Amazônia : olhares

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ricardooliveira olhares

fundação de amparo à pesquisa do estado do amazonas

governo do estado do amazonas

Carlos Eduardo de Souza Braga governador

secretaria de estado de ciência e tecnologia – sect

José Aldemir de Oliveira secretário

fundação de amparo à pesquisa do estado do amazonas – fapeam Odenildo Teixeira Sena diretor-presidente

Patrícia Maria Melo Sampaio diretora técnico-científica

Adalberto Moreira Júnior diretor administrativo-financeiro

NAVEGAÇÃO

5 a ciência do olhar

Odenildo Sena

7 olhares

José Aldemir

8 olhares

Aldísio Filgueiras

11 cenário

Ribamar Bessa

21 nas mãos do homem

Marilene Corrêa

37 manaus

Sérgio Freire

51 à margem da cidade

Márcio Noronha

61 à margem dos rios

Alfredo Wagner

77 quando tudo secou

Geraldo Mendes

91 viver amazônia

Trinho Trujilho

107 legendas das fotos

111 sobre o autor

Ricardo Oliveira

A CIÊNCIA DO OLHAR

Havia um padre holandês chamado João de Vries. Quase sem sotaque, falava do alto dos seus quase dois metros. Dividia seu tempo entre as obrigações sacerdotais e a fotografia. O meu curioso olhar ginasiano era espectador permanente das exposições que promovia de seus trabalhos. Eram pôsteres enormes, em preto e branco, retratando sempre o dia-a-dia da gente simples das redondezas e do bairro onde me criei. Nutria profunda admiração pela habilidade com que captava aqueles instantâneos, o que me deu o passaporte para uma duradoura amizade. Lembro-me do dia em que confiou a mim a chave do laboratório e um negativo com doze fotos para serem ampliadas. Com as substâncias químicas diante de mim, nas bandejas brancas de plástico, mergulhei a primeira folha de papel fotográfico na solução reveladora. A pinça com que eu

fazia leves movimentos circulares naquela folha transformou-se, de repente, numa espécie de varinha com extraordinários poderes. Senti-me o senhor da criação. As imagens, lenta e gradualmente, saltaram para a vida diante de meus olhos naquela sala em penumbra, num momento repleto de fascínio e emoção que ficou tão bem guardado em minha memória. Preservada aquela agradável lembrança, descobri com o tempo que eu havia sido apenas instrumento intermediário de uma vida que, na verdade, nascera do afinado olhar do João de Vries. Isso mesmo! Porque, embora não se deva desprezar a contribuição sofisticada de um bom equipamento e domínio técnico, penso que a fotografia depende muito pouco de um simples clique. Se assim não fosse, com a popularização das máquinas digitais os grandes magos da

fotografia já teriam sumido. São fundamentais, muito aquém e além dos cliques, a empatia e a emoção com o objeto; a sábia opção, nem sempre fácil, pelo momento mais apropriado; a sensibilidade na escolha do ângulo inusitado; a paciência como arma para a perfeição; a busca contumaz pelos detalhes, muitas vezes, só revelados pela paixão que atravessa as lentes do equipamento. Essas qualidades são alimento indispensável para o que eu chamaria de a ciência do olhar. É esse olhar que desvela, em cada página deste livro, um pouco da nossa Amazônia, aqui pluralizada em tantos olhares nas lentes mágicas do Ricardo Oliveira.

OLHARES

José Aldemir

Geógrafo e Secretário de Estado da Ciência e Tecnologia do Amazonas

Olhares da casa que se pendura na terra, da janela à simetria do rio que passa a casa é o mundo interior e o rio, vasto rio escassez e excesso de tudo.

Olhares que exprimem sentimentos, emoções e se fixam no horizonte como a transpor o infinito que vêem a vida que se revive num lugar do/no mundo não são os santos que nos protegem, nós é que os protegemos.

Olhares perdidos na tv reencontrados nos sorrisos, festas, jogos, encontros nas vidas que nascem e nos amores que se entrelaçam.

