regra, a

face, não nascido, portanto inato.

contemporaneidade nos lega, e esta opa-

138

cidade é soporífica, nos sequestra e nos Mas o mundo contemporâneo foge do

detém no raso de sua superfície, negando

confronto, foge do espelho quebrado

à potência naturalmente fluida da imagem

que funda o ser, é um mundo que quer

qualquer transcendência e devir, qualquer

suprimir a queda, um mundo que quer

destinação que dela brote e surja como

esquecer que tudo cai, que sequer reco-

o ad-verso de si, e assim, paralíticas, as

nhece isso que se pronuncia na boca

imagens contemporâneas não parecem

do estômago tal qual um soco, ao nos

querer um lugar para além delas; ao con-

depararmos com um sentido que se des-

trário, seu sonho é um sonho tautológico,

faz e outro que, fulminante, se impõe

dopado, pois, em círculos, ela, a imagem,

por entre os escombros, a alethéia, o

passa a se assemelhar a um dispositivo,

desesquecimento grego, fonte de toda

a um engenho, a uma técnica crua, cuja

poesia, de toda arte e de toda filoso-

destinação é o controle, a imobilidade,

fia12, alethéia, aquilo que surge através

e nunca o descontrolado, o intempestivo.

daquele cavalo que é espancado por seu dono por não conseguir mais dar sequer

A imagem opaca quer negar que através

um passo, tamanho é seu esgotamento,

dela arrebente alguma luz e assim, trans-

ao nos depararmos com um horizonte

lúcida, ela se transfigure e desvele algo

que se mostra arruinado e que desvela o

que a habita, que a atravessa e que dela,

cotidiano como um mundo que montou-

porém, difere ontologicamente, a des-

-se como sendo esquecimento, avesso

patriando perenemente, ela, a imagem,

portanto da alethéia, como encarnação do

que assim, anatemizada, em diáspora, em

“esquecimento do ser”, marca moderna da

eterna nomadia, diferirá de si, para sem-

redução vasta da poiésis à estreiteza de

pre escapará de si, distanciando-se a cada

terra arrasada própria da tekné .

passo de seu início, de seu princípio, de

13

sua presença, fazendo de si não mais que Mais acertado seria dizer que nesses

eco e deserto.

casos, a cada dia mais raros, quando nos deparamos com essas raras imagens

A qualidade de translucidez da ima-

capazes de restituir o desamparo pró-

gem, em contraponto com a imagem

prio do limite, a vertigem horizontal dos

opaca contemporânea, é algo que, diá-

incêndios, estamos diante de imagens

fano, se impõe e permite, através de si,

capazes de nos recordar que, antes de

que a luz a transpasse, a atravesse e a

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transubstancie, anunciando um tipo qual-

rombo, é possível dizer que a imagem

quer de desterro e errância, e essa quali-

carrega em si a queda que por ela foi

dade diáfana independe do período histó-

evocada, ela não passa, assim, de marca

rico em que tal imagem foi forjada, afinal

ou índice, podemos dizer que a imagem é

essa terra de ninguém, que se abre gene-

o rombo aberto provocado pela força de

rosa como escuta para as transfigurações

uma queda, a imagem é um acidente pro-

do eco, pode surgir no ícone ortodoxo

vocado por uma queda.

fanes, o Grego, de 1408; no ícone Theo-

Seria possível dizer o que é isso que cai

tokos, do iconógrafo e santo russo Andrei

através de uma imagem? Isso que se insi-

Rublev, de 1398; em peças canônicas da

nua por entre a matéria e acena através

arte contemporânea como 4’33”, de John

dela? Isso que cai, como vimos, não é a

Cage, de 1952, eclodindo brutal, descon-

própria imagem, é algo que não se con-

certante e selvagem, e simplesmente ina-

funde com ela, isso que cai não é uma

bitar inúmeras obras contemporâneas.14

ideia, um conceito, tampouco é um pen-

139

A Transfiguração de Jesus, do monge Teó-

samento, o que cai em certas imagens, É certo que isso que chamo de qualidade

muito raras, é a própria queda, e a queda

“opaca” da imagem, seja esta imagem

se impõe ao peito, e não ao pensamento,

sonora ou plástica, essa “imagem opaca”,

não há qualquer possibilidade de distância

cuja natureza é tautológica, antagoniza

quando se está em queda, a queda não é

com uma “imagem translúcida”, e sua

uma reflexão; aliás, ela é seu reverso, é o

opacidade parece fornecer o sentimento e

irrefletido, a queda é o despertar de um

o sentido de cessação, de limite e derro-

adormecimento profundo, a queda é um

gação como o solo a partir do qual mon-

reencontro, é o vislumbre atento da ori-

ta-se a própria vida e a sensibilidade con-

gem como chaga e cicatriz, é a vertigem

temporâneas, vida e sensibilidade estas

diante da vastidão imensa e inconclusa

que me parecem se despedir, desistir, por

que a tudo funda.

não serem capazes de abandonarem-se e, assim, em queda, reinaugurarem-se.

A queda que pouquíssimas imagens carregam consigo parece fundar uma outra

De alguma forma, sempre foi a queda o

topologia a partir da qual podemos lançar

que mais importou, pois a imagem parece

um olhar não mais para o fundo, porém

não passar de um efeito, efeito de algo

para o fundamental, o que as habita é essa

maior que a supera e ultrapassa, de fato

clareira que o caminhar descobre no meio

a imagem ou o som, no caso da música,

da mata, que impõe sobre os passos uma

não passam de acidentes, de tropeços,

parada e um suspiro e que nos faz perceber

a imagem é efeito cuja causa é a queda,

que todo sentido, todo e qualquer sentido

e assim, seja como rastro, seja como

é uma construção para sempre acossada,

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e, sendo assim, a queda que possui e atra-

se quebrem durante a queda, o sentido é

vessa essas tão poucas imagens, esse des-

um rastro que logo seca, o sentido aban-

terro que a partir delas se deixa entrever,

dona rápido as coisas e as deixa assim,

a queda que nos abraça apaixonadamente

nuas, nuas como tudo que nasce, sem pelo

neste seu incessante despencar é certa-

ou nome.

mente o reconhecimento de uma condição, a condição de sermos parte, parte tempo-

TÔNUS E MENTIRA REPETIDA

rária de uma totalidade perdida.

Trata-se de poiésis, portanto. Poiésis, esse

140

vigor essencial que um dia informou, diriA queda assalta toda edificação por ofe-

giu toda techné. Poiésis, a produção inau-

recer seu oposto, o vento e o pó, porém,

gural de um desvelamento. Desvelamento

do ocaso do sentido, a partir desse vento

que assegura ao sopro alguma duração

que sopra sobre o vazio, mó de tudo o que

em meio à ventania. Um sentido criado

se ergue, a queda gera, ao mesmo tempo,

para as coisas, capaz de durar algum

uma camada mais profunda de sentido, e

tempo. Pouco tempo. Nem que seja um

ali, naquele momento, parece surgir o mais

suspiro. Nem que seja uma vida.

profundo entre todos os sentidos, a saber, tudo o que significa é precário, e, em

Vista assim, a poiésis surge como essên-

seguida, o que surge na queda é seu fundo

cia, como o humus que funda, a partir

ontológico, é aquilo que nos sopra delica-

de si, ontologicamente, o humano e sua

damente no ouvido, pois o fundamento do

humilis. O fazer e o dizer poiéticos agem

humano é criar incessantemente sentido,

sobre a rudeza de tudo o que há, produ-

é Sísifo, sua pedra e sua ladeira, mais uma

zindo incessantemente esse desesqueci-

imagem da queda, este esforço desmedido

mento, próprio da alethéia.

em criar para tudo isso que há um sempre fragilíssimo sentido, pois o sentido aban-

É contra o esquecimento que se dá o

dona as coisas como a solidez abandona

embate poiético do homem, guardião

as pedras que se tornam pó na mó dos

que é da criação. Este homem originário

ventos, é como a temperatura que larga e

era Adam, aquilo surgido de adamah,

abandona lentamente o chão após possuí-

que em hebraico arcaico significava

-lo durante um dia de sol, nada se agarra

terra ou solo. Adam, essa terra surgida

a si por muito tempo, tudo é, sempre foi e

do interior da palavra divina, não era

continuará sendo o mais sólido abandono,

macho ou fêmea, era o andrógeno, ante-

e todo sentido não passa de uma catedral

rior aos gêneros, era aquilo que havia

em cujas torres os sinos não possuem mais

para definir tão somente o “humano”.

badalos, o sentido é um lençol ou uma

A palavra Adam continha em si a pala-

manta com a qual envolvemos as coisas,

vra adom, que significava vermelho e,

para que não morram de frio, para que não

assim, além de humano, Adam era “terra

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Menira Repetida (2011)

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TĂ´nus (2012)

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TĂ´nus (2012)

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TĂ´nus (2012)

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avermelhada”, a mais fértil entre as ter-

montanha encontrou de falar sobre seu

ras do Oriente .

espanto diante do precipício.

Com Adam, essa terra vermelha, esse

Por isso aquele homem grita em meio à

solo fértil, dobra-se sobre si mesmo e

floresta. Por isso aquele homem grita,

cai, inaugurando assim a queda, esse

em meio a tanta vida. É o grito das ruí-

deserto vertical, que surge ao deixar

nas. Todo grito é um chamado. Todo grito

atrás de si o eden, este lugar impregnado

é uma forma de oração. E a oração, por

de presença, eden, esta farta palavra,

sua vez, é como o uivo de um cão perdido

que congrega em si o sentido hebraico

chamando a matilha. Um dia meus pares

de volúpia, prazer e, ao mesmo tempo,

haverão de me achar.

15

a acepção suméria de selva . Em queda, separado, a-partado, Adam afasta-se da presença, desta continuidade infi-

147

16

nita, eterna e inebriante. É em queda que se inaugura o tempo. E também o esquecimento. É interessante reparar aquilo que Heidegger diz sobre o esquecimento. Para os gregos, esquecer não era a impossibilidade de recordar, de re-presentação de uma memória. Antes, porém, o que Heidegger aponta é para o vigor perdido de uma presença que, subitamente, ausentou-se. Esquecimento era não mais participar. Esquecer, para os gregos, envolvia, portanto, algo ligado ao vazio deixado pela plenitude de uma presença. Em seus termos, um “não-mais-ser-lá-com”17. Se é esquecendo que se dá o mundano do mundo, será desesquecendo, por via de poiésis, que se edificará o humano. O humano, essa tenda aberta sob o sol de tanto deserto. Nesta tenda, o ser pode descansar sua gravidade cansada de tanta queda. O humano é a estratégia que a

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porém, o melhor para ti é logo morrer”. 01

CAMPOS, Haroldo de. Éden, um tríptico bí-

(NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da

blico. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 60

tragédia. São Paulo: Companhia das Letras,

[Bere’shit II: a segunda história da criação]. 02

SAFRANSKI, Rüdiger. Nietzsche: biogra-

1992, p. 36). 06

fia de uma tragédia. São Paulo: Geração

São Paulo: Penguin e Companhia das Letras,

Editorial, 2012. 03

Platão descreve a “doutrina do entusiasmo”,

2011, p. 11. 07

em seu Íon, como fenômeno de “posses-

148

São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 21. 08

na mitologia grega, filho de Gaia e Urano, a

portanto, a força que informa o poeta que,

Terra e o Céu, é o titã que dá origem a to-

envolvido por este estado psíquico, gera a

das as águas. De Okeanó nascem todos os

ação poética para o público. De uma “herme-

astros, e nele ocorre também o seu ocaso.

nêutica da intensidade” própria da poesia, a

Olokun, na tradição africana iorubá, é o orixá

filosofia como metafísica seria expressão da

do oceano e dos mares profundos. Híbrido de

verdade por querer ser uma “hermenêutica

peixe e homem, Olokun contém dois princí-

da decifração” do sentido. (Platão, Íon. São

pios espirituais, Somú Gagá e Akaró, vida e

Paulo: Autêntica, 2011). A obra de Nietzsche,

morte respectivamente. Toda vida nasce de

assim como a de Heidegger, procura cons-

Olokun, todavia sua fúria incontrolável e seu

rar um momento pré-socrático, anterior ao

temperamento intempestivo traz a morte. 09

BATAILLE, George. O erotismo. São Paulo: Autêntica, 2013, p. 35-48.

nascimento da metafísica, a força da Grécia

05

Okeanó, de onde surge a palavra oceano, é,

ter um deus dentro. O enthusiasmós seria,

truir uma reversão do platonismo e recupe-

04

Emmanuel Lévinas in POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaios e entrevistas.

são”, em termos de uma intervenção divina. Éntheos, en-theos, literalmente significa

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização.

Arcaica, quando poesia e filosofia nasciam

10

Idem.

em um único solo e de um mesmo assombro

11

Diz Bataille: “Suportamos mal a situação que

diante do mundo.

nos prende à individualidade fortuita, à indi-

Freud, Sigmund. O mal-estar na civilização.

vidualidade perecível que somos. Ao mesmo

São Paulo: Penguin e Companhia Das Letras,

tempo que temos o desejo angustiado da

2011, p. 07 a 17.

duração desse perecível, temos a obsessão

Silenus, o amigo fiel de Dioniso, sempre

de uma continuidade primeira, que nos religa

bêbado e brilhante, exatamente por ser embriagado, responde: “Estirpe miserável

geralmente ao ser”. (Op. Cit., p. 39). 12

Verdade para os gregos era a-lethéia. O pre-

e efêmera, filhos do acaso e do tormento!

fixo a, indica uma negação, e léthe significa

Por que me obrigas a dizer-te o que seria

esquecimento. Literalmente, verdade se-

para ti mais salutar não ouvir? O melhor de

ria então não esquecimento, ou lembrado.

tudo é para ti inteiramente inatingível: não

Prefiro pensar que alethéia é a ação de “de-

ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso,

sesquecer”. Este “desesquecimento”, esta

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incerto. Alguns estudiosos conectam o ter-

algo que foi ou estava ocultado. A verdade,

mo com uma palavra de origem suméria, na

antes de re-velar, seria então um des-vela-

acepção de ‘selva’, enquanto outros propõem

mento. Um desencobrir. A verdade seria a

uma derivação a partir do vocábulo hebraico

aparição do ser. Do ser em si mesmo.

para ‘delícia’ ou ‘prazer’”. CAMPOS, Haroldo.

O “Esquecimento do Ser” é um conceito criado por Martin Heidegger para definir o

14

Op. Cit., p. 19-23. 17

Diz Heidegger: “Esquecimento, como ex-

elemento fundador da filosofia enquanto

perimentado pelos gregos, não é nenhum

metafísica. Ao identificar o Ser com o Ente,

estado subjetivo, nem se relaciona somente

a metafísica, desde Platão até a ciência mo-

com o passado e com a ‘recordação’ des-

derna e, portanto, ao esquecer que haveria

te, nem é simplesmente uma questão de

uma “diferença ontológica” entre ambos,

pensar no sentido da ‘re-presentação’. [...]

entre Ser e Ente, teria instaurado uma cul-

Esquecimento é um ‘não-mais-ser-lá-com’, e

tura que reduz tudo a seu aspecto material

de forma nenhuma um ‘não-mais-recordar’.”

e de uso.

(HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Petrópolis:

A meu ver, essa qualidade translúcida da

Vozes, 2008).

149

13

alethéia seria a recuperação da presença de

imagem é cada dia mais rara, é independente do tempo cronológico e pode simplesmente inabitar, se ausentar, totalmente outras, como as performances La Bête, do brasileiro Wagner Schwartz, de 2017; Falling Asleep With A Pig, da irlandesa Kira O’Reilly, de 2009; e mesmo a série Jesus Died on the Cross, ou The Death of God, do inglês Damien Hirst, de 2005. Estas são obras exemplares disso que chamo de “imagens opacas”, avessas que são ao descontrole, à irrupção e que repousam placidamente em si mesmas. 15

FABBRO, Daniela Dal. Gênesis capítulos 1 e 2, 1-4: um estudo de traduções e exegese. Dissertação de Mestrado. Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 86.

