RIO ANTIGO i JL XvJ
Editora
Gráfica laemmert, Lida. Rio
de Janeiro
“RIO ANTIGO” é uma coletânea de artigos cie colaboração cle Charks J. Dunlop publicados em diversos jornais e registas. «8^
Fotografias cle Augusto Malta, Marc Ferre?, George> keu?inger, E. A. Mortimer e outros.
Vinhetas de Angelo Agostini, reproduzidas da “Regista Ilustrada" de 1876-1898.
Fotografia na capa: Igreja de São Francisco de Paula, em 1874. 1955
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menoo pocuca, poética, onao ^ecovSaçõeo • ma io on menoo iwtcrcooawtco, co mo toSo o colação tem 01 pao oai^SaSco. £1 Capitai So cl mp erio So cB^a oil não poSc ocr ip ma exceção a cota
vcara. Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Páçjs.
Rua Direita ........................ <Primeiro bonde Legislativo Municipal Iluminação a óleo de baleia Convento da Ajuda ........................................... Antiga fábrica de gás Ascehção do balão “Portugal'’ “Batalha de Flores” .................................. Estrada de Ferro do Corcovado XVeiculos do Rio antigo ......................... Largo de Santa Rita Praia de Botafogo Serviço telefônico Templo dos ingleses ...........................................“Jornal do Commercio” .................... ........................ Rua da Carioca . . .................................... Associação Cristã de Moços Recolhimento do Parto ................................. “Túnel Velho” de Copacabana Escola Nacional de Belas Artes ........................................... Grande enchente . . , ........................................... Cabo submarino . . . . - - Canal do Mangue . . . ................................. Rua de Santa Luzia ...................... Copacabana no século passado Til buris ................................................................. Jardim Botânico . . ........................................................... Largo e igreia de São Domingos Teatro Lírico ............ Parada de 24 de maio de 1906 Barcas de Petrópolis ................................................... Alfândega velha ............................. Rua do Espírito Santo ....................................... Copacabana no começo do século
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H 13 1° 17 19 21 23 25
-29 31 V ,
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Págs. Prefeito Francisco Pereira Passos ........................................ Couraçado “Minas Gerais”..................... Igrejinha de Copacabana........................................................... Largo do Capim ............................. “Au Parc Royal”.............................................. . . Diversos tipos de bonde................. Viaduto da Central do Brasil..................................................... Desabamento do edifício do Clube de Engenharia............... Associação dos Empregados no Comércio................................ Primeiro trem elétrico................................................................ Rua Estreita de São Joaquim.................................................. Tabuletas de bonde............. >.................................... Primeiros automóveis ...................................... Energia hidroelétrica ............................................................... Pôsto Central da Assistência ............................ Gêlo e sorvete.............................................................................. Fluminense Football Club........................................................... Avenida Central........ .................................................... * Último bondinho de burros........ .. ................................. Iluminação elétrica da. rua do Ouvidor ..................................... Queima de quiosque..................................... . . ........................ Pedra da Moreninha ......................................................... - - - Incêndio da estação telefônica............ ...................... ............. Avenida Niemeyer.................. . ............. • Pavilhão Mourisco . . . ........................................ -..................... Nova fábrica de gás ...................................... ............ -............ Bonde elétrico ................. - - - -............. xExcursão à Ti juca ............... •................... Meteorito de Bendegó ..................... Rua do Passeio .......................................................................... Casa da Moeda.................. Diligências .......................................................................... - - - Monumento de Cabral .................. - - - ........ Rua da Guarda Velha ................................................ -............ Sumaré............................................................................ Velhas fortificações ...............................
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RUA DIREITA
“tortuosa” rua Direita, desde o dia 1." de março de 1870, passou a denominar-se “Primeiro de Março’ , em memória da data da terminação da Guerra do Pa raguai . No comêço do século XVII, nada mais era que um caminho à beira-mar, que ia “direito” do morro do Castelo ao de São Bento. Mais tarde, foi o local preferido pelos mercadores de escravos, diante da comodidade no recebimento das cargas negreiras que, saidas da Alfândega, ah aguardavam destino para os engenhos e fazendas. Depois, e até meados do século passado, foi uma das ruas mais movimentadas da cidade. Um viajante holandês que publicou em Amsterdam o “Journal d’un voyageur sur les cotes d Afnque et aux Indcs d’Espagne ”, afirmou que a rua Direita por si só, no ano de 1 705, ainda constituía metade da cidade do Rio de Janeiro.
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A fotografia, tirada em 1905, mostra o trecho conhecido por “Carceller”, ponto inicial das linhas de bonde a tração animal da antiga Companhia de Carris Urbanos. Essa denominação se origi nou da popular confeitaria do mesmo nome que aí existiu por volta de 1860, pertencente a José Tomás Carceller. 0 estabelecimento foi, por muito tempo, o ponto “chic’ das elegâncias do Rio de Ja neiro . Segundo Luiz Edmundo, ali compareciam, não raro, o Mar quês do Paraná, Viscondes Camaragibe, Jequitinhonha, Rio Bran co, Nabuco de Araujo e Suassuna, Barões de Mauá, do Catête, Cotegipe e Penedo, Salles Torres Homem, Pereira da Silva, José de Alencar, Maciel Monteiro, Zacarias Góes, Souza Leão... Era toda a elite da sociedade nossa, pela época. Do lado direito da fotografia, na esquina da rua do Ouvidor, vê-se o templo da Cruz dos Militares, construído em fins de 1 700 sobre as ruínas do fortim de Santa Cruz, levantado cem anos antes por Martim de Sá para a defesa da cidade. 0 edifício de mármore contíguo à Cruz dos Militares, ocupado hoje pelo Tribunal Eleitoral, é dos últimos dias do século XIX. Foi projetado pelo arquiteto Paulo Schroeder para servir de sede do Banco do Brasil. Segue-se o casarão do Correio (na esquina da rua do Rosá rio) , que custou 900:000$. Do lado esquerdo, nota-se o antigo Hotel do Globo, com café em baixo e restaurante com salão para banquetes no sobrado. Aberto em 1875, ainda alcançou o nosso século. “Foi nessa rua — escreveu Ferreira da Rosa -— que o Rio de Janeiro viu traçadas as primeiras linhas da sua grandeza; aí se so letrou a história fortunosa do desenvolvimento desta metrópole; cada prédio atual é quarta, quinta ou sexta reconstrução da barra ca primitiva; cada reconstrução foi levantada sobre ruínas de ou tra que ao abater sepultou em bolores e caliça as memórias cômi cas e dramáticas da longa e agitada vida colonial .
PRIMEIRO BONDE
difícil precisar a data exata em que trafegou o primeiro bonde. Consta que foi em 1832, nos Estados Unidos, quando apareceram em Nova York esses carros de tra ção animal na linha para o bairro de Harlem. Em 1835, surgiram na cidade de Nova Orleans; em 1853, em Brooklyn; em 1856, em Massachusetts; em 1858, em Filadélfia, e, em 1859, em Cincinnati, Baltimore e Chicago. Na França, a experiência inicial foi realizada em 1853, pelo engenheiro Loubat, permitindo o Decreto de 18 de fevereiro de 1854 o estabelecimento, em Paris, de linhas desses veículos. Na Inglaterra, os “tramways” apareceram primeiro em Birken head, Londres e Staffordshire, respectivamente em 1860, 1861 e 1863. Depois do “Tramway Act , votado pelo Parlamento em 1870, generahzou-se o emprego desses veículos naquele país . Da Europa, êsse sistema de transporte estendeu-se à Austrá lia, à Nova Zelândia, ã índia, à China, ao Japão e África do Sul. Na América do Sul, foi o Rio de Janeiro a primeira cidade que cuidou desse melhoramento. - Q. primeiro bonde puxado a burros que aqui trafegou foi d!a Companhia de Carris de Ferro da Cidade à Boa-Vista na Tijuca (ou Cia. de Carris de Ferro da Tijuca, como era simplesmente conhe cida), na manhã de domingo do dia 30 de janeiro de 1859, cabendo ao Dr. Thomas Cochrane, médico hemeopata inglês e sogro do ro mancista José de Alencar, a iniciativa do empreendimento. Nessa primeira viagem, para experiência da velocidade e se gurança dos carros, entre a estação central na rua do Conde (hoje
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Visconde do Rio Branco) e o ponto terminal na rua Conde de Bon fim, o percurso foi feito em 45 minutos, por causa das cautelas ne cessárias a evitar abalroamentos com outros veículos que impruden temente ocupavam o intervalo dos trilhos, apesar do aviso dado re petidas vêzes pelo apito do cocheiro. Decorridos dois meses, no dia 26 de março de 1859, às 9 horas da manhã, inaugurou-se oficialmente a estrada . A cerimônia da bênção da estação, dos carros e dos carris teve lugar na estação central da rua do Conde, na presença do Im perador D. Pedro II e sua augusta esposa. Às 10 horas, terminado o ato religioso, seguiram SS.MM. para a Tijuca, num dos carros convenientemente ornado para esse fim, levando em sua companhia, além dos membros do Gabinête, a fa mília do Dr. Thomas Cochrane. Em outro carro, seguiram os diretores da Companhia e alguns convidados, indo o maior número destes em ônibus (também puxados a burros), postos à sua dis posição . A viagem terminou sem acidentes na bela chácara do Dr. F. A. Marques, onde foi servido um “lunch’’ a todos os presentes. Findo o “lunch ”, houve discursos, regressando SS.MM., pou co depois, à cidade. Na estação central, decorada com primor para essa cerimônia, uma banda de música tocou durante toda a manhã. Estava, assim oficialmente franqueada ao público a primeira linha de bondes no Rio de Janeiro. Havia, então, somente dois carros em serviço, importados da Inglaterra. 0 carioca deu-lhes o apelido de “maxambombas”, tal vez por analogia com os vagões da Estrada de Ferro D . Pedro II (atual E. F. Central do Brasil), que, àquela época, já trafegavam até a povoação e antiga freguezia de Santo Antônio de Jacutinga, em Iguaçú, onde existia um engenho denominado “ Maxambomba”, na hoje cidade de Nova Iguaçú. A gravura mostra a primeira “diligência sobre carris de ferro” da Tijuca.
LEGISLATIVO MUNICIPAL
legislativo municipal nasceu em 1565, quando foi fun dada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Logo que aqui chegou, Estácio de Sá criou o Conse lho de Vereança presidido pelo juiz ordinário e formado por “ho mens bons da terra’’, que exerciam gratuitamente as suas funções. A primeira sede deve ter sido um tijupar die taipa de sebe, coberto de folhas de palmeira, construido na Vila Velha, entre o morro Cara-de-Cão e o Pão de Açúcar, à maneira das malocas selvagens. Trasladada a cidade para o Morro de São Januário (depois chamado do Castelo), edificou-se alí um prédio assobradado feito de taipa-de-mão, para a Casa do Conselho de Vereança. Com o correr dos anos, a cidade foi se estendendo pela Vár zea, no perímetro compreendido entre os morros do Castelo, São Bento, Conceição e Santo Antônio . Passaram, então, os ouvido res a reclamar a mudança do Conselho para a planície, o que só se deu por volta de 1610, quando ficou terminada a construção de uma casa térrea, à beira da praia, junto à ermida de São José. Em 1780, o Senado da Câmara — título que lhe foi dado pela Carta Régia de 1 1 de março de 1757 — tinha sua sede num pré-
dio da rua da Misericórdia, fronteiro à rua da Assembléia, onde es teve a famosa Cadeia Velha, no mesmo local em que hoje se ergue o Palácio Tiradentes. Ocupava o pavimento superior, pois o infe rior servia de prisão pública. Dez anos depois, mudou-se o legislativo municipal para uma casa no Terreiro do Paço (atual praça Quinze de Novembro), canto da rua do Mercado, nas proximidades do Arco do Teles. Um in cêndio na madrugada de 20 de julho de 1790 destruiu o prédio e quase todos os documentos do arquivo da cidade. Sucessivamente, funcionou na rua do Ouvidor, na rua Direita (hoje Primeiro de Março) e no Consistório da Igreja do Rosário, onde esteve até 1812. Daí foi para um sobrado da rua do Rosário, voltando em 1820 para aquele Consistório, onde permaneceu até 12 de julho de 1825, quando se transferiu para o Paço Municipal, situado no Campo de Santana (praça da República), entre as ruas São Pedro e do Sabão (depois rua General Câmara) . A Lei de 1.° de outubro de 1828 transformou o Senado da Câ mara em Câmara Municipal da Corte e o Decreto de 18 de julho de 1841 concedeu-lhe os tratamentos de “Senhoria” e “Ilustríssima” . Em 1878, mudou-se do prédio do Paço, que estava em ruínas, para outro, hoje já desaparecido, no mesmo Campo de Santana, es quina da rua Frei Caneca. Terminadas as obras de restauração do Paço, para lá voltou a Câmara Municipal em 2 de dezembro de 1882, até que em 1895 transferiu-se para o edifício de arquitetura gótica que se vê na foto grafia . Antes da grande reforma por que passou para servir ao Conselho Municipal, o prédio era ocupado pela escola municipal de São José. Nesse mesmo terreno, que foi cedido à Municipalidade pelas freiras do antigo Convento da Ajuda, em 1877, ergue-se a atual Câmara do Distrito Federal, projetada por Heitor de Melo e deco rada internamente por Eliseu Visconti e outros.