Olhares que tecem poesia que se encontram em desalinhos pipas e destinos nas mãos e ao vento como canoas navegam num tênue fio...

Olhares que exprimem: o mais tênue fio de esperança dói menos do que a resignação.

OLHARES

Aldísio Filgueiras

Jornalista e poeta

Nenhum olhar é à-toa

na terra que a tudo excede, de mineral a pessoa, pois é o olho que mede terra em que até o boi voa.

O olho de tiro preciso, a cada palmo do metro, faz do olhar um juízo, de cada osso um espectro.

Na terra que a tudo excede, nenhum olhar é à-toa: terra em que rio tem sede, não é só o boi que voa.

“ Era um sábado de junho de 1542. Véspera da Santíssima Trindade.

O bergantim de Orellana passa pela foz do rio Negro. O encontro das águas é, então, olhado pela primeira vez por um europeu que, deslumbrado, registra a imagem de uma grandiosidade bíblica. Escreve. Descreve. Pinta. Águas que não se misturam, culturas que se desencontram. O real-maravilhoso: água, muita água, rios de águas pretas, barrentas, amarelas, prateadas, da cor do guaraná. Nas margens: verde, muito verde, árvores, todo tipo de árvore, milhões de árvores, árvores que falam, a floresta habitada por uma enorme variedade de bichos, plantas, frutas, pássaros, mamíferos, cobras e lagartos. E gente, muita gente: baré, tarumã, baniwa, passé, manao, gente criadora de cultura, guardiã da diversidade da vida. Gente que colocou dentro da floresta duendes encantados e heróis míticos, e deu um nome a cada árvore, a cada peixe, a cada planta. Os povos da floresta e seus saberes, ainda por revelar, ainda se revelando. No meio do rio. No meio da floresta. No meio da vida.” ribamar bessa , jornalista e historiador

“ Está nas mãos do homem o controle social para evitar que os ecossistemas sejam alterados drasticamente.

Fenômenos naturais já ocorreram e continuarão ocorrendo, mas é possível amenizar os impactos das mudanças globais em curso com nossa inteligência e sensibilidade norteando políticas públicas que proporcionem mais qualidade de vida aos cidadãos.

A Amazônia já está caminhando nessa direção e pode ser um grande laboratório de inspiração para o mundo, porque aqui temos tido sucesso nessa experiência de respeito às diferenças e solidariedade, e de saberes e inteligência em harmonia com a natureza.” marilene corrêa , cientista social

“ Texto não são só letras.

Aliás, há letras que não nos dizem. Imagens, prenhas, parem um novo sentido a cada olhar.

Contrastam o tempo infinito do rio e o tempo do já da cidade.

A história, desenhista de teus alicerces, testemunha incrédula o teu presente desigual.

Nas águas, singra o recreio rumo à cidade de pedra.

Na cidade, flutua a bola no recreio das crianças.

E o olhar da menina-moça se revela como tu, minha cidade: Pueril e maliciosa.

E não são palavras que me o dizem. Mas a tua luz.”

sérgio freire , linguista

“ Se a gente pudesse segurar o espaço e o tempo igual peteca... Ao chocar os dois num jogo, qual seria o resultado?

Faz de conta, agora, que a gente pode criar o nosso espaço e o nosso tempo, deixando às nossas costas todas as agruras.

Acho que os pulmões ficariam maiores e o peso menor, pueril.

Fotografia aguça sentidos.

Sorriso de criança faz barulho na lembrança. Pé descalço na areia tem cheiro de infância.

Brincar é flash de felicidade.”

márcio noronha , jornalista

“ A Amazônia vive transformações importantes, com tentativas de se instituir novas regras detutela face aos povos indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, ribeirinhos, pescadores, peconheiros, piaçabeiros e demais identidades coletivas emergentes. O campo da medição se torna mais complexo e com novas possibilidades de regulação. As identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais expressam uma posição de recusa cada vez maior, por parte das comunidades e povos tradicionais, de delegar poderes a agências e agentes externos. A luta pelos direitos étnicos e territoriais é uma maneira de garantir, entre outros efeitos, que as águas não sejam contaminadas, que os lagos não sejam destruídos e que as novas gerações possam ter confiança no futuro.”

alfredo wagner , antropólogo

“ A natureza pode parecer trágica, mas é mágica em sua essência.