16

Diz Haroldo de Campos nos comentários que faz de sua tradução de partes do Gênesis: “Do Hebr., eden, ‘volúpia’, ‘delícias’ [...] O significado da palavra Éden em hebraico é

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— VERSÃO EM INGLÊS — [ENGLISH VERSION]

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Aderbal Maia, Antonia Cavalcanti, Augusto Barros, Bárbara Buril, Betânia e Silva, Beth da Matta, Carlos Rodiney, Clarice Peres, Cristiana Dias, Elaine Anjo, Eugênia Simões, Guilherme Luigi, Gustavo Albuquerque, Isabela Faria, Jaidete Pinheiro, Jane Pinheiro, Joana D’Arc de Souza Lima, José Luiz do Nascimento, Juçara Pinheiro, Liliana Tavares, Lúcia Santos, Luciana Tavares, Luciene Pontes, Luiz Fabiano Pinheiro, Mabel Medeiros, Madalena Zaccara, Marcio Almeida, Margot Monteiro, Maria do Carmo Guerra, Maria José Barbosa, Marina Didier, Poliana Alves, Raul Kawamura, Renato Contente, Ricardo Freire, Rinaldo Carvalho, Robson Xavier da Costa, Valquiria Farias, Wanessa Ribeiro, Wanessa Santos e Wilton de Souza.

151

LEDGMENTS

ACKNOW

The publication of this book was only possible because, in Brazil, we have learned how to make the path of cultural production through affection, holding hands. Moreover, throughout my academic career, I was surrounded by friends who made invaluable contributions. My family was fundamental in this process: they believed in me, encouraged me, gave me support and welcomed me in their arms. My daughter, Clarissa Monita, who accompanied me, when she was a baby, at congresses, meetings and exhibitions and at the University, is the source of strength and inspiration in my life’s journey. All my gratitude to the professors of the Departments of Visual Arts of the Federal University of Pernambuco and of Paraíba, especially my academic advisor, Carlos Newton, to Maria do Carmo Nino and to Marcelo Coutinho, who were with me even before my Masters degree and here they are, in word, poetry, analysis and partnership. To the artist Rodrigo Braga, my interlocutor on this trip, thank you very much for your inspiration, availability, kindness and, above all, for your friendship throughout life. To my mother, Maria do Carmo Pinheiro, who has my full respect and deep appreciation, I dedicate this book. So, I would like to express my sincere thanks to:

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TATION

PRESEN 152

Pernambuco has always revealed itself as a territory of rich and vast production in visual arts. Artists from different generations present productions that establish dialogues world wide, revealing the crumbling of regional themes and pointing to the fraying of territories well defined previously in the arts. A plurality of discourses, techniques, experiments, formations and performances that crossed generations. Then, in the search to problematize, individually, the poetics of contemporary artists with productions in Pernambuco in recent years — specifically from the 2000’s —, and materialize and disseminate an in-depth critical debate about the production of these artists, the project GENERATION OF A CONTEMPORARY PERNAMBUCO is born. The GENERATION OF A CONTEMPORARY PERNAMBUCO/RODRIGO BRAGA inaugurates this proposal with a book about a relevant artist of the so-called Generation 00. Rodrigo Braga was born in Manaus and lived in Recife from his early childhood until 2011, when he moved to Rio de Janeiro. He has been developing his works among the Backlands, the region of Zona da Mata, the Coast, the capital of Pernambuco and other cities from inside and outside the country. Currently, he lives in France and stands out in the Brazilian and in the international visual arts scenarios, with exhibi-

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tions in the five regions of Brazil and in several countries. His works can be found in collections of important cultural institutions — such as the Maison Européenne de la Photographie in Paris, the MAM of Rio de Janeiro and São Paulo and in the Aloisio Magalhães — Mamam Museum of Modern Art in Recife — and they are relevant for thinking poetic ways of presentation that were (and still are) important for a generation of artists and critics in Pernambuco that promote the dialogue of contemporary art in the city of Recife with other parts of the world. Although academic researches have been done on Rodrigo Braga’s work and that he has in his curriculum several separate publications from catalogs of individual exhibitions, this is the first book about his works, unlinked from an exposition. A publication of special relevance for registering and, mainly, for spreading the knowledge about the works of Rodrigo Braga and his poetics in a broader way, bringing questions about his career and contemporary art and expanding the knowledge about the critical thinking generated in the Northeast region of Brazil. A work thought of three parts, since the beginning, which together form a set composed of “in betweens”, as a rhizomatic form, without fixed places, where the chapters do not evolve as a family tree with a high point,

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ments such as death, life and animality in his works — characteristics that cross the discussion about the artist’s own search for himself. In his essay, Marcelo Coutinho addresses the issues of criticism as a language that does not represent the world, but which unfolds from it, circumscribing, to a certain extent, with total fluidity, the proposal of the book. His incorporated writing unveils the odes of Rodrigo Braga, with an ode to poetry, language, poiesis, scream, fall, to oceanic feeling. And this way, a reunion between the student and the teacher and the meeting of artists, a call for a greater encounter between peers, through contemporary art and with what it feeds us.

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neither separate subject from object. A book that starts from academic research, without ignoring the affects. Also for this reason, the invitation to Maria do Carmo Nino and Marcelo Coutinho, artists, teachers of Rodrigo Braga during his graduation in Visual Arts at UFPE and researchers in the field of contemporary art. In the first part of the book, Maria do Carmo Nino analyzes the signs of dozens of Rodrigo Braga’s works. A trajectory that goes from older works (2001) to the most recent ones (2018), which are attached by their symbols and meanings, in superposition to the idea of a timeline. Through the word, the author takes us on a poetic dive into the works of this artist, reviving the look to the unlikely and its symbolic dimensions. In the second part, I focus on the relations of photographic language in Braga’s work, immersing myself in the concepts of miscegenation, hybridization, contamination and expanded photography. By going through the interwoven threads of this artist’s works, especially Comunhão (2006), Fantasia de Compensação (2004), Sal e Prata (2010) and Leito (2008), I do a reading about photography as a resource, support and language and I consider, based on philosophy, the symbolic and experiential aspects of these works, analyzing ele-

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Maria do Carmo Nino

BRAGA

OF RODRIGO

CROSSINGS 154

Life is the hesitation between an exclamation mark and a question mark. After doubt there is a full stop.

I WILL BET ON IT: CON(V)IVÊNCIA FERNANDO PESSOA01

Whatever lives doesn’t numb. Whatever lives wounds. Man, because he lives, clashes with the living. To live is to wend among the living. JOÃO CABRAL DE MELO NETO02

Performing this cross-reading of some of the works of the artist Rodrigo Braga gives me the impression of an imaginary conversation with him, as if we were talking directly. Undoubtedly this feeling is reinforced due to our coexistence of several years in the classroom. After all, that is what his works suggest to me and affect me as they share my own concerns and thoughts. Analyze the signs and meanings,expand them, show possible paths, but in doing so, clearly guard the recognition of the scope of being from my own references. Comment upon one another, as Montaigne would say. Or else, how to forget Oscar Wilde, who claimed that criticism was a larger form of biography? But what name in general could I give to this series of reflections that may serve me as Ariadne’s thread on this labyrinthine walk, not

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necessarily chronological? An expression comes to my mind.

Con(v)ivência03 is a portmanteau word that comes to me, at first, a suitable term, seductive, since when I think about this set of works, these are notions that seem essential and complementary to me. Interactive. Phenomenological. A work is certainly not something isolated: it is a relation in itself, it is an axis of countless and diverse relations with the world. And it is the result of the effort and congregation of many people who collaborate, although it does not directly lead to its emergence in the world. A work, that in fact, begins in the early 21st century, with a series made in 2001 called Unha e carne (Cartas ao vizinho). To the other. To the next. As united as the two being one part. Otherness. When we read Octavio Paz in O arco e a lira04, we realize that the otherness is a kind of passage to another threshold that at the same time constitutes an encounter with something that was already in us. “Nothing more ours and of the others,” says the poet. Paul Valéry talked about penser en serpent, which is eaten by the tail, I contain what contains myself and I am successively container and content. When I see these images,

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between opposite sides as he pleased, crossing thresholds. Between chien and loup. But the viscerality of the look and of the feeling is there. Whether it is in the nails that dig into the skin of this hybrid body in Unha e carne, or in the glow of the ember in the burning match that burns the skin in Risco de desassossego, or even in the red ink that covers the eye in the series Sem título, in the existence of the artist’s body, from a skin that becomes itself theatrical, emerges a self that never ceases to be at stake through its own sketches. We are all multiples, and artists in their works make these selves possible. They act like the scribes of an inner self. The verb to be is the freest of all, the most fond of the perishable matter of which we are constituted. Impermanences: states of transition. Maybe Kundera should have neglected the definite state of the being in favor of the transitory state of the being to evoke lightness after all. It is, however, more radically in Fantasia de compensação that the intensity of the operated metamorphosis shows more of itself with great impact. As mediators of the enigmatic, mysterious forces and revolts that inhabit them, by idealizing and performing a choreographed dance in the chaos of the world that imperiously emerges from their nights, this sea from within childhood, artists are those

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they evoke strangeness and familiarity in me at the same time. Something that happens in the complex relations between limits that are decimated. Mœbius. In media res, that is: in the middle of the things. It establishes an eternal “in” where opposites that unite are always present everywhere. To be neither completely yourself nor entirely the other, to be something in between. Coexistence suggests a “between”, something always to be complemented, an open complicity, in process. An experience in the phenomenological sense that we give to this term. Connivance suggests reciprocity, an experience of becoming, which rises between shocks and creates sparks, where it is implicit the acceptance of an always restart, in a kind of self-turning wheel or a river that never stops flowing, a holy “Yes” for the game of creation and life, as we see in Zarathustra. What flow is this that always goes halfway between two banks, but in search of a third and which source of the river is inconceivable? In these early series, including Risco de desassossego (2004), Fantasia de Compensação (2004), and a series Sem título (2005), the digitally manipulated image gains emphasis. Admittedly proteic. It is mainly digital technology that gives access to this investment as Proteus, this shapeshifter, able to come and go

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who, in reacting to this status quo and they put themselves in risk by putting them on the table, they surprise, they bother, they disturb, they destabilize. They create controversy. They seduce too. They explore boundaries. They immerse themselves in transcendence, seeking to grasp what ultimately escapes us all, the becoming of the abyss, the words we could never communicate: the comprehension of life, death, encounters, chances, nature, ... everything at last. Recalling past experiences creates alliances with the strata of our former selves, however the most distinct we may be in the present. And to carry out this venture, more than necessarily being strong, one must believe in oneself strong. The conception of this series of animal-man/beast amalgam images uses the classical conception of the animal ferocity mask as a threatening element that operates, in this particular context, as a “fantasy” of strength, courage, aggressiveness. To have, to scrutinize, to find and to recognize truths of one’s own soul, to purge traumas, to fill in the cracks, to heal the wounds, to promote reconciliation with the pain of the past. And, simply, to survive. Resistance as reexistence and overcoming. Everything we are and we live is in the present moment. To talk about yourself is to be aware of yourself. Objectify what is subjective. I can only think of the poet Fernando Pessoa: “Who am I to myself? Just a feeling of mine”05. An important guide to these thoughts of mine that will follow was a book by Maria Esther Maciel, entitled Literatura e animalidade06, where some aspects related to zoopoetics appeared to emerge in me as an interesting bias for the apprehension of various moments of Rodrigo’s trajectory. Zoopoetics, the author clarifies, falls within those poetics that, through verbal language (or others, such as visual or verb / visual, I would say), establish a pact, a link with our own animal essence.

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These are fictional attempts stratified from the use of metaphors, alliances that aim to make men more acutely aware of themselves, that make us reflect on our own nature and on the concept of human in which we have all been forged. In Western and European tradition, mainly, the human was defined in opposition to the animal. Everything happens as if the animal, when lowered, allowed the human to be elevated. Pure hierarchy as a base mat taken as natural for our comprehension of the inhuman. Our conception of humanism and humanity is anthropocentric, it is erected at the expenses of the repression of our own animality. This same animality even constitutes one of our narcissistic wounds through Darwin’s evolutionary theory, which, as we all know, evidences the animal origins of man. Evoking Agambem, with regard to the “anthropological machine”, this book by Maria Esther reminds us how duality is dialectically constituted as opposition and so, comprises exclusion as modus operandi. The current posthumanist tendency would then be to destabilize this culturally constituted sovereignty among us. Recognizing the multiple facets of the animal sign, crossed by complex sociocultural values, associated with its direct confrontation, bodily and phenomenological with spatiotemporal aspects of the natural environment, has increasingly become a constitutive conceptual datum of this artist’s authorial work. When I see some of the series of photographs, such as Da compaixão cínica (2005/2007), Da alegoria perecível (2005), Comunhão (2006), the performance of Negativo (2005), the triptych Do prazer solene (2005), Teu (2007), Leito (2008), the body, the organic matter, previously used in a more visually organized representational way as a seduction factor, put themselves on the scene in another way. The performatic statute associated with the practice of photographic recording, whether edited on video or

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variations of montages or changes coming from light variation, of the possibilities of work on scale and recreations of scenarios that simulate reality. Therefore, they are characteristics of language linked to the possibilities of the environment, both mimetic and mechanical. But rather than enacting oneself as another, of accepting oneself as another or accepting the other in oneself, rather than giving voice to Rimbaud’s excquisite poeticity in Je est un autre, Rodrigo, by choosing to work these organic natural materials to contextualize this otherness, inserts himself into this fictional attempt of con(v)ivência (coexistence and connivance) with this being that the anthropological tradition sees as unfathomable and radically other, even though its recognition is also our double, and to assume for us different configurations and affects which can be affectively as positive as negative. In an exemplary 1977 essay entitled Por que olhar os animais?, John Berger postulates the intrinsic condition of the animal’s otherness in relation to our rationality. The more observed and imagined by us, the more distant they are. Finally, this distance is due to the lack of a common language, the silence of the animal, its difference. “But exactly because of this difference, the life of an animal, which can never be confused with that of a man, runs in parallel to his. Only in death, the two parallel lines converge [...]”07. What were the secrets of the resemblance of the animal experienced with a ritualistic nature with the constitutive images of Comunhão (2006)? The dead goat and the interaction of tacit companionship and of meditative nature with it point to the recognition that human beings need to recognize themselves as animals in order to become human, and this is an ethical stance that intuitively embraces the current idea in this field of studies that the concept of human must be revised and reconfigured outside the anthropocentric domain, betting on

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not, and eventually capturing a video action confirms references in expanded artistic fields, resulting in camera-driven performances that will be highlighted from this stage. Each image is the result of a carefully thought, directed, staged, pre-produced action, which even involves the search for people to facilitate field recognition. It is necessary to create a “friendship” with the place, once arrived at the places where the action will occur. In order to create a sensory reality in which sometimes, besides being a performer, Rodrigo acts as a sculptor, as a painter, mostly with the main objective of incorporating questions that are personal, but which echo in diverse intensities, as expected, in other human beings. What begins most shyly in Para quem me faz bem (2004), where the direct interaction of the body with the organic matter constituted by the plant and the earth will unfold in a process in which the factor of performative character is most harmonious, as indicated in the title itself, with the elements which the body interacts, observed in the use of honey, earth, water and plants in Do prazer solene, or in the naked body of Teu, where we see him with his back to the camera and with his head completely bowed, in an act of surrender and devotional respect to the landscape before him, which visually complements his body. In Da alegoria perecível and in Da compaixão cínica, he promotes the crossing of boundaries between the human and non-human worlds through becomings and metamorphoses, by associating the body with elements of animal parts, viscera, chicken feet, fish scales, plants, fluids, etc. From the photographic point of view, these images are variants of self-portrait and, in this way, they are linked to the concept of identity and fictionality of the self. Photography is a device propitious to the reinvention of roles through its system of enunciation, that is the framing, and its constitutive cut, through