ILUMINAÇÃO A ÓLEO DE BALEIA
m 1763, quando o Rio de Janeiro se tornou capital do Brasil e residência dos vice-reis portuguêses, em subs tituição à cidade do Salvador, na Bahia, a sua ilumi nação era bem precária. Consistia unicamente nos lampadários suspensos na frente de alguns edifícios religiosos, bem como nos mchos e oratórios murais que ornavam as esquinas das ruas, em que se acendia, à noite, um candieiro de óleo de baleia ou uma vela de cera e diante dos quais os devotos rezavam o "têrço" e a la dainha” até começarem as rondas dos quadrilheiros. Era lúgubre, pois, o aspecto das ruas, nas noites em que não houvesse luar. 0 povo recolhia-se cedo e, ao anoitecer, fechavamse quase todas as casas. Sendo as ruas tortuosas, estreitas, escuras e sem calçamento, tornava-se mesmo perigoso o trânsito noturno, prmcipalmente nos logradouros desprovidos de qualquer ilumina ção. Alguém que quizesse sair e tivesse escravos, destacava um para, de archote em punho, alumiar-lhe o caminho. Passaram-se os anos e, apesar das novas ruas abertas ao trân-
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sito público e da maior aglomeração humana na capital da Colônia, não cogitava o governo nem o Senado da Câmara de dar iluminação condigna à cidade. Somente em 1794, no vice-remado do Conde de Rezende, é que êsse melhoramento veiu a ser subsidiado pelos cofres públicos: cem lampiões foram instalados para iluminar a parte da cidade com preendida entre a rua Direita (atual Primeiro de Março) e o Campo de Santana (hoje praça da República) Entretanto, tal sistema de iluminação era deficientíssimo, não só pela fraqueza da luz, como pelo grande espaçamento entre os lampiões — quatro nas ruas de maior movimento e dois nas demais. Em 1808, quando a Corte portuguesa se transferiu para o Bra sil, criou-se aqui o lugar de Intendente Geral de Polícia, tal como existia em Portugal. A primeira nomeação recaiu no desembarga dor e ouvidor-geral do crime, Paulo Fernandes Viana, que tratou de dotar a cidade dos melhoramentos que a tornassem digna da categoria política a que o destino a elevara. A iluminação pública, que também lhe estava afeta, tornou-se, desde logo, objeto de sua atenção, por ser de grande importância para o policiamento. Procurou, assim, melhorar êste serviço, cir cundando de lampiões o Paço Real (atual edifício dos Correios e Telégrafos, na praça Quinze de Novembro) e o palácio da Quinta da Bôa-Vista, distribuindo-os, além disso, pelas principais praças e ruas da cidade, inclusive na estrada do Aterrado, que conduzia a êste último palácio. Por êste caminho levantou umas colunas de pedra distantes cem passos umas das outras, nas quais foram sus pensos grandes lampiões por varões de ferro. Daí a denominação de “Caminho das Lanternas”, como, durante muitos anos, ficou também conhecida a antiga rua Senador Euzébio. Mas era assaz imperfeito o sistema de execução dêsse serviço. Os vidros dos lampiões, embaciados e turvos, refletiam mal a luz mortiça e avermelhada do óleo de baleia. Acendiam-se tarde e apagavam-se cedo os lampiões. Os acendedores eram escravos que dormiam ao relento, pelas calçadas, trazendo o corpo e a roupa sempre bezuntados de óleo, o que constituía um dos mais tristes espetáculos da cidade. Quando a folhinha anunciava luar, ainda que chovesse ou a noite se apresentasse escura, não havia ilumina ção. Conservavam-se apagados os lampiões e a cidade ficava em trevas, porque ninguém queria saber se a lua afinal aparecera ou não.. . A fotografia mostra o oratório que iluminava a esquina das ruas da Alfândega e Regente Feijó. Relíquia dos tempos imemo riais da cidade, contava quase dois séculos, quando foi demolido em 1906.
CONVENTO DA AJUDA
antigo convento das religiosas de N. S. da Conceição, conhecido pelo nome de Convento da Ajuda, foi inau gurado no dia 30 de março de 1750, com grandes festejos populares a que assistiu o governador Gomes Freire de An drade, Conde de Bobadela. O enorme casarão ficava situado na rua da Ajuda, uma das mais importantes do velho Rio de Janeiro, atualmente reduzida a um diminuto trecho com o nome de rua Chile. Começava aquele logradouro na rua S. José, junto à igreja do Parto (há pouco de molida) e terminava no “mar de Santa Luzia”. Na esquina da rua do Passeio, onde é hoje a “ Cmelândia ”, ficava o Convento . As noviças que alí se enclausuravam, por livre e espontânea vontade, tinham o título de “conversas”. Até os últimos dias do primeiro reinado, por ocasião das festas do Natal e Reis, acorria o povo à rua da Ajuda para ouvir o seu cântico religioso. Com o correr do tempo, porém, tornando-se o local impróprio para uma casa claustral, cedeu o Convento às exigências urbanísti cas da cidade. A 28 de setembro de 1911, publicava o “Jornal do Comércio” a seguinte notícia:
‘ Sabemos que a Cia. Light & Power, logo que lhe seja feita a entrega do Convento da Ajuda, que recentemente adquiriu, pô-lo-á, por oito dias, à disposição da Irmã Paula. Durante esse prazo, a infatigável “amiga dos pobres” permi tirá a visitação pública do edifício, mediante uma pequena espór tula em benefício do Dispensário que dirige. Estamos certos de que esta notícia da generosa concessão da Light, tão fehzmente aproveitada pela Irmã Paula, será recebida pela população com intensa alegria. Aquele severo casarão, sempre inflexivelmente fechado aos profanos, e, portanto, cheio de lendas e mistérios, é por tradição um constante objeto de curiosidade pública. Anseiam todos por percorrer aqueles longos corredores pon tilhados de engradados, celas, onde, na calma repousante da con solação religiosa, foram findar tantas desilusões mundanas. . . Não há quem não deseje passear sob as arcadas do vasto claus tro, cujo silêncio mal quebrava o passo quase imaterial das freiras ascéticas, rápidas sombras brancas que, de longe em longe, o atra vessavam . E o lendário chafariz das Saracuras, em cujas águas devem ter mergulhado tantos olhares úmidos de recordações?” No mês seguinte, as picaretas atacaram de rijo as poderosas paredes do velho casarão. Pretendia a Light levantar no local um suntuoso edifício para instalação de um grande e luxuoso hotel, igual aos mais afamados do mundo inteiro. Ocupando uma área de 4.000 metros quadra dos, teria o prédio oito andares, arcabouço todo de ferro, com duas majestosas frontarias: uma para a avenida Rio Branco e outro para a rua do Passeio, descortinando todo o panorama do mar e das mon tanhas . O “Hotel Rio de Janeiro Company” — como seria denomina do — teria 300 quartos, sendo 100 com banheiros e mais 30 apar tamentos de luxo. No último andar, no amplo terraço, haveria um café-concêrto com espetáculos todas as noites. Não se realizou, porém, a grande obra projetada pelo enge nheiro Carlos Sampaio e na grande área ocupada por mais de sé culo e meio pelo Convento da Ajuda o industrial Francisco Serra dor ergueu, mais tarde, vários “arranha-céus”, o primeiro dos quais — o Cinema Odeon — foi inaugurado no dia 1. de junho de 1928. A fotografia mostra o Convento da Ajuda em maio de 1907.
ANTIGA FÁBRICA DE GÁS
antiga fábrica de gás foi construída pelo Barão de Mauá, há um século atrás. Ficava situada na rua do Ater rado (depois rua Senador Euzébio, hoje avenida Pre sidente Vargas n.° 2610), entre as travessas São João e do Porto (atuais ruas Dr. Carmo Neto e Comandante Maurití), ocupando a área de 22.012 m2. No corpo central do edifício estavam os escritórios, a oficina de modeladores, o depósito de metros e aparelhos para exame dos registros do combustível, o laboratório e a câmara escura onde se media a íôrça do gás ilummativo por meio de fotômetros do quí mico alemão Bunsen. Cada corpo lateral compreendia sete casas com quii/ais, ocupadas pelos funcionários graduados do estabeleci mento, que dispunham, para seu conforto e recreação, de biblio teca com sala de leitura, botica bem provida, tanques para banho e um espaçoso jardim. Os acendedores de lampiões residiam em comum em um vasto salão, ocupando outro de igual extensão os es cravos da empresa. Na parte superior da fachada do corpo principal do edifício havia a seguinte inscrição latina: ‘Ex fumo dare lucem” (Do fumo, a luz) . À noite, o estabelecimento era vigiado por guardas posta dos em guaritas.
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Os acendedores e foguistas vestiam uniforme, que constava de calça branca, ou azul, blusão azul com colarinho à marinheiro e chapéu de couro envernizado com o rótulo Fábrica do Gás . No páteo interno, estacionavam três bombas para apagar in cêndio, as quais estavam sempre prontas, havendo três depósitos dágua constantemente cheios, por ser deficiente a água dos chafa rizes vizinhos para alimentar essas bombas por mais de 10’ minu tos , Eram obrigados a trabalhar com as bombas todos os empre gados que residiam na fábrica, havendo exercício dêsse trabalho aos sábados, c que não somente os tornava peritos e adestrados nêsse serviço, senão fazia reconhecer o estado normal dos aparelhos para extinção do fogo, Eram multados os empregados remissos e exa minados diariamente os depósitos e registros dágua. O “Gás Velho’’, como é hoje conhecido êste vetusto prédio, recebeu duas vêzes a honrosa visita do Imperador D Pedro II: em 22 de janeiro de 1856, pouco depois da inauguração da ilumina ção a gás no Rio de Janeiro, e no dia 13 de setembro de 1886, duas semanas após ter êsse serviço passado da antiga Rio de Janeiro Gas Company Ltd. ” para a “Société Anonyme du Gaz” . A nossa gravura é de 1854, anterior portanto à construção do Canal do Mangue, cujas obras tiveram início em 21 de janeiro de 1857, e anterior também ao relógio de quatro faces instalado em 1855 no torreão do edifício. Êste relógio, após o incêndio na noite de 6 de abril de 1889, foi substituído pelo que ainda hoje lá se en contra, marcando triste e carinhosamente as horas para os habitan tes desta Capital.
ASCENSÃO DO BALÃO “PORTUGAL”
mês de maio de 1905 traz à lembrança um acontecimen to que, por constituir espetáculo novo para a popu lação carioca, despertou em toda a cidade uma viva e justa curiosidade: a ascensão do balão “Portugal”. Por duas vezes, nos dias 7 e 21 daquele mês, o povo afluiu ao jardim da praça da República, a fim de assistir à arrojada proeza do aeronauta português Guilherme Magalhães Costa. Moço ainda, com trinta e poucos anos de idade, capitão da marinha mercante, natural de Vila Nova de Gáia, dedicara-se ao arriscado “sport”, já tendo feito diversas ascensões em vários pontos de Portugal e tam bém na F rança. O enorme aeróstato fora fabricado em Paris, mas a sêda do envoltório, de côr avermelhada, era japonesa . Com portava 30 toneladas de gás, fornecido pela Société Anonyme du Gaz por meio de um encanamento improvisado, trazido da rêde ge ral pelo portão do jardim em frente à rua do Hospício (atual Bue nos Aires) . Na barquinha podiam viajar 6 pessoas. Na clareira central do parque, onde se mantinha cativo o “Portugal”, por meio de pesados sacos de areia, armára-se um cer cado de madeira circular, em torno do qual havia uma fila de cadei ras destinadas a aluguel.