Nessa essencialidade ela cria e recria, sendo a criatura humana – sobretudo a criança – sua expressão suprema.

Sentimentos de alegria e desprendimento podem se manifestar sempre e da maneira mais pura, mesmo que seus protagonistas se encontrem atolados na lama.”

geraldo mendes , biólogo e filósofo

“ Viver a Amazônia é compreender a sua diversidade, a sua gente, as suas tradições, as suas culturas, toda a sua complexidade de riquezas. É entender as pequenas sutilezas da vida na região, características que a tornam não uma Amazônia, mas várias ‘Amazônias’. É respeitar as diferenças, os conhecimentos milenares, aprendendo, com quem viveu experiências extraordinárias no passado, a lidar com as transformações do presente, e a se preparar para o futuro. É perceber que toda a sua imensidão não a torna menos vulnerável à cobiça humana. É cuidar de suas crianças, curumins, caboclos, de toda a gente que faz a Amazônia ser tão diversa –e bela. É olhar com atenção para a água, fonte essencial para todas as formas de vida.

É reconhecer nos indígenas e nos ribeirinhos lugares privilegiados de saberes, saberes que podem dialogar com a ciência ‘formal’ de modo a contribuir para um mundo melhor. Viver a Amazônia é também se orgulhar dela como uma benção para todos nós.”

trinho trujilho , indígena, professor, pesquisador e ex-bolsista do Programa “Jovem Cientista Amazônida”, da Fapeam

©fapeam, 2009

ricardo oliveira

supervisão técnica Departamento de Difusão do Conhecimento

coordenação editorial Ana Paula Freire

capa e projeto gráfico RômuloNascimento

O48a Oliveira, Ricardo

amazônia: olhares /Ricardo Oliveira. Manaus: [s/n], 2009.

112p. isbn 85-7401-496-8

1. Fotografia 2. Amazônia. I. Título

cdu 77(811)

FAPEAM

Av. Mário Ypiranga Monteiro, n.° 3280– Parque Dez

cep 69057 002. Manaus – am, Brasil

Tel.: (92) 3878 4000

e-mail: decon@fapeam.am.gov.br

www.fapeam.am.gov.br

LEGENDAS

cenário

Páginas 13 e 14: Pôr-do sol no rio Negro; 15: Reflexo dourado na travessia do rio – paisagem singular da Amazônia; 16: Encontro das águas escuras do Negro com as águas barrentas do Solimões; 17: Banco de areia característico do verão em Barcelos; 18 e 19: O verde que convida ao passeio e ao olhar atento das aves.

nas mãos do homem

Páginas 23: Abatida a tiro, em Manaus, arara vermelha nos dá a oportunidadede refletir sobre a vida destruída pela insensatez humana; 24: Toras de madeira de lei aguardando transporte, cenário comum durante o período da cheia; 25 e 26: Queimadas ameaçam a vida da/na floresta; 27 e 29: Exploração de madeira, atividade que tem crescido na região; 28, 30 e 31: Produção de carvão ameaça a natureza e a saúde dos carvoeiros no assentamento Tarumã-Mirim, na br-174; 32: Nas mãos humanas, o banho descontraído do menino com uma preguiça; 33, 34 e 35: A expressão da diversidade amazônica no olhar de crianças indígenas.

manaus

Página 39: Parque de diversão ilumina o anoitecer na cidade; 40 e 41: Palafitas no bairro de Educandos, durante estação seca; 42 e 43: Arquitetura de Manaus: Cúpula do Teatro Amazonas e Mercado Adolpho Lisboa; 44: A cidade vista do primeiro plano e ao fundo, banhada pelo rio Negro; 45 e 46: Antiga Cervejaria Miranda Corrêa em dois momentos: como cenário para a brincadeira infantil e emoldurada pelo entardecer; 47: Cena no Porto da cidade: o peixe é essencial na culinária amazônica; 48: Inundação em bairro do centro de Manaus e a canoa como meio de transporte; 49: Retrato da beleza amazônica em dia de chuva.