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the deconstruction of the hierarchy between species, after all death unites us all indistinctly. The issue here is not to live with the (dead) animal, which cannot look back, but how Rodrigo, as a subject, is constituted through the animal, even if this is one primarily rejected by our idea of urbanized beings, like a pig or a goat. Later in Leito (2008), however, the representation in the sequence of photographic images in looping already denotes, in my point of view, certain characteristics of shock, impact, admittedly of burden, even if the action is anchored in the exchange of a place which implies affective connotations, such as bed, protection, and shelter, between him and the exhumed pig, this interchange does not take place without considerable physical effort. However, the exposure mode, in which the muted sequence is seen at a reduced scale from a 9’45” steel box, lowers the tone of this idea of applied force. Previously to Leito, in a (unsettling and exciting) video called Vontade (2007), there is a transfer of the symbolic notion of burden to the association with the idea of frustration and the desire for the impossibility of freedom to take flight, placing in this case the protagonism in two small birds tied together by a rope, where one of them, inert, prevents the other from leaving in full impulse. Frustration and impotence of the little bird, at the same time as ours, since birds in general arouse our empathy; So, we can also reflect on the difficult notion of dealing with loss or abandonment, for example, besides, concomitantly, the artist asserts himself in his sovereign will to provoke us, even for a brief period of time. Killing an animal, eating it, cooking it, transforming it, even domesticating it, in short, it resembles an operation of objectification. It is a process of distancing from the animal into a moldable matter to human pleasure. This would be undoubtedly a dimension to be considered in the performance of Negativo (2005), which has also a ritual character, imbued with

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a solemnity present on the table impeccably covered with a white tablecloth, where the meat of animal origin, processed, ground, is manipulated by the artist’s own hands to suit his face, head, arms, elbows, chest, as in a traditional sculptural technical process of making a three-dimensional mold, intended to shelter the liquefied material that will culminate in a positive final result. It is an in absentia presence, a “no-presence”. Also working with the organic matter consisting of pieces of meat, in Ode (ao que se fode) (2007) he works with a sequence of twelve photographs in which pieces of meat initially arranged as a star or a kind of blooming flower are gradually being shaped to form a heart. In this process of (de)construction, the star/flower can be seen as a crushed heart, fragile as a mirrored pool of thoughts, in the words of the poet Sylvia Plath. Animals have always been subjected and worshiped, raised and sacrificed, and they are in Genesis, in the Old Testament, examples of exploitation of animal energy. Objectified. As Berger reminds us, the first ink was of animal blood, just as the first painting theme was also of an animal. For example, who watches the German director Werner Herzog’s documentary film Cave of Forgotten Dreams (2010), is confronted with rock images that undoubtedly prove facts of this nature. The series Hiato (2007) and Sereia (2007) make ambiguous the notion of beauty and horror. Sereia expands in a large scale and makes the image of a dismembered lizard sensual, and Hiato shows the mutilation of a tail, a tail whose separate parts, as the title indicates, they are placed linearly, enhancing the lack, the separation. Both are images about the fragility and constitutive precariousness of living beings08. Several other images refer to this question in the artist’s trajectory, making appeal to the life/death cycle and symbolic regeneration through art, as we see in Biomime-

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In the series Paisagens (2008), the threeweek process of immersion in a natural environment encourages the artist to reconfigure what he sees. He observes, analyzes and photographically records the interventions effected like this. Sometimes subtle, sometimes more ostensive, always imaginative, they force us to scrutinize them as riddles and to consider the human symbolic action involved in seeking what integrates a mimicry between human intervention and the ambiguous and natural state that reveals ambiguity and effectively constitutes itself as an invitation that excites the imagination to answer eventual doubts that arise, originating the effect of strangeness, which is opposed to the effect of real. Thus, the element of representation is highlighted by a distancing and receding effect, and the artificiality (the human action) is evidenced.

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Thus, in Habitat, a tanned animal hide (ox) is camouflaged over the cliffs where a river flows; a school of fish is seen, as if it was a cluster of fruits, fused with a tree in Samambaia; from the eroded red earth emerge, in contrast and as in a waterfall, rows of caught silver fish in Fato; Yet in Magma, a large pile of eggs emerges from the bowels of a cave; Segredo shows a tree from whose trunk, paradoxically, sprouts a saw; Mina brings us an abundance of fruits of various species and sizes, as if they had gushed, emerging from a cavity of the earth, resulting from a common origin; and finally in Paisagem, an image that titles the series, in the framing between two trees of similar size and appearance, when observing one of them, the lush with its green leaves, we come across a hanging sickle and, being this tree in front of the another, which in its turn is found naked, we imagined a narrative of cause and/or consequence that could explain the two situations in parallel. The notion of the agriculture of the image is very precious to the artist, we have heard him affirming this, and the whole work attests to this fact categorically. Rodrigo values the idea of cultivation and preparation that it is inscribed in it, that the artist who expresses himself photographically creates the reality that suits him, going against a certain tradition of the practice in this area, which was dominant in the twentieth century and that consists in the hunting, in the finding, in the discerning and in the recognizing of the moment and of the capturing of the act, of the instantaneous impact or of the search for poetry of something already existing and diluted in daily life. Photography has built an entire reputation, mainly from a documentary basis, since it emerges in the nineteenth century until the twentieth century, anchored in this point of view. But the form of iconographic conception that bets on the construction of the scene, despite preexisting to the turn of the digital,

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sis (2010), Biólito (2010) and Refugo da maré baixa (2010). How do we accept the lack, the hollow, the emptiness, the unknown, the uncontrollable, the imponderable, the evasive? With difficulty, most of the time. We are culturally persuaded to deny our fragility, neglecting the fact that it is from our vulnerabilities that our diversity, our possibilities, our strengths arise. As we reflect on the importance of recognizing fragility for life, we observe that, somehow, when we try to exercise power over other people, we tactically think it is better to hide our own weaknesses, but we use our knowledge of others’ weaknesses against themselves, so that we can subdue them. A conquest that, in the end, it forgets that, in essence, the main work of the human soul and spirit is a continuous process of mourning: it is the constant cycle of mournings and successive overcomings that enable us to receive and accept our weaknesses. Knowing how to win and how to lose. Being alternatively hunter and prey.

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in the early 21st century, was greatly benefited by this same technology, and, giving the primordial place of the notion of trace, “this was” Barthean, from the index, we get closer to what Philippe Dubois today calls fiction-image09. This aesthetic posture that evidences the construction and the mise en scène (staged photography) brings the making of photography closer to that which is characteristic of the static pictorial image, where the painter or even the sculptor, when performing a composition from the collection of chosen forms, proceeds by an ordering based on a sorting that approximates the concept of montage, in which the juxtaposition of diverse elements and / or fragments may allude to concrete clashes of textures, shapes, and to be associated with the juxtaposition of temporal montages. A conception of time that was then extended to other horizons, whose greatest characteristic is to belong to all times with layers of geographical and cultural references and to make fit into them an impossible or paradoxical landscape. One more atopy10 than a utopia. A zone of indetermination. This way I see Ilha-lago (2009), where a fish in a puddle too small for its size creates a strangeness; Terra (2008) presents a montage with horns and stone in a form that defies any taxonomy; Ilha negra (2011) presents a beautiful triptych with a thin light density plunged into darkness that defies our gaze and emerges as a mystery; Campo de espera (2011) shows a tree where some fish have been hung on ropes and whose smell attracts vultures, these small vultures that, to the detriment of their importance for the ecological and environmental balance cycle, evoke such negative imagery for human beings; and Decanto (2011), where leaves in autumnal colors of earth and green leaves are distributed in a mesh that resembles a fishing net. Even so, with this emphasis on the image cultivation, the idea of meeting is not com-

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pletely absent, as we can see in Sentinela do rio (2010), where we are shown a strange and seductive shape that resembles an eye which stands on the banks of the water, as in a waking state, already indicated in the title; and in the video Venoso e arterial (2013), where the water meeting allude to the idea of vital sap; on the other hand, in Deriva (2010), also the trunk of a tree covered by clear and limpid waters is noticeable in an image taken from an aerial perspective; or also in the image Sem título (pedra e árvore) (2012), where the textures and appearance of the item of mineral origin becomes almost indiscernible with the element of plant origin. As if they were of an indistinct nature. Such an image evokes in us the sensations that come from touch, from the gesture of groping. Touch is the sense that makes vision real: it gives us access to three-dimensional information about material bodies, giving us information about texture, weight, density and temperature. It is the sense through which man clashes with the outside world in a ruder form of knowledge. Polemos pater panton: war is the father of all things, as Heraclitus would say. Beyond the categories of traditional images inherited from painting, such as landscape, portraiture, still life, etc., and inherited by photography in their history as language, some of the presented images challenge our ability to circumscribe them in restrictive categories of thought. They gain in poeticity what they lose from taxonomic clarity. The quality of what is poetic requires that the obvious to be overcome by raising the sensitive, the biological to another level towards the realm of unlikely things. Something like flying off the wing, as the poet Manoel de Barros would say. At a conference given in Dornach (Switzerland) on August 12, 1916, entitled The Twelve Regions of the Senses and the Seven Life Processes, Rudolf Steiner11 proclaims the idea that man is a microcosm and relates to life through

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a great attention to details. I wonder that the importance that Rodrigo attaches to these steps alluded above speaks of the great necessity above all of considering them as the result of experiences, not just as (beautiful) static or moving images. Perhaps it is from what in the situation is offered more as resistance that the artist can extract from the experience a significantly dialogue, more incisive, prolific and deep for himself and others. Although our perception of the world is formulated by information provenient from our five most exalted senses (even if received through different channels), our ocularcentrism tends to make us neglect other aspects that are pertinent and essential to this work as a whole. Vision isolates while sound incorporates. Vision is directional while sound is omnidirectional. The sense of sight implies exteriority, but sound creates an experience of interiority. The eyes reach, but the ears receive. The task is, therefore, to create embodied and lived existential metaphors that materialize and structure our being in the world... that allow us to realize and understand the dialectic of permanence and of change, to establish ourselves in the world and to place ourselves in the continuum of culture and time. In approaching animality, anthroposophy, sexuality, fear of the unknown, the relation between man and animal, reactivation of the local economy, his works constitute artistic works that, from the perspective of today’s Anthropology, investigate the intimate connections between science, society, culture and politics and the crucial position of their intersections. Crossings. John Cage (1912–1992) was a composing artist who worked on the question of sound in space. His experiences in a sound and echoproof room inspired him to compose 4’33 ”, a play that invites listeners to listen to the silence for four minutes and thirty-three seconds. This silence is never total, because

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seven life-giving environments: breathing; heating; food; segregation; maintenance; growth; and reproduction. These processes would be related to all the twelve senses that he enumerated, which, in a way, flows through them all, consisting of movement, relating man to himself, to his surrounding environment and to the other people. By grouping these senses, Steiner seeks to establish their connection with the Wanting (touch, vital, balance, kinesthetic), the Feeling (taste, smell, thermal, vision) and the Thinking (hearing, language, the perspective and thought of others). They would therefore be of volitional, emotive or intellectual origin. It is tempting to see in his artistic experiences something that evidences and enhances these dimensions in several levels. If man, as Bachelard reminds us, is the creation of desire, and not necessity, this is somehow intended to bring out something beyond the conscious world, the place where the flame of desire lies in the deepest latency. The direct confrontation with nature and its intrinsic spatial and sound challenges open up many possibilities for this dive, which consists on giving itself the challenge, creating the problem, its storyboard or scheme, imagining how to solve it concretely and getting in contact with people who can assist in the demands of viabilization. In this state of fluctuating tension, then, starting to do it effectively, which, in this case, most of the time, it requires a considerable physical effort, that is evident mainly in the actions recorded on video, as seen in Provisão (2009); Sal e prata and Mais do que o necessário (both of 2010); Mentira repetida (2011); the series of a video in three channels Tônus 1,2,3 (2012); and De natureza passional (2014). Each environment or situation has its sonorous, visual, olfactory and tactile characteristics of intimacy, introspection or monumentality, memory and affection, which may be inviting or rejecting, hospitality or hostility, and demands

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people and the building itself make noises that contaminate the perception of space. “Wherever we are, what we hear is mostly noise. When we ignore it, it disturbs us. When we hear it, we find it fascinating”, he said. The noise of the soundscape12 that surrounds us can be considered a subjective sound, passive of human analysis. It is qualified as unwanted or disharmonious and, therefore, it has a negative connotation. But it is something intrinsic: even when we think we are in absolute silence, we have the sounds of the organism. It is certainly under this symbiotic aegis between senses and vital processes that we can see countless works such as the tributaries of the stay in the cities of Solidão and Tabira, in the backlands of Pernambuco, named Desejo eremita (2009): I gather a little of me, a little of the surroundings, a little of the other animal (human or not) and I ruminate images. Portraits from the outside and from the inside […] I entered in search of peace, of a symbolic landscape that I would not find here where I live, but I came across again with what was already inhabiting my work: the inevitable life cycle to which all beings are doomed.13 In a work of 2012 Sem título (animal, vegetal, mineral), he puts, in the same line of equivalence (the horizon line) and intrinsically he tied the three main natural kingdoms together, which reminds me the photographer Oliviero Toscani with a representation where the image of vital organs (heart) is indistinct for the three races, in the image only linguistically indicated, as a way to make us aware of a separation of only ideological bias. This amalgam is also operatively addressed in the site specific De matéria mestiça (2014), where materials from several kingdoms coexist symbiotically, as well

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as in other images, such as Broto-pedra (2013), Eclosão (2014), Microcampo híbrido (2013), Broto-osso (2012), Corpo duro (2013), Mortalha mútua (2013) and Arbusto azul (2013). The work Abrigo de paisagem/veículo de passagem (2015) presents another type of fusion, between natural and artificial, referring here more to a nature / man / city clash, within the tradition that relates nature and culture. In the book Desonra (1999), of J. M. Coetzee14, human-animal relations abolish exclusionary dichotomies and they have the same complexity of the discussions of relations between blacks and whites, men and women in the context of post-apartheid South Africa. Yet the artist Antônio Dias, with the work in the form of visual poetry The Hardest Way (1970), presents the words GOD DOG also in the same line of equivalence and reversibility, alluding to the creator-creature tension by a bias of mirroring and of continuity that works both ways. All reflections, in my point of view, symbolically question the limits, the boundaries, as we see in the series of works that compose Os olhos cheios de terra (2018). Some arbitrarily and culturally pre-established polarities are critically seen (for example, in the film Esquerda direita preto branco), which reminds us how stagnant categorizations must be abandoned to grant the privilege to the relation: no being is absolute, but on the contrary, it demands to be seen in context, it is always with, and, this way, the consideration of nature and culture as opposite kingdoms falls apart. That implies on the necessity to revise assumptions — imported from the disciplinary divisions of the modern sciences and even from common sense — as to where the separation between human beings and their productions occurs, that is, the culture — and not humans — that is, the nature whether they are animated or inanimate once socio-technical networks imbricate all together with knowledge and powers as constituting concordant contradictions.

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We could finally say with Mário Quintana: “The past does not recognize its place, it is always present.” A work that captivated me a lot was Sinais de Alam (2017), and I choose it to end this love story of a Barthean nature, perhaps because I see in it a kind of condensate of several ideas that permeate Rodrigo’s trajectory as a whole. The deep and intense desire for integration with nature (Alam) at a transcendental level that affects people from the southern interior of the great island of Java, Indonesia, makes them see signs in nature that constitute intense forces and influence people and landscapes, according to the artist’s statement.15 I immerse myself in the transcendence, in the sacred, in what we do not understand: life, death, encounters, chance, nature, as said before in this text. After all, life is about what is not known. “Other times when I hear the wind blow, I feel that just hearing the wind blow makes it worth being born,” said Fernando Pessoa. It seemed to me like a way of living the magic and at the same time being on a physical plane, living in the illusion of both universes, the upper and lower realms, the barrier between the upper soul and the lower ego, moving from one to the other. Death and life as colon with one line, tenants of the same ground between which there is division as much as connection. Time, according to St. Augustine, is an aporia, a definite point between the past, which is no longer, and the future, which is not yet. But, when we close our eyes, it matters what the silence tells us. So let it spread. And let it sows. And let it work on us.

