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Fotos: Francisco Oiticia
A JANELA PARA O MUNDO DE FRANCISCO OITICICA
Fotográfo do mês
Editorial � 01 | 2021 - Junho
Escrito por Jorge Vieira
A fotografia produzida em Alagoas nitidamente tem avançado em qualidade, o que pode ser verificado pelos resultados alcançados por diversos fotógrafos e fotógrafas em editais, convocatórias e concursos pelo Brasil, e até em outros países. Nos últimos anos o movimento fotográfico alagoano vem ganhando força com o surgimento de coletivos, grupos de fotografia, a ocupação de espaços expositivos com mostras fotográficas, a promoção de oficinas e, talvez, a maior expressão desse bom momento: a realização do Fotosururu, encontro de fotografia criativa que, além de reunir em Maceió significativos nomes da fotografia brasileira, constrói um ambiente para projetar a produção fotográfica local. Esse panorama reflete a maturidade que vivencia a fotografia feita em Alagoas,
ao tempo em que também demanda novos recursos que alimentem essa dinâmica. Como consequência desse quadro, fomentada por discussões quanto às políticas culturais para a fotografia de Alagoas, foi criada no último mês de março a Casa Alagoana da Photografia - CAPh, que surge como meio de convergência dos esforços pela promoção do fazer fotográfico do Estado e entidade de fomento dessa cultura. Várias ações estão sendo planejadas e algumas já executadas pela CAPh, como o grupo de estudos “Fotografia por vir: o que clicar?” que teve seu primeiro encontro em abril. Agora, outra importante iniciativa toma corpo com o lançamento da CAPh Revista, que tem como objetivo ser veículo para conteúdos da cultura fotográfica e vínculo através do qual os produtores de fotografia possam fortalecer seus laços, reconhecerem e difundirem seus valores.
A CAPh Revista terá edições bimestrais, sempre dando espaço para quem realiza a fotografia em Alagoas, ou para algum alagoano que fez seu nome fora de nosso Estado. Nesta primeira edição, traremos uma entrevista com o carioca Francisco Oiticica, que se tornou uma referência em Alagoas e se dedica a estudar o movimento da fotografia em nosso estado. Também traremos um novo talento da fotografia e abordaremos um assunto que mudou a vida de todos, mas especialmente dos fotógrafos a Pandemia da Covid-19. E claro, não podemos deixar de falar sobre o assunto que impactou a vida de milhares de maceioenses: o afundamento de solo causado pela mineração e como o Projeto Ruptura deu voz a essas pessoas atingidas pelo desastre.
Seja bem-vindo/a à primeira edição da CAPh Revista!
Expediente
Sumário
Colaboraram nesta edição: Anna Sales, Érika Basílio, Francisco Oiticica, Jorge Vieira, Lícia Souto Pedro Firmino e Emília Lessa.
A janela para o mundo de Francisco Oiticica
Projeto editorial:
PÁG: 4
Ramatis da Costa
Diagramação: Ed Gama Jr.
Revisão ortográfica: Dilma de Carvalho
Coordenação de comunicação: Anna Sales
Os artigos apresentados nesta edição não refletem necessariamente a opinião da CAPh Revista
Mães por trás das lentes PÁG: 23 Poética, devires, pandemia: De onde vem a foto criativa? PÁG: 26 Um ano difícil: fotógrafos precisam se reinventar em meio à pandemia PÁG: 32
Projeto Ruptura expõe drama de anos da mineração em quatro bairros de Maceió PÁG: 35
A fotografia de rua de Bruna Kélvia PÁG: 43 Ensaio final –“Metalmorfose” – Por Ramatis da Costa PÁG: 46
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A JANELA PARA O MUNDO DE FRANCISCO OITICICA Por: Anna Sales Rio de Janeiro, 1978. O inquieto Francisco Oiticica começava a cursar seu primeiro ano de Arquitetura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Estudava no prédio da Escola de Belas Artes, uma das mais antigas do país. Mal sabia que continuaria estudando no mesmo prédio, mas iria para outro curso. Na Arquitetura, ele se destacava no Desenho artístico e nas artes Plásticas. As outras disciplinas? Muito rígidas para sua mente agitada. Então, em 1980, ele foi cursar Pintura na mesma instituição, onde viria a ser professor depois de alguns anos. Quando entrou na Faculdade de Pintura, Francisco tinha em mente o conflito entre a representação do real e o real da representação. Aderiu ao expressionismo abstrato para retomar o processo anterior de dissolução do espaço renascentista. Afinou também, por intermédio da teoria da comunicação, o pensamento sobre as possibilidades e os limites da linguagem
visual. Mas ele não se limitaria só ao quadro. Algo estava presente desde sua infância, através do seu pai e de um tio: a Fotografia. A câmera sempre esteve na mão de Francisco por intermédio dos dois. O pai costumava revelar as fotos, pois tinha feito um curso rápido para esse fim. O tio documentava a vida em álbuns, guardados até hoje por Francisco. Ainda garoto, ele manuseava as revistas impressas e os muitos livros da biblioteca do pai, os álbuns e as fotografias avulsas guardadas em gavetas, além de fotonovelas e enciclopédias. Mas Oiticica só começou na fotografia quando precisou reproduzir suas pinturas. Na época, ele tinha uma câmera reflex, manual, que permitia regular foco, abertura e velocidade, e experimentar filmes diferentes, o que despertou o interesse pela imagem técnica, fotográfica.
@francisoeliasrosa
FRANCISCO OITICICA Fotógrafo do Mês
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Foi um período muito bom, que me ajudou em tudo”, conta. Pintura de rua Tal como o pintor modernista brasileiro Vicent Monteiro, convertido em poeta de expressão francesa - cuja obra Francisco pesquisou em seu doutoramento - nosso fotógrafo do mês buscava maneiras de se fazer reconhecer. “Não tendo o francês como
Fotografia "Pintura de Rua"
de Belas Artes, eu lecionava Desenho Artístico e outras disciplinas da área cujo trabalho dos alunos era prático e o meu atendimento, individual. Nas aulas teóricas do Dpt. de Comunicação, as aulas eram baseadas em anotações, o conteúdo escrito a giz no quadro-negro, transmitido oralmente à turma. As aulas de Fotografia eram mais parecidas com as de Desenho Artístico. Eram aulas que alternavam fundamentos teóricos, saídas fotográficas e laboratório de revelação e ampliação.
Fotografia "Pintura de Rua"
Então ele rompeu o quadro. Com o olhar, a organização do espaço compositivo e a cultura artística vinda da Pintura, Francisco foi se jogando cada vez mais no mundo da Fotografia. Brincadeiras entre os sentidos, as legendas, formando ‘trocadilhos visuais’ são sua especialidade. Se firmando na Fotografia, casado com uma alagoana e com seu primeiro filho, ele veio ensinar a disciplina de Fotografia no Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), após Celso Brandão entrar de licença temporária e a vaga ser aberta. Pouco tempo depois, ele também passou a dar aulas teóricas na Comunicação. Passados seis anos, foi convidado para dar aulas na Universidade de Grenoble, na França. Mas ele gostava mesmo era da parte prática das aulas. “Ainda me lembro do meu primeiro dia em sala de aula do Departamento de Comunicação Social da UFAL. Fui apresentado por Carlos Gusmão a uma turma lotada. "Na Escola
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língua materna, Monteiro conseguiu se fixar no campo literário parisiense através daquilo a que chamei de ‘simulação de pertencimento’. Essa operação deixou marcas no texto muito nítidas. Seus poemas realizam um jogo de linguagem de formas consagradas pelo lugar-comum, as frases feitas, fórmulas de cortesia e demais estereótipos da língua e do pensamento francês. Isso muito influenciou a minha fotografia posterior. Tirei partido, na fotografia, então, da advertência de Roland Barthes a respeito da criação literária e artística, em especial: “Escrever é colar palavras no interior do discurso”. Isso tem a ver com a minha verve irônica e a inclinação para duvidar das afirmações peremptórias, e a levar na brincadeira o que faço. Acho que é por causa de Câncer, o meu signo: não paro quieto; também não saio do lugar. O caranguejo anda muito, sempre de lado, e se enterra na areia quando a onda vem.”, conta.