Quando foi da primeira ascensão, o dia estava deslumbrante, céu límpido, todo azul. Esta circunstância e o fato de ser domingo concorreram para que, desde cedo, comparecesse enorme multidão de espectadores. Ao meio-dia, abertos os portões do jardim, o povo começou a entrar, aglomerando-se, curioso, em torno do balão. Carruagens elegantes e cavaleiros trotando pelas alamedas do parque davam um aspecto ainda mais festivo ao local. Num coreto tocava a banda de música da Marinha. Pouco depois das 3 horas da tarde, o cap. Magalhães Costa mandou fechar o registro do gás: estava cheio o balão. Em se guida, saltou para dentro da cesta, juntamente com o fotógrafo da “Gazeta de Notícias’’, Paülino Botelho, saudou o público e deu a ordem de largar . 0 “Portugal” subiu veloz, demandando o espaço, enquanto cá em baixo a multidão prorrompia numa estrondosa ovação. 0 ba lão tomou a direção do Canal do Mangue, São Cristóvão, passou pelo antigo Jóquei Clube onde os aficionados das corridas o sauda ram efusivamente, rumou para os lados da Tijuca e Inhaúma e des ceu às 4.40 h. no lugar denominado Capão do Bispo, no Méier. Por ocasião da segunda ascensão, um domingo também, o dia estava encoberto, pouco propício à arriscada façanha, pois ventava muito. Não obstante, considerável multidão compareceu ao jardim da praça da República. Às 10 horas da manhã começou o trabalho de enchimento do balão com gás da iluminação pública, tarefa que terminou às 2.45 h. da tarde. Já então era enorme o número de pessoas presentes, muitas das quais munidas de binóculos. Afinal, o cap. Magalhães Costa e o fotógrafo da “Gazeta de Notícias” tomaram seus lugares na barquinha. Dada a largada, o balão elevou-se, num ímpeto, quase na vertical, sob entusiásticas aclamações do povo, e tomou o rumo do antigo morro do Senado. A fim de se desviar desse morro, o aeronauta despejou o lastro, mas foi colhido por forte ventania. 0 balão subiu a mais de 800 me tros e passou pelo largo do Machado, em direção a Botafogo, a uma grande velocidade. A situação tornára-se perigosa. Percebendo que não seria possível conservá-lo mais tempo no ar, o aeronauta funcionou a válvula de descida e o balão vein à terra no sopé do morro da Viúva. A multidão acorreu até lá e por longo tempo aclamou o “arrojado viajor dos ares”. A fotografia mostra um aspecto da praça da República, no dia 21 de maio de 1905, vendo-se o público aguardando a abertura do portão do jardim, em frente ao antigo Quartel General.
“BATALHA DE FLORES”
rancisco Pereira Passos, Prefeito do Distrito Federal no quatriênio do Presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906) , não se limitou à reforma material da cidade: procurou dar-lhe outros atrativos. Assim é que insti tuiu, com supremo esplendor, a “Batalha de Flores” no jardim do Campo de Santana. Contam que, um dia, observaram ao grande Prefeito que o povo do Rio de Janeiro não se importava com a Natureza, nem dava apreço à Arte. Os recantos pitorescos da cidade viviam abando nados e os jardins que a aformoseavam não tinham quem os fre quentasse . — “Pois eu mostrarei como essa gente, não só vai, como até paga para ir a esses lugares, teria respondido S Excia. Está de serto o lindo parque da Praça da República ? Pois eu vou cobrar uma taxa de entrada e verão como êle se enche”. E assim foi. Nos primeiros dias de julho de 1903, enviou o seguinte convite aos Srs. Cons. Camelo Lampreia, Cap. Ten. San-
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tos Porto, Cel. Souza Aguiar, Dr. Alberto de Faria, Barão de Ibirocaí, Dr. Ataulpho de Paiva, Dr. Fernando Mendes de Almeida, J. Vasco Ramalho Ortigão, Dr. Paulo de Frontin, Dr. Eugemo Gudin (pai), Dr. Hélio Bastos Cordeiro, Com. Adolpho Hasselman, Dr. Júlio Benedito Otom, Gal. Hermes da Fonseca, Sen. Antônio Azeredo e Dep. Melo Matos: “Tendo deliberado esta Prefeitura realizar uma Batalha de Flores no parque da Praça da República, que para essa diversão se presta admiravelmente, e não podendo levá-la a efeito sem o con curso valioso e eficaz de uma comissão que, composta de cavalhei ros notáveis por sua dedicação à causa pública e pelas relações de que dispõem, se incumba do programa dessa festa e do julgamento para concessão dos respectivos prêmios, tenho a honra de convidar V. Excia. para fazer parte dessa comissão, que se reunirá pela pri meira vez no dia 15 do corrente, às 4 horas da tarde, no meu ga binete”. A primeira dessas festas, tão animada, elegante e alegre quan to às famosas batalhas de flores de Nice, Viena e Paris, teve lugar no dia 15 de agosto. Engalanou-se o “abandonado” parque da Praça da República e o entusiasmo com que o povo acolheu a iniciativa do Prefeito ul trapassou a expectativa, atingindo a concurrência de expectadores a proporções inesperadas. Em pavilhões elegantes, em caramanchões festivos, apmhavamse os que tinham pago, além dos 2$000 de entrada, mais 5$000 para poderem sentar-se. As alamedas, os gramados, as pontes, a gruta, as ilhas, tudo estava repleto, e os carros e as carruagens vistosamente enfeitados de flores. ’ ' Seguiram-se outras “Batalhas de Flores”, que passaram a ter lugar no dia 25 de setembro de cada ano. Embora o povo não houvesse diferençado bem os jogos flo rais dos rudes folguedos de arraial, as “ Batalhas de Flores” cons tituiram, durante alguns anos, uma festa que se recorda com gran de saudade. A fotografia mostra um automóvel que tomou parte na “Ba talha” de 1907, apresentando-se, como se vê, duplamente orna mentado : de damas e de flores.
ESTRADA DE FERRO DO CORCOVADO
sta via-férrea parte da rua do Cosme Velho, sobe pelo lado direito do vale do Silvestre e à esquerda do Morro do Inglês, transpõe o mesmo vale sobre um via duto com três vãos de 25 metros cada um, cruza na cota de 218 m. o caminho da Carioca (Silvestre) e, vencendo por um grande corte o espigão que separa aquêle vale do da Carioca, desenvolve-se pela encosta da margem direita dêste rio, atravessa dois outros vales se cundários em pontes de 20 m. de vão cada uma, atinge as Paineiras na cota de 465 m., segue pelo dorso do Corcovado e, finalmente, atinge a cota de 670 m., tendo o seu ponto terminal à esquerda do cume dêsse morro.
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Foi inaugurada no dia 9 de outubro de 1884, sendo então en tregue ao público apenas o trecho compreendido entre o Cosme Velho e as Paineiras. Assistiram ao ato Suas Majestades e Altezas Imperiais, acom panhadas dos Ministros da Agricultura e da Guerra, Inspetor das Obras Públicas, Engenheiro-Fiscal da Estrada, representantes cia imprensa, diretores da empresa e diversos convidados, inclusive senhoras. As estações estavam vistosamente enfeitadas e era extraordi nária a afluência de povo na do Cosme Velho. Nas Paineiras acha vam-se várias pessoas a cavalo, à espera do trem imperial. Partiu este às 5 horas da tarde, conduzindo, além do Impera dor D Pedro II e sua augusta família, os Ministros de Estado, o Engenheiro-Fiscal e a diretoria da Estrada. Num segundo trem viajavam as senhoras e demais convidados. A subida foi feita em 40 minutos, por causa do tempo neces sário para as locomotivas tomarem água na “Ponte das Caboclas , pouco antes das Paineiras. Depois de alguns instantes de repouso nesta estação, dirigiram-se todos para o Hotel, também inaugurado nesse dia, onde o Dr. Francisco Pereira Passos, presidente da Estrada, pronunciou algumas palavras, agradecendo a presença da família imperial àquela cerimônia. Às 6 1/2 regressou a comitiva, chegando os trens à estação do Cosme Velho às 7 horas da noite. Decorrido menos de um ano, no dia 1." de julho de 1885, foi defimtivamente aberta ao tráfego toda a linha, até o Alto do Cor covado . Feito audacioso da engenharia nacional, deve-se a construção dessa estrada -— a primeira em todo o Brasil para atender a fins de turismo exclusivamente — aos Drs. Francisco Pereira Passos, João Teixeira Soares, Manoel José da Fonseca, Chaves Fana e Marcelino Ramos da Silva.
VEÍCULOS DO RIO ANTIGO
isse certa vez Ferreira da Rosa que o que mais impres sionaria alguém do tempo do Império que hoje resuscitasse havia de ser, inquestionavelmente, a viação ur bana . Que diferença entre o Rio de Janeiro do século XX e o Rio de Janeiro do século XIX! De começo, não havia morador de fora da cidade que não se transportasse montado num cavalo, numa besta ou num jumento. E note-se que “fora da cidade” não era muito longe: era MataCavalos (atual rua do Riachuelo), era o Rossio Pequeno (praça Onze de Junho), Santa Teresa e o campo das Pitangueiras (largo do Machado) Com o correr dos anos, foram aparecendo os diversos tipos de veículos a serviço dos particulares Eis alguns: As seges — Eram viaturas de duas rodas grandes com dois as sentos no interior da caixa, bambeando sobre longas correias que fa ziam o papel de molas. Dois animais as puxavam: um entre dois varais e outro por fora, montado pelo cocheiro, que vestia libré de jaqueta, chapéu alto de couro, botas e esporas. As traquitanas eram veículos semelhantes às seges, construí das, porém, sobre quatro rodas e, em vez de varais, tinham uma lança. Ai (Ti
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A caleça, também de quatro rodas, transportava seis a oito pessoas em dois bancos longitudinais. Puxava-a um só muar, guia do, em geral, por um pretinho, a pé. 0 “cabriolet” era um veículo leve, de duas rodas, tirado por um burrico. 0 cocheiro sentava-se na trazeira de onde guiava o animal, passando as rédeas por cima da pequena tolda. Defima-o o carioca galhofeiro como o carro em que o superior que vai no interior só vê a parte anterior do inferior que lhe vai superior. . . Havia ainda os tílburis, que foram o precursor dos táxis dos nossos dias; a vitória, assim denominada em homenagem à Rainha da Inglaterra; o “timon-balancé”, o “phaeton”; o “fiacre”; a berlinda, o “landau”; etc. A fotografia mostra um “coupé”, que foi no Rio de Janeiro a carruagem aristocrática, por excelência. Usavam-no os minis tros de Estado e as pessoas de grandes posses, em recepções, cor. • ! I tejos e passeios. ' * Viatura de quatro rodas — duas na frente, sob a boleia, e duas de maior diâmetro, na parte posterior — destinava-se a duas pessoas. As portas eram envidraçadas e tinham cortinas de sêda. Pe quenos estribos de ferro em cada lado davam acesso ao interior do vistoso veículo, em sua grande maioria importado da França. Atrás da boléia, junto ao tejadilho, ficava uma lanterna de cristal. A tração era de dois cavalos selecionados entre a tropa da co cheira e aparelhados de arreios cuidadosamente envernizados. 0 cocheiro e o trintanário vestiam curiosa indumentária: so brecasaca fechada, de côr “beije” ou marron, e com botões dou rados, culotes brancos, botas escuras e cartola com rosêta. Viajar de “coupé” foi, durante certa época, expressão de alto luxo no Rio de Janeiro.
LARGO DE SANTA RITA
largo de Santa Rita, antigo sítio do Valverde on do Vila Verde, foi outrora cemitério de escravos, conhecido pelo nome de “cemitério dos pretos novos’’. No vice-remado do marquês do Lavradio (1769-1779), foram terminantemente proibidos os sepultamentos alí. E que, já defi ciente o seu espaço, abusavam alguns senhores de escravos, man dando abrir covas até fora do campo-santo, nelas lançando os ca dáveres . ' 1 Durante alguns anos, uma guarda de soldados da tropa de li nha fazia sentinela no cemitério, a fim de impedir tais abusos. Conta Moreira de Azevedo que, uma noite, três homens de braço dado aproximaram-se do local e se ajoelharam. Depois de algum tempo, retiraram-se dois e um ficou de joelhos. 0 soldado, vendo que êste permanecia muito tempo naquela posição, aproximou-se e lhe ordenou que se levantasse. Não teve resposta. FêzIhe nova observação, bateu-lhe no ombro, mas com êsse movimento o “devoto” caiu ao chão. Examinando-o, verificou a sentinela que
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se tratava de um cadáver que os dois embuçados haviam alí dei xado. Ainda a propósito de enterros em Santa Rita, narra Vieira Fa zenda o seguinte episódio: Um boticário da vizinhança possuía um macaco, notável por suas habilidades. Um dia morreu o símio e o seu dono, inconsolável, entendeu de sepultá-lo na igreja. A peso de ouro aliciou o sacristão e o sineiro e o animal foi sepultado, tal como se fosse gente, e, o que é mais, teve dobre de finados. Des coberto o engodo, o povo alvoroçou-se, querendo chegar a roupa ao corpo dos profanadores’ . Interveiu a polícia, o boticário fugiu e o macaco foi exumado e atirado numa carroça de lixo. A fotografia mostra o largo de Santa Rita, antes do alargamen to da rua Visconde de Inhaúma (que se vê em frente), iniciado em 1904 e concluído em 1905 . 0 prédio de dois pavimentos, na esquina dessa rua, foi onde João Soares Lisboa montou uma tipo grafia para imprimir o seu periódico ‘‘Correio do Rio de Janeiro , substituído, em 1824, pelo “Espectador Brazileiro . A demolição à direita, no primeiro plano, é do prolongamento da atual avenida Marechal Floriano, desde a rua Uruguaiana, tam bém executado na administração do prefeito Francisco Pereira Passos. No centro desse largo existiu até 1825 um cruzeiro de pedra; depois, em 1842, um chafariz, que foi substituído em 1884 pela fonte de ferro que se vê à esquerda do quiosque. Do passado resta somente a vetusta igreja de Santa Rita de Cássia, construída no comêço do século XVIII. No chão dêsse tem plo dormem o sono eterno os seus fundadores Manuel Nascentes Pin to e sua esposa d. Antônia Maria Nascentes Pinto.