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In the installation Baía do cavalo morto (2013), Rodrigo had already faced the challenge of translating symbolically, in a new internal environment, the transmutations suffered in the landscape of a certain urban area in New York. Yet in the four-hour action, Florão da América (2016), the landscape protagonism is due to the bright horizon of the city of Rio de Janeiro’s relief in the background, over which other horizons overlap in smaller scales, composed of rocky islet, where yellow pennants he called “gold-flame streamers” flutter in the wind under an almost always indigo sky: title and colors refer to the symbolism of national flag and anthem, and through this bias, the idea of conquering a country and its borders continually in process. However, it is in works such as Tombo (2015) and also Mar interior (2016), both site specific impregnated with memory and past, that the result proves to be very effective, including due to monumentality, I believe. In Tombo, imperial palm stipes are sparsely distributed in neoclassical architecture; In Mar interior, 45 limestones with encrusted fossils rest in the esplanade basin between two major cultural spaces. These confrontations make me reflect on the look at the construction of landscapes understood as spaces where human beings inhabit and transmute into a coexistence between the pragmatic and the symbolic. These spaces in continuous transformation, and this could be generated even by human and non-human factors, between the necessity to preserve and tear down (present in the ambiguity accessed through the Portuguese language of the title itself in Tombo), also reminding us that even the idea of landscape can never be dissociated from temporality, whether it is incident on living or non-living things, minerals or plants, as well as geological, atmospheric, historical and immemorial cycles. Moebian producing landscapes and being produced by them in our daily lives.

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Poet, born in Portugal (1988-1935). Excerpt from the poem Dog without feathers, written by the poet from Pernambuco João Cabral de Melo Neto and published in 1950. TN: Here, the author plays with the word convivência that in Portuguese means coexistence. When suppressing the letter (v), it changes to the word conivência, which means connivance. Paz, Octavio, O arco e a lira. trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1956), 1982. Pessoa, Fernando, Livro do desassossego, São Paulo: Companhia das Letras, (1997), 1999. Maciel, Mª Esther, Literatura e animalidade, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016 BERGER, John. Sobre o olhar, trad. Lya Luft. Barcelona: Gustavo Gili S.A., (1980) 2003, p. 13. Carrière, J.- Claude, Fragilidade, trad. Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Objetiva, (2006) 2007 Dubois, Philippe, Da imagem-traço à imagem-ficção: o movimento das teorias da fotografia de 1980 aos nossos dias, trad. Henrique Codato e Leonardo Gomes Pereira, in

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Discursos fotográficos, Londrina, v.13, n.22, p.31-51, jan./jul. 2017. MACIEL, Mª Esther. Op. Cit., p. 90. Founder of anthroposophy, Waldorf pedagogy, biodynamic agriculture, anthroposophic medicine and Eurythymia, Rudolf Steiner was a philosopher, educator, artist and esotericist. See The Twelve Regions of the Senses and the Seven Life Processes, ed. Antroposófica, 1997. Concept associated with Acoustic Ecology, which is the study of the relation between living organisms and their sound environment, in which Muray Schafer (composer, writer, music teacher and environmentalist) is the main figure. Text of the artist on his site. J. M. Coetzee, Desonra, trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, (1999), 2000. Text of the artist on his site.

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breaking souls, moving stones, and humanizing animals. FRIEDRICH NIETZSCHE01

ABOUT PHYSICAL RELATIONS Critics sometimes express their dissatisfaction with researchers who contemporaneously think the work of art from a language. For some scholars, you can not analyze contemporary artwork through a resource. After all, this would be an opposite path to the trajectory of artists, as Rodrigo Braga, who proposes to do something that goes beyond these resources. The fact is that, although photography concentrates most of the poetics of this artist, — which can be seen either in the sense of artistic power or in the predominance of language in his professional career — his work, simultaneously, points to a dilution of the limits of languages. Therefore, the boundaries are on the focus of this research, carried out during my time of study in the Associated Program of Master’s Degree in Visual Arts of the Federal University of Pernambuco – UFPE/Federal University of Paraíba – UFPB, and that aims to discuss the

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use of photography in contemporary art, starting from the works of Rodrigo Braga. Rosalind Krauss, in 1979, pointed out that the concept of artistic language had become “infinitely malleable”02. The categories, such as sculpture and painting, for example, were shaped, stretched and twisted by the critique that followed American art, in a demonstration of the elasticity of concepts. The mutable meaning condition of the artistic categories — obviously not detached from the history of these resources — generates what Krauss calls the extended field. The dialogue of the visual arts with diverse artistic languages and also with other areas of knowledge — anthropology, literature, sociology, philosophy, to name a few examples — was configured, in a way, already in the early twentieth century, the reason why today it is so difficult to think of hard boundaries in this field. At that time, the Dadaist and Surrealistic events already demonstrated the detachment of many artists to traditional art techniques and materials. Painting and sculpture were both challenged and produced within a broader spectrum of activities at the same time. Digital language only reinforced this tendency that constantly claims the use of the concepts of miscegenation and hybridization in the process of analysis of the works.

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Rebeka Monita

BRAGA

OF RODRIGO

IN THE WORK

PHOTOGRAPHY

THE

ELEMENTS:

AND OTHER

SALT, SILVER

[...] art’s mightiest effects —

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These concepts permeate this research, originally thought of three parts that together form a set composed of “in betweens” as a form and a rhizomatic writing, without fixed places, with embedded text: ingrained and cracked. A writing that moves between the academy and the informality, between history and a report, fiction and reality and between a letter and an essay. Along this path, I came to two lines of thought about contemporary photographic production: one that has as its object the physical relations of these works; and the other, symbolic and experiential relations. At first, what interests me, using the term from the exhibition of Olhar e fingir: fotografias da coleção M + M Auer, is the “physical transfiguration” of the photographic record03, its expansion, as a repertoire of representation and dialogue with other languages, that is, the work in its own physicality. Rodrigo Braga’s first works with photography clearly highlight these relations between the photographic field and the body of the work. For the elaboration of the series Cartas ao vizinho (2000/2001), photography was first used as a resource, not as an artistic language. For the series, presented to the public at his first solo exhibition in 2002, held at São Francisco Cultural Center in João Pessoa (PB), Braga used the camera to make a record of the models’ feet. So, from the picture, I used to act out there, with people, with feet, with what I wanted, I used to take the photographs, and then I used to go to the computer (to scan, right? Because it was analog), to make the high contrast and to print, copy and, then, I used to use thinner to lay the ink on the leather to make all the elaboration very plastic (BRAGA, 2014)04.

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On this occasion, he used photography as an element that helped him in the production of the work — in the backstage. Notice that this information is something that goes beyond the finished work — the there it is or, as Roland Barthes would say, the it was. This shows the important role of using photography as a starting point of the work to think about the expansion of the language. The photography critic Rubens Fernandes Júnior (2006) points out that one of the levels of artistic intervention carried out in the socalled expanded photography has to do exactly with this “[...] integration of photography into a more complex visual organism, combining it with other media or transferring it to other media”05. In this association with the diverse procedures, photography also develops its fertile field of expansion. By digitalizing the image, photographic language is transformed into binary mathematical language, expanding even more the possibilities of modification and the limits of language. It was in this process of digitalization that Unha e carne (2001) came up, the first work of Rodrigo Braga with result in photography. He decided to manipulate, through the computer, the photographs that until then were only used as a record and as a resource for the production of Cartas ao vizinho.The images of the feet digitally modified, which today belong to that series, can be described as part of a process of proliferation and of transversality of a language. This is what Icleia Cattani (2007) says when one observes the works “that originate other works [...] that open to other ways of expression, new languages, different supports and techniques”06, an internal problematics to the concept of miscegenation in contemporary art. Cattani, who brings up to date the discussion of hybridization, uses the term miscegenation to refer to the diverse crossings in contemporary art. To her, miscegenation points

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tograph, the after, the last moment before the final return — the spoon was buried in that deep hole. According to Charlotte Cotton (2010), contemporary photography is used in many ways in the visual arts, including “[...] as an ingredient that can both intentionally break and consolidate the general narrative of an installation or work of art.”07. In Sal e prata I can say synthetically that photography contributes to the narrative principle of the work, mainly consolidated with the presence of the text. Other works have a clear mixture of languages. This is the case of Leito, produced in 2008, in the city of Glória do Goitá, about 44 mi from Recife. The work, which was part of the solo exhibition of Braga (Paisagens) held in 2008 at Galeria Amparo 60, in Recife, consists of an object — formed by a steel box (9,45 x 9,45 x 9,45 in), a lens (3,94 in) and a monitor (7 in) —, which reproduces a black and white video (1’30”), consisting of a sequence of looping photographs showing the artist digging up a pig and putting himself in his place. A variety of resources and supports that allow the artist to circumscribe his work in a differentiated area, aesthetically outside a compartment. In other words, photography was used in this work not only as one more element, since the work consists mainly of this exhibition of images. That is, unlike Sal e prata — whose work is divided into three equally relevant languages —, in Leito the “photocinematographic box” is the central language, a more hybrid product, a concept that indicates, as Néstor García Canclini (2008) well pointed out in Hybrid Cultures, a combination of several parts to form a new element that has nothing to do with the idea of sterility that is often associated with the term. After all, according to Canclini, “There is no point in being captive of the biological dynamics from which takes a concept”08.In this sense, this fact does not prevent us from thinking that there is also in

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out a type of discussion that proposes to think the mixture of elements in the work of art that do not lose their specificities, they neither merge nor form a new product. The miscegenated art can be understood as a map formed by several elements within the rhizome, open and connectable in varied dimensions. Cartas ao vizinho, among other works of Rodrigo, presents what I call the evident mixture of languages. The photography is used on them as one more element to compose the final work — a use that, obviously, is not done randomly. In Sal e prata (2010), the union of photography with the text and video makes an unknown time arise to us. The work was produced from a dream that the artist had about Dalva da Silva, in October 2009, an employee who dedicated herself during twenty-five years to the housework. In the dream “Dalvinha”, she obstinately dug a hole into the depths. She looked tired, but she was certain of her will, apparently meaningless: just digging, digging and deepening indefinitely. For the production of the work, Rodrigo Braga dug — with his own hands and a silver spoon, which he took from his mother’s house — a hole about eight-feet deep. This act, which lasted for fifteen days, in the backyard of his studio in the neighborhood of Casa Forte, in Recife, represented the dedication of the housemaid, whom he has known since he was eight years old. By digging, Braga symbolically assumes the place she occupied in the dream and at his home, where she had a life of effort, repetition, work, strength, isolation and escape. Without the video, we would not have known about the performance. Each element shows a sequence: the text, which describes the dream, is part of the before — a previous moment, but already in process; the video is the reduced process itself — a fifteen-day action presented in nine minutes; and the pho-

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Leito, even in hybridization, a constant tension between the video, the photography and the object itself. In the photographic sequence, the time of the image observation is extended, dilated, between the diverse images. A sequence that makes the viewer confuse photography with video. It is the diversity of sensory proposals, as Paulo Herkenhoff would say (2008)09, by altering the logical functioning of things, whether in form (photos transformed into sculpture), in utility (a photo that is now a video) or in time (dilated). In the illusion of the film movement — mute —, the public is unsure whether they are video-like photographs or frames of a video. What does it matter? It is impossible to separate the photos of Leito from its video, and like a rhizome it is not even possible to know where the first root came from. This photo-video relation of the work is still reinforced by the separation between the observer and the object resembling a TV box, or the sculptural dimension of the work. The artist seems to have gotten stuck in the box; the viewer is outside, like a voyeur watching through the camera hole. The photography, which is now cinema and object, is two and three-dimensional, flat and objective, but expands into the three-dimensional space of the installation. Leito explicitly has what the curator Eder Chiodetto calls one of the main marks of Generation 00, which is this ability to “[...] merge and confuse the boundaries between languages”10. The photographs that compose this work are diluted between the artist’s gaze, body and existence. Less objective, they expand into the exhibition space not only conceptually but plastically. Designed beyond the two-dimensional photographic paper, they also interact with the personal scope and the imagetic intrinsic to the photographic image. In general, the involvement of the photography in contemporary art is divided in two

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major blocks. In the first, photography can be thought of as one more resource for visual artists. In this case, it is aggregated as an element of formation or composition of the work. This is the case of Sal e prata, Cartas ao vizinho and, to some extent, Leito, works where photography, together with other means of expression, becomes just a sentence or a word in the midst of manifestation, just one more element able to meet the demand of the artist. On the other hand, photography can also be used in its autonomy of artistic genre. After all, photography, with its specificities, is not an endangered language in art. It can also participate in art as a specific language that is built on a contemporary way-to-do. I refer to works whose final result is specifically seen in photographs, although they were certainly not produced in isolation from other fields. In works such as Ilha-lago (2009), Arbusto azul (2013), Mortalha mútua (2013) and many others that composed the Agriculture Image Exhibition11, it is possible to identify relations with painting. It is the contrast of colors previously planned, the landscaping nature of the images, the chromatic reference of still life, conscious or not, in Ilha-lago, presenting the fish as a central figure in one of the two main colors that make up the scene, with the reduced use of elements and the formation of a frame through plants. It is the influence of painting, as Braga consciously pointed out: Painting is very fundamental to me till this day. I finished my last work the day before yesterday [Arbusto Azul] and I saw myself as a classic painter, although I had no paint or easel. On the easel, on the tripod, it was the camera. But I went all the time between the camera’s viewfinder and the object I was building. And it was a sculptural object too [...] photography gives me things

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Photography in contemporary art problematizes rigid boundaries of disciplinary fields. Even completed works in photographs seem to live in constant tension with other languages, demonstrating the dilution of boundaries. In Comunhão (2006) — work exhibited for the first time in the Itinerant Portfolio Project, held at Itaú Cultural Institute in São Paulo (2006) —, this tension can be perceived by the photography-performance relation, which is present in the registry, in the freezing moments of Braga’s actions with the goat — lying, buried and in the grass bed. It is the photography in its performative aspect unveiling tensions. For the production of Comunhão — a work that, together with Hiato (2007), gave Braga the prize of the 62nd Salon of Plastic Arts from Paraná, promoted by the Museum of Contemporary Art of Paraná — Rodrigo Braga pre-established the three scenes that would be exhibited in the images. To do so, he went several times to Glória do Goitá, the same city where Leito was produced. In the field, the artist was assisted by three people to dig the hole, carry the goat and help him register the actions. Braga usually makes a kind of script for his works — a sequence of drawings. These are scene plannings that seem, at first glance, to freeze the performative action. However, their actions are closer to a ritual than a mere punctual action. Rodrigo Braga prefers not to put actors for the production of his works, nor to represent as an actor. Besides, he prefers to perform the actions without the presence of the public — the only exception was in the performance

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of Negativo, which occurred to the public of the State Museum of Pernambuco — Mepe, in 2004. With the significant insertion of photographs from performances in the museological spaces, acting as the work of art itself, the presence of the public during the performance action was dismissed. The fact is that performances and actions escape any exact and / or simple definition and Braga is going through an experience there that he has given himself the goal of accomplishing it. Undoubtedly, something is more evident in works involving videos or larger photographic sequences, such as Leito, where the public can view the artist’s performative action more objectively. About the photography-performance relation, professor and curator Tadeu Chiarelli has long said that “The authors of contaminated photographs are fundamentally performers.”13

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that I can’t do with painting. I never stopped painting because, in part, I loved the manufacture of painting, I got out of it, I got out, I say “I was born” of it, the drawing, the painting, it has to be trained anyway12.

and in this sense they are not seen as photographers, but as artists who manipulate the process and the photographic record and contaminate them with senses and practices. Rodrigo Braga’s work, whether it is finished with photography or another language, runs through the artist’s body experience in the production of the work — something that lies at the boundary between art and life — and it is done under the field of performance. His works operate as reflections of the postmodern processes practiced by the subject / artist, on the boundaries between photographic and / or videographic language and performance, as well as between the edges of the artwork and the recording of the artist’s experience. I take the postmodern word by echoing the ideas of Lyotard, who considers postmodern society the “[...] state of culture after the transformations that have affected the rules of the games of science, literature and the arts from late 19th century”14 with the incredulity of the metanarratives. Provocative scenario of the re-questioning of the delimitations of fields and classical disciplines, that gives rise to “an

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immanent network of [...] investigations whose respective boundaries do not cease to move.”15 Using the concept in the field of the arts, in summary, I think of the rearrangements of languages once regarded as independent, and I also think of the relation subject/object art/life.

