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FOTOGRAFIA: ESPELHO DA REALIDADE OU TELA DA IMAGINAÇÃO ?

Por Antonio Saggese

Fotografia serve a muitas coisas, todo mundo sabe disso: serve para mostrar a cara da namorada, para vender sabão em pó, mostra o luxo dos ricos e a fome dos miseráveis, o bacilo de koch, o peito das mocinhas, os montes de vênus e as pedras da lua. Às vezes não serve a nada. Serve só para ser fotografia. Pode se fazer antropologia, marketing, jornalismo, física e geografia usando a fotografia como instrumento. Penso que a questão fundamental da fotografia é a representação. Encarada como o meio de representação por excelência, dentro de uma tradição que remonta à invenção da perspectiva renascentista, a fotografia sistematicamente se esconde para mostrar seus referentes. Somos educados para abstrairmos a representação e chegamos ao representado como se não existissem mediações. A fotografia está nos documentos e é aceita legalmente em tribunais como prova. A fotografia nunca está em seu lugar, mas sim no lugar de seu referente em uma mediação obscura, pois o ocultamento do meio é o ocultamento das operações ideológicas que medeiam essa representação. A fotografia é a grande janela para o mundo que nos é dado através de muitos filtros. É verista dentro da ótica de uma sociedade que produz câmeras, filmes, imagens e verdades para o consumo. Cada assunto tem sua maneira de ser tratado, tem a sua "visibilidade" e é reconhecido segundo esse parâmetro, seja ele a beleza ou horror. À beleza feminina é um bom exemplo disso: existe uma maneira - quase uma norma técnica - para se fotografar mulheres nuas e o padrão de beleza que tem é eminentemente visual e fotográfico. Essa beleza é uma construção cuidadosa. Verossímil, mas não verdadeira. No cotidiano em nossa cidade as imagens estão em toda parte. Todo o tempo, em todos os lugares, nossos olhos são atraídos por estímulos fabricados para serem vistos. Cuidadosamente estruturados para nos vender algum peixe, na forma consciente ou preferencialmente subliminar. Imersos no mar de imagens, enredados na rede de mídias a teia de imagens se transforma em um véu de indiferença.

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Para seduzir o olho as imagens se erotizam e o erotismo é transformado em assunto meramente visual. Socialmente, a libido se descola do toque, do cheiro e do calor, química fundamental da gramática amorosa. O desejo se estraçalha: está em toda parte e em nenhum lugar. Assim temos o refrigerante, o automóvel, o eletrodoméstico e o sabão em pó que nos fazem propostas falsamente maliciosas. O imaginário simbólico é pervertido em mercadoria. A beleza trucada da fotogenia se coloca como padrão, se assume numa norma técnica. Normalização que ao meu ver é eminentemente política. A política determina o que nos é dado ver, como nos é dado ver.

Situadas num terreno pantanoso, interface entre o estético e o utilitário, essas fotografias podem (e devem) provocar reações físicas em seus espectadores. Reações que estendem a concepção de fruição estética. À noção de informação e de redundância para tais imagens se dá em relação a esses palpáveis poderes da imagem. À informação diz respeito a cada imagem individualmente, mas não em relação ao seu conjunto, de natureza bastante homogênea (e portanto banal). O ciclo de vida útil das fotografias faz com que elas gradativamente percam sua função. Outras imagens diferentes, porém essencialmente iguais as substituirão ad infinitum. Nesse ciclo a representação mais e mais se impõe ao seu sujeito e ganha autonomia. O corpo passa a ser imagem e ser percebido de fora para dentro. À iconografia, revista, chama à discussão sobre a imagem e seus circuitos de produção, distribuição e consumo. Sobre os mecanismos que medeiam uma tão eficiente substituição do real pela simulação. Os modos pelos quais essa representação se articula as normas técnicas da produção industrial do desejo. As transferências afetivas em contraposição ou consonância aos aspectos mais funcionais da imagem. Questões paradigmáticas de uma discussão ampla da imagem em nossa sociedade. Por quê tantas, intermináveis, imagens? No lugar do que elas estão colocadas? Um véu sobre nossos olhos? Que fios tecem essa teia?