Fotografia "Pintura de Rua"
Assim como o Rio de Janeiro, a capital alagoana é conhecida por suas belezas naturais, como a praia. Porém, ele achou uma maneira melhor de se identificar com Maceió: percorrendo, de bicicleta, as ruas dos bairros que ficavam na periferia da orla. No começo da década de 90, as publicidades eram feitas não pelos painéis luminosos, mas sim, por meio de pinturas. O que foi um prato cheio para Francisco desenvolver sua série e seu sentimento de pertencimento com a cidade. “A visualidade praiana é exuberante, visto que os corpos se destacam, se tornando um convite irresistível para deleite dos sentidos. No entanto, descobri as ruas de dentro ao passear de bicicleta, cuja lentidão me ajudou a prestar atenção no ato fotográfico. A luz entrando na diagonal, projetando sombras e destacando os elementos me sugeriu uma cenografia montada pra mim. A proximidade proporcionada pela pequena escala
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dessas ruas, sem prédio e movimento, me permitia parar para fotografar. Cabia a mim reunir o vocabulário de formas esparsas num discurso visual coerente que desse conta daquele pedaço menosprezado de Maceió. Ser o seu tradutor, me estimulou. Eu considerava mais fácil fotografar em Maceió, além do que, procurava traçar um mapa afetivo desse lugar que só a mim parecesse pertencer. As fotografias de ‘Pintura de rua' foram muito importantes para que eu me sentisse em casa novamente.”, relata. Para Francisco, faz parte do processo de criação evitar que a fotografia se estabeleça em apenas um lugar. Isso seria cristalizá-la. “Sem querer me comparar, é claro, retomo uma frase de Pablo Picasso, que dizia: "Melhor imitar os outros do que me imitar". Dentre as posições que eu assumo contra a pretensão dele se consagrar no que faz, porque não quero ver institucionalizado o papel social do
Fotografia "Pintura de Rua"
artista, está aquela que visa não corresponder às expectativas de gosto que me cercam. Eu sei que o mercado vive de ser desafiado, se alimenta dos ataques contra si, no plano estético. Procuro manter, desse modo, uma relação tensionada com quem por ventura espere alguma coisa de minha fotografia.”, explica.
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Fotografia, trabalhos e trocadilhos O devir. O que ainda não aconteceu, mas está prestes. O banal e o insignificante. O que lá está, mas ninguém quer fotografar. O óbvio, que de tão visível, ele desaparece à nossa frente. Esses são os temas preferidos de Francisco para suas fotografias. Segundo ele mesmo, a sua vida é ampliada pela fotografia, que é janela pro mundo - interno e externo -, farol que o ilumina, e espelho que o reflete. Isso tudo sujeito a deformações, equívocos
Fotografia "Pintura de Rua"
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Fotografia "Pintura de Rua"
e contradições. Para ele, o que mais o impressiona na fotografia é a frequência com que ela é apropriada como veículo de explicações estranhas ao meio e tem as suas imagens associadas à verdade científica, religiosa e metafísica. Impressiona o poder de sugestão da fotografia e o perigo a ela associado.
A questão não é, pois, o caráter artificial das imagens, mas a atribuição de um valor de verdade a elas. Segundo Francisco, a fotografia tem um papel preponderante, porém dúbio, ligado mais à manipulação do que ao manejo de suas qualidades. “Acho muito bom que todo mundo fotografe, o que populariza
a fotografia e permite equipar outros grupos sociais com as ferramentas apropriadas para se engajarem na disputa de narrativas próprias ao jogo democrático. Isso talvez amenize a nociva discrepância ainda existente entre
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Fotografia “Onde há rede, há renda"
Fotografia “Onde há rede, há renda"
a disseminação da prática e a dificuldade de leitura da fotografia, e da imagem, em geral, por mim constatada, atualmente.”, conta. Como um bom canceriano, para ele, as fotos mais emocionantes têm a ver com sua família. Fotos da gravidez da mulher, dos filhos quando pequenos e da mãe idosa aquecem o coração do fotógrafo. Mas ele também gosta das fotos em que encontrou uma direção para continuar, que lhe mostravam a variedade de expressões que elas ofereceram. Mas para ele, é difícil apontar apenas um trabalho que tenha gostado: “É justo dizer que gostei de todos. Outra característica de minha fotografia é variar sempre e muito, e daí ser difícil escolher. Mas gostaria de destacar dois desses projetos. O primeiro, “Onde há rede, há renda", ensaio exposto a convite do Sebrae, sobre a relação entre riscos de bordados alagoanos antigos, alguns esquecidos, e a pesca artesanal. Gosto desse ensaio porque foi o primeiro
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“Onde há rede, há renda"
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“Onde há rede, há renda"
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“Onde há rede, há renda"
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em que testei novos formatos, de onde as fotos saírem um pouco do tipo de apresentação tradicional. O segundo, destaco pela extensão e variedade, que foi a exposição que ocupou quatro salas do térreo do Museu Théo Brandão, a que chamei de “Real Alagoas", título
de um dos ensaios. Essa exposição foi importante porque Wagner Chaves, diretor do Museu à época, pretendia criar uma programação de exposições voltadas para a antropologia. Esse foi o desafio que enfrentei. Na sala principal, por exemplo, criei uma instalação fotográfica
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da qual gosto muito e que sinalizaria outros rumos para a fotografia, a serem trilhados.
Fotografia “Real Alagoas"
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“Real Alagoas"
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“Real Alagoas"
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“Real Alagoas"
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“Real Alagoas"
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Já na segunda sala, se encontravam as fotos de ‘Murmuro, ensaio sobre o imprevisto', publicado posteriormente pela Editora Graciliano, através de edital. Nas outras duas apresentei, na primeira, o ensaio que deu nome à exposição. Na entrada, fotografias feitas sem fotógrafo, panorâmicas truncadas em que tudo está se mexendo, a começar por mim, que dirigia enquanto apontava o celular para o trânsito. Na última sala, montei outra instalação em que ao fim de um corredor escuro uma cabeça estancava, sem saber se atravessava ou não uma ponte, fusão de duas fotografias numa única imagem em preto e branco”, explica. Quando perguntado qual a seleção feita para suas brincadeiras visuais, Oiticica responde: “À brincadeira, dou muito valor. Também ao humor. Levo a sério a brincadeira; trato com amor, o humor. Somos seres ‘jocosos', porque viemos do jocus, jogo, em latim. Portanto,
Foto: Francisco Oiticica
o meu compromisso com o jogo, e o investimento no trocadilho, busca me manter ativo, criativo. A fotografia, não rompendo, mas friccionando o real, tem essa vocação, que é a de assumir a artificialidade e se distanciar, sem perder de vista o referente. Para tanto, quando fotografo, procuro selecionar mais de um elemento, e confrontá-los. Eles podem não estar ali pra isso, mas é prerrogativa do recorte e enquadramento da fotografia refazer o contexto, levar a supor que existe uma necessária relação de causa e efeito entre eles. Assim, está feito o trocadilho. Depreendemos daquela relação visualmente simulada sentidos e consequências no plano ficcional, mesmo que não sejam fotos sobrepostas.”.