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ABOUT SYMBOLIC AND EXPERIENTIAL RELATIONS After understanding the process of diluting the physical specificities of artistic languages — even in works that are physically photographic — I realize that there is something about them that hides between the sound of words, something that has no possible link with any language. Philippe Dubois explains that in photography there are “signs by physical connection” that attest to the existence of something at our eyes, but which do not explain the meaning of what is represented there. These indexes, as I said in other occasion, “[...] tells us nothing about the meaning of this representation”16. According to Dubois, every photograph is first and foremost an index. Then, it is defined by a relation of resemblance, when it becomes similar to (icon) and acquires meaning (symbol). The symbolic relations of the photographic image can be compared to what historians usually call imaginary, something that concerns to the representations of a society, the ideas that a certain group has about death, body, future, life, God, woman ... Something that, above all, concerns — starting from the most common historiographical meaning of iconography — to the aspects that include the artistic questions and the imaginary behind each work. Contemporary artistic photography encourages the viewer to try to decipher its codes and its symbology, unveiling the relation of the art with other fields of knowledge, such as philosophy. Mingled with other languages and knowledge areas, these photographs are often not easy to read.

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Deleuze states that, in speaking of the “extraordinary” similarities between scientific and cinematographic creators, “philosophy, art, and science come into relations of mutual resonance and exchange, but always for internal reasons. The way they impinge in one another depends on their own evolution”17. He considers these three areas to be sort of “melodic lines” that, even being separated, they are in constant interplay with one another. Thinking about the possible symbolic relations of Rodrigo Braga’s photographic production, I realize, in works such as Comunhão, that photography expands not only by presenting itself mingled with the performance, but also in these relations of resonance that artistic language establishes with other areas of knowledge — an amalgam in art. And, in this sense, I argue that thinking about the symbiosis of this photograph with other organisms that form the cultural sphere leads to a reflection on the reasons that generate the work that, as Marcelo Coutinho said, remain restless there, “[...] in the vastness of your silence, proliferating embers and questions”18. I speak of crossings that do not promote fusion (after all, the specificities of the elements — art and philosophy — are preserved), but generate questions. It is the researcher Eduardo Jorge who considers — when carrying out an analysis about Comunhão I — that symbolically this image suggests the conciliation between the body of the human being and the animal. Extending the observation to the three images that make up this series, I consider, moreover, that Comunhão problematizes the distancing and differences between the beings, drawing attention to the hierarchical relationship that man exerts on animals, as Rodrigo Braga says in the excerpt below. The fact that I am alive and that he is dead exists, [...] although the

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The series deals with the tension — meeting/not meeting — between the living. It shows the animality of the human being — connection and confluence with the goat — and in parallel exposes Braga’s “human, too human” condition, a consequence of the questionings about the animal’s origin. Who killed the goat? How did it get there? Rodrigo Braga bought the animal at a fair where the animals are sold to be slaughtered. Among the live goats, he chose an old goat, which had the characteristics (thick fur and large horns) that he thought to be important for the work. Braga then asked the merchant to let that animal reserved for him after the slaughter. It is this hierarchical condition that the artist refers to. Man dominates nature, kills the nature and takes from it what he needs. After the action, Rodrigo Braga donated the animal to the same merchant who sold it (on that day and place, six other goats were slaughtered). About the goat used in the production of the work, the artist explains: “I didn’t even ordered to kill the animal, I waited it to be killed”20 — still a possible choice — a relation of power. At the beginning of the research, I believed that death was one of the themes of Rodrigo Braga’s works. Today, I realize that if we separate this subject from others, this premise is not false, but if, on the contrary, we do not establish divisions in the artist’s discourses, we can realize that death, like animality, is part of the discussion about the existence of beings. All beings end in death. Death — in Leito, represented by the grave; in Comunhão, represented for bodies

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that seem to be in a burial ritual and for the desire to end up together — it provided a closer approximation of the lines that separate the human being and the animal. It is in death, or in its imminence, that man may most radically experience his animal existential condition. The unfolding of Rodrigo Braga’s production is pervaded by the intentionality of surpassing all animal / human boundaries, in all stages of the subject’s experience21. To the English philosopher John Berger, only death is capable of that. In Animals as Metaphors, he says that the silence of the animal is responsible for making it different from the human, “Just because of this distinctness, however, an animal’s life, never to be confused with a man’s, can be seen to run parallel to his”22. In other words, based on philosophy and in a narrative from antiquity, Berger says that the lack of common language between man and animal makes them different from each other. Death, therefore, silences the beings and highlights their similarities. In his works, Braga reinforces, through the sequences of the images, that death is part of the life cycle. In Comunhão I, the moist earth, the one that makes sprout, it is the same one that buries. In the subsequent image, the positioning of the artist’s body and of the goat generates an oval design reminiscent of a cyclic scheme — the biological cycle of beings: life and death, transformation of matter. In Comunhão III, the brachiaria bed — the name of the grass that appears in the images — accentuates this cycle that ends in death and restarts every day, like the living grass and vegetation in the foreground and background of the image. In Leito, this reality is present with the burial of those who were alive at the beginning of the video — life and death, human

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image is very confluent, beautiful. It is communion, but something a little hierarchical [...]. It was a slaughter animal that the man killed. As he dominates nature, he kills the nature and takes what he needs from it19.

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and animal: the inclusive system of opposites that configures miscegenated art. Among these symbolisms, used by the artist to translate to the image the questionings about what it really means to be human, to another one no less important. Both in Comunhão and in Leito, he performed the actions naked. In both works, the artist’s nakedness — even when not directly seen — if does not convincingly reveal a harmony between the beings, it shows at least the desire for conciliation. In an effort for an encounter, Braga puts himself on a position of equality with the animals. He embraces the goat, buries himself in the place of an animal or as an animal. The contact body to body, whether literally exposed (leaning his head on the animal’s head) or not, reveals a man immersed in animal life, on the deathbed. In Comunhão II, they seem to rest in peace, a kind of thoughtful modesty, common among humans. He also seems exhausted by a struggle that is not physical, in the sense of contact, but which causes the exhaustion of body/mind. This tension is also present in Fantasia de compensação, a work that clearly deals with the speculative capacity of digital manipulation, but metaphorically strains the boundaries between humans and nonhumans. After all, what is that? The lines that separate the parts of the dog and the man are somewhat fuzzy (observe in the image). They are lines that disarrange the essentializing function of a contour. Would Braga be imitating an animal? Certainly not. The young artist, once stricken with social phobia, symbolically and experientially incorporates the strength of the rottweiler (why not that of the pig or the goat too?). He does not become a dog or homo dog or animal or man. There is no imitation, the man here does not operate by resemblance. The human figure breaks up through symbolic surgery and, in my point of view, these operations are

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“[...] rather, an encounter between two reigns, a short circuit, the picking up of a code where each [goat, dog, pig, man] is deterritorialized” (DELEUZE; PARNET, 1998)23 in a process of metamorphosis, valence increase, becoming. Symbolic and experiential relations mingle here. Symbolically, as said, the artist incorporates the animal, takes its strength and energy and, in this ritual, he also incorporates the image of the strong animal. In the process of self-hunting, translated by the artist’s interest in existential themes, Braga goes towards his difference — dead individual, non-human animal, traitor of his kingdom, of his life. They are escape lines, deterritorialization movements, creators of becoming — becoming-goat, becoming-pig, and why not? becoming-child, in which the pig and the goat were the mother; and the artist, “[...] the desperate child before his dead mother”24. In Fantasia de compensação, the artist loses his face, his identity, he becomes unknown. He seems to know that, in the process of becoming, one must disappear, as Deleuze said. Rodrigo Braga differs from himself and proposes his reencounter, and that of the world, with nature. His works intensely expose animality, that is, they are encounters that remind us of how animal we are. A reunion to point out that we are much closer to animals than it seems and that life and death are implicated in us and in the animal. But what is precisely an encounter? Deleuze answered Parnet: “will it be an encounter with someone, or with animals that come to populate them, or with ideas that invade them, with movements that commove them, sounds that cross them?”25. In my opinion, Braga’s encounters with the goat and the pig were physical and in the plan of ideas and movements around life. So, I start from Deleuze to think that it is in the capture of philosophical movements that

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Rodrigo Braga creates works of art that imply existential questions. In the search for himself, Braga deals with existential elements common to contemporary human being and enables his plastic visualization, especially through the photographic image — this is what Eduardo Jorge calls the oscillation between metaphor and metamorphosis. They are works that, when gaining more philosophical contours, expand the mesh of photographic making to a more subjective and permeable field. It is in this sense that the text presented here was also nourished, during the research process, of experiential relations, because the present research does not try, as Deleuze and Guatarri say, to appropriate of becomings “[...] to hunt them and reduce them to totemic or symbolic correspondence relations”26. Although

This subject brought to my mind a letter that I sent to Marcelo Coutinho, as a requirement for the evaluation of the course I took in the master’s degree during the development process of this research. For a better understanding of what it is, I choose to expose the letter in full, even if some data or observations have already been listed here.

we never have the exact dimension of Rodrigo Braga’s experience, his experience hits us. But how to contemplate in this text the gap between the artist’s experience and mine as a researcher and spectator? Braga’s work is crossed by this limit-experience. However, it must be understood that before the eyes, as Georges Didi-Huberman says, the image will remain irreducible:

graduation classes are not over yet

Olinda, January 17th, 2014.

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Dear Professor Marcelo, How are you? How was the holiday season? I hope everything went well. I’ve heard that, at the University, and that, despite the end of our Masters meetings, you have not had a vacation. I am sorry for that. I hope you still managed to get some rest and to find the moments of silence you need so much — moments that certainly reconnect us with nature. How are things in São Serafim? Lots of fruits this summer? How are human

Neither knowledge (as many historians think) nor concept (as many philosophers think) will grasp it, subsume it, resolve it, or redeem it. The image is a bypass. We should follow its movement whenever it is possible, but we must also accept that we never fully possess it27.

animals doing? And the nonhumans? Are they fine? Hope so. Professor, the distinction above was not made by chance. My daydreams and wanderings in Rodrigo Braga’s poetic world have led me to think of the similarities and differences between human living and animal living. But do you really believe in this difference?

I refer to the movement between symbol and experience, an experience which, although different from the artist’s, is capable of causing restlessness and “opening us up”, making us “bleed within,” as Didi-Huberman once said again when talking about what Bataille calls inner experience.

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I do. After all, I’m different from a goat. No doubt he’s stronger, braver, and hairier than me. We don’t use the same language, right? And it, as a nonhuman animal, has an admirable ability to respect its instincts. However, that does not mean that there

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is a high and well-defined barri-

now I, we speak of meeting because, at

er between animals and us. After all,

some point, there was a separation of

I have friends (humans) who are also

beings.

stronger, hairier, braver and that

man different from animal is language.

I compare the boundaries that sepa-

However, although the distinction be-

rate us to a mist, which is so present

tween these beings is evident, Rodrigo

today in contemporary artistic lan-

Braga reminded me that language makes

guages. I mean here, then, of tenuous,

us different, but not completely sep-

miscegenated zones.

arate from animals. I’ve been even

You may have noticed that I sent

thinking, professor: there are several

another envelope with the letter. There

people who are able to understand the

are images of a work of Braga in it:

language of the animals, right? Some

Comunhão, a photographic series. I

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Philosophy says that what makes

have a different language from mine.

even say they better understand non-

like this series very much and since

humans and complain that they do not

the beginning of the research I wanted

feel understood by those of the same

to study it. However, I spent a lot of

species. Rodrigo Braga never said that

time trying to find some justification

to me, but I’ve read his interviews

to put it in the research, because the

when he talked about feeling social

traditional academy and my insistent

phobia some moment. Wouldn’t it be a

rationalization would not accept as an

kind of momentary non comprehension

answer: “I put it in because I like

of the human, or at least of some hu-

it”.

mans, by another human? I realize that

I thought then to study Braga’s

in some moments we could replace the

award-winning works, the works pro-

word humanity for animality — thinking

duced since 2000 or even to study all

animality in the most pejorative sense

the artist’s series, anything that

that humankind was capable of thinking

would allow the inclusion of the works

— and, in that sense, humanity would

I like best in my work. I really want-

be just another side of animality.

ed to start from the following ques-

I’m sorry for the confusion! It’s

tion: why do I like these works? But I

that this reflection, professor, is

myself policed my affections. I didn’t

made in a very confusing moment of my

even know why I liked it, I only found

life. I am, as people say, in the “eye

out during the research process for

of the storm”, in the “eye of the hur-

the creation of this text. Anyway, I

ricane”. Certainly, personal problems,

come here to talk about this taste.

breakups, affectations, and fears make

Comunhão is a work that was pro-

me the most confused person of the

duced in 2006, in the small farm of

moment. Anguish is in evidence in my

the artist Márcio Almeida (surely you

life and I have no way to separate it

know him), in Glória do Goitá - PE.

from the research.

In this work, Braga resizes the idea

Moreover, it is not easy to sepa-

of opposition between nature and cul-

rate anything at the moment. But there

ture. He proposes the meeting of be-

is a separation that has caused even

ings with nature. Rodrigo Braga, and

greater anguish. I know a lot of peo-

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ple who talk about the importance of

Many times, when I quarreled with

being more rational than emotional.

someone, I used to discuss the rela-

Some even remind me that I cannot for-

tionship through a letter. Annoyed, we

get the reason, that I need to use it.

couldn’t talk. So I would isolate my-

With some difficulty, after an in-

self and write. Relieved, I would let

tense semester of classes, I try not

the conversation flow. Through writ-

to hierarchize, at least academically,

ing, I put my thoughts in order, as

these opposites. This is reflected in

you, who at some moment, told me that. I’m sorry if my speech is long

exposes, from Rodrigo Braga’s work, my

and tiring. I usually talk like that,

questions, doubts and anxieties. Ori-

without stopping, it seems even with-

ana Duarte’s words make sense here,

out breathing. I know I urgently need

in this letter, where “slide several

to reconnect, I’ve been thinking about

narratives and contexts from which ex-

it. But, in the present text, I will

pressions and references emerge from

try to castrate myself as little as

various areas of knowledge, or rath-

possible. As I speak exactly of the

er, from so many ways of thinking and

policing of affections, I consider

acting”28.

that this is not the best time to cas-

From here, I will not present Braga’s work, but I will recreate it.

trate not even my chatter. I’m sorry if my speech is long

This is acceptance of opposites, rea-

and tiring. I usually talk like that,

son and emotion in one body. So I will

without stopping, it seems even with-

not privilege content over form and I

out breathing. I know I urgently need

will try to narrow the distance be-

to reconnect, I’ve been thinking about

tween what is said and what is lived.

it. But, in the present text, I will

I will try a writing that is reflec-

try to castrate myself as little as

tion and action at the same time. Rea-

possible. As I speak exactly of the

son and emotion in one body.

policing of affections, I consider

However, Marcelo, paradoxically, some situations make me strongly

that this is not the best time to castrate not even my chatter.

castrate the emotion, a kind of dis-

It is Bataille who tells us about

cipline against the body, in which I

the violence that human beings suffer

put feeling and thinking in separated

when castrating emotions. Attitudes

houses. I use some of the ascetic af-

that submit emotions in favor of the

fect-fighting strategies that Nietzsche

mind cause an imbalance in the being.

enumerated, letting “[...] desires

A passion, for example, is capable of

weaken through their unfulfilling for

provoking anguish, but controlling it

long periods of time [...] and I shift

does not guarantee the end of the an-

body forces in other directions, to

guishes; on the contrary, it inten-

work, for example”29.

sifies them, because affects belong

In another moment, I told you that

to the structural constitution of ex-

writing is like exorcising to me. Since

isting. That is, anguish and loneli-

very young, I realized that through

ness are part of the being, they are

writing I could exorcise some demons.

violent sensations, but necessary,

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the format of the dissertation, which

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because it is through them that each

elaboration and style of this

one can discover amazing things about

text [...]. In some cases,

themselves. Any evasive tactic of sup-

foreigners have been so much

pressing one of the parts of the body

transformed in the process of

causes damage.

making the cartography, they mixed and diluted to such a

To escape these damages, says Bataille, we transgress, we use strat-

point that they are not even

egies. As I said previously, I have

detectable.30

mine. Art is one of them. Art fills a

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void and also widens the hole — a par-