PRAIA DE BOTAFOGO
primeira denominação desta enseada foi le lac (o lago) dada pelos franceses. Depois, os portugueses lhe puzeram o nome de “Francisco Velho’ , que foi mordomo de Estácio de Sá e fundador da confraria de São Sebas tião. Somente a partir de 1641 foi que passou a se chamar “Praia de Botafogo ”, por ter ah residido João de Souza Botafogo, antigo e opulento co-proprietário da fazenda que se estendia do litoral até a quinta da Olaria de São Clemente. Há quem afirme que, em tempos idos, a bela enseada se comu nicava diretamente com o oceano, antes da praia que se formou entre os morros da Urca e da Babilônia. Até fins do século XVIII, o local era agreste, longínquo e pou co habitado. De 1808 em diante, com a permanência da Corte portuguesa no Rio de Janeiro, os engenhos e fazendas ah situados começaram a ser retalhados em chácaras para residência dos fidal gos e diplomatas estrangeiros. A própria família imperial emprestou seu concurso à expan são do novo bairro: não só D. João VI, mas também sua esposa
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D. Carlota Joaquina, procuravam a mansa praia de Botafogo para tomarem banhos de mar. Contam também que foi por iniciativa de D. Pedro I que ali se construiu um pavilhão, onde os banhistas podiam trocar de roupa. Em 1843, inaugurou-se uma “carreira” de barcos a vapor, comunicando o Saco do Alferes, nas proximidades da Gamboa, com Botafogo. A afluência de passageiros era grande, largando as bar cas da cidade, todos os dias, às 7.30, 10.00, 14.30, 16.30 e 18.30 h., e de Botafogo para a cidade às 6.30, 8.30, 13.00, 15.30 e 17.30 h. As passagens custavam, por passageiro, 200 réis, sendo pessoa calçada; 120 réis, sendo soldado; 80 réis, sendo escravo ou peSsoa descalça. Quanto à carga, o preço era de 30 réis por arroba. Com a inauguração da linha de bondes da “Botanical Garden até essa praia, no dia 18 de dezembro de 1868, começaram a es cassear os passageiros que iam por via-marítima. Não obstante, em 1874, ainda trafegavam algumas barcas, aos domingos e feria dos. Pouco depois, porém, cessava por completo o tráfego dos chamados “ bondes marítimos ” . No fim dessa praia, nas proximidades da rua São Joaquim (atual Voluntários da Pátria), havia outrora um famoso restauran te, muito frequentado à noite, onde se comiam boas ostras e se to mava excelente vinho do Porto. Estiveram também nessa praia o Teatro Leopoldina e, no primeiro império, a Casa de Detenção, antes de ser construído o atual presídio da rua Frei Caneca. A fotografia mostra a Praia de Botafogo no começo deste sé culo, com os seus palacetes e vivendas confortáveis. Era, então, o bairro mais procurado pelos aristocratas e — no dizer de Noro nha Santos — também pela “alta burocracia”.
SERVIÇO TELEFÔNICO
e a França e a Escócia disputam a glória de ter bêrço do inventor do telefone. Aquêle país diz descoberta é de um operário francês chamado Charles Bourseul; este afirma que o verdadeiro inventor foi o edu cador de surdos-mudos, Alexander Graham Bell, nascido em Edim burgo a 3 de marco de 1847 e falecido no Canadá a 2 de agosto de 1922. Como quer que seja — informam Mello Barreto Filho e Hermeto Lima — o telefone foi visto pela primeira vez num dos recan tos da Exposição do Centenário da Independência Norte-Americana, que esteve aberta em Fairmount Park, na cidade de Filadélfia, de 10 de maio a 10 de novembro de 1876. 0 seu expositor foi Alexander Graham Bell, que havia tirado privilégio do aparelho a 7 de março daquele ano, duas horas antes do eletricista Elisha Gray dar entrada na respectiva repartição a um requerimento pedindo privilégio para outro aparelho com o mesmo fim, isto é, para ouvir à distância.
D. Pedro II estava então em Filadélfia, aonde fora assistir à Exposição. Convidado por Graham Bell para vêr o telefone, Sua Majestade foi ao pavilhão onde o aparelho se encontrava. Aí, Graham Bell pediu-lhe levasse o fone ao ouvido: o monarca ficou extasiado, ouvindo as respostas às perguntas que fazia. Em meados do ano seguinte, 1877, já a Western and Brazilian Telegraph Company tinha instalado, aqui no Rio, esses aparelhos para seu uso particular e, pouco depois, a firma Rodde & Company também punha em comunicação seus armazéns e escritórios. A primeira concessão para construir e explorar linhas telefô nicas nesta Capital e na cidade de Niterói data de 15 de novembro de 1879 . Outorgou-a o Decreto n.° 7.539 a Charles Paul MacKie, do Boston, EE. UU. Veiu a República e o Decreto n.° 199, de 6 de fevereiro de 1890, do Governo Provisório, cedeu à Municipalidade as poucas li nhas existentes. A 13 de novembro de 1897, a Prefeitura contratou a explo ração desse serviço coniuntamente com as firmas Siemens & — àHalske • '-J „ Aktien Gessellschaft e Alberto Fr end & Cia., aquela de Berlim e esta estabelecida à rua Gonçalves Dias n.° 38. Por termo de 18 de junho de 1898, Alberto Fr end & Cia. transferiram a sua parte na concessão a Theodor Wille & Cia., e a 17 de janeiro do ano seguinte Siemens & Halske Aktien Gesselschaft e Theodor Wille & Cia. celebraram com a Prefeitura con trato substitutivo do de 1897. A 6 de junho de 1899 essas firmas transferiram a concessão para a Brasilianische Elektricitats Gesellschaft, tendo esta firmado com a Prefeitura o contrato de I 1 de setembro de 1922. Finalmente, a 13 de novembro de 1922, a Brazilianische trans feriu a concessão à Rio de Janeiro and S. Paulo Telephone Com pany que, por Decreto n.° 11 .500, de 23 de fevereiro de 1915, obteve a necessária autorização do Governo para funcionar no país, e, pelo Decreto n.° 16.222, de 28 de novembro de 1923, obteve autorização para continuar a funcionar sob a denominação de Brazilian Telephone Company, podendo usar a tradução portu guesa Companhia Telephomca Brasileira. A fotografia mostra um grupo de telefonistas da antiga com panhia alemã, em 1915. J
TEMPLO DOS INGLÊSES
o dia 12 de agosto de 1819, comemorando o 57." ani versário do Príncipe Regente George IV, do Reino Unido da Grã-Bretanha, lançaram os ingleses residen tes no Rio de Janeiro a pedra fundamental de sua capela, na rua dos Barbonos (hoje Evansto da Veiga), no páteo da casa que foi do bispo D. José Joaquim Justiniano de Mascarenhas Castelo Branco. Foi simples a cerimônia, tendo o rev. Robert Crane pronuncia do um pequeno discurso, em seguida ao qual foi depositada, nos alicerces do templo, uma garrafa contendo jornais ingleses do dia 14 de junho (últimos recebidos), moedas da época, uma lista de navios e um exemplar da “Gazeta do Rio de Janeiro , que era a fôlha oficial e o único jornal então aqui publicado. Dedicada a São Jorge e a São João Batista, em homenagem ao Príncipe Regente da Grã-Bretanha e ao nosso augusto soberano D. João VI, deve-se a construção deste primeiro templo protestan te no Rio de Janeiro à permissão contida no “Tratado do Comércio” de 19 de fevereiro de 1810, cujo art. 12 preceituava: “Sua Al-
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teza Real o Príncipe Regente de Portugal declara e se obnga no sen próprio nome e no de seus herdeiros e sucessores a que os vassalos de Sua Majestade Britânica, residentes nos seus Territórios e Domí nios, não serão perturbados, inquietados, perseguidos ou molestados por causa de sua Religião, mas antes terão perfeita liberdade de consciência e licença para assistirem e celebrarem o serviço divino em honra de Todo Poderoso Deus, quer seja dentro de suas casas particulares, quer nas particulares Igrejas e Capelas que Sua Alteza Real agora e para sempre graciosamente lhes concede a permissão de edificarem e manterem dentro de seus domínios e conquista, con tanto que as sobreditas capelas sejam construídas de tal maneira que exteriormente se assemelhem a casas de habitação e também que o uso de sinos não lhes seja permitido” . Dizem que, ao se submeterem os planos dessa capela ao exame de D. João VI, êste os modificou, pois achava que as janelas não se pareciam às de casa particular, como exigido no “Tratado do Co mércio” . As obras terminaram em 1820, conservando-se a capela, tal qual fora inaugurada, até fins do século passado, quando foi com pletamente remodelada, desta vez apresentando forma exterior de templo, em estilo gótico, com as janelas ogivais. Depois dessa grande reforma, cuja inauguração se deu no dia 9 de maio de 1899, sofreu a Igreja de Cristo (“Christ Church”), por volta de 1910, um recuo no seu gradil, para alargamento da rua Evansto da Veiga, que lhe diminuiu o pátio fronteiro, sem, con tudo, afetar o prédio. Ültimante, porém, com os planos de remodelação da cidade e a contrução de arranha-céus nas ruas do centro, tornou-se eviden te a impossibilidade de permanência da igreja naquele local. 0 imóvel foi então vendido e com o seu produto adquirida a magni fica propriedade da rua Real Grandeza n. 99, onde foi erigido o novo templo, realizando-se a cerimônia da pedra fundamental no dia 27 de maio de 1943 e a consagração da igreja a 29 de outubro de 1944.
18s/
SEXTO ANNO
SEGUNDA FEIRA l DE OUTUBRO.
JORNAL DO COMMERCIO •cases ML MSSWZMMZ OWS8WW-SMWMMO
PARA ANGOLA.
Ns ho'^L ^Op TÜsnIe QontsnuArâ-ZT^hà L ^ub!?cKÇAV deste JORNAL do COMMERCIO, Esta folha e^ciwsivamente dedicada aos senhores Ne gociantes confers diariamente tudõ o que diz respeito ao Commercio, lanlo em Annuncíos 9 como em Preços Correntes exactos de Smportaçaoe Exportação, enkada e Sahida de Ernbale^çoÔS e etc., etc. Os Proprietários hem ao lacto de todos os ramos mereanhs desta Capital não pouparão nem despezas vem zelo para tornar esla empreiã digna da aceitacão publica 9 e rogáo para melhor desempenho dos seus de’veres ® protecção © assistência do honrado Corpo do Cornmemo, *As Assiçnalnras se fazem na Rua d’Alfandega, N’4?» ’onde iguâlmenle se recebem » antes do melo dia . todos os AnnuncioS mercantis, que devem sem falta ser* in seridos no dia seguinte. O preço da AssignaNra he ds 6Ho reis por Inez pagos adiantados*
^ahirá com rods a brevidade o Bergantim Por ta* gnes PERA CRUZ TRZUMFO,.Ctpiião J. DA FONSECA LUZ. Quem no mesmo quízer carre•pr., dirija-se aos Caixa® João Baptists Moreira e Irrnão ár!K DireiU N.° y). PARA A BAH/A, O«Bergantim National TRES AMIGOS, Quem nelle quizer Cãiregar dirijam© â Rwa dos PescadoreZ N, ° 4 • • PAPA SANTOS^ A moita vclleira Escuna Nacional TRINDADE. <^^\Quein quizer carregar ou hir de passagem , dírija-jc Rua Direita N. 13a ou a bordo da mesma defroAte d’Alfandega. PARA GIBRALTAR. 0 Bergantim Americano ARGOS» Capitão J. BANTER. He de huma marcha nruilo superior » sahirã com toda a brevidade para 0 dito porto, tem .gra vds parle de sua carga protnpla , quem quizer carregar Ou hir ds passagem , dirija-se oo Conaignatano D tomais
“JORNAL DO COMMERCIO”
“Jornal do Commercio” apareceu, pela primeira vez, numa segunda-feira, dia I." de outubro de 1827 . E’ o mais antigo dos jornais brasileiros atualmen te existentes, exceção apenas do “Diário de Pernambuco , que sur giu dois anos antes (1825) . Êste, porém, devido a diversas inter rupções, não conta tanto tempo de existência ativa quanto o velho órgão” carioca. 0 “Jornal do Commercio foi fundado pelo francês PierreSeignot Plancher. Era impresso na tipografia de Emile-Seignot Plancher, na rua da Alfândega n.° 47, no pequeno formato de 27 1/2 por 17 centímetros, com 4 páginas, divididas em duas co lunas, e publicava “tudo o que diz respeito ao comércio, tanto em anúncios, como em preços correntes exatos de importação e ex portação, entrada e saída de embarcações, etc., etc. . Contava, então, 400 assinantes, ao preço de 640 réis por mês. Foi sempre um órgão sisudo, discreto, de uma serenidade im perturbável. Guardadas as proporções do tempo e do progresso, pode-se dizer que tem conservado essa atitude até hoje.
