Ô de casa!
Cláp! Cláp! O som das “palmas” antecede uma voz a meia altura:
- Ô de casa! Tem gente aí?. Toc, toc.
Observe que esse é o “modelo” de campainha mais antigo que se conhece, pelo Brasil afora. Bate palmas e, em seguida, solta a voz “Ôoooo” de casa!!!
Au! au!. Levanta o cãozinho magricela, com os desgastados dentes de fora, mas, ao mesmo tempo, com o rabo abanando. Magricela está desconfiado com a visita que chega, “do nada”. No entanto, ensaia suas boas-vindas, correndo para lá e pra cá.
Parafraseando Machado de Assis, era tanto silêncio naquele lugar, que “não se ouvia mais que o plic-plic-plic da agulha no pano”.
- Quem é? Estou indo! Diz a trêmula voz, que ecoa de dentro para fora da casa.
- Você??? Uau! Que surpresa, que alegria lhe ver!
Tum-tum, é o som mais alto do momento.
- Entre, a casa é sua!
E a prosa começa, na sala, sem que ninguém se preocupe com o tictac do relógio, pendurado na parede da sala. A iluminação interna da casa se dá através de uma penumbra, advinda das frestas das telhas. Sobre a mesa, forrada com um pano envelhecido pelo tempo, expõe um jarro com buquê de flores, para “quebrar os tons, que misturam marrons, vermelhos e amarelos.
O chão é, de iguais tonalidades, original, de terra e da terra.
Entre muitos tro-lo-lós e quás-quás-quás, uma pausa para o cafezinho acompanhado de um biscoito caseiro, do resistente ao tempo, fogão à lenha.
O sol baixou, vamos para a varanda.
- Hummm! Que sabor inigualável! O biscoitinho veio com fartura,
numa bandeja tão ariada, que dava para ver a minha silhueta.
O som agora, que mais reverbera, na varanda é o nhoc-nhoc, orquestrado pelo som da brisa nas folhas perenes. Lá no fundo, um outro som, o Zzzz, do cãozinho magricela, tirando a madorna da tarde, na varanda.
E continua o tro-lo-ló, entre um gole e outro de café, numa xicara de metal branca, com o charme dos pedaços do esmalte faltando. A quentura do café demora a esfriar, parecendo perceber o momento, para que demore de findar.
O tempo passa, contrariando o desejo de que o momento empacasse. Naquela casa, o “ô de casa”, abriu as porteiras da saudade. Ninguém, naquela sala, se importava com a constância relativa das coisas, e nem com a ideia de presente, passado e futuro. Importava o agora, sem afobação!
Todavia:
O sol se pôs...
O dia passou...
O momento se foi...
Lua no horizonte, apontou...
- Ué? O encontro acabou? Terás mesmo que partir?
- Infelizmente sim! Até uma próxima! Saudades!
Depois de um abraço duradouro e o smack de um beijo, escutou-se, de forma quase imperceptível, um sniff sniff. Foram vistas lágrimas, saltando dos mareados olhos e escorrendo sobre a cútis enrugada, da face.
- Saudade tem Jeito?
- Tem sim!
Agora é só esperar o próximo Ô de casa!!!
Artur Dias LimaNayara Rangel, uma baiana que busca contar histórias do que somos e o que sentimos, para expressar a sua paixão pela fotografia. Tem muitas referências da infância, de uma família enraizada no interior, e sempre teve a oportunidade de vivenciar, de perto, a simplicidade das pessoas. Acredita nas artes visuais, em especial a fotografia, como forma de expressão. Participou das exposições: “Yê, Yê Omo Ejá - Mãe dos Filhos Peixe” –Galeria Fragmentos - Espaço Pierre Verger , 2021; Exposição coletiva - III convocatória internacional Museu Virtual Mundoarti “especial navidad”, com a obra Reverberar, “Exposição coletiva 2020 - 2ª edição” – Galeria
EIXO Arte; “Exposição Agosto das Artes – 2020, com a obra Reverberar “ - DOC Expõe; “Reverberar na Exposição virtual 2020” – Pequeno Encontra da Fotografia; “Cores, Amores, Recantos... Bahia” – MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia, 2020 , com a obra O Picadeiro, a qual passou a integrar o acervo do museu; “Salvador do povo, de Lina, de todos os Santos” –
MAM – Museu de Arte Moderna da Bahia, 2020; “Baianas: Iê acarajé, iê abará” – Fundação Gregório de Mattos, 2019. Prêmios e Seleções: 2018, participou da 8º convocatória “Imagens para o amanhã”, participando da Exposição Coletiva do Festival de Fotografia de Tiradentes; 2019.
Minha gratidão a todos aqueles que, com muita generosidade, abriram as portas de suas casas para mim e compartilharam suas histórias e sua intimidade com afeto e muito calor humano. A Bio por sonhar junto comigo, aos meus filhos e pais pelo apoio incondicional em tudo que faço.