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"Murmuro, ensaio sobre o imprevisto"
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"Murmuro, ensaio sobre o imprevisto"
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"Murmuro, ensaio sobre o imprevisto"
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O redemoinho alagoano Francisco se tornou um grande entusiasta e pesquisador da fotografia alagoana. Quando começou a atuar, na década de 90, a fotografia alagoana possuía um movimento lento, mas contínuo. “Faziase um esforço de avaliação permanente, e havia a vantagem de se estar num ambiente que nos dava mais tempo e calma para produzir. Mais do que podia acontecer num ambiente maduro, Alagoas, em sua tradicional morosidade, não nos pressionava, mas acolhia. Embora diminuta, se sabia que alguma tradição havia a partir do que se trabalhar, e muito o que descobrir. Um ambiente promissor, como depois se concretizou. Hoje, o ambiente é de efervescência relativa, com uma diversidade e sofisticação que não havia àquela época.”, relembra. Perguntando o que para ele seria a fotografia alagoana, Oiticica responde:
“Um redemoinho. Com a reversão de interesse do alagoano, agora voltado às coisas nativas, a tendência é a de que a fotografia alagoana, depois de muito rejeitar, por medo e autoproteção, e muito denegar, para se adequar às normas do conservadorismo vigente, dele se liberte e tudo absorva, com pressa, agora. Talvez, então, ela encontre os motivos mais representativo da cultura a ser forjada, os misture às influências
dos que chegam de fora, se movimente com autocrítica em torno de si, respire e mergulhe fundo para sair revigorada por baixo desse redemoinho que ela é.”, finaliza.
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Texto de Lícia Souto fases do crescimento, registrando espontaneamente seus momentos e desenvolvimento.”, diz a fotógrafa sobre a maternidade acompanhada da fotografia.
Vânia Belo
Ressignificar. Para Vânia Belo, a fotografia foi um meio de ressignificar e redescobrir a si mesma. Vânia e a fotografia encontraramse pela primeira vez em 2013, quando ela fez um curso que, na época, foi um escape emocional devido a descoberta de que a mãe desenvolvera um câncer, que anos mais tarde, a vitimou. A relação com os registros fotográficos amadureceu e acabou convergindo com maternidade. O olhar de Vânia como mãe mudou sua fotografia e a fotografia mudou seu olhar como mãe. “Passei a respeitar mais as
Quando perguntada sobre o que mais mudou em seu olhar após o nascimento do filho, ela acredita que ser mãe é um conjunto de desafios diários, então, acompanhar o crescimento do próprio filho e trocar experiências entre a sua criação e a dos filhos dos clientes é um dos pontos mais significativos.
a trabalhar principalmente com a fotografia de newborn, que são ensaios com bebês recém-nascidos, o que exige muita delicadeza e também sensibilidade por parte dela.
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MÃES POR TRÁS DAS LENTES
Foto: Vânia Belo
Sendo uma mãe que fotografa outras mães, trabalhar com esse gênero familiar acaba tocando também no lado pessoal e emocional, a partir do momento em que ela entra nos lares e participa da intimidade das famílias. “Presenciei momentos de muito amor, cumplicidade e união. Claro que nem tudo são flores, afinal, lidar com o ser humano é algo bem complexo.”, reflete. Hoje ela se dedica
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MÃES POR TRÁS DAS LENTES
“Esse período de pandemia tem interferido negativamente não só no ramo da fotografia, mas em diversos outros. Dessa forma, houve cancelamentos de eventos já programados há meses. Houve ainda o receio de pais sobre os riscos da saída da segurança de seus lares para o local da sessão de fotos. No entanto, sempre mantive um alto nível de profissionalismo, desde o planejamento das sessões à correta e exigente assepsia do ambiente, reduzindo os riscos de contaminação. Esse período de pandemia, particularmente, foi um obstáculo a ser vencido, e tenho conseguido alcançar as metas financeiras e cumprir com meus compromissos através da Fotografia de NewBorn.”
Foto: Vânia Belo
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Drielle Gali
“A fotografia me proporciona eternizar momentos únicos com minhas filhas, fatos que não irão mais se repetir, mas que serão sempre lembrados.”, comenta Drielle. mprevisto. Para Drielle Gali, a fotografia entrou em sua vida a partir de um imprevisto. O ano era 2015, e um belo dia ela agendou um ensaio fotográfico para registrar e celebrar o primeiro ano de vida da filha. O que ela não imaginou era que um
dia antes do ensaio o carro quebraria e ela precisaria usar o valor que seria pago nas fotos para o conserto do carro. Ou seja, o ensaio foi cancelado. Mas aquilo era algo que Drielle queria tanto, que ela resolveu arriscar sozinha mesmo e tirar algumas fotos com o celular. Para a surpresa dela, aquela mãe que perdeu um ensaio, ganhou o gosto e a vontade de investir na fotografia quando se deparou com um resultado inesperado e que a alegrou. Para a fotografa, o ser mãe agrega muito ao trabalho dela, já que lida com a fotografia infantil. A experiência materna proporciona um olhar diferenciado quanto ao comportamento das crianças, para saber lidar com cada uma delas e segundo a fotógrafa esse gênero familiar permite conhecer as histórias das pessoas e acaba se tornando inevitável não se envolver e se emocionar com elas. “A fotografia infantil requer paciência, "jogo do cintura" e muito amor.”, define.
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MÃES POR TRÁS DAS LENTES
Foto: Drielle Gali
Assim como Vânia, Drielle e tantas outras fotógrafas e fotógrafos tiveram que parar, analisar e reinventar o trabalho em meio aos desafios da pandemia. “De certa forma, não encaro como algo negativo, a pandemia me fez entender que não preciso fazer tudo, basta focar naquilo com que mais me identifico e ficará tudo bem. Continuo trabalhando muito, com segurança e faço somente o que amo fazer”, conclui a fotógrafa.
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Texto de Francisco Oiticica Neste artigo, não vou falar sobre a especificidade das artes (produtoras de imagens), dentro das quais a fotografia, que é ao que mais ou menos se dedica o significado primeiro do conceito de Poética, que surge com Aristóteles ao estudar a tragédia grega. Vou me ater à questão da fotografia criativa, depois de adiado o FOTOSURURU 20 por conta do Coronavírus. Quero me debruçar sobre o conceito de criativo contido no segundo significado da Poética. De onde vem a foto criativa? Para isso, pretendo articular o sentido de Poética como criação artística, e do Devir na fotografia, como a captação do que há de efêmero na existência. Por fim, contextualizá-los ao tempo da pandemia. Poético, mas também POIÉTICO, isto é, segundo Aristóteles, impulso produtivo ou criativo (onde se situam as artes), diferente de prático (onde se situam a ética e a política). Nessa dupla inscrição,
que junta criação e fugacidade, nos deteremos daqui por diante. A Poética, definida como o estudo da literalidade das obras, ou a determinação de sua artisticidade, tem por compromisso determinar qual a natureza específica de uma obra de arte. Que traços diferem uma obra não-artística de uma obra de arte, e assim por diante. A questão inicial é a de ser capaz de caracterizar a obra através do modo como ela se inscreve na coleção de outros objetos do mundo, em especial através da sua função de representar o Real, quer seja através da cópia (nãoartística) ou de sua imitação (artística).
as relações entre a palavra e o seu significado, mas também manifesta um caráter não-linguístico (a imagem fotográfica, por exemplo), podendo ser aplicável a qualquer outro objeto ou entendimento.