Anyway, now I understand why I am

adox, isn’t it? Comunhão, Marcelo, to

in love with this work (passion must

me, it is a work that lies between the

be present in research, don’t you

boundaries of escape tactics and the

think?). But if I haven’t made myself

sovereign moment. First, I flee and

understood yet, I’ll explain a little

intensify my relation with this work,

more.

then I let the anguish consume myself

Marcelo, Comunhão seems to me to

and I turn the pain into force — my

talk about the resolution of the con-

sovereign moment. In face of the dis-

flicts of the being, that is, of my

tressing reflections to which Comunhão

conflicts — not peacefully. In the

exposes me, I realized that it’s not

harrowing/passionate series, Braga

for nothing some works of art amaze

highlights opposite sensations of the

us — this work of Braga makes me feel

human being: human-animal. It seems to

that way.

me that by transforming his own pain —

Comunhão is, to me, the embodiment

metamorphosis produced by anguish — he

of the idea of no separation between

invites us to commune from these op-

nature and culture, reason and emo-

posites, accepting them — as Bataille

tion. Well, there are common questions

(1986) —, inviting us not to control

that run through me and the work,

our affections, instincts, impulses,

crossings. Certainly this happens be-

emotions, reasons, animality.

cause, from my context, my history,

Through death, from the goat’s sac-

my subjectivity, I recreate it. After

rifice, Braga seems to be free from

all, I am not able to think/see this

an inquietude — after all, with the

work only with the head/eyes of oth-

death, human language no longer gets

ers. They bring me perspectives on it,

to its limit. Before it and the si-

which mixed with other ideas – other

lence we have left, we are pushed back

crossings – allow me to recreate it.

to our animal condition. Human and an-

Suely Rolnilk talks about it in her

imal in one body. Note that he does

Cartografia sentimental:

this through artistic language — another paradox, but it won’t be debated

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Quotations are not always lit-

here. In Comunhão, I find the balance

eral; they often consist of an

of the human being — it is not a pas-

evocation of ideas from others

sive balance, without chaos, without

that were transformed as they

anguish, but without overlapping emo-

were incorporated into the

tion to reason or vice versa. Reason

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and emotion! Reason on choosing the

ox. Vibrating bodies. Metamorphosing

goat, in this contradictory hierar-

themselves.

the raised goats for the slaughter. Emotion regarding the organic is-

In Comunhão, Braga’s naked body stripped itself from culture, from civilization, from what castrates the

sues of the work — Rodrigo Braga em-

human animality, trims and mediates

braced the goat, smelled it (sulfur

his nature. As researcher Priscilla

— as he said — beelzebub. Exorcised

Faria said, his work visits a savage

himself with the goat), also felt the

nature that “[...] gets rid of the

temperature of the animal, hot, in the

words, fierce and familiar because it

cold land. Rodrigo Braga felt that he

is previous to language, an existence

belonged to nature and invited us to

that is not organized into a verb”31.

this, even in a situation of dominance,

Today is already the 27th. I start-

rationally hierarchical position. Rea-

ed writing this letter ten days ago.

son and emotion together in one body.

During this time, reason and emotion

Comunhão calls into question,

fought within me. Rationally, I assumed

through the artist’s body and pho-

the contest to which I was called.

tography, the subject’s relation with

Emotionally, I would not assume: I

nature. It is a work that reveals the

will be happy, study! Rationally, life

being in the world and the awareness

goes on even after the brain death

of its own condition. A work from the

of a young boy, brother-in-law of my

inside out, and the other way around

heart. Emotionally, we give up living,

too, visceral, organic. In the images,

cry, suffer, kill, attack.

Braga’s body is also spirit, an ani-

But I realize that after the most

mal spirit, the animal spirit of man.

extreme and dichotomic moments, when

How about a goat spirit? Rodrigo Braga

it just seems to remain either reason

made a contrary movement there and did

or emotion — not both together — there

not allow the disintegration of his

is a reconciliation of mind and heart:

affections, he let himself, without

both in one body. Animal-human, na-

resistance, be guided by his animal

ture-culture, reason-emotion: one body!

impulses — it is the reality of becom-

Honestly, sometimes I want to seek the

ing. The picture shows Rodrigo differ-

animality now lost to abandon the in-

ing from himself, like a plant moving

vented humanity. Do you feel that too?

toward the light — its difference. The

What an insatiable will to extremes!

meeting happened just right, therefore

Why would it be?

the potency. I have no doubt this is not the

Not understanding: only feeling. It’s castration too! I hear Bataille:

only work of Braga that enhances his

“Turn pain into force.” Dilute the

animal-becoming. Certainly, with-

boundaries between reason and emo-

out knowing, it was that what caught

tion. “Galloping process of collapse”

my attention. A being where animal

of limits (ROLNIK), losing edges, like

force pulsates constantly, a becom-

Braga’s photographs: between perfor-

ing, lurking, like a tick waiting for

mance and images; bodies and objects;

the moment to throw itself into the

between life and art; philosophy and

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chical process — Braga chose one among

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art; Creative process that implies

Professor, only now I understood

“[...] construction of analogies (met-

why the idea of a performance of si-

aphors) and overflows (metonymies) of

lence33 — absence of language. A year,

what he is”(ENTLER, 2011) .

isn’t it? A long time in the eyes of

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Leaving compartments: academ-

the chatterbox. But an encounter with

ic life, personal life, family life,

yourself, with your opposites. Cer-

professional life. Letting myself be

tainly, if you do so, it will be dis-

taken by the passions, belong nowhere,

tressing, but not more harmful than an

like love in the borderline between

intense policing of becoming.

the sensitive and the rational, be-

A lamentation: how I need this si-

tween nature and culture. To affirm

lence ... Not this one from the per-

art, as Oriana Duarte well said, as

formance, but the one from Décio Pig-

a power of reinvention of worlds and

natari telling Almandrade about his

ways of life.

future reclusion: “I will spend two

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weeks in my lovely small farm [...] the golden light of São Paulo winter and the wonderful emptiness of my feelings and/or my ideas”34. Unfortunately, I can’t have it now, in chaos. Can I? Or would it be again the establishment of a dichotomic relation? I don’t know. I need to rest now. On the 03rd, I get back to work. I think. Then, I wish you something that I have been wishing for myself: light, silence, passion and harmony. ProfesSilence

sor, I hope to see you soon. It will be a great pleasure. Write me, if you can. It would surely delight me. A big hug — with smell, color, temperature and sense.

Rebeka Monita January 27th, 2014.

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Besides, we must always think that, by putting any body in question, the work challenges the spectator in a particular way, inciting a reflection that puts him in this suggested or figurative body, “[...] bodies that get transformed, and that get unfold into our bodies. These are still ambiguities of senses, in the come and go between the Self and the other.” (CATTANI, 2007)36. However, it is important to point out that Rodrigo Braga does not only want to reach the public with a presentation of an experience, but with his own experience. It’s different from a movie, which, though is condensed (like Braga’s works), it is a kind of truth that really comes from another way. It seems to me that his intention is of the order of experience itself. Here, it does not seem to exist a clear separation between the phenomenological and symbolic dimensions of the work of art. Rodrigo Braga creates himself in the construction of his work — which is visceral. As Maria do Carmo Nino well observed, during the intense dialogues we had about this research, we must have this tacit agreement that Rodrigo’s work is a work that moves a lot with him initially and later with us, but initially with him. In the creation process of the work Venoso e arterial, Rodrigo Braga made an observation that seems to indicate his visceral intention during the production. This sketch, above all, is

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configured as a past memory of the viscerality of the work. Nazaré Village (Cabo-PE) July 11th, 2013. 5:00p.m. – no ‘artist work’ yet, but it happened. At the meeting, me, the land, the sky and the sea. Work of the vital gush. Deafening caresses, risk without fear, storm of semen bathes the bodies, soaks the earth and fills the ocean (BRAGA)37. In this sense, would Rodrigo Braga, through his immersion in the earth — visualized, among other works, in Comunhão — be seeking to purify his already so contaminated animality? Would it be a Dionysian cult of personal and community purification? Or, as in a rite of passage, does the artist try to gain common resistance to the goat, a thick-haired animal that adapts to adversity? He may have remembered the story of Serra Branca, the goat his father gave him when he was very young38. Braga did not tell secrets to the goat, nor tried to explain his work, as did Joseph Beuys in his famous action with the dead hare. Rodrigo Braga does seem to mentally connect with the expiatory animal, not as one who feels the impurities he can carry from the world — an animal linked to hell, to the depths of the earth — but the power of its vital energy. In his journey with symbolically powerful animals, the artist also meets the pig (Leito). In contact with the dead animal, was Braga again in search of the so-called impurities of this animal? Again a ritual, intensified by the soundless black-and-white image sequences of Leito’s slideshow. By touching the pig, Braga recognizes himself — who is the dirtiest of beings? Until what point are they different from each other or similar? — he tries to match the animal by exhuming it and taking its place. It

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Undoubtedly, Rodrigo Braga’s work moves the spectator. The audience, obviously mediated by the objectivity of the camera’s eye — either photographic or videographic — goes through an experience that is inherent to other arts or, to be more specific, other photographic images. To paraphrase François Soulages, when he was talking about the artists of Generation 00, I can affirm that Rodrigo Braga offers the spectator a world: his world, “[...] that becomes ours for our interpretive and metamorphosing reception” 35.

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seems to tell us, recalled the critic Juliana Monachesi, “I deserve to die more than he does”39. Braga reveals in his works images that are “[...] in fact, the synthesis of a sensation”40. His works, as Clarissa Diniz often says, synthesize the little hurricane that exists in Rodrigo, an individual who “[...] expels to the outside exotic, horrendous and even seductive beings”, such as Gaia, the mother earth — said Ana Cecília Soares (2009)41, when referring to the works Da alegoria perecível and Da compaixão cínica (both performed in 2005). Rodrigueans beings — I refer less to the anthropomorphic beings that sometimes appear in his images than to those that appear by sensation — create tensions in the artist’s works. They are expressions of pain and furious internal clashes, implied by the search for self-knowledge — Rodrigo Braga in search of himself and of the other, in this apparent hunt for the events that permeate the men and the animals in which he talks about himself. I appropriate, then, the terms used by Herkenhoff42 to talk about the plurisensorial dimension of Ana Maria Maiolino’s works and I affirm: Braga is an artist “contaminated” with works of rhizomatic development. As an artist/photographer, I am not able to dissociate my production from myself. Certain autobiographical content of the photographs — present even in works in which my body is not a scene object — is not purposely generated. However, the use of personal references — and even psychological as a discourse — turns to be inevitable, since image production is, to me, a more comfortable way to relate to my surroundings (BRAGA, 2008)43. It is not art playing the role of divan, not in the narcissistic sense — Braga does not con-

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tract and deceive himself in his own image. The artist places his body as a kind of homeland, where he sees in himself (in his trajectory and in his world) his own homeland and takes upon himself the tireless exercise of bringing subject and object closer together. In a strong and coherent way, the artist exorcises his animals. A path he does not walk alone. In this kind of production, the artists perform the function of bringing subject and object closer, partly distancing themselves from the representationist paradigm. It is not a representation of life. It is art/life. The desire to blur the boundaries between fiction and reality is evident. Quoting Deleuze’s words, I dare to state about Rodrigo Braga “on the lines of escape, there can only be one thing, experimentation-life,” an action that is of the order of catharsis. In the search for possible syntheses between man and animal, life and death, his works bring together various elements from the field of arts — such as performance and photography — and from other fields of knowledge, such as philosophy. But above all, as said at another time, they are works marred by the artist’s experience. Braga feels and produces his work with his whole body and its aromas, flavors, dirty and tiredness. It is “the lived body (corps vécu)”44 of the artist metamorphosing with the visible. In short, an obvious operation of miscegenation. In the effort of the process of interiorization of the discovery of being, Braga enables himself an abandonment, at least temporarily, from the collective life of the city. The artist tries to isolate himself during the actions for days or even months, because he comprehends the importance of time and space in his creative process; he also understands that nature is an intrinsic part of being and, although he defines himself as an urban man, he speaks of this isolation as an alternative to run away from the chaos of the city, as he told in Tatuí

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same time it is symbolic, spiritual, of things that are interconnected, that convert themselves47.

I’m going. I feel a great urge of isolating myself cowardly in some paradise while paradise exists. The forest, the cave: this is a solution for me. I’ll go away to a very high and green place. I will climb the tree, I will fuck the earth. [...] There is no way to escape if I stay in the city. The way out is the woods, the woods!45

As Paulo Herkenhoff said, in the exhibition catalog of Ciclos alterados, Braga destabilizes “[...] man’s pious and conflicted relation with nature without paying tribute nor to the mechanistic Manichaeism of ecologists neither to the ethical indifference of ‘savage capitalism’.”48. The association of his works with na-

It is important to point out that unlike Joseph Beuys’s question, Braga is not “what is it to be civilized?” But “what is it to be human?” And although contact with nature is apparently not able to appease the chaos caused by the hurricane, it is one of the creative power generators for the artist. This relation is also a point that exposes family influence in his work (Rodrigo Braga’s parents are biologists). The intensity of this relation is not limited to the ecological discussion, he even discusses environmental and animal welfare issues, but in a skewed way, “ecofrictiva”46, as he calls. Rodrigo Braga says he has been dealing with ecology since the 1970s, when he accompanied his parents to the meetings of Non Governmental Organizations – NGOs: “I used to go to NGO meetings since I was a baby, actually. My father planted eighty thousand trees. I have planted several trees in my life. ” He points out that his works do not raise the ecology flag, the nature is exposed on them but to problematize.

ture, both from symbolic and experiential perspective, generates works that are metaphors of his ideas about man, life, and death. I can say that, filled with their poetic and philosophical density, the photographs Comunhão, Leito and Fantasia de compensação break down the barriers of what has traditionally been called photography. Here, language is expanded by vectors that have no beginning nor end, they only grow and overflow, revealing images that receive a multiplicity of senses in constant pulsation. Certainly, we could use the ecosystem metaphor, quoted by Marcelo Coutinho, to think about the use of photography in contemporary art. Replacing the metaphor of the field with a more organic one, Coutinho points out that “The species that live in an ecosystem are distinct from each other” and yet they are “[...] inextricably open to their own movement”49. In this movement, the photographic language expands and unfolds into other forms.

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Magazine – 2007, when talking about his desire to escape from the confusing urban reality of the capital of Pernambuco.

The question of being born, dying, becoming, being animal, vegetable, mineral in transformation. It is the chemical transformation, it is biological too, it is matter, but at the

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NIETZCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 110. KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Reedição da tradução publicada no número 1 de Gávea, revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, da PUC- Rio, em 1984. Eder Chiodetto, in partnership with historian Elise Jasmin, divided the M + M Auer exhibition into four major modules: Performances, Fantasias Formais, Belezas Convulsivas and Transfigurações. In the latter, they sought to expand the representationist repertoire of the image by placing them in dialogue with languages such as painting and drawing. CHIODETTO, Eder. Curadoria em fotografia [livro eletrônico]: da pesquisa à exposição. São Paulo: Prata Design, 2013. BRAGA, Rodrigo. Recife (filmado nas dependências do Mamam), em 17 de mar. de 2014. (Entrevista inédita não publicada produzida por Rebeka Monita.) FERNANDES JR., Rubens. Processos de criação na fotografia: apontamentos para o entendimento dos vetores e das variáveis da produção fotográfica. FACOM – nº 16 – 2º semestre de 2006, p. 18. CATTANI, Icleia Borsa (Org.). Mestiçagens na arte contemporânea. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007, p. 31. COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 227. CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 2008, p.XXI. HERKENHOFF, Paulo. Poética da percepção: questões da fenomenologia na arte brasileira. Catálogo de exposição. Rio de Janeiro: MAM, 2008, p. 65. CHIODETTO, Eder (Org.). Geração 00: a nova fotografia brasileira. São Paulo: edições SESC São Paulo, 2013, p. 108.