Sabíamos que o caráter contundente da questão proposta na edição Nº1 impedia uma resposta imediata. Ainda assim, o que recebemos foram materiais pra lá de eloquentes. No primeiro, o fotógrafo Antonio Saggese expõe as inquietações que movem seu trabalho autoral, com idéias presentes no texto dos projetos que enviou à Bolsa Vitae em 2000 e ao Instituto Itaú Cultural mais recentemente. O outro, um retrato do fotógrafo Marcos Marini que dispensa palavras. Em ambos os casos, a resposta nos leva a reflexão e ao aprofundamento da questão original. Divina dúvida!

Por Marcos Marini

O próximo debate tem como tema: a fotografia pode transformar a sociedade?

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No ano de 2000, eu visitei pela 1ºve A dos Postos de Saúde PAN o =sqe Doo oNALesÃo Maria Rita Cuervo. localizado no Morro da Cruz, em P nutricionistae coordenadora do Po. Chegando lá fomos conhecer os arredores e comecei, aleatoriamente, a fazer algumas fotos. Enquanto fotografava me surpreendi com o número depessoas que se dirigiam a mim para mostrar pequenas fotos de personagens da família. Em sua maioria eram fotos 3x4 com imagens quase irreconhecíveis.

Santo CNE) ço od THOR o ro e e LETOTO de grande importância social, mas desconhecia algum que utilizasse um simples registro de memória destinado ao uso próprio do fotografado - com qualidade técnica e fotográfica diferenciada.

Conversei sobre esta experiência com meu amigo, também fotógrafo, Fábio Del Re; ele comentou a lembrança de ver os interiores de casas humildes com fotos de família emolduradas nas paredes.

Nas colônias e nas fazendas, das regiões onde o Brasil se deu por imigração européia, era habitual o uso da fotografia de família na parededemonstrando o orgulho por aquilo que foi constituído e pelos ancestrais, referenciando-se à história, ao passado, e possibilitando pensar o futuro. Por diversas razões (como a falta de dinheiro, locomoção e informação) as pessoas não tem acesso a fotografia, mesmo hoje que supõe-se que esteja em grande evidência.

A partir daí, voltamos, Fábio Del Re e eu, mais vezes ao Morro da Cruz, atentos à receptividade da comunidade ao ser fotografada, e iniciamos a vislumbrar um futuro projeto fotográfico.

A primeira idéia era a de montar um pequeno estúdio no próprio local, dentro do Posto de Saúde, para onde os interessados se dirigiram, mas constatamos que o deslocamento poderia ser então dar um corpo à idéia e traçamos, com Angela Varela, um projeto, que foi r FICAM AS FOTOS fazendo corelação coma essência da proposta em retornar e deixar as fotografias para os fotografados; certos de que estas imagens carregam, inerentemente, valores subjetivosimportantes na construção dos indivíduos e na formação da auto-imagem.

A fotografia-retrato tem uma força incrível, tanto em um livro ou revista que será visto pelo mundo, como também em uma gaveta ou na parede do João. E vema contribuir na efetivação de uma história permeada, primeiramente, pelo conhecimento, e mais, pelo auto-conhecimento; podendo, então, gerar sentimentos de orgulho por suas raízes, sua família e seu espaço.

As atividades encontram-se no início, mas, acima de fazer uma avaliação sobre a execução do projeto, exponho a necessidade das milhares de pessoas que não tem acesso a um comum! registro fotográfico. Ver afelicidade das pessoas ao receberem as fotos é, para nós, uma gratificação. Ff

Lucas Moura é estudante de Arquitetura da Faculdade Ritter dos Reis, em Porto Alegre, e um dos proprietários da primeira galeria exclusiva de fotografia do Rio Grande do Sul, a Fotogaleria. maiores informações: (51) 3395 53 93 lucasQfotogaleria.art.br

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