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POÉTICA, DEVIRES, PANDEMIA: DE ONDE VEM A FOTO CRIATIVA?
Foto Francisco Oiticica
O poético também pode indicar um ato de criação em si, material ou não, quer dizer, a ressignificação expressiva do sujeito da experiência, que se manifesta seja pelo caráter linguístico (a palavra poética/profética), investigando
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Fiquemos com essa segunda definição. O processo de ressignificação expressiva do eu de que falo e que se dá através de um trabalho sobre a linguagem está intimamente ligado às nossas experiências de vida, diante da constatação de que estamos lançados ao mundo sem garantias, surpresos e desamparados pela falta de sentido, quando nos deparamos com tudo o que nos ameaça, tudo o que é inesperado e se distingue de nós. Para mim, a fotografia teve essa finalidade. Ela serviu para que eu encontrasse um lugar, na minha transferência do Rio de Janeiro para Maceió. Com ela, tracei um mapa afetivo da cidade pelo levantamento dos pontos de referência imagética com as quais me identificasse. Produzi uma série de fotos de muros, grades e inscrições dos subúrbios da capital, vendo nelas mensagens a mim dirigidas, de onde eu pensar que “o real
é imaginário”. Percorria as ruas de bicicleta, e a cada descoberta era como se novos caminhos se desenhassem para mim e me indicassem para onde ir. Com isso, me apossei desta parte da cidade, Foto Francisco Oiticica
num diálogo cujos termos da conversa eram aquelas fotografias.
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POÉTICA, DEVIRES, PANDEMIA: DE ONDE VEM A FOTO CRIATIVA?
Antes, Quando fazia o curso de Pintura no Rio, queria romper com a figuração. Mas a fotografia não nos permite isso. Descobri, aqui em Maceió, entretanto, que na fotografia eu podia passear pelo mundo da representação, jogar com as suas regras, frequentando o mundo das imagens. Não bastava ser aceito pela cidade que me acolheu, mas ser aceito pelas imagens da cidade também, o que penso ter acontecido! Não busco, na fotografia, revelar uma realidade escondida, nem verdade oculta. Minha fotografia não cumpre nenhuma missão. Não tenho um tema, nada denuncio. Evito o virtuosismo técnico, busco registrar o momento entre o que já aconteceu e aquilo o que eu ainda não sei se virá. Parto da ausência de finalidade prévia.
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isso pode ser divertido! De onde me dedicar, dentre outras estratégias, à sabotagem do dispositivo de que nos fala Vilém Flusser e Giorgio Agamben (filósofos da linguagem). Sabotar o dispositivo para libertar-se de seus mecanismos de controle que toda tecnologia carrega consigo.
Foto Francisco Oiticica
O que há de positivo nessa postura (que reconhece a ausência de qualquer fundamento para existirmos) é a convocação à liberdade e à responsabilidade, sem ressentimento, nem paralisia. Pois bem, o que a minha foto faz é tentar falhar o tempo todo, ela tenta fotografar a falha, tentativa fracassada, necessariamente, e como
O sentido, portanto, é inventado. O ato de criação, uma revolta consciente contra esse estado. Esse ato (revoltado) de criação é o que faz a vida valer à pena. Não existe revolta a favor, daí a arte ser uma manifestação ‘do contra’. Digo quando me perguntam sobre o que produzo, respondo que produzo sempre contra algo. Em especial, contra o absurdo que é trabalhar sem finalidade, em cima de um material sem sentido que é a vida, em busca de algo que, por mais impossível que seja, não nos deixa outra alternativa que não continuar.
Daí, me vem à mente o mito de Sísifo. Mestre da malícia e da felicidade, ele entrou para a tradição como um dos maiores ofensores dos deuses. Por causa disso, ele recebeu como castigo na terra dos mortos empurrar uma pedra até o lugar mais alto da montanha, de onde ela rola de volta, invalidando completamente o duro esforço despendido. Parece ser esta a maldição do artista: concentrar-se nos afazeres da vida cotidiana, vivendo-a em sua plenitude, tornando-se criativo na repetição e na monotonia.
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Embora isso nos revolte, porque sabemos que a aposta que a arte faz é falha de antemão, aceitamos jogar, daí o incômodo. O que nos cabe é confrontar o absurdo, exaltarmo-nos com as suas decisões, brincar com as regras desse jogo. Portanto, para não haver ressentimento nem desistirmos do acometimento desse “ato-falho”, e continuarmos brincando, devemos manter uma distância irônica
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entre o sentido inventado (esta ilusão) e o absurdo da vida, posto que a arte não mostre, nem ofereça, solução. O objetivo é viver a vida com paixão: fazer uma fotografia compadecida pela vida, por nós mesmos e os outros, revoltada sem perder a ternura, com alegria, sem ressentimento. Passamos agora ao devir, segundo termo de nossa operação, no título, e a persistência dessa presença na pandemia. A vida é um fluxo ininterrupto, sem garantias. Uma vez que estamos embarcados nesse fluxo, devemos navegar. “Navegar é preciso”, diz a canção. Portanto, dentro da metáfora da vida como uma viagem (viajar no espaço se tornou uma nova ameaça, com o vírus), navegar é vir a ser; tornarse, transformar-se, o que implica em movimento, fluxo permanente que dissolve, cria e transforma todas as realidades existentes (os movimentos
são vários, rochas e montanhas se movem em velocidade muito menor, imperceptível; vírus se espalham em progressão geométrica).
quando destaca que o movimento atribuído ao devir só pode ser pensado como consequência da privação de um de seus princípios: “Aquilo que vem a ser,
O conceito de devir, "se tornar", nasceu na Grécia antiga pelo filósofo Heráclito de Éfeso no século VI a.C. com a famosa citação "Nenhum homem jamais entra no mesmo rio duas vezes"; querendo com isso dizer que nada neste mundo é permanente, exceto a mudança e a transformação.
Foto Francisco Oiticica
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POÉTICA, DEVIRES, PANDEMIA: DE ONDE VEM A FOTO CRIATIVA?
Tudo flui e nada permanece, tudo se transforma e nada permanece fixo. Você não pode pular duas vezes no mesmo rio, pois outras águas, e ainda outras, vão fluir. Entras, e não entras no mesmo rio; banha-te, e não te banhas na mesma água. Aristóteles, por sua vez, situa o devir em perspectiva, baseado em opostos,
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vem a ser da privação daquilo que é o termo do Devir”. A ausência do movimento para a rua, hoje, no contexto do vírus, deslancha um movimento para o ‘Fora’ de nós, a despersonalização fundamental para o surgimento da criação poética, do artista. Mas como? O devir é o esforço de acompanhar a contínua transformação de estado das coisas. No fotógrafo, acompanhar o devir depende de que se desestabilizem as imagens cristalizadas que impedem de ver o real em sua novidade (principalmente quando incômoda). Com as restrições ao sair de casa, hoje, o devir se impõe mais ainda, pois esse movimento não se dá no espaço, senão nas restrições impostas ao corpo todo, de onde emergir com força o papel central do imaginário, contínua produção de imagens. Precisa-se, mais ainda agora, experimentar ativamente consigo mesmo para extrair
e ativar os seus potenciais virtuais. Esses potenciais são ativados (ou "atualizados") principalmente através de conjunções com outros corpos que Gilles Deleuze Foto: Francisco Oiticica
chamou de "devires". Estamos precisando retomar esses devires, enquanto potenciais virtuais, conexão de desejos, quando os outros corpos com os quais interagimos mantêm contato remoto conosco (não é isso o que mais fazemos durante essa pandemia?), conjunção de fluxos o meu devir saúda o devir que habita em você), continuum de intensidades (bem-vindos a um – indesejado – mundo novo), revelando-se enquanto uma dimensão virtual da realidade.