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Como uma espécie de compensação a essa frieza e imparcia lidade, criou a seção “A Pedido’’ — que não existia em nenhum outro jornalismo do mundo — aberta a todas as opiniões pessoais e a todos os interesses particulares lesados, como a quaisquer desa bafos . Eis, a título de curiosidade, um dos “Avisos” publicados no primeiro número do tradicional jornal: “Teatro Imperial de São Pedro d Alcântara — Hoje, segunda-feira, 1 de outubro de 1827, a benefício de Ma. Rhigas e última representação de M. e Ma. Rhigas, segundo a escrituração feita com a administração do Tea tro, se exporá em cêna uma peça italiana ou uma dança que os cartazes anunciarão, seguida por um concerto de piano forte, exe cutado por Ma. Rhigas, depois do qual M. Rhigas fará diversos exercícios de equilíbrio, de destreza e de força, e rematará o espe táculo com uma grande variação para piano forte, executada por Ma. Rhigas. M. Rhigas aproveita esta ocasião para dar ao Ilustre Público os mais sinceros agradecimentos pelo benéfico e indulgente acolhimento que recebera, asseverando que sempre a gratidão fará nascer em seu coração os mais ferventes votos pela prosperidade' de tão iluminado público”. Quanto aos “Preços Correntes dos Gêneros de Importação , eis alguns, publicados nêsse primeiro número: — Aguardente da Espanha 100$ a 106$ a pipa; Azeite doce de Portugal, 240$ a 250$ a pipa; Brim inglês largo, 13$ a 15$ a peça; Carvão de pe dra, 14$ a 15$ a tonelada; Cerveja, 3$800 a 4$000 a djúzia; Es pingardas Lazarmas, 4$600 a 4$800 cada uma; Farinha ameri cana de 1. qualidade, 16$ o barril; Manteiga inglêsa, 450 réis a 480 réis a libra; Massas sortidas, 4$000 a 4$800 a arroba; Pre sunto do Porto, 300 réis a 340 réis a libra; Vinagre do Mediterrâ neo, 36$ a 38$ a pipa; Vinho de Lisboa, 68$ a 70$ a pipa. 0 “Jornal do Commercio ’ — informa o seu diretor Elmano Cardim — sempre se fêz pioneiro das novidades e remodelações da imprensa. 0 primeiro prelo mecânico que veiu ter à América do Sul foi destinado a êsse jornal. A primeira rotativa também. Nas suas oficinas se estreou o primeiro hnotipo que chegou ao Bra sil . E assim muitos outros aperfeiçoamentos na sua parte ma terial . Na parte jornalística da folha, o primeiro telegrama subma rino foi do “Jornal do Commercio”, como também o primeiro as sinante de uma agência telegráfica. Nas suas colunas apareceram os primeiros folhetins dos grandes escritores franceses.
RUA DÂ CARIOCA
ste velho logradouro foi aberto entre os anos de 1697 e 1698. Segundo Vieira Fazenda, recebeu inicialmen te o nome de rua do Egito, ou porque houvesse nas proximidades um oratório em que se venerava a família sagrada fu gindo de Herodes, ou porque os cavaleiros que por ah transitavam em magros bucéfalos, lutando contra a natureza arenosa do terre no, se vissem em apuros e risco de quebrar as costelas. E o ca rioca, sempre propenso a pilhérias, dizia que os tais iam. . . para o Egito. Mais tarde, quando se levantaram as primeiras edificações no lado direito desta rua, descobriu-se como proprietário de quatro
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casinhas e morador numa delas um procurador de causas, terrível chicanista e amigo de demandas, conhecido por seus adversários pela alcunha de “Piolho”, por andar pelos cartórios e tribunais em busca de questões, sempre metido “como piolho em costura”. Tão reputado era e tão falado foi este personagem, que mais depressa o povo se lembrou de chamar rua do Piolho do que rua do Egito. E rua do Piolho permaneceu até o ano de 1848, quando a Câmara Municipal lhe pôs o atual nome de rua da Carioca. Em 1918, teve o nome mudado para “Presidente Wilson”, mas no ano seguinte voltou a chamar-se rua da Carioca. A rua contornava a encosta do morro de Santo Antônio, de modo que não havia casas deste lado. Somente em 1741, quando o Convento de Santo Antônio cedeu um terreno de 20 braças de frente para o largo da Carioca por 200 braças de fundo pela rua da Carioca, para a Ordem Terceira de São Francisco da Penitência levantar o seu grande Hospital (cuja face lateral ocupa o primeiro plano à esquerda da fotografia), foi que começaram as edificações nesse lado da rua, em continuação do terreno, pela falda do morro. A fotografia mostra um aspecto das obras de alargamento dessa rua, no ano de 1905 . À direita, vê-se um prédio em constru ção na esquina da rua Uruguaiana, obedecendo já o novo alar gamento de 17 metros da rua da Carioca. 0 tráfego congestionado de bondes, andorinhas de mudança, carroças e carrinhos de mão (apelidados de “burro sem rabo” por se servirem dos trilhos de bitola estreita da antiga Companhia de Carris Urbanos), segue em direção do largo do Rossio, hoje praça Tiradentes, que se vê ao fundo.
ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DE MOÇOS
oi um jovem de 23 anos, chamado George Williams (1821-1905), quem fundou, em Londres, no dia 6 de junho de 1844, a primeira Associação Cristã de Mo ços. Não tardou que surgissem filiais na França, Holanda, EE.ULL, Canadá, índia e Austrália, tornando o “acemismo” uma obra de caráter mundial. Hoje, há cerca de dez mil A.C.M, em mais de setenta países diversos com um total superior a quatro milhões de sócios. Seu fim é educar; seu lema é servir. Não tem intuitos comerciais nem políticos. Não faz, tão pouco, propaganda reli giosa, posto que tenha ideal religioso — por isso se chama Cristã. Seu emblema é um triângulo equilátero que mostra o equilíbrio dos valores básicos do indivíduo nos seus aspectos espiritual, intelec tual e físico. Nesta harmonia encontra-se o homem integral que é, em síntese, o objetivo da A.C.M. Na América do Sul, a primeira A.C.M. surgiu no Rio de Ja neiro a 4 de julho de 1893, numa pequena sala, no sobrado do an-
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tigo prédio n.° 79 da rua Sete de Setembro, escritório do Dr. H. C. Tucker. Fundaram-na os Srs. Myron Clark, Nicolau Soares do Couto, José Luiz Fernandes Braga (pai e filho), Manoel Fernandes Braga, H. C. Tucker, Antonio Luiz Meirelles, Manoel de Camargo, Joe) Antônio de Menezes, L C. Irwing e Luiz de Paula e Silva, a êles se agregando, como sócios-fundadores, mais 71 elementos de várias profissões . Em 1896, foi adquirida a primeira sede-própria, na rua da Quitanda n.° 47. Aí viveu a ACM. dias gloriosos. -A 22 de outubro de 1913, visitando o Brasil, o Coronel Theo dor Roosevelt, ex-Presidente dos EE.UU., desembarcou no Arsenal de Marinha, onde foi recebido oficialmente, e se encaminhou dire tamente para o prédio n.° 47 da rua da Quitanda, onde teve calo roso acolhimento. 0 discurso que o eminente estadista então pro nunciou e foi traduzido para o português, período a período, pelo Sr. Myron Clark, teve o seguinte comêço: “Mr. Chairman, and you, my friends and hosts: I hope that the Young Men’s Christian Association will, among other things, prevent any man from being so ignorant that he can only speak in his own tongue. It is, indeed, a very great regret to me not to be able to speak in the Portuguese language without an inter preter!” Em J929, a A.C.M. mudou-se para a rua Araujo Porto Ale gre n.° 36, na Esplanada do Castelo, onde foi a pioneira (vide foto grafia) e, recentemente, passou para o seu novo edifício, ainda em construção, na rua da Lapa n. 40. Quanta mudança em 60 anos! Uma coisa, porém nunca mu dou: seus princípios morais e espirituais — razão mesma de sua existência.
RECOLHIMENTO DO PARTO ontíguo à Igreja de N. S. do Parto (recentemen/te de molida), pelo lado da rua Rodrigo Silva até à da As sembléia, erguia-se outróra um grande edifício retan gular de três pavimentos — o Recolhimento do Parto. Sua pedra fundamental foi lançada em 1742, mas somente em 1759 foi inau gurado pelo bispo D. Frei Antônio do Desterro.
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Destinava-se o estabelecimento a albergar mulheres de vida desonesta que, arrependidas do pecado, procurassem na religião o caminho da renegeração. Com o correr dos tempos, porém, deturpou-se a finalidade da louvável instituição. Transformando-se em verdadeiro presí dio, passou a receber também esposas infiéis e meninas e moças que se insurgiam contra as determinações paternas. Tornou-se, assim, o Recolhimento uma terrível ameaça contra o belo sexo, passando a significar, no dizer de Joaquim Manoel de Macedo, “uma espécie de casa de correção feminina, uma espécie de cadeia que fazia medo, não só às más esposas, como às esposas de máus maridos, e também às moças solteiras, filhas de pais enfezados, ca beçudos e prepotentes”. Bastava um mando tirano querer se livrar da esposa, para logo mterná-la no Recolhimento. Não havia briga entre marido e mu lher que não arrefecesse imediatamente ao pronunciar das terríveis palavras: “Olha o Recolhimento do Parto! ” . Na noite de 23 para 24 de agosto de 1789, os habitantes do Rio de Janeiro foram despertados por uma fogueira colossal, que iluminou toda a cidade: irrompera um incêndio no Recolhimento. “As chamas envolveram o edifício — é o historiador Augusto Maurício quem conta — e, em pouco tempo, devoraram-no todo. A cidade inteira acudiu às imediações para assistir ao horrível espetáculo. Gritos lancinantes das reclusas, tetos fendidos que caiam com estrépito, madeira estalando ao calor do fogo, e o fumo subindo ao céu em coluna negra estrelada de faíscas vermelhas” . Afinal, após dramáticos momentos de angústia e terror, conse guiu-se arrombar as portas do asilo e libertar as “recolhidas” . E, quando as trevas daquela noite tenebrosa se dissiparam, nada mais restava do enorme casarão senão um montão de ruínas fumegantes. No dia seguinte mesmo, porém, o vice-rei D. Luiz de Vasconcelos providenciou a reconstrução do edifício, sendo incumbido das obras o Mestre Valentim da Fonseca e Silva, que as terminou em menos de quatro meses, isto é, a 8 de dezembro daquele ano. 0 Recolhimento do Parto existiu até 1812, quando as mulhe res foram alojadas na Santa Casa da Misericórdia. Quanto ao pré dio, sobreviveu até 1906, ano em que foi demolido para alargamen to da rua da Assembléia. A fotografia reproduz o famoso quadro do pintor Leandro Joa quim . Vê-se, em baixo, no primeiro plano, entre outras persona lidades da época, o vice-rei D. Luiz de Vasconcelos e o Mestre Va lentim, a quem, como todos sabem, se deve a orientação artística do nosso Passeio Público
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“TÚNEL VELHO” DE COPACABANA
brigando-se a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botâ nico, em 1890, a construir uma linha de bondes para servir ao bairro de Copacabana, tratou imediatamente de dar começo às obras de perfuração de um túnel no fim da rua Real Grandeza. Diversas causas, no entanto, como a febre amarela, a varíola, o estado de sítio que não permitia a entrada de dinamite nesta Ca pital e, em grande parte, o desleixo dos empreiteiros, fizeram com que as obras se interrompessem por diversas vezes. Quando o engenheiro José de Cupertino Coelho Cintra assu miu a gerência daquela Companhia, cuidou logo de rescindir o con trato de empreitada e êle mesmo foi dirigir os trabalhos, atacandoos com afinco. ’ Enquanto prosseguiam as obras, trafegavam os bondes pela rua São João Batista até o fim da rua Real Grandeza, ostentando a
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tabuleta “Copacabana-Real Grandeza”. A tabuleta provocava constantes interpelações do público: — “Já se vai a Copacabana de bonde? — “Sim, respondia o condutor, a Copacabana. . . do lado de cá”. .. . No dia 15 de maio de 1892, o Dr. Coelho Cintra fêz passar um desses veículos, pelo braço do operário, a muque, através da galena de avançamento. “Antes — é êle quem conta — já havia feito passar para o outro lado os respectivos “trucks”, lá prepara dos à espera do “dono”... Os trilhos se achavam assentes desde a saída do túnel, do lado de Copacabana, até a altura da atual rua Siqueira Campos, ao começo da ladeira, para o serviço de aterro, removido em “trolleys” . Quando este primeiro bonde, sem rodas, apareceu em Copacabana, os ingleses foliões, funcionários do Cabo Submarino (Western Telegraph Co.), velhos e pacientes morado res de Copacabana, onde existia uma das raríssimas casas, a Casa dos Ingleses", bisparam o mutilidado, naturalmente por meio de bi nóculos e, então, foi um espoucar de foguetes que não acabava mais. Diversos pescadores acudiram, correndo até aquele ponto; souberam do acontecimento e aderiram à folia, dando vivas, que brando ainda mais o silêncio daqueles desertos. Terminadas as obras, foi o tráfego provisório da linha de bon des inaugurado no dia 6 de julho. Só podiam transitar através desse túnel os bondes da Compa nhia Jardim Botânico; outros quaisquer veículos e mesmo pedes tres eram proibidos de atravessá-lo. A Companhia mantinha uma agência no fim da rua Real Grandeza, para vigiar, dia e noite, a im penetrabilidade do seu túnel. Somente em 1901 foi êle entregue ao livre trânsito público. Â fotografia mostra o antigo Túnel da Copacabana com 6 me tros de largura por 180 de comprimento. Com a abertura do Tú nel do Leme, em 1904, ficou o antigo conhecido como “Tú nel Velho” . Em 1927, foi alargado para 13,20 m., passando des de então a se denominar “ Alaôr Prata” .