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In Brazil, this exhibition traveled between 2014 and 2019 in the cities of São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza and Recife. BRAGA, Rodrigo. Recife (filmado nas dependências da Fundação Joaquim Nabuco), 26 de jul. 2013. (Entrevista inédita não publicada produzida por Rebeka Monita e Cláudia Bajaró). CHIARELLI, Tadeu. Arte internacional brasileira. 2. ed. São Paulo: Lemos-Editorial, 2002, p. 120. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 15. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2013, p. XV. Id. Ibid., p. 71. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. 14. ed. Campinas: Papirus, 2012. p. 52. DELEUZE, Gilles. Conversações (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. 3.ed. São Paulo: Editora 34, 2013, p. 160. COUTINHO, Marcelo. Isso: entre o acontecimento e o relato. (tese). Programa de Pós-graduação em artes visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS. Orientadora Élida Tessler, Porto Alegre, 2011, p. 127. BRAGA, Recife. Op. Cit., [entrevista]. BRAGA, Rodrigo. Recife (filmado nas dependências do Mamam), 17 de mar. 2014. (Entrevista inédita não publicada produzida por Rebeka Monita.) HERKENHOFF, Paulo. BRAGA, Rodrigo. Ciclos alterados. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2012, p. 29. BERGER, John. Animais como metáfora. Suplemgnto literário: Animais escritos, Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Edição 1.332, p. 6-9, set./out. 2010. (Suplemento Literário de Minas Gerais). DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998, p. 36. HERKENHOFF, Paulo. Op. Cit., p. 25.

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DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Op. Cit., p. 10. DELEUZE, Gilles; GUATARRI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, v.4, Tradução de Suely Rolnik, 2ªed., São Paulo: Editora 34, 2012, p. 32. DIDI-HUBERMAN, In: INQUIETAR-SE diante de cada imagem. Flanagens. 07 mai. 2011. Disponível em: < http://flanagens.blogspot. com.br/2011/05/inquietar-se-diante-de-cada-imagem.html>. Acesso 05 jan. 2015. [Entrevista realizada por Mathieu Potte-Boneville e Pierre Zaoui e publicada a revista Vacerme, nº37, do outono de 2006]. DUARTE, Oriana. Nós, errantes: escritos de existência + falas de uma artista. A travessia plus ultra de uma artista atleta parte I: os preparativos. 1.ed. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2013, p. 58. NIETZSCHE, Friedrich. Aurora (1881). Edaf, 2001. ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre; Sulina Editora da UFRGS, 2011, p. 24. FARIA, Priscilla Menezes de. Narrativas nômades de Rodrigo Braga: o conhecimento pelos abismos e a douta ignorância. Revista-Valise, Porto Alegre, v. 3, n. 6, ano 3, p. 4356, dez. 2013, p. 46. ENTLER, Ronaldo. Rodrigo Braga num sentido extra-moral. 2011. Visualizado em <http:// iconica.com.br/blog/?p=1861>. Acesso 19 jan. 2014. In the classroom, Marcelo Coutinho talked about the desire to make a performance whose main action would be to remain silent for a year. The idea is not just not to talk, but not to communicate through other languages, that is, a silence that communicates. PIGNATARI, Décio. [carta] 1995, São Paulo-SP [para] ALMANDRADE. Salvador – BA.1 folha. [arquivo de Almandrade]. SOULAGES. In: CHIODETTO, Eder. Curadoria

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em fotografia [livro eletrônico]: da pesquisa à exposição. São Paulo: Prata Design, 2013, p. 29. CATTANI, Icleia Borsa (Org.). Op. Cit., p. 30. Caderno do artista. In a lecture, at the event held during the exhibition Agricultura da Imagem, at Sesc Belenzinho, in São Paulo, Ricardo Braga said he was enchanted with a goat he saw in Serra Branca, Paraíba. Rodrigo’s father eventually brought the animal, which received the same name of the city, to give away his son. AMPARO SESSENTA GALERIA DE ARTE. Paisagens & Rodrigo Braga. Exposição: 9 de maio a 6 de jun. 2008. Juliana Monachesi [texto]. Heber Costa [tradução]. Recife, Galeria Amparo Sessenta, 2008. DINIZ, Clarissa. Terceira impressão da obra de um artista dos fenômenos. [arquivo do artista]. s/d. SOARES, Ana Cecília. Seres Rodrigueanos. 2009. Disponível em: , http://files.cargocollective.com/574095/2009-por-Ana-Cecilia-Soares.pdf>. Acesso 28 de jul. de 2019. HERKENHOFF, Paulo. Op. cit., p. 76. BRAGA, Rodrigo. In: Olhavê. Março de 2008. Disponível em:<http://olhave.com.br/blog/ entrevistando/>. Acesso 29 de jul. 2014. HERKENHOFF, Paulo. Op. cit., p. 67. BRAGA, Rodrigo. Desejo eremita. In: Revista Tatuí. N. 02, Recife: julho de 2007, p. 32-33. TN: the author uses this expression to refer to the tension and the friction of the ecological issues on his works. MAMAM. Rodrigo Braga: ciclos alterados. (I caderno de anotações do Educativo Mamam). Paulo Henkenhoff, Educativo Mamam, Coletivo Acervo em Diálogo – CAD [textos]. Recife, 2011, p. 16. HERKENHOFF, Paulo. BRAGA, Rodrigo. Ciclos alterados. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2012, p. 9. COUTINHO, Marcelo. Op. cit., p. 127.

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Marcelo Coutinho

OF THE FALL

FUNDAMENT

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And cast him out The-Name-of-God from the garden of Eden To cultivate the hummus-earth from where it had been taken01 HAROLDO DE CAMPOS

BRIEF PREAMBLE: DO PRAZER SOLENE No. No one else knows what tragedy is. No one else knows that it was between “tragos”, between goats, that this “oidé” was born. No one else hears the bleating or screaming of the goats, this “oidé”, this ode, this “tragodia”, this song that echoes since the fall. Tragedy, flesh vibrating in a song shape. Tragedy, an ode of all meat, to all meat. This howl to infinity. The eternal offering of blood that infatuated Greeks and Jews, that produced this we call theater, theatron, collective healing, purge, purification. No. No one else knows. Nobody else knows that to Friedrich Nietzsche his The Birth of Tragedy would still hold a “Schopenhauer’s funeral perfume” that he wanted to get rid of. No one else supposes that, in a letter to his friend Peter Gast, Nietzsche describes this seminal book of his as “an indescribable, profound, delicate, happy work…” and that, on the one hand, though it presented a radical opening to the future, by offering tragedy to poetry as an alternative

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and overcoming of the metaphysical conceptualism, it kept in its writing a metaphysical form. Nietzsche knew how to be the most radical critic of himself. “That new soul” had expressed itself in a systematic, conceptual language, and in confession to his friend Nietzsche will say: “Too bad that I did not dare say it as a poet: perhaps I had the ability”. Claiming something that the West and its metaphysical culture had forged, namely the truth as apatheia and its expression as the counterpoint of passion, Nietzsche will say that instead of writing, he should have sung02. No. It’s true that no one else knows. Or never knew. Language does not represent the world. Never represented the world. Language has always been, first, another one. Another one that folds and unfolds always “from something”, never “about something”. Thus, an eternal another, language will always be external. External to what it addresses and external to the one who uses it. External, eternal outside of the nature, the language is arbitrary and, so, free and errant in relation to its referent, grows and florishes in its free will, as the Adamic decision, a right granted by God as a disruptive action to name, to mumble his barbaric creation. Theory, criticism, or thought based on this other paradigm know that they are, first

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What impels my writing, therefore, will be something closer to enthusiasmós, this en-theós, this “god-within”, that informs the tragic poetry, its musicality and its diverse nature from the cold distance, of the fleshless apatheia that traditional criticism and analysis impose on the world. This writing wants to recover, even if it is a brief aroma, the soil common to poetry and philosophy, the primeval soil of the ever-inaugural abyss that once gave birth to both poetic and philosophical views03.

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of all, poiésis. Poiésis, this creative action that evokes and produces an inauguration in the world. Before an action of representation of the world, language is a phenomenon created, produced, from the effects generated by other phenomena. Assuming itself as phenomenon of phenomenom, the language of criticism or of theory will never imagine itself homologous to its referent and it will always be a deviant descendent of what moved it. This little essay I offer here is the incorporation of this principle. A principle that is wanted as the fracture thing/sign in its own materiality. The word here plotted is born with the metaphorical background of the fall. Fall, archetypal image of birth, emergence of man, desert, and of the accompanying brutality. Fall, the self-consciousness as a piece, fragment, fracture. Fall, the ontological principle, the origin, the meaning and the destiny. It is, therefore, the fall and its breaking force what I see crossing most of the works of Rodrigo Braga. Therefore, what is presented soon will not be a critical essay “about” Rodrigo Braga’s work. It will be the language that, knowing also the effect of a fall, babbling, incessant noise agitation, it is also assumed as a work, as a body affected and infected by the forces that cross Rodrigo Braga’s work.

ODE AND COMUNHÃO It was in the corridors of massif concrete of the Center of Arts and Communication of the Federal University of Pernambuco, in Recife, who knows between 1998 and 1999, in the middle of a tropical winter dampness, that Rodrigo Braga, then my student, called me to a place and spoke in a sinking voice that once, when he was younger, he had attached a large, long-bladed knife to a rope, a fish knife, which he had left it dangling at the end of the rope like a pendulum over his bed and he laid there, nestled like a fetus, below the sharp point of the knife, which swayed to the taste of the winds, brushing the skin of his back. It was not a performative image what I had seen at that point in my life in that speech that,

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low, struggled in the open sea, for what I had glimpsed was a dialogue with the fall, a profitable dialogue that is announced early in the lives of some, I recalled that there, still in the dawn of days, also comes the ability to circumvent it and, after approaching and dancing with it, I recalled that for this dance a song is built, a paradoxically happy ode, and the one who sings this ode is proud of himself, of his courage in approaching of what one day it fell before his eyes and it swallowed him to the bottom. What I saw at the tip of that shimmering knife, hanging from a bed that would never offer my student any rest, was the same thing I had once seen and that had equally swallowed me when I was still a boy, when I saw myself inert in the the bottom of a pool, when I jumped into it, and in an unrestrained desire to return, I held my breath longer than I could bear, experiencing the meaning of the word limit, and in apnea, I felt an overwhelming pleasure in releasing myself, in not offering any resistance, in giving up, and so I relaxed and fainted, surrounded by strong excitement. Since the beginning, it is clear to some people that every birth contains in itself a departure, and they will be left to compose an ode, this will be the Greek formula, the old Greek oidé, issued by the tragos, the slain goat, the tragos and the oidé: tragosoiodé, tragodia, tragedy, the eternal song of the goat, the bottomless and objectless cry that will always serve as a margin for all human gesture, a cry that, before being an effect, is a cause and we will always have to remember: the one who cries is the world in my song, he cries in it everything that he is, and the weight of this ontological cry made as a chant is what is always falling and it will point exactly to this inaugurating dissymmetry of all. These men and women, to whom birth is an exile, will be foreigners, and thus, given birth and outcasts, will have tattooed on the skin of their spirits the sign of eternal ban-

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ishment, and the land to which they migrate, where they suppose peace, having no ground or any geography, leads them to wander lightly here in this world, wander almost disembodied, managing rubbles, Eros and Tanathós, the never-ending dance, the reenactment of this eternal birth plotted with death.

ILHA-MAR, RIO, VENOSO E ARTERIAL It was resorting to the sea, more precisely to something larger than any sea, namely the ocean, the most tangible image of the unlimited and incontinent, of the uncontained and continuous, intuition and foreshadowing of something without borders, before and after everything and that everything generates and dissolves, that all stops and buries, beginning and end, departure and destiny, uncontained circle, inverse of all form, reverse of all body, adverse of all will, verse of all womb and grave, was involved in the the same Greek waters of Okeanó or African waters of Olokun that poet Roman Rolland wrote to Freud about an “oceanic feeling”, a passionate feeling of fusion. This “indissoluble bonding”, this feeling of “communion with the outside world” to which the poet refers, describes a blurring of boundaries, a sursis between one inside and one outside, oneself and the other, reconstructing a paradoxical idyll, the idyll of no longer being04. But this will be a congratulatory and passionate cease-fire, whose branches extend even to the erotic, as George Bataille would later indicate, and this joyful and intoxicating fulmination, which to Roman Rolland was a blind spot for Freud in his analyzes of the formation of It is quite different from the devastating and unavoidable one expressed by Nietzsche when he tells again the famous response of the wise and drunken Silenos to King Midas when asked about the greatest asset to be acquired: “Miserable strain, children of chance and torment! (...) Not being born, not being, being nothing”05.

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It is the deep apprehension of a Vast that welcomes everything without any discontinuities or fractures, it is an understanding that takes place as the reverse of consciousness and even of the will, capable of surpassing all furniture, all splinters and flaps of the world and, at a glance, no longer seeing differences, just a huge and monolithic continuity that surrounds everything, embraces everything and silences everything. The experience of difference is far from simple, and it must be removed from the contemporary simplifying pacification, which gained the repeated use, for it is the nature of difference the harsh and the roughness, and this will be the foundation and horizon of existence itself, for here on this earth there is only what differs, and to everything, to everywhere, is vetoed to extend one upon the others, to surpass themselves entirely and to continue themselves in another, overcoming this vast furnished plain by pieces, splinters, flaps and discontinuities. Mixtures are not continuities, and even among mixed things a third term will never arise, capable of ending this uncomfortable roughness, this friction, there is no synthesis on this earth, and there is no substitute to cherish this fracture, nothing will distract us for a long time from the abyss that we are to each other, and being the unavoidable differ-

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ence, imposing on us a tough unknowable, an impregnable dense, what we will have left will be agreements, agreements forever temporary. Yes, it will only be an ethic that will be left for us, and, as Emmanuel Lévinas suggests, it will be just an ethic the essence of every philosophical enterprise, because the knowing itself, the unveil, the alethéia, the logos of philosophizing are themselves expressions of the fracture, are images of discontinuity and of the fall, are ventures of overcoming the unsurpassed, and that is why the Lithuanian philosopher will say that what is not revealed by language is the other07. All language, by the way, before being an expression of a thought, is in itself another, a hard matter that differs from the one that uses it and offers resistance to the force that drives the saying itself, all language is an attempt to find, and The act of speaking, before saying something, is to expose to another a presence, a solid and alienated presence, is to show oneself as another continent and, thus, it is the creation of a clearing that, perhaps, can welcome these shards of existence. Produced to generate a meeting, all language is, in the deep, a supplication, a call, a howl that calls upon itself some residue of a distant, lost resemblance. It will be the difference, it will be the other, always unfathomable, which, therefore, generates my movement out of me and that, at the same time, also hinders, infinitely postpones, in each meeting, my lust of extension and perdition in the world, my wish to fulfill the vigor of leaving and find in that which I am not some continuity that frees me from the condition of part, of separation, of anathema, expression of a fracture, a fracture that marks us at birth, which leaves us this hole in the flesh, this void, the navel, the crown of the Self. However, the deep waters of Okeanó and Olokun, submerge and dissolve all that differs, therefore these waters are the healing of all

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It is another sense opened by the “oceanic feeling”, generated by a rejoicing joy from the dissolution, and even though Freud sees in his abscence of limit the desire for the refounding of a childhood “unlimited narcissism” — this prehistory of the Self — even though he sees in breastfeeding an archaic stage in which the ontological discontinuity that underlies everything is not yet recognized, Freud himself considers it to be “our present feeling of the Self just a stunted trace of a much broader feeling that corresponded to an intimate connection of the Self with the world around”06.

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wounds, cement all fractures, and, by the sea, I seem to cry for it, so that freaks me out and attracts me, because it is great and inordinate and undermines the little I am, the little I know, this brief pier in which I dock, this portion of humus I cultivate, in which I recognize myself, of which I feel owner, but which I trespass, which I tend to abandon, that I feel like my jail for reducing me to myself08. Return and destiny, unfathomable circle, Okeanó and Olokun gather all the rubble, and in the deepest of its waters there are no parts left, all sigh their last joy because an irresistible whole imposes itself, a totality without fractures, capable of interrupting even death, this daughter of time, for there is only death where time and its bleeding rule. It is a “nostalgia for lost continuity” what George Bataille suggests as the essence of eroticism, which places in the deep binding of bodies, in the mutual violation, in the pouring of their essence into one another, this forever delayed desire for fulmination, of merging and confusing with the other, of losing one’s contours, of erasing the edges of oneself within the other and, thus, finally ceasing to be, ceasing to be again09. For there is an abyss between one being and another, between one thing and another, and it would be more efficient to say that every other is in itself the abyss itself, a blurred silhouette that beckons far away, on the side there, only a partially legible gesture, scratched face, and it will be there, on this “side there” that every face is, the place to where we are called, drawn that we are by that faded, blurry wave, where we plunge, where we precipitate, to get rid of our condition of part, of wreckage and fragment, the side there, always on the side there, is abyss and experience of death, blessed death that consents to crumble into life10. Every birth is, therefore, the eruption of a difference, every birth is a desert in which one

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walks, like an anathema, for every individual is the emergence of an oscillation, a disturbance, a discontinuity in this infinite, originary and indifferent continuity, every individual is a brief wave in the ocean, Buddhists and Christians would say, so Bataille will say that eroticism is where life dwells even death, where life invades death and delights in it, for eroticism is sexuality disconnected from reproduction and, thus, free from the condition of creating new births and new discontinuities, the eroticism, distances himself from the principle that ontologically founds the existence, namely the fall11.