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POÉTICA, DEVIRES, PANDEMIA: DE ONDE VEM A FOTO CRIATIVA?
Precisamos inventar nosso próprio método. Para isso, os fotógrafos são convocados a desaprender a ver (olhando pra dentro, para todos os lados, fechando os olhos, tocando e ouvindo – a exemplo do fotógrafo cego esloveno Evgen Bavcar, que recorre a lanternas e ao tato para ver melhor). Isso diz respeito mais à capacidade de cegar-se, de ver com os outros sentidos, de descondicioná-los, requisito para tornar visível o que nos escapa porque muito habituados estamos com a sucessão
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e nos mantermos saudáveis, precisamos fotografar numa linguagem para este algo que não estava no nosso repertório.
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rotineira do fluxo, como se o Devir fosse algo para nós sem consequência. Hoje, vemos o quanto o inesperado nos surpreende e nos prende em seu fluxo paradoxal. Eis que ele se apresenta agora como o devir de uma suposta estagnação, enquanto me parece ser o devir de uma transformação ainda maior, lá adiante. O ponto de partida para isso não é mais a consciência e, sim, o corpo. Hoje, sentimos (ou evitamos sentir, tal a sua força) os efeitos do devir sobre nossas vidas. Outra dimensão, não consciente da subjetividade, e não teórica, é agora acionada. Com a Covid-19, vivemos numa nova dimensão que desperta sensações até então desconhecidas, que nos arrepiam só de imaginar as suas consequências. Sensações acompanhadas de um estranhamento, de uma necessidade de decifração, não descritas em palavras. Para dar forma à sensação de estranhamento perante o fluxo que nos atropela sem que o vejamos,
Foto: Francisco Oiticica
POÉTICA, DEVIRES, PANDEMIA: DE ONDE VEM A FOTO CRIATIVA?
Mais do que nunca, a subjetividade faz-se obra/faz-se fotografia. Continuemos, pois, a produzir. O estranhamento perante uma sensação indescritível provoca-nos mal-estar. Este mal-estar força a produção de signos e representações, de onde a invenção de uma realidade outra. Proponho começarmos a prestar atenção no que nos incomoda, a começarmos a amá lo/fotografá-lo.
Foto: Francisco Oiticica
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Texto de Érika Basílio causando ainda mais dificuldades para os brasileiros. Em Alagoas, o setor de eventos é um dos poucos que ainda enfrenta dificuldades para voltar à ativa. Em 2020 – quando a pandemia estava em seu auge -, Alagoas teve uma redução de 40% dos casamentos, ficando apenas atrás do Piauí, segundo dados disponibilizados pela Agência Tatu. Fotógrafos, por exemplo, indivíduos sempre presentes e necessários nos eventos, foram um dos tantos profissionais da área afetados pela pandemia.
Foto: Raphael Siqueira
É fato que a pandemia do Coronavírus não deixou de afetar, mesmo que mínimo, todos os tipos de trabalhos e serviços ao redor do mundo. No Brasil, não foi diferente: num dos países mais atrasados com a vacinação de sua população, muitos setores ainda não podem funcionar – completa ou parcialmente-,
Juliete Santos e Raphael Siqueira trabalham diretamente com fotografia de eventos. Juliete está exclusivamente na área há seis anos, porém, com a vinda da quarentena e suas restrições, precisou expandir seu nicho. “Antes da pandemia a fotografia era minha única fonte de renda, ainda tem sido minha principal,
mas também tenho prestado freelance não ligado diretamente à fotografia”, conta a profissional, que fazia, em média, dez eventos por mês.
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UM ANO DIFÍCIL: FOTÓGRAFOS PRECISAM SE REINVENTAR EM MEIO À PANDEMIA
Já Raphael, que está há mais ou menos oito anos no mercado, começou seus trabalhos fotografando turistas na praia do Gunga. “Quando não deu mais certo, fui convidado por um fotógrafo a fazer parte da equipe para cobrir casamentos, 15 anos, aniversários. Em 2017, decidi abrir minha empresa e fazer minha própria caminhada”. Atualmente, para conseguir pagar as contas, ele também faz fotografia de gastronomia, posicionamento profissional e é motorista de aplicativo. O fotógrafo manifesta que já sente como consequência da pandemia e do distanciamento social uma desproporção no ato de fotografar. “Há uma enorme diferença entre os eventos antes e durante a pandemia”.
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Particularmente na fotografia, está cada vez mais difícil registrar momentos de interação entre as pessoas, como abraços, beijos, momentos de emoção. Para isso continuar sendo registrado, precisa ter um feeling maior para se antecipar a esses momentos e conseguir captar uma verdadeira fotografia”. Juliete conta que fotografar é algo que vem desde a infância e de certa forma influenciada por sua mãe, que gostava de fotografia. Mas quando entrou no mercado de trabalho, achou na profissão uma ótima oportunidade. “Desde quando comecei a fotografar profissionalmente entendi que esse era um mercado no qual havia bastante espaço, mas somente depois de um ano trabalhando, após realizar alguns cursos e investir em um equipamento superior me senti segura para, de fato, trabalhar com eventos mesmo”.
Ela ainda lembra que seu primeiro trabalho de grande porte foi fazer parte da equipe que fotografou o primeiro casamento da Capela de Milagres e diz que essa experiência foi algo crucial para que passasse a entender muita coisa, além da oportunidade de mostrar seu trabalho, o que a levou a fazer parte das equipes responsáveis por fotografar os principais réveillons de Alagoas. Com o agravamento da pandemia, as dificuldades começaram a aparecer e o jeito foi se reinventar. “Foi bastante difícil, passei cinco meses realmente sem sair de casa, lidando com medos que muitos lidaram”, diz Juliete. Ela conta que, como muitos brasileiros, conseguiu o auxílio emergencial, mas o valor passava longe do necessário para sequer sobreviver, porém, de certa forma pode contar com o apoio de amigos. “Também tentei me reinventar realizando ensaios via chamada de vídeo, realizei alguns, com pessoas até mesmo
de fora do país. E assim como muitos colegas, rifei ensaios... Enfim, tentei “me virar nos 30” para tentar dar conta da situação”, explica.
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UM ANO DIFÍCIL: FOTÓGRAFOS PRECISAM SE REINVENTAR EM MEIO A PANDEMIA
Fotos: Juliete Santos
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Juliete Santos
Raphael Siqueira
tivemos eventos cancelados, os quais tivemos que devolver valores altos para os contratantes”, complementa. “O impacto da pandemia sobre a minha agenda de trabalho foi negativo, pois causou adiamentos e cancelamentos, o que resultou em contratos e dívidas que, em alguns casos, ainda estão em abertos", conta a fotógrafa.