ESCOLA NACIONAL DE BELAS ARTES
ábado, 7 de abril de 1906, foi um dia de grande alegria para os cultores das belas artes e para todos quantos se interessavam pelo seu desenvolvimento e propaga ção entre nós. Naquele dia, depois de uma longa campanha que durou mais de dez anos, Rodolpho Bernardelli, o grande escultor patrício, viu realizado o maior sonho de sua vida: a construção de um prédio condigno para a Escola Nacional de Belas Artes de que era diretor. . Foi simples a festa do lançamento da pedra fundamental do novo edifício. No vasto terreno situado na Avenida Central (hoje Rio Branco), em frente ao Teatro Municipal, levantou-se um pavi lhão e, desde às duas horas da tarde, já havia ah muitos artistas, amadores de arte e algumas senhoras. Conversavam, passeavam pelo terreno, descansavam no pavilhão, liam a inscrição da pedra
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fundamental e apreciavam e comentavam as reproduções expostas do magnífico projeto do professor Adolfo Morales de los Rios (pai). Às três horas, o Hino Nacional anunciou a chegada do Conse lheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves, Presidente da Repúbli ca, que veiu acompanhado do Dr. J. J. Seabra, Ministro do Inte rior. Achavam-se no pavilhão, entre outras ilustres personalida des, o Dr. Leopoldo de Bulhões, Ministro da Fazenda, Almirante Júlio de Noronha, Ministro da Marinha, Desembargador Espíndola, Chefe de Polícia, Dr. Francisco Pereira Passos, Prefeito Municipal, Drs. Paulo de Frontin, João do Rego Barros, Castro Barbosa, Ba rão de Ramiz Galvão, etc. Foram receber o Chefe de Estado o diretor da Escola e os pro fessores Rodolpho Amoedo, Henrique Bernardelh, Cincinato Lopes, Zefermo da Costa, Ludovico Berna, Eduardo Barbosa, Araujo Viana, Augusto Girar dei, Barão Homem de Melo, Gastão Bahiana, Graça Couto e Morales de los Rios 0 Presidente da República subiu ao pavilhão e, depois das saudações de cortesia, foi-lhe mostrado o projeto do grandioso edi fício . Elogiou o Presidente a beleza arquitetônica do mesmo, que representava uma esplêndida fantasia sobre o estilo renascimen to francês. A seguir, foi oferecida a S. Excia. uma caneta de ouro, com a qual assinou a ata de lançamento da pedra fundamental. Depois, desceu e foi assistir à cerimônia, após a qual foi servida uma lauta mesa de doces. 0 Ministro do Interior fêz então a saudação ao Presidente da República, que agradeceu, felicitando vivamente os professores Ro dolpho Bernardelh e Morales de los Rios. Às quatro horas estava terminada a festa, tendo tocado duas bandas de música durante toda a cerimônia. Na fotografia vêem-se o Presidente Rodrigues Alves, Ministros e demais pessoas gradas e, em baixo, no primeiro plano, de cartola, o professor Morales de los Rios.
GRANDE ENCHENTE
m temporal que transforme o Rio de Janeiro em cidade veneziana não é, como se sabe, fato extraordinário, nem tampouco novidade nos dias de hoje. A tem pestade que desabou às seis horas da tarde do dia 21 de março de 1909, porém, foi um espetáculo impressionante: raios, trovões, aguaceiro e uma ventania fortíssima numa ânsia doida de tudo des truir . Parte da população, surpreendida pela tormenta, procurava abrigo nas lojas e nos vãos das portas. Mas a água era demais e encharacava toda gente. Nem dentro dos próprios veículos se es tava livre de seus efeitos. Os bondinhos puxados a burro mal andavam. Suas cortinas, raspadas pelo furacão, deixavam passar a chuva nas rajadas do
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ven to. Os elétricos da “Light”, interrompida a corrente, estem diam-se em filas intermináveis por toda a parte. Alguns passagei ros mais afoitos, afrontando o tempo, procuravam o recurso dos veículos não eletrificados. A ventania fazia verdadeiras devastações. Andaimes e tapu mes ruíram, entulhando as ruas. A cidade alagou-se como pou cas vezes. Praças e jardins ofereciam o aspecto de verdadeiros la gos. Algumas ruas transformaram-se em nos caudalosos. 0 largo do Matadouro (atual praça da Bandeira) ficou mteiramente inundado. As águas subiram, alí, a um metro de altura, invadindo as casas em torno. 0 tráfego dos trens de subúrbio paralisou por completo. As linhas telefônicas e telegráficas ficaram interrompidas. Em di versos pontos da cidade, a impetuosidade do vento derrubou gran de número de árvores. Das Águas Férreas ao largo do Machado mais de sessenta foram arrancadas. Na rua General Polidóro, dois pobres burros foram fulminados por forte descarga elétrica, motivada pela quéda de um fio condu tor da rêde de alta tensão da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico. No mar, o tufão fêz romper as amarras de várias embarcações. Diversas lanchas estiveram em perigo. Alguns barcos soçobraram, havendo vítimas. Mas, não foi apenas aos vivos que o temporal prejudicou: os cemitérios da cidade também foram danificados e, não só se regis traram árvores tombadas e canteiros arrazados, como muitos tú mulos derrocados. Por fim, serenados os ventos e cessada a chuva, as águas es correram, deixando sôbre o calçamento e sobre os passeios, como uma recordação do grande temporal, espessa e escorregadia cama da de barro e lama. A fotografia mostra um aspecto da enchente na rua do Senado.
CABO SUBMARINO
primeiro fio telegráfico instalado através do mar foi obra de dois indivíduos: Jacob e John Brett, que obtive ram, em 1849, autorização dos governos da Inglater ra e da França para colocarem um cabo submarino no estreito de Dover. 0 cabo era feito de fio de cobre envolvido em guta-percha e foi desenrolado de enorme sarilho a bordo de um pequeno rebo cador . Depois do primeiro dia, porém, deixou de funcionar. Subs tituiram-no, então, por um cabo mais forte e, desta vez, funcionou bem, pondo em comunicação, em 1850, as cidades de Dover e Calais. , Decorridos dois anos, outro cabo ligava a Inglaterra à Irlanda e, em pouco tempo, cabos submarinos eram estendidos para toda a parte. A primeira tentativa para se colocar um cabo de 3.000 milhas através do Atlântico data de 1857. Falhou essa primeira tentativa, mas, no ano seguinte, no dia 5 de agosto de 1858, o Presidente
James Buchanan, dos Estados Umdos, trocava felicitações telegrá ficas com a Rainha Vitória, da Inglaterra. Cinco anos antes, quando a nossa rede telegráfica se resumia nas linhas urbanas da Corte e na de Petrópolis, já pensava o Govêrno Imperial na ligação telegráfica do Brasil com o continente euro peu. Várias propostas foram recebidas, entre as quais uma para ligação do Rio de Janeiro, Recife e Belém do Pará com a Europa, mediante a subvenção anual de 700 contos. Isto em 1853. Em 1860, organizou-se nos EE.UU. a “North Atlantic Sub marine Telegraph Company’’, que se propunha estender uma linha até o cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte. Mas nada se fez. Veiu depois a empresa de Pier Albert Ballestrim, em 1863, que também nada fez, a não ser transferir a concessão, já caduca, para a “The European and South American Telegraph Company”. Daí surgiram sérias complicações, que tiveram de ser resolvidas por via diplomática. A 16 de agosto de 1872, o Decreto n.° 5.058 concedeu ao Barão de Mauá privilégio, por 20 anos, para lançar cabos submari nos e explorar a telegrafia elétrica entre o Brasil e a Europa. Era esta uma idéia que me preocupava de longo tempo — escreveu ele. Causava lástima ver o Brasil segregado do mundo civilizado e alheio ao gozo do invento mais belo que registra o século XIX . De posse da concessão, Mauá embarcou para a Inglaterra e aí convenceu Sir John Pender, detentor das concessões telegráfi cas outorgadas pelos governos britânico e português, a efetuar tam bém a ligação telegráfica'do Brasil com aquele continente. A con cessão foi, assim, transferida, pelo preço simbólico de uma libra esterlina à “Brazilian Submarine Telegraph Company”, organiza da por John Pender (hoje “The Western telegraph Company, Ltd. ”), que obteve pelo Decreto n. 5.312, de 18 de junho de 1873, a necessária autorização para funcionar no país. 0 lançamento do cabo foi confiado à “Telegraph Construction and Maintenance Company”, que deu início à tarefa em julho da quele ano. Finalmente, a 22 de julho de 1874, o Brasil era ligado à Eu ropa pelo cabo submarino. Foi um dia de grande júbilo na cidade. Bandas de música percorreram as ruas e o povo em grupos numerosos dava vivas ao grande acontecimento. A fotografia mostra a praia de Copacabana (Posto 6), na úl tima década do século passado. À direita, entre cajueiros e pitangueiras, vê-se o casebre onde entrava o cabo submarino.
CANAL DO MANGUE
palavra “mangue” significa uma planta da família das mirtáceas — a “Eugênia Nítida” . Por extensão, passou-se a chamar “ mangue ” a todo o alagadiço em que vegeta essa planta. No Rio de Janeiro, deu-se o nome de “Mangue” ao imenso pântano que se estendia do Rossio Pequeno (atual praça Onze de Junho) para cima. Desde o tempo de D. João VI, houve a idéia de se abrir um canal através desse vasto brejal, para sanear um pouco essa zona, que era um foco de infecção, de mosquitos e de exalações desagra dáveis. Mas nada se fêz: construiu-se unicamente um longo e es treito aterro para passagem das carruagens do monarca e dos fi dalgos, quando se dirigissem ao Paço Real, na Quinta da Bôa-Vista. Por esse caminho, que se chamou “do Aterrado”, levantou o Intendente Geral de Polícia, a quem então estava afeto o serviço de iluminação da Corte, umas colunas de pedra, distantes 100 passos umas das outras, nas quais foram suspensos grandes lampiões de
óleo de baleia. Daí a denominação de “Caminho das Lanternas , como, durante muitos anos, ficou conhecida a antiga rua Senador Euzébio, que também se chamou São Pedro da Cidade Nova , por achar o povo que não passava de prolongamento da rua que tinha esse nome na parte antiga da cidade. Em 1835, resolveu o Govêrno Imperial acabar com aquela vasta superfície alagada, reduzindo-a a um estreito canal que re cebesse as águas pluviais e a dos riachos da redondeza. Só em 1857, porém, isso se realizou: Irenêo Evangelista,de Souza (depois Barão e Visconde de Mauá) obteve a concessão para construir, por administração, êsse canal, cuja pedra fundamental foi lançada no dia 21 de janeiro. Transcorridos três anos, inaugurou-se, a 7 de setembro de 1860, o Canal do Mangue, que custou 1.378 contos de réis, tendo sido as obras dirigidas pelo engenheiro inglês William Gilbert Ginty. Extendia-se do Rossio Pequeno à Ponte do Aterrado (ou “dos Marinheiros”, como ficou depois conhecida). Somente em 1876 foi completado o seu acabamento, com a colocação de uma comporta junto à ponte, o assentamento do gradil de ferro e a arborização das alamedas marginais, onde foram plantadas cerca de 700 palmeiras. Finalmente, no quatriênio do Presidente Rodrigues Alves (1902-1906), o vasto plano de obras do Cáis do Pôrto exigiu o prolongamento do Canal do Mangue até o mar. F oi esta uma das grandes realizações do Ministro da Viação, Dr. Lauro Muller, pois acabou com o alagadiço das antigas praias Formosa e dos Lázaros, saneou e tornou utilizável enorme extensão de terra e pôs fim às constantes enchentes provocadas pela inundação dos rios Compri do, Trapicheiro, Maracanã e Joana.
RUA DE SANTA LUZIA
rua de Santa Luzia, que também se chamou Caminho da Praia, da Fôrca e do Vintém, teve aquele nome em 1817, quando foi prolongada até o Convento da Aju da (atual “Cmelândia”) . Deve-se êste melhoramento a uma promessa feita por D. João VI. Adoecendo dos olhos o infante D. Sebastião, prometera seu avô, à Virgem protetora dos olhos, levar a criança à igreja de San ta Luzia, caso sarasse. Restabelecendo-se o príncipe, D. João teve de cumprir o voto. Surgiu, porém, uma dificuldade: a carruagem real não podia chegar até lá, pois pelo lado da Misericórdia havia uns becos estreitos e pelo lado da Ajuda o caminho era intercepta do por uma grande chácara pertencente a uma viúva que se opunha a que tocassem nos seus muros. E ao sereníssimo monarca não pa receria bem caminhar a pé. . . Nessa contingência, só havia uma solução: desapropriar, de acordo com as Ordenações, a área necessária através daquela chá cara e prolongar o caminho até a rua da Ajuda.