à margem da cidade

Página 53: O colorido do varal contrastando com a realidade cinzenta na periferia de Manaus; 54 e 55: Dois instantâneos da infância à margem da cidade: é possível se divertir com pouco; 56 e 57: O cotidiano precário nas ocupações: esperança que se renova com a vida; 58: Lixo acumulado no fundo do rio reaparece durante a seca; 59: Lago de papel: poluição no Puraquequara, bairro periférico.

à margem dos rios

Páginas 63 a 67 e 70: Crianças se atiram à diversão nas águas amazônicas; 68 e 69: Flagrantes da vida ribeirinha; 71: Paixão nacional improvisada nas águas; 72 e 73: Nos rios amazônicos, navegar é preciso: mas não é difícil encalhar ou afundar, dependendo do período; 74: Brincadeira de roda ao entardecer no rio Negro;

75: Pirarucu, o rei dos rios, dominado pelo caboclo amazônico.

quando tudo secou

Páginas 79 a 81: Seca de 2005 mudou a paisagem amazônica; 82 e 83: A água desaparece e provoca fortes impactos ambientais; 84 e 85: Fugindo da seca da maneira que é possível; 86 e 87: Terra seca e chão rachado: vidas comprometidas pela falta d'água; 88 e 89: Crianças retiram alimentos da lama.

viver amazônia

Páginas 93: Meninos acompanham pelada no interior; 94 a 97: Casamento, descanso e comércio: retratos diversos da vida amazônica; 98 a 100: A infância em cores: olhar perdido e a diversão entre bicicleta, canoa e papagaios; 101: Meninos participam do projeto Pé-de-Pincha, que visa a preservação das tartarugas-da- Amazônia; 102 e 103: Folclore e tradição nas alegorias do boi-bumbá; 106: Na Amazônia, nenhum olhar é à toa.

agradecimentos

Odenildo Sena, José Aldemir de Oliveira, Aldísio Filgueiras, Ribamar Bessa, Marilene Corrêa, Sérgio Freire, Márcio Noronha (idealizador do projeto), Alfredo Wagner, Geraldo Mendes, Trinho Trujilho, Mirna Feitoza, Kene Paes, Marcelo Vallina, Olívia Ribeiro, Governo do Amazonas, aos demais membros do Decon/Fapeam, Renan Freitas Pinto e a todos os que contribuíram para a realização deste trabalho.

Este livro é dedicado a todos os cidadãos da Amazônia.

ricardo oliveira , amazonense de Manaus, 40 anos.

Iniciou sua carreira no Rio de Janeiro, onde morou e estudou na FotoRiografia, com os professores Walter Firmo e Ivan Lima. Em 1995, voltou para Manaus e desde então atua na imprensa local. Foi um dos vencedores do “I Prêmio de Jornalismo Governo do Estado do Amazonas”. Participou da exposição coletiva “É Tempo de Brasil”, no Museu do Louvre, em Paris, durante a Copa do Mundo de Futebol de 1998. No mesmo ano, publicou ensaio no livro

Amazônia: o Olhar Sem Fronteiras, coletiva com fotógrafos sulamericanos, organizado pela Funarte. Em 2002, concluiu pós-graduação em “Fotografia como Instrumento de Pesquisa nas Ciências Sociais”, coordenado pelo professor doutor Milton Guran, na Universidade Candido Mendes ( rj ), quando realizou um trabalho antropológico sobre os músicos que tocam “Choro” do tradicional bairro carioca da Penha. Em 2007, registrou em livro o tradicional Festival Folclórico do Amazonas, organizado pelo fotógrafo Lula Sampaio com apoio do Governo do Estado do Amazonas e Secretaria de Cultura.

Este livro foi impresso em agosto de 2009, em Manaus – am , pela gráfica Ziló para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas –Fapeam.

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