Um dos impactos mais sentidos por ambos é a questão de orçamento. “Todos os eventos que aconteceriam em 2020 e em 2021 foram remarcados sem previsão de volta. isso é ruim, porque recebemos valores dos referentes anos e, com certeza, os nossos fornecedores já estão com outros valores, teremos que tirar do nosso dinheiro para cumprir com contratos”, revela Raphael. “Além disso,
Outra coisa que Juliete alega que não pode deixar de ser lembrada como consequência é que viu muitos de seus amigos abandonando a profissão devido às dificuldades e ainda a proibição do Governo do Estado em liberar de vez o setor. E apesar de muitos profissionais da área protestarem pela volta, Juliete coloca a saúde à frente de tudo. “Talvez a minha opinião não seja compreendida por muitos colegas, mas não acho que já seja o momento de uma volta total do setor de eventos. Acredito que essa “demora” seja necessária, pois até
o momento, ainda não temos sequer metade da população local vacinada”, esclarece, enfatizando que o necessário é um verdadeiro suporte não só ao setor, mas à população como um todo.
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UM ANO DIFÍCIL: FOTÓGRAFOS PRECISAM SE REINVENTAR EM MEIO A PANDEMIA
Raphael também compartilha de um pensamento parecido e acha que a normalidade vai demorar um pouco mais, porém, se diz animado em voltar a fazer o seu trabalho. “Estou confiante que a vacinação da covid-19 seja rápida, mas só vejo a volta da normalidade em meados de 2023. Espero que eu esteja errado e volte o quanto antes”, conclui.
Fotografia: Raphael Siqueira
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Texto de Anna Sales
Foto: Dilma de Carvalho
“Ao ser expulsa da minha casa, tive um sentimento de ser punida por algo que não fiz”.
Maceió, 1941. Uma empresa vem em busca de petróleo às margens da Lagoa Mundaú, a mando do Conselho Nacional do Petróleo, criado durante a época em que Getúlio Vargas era presidente do Brasil. O petróleo não foi encontrado, mas outra descoberta importante foi feita: um leito de sal-gema, na região do bairro do Mutange, que é beirado pela Lagoa Mundaú.
Apesar disso, as empresas não deram valor à descoberta. Mas o empresário baiano Euvaldo Luz viu potencial na exploração. Porém, apenas em 1965 ele pôde começar os estudos geológicos, pois anteriormente a concessão para exploração era de um grupo internacional. Em 1966, surge a Salgema Indústrias Químicas Ltda, mas apenas dez anos depois, em 1976, é que o material começa a ser explorado. Uma fábrica para extrair a sal-gema e transformá-la em cloro e soda cáustica foi criada no bairro do Pontal da Barra. Desde então, a Salgema passou por duas mudanças: em 1996, com a mudança de administração, passou a se chamar Trikem. E em 2002, a Trikem se funde com outras empresas e passa a se chamar Braskem. A Braskem hoje conta com a Petrobrás e a Odebrecht como sócias majoritárias.
Fevereiro de 2018. Após fortes chuvas ocorridas em Maceió, misteriosas rachaduras começaram a aparecer em casas e prédios no bairro do Pinheiro, que fica na parte alta da capital. Geólogos e engenheiros começaram a estudar o que poderia ter causado essas rachaduras em diversos pontos do bairro.
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Foto: Dilma de Carvalho
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fissuras, cada uma com cerca de 1,5 km de extensão, afetando 2.480 moradias somente no Pinheiro. Estudos da CPRM concluíram que a extração de sal-gema, feita pela mineradora Braskem, na região onde existiam falhas geológicas provocaram a instabilidade no solo.
Um ano depois, em 2019, os bairros do Mutange e Bebedouro, que são vizinhos ao Pinheiro, começaram a apresentar rachaduras em várias residências. E em julho do mesmo ano, moradores do Bom Parto, que também é próximo desses bairros, denunciaram o aparecimento de rachaduras em algumas residências. Após diversos estudos feitos pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e pela Defesa Civil, foram identificadas três principais
Foto: Andréa Guido
Foto: Andréa Guido
Em março, novas chuvas e mais um susto: um tremor de terra de magnitude 2,5 foi sentido no Pinheiro e em dois bairros próximos: Bebedouro e Farol.
Foto: Dilma de Carvalho
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Apesar dos estudos, a Braskem não acreditava ser responsável pelo problema. Mas uma charge de 1985, feita pelo jornalista Ênio Lins e uma reportagem dos ainda estudantes de jornalismo, Mário Lima e Érico Abreu, já alertavam para o problema da extração da sal-gema. A empresa Salgema mostrou à época aos estudantes que quando se extrai o sal das cavernas subterrâneas, elas ficavam vazias e eles colocavam água para encher, mas com o tempo, poderia haver movimentação e abalos sísmicos. De 2018 até 2021 diversas casas e prédios foram desocupados e alguns foram demolidos nos quatro bairros afetados pelas rachaduras. Um mapa com as áreas para desocupação e de maior risco foi criado e, a cada novo estudo, a área a ser desocupada só aumenta. 15 poços para a exploração da sal-gema que ficavam nos bairros foram desativados. A Braskem realizou um programa
há palavras que expressam a dor e a revolta de famílias que viviam há anos nos bairros.
Cartum de Ênio Lins. Foto: Reprodução/Tribuna Hoje
de compensação financeira e apoio à realocação, mas alguns moradores dizem que não receberam a indenização ou o valor foi baixo. As ruas parecem pertencer a um bairro fantasma ou a um cenário de guerra. Em várias paredes das casas, que foram desocupadas,
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A partir dessa inquietação, surgiu o Projeto Ruptura, que é formado por 12 fotógrafos alagoanos, dentre eles, três fotógrafas diretamente impactadas pelo problema com as rachaduras. A ideia partiu da fotógrafa Andréa Guido, moradora do bairro do Pinheiro, que sugeriu ao fotógrafo Jorge Vieira para ambos encabeçarem um projeto que mobilizasse fotógrafos que quisessem documentar a tragédia socioambiental, esse projeto está em curso nos quatro bairros. Inicialmente, as fotografias foram expostas em lambe-lambe, em dois pontos estratégicos: na Praça Lucena Maranhão, em Bebedouro, e na Rua José da Silva Camerino, no Pinheiro. “Queríamos que as imagens estivessem ao alcance dos olhos dos passantes, num acesso democrático e fácil, e sabíamos que a foto impressa
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provoca uma interação mais emocional em quem a vê. No site, por sua vez, além das fotos que estão nas vias públicas, também expomos informações sobre os fotógrafos envolvidos e suas impressões como participantes do projeto, o que enriqueceu o Ruptura.”, conta Jorge Vieira. No início de 2019, Jorge Vieira, junto com os fotógrafos Arthur Celso e João Facchinetti, tinha realizado um projeto chamado “Pinheiro – bairro de vidas rachadas”, no início do agravamento das rachaduras, que ainda estavam restritas ao bairro do Pinheiro. “Ainda não havia desocupações, então apenas anunciadas, e a abordagem fotográfica foi em torno dos dramas familiares e sua perspectiva de terem que se afastar dos parentes, dos amigos, dos vizinhos de tanto tempo, daí o título “vidas rachadas”. Os moradores ainda não tinham noção exata da dimensão que o problema tomaria, com a total remoção de todos das áreas
Imagens na Rua José da Silva Camerino, no Pinheiro.