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0 Intendente Geral de Polícia, desembargador e ouvidor do crime, Paulo Fernandes Viana, interveiu no caso, tendo havido vis toria, avaliação, citações, etc. Malgrado os protestos da viúva, que recebeu a indenização de 800$000, pôde D . João VI, dessa ma neira, cumprir a promessa. Com isto lucrou a cidade e beneficiou-se a igreja, pois ganhou acesso mais fácil. Foi neste logradouro que, durante o vice-reinado de Luiz de Almeida Portugal, 2° Marquêz do Lavradio (1769-1779), se ins talou o primeiro matadouro público da cidade, transferido em 1853 para a Chácara do Cortume (atual praça da Bandeira) e, em 1881, para o curato de Santa Cruz. A fotografia, tirada do alto da igreja de Santa Luzia, em 1907, mostra os casarões onde tinham suas sedes os principais clubes de regatas da cidade. A praia de Santa Luzia era, nessa época, das mais frequenta das pelos banhistas. Conta Luiz Edmundo que havia aí uma casa de banho onde se ha o seguinte Aviso: "E expressamente proibido fazer furos nestas cabinas à verruma ou à pua, os encontrados nesta prática devendo ser entregues à ação da Polícia” . . .
COPACABANA NO SÉCULO PASSADO \.
ão faz muito tempo, percha-se de vista a “praia de límpi das areias” de Copacabana. Situada entre o morro do Leme e a ponta da Igrejinha, a vasta área com preendida entre as dunas e a encosta das montanhas nada mais era que um grande campo arenoso semeado de alagadiços e brejos e coberto de cajueiros e pintangueiras. As pedras do Inhangá como que dividiam a grande praia em duas: o Leme e Copacabana pro priamente dita. Habitada por um ou outro pescador, fazia-se com muita difi culdade a comunicação da cidade com êsse arrabalde: pela trilha do forte do Leme, pelo cammho do morro dos Cabritos, atravessan do ou costeando a lagoa Rodrigo de Freitas, ou pela estrada de meia rodagem de Vila Rica . Em 1890, sendo concedida permissão à Companhia Ferro-Car ril do Jardim Botânico para estender as suas linhas de bondes até àquela praia, procedeu-se ao estudo de onde se deveria cons-
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truir, a ligação principal com o centro e, dêsse estudo, chegou-se à conclusão de que era necessário realizar a abertura de um túnel, comunicando a rua da Real Grandeza com a que hoje se denomina Siqueira Campos, varando a grota de junção dos morros do Papa gaio e da Saudade. “Passei, então, a experimentar as mais veementes críticas — contava o saudoso engenheiro José de Cupertino Coelho Cintra, ge rente daquela empresa. Que aquilo era uma loucura! Bonde para apanhar cajú e areia em Copacabana!” Mas as obras se ultimaram, sendo o tráfego de bondmhos de burros solenemente inaugurado no dia 6 de julho de 1892. Nêsse dia, pouco depois de 1 hora da tarde, partiram da rua Gonçalves Dias dez bondes especiais, indo, no primeiro, a banda de música dos marinheiros nacionais, no imediato, o Vice-Presidente da República em exercício da Presidência, Marechal Floriano Pei xoto, acompanhado do seu Estado Maior e do presidente do Senado, presidente da Intendência Municipal, Ministros da Marinha, da Guer ra e do Interior e a diretoria da Companhia e, nos demais carros, os convidados. Atravessaram o túnel de 180 metros de extensão, iluminado a luz elétrica e festivamente enfeitado com arbustos. Pelas 2 1/2 chegou a comitiva à estação edificada no centro da planície e também festivamente ornamentada. Esta elegante estação, toda de madeira, situada na esquina da rua Siqueira Cam pos com a avenida Copacabana, que, nêsse tempo, eram simples ca minhos arenosos, por onde circulavam as carroças empregadas no pequeno comércio de areia fina, marcava o ponto inicial de onde te riam de partir os ramais para o Leme e Igrejinha, posteriormente estabelecidos. Lavrada e assinada a “ata de inauguração do tráfego ferrocarril”, foi oferecido um lauto “lunch” aos convidados. Em diversos pontos da linha foram queimados foguetes e da das salvas por ocasião da passagem da comitiva, que regressou à rua Gonçalves Dias às 6 horas da tarde. No ano seguinte (1893), ultimadas as obras do túnel, a Com panhia promoveu em Copacabana, durante trinta dias, a partir de 24 de março, grandes festejos, constantes de música, embandeiramento e feira franca em benefício de uma escola no novo bairro. A feira franca se compunha de barraqumhas, leilão de prendas, cosmoramas, cavalinhos de pau e outros divertimentos da época. Principiou daí o desenvolvimento daquele “deserto”.
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TÍLBURIS
tílburi era uma pequena viatura de praça, espécie de “cabriolet” de dois lugares (tilbureiro e passageiro), puxado por um só cavalo. Inventou-o um segeiro inglês de nome Gregor Tilbury, em 1818. De Londres foi ter a Paris, donde veiu para o Rio de Ja neiro por volta de 1830. Coincidência interessante: uma das pessoas que primeiro se utilizaram dêsses carrinhos com assiduidade, aqui no Rio, tendo sem pre um às suas ordens, foi o padre William Paul Tilbury, conhecido professor de inglês que lecionava na rua do Cano n.' 12 (atual rua Sete de Setembro) . E porque se dissesse, ao ouvir rodar esse carro, “Aí vem o Tilbury”, julgam alguns que foi o padre quem deu o nome ao veículo. Como meio de condução, obteve o tílburi grande aceitação popular, a partir de meados do século passado. Era rápido e ba
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rato. Servia para tudo e para todos: para um recado inadiável, aos médicos e às parteiras num socorro urgente, aos jornalistas nas reportagens dos chamados “crimes sensacionais”, aos advogados, negociantes, etc. Estacionavam, a princípio, na rua Direita (atual rua Primeiro de Março) . Para os bairros próximos do centro o preço era de 1 $000 por hora. Nos domingos, feriados e dias santos, ou quando chovia, o freguês pagava mais 500 réis. Para “fora da cidade o preço era de 2$000 por hora de viagem e 1 $000 por meia-hora excedente. Era costume dar-se ao cocheiro uma gorgeta de cinco vinténs (100 réis) . A 24 de setembro de 1847, publicava o “Jornal do Comércio” a seguinte nota: “Os atuais tílburis, se bem tenham prestado bons serviços à comodidade da população e seja para desejar que continuem, ofe recem, contudo, alguns inconvenientes. A entrada não é fácil e não há lugar senão para um passageiro”. E concluía: “Se são cômo dos para os solteiros, não servem para os casados’ . Em fins de setembro e princípios de outubro de 1903, o “Diá rio Oficial ” publicou, durante vários dias, um edital da Primeira Delegacia Auxiliar, determinando que, por conveniência pública, os tílburis fizessem ponto na praça Quinze de Novembro, “formando uma linha em ângulo reto a partir do lado do jardim, em frente ao Hotel de França, para a face lateral direita da Repartição Geral dos Telégrafos”. “Bem se vê — comentou um jornal da época — que a Dele gacia de Polícia não é seção de Universidade, onde se cultive a geometria. Daí ignorar que um ângulo linear é sempre formado por duas linhas” .. . Segundo Noronha Santos, o ano em que se licenciou maior nú mero dêsses veículos no Rio de Janeiro foi o de 1868, com 600 carros. Com o aparecimento do automóvel, porém, os tílburis fo ram diminuindo, até desaparecerem por completo. Assim, em 1915, havia apenas 55 em serviço na praça; em 1916, 38 e, em 1917, 20, quase todos já nos subúrbios e zonas rurais e nas ilhas de Paquetá e Governador. A respeito dessas pequenas viaturas, acentua Gastão Cruls que Machado de Assis se enganou redondamente, quando, referindo-se ao desaparecimento do “cabriolet” e do “cab”, vaticinou: “0 tílburi, anterior aos dois, promete ir à destruição da cidade. Quan do esta acabar, achar-se-á um parado, com o cavalo e o cocheiro em ossos, esperando o freguês do costume” . . .
JARDIM BOTÂNICO
7 de marco de 1808, chegando ao Rio de Janeiro, o Príncipe D. João aqui instalou a Corte e deu início, imediatamente, a uma série de empreendimentos. • • • » Dentre as várias iniciativas com que comemorou o seu primeiro ani versário no Brasil, a 13 de maio, fundou à margem da lagoa Rodri go de Freitas uma fábrica de pólvora e de fundição e torneação de peças de artilharia. O Jardim Botânico teve sua origem num pequeno jardim junto a essa fábrica, devendo-se a sua iniciativa ao diretor deste estabe lecimento, João Gomes da Silveira Mendonça, mais tarde Marquês de Sabará. . i, j Em suas repetidas visitas à fábrica de pólvora, interessou-se D. João pelo jardim e, um mês depois, oficializou-o por Decreto de 13 de junho. Foi, assim, criado o Horto Real, destinado à aclimação e cultura de plantas exóticas e especiárias das índias Orientais. A respeito da formação dêsse jardim, contam os historiadores o seguinte episódio: Naufragando nas costas de Goa (índia Portu-
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guesa) a fragata ‘ Princesa do Brasil”, embarcaram os sobrevi ventes no brigue “Conceição”, com destino ao Brasil. Durante a travessia, porém, foram aprisionados pelos franceses, então em guerra com Portugal, e internados na Ilha de França (atual Ilha Maurício situada a 500 milhas de Madagascar e possessão inglesa desde 1814), onde existia o famoso “Jardin Gabrielle”, no qual vicejavam plantas de extraordinário valor. Entre os prisioneiros estava o chefe de divisão Luiz de Abreu Vieira e Silva, que, com ou tros oficiais, conseguiu fugir do presídio e trazer para o nosso país grande quantidade de mudas e sementes de especiarias e outras plantas exóticas que, astuciosamente, subtraíra do * Jardin Ga brielle” . Em aqui chegando, entregou tudo ao Horto Real. Dois anos depois (1810), o marechal Manoel Marques, que cbnquistara a Guiana Francesa em nome da rainha D. Maria, de Portugal, enviou também ao Horto grande coleção de plantas exó ticas, vindo depois outras, em 1812, de Macau (possessão portu guesa no sul da China) . A gravura mostra a entrada do Jardim Botânico, tal como era em 1878: portão de ferro entre pilastras de pedra ornadas com vasos de mármore. Defronte, a formosíssima aléia de 1 28 pal meiras . Não só estas como também as 142 plantadas na alameda paralela à rua, e ainda todas as da mesma família que atualmente existem no Rio de Janeiro, proveem da antiga palmeira plantada pelas próprias mãos de D. João VI — a “Oreodoxa Oleracea” de Martius, ou “Palma Mater”, que até hoje vive, altiva. A altura dessa veneranda anciã, cuja semente foi trazida do “Jardin Ga brielle”, pelo citado Luiz de Abreu, é de 35 metros. Consta que o diretor Bernardo José da Serpa Brandão, que rendo reservar para o Jardim Botânico a exclusividade desse espé cime, fazia recolher todos os seus frutos e ordenava a sua queima. Mas os escravos que então ah trabalhavam começaram a vender as sementes e, assim, se propagou a Palmeira Real, não só no Rio de Janeiro, como em todo o Brasil. Fronteiro ao portão do Jardim, no outro lado da rua, havia outrora o “Chalet Restaurante Campestre”, todo circundado de frondosos arvoredos. Em 1880, um bom almoço sem vinho custava all 1 $500 e um “jantar idem” 2$000. As mesas ficavam no jar dim, sob as árvores; no interior do chalé havia jogo de bilhar, apa relhos de ginástica e balanços para senhoras. Informa Ferreira da Rosa que o “Campestre” era muito fre quentado, menos talvez pela fama dos excelentes petiscos e do bom vinho do Porto, do que pelo discreto retiro, longe dos olhares bis bilhoteiros . . .