TERRA AND TOMBO It is anything that falls, this that insinuates itself and arises, sneaking, through a few rare images, ever-rarer images, forever inopportune images, timeless images, precisely because they break with the predictable chain of linear time of Krónos, images that indicate the irruptive time of Kairós, pointing and pushing perception outward, into this eternal out of time, which insists on surfacing and giving birth again to this descendent without face, unborn, therefore inborn. But the contemporary world runs away from confrontation, runs away from the broken mirror that founds the being, it is a world that wants to suppress the fall, a world that wants to forget that everything falls, that doesn’t even recognize what is pronounced in the pit of the stomach like a punch, when we face a sense that falls apart and another one that, fulminantly, imposes itself among the rubble, the alethéia, the Greek disforgetfulness, source of all poetry, all art and all philosophy12, alethéia, what emerges through that horse that is beaten by its owner for not being able to take even a step anymore, such is its exhaustion, when we come across a horizon that is ruined and that reveals the daily life as a world that has ridden itself as being oblivion,

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ing, and this diaphanous quality is independent of the historical period in which such an image was forged; after all, this no-man’s-land, that opens itself generously as a listening to the echo’s transfigurations, can emerge in the orthodox icon of The Transfiguration of Jesus, by the monk Theophanes, the Greek, of 1408; in the icon of Theotokos, by the iconographer and Russian saint Andrei Rublev, of 1398; in canonical plays of contemporary art like John Cage’s 4’33” of 1952, emerging brutally, disconcerting and wild, and simply uninhabit innumerous contemporary works.14 Admittedly, what I call the “opaque” quality of the image, whether this image is sonorous or plastic, this “opaque image”, whose nature is tautological, antagonizes with a “translucent image”, and its opacity seems to provide the feeling and the meaning of cessation, of limit and derogation as the ground from which the own contemporary life and sensibility are structured, life and sensibility which seem to me to say goodbye, to give up, because they are not able to abandon themselves and thus, falling, reopen themselves. Somehow, it was always the fall that mattered most, because the image seems to be just an effect, the effect of something bigger that overcomes and overtakes it, in fact the image or the sound, in the case of music, are just accidents, stumbles, the image is an effect and its cause is the fall, and so, either as a trail or as a hole, it is possible to say that the image carries within it the fall that was evoked by it, it is thus a mark or index, we can say that the image is the open hole caused by the force of a fall, the image is an accident caused by a fall. Would it be possible to tell what is it that falls through an image? This that insinuates into the matter and beckons through it? This that falls, as we have seen, is not the image itself, it is something that does not confuse with it, what falls is not an idea, a concept, nor a thought, what falls in certain very rare

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therefore averse to alethéia, as incarnation of the “forgetting of being”, a modern mark of the vast reduction of poiésis to the narrowness of devastated earth of own tekné13. It would be more accurate to say that in these cases, each day rarer, when we face these rare images capable of restoring the helplessness typical of limit, the horizontal vertigo of the fires, we are facing images capable of remembering that, above all, what we see through them is what falls. They are opaque images which, as a rule, the contemporaneity bequeaths us, and this opacity is soporific, kidnaps us and holds us in the shallow of its surface, denying to the naturally fluid power of the image any transcendence and becoming, any destination that arises from it and that arise as the ad-verse of itself, and thus, paralyzed, the contemporary images do not seem to want a place beyond them; on the contrary, its dream is a tautological dream, doped, because in circles, the image resembles a device, a device, a mechanism, a crude technique, which destination is the control, immobility, and never the uncontrolled, the untimely. The opaque image wants to deny that through it bursts some light and thus, translucent, it transfigures itself and unveils something that inhabits it, that crosses it and that from it, however, differs ontologically, perennially despatriating it, the image, that thus, anatemized, in diaspora, in an eternal nomadism, it will differ from itself, it will forever escape from itself, distancing itself of each step from its beginning, from its origin, from its presence, making itself no more than echo and desert. The translucent quality of the image, in contrast to the contemporary opaque image, is something that, diaphanous, imposes itself and allows, through itself, the light to pass through, cross and to transubstantiate it, announcing any kind of banishment and wander-

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images is the fall itself, and the fall imposes itself upon the chest, and not upon thought, there is no possibility of distance when one is falling, the fall is not a reflection; moreover, it is its reverse, it is the unthinking, the fall is the awakening of a deep numbness, the fall is a reunion, it is the attentive glimpse of its origin as a wound and a scar, it is the vertigo before the huge and inconclusive vastness that founds all. The fall that very few images carry seems to found another topology from which we can take a look no longer to the bottom, but to the fundamental, what inhabits them is this clearing that the walking discovers in the middle of the forest, that imposes to the steps a stop and a sigh that makes us realize that every sense, every and all sense is a forever pursued construction, and thus the fall that possesses and crosses these very few images, this banishment that can be seen from them, the fall that passionately embraces us in its incessant plummeting is certainly the recognition of a condition, the condition for us to be part, a temporary part of a lost totality. The fall assaults every building for offering its opposite, the wind and the dust, but from the sunset of the sense, from that wind that blows over the emptiness, millstone of all that rises, the fall generates, at the same time, a deeper layer of meaning, and there, at that moment, seems to arise the deepest of all the senses, namely, all that means is precarious, and then what arises in the fall is its ontological background, what gently blows us in the ear, because the foundation of the human being is to create incessantly meaning, it is Sisyphus, its stone and its slope, one more image of the fall, this inordinate effort to create for all that there is an always very fragile sense, because the sense abandons things as solidity leaves the stones that become dust in the windmill, it is like the temperature that slowly drops and leaves the ground after owning it during a sunny day, nothing clings to itself for

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long, everything is, always was and always will be the most solid abandonment, and all sense is but a cathedral in which towers the bells no longer have clappers, meaning is a sheet or a blanket with which we wrap things, so that they do not die of cold, so that they do not break during the fall, meaning is a trail that soon dries up, meaning leaves things quickly and leaves them, naked, naked like everything that is born, without hair or name.

TÔNUS AND MENTIRA REPETIDA Therefore, these are poiésis. Poiésis, that essential vigor that one day informed, directed all techné. Poiésis, the inaugural production of an unveiling. Unveiling that ensures to the blow some duration in the wind. A sense created for things, capable of lasting for some time. A short time. Even if it is a sigh. Even if it is a life. From this perspective, poiésis emerges as an essence, as the humus that ontologically founds from itself the human and his humilis. The poetic making and saying act on the rudeness of all that exists, incessantly producing this forgetfulness, an alethéia property. It is against forgetfullness that the poetic clash of man takes place, the guardian of creation. This original man was Adam, that came from adamah, which in archaic Hebrew meant earth or soil. Adam, this land emerged from within the divine word, was not male or female, it was the androgen, preceding the genres, what there was to define only the “human”. The word Adam contained within itself the word adom, which meant red, and thus, besides being human, Adam was “reddish earth,” the most fertile of the lands of the East15. With Adam, this red earth, this fertile soil, bends over itself and falls, this way, inaugurating the fall, this vertical desert, which appears when leaving the eden behind, this place imbued with presence, eden, this rich word that

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If it is forgetting that the mundane of the world occurs, it will be disforgetting, by poiésis, that the human will be built. The human, this tent opened under the sun of so much desert. In this tent, the being can rest its gravity tired of so much falling. The human is the strategy the mountain found to talk about its astonishment before the cliff. That’s why that man shouts in the midst of the woods. That’s why that man shouts in the midst of so much life. It is the scream of the ruins. Every scream is a calling. Every scream is a form of prayer. And the prayer, in its turn, is like the howl of a lost dog calling the pack. One day my peers will find me.

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CAMPOS, Haroldo de. Éden, um tríptico bíblico. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 60 [Bere’shit II: a segunda história da criação]. SAFRANSKI, Rüdiger. Nietzsche: biografia de uma tragédia. São Paulo: Geração Editorial, 2012. Plato describes the “doctrine of enthusiasm” in his Ion as a phenomenon of “possession” in terms of divine intervention. Éntheos, en-theos, literally means having a god within. Therefore, the enthusiasmós would be the force that informs the poet who, surrounded by this psychic state, generates the poetic action for the public. From a “hermeneutic of intensity” inherent to poetry, philosophy as metaphysics would be an expression of truth aiming to be a “hermeneutic of deciphering” of meaning. (Platão, Íon. São Paulo: Autêntica, 2011). Nietzsche’s work, as Heidegger’s, seeks to construct a reversal of Platonism and to recover a pre-Socratic moment, previous to the birth of metaphysics, the power of Archaic Greece, when poetry and philosophy were born in a single soil and from the same amazement before the world.

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congregates in itself the Hebrew sense of lust, pleasure and at the same time the Sumerian meaning of jungle16. Falling, separated, a-part, Adam moves away from the presence, this infinite, eternal and intoxicating continuity. It is in the fall that time inaugurates. And also the forgetfulness. It is interesting to note what Heidegger says about forgetfulness. To the Greeks, forgetting was not the impossibility of remembering, of re-presentation of a memory. First, however, Heidegger points to the lost vigor of a presence that has suddenly been absent. Forgetfulness was no longer participating. Forgetting, to the Greeks, involved, therefore, something connected to the emptiness left by the plenitude of a presence. In his terms, a “no-more-being-there-with”17.

Freud, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin e Companhia Das Letras, 2011, p. 07 a 17. Silenus, the loyal friend of Dionysus, always drunk and brilliant, precisely because he is drunk, replies: “Miserable and ephemeral race, children of fortuity and torment! Why do you force me to tell you what would be healthier for you not to listen? The best of all is entirely unattainable for you: not being born, not being, being nothing. But after that, the best thing for you is to die soon”. (NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 36). FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. São Paulo: Penguin e Companhia das Letras, 2011, p. 11.

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Emmanuel Lévinas in POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaios e entrevistas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 21. Okeanó, from where the word ocean comes from, is, in Greek mythology, the son of Gaia and Uranus, Earth and Heaven, he is the titan who gives rise to all waters. All the stars and also the sunset are born from Okeanó. Olokun, in the African Yoruba tradition, is the orisha of the ocean and deep seas. Hybrid of fish and man, Olokun contains two spiritual principles, Somú Gagá and Akaró, life and death respectively. All life is born from Olokun, yet its uncontrollable fury and untimely temperament brings death. BATAILLE, George. O erotismo. São Paulo: Autêntica, 2013, p. 35-48. Idem. Says Bataille: “We have badly endured the situation that binds us to the random individuality, to the perishable individuality that we are. At the same time as we have the anguished desire for the duration of this perishable, we have the obsession of a first continuity, which usually connects us to the being”. (Op. Cit., p. 39). Truth, to the Greeks, was a-lethéia. The prefix a indicates a denial, and léthe means forgetfulness. Literally, truth would then be not forgetting, or remembering. I prefer to think that alethéia is the action of “disforgetting”. This “disforgetting”, this alethéia would be the recovery of the presence of something that was hidden. The truth, before un-veiling, would then be a dis-veiling. An uncover. The truth would be the appearance of the being. Of the being in itself. The “Forgetfulness of Being” is a concept created by Martin Heidegger to define the founding element of philosophy as metaphysics. By identifying the Being with the Dasein, metaphysics, from Plato to modern science, and thus forgetting that there would be an “ontological difference”

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between both Being and Dasein, would have established a culture that reduces everything to its material aspect and of use. At my point of view, this translucent quality of the image is increasingly rare, independent of chronological time, and may simply uninhabit, be absent, totally others, such as the performances of La Bête, of 2017, by Brazilian Wagner Schwartz; Falling Asleep With A Pig, by Irish Kira O’Reilly, 2009; and even Damien Hirst’s 2005 series Jesus Died on the Cross, or The Death of God. These are exemplary works that I call “opaque images,” opposed to discontrol, irruption, and that placidly rest in themselves. FABBRO, Daniela Dal. Gênesis capítulos 1 e 2, 1-4: um estudo de traduções e exegese. Dissertação de Mestrado. Instituto de Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Campinas, 2002, p. 86. Haroldo de Campos says in his commentaries on his translation of parts of Genesis: “From Hebr., Eden, ‘voluptuousness’, ‘delights’ [...] The meaning of the word Eden in Hebrew is uncertain. Some scholars connect the term with a word of Sumerian origin, meaning ‘jungle’, while others propose a derivation from the Hebrew word for ‘delight’ or ‘pleasure’”. CAMPOS, Haroldo. Op. Cit., p. 19-23. Heidegger says: “Forgetfulness, as experienced by the Greeks, is not any subjective state, nor is it related only to the past and its ‘remembrance’, nor is it a simply matter of thinking in the sense of ‘re-presentation’. ...] Forgetfulness is a ‘no-more-being-there-with’, and not a ‘no-more-remembering’ at all.” (HEIDEGGER, Martin. Parmênides. Petrópolis: Vozes, 2008).

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GOVERNADOR DE PERNAMBUCO Paulo Câmara

FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO – FUNDARPE

VICE-GOVERNADORA Luciana Santos

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GERENTE DE AÇÃO CULTURAL André Brasileiro GERENTE DE PRODUÇÃO Júlio Maia GERENTE DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS Jacilene Oliveira SUPERINTENDENTE DE GESTÃO DO FUNCULTURA Aline Oliveira Cordeiro da Silva SUPERINTENDENTE DE PLANEJAMENTO E GESTÃO Gustavo Leite

GESTOR DE COMUNICAÇÃO Rodrigo Coutinho

COORDENADOR DE ARTES VISUAIS Márcio Almeida ASSESSOR DE FOTOGRAFIA Jarbas Araújo Júnior

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CONCEPÇÃO E ORGANIZAÇÃO Rebeka Monita (FioAções Contemporâneas) AUTORIA (TEXTOS) Marcelo Coutinho Maria do Carmo Nino Rebeka Monita AUTORIA (IMAGENS) Rodrigo Braga PRODUÇÃO EXECUTIVA Wanessa Santos DESIGN EDITOTIAL Guilherme Luigi Isabela Faria PRODUÇÃO GRÁFICA Raul Kawamura COORDENAÇÃO EDITORIAL Rebeka Monita PREPARAÇÃO TEXTUAL Consultexto TRADUÇÃO Elaine Anjos IMPRESSÃO CEPE Editora e Gráfica ASSESSORIA DE IMPRENSA Renato Contente ACESSIBILIDADE Audiodescrição das imagens (livro digital) COM Acessibilidade Comunicacional Liliana Tavares

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Monita, Rebeka Geração de um Pernambuco contemporâneo: Rodrigo Braga Textos: Rebeka Monita, Marcelo Coutinho, Maria do Carmo Nino; Imagens: Rodrigo Braga; Organização: Rebeka Monita; Tradução: Elaine Anjos. Recife: Ed. dos Autores, 2019. 196p. : il. Inclui referências. Inclui versão em inglês = [english version]. ISBN 978-65-81205-00-3 1. Arte Moderna 2. Braga, Rodrigo – Crítica e Interpretação 3. Arte – Recife (PE) - Critíca e Interpretação 4. Artistas Plásticos – Pernambuco 5. Arte Moderna – Século XX – Pernambuco I. Coutinho, Marcelo II. Nino, Maria do Carmo III. Braga, Rodrigo IV. Anjos, Elaine. V. Título. CDU 7.036 CDD 709.04 PeR – BPE 19-627

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