atingidas. Este quadro foi o encontrado quando da realização do projeto “Ruptura” que, além do Pinheiro, envolveu os bairros do Bom Parto, Mutange e Bebedouro. Nesse momento, o cenário foi bem mais desolador, com moradias em escombros, pontos comerciais fechados e muitos moradores já removidos. Encontramos muitas marcas das vidas deixadas para trás. O impacto imagético teve uma dimensão muito maior com o registro
dos sonhos abandonados, das saudades esquecidas, dos rumos incertos.”, conta. E no meio desse cenário de destruição, alguns moradores ainda resistem. É o caso de Andréa Guido, que desde 1985 mora no mesmo condomínio, no bairro do Pinheiro. “O sentimento de ainda ser moradora é terrível e avassalador, basta olhar da janela do quarto durante o dia para ver as casas e prédios sem telhados, portas
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e janelas ou quando anoitece, perceber uma escuridão e um silêncio absurdo! É como se aos poucos essa destruição pudesse nos alcançar e não temos poder para detê-la. E em todos esses anos morando aqui, são muitas lembranças que carrego comigo. Minha adolescência cercada de amigos, as festas de São João, a segurança do meu prédio, mas as melhores lembranças estão diretamente relacionadas à família, como o nascimento da minha filha Ana Beatriz, há 25 anos e dos meus sobrinhos João, Bruninho e Matheus. Além de poder acompanhar o mais perfeito pôr do sol. Além disso, quando sai um novo mapa, vemos que a área só vem aumentando. É um misto de sentimentos, se entramos no mapa ficaremos sob o jugo da empresa e sua equipe técnica, se não entramos no mapa vamos ficando cada vez mais isolados. É como eu disse no início, a cada dia que passa o bairro vai ficando cada vez mais absurdamente silencioso.”, conta.
Apesar de ter tido a ideia do projeto, Andréa relata que é muito difícil tirar fotos quando passa nas ruas do Pinheiro, pois é tomada por um sentimento de tristeza e abandono. “Quando estava fotografando para o Ruptura, o mais difícil foi registrar as pessoas que iriam deixar suas casas
Foto: Andréa Guido
para trás. Cada rua, cada casa, cada prédio tem seu impacto. Mas o maior deles foi quando vi e registrei a demolição dos prédios do Jardim Acácia e os vários caminhões de mudança saindo do bairro. Esse é um trabalho que me traz um grande misto de emoções, tanto pelo que foi por mim produzido quanto pela visão do grupo que também imprimiu seu olhar a tudo o que está acontecendo. Ter as fotos nas paredes do Pinheiro e Bebedouro, assim como no site do Projeto Ruptura é uma sensação de ccolocar, devidamente registrado, na história de Maceió o que vem acontecendo nos cinco bairros afetados pela mineração. A importância do Ruptura é de luta e alerta! Todos precisam saber o que está acontecendo, afinal, os bairros estão fadados a desaparecerem do mapa.”, relata.
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No início de janeiro de 2021, Ana Paula Silva teve que deixar a casa que viveu durante 25 anos no bairro do Bebedouro.
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Com tanto tempo morando no bairro, Ana Paula conta que a melhor lembrança que carrega do local são as pessoas: “O vínculo com os vizinhos, colaboradores dos mercados onde comprava, o cabeleireiro que eu ia. Eles são as mesmas pessoas com quem durante todos os anos convivi, conversei, sorri e até chorei. Esses valores não têm preço. O sentimento ao sair foi de que estava sendo punida por algo que não fiz. E essa punição foi a expulsão da minha própria casa.”, conta.
aconteceu? Sorrindo? Não. Ninguém sai sem um sentimento de ódio no coração. Objetos deixados para trás contam a história de várias famílias, destruídas psicologicamente. Foi bem difícil tirar as fotos, as ruas estavam vazias, sem vida, só destruição de todos os lados. As pessoas precisam ser mais unidas umas às outras, em especial nesse desastre, que não é só para quem viveu nesses quatro bairros, mas de Maceió. Mas para isso, o conhecimento é fundamental”, relata.
Sobre o convite para participar do Projeto Ruptura, ela diz que ficou muito grata com a oportunidade: “Quero que ‘milhões’ de pessoas sintam através das nossas imagens o que passamos, o que fomos obrigadas a deixar para trás. Ao tirar as fotos, em todas as residências que entrei para capturar as imagens como, percebi e tive um pesado sentimento: como ser expulso se não termos culpa do que
Com o Projeto Ruptura, Ana Paula espera denunciar o que uma ação desenfreada de uma mineradora pode causar a um Estado. Ela diz que gostaria que a empresa fosse expulsa de Alagoas, mas sabe que isso é quase impossível de acontecer. Então, ela diz que resta confiar nas autoridades, e que elas sejam mais rigorosas na fiscalização. Há 24 anos, Dilma de Carvalho saía
da casa dos seus pais, no bairro do Pinheiro, para ir para sua casa própria. Ela relata que apesar de sair do Pinheiro, o bairro nunca saiu da vida dela, pois os pais e os avós ainda moravam no bairro. Ela guarda boas lembranças da época
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Foto: Ana Paula Silva
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em que morava lá. “Minhas melhores lembranças são da vida pacata, sentar na porta à noite para conversar com os vizinhos, estudar no Grupo Escolar Prof. Sebastião da Hora, na Pitanguinha e voltar para casa com a professora que era minha vizinha de frente, nossa tia Salete. Na adolescência, ser membro da Comunidade Jovem de Nazaré (CJN), estudar no CEPA, andar a pé até o Sanatório para encontrar amigos, bater papo na Pracinha Arnon de Melo e curtir as festas juninas do Conjunto Divaldo Suruagy. Inclusive, o local mais difícil que fotografei para o Projeto RUPTURA foi o Conjunto Divaldo Suruagy. Ver os prédios vazios, toda a vida comunitária em ruínas foi uma dor que não sei dimensionar. Recentemente fotografei a Igreja da minha CJN em ruínas.”, conta. Para Dilma, o sentimento ao passar nas ruas dos bairros é de profunda tristeza. “Ao me deparar com um cenário de guerra, o primeiro sentimento é de profunda
tristeza. Depois vão se associando a esse o sentimento de revolta e de necessidade de gritar ao mundo, de exigir responsabilidade dos poderes públicos e privados. Hoje impera mais o sentimento de exigir Justiça e de dar voz às vozes emudecidas pela tristeza e pela depressão, que afeta os ex- moradores dessas localidades. A fotografia sempre cumpriu esse papel de denunciadora. Nós, do Ruptura, temos o intuito de que nossas fotografias ganhem o mundo e possam documentar, e mais, denunciar, e deixar para registros históricos futuros o que foram esses bairros, a importância deles para as vidas dos seus habitantes e para a economia, cultura e demais vieses históricos-sociais. Também queremos gerar mais empatia em quem pensa que não será afetado por essa tragédia. O Ruptura cumpre o papel de denunciar, porém, tudo é feito com muita empatia, respeitando as dores, os momentos individuais de cada morador, de cada
ser humano que se identifica como um expulso de seu chão, sem ter sua voz ouvida. Através da arte fotográfica se mostra o íntimo da dor e a maldade da ganância financeira.”, relata. Jorge Vieira, que encabeçou o projeto, diz que o Ruptura tem como uma de suas premissas levar ao conhecimento da sociedade como um todo, a dimensão da tragédia humana, ambiental e econômica, e também social, que está sendo vivida nos bairros atingidos pelas rachaduras
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Foto: Dilma de Carvalho
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da Braskem. Para ele, a divulgação do conteúdo visa estimular que os demais maceioenses sintam como sua essa problemática. Segundo Jorge, o “Ruptura” gera nele um misto de tristeza, indignação e revolta, numa ‘costura’ de solidariedade com as pessoas atingidas. No que a câmera registra escombros, ele diz ver histórias violentadas, sonhos desfeitos, vidas esvaziadas. Para ele, as rachaduras que dividem o solo e destroçam as moradias, também quebram a dignidade de uma gente tratada aos empurrões em deixar seus lugares para trás “Apesar da satisfação de ver um ciclo cumprido, fica a sensação de impotência, de que todo o esforço e dedicação têm força mínima diante do poder econômico e político que controla toda essa situação, em detrimento dos interesses dos moradores atingidos. Não obstante, sinto-me oxigenado por estar alinhado com o papel sociopolítico e cultural da
fotografia, é recorrente a sensação de impotência, incrementada pela indignação frente ao trato impessoal dado às vidas atingidas. De todo modo, o Ruptura é uma contribuição para que se mantenha pulsante a atenção sobre a tragédia das rachaduras, na expectativa de que a gente afetada seja minimamente atendida em suas reivindicações com base na dignidade. O projeto Ruptura me possibilitou estabelecer mais uma vez conexão com esse drama humano que todo maceioense deve tomar como seu. Minha solidariedade a essa gente que merecia levar suas vidas conforme seus sonhos e vontades.”, finaliza.
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Foto: Jorge Vieira
Para visualizar todas as fotografias do Projeto Ruptura, basta acessar o site: https://projetorupturamcz.wixsite.com/ fotografia
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A FOTOGRAFIA DE RUA DE BRUNA KÉLVIA Texto de Pedro Firmino “Gosto de fotografar gente”, começa a fotógrafa Bruna Kélvia. Aos 26 e clicando desde os 14 anos, ela zela por retratar genuína e dignamente as pessoas no cotidiano. E essa humanização é uma característica essencial que ela quer passar adiante.
Inicialmente, sua relação com a arte foi bem pessoal. Ao perder o pai bem cedo, ela usou retratos de família e negativos para, em suas palavras, “construir uma memória de nossa família e da minha
relação com ele”. Foi a partir disso que cresceu sua paixão. Observando a arte de Bruna, ela pode ser caracterizada como de rua. Mesmo assim, ela mantém o respeito para com quem clica, prezando por um envolvimento sincero. Muitas vezes retratando o dia a dia, algumas imagens conseguem passar claramente uma história. Pode-se comparar a uma crônica fotografada ou um poema imagético. Inclusive, alguns de seus posts no Instagram têm descrições que complementam as narrativas das imagens. “Tenho muito interesse na dinâmica cotidiana das pessoas, seja ela nas ruas, em casa, nas praças, feiras, nos detalhes e até objetos que retratem um tanto de quem é aquele ser. Nessa dinâmica vejo poesia e vou me percebendo encantada por cenas comuns, mas nem por isso pouco curiosas”, comenta a artista.
@brkelvia
BRUNA KÉLVIA TEM QUE CONHECER
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Além disso, destacam-se alguns aspectos. Entre eles, a capacidade de contrastar cores e retratar planos detalhe. Ainda sobre este, a riqueza da textura também é um ponto interessante. Já o contraste cria silhuetas nítidas e expressivas nas composições. Entre suas influências, é interessante ver a relação entre poesia e seus
cliques. O poeta Carlos Drummond de Andrade se mistura com Dorothea Lange, Sebastião Salgado, Cartier-Bresson e Elza Lima. Bruna também teve influência do fotógrafo João Ripper, tendo feito até um workshop com ele.
a noção de que a poesia de suas imagens tem embasamento. Ela afirma: “Minha fotografia sofre influência direta da Poesia. Reconheci tardiamente a relevância de ambas em minha vida, mas desde então tenho mergulhado em referências tanto de uma quanto de outra”.
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A FOTOGRAFIA DE RUA DE BRUNA KÉLVIA
Assim, literatura novamente aparece para pautar as imagens. Isso torna clara
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Bruna Kélvia Fotografias
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Texto de Emília Lessa Mestre Paulo diz: “sou artista desde antes de nascer, na barriga de minha mãe já fazia arte”. Pro mundo das artes, porém, Mestre Paulo é um artesão “recente”, autodidata e de uma criatividade inspiradora. Trabalhou por muitos anos com marcenaria e em 2016 começou a dar vida às suas criações. O conheci em sua exposição na DITEAL, em 2019, após sair da reunião da Fotografando Poesia. Ao ver suas peças, imediatamente vieram as primeiras ideias de um ensaio. O impacto foi imediato. Conversamos e achei que estivesse falando com uma espécie de Gepeto. Pensei: e se estivessem vivas? Ele topou de pronto a ideia de um projeto conjunto. Infelizmente no mês seguinte Mestre Paulo fez uma cirurgia do coração, mais um pouco à frente vieram minhas férias e na sequência o início da Pandemia. Andei por sua oficina, quando ainda no
bairro do Bom Parto, meio atônito entre as mais de quinhentas peças, muitas sujas, empoeiradas, desconhecidas do mundo. Como quem esperam a liberdade. A partir das fotografias, elas agora ganharam suas próprias histórias, que podem ser contadas e desenvolvidas na cabeça do espectador. Em algumas situações do ensaio, encontros ilustres e significados escondidos. Em outras, o reencontro com suas origens. Bichos soltos na cidade, contrapostos aos objetos com os quais foram feitos: pneus velhos, ferro, madeira, aço.
Foto Rama Costa
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Foto Rama Costa
O ARTISTA E ESCULTOR MESTRE PAULO Mestre Paulo é um ex-cortador de cana, que saiu do interior e aprendeu o ofício de marceneiro. Hoje luta por espaço e reconhecimento de sua arte. Suas obras já receberam exposição no espaço da DITEAL, anexo ao Teatro Deodoro.
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Foto Rama Costa
Foto Rama Costa
O FOTÓGRAFO: RAMA COSTA
O OBJETIVO
Mais conhecido no mercado publicitário alagoano, Ramatis, ou Rama Costa, também é um artista “recente”, que tem se dedicado à fotografia de viés autoral, artístico e documental. Seu primeiro ensaio inscrito em premiação nacional, O Elas Pelas Janelas, foi finalista do Festival Paraty em Foco em 2019, no Fotosururu em 2020 e mais recentemente no Encontro na Esquina do Brasil. Desde então já teve mais ensaios e fotografias publicados e expostos em diversos festivais.
Estou trabalhando para realizar uma exposição conjunta e uma loja virtual para ajudar na divulgação e venda das obras de Mestre Paulo, fazendo com que muitos destes “animais” sejam adotados. “Enxerguei no trabalho de Mestre Paulo autenticidade artística e muita sensibilidade. As peças têm movimento, posições naturais, parecem quase se comunicar com a gente. É impossível olhar e não se inspirar, não querer dar vida e fazer algo para que esse trabalho alcance outra dimensão. A criatividade não vê rótulos e contra todas as dificuldades ela prevalece na obra de Mestre Paulo.
O trabalho foi criado em 2020, mas executado somente este ano, como trabalho integrante da Oficina Fotografando Poesia, elaborada e ministrada pelo também fotógrafo alagoano Jorge Vieira.
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O encantamento das pessoas e o potencial da obra ficavam sempre muito evidente na hora em que andávamos com essas peças pela cidade.”
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Metalmorfose Rama Costa
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Metalmorfose Rama Costa
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Metalmorfose Rama Costa
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CASA ALAGOANA PHOTOGRAFIA
@caphmaceio