LARGO E iGREJA DE São DOMINGOS
o fim da praça do Rossio começa uma rua com o nome de S. Jorge, a qual, em linha reta, vai sair à rua dos Ferradores, e descendo poucos passos por esta se en tra por uma travessa no pequeno largo de São Domingos, onde está a capela deste santo, muito antiga, porém decente, e nela há uma confraria de crioulos, isto é, de pretos nascidos neste país . Assim mostrava o Padre Perereca (Luiz Gonçalves dos San tos) , em 1820, o caminho para a igreja de São Domingos. 0 Ros sio — todos sabem — é a atual praça Tiradentes; a rua de São Jorge é hoje a Gonçalves Ledo, e a dos Ferradores é a rua da Al fândega . i Não só a velha igreja como o largo desapareceram recentemen te, com a abertura da avenida Presidente Vargas. 0 largo ficava situado no ângulo do atual lado esquerdo desta avenida (antiga rua General Câmara), com a avenida Passos. Em 1905, quando aí foi erigida a estátua do jurisconsulto Augusto Tei xeira de Freitas, mudou-lhe a Prefeitura o nome para praça Teixei ra de Freitas. Tal era, porém, o aspecto desse logradouro, como
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ponto de estacionamento de carroças a frete, que os cultores do Di reito trataram de obter localização mais condigna para o monumen to. Assim, no dia 23 de março de 1910, foi o mesmo trasladado para a avenida Beira-Mar, diante do Silogêu Brasileiro, onde era a séde do Instituto dos Advogados. Com isso, voltou o largo a se chamar São Domingos. A primitiva capela de São Domingos de Gusmão foi construida em I 706 e, durante muito tempo, constituiu pequeno sanjtuário de pretos. Ficava-lhe contíguo o cemitério do Rossio da Cidade, ou dos “Mulatos”, como era mais conhecido. Documentos oficiais com provam a existência dêsse campo-santo desde 1613. Inutilizado em 1820, ainda em 1875 trabalhadores da companhia City Impro vements, fazendo excavações para esgoto no largo de São Domin gos, descobriram, em pequena profundidade, algumas caveiras e ossadas humanas. > A capela de São Domingos dominou por muitos anos, como senhora absoluta da Várzea da Cidade, que ficava além da vala (hoje rua Uruguaiana), constituída por alagadiços, restingas e mangues. Em 1791 , construiram em seu lugar a igreja de São Domingos, que se vê na fotografia. Era pequena: tinha o pórtico, duas ja nelinhas no côro, um frontão reto, um óculo no tímpano e uma torre. No interior havia três altares: o de São Domingos, o de N. S. da Conceição e o de N. S. das Dores. Quando foi demolida, em 1942, estava pràticamente condena da, tal o seu estado de ruína.
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teatro lírico
onstruído na base do morro de Santo Antônio, no vasto terreno onde, desde 1854, estivera o Circo Olímpico, foi o Lírico o melhor teatro da cidade. Ficava na rua da Guarda Velha (atual Treze de Maio), esquina da rua Senador Dantas, tendo sido demolido em abril de 1934. 0 antigo Imperial Teatro Dom Pedro II foi inaugurado no dia 19 de fevereiro de 1871 (Carnaval) com um grande baile de más caras. Após a República, passou a chamar-se Teatro Lírico . 0 velho casarão não tinha beleza arquitetônica em sua facha da, mais parecendo um assobradado comum, unido a um corpo pos terior mais feio ainda. Internamente, porém, era a mais luxuosa casa de espetáculos do Rio de Janeiro, com 1 .400 cadeiras de pla teia, duas ordens de camarotes, uma galeria superior, uma varanda próxima à platéia, duas tribunas para a família imperial e seis ca marotes no arco do proscênio. Além disso, tinha uma acústica per feita e de qualquer ângulo da sala via-se inteiramente a cena. Conta-se que D. Pedro II, assim que chegava a esse teatro, metia-se no camarote, descalçava as botinas e assistia ao espetáculo
de chinelas. Certa vez, um gaiato pregou-lhe uma peça: sem ser pressentido, meteu a mão pela cortina do camarote e tirou-lhe as botas. 0 Imperador não se desconcertou e saiu assim mesmo, atra vessando a multidão que o saudava de todos os lados. E em chi nelas desceu ao pátio e meteu-se na carruagem. Em 1886, quando aqui chegou a Companhia Lírica Italiana, do empresário Cláudio Rossi, houve um desentendimento entre o maestro Leopoldo Miguez e o violinista Supperti, culminando no pe dido de demissão do grande regente da orquestra. 0 fato teve grande repercussão nos meios artísticos e, na noite da abertura da temporada lírica, com a "Aida ”, o público viu, com surpresa, subir ao estrado da regência justamente o violinista causador do inciden te . Iniciou-se então estrondosa pateada. Supperti, desesperado, largou a batuta, desceu o estrado enfu recido e sumiu. Seguiu-se grande silêncio na platéia. Instantes depois era visto o empresário angustiado confabulan do entre os músicos. Após breve hesitação, o primeiro violonce lista da orquestra, um jovem ainda, sobe ao estrado, fecha a parti tura, ergue a batuta e, de cor, rege a ópera inteira, sendo entusias ticamente aplaudido pela assistência. Seu nome era Arturo Tos canini . Em 1894, o Lírico foi motivo de célebre pleito judiciário entre a “Société Anonyme du Gaz”, concessionária dos serviços de ilu minação desta Capital, e a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botâ nico, por ter esta, na noite de 2 de julho, iluminado a eletricidade o palco dêsse teatro com quatro lâmpadas ligadas por um fio ao cabo de bondes na rua. Alegando a "Société que só ela tinha o direito à execução dêsse serviço, reclamou contra a violação do seu pri vilégio . A ação foi julgada procedente pela Câmara Comercial do Tribunal Civil e Comercial. Houve recurso para a Câmara Civil da Corte de Apelação, que confirmou a sentença. Apelou novamente a emprêsa de bondes, mas, por acórdão de 28 de outubro de 1895, as Câmaras Reunidas puzeram fim à questão, dando ganho de causa X Un • z z 9 9 a ôociete . Não se prevaleceu, todavia, a companhia belga, dessa decisão, para negar ou embaraçar os serviços de eletricidade da Companhia Jardim Botânico: exigia, apenas, que cada pedido lhe fosse feito oficialmente, "como uma homenagem ao seu direito .
PARADA DE 24 DE MAIO DE 1906
jubilosa para a Nação a data de 24 de maio, aniversário da Batalha de Tuiutí. Nesse dia, em 1866 , o nosso Exército, sob o comando do General Manoel Luiz Oso rio (depois Marques do Herval), cobriu-se de glória no território paraguaio. Por ocasião do 40. aniversário do grande feito, em 1906, a heróica data foi comemorada no Rio de Janeiro com grandes de monstrações de alegria. Muito cedo, às 5,30 h. da manhã, um batalhão postou-se na praça Quinze de Novembro, em frente à estátua do bravo cabo de guerra, onde bandas de música e cornetas tocaram alvorada. Em seguida, o batalhão desfilou em continência. Às 9 horas, celebrou-se missa na Igreja da Cruz dos Militares, por alma dos bravos tombados na gloriosa jornada. 0 ato teve nu merosa assistência e, uma vez terminado, os Srs. Pedro e Fernando Luiz Osório, netos do General Osório, e alguns veteranos da Guerra
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do Paraguái, colocaram coroas de flores naturais no pedestal do mo numento. * A nota marcante do dia, porém, foi a grande parada em que tomaram parte oito corpos da antiga Guarda Nacional desta Capital, sob o comando do Coronel Fernando Mendes de Almeida. 0 local escolhido foi a praça Tiradentes, que, desde às 10 ho ras começou a se encher de povo. Tôdas as sacadas, janelas e ter raços dos prédios da redondeza ficaram abarrotados de gente. O grande edifício do Ministério da Justiça, na esquina da rua Visconde do Rio Branco (outróra mansão do Barão do Rio Sêco, construída pelos Jesuítas e hoje ocupado pela Diretoria dos Servi ços do Tráfego) estava repleto de pessoas da mais alta distinção social. Três bandas de música tocavam alternadamente, nas pro ximidades. Eram 12,40 h., quando os clarins anunciaram a chegada do comandante em chefe, Marechal João da Silva Barbosa, montando o seu garboso ginete. Recebido com as honras e as continências do estilo, passou revista às tropas, em companhia do Cel. Mendes de Almeida. Às 13,15 hr., chegava no seu “landau” o Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, Presidente da Republica, escoltado por um piquete de cavalaria. Ao som do Hino Nacional, S. Excia. subiu ao salão principal do Ministério da Justiça, onde recebeu os cumprimentos dos Minis tros de Estado, Generais e Oficiais superiores, Desembargadores, Se nadores, Deputados, etc., e, de uma das janelas, assistiu ao desfile da tropa. Formaram cêrca de 1 .800 homens. Terminado o desfile, o Dr. J. J. Seabra, Ministro da Justiça, ofereceu ao Presidente da República, no “Salão dos Retratos , um lauto almoço, sentando-se à mesa 24 convivas. Ao espoucar da “champagne” houve brindes, retirando-se pouco depois o Dr. Ro drigues Alves, com as mesmas honras com que fora recebido. Na parte da manhã, o Cel. Fernando Mendes de Almeida ia sendo vítima de lamentável acidente: na ocasião em que de Bota fogo se, dirigia à cidade, para a grande parada, o cavalo que mon tava quase o jogou fora da sela, assustado com a aproximação de um estrepitoso automóvel. . .
BARCAS DE PETRÓPOLIS
antigo largo da Prainha ficava onde é hoje a praça Mauá. A 'Prainha”, propriamente dita, era uma nesga de ........ mar entre o Arsenal de Marinha e os trapiches com pontões de madeira avançando pelo mar, ao longo da Saúde. Havia aí um estrado flutuante da Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis, denominado “Trapiche Mauá , onde atracavam as barcas que faziam o percurso até o porto de Mauá, situado no fundo da baía, no Município de Estrela. A travessia durava pouco mais de uma hora. Na porto de Mauá, os passageiros baldeavam para o trem, que os levava até à Raiz da Serra. Daí, seguia-se em diligência ou a cavalo, pela es trada de rodagem, até Petrópolis. A Estrada de Ferro Mauá, como era simplesmente conhecida, foi a primeira via-férrea do Brasil e também, em ordem cronológica, da América do Sul. Coube ao inolvidável Irenêo Evangelista de Souza a glória da sua realização. 0 primeiro trecho, entre o porto de Mauá e a estação de Fra goso, passando por Inhomirim (14.500 m.), foi inaugurado, com grande solenidade, no dia 30 de abril de 1854. Além do Imperador D. Pedro II e toda a sua família, compareceu ao ato o Marquês do
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Paraná, presidente do Conselho. A cerimônia começou às 1 1 horas. Após os discursos do estilo, precisamente às 1 3 horas e 27 minutos, a locomotiva “Baroneza” deu o sinal, todos embarcaram e, 23 mi nutos depois, chegavam à fazenda Fragoso, ponto terminal. Aí, o Mar quês do Paraná conduziu Irenêo à presença do Imperador, que o agraciou com o título de Barão de Mauá. Pouco depois, a 16 de dezembro de 1856, inaugurava-se o se gundo trecho até a Raiz da Serra (1.733 m.), onde ficava a Fábri ca de Pólvora da Estréia. A viagem para Petrópolis por estas três vias (marítima, férrea e rodagem) continuou assim até que a Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará se tornou concessionária do privilégio de Mauá e inaugu rou, no dia 20 de fevereiro de 1883, a linha de cremalheira para a subida da Serra. A 17 de outubro de 1888, adquirindo a “The Rio de Janeiro Northern Railway Co. Ltd.’’, a concessão da “Grã Pará”, introdu ziu vários melhoramentos no serviço: embora continuasse o trans porte marítimo até o porto de Mauá, já se fazia a viagem por terra, diretamente, até Petrópolis, partindo um trem, diàriamente, da es tação de S. Francisco Xavier, junto ao leito da Estrada de Ferro D. Pedro II (atual Central do Brasil) . Em 1897, organizada a “Leopoldma Railway , sofreram os serviços radicais transformações, que culminaram, em 1910, com a extinção do transporte das barcas de Petrópolis e a demolição do velho Trapiche Mauá, para dar lugar às obras do Cáis do Pôr to é ampliação da atual praça Mauá.
ALFÂNDEGA VELHA
a rua Visconde de Itaboraí, em frente à antiga rua Gene ral Câmara (hoje lado esquerdo da avenida Presidente Vargas), ergue-se, como uma relíquia da cidade, o prédio da velha Alfândega. Construído segundo projeto do arqui teto Grandjean de Montigny e administração do comendador José Marcelino Gonçalves, para sede da Praça do Comércio, que desde 1867 passou a denominar-se '‘Associação Comercial , foi solene mente inaugurado no dia 13 de maio de 1820, aniversário natalício de D. João VI. Foi um dia de festa, de regozijo e de alegria para os comerciantes do Rio de Janeiro. Decorrido um ano — a 20 de abril de 1821 — quando se faziam os preparativos para a volta do Rei para Portugal, transfe rindo de novo para a Europa a séde da monarquia portuguesa, um grupo de eleitores reuniu-se nesse prédio, a fim de proceder à esco lha dos representantes à Constituinte. Lidos os nomes dos novos ministros que deviam permanecer no Brasil com o príncipe D. Pe-
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dro, tumultuou-se a sessão, protestando os eleitores contra alguns desses ministros e exigindo que a nova Constituição fosse baseada nos princípios liberais da Constitução Espanhola, promulgada pouco tempo antes . No dia seguinte, houve nova reunião, também agitadíssima, na qual foi apresentada proposta para que se inspecionassem os navios destinados ao transporte da comitiva real, a fim de evitar a retira da do país dos cofres públicos, cuja presença fôra anunciada a bordo. Tendo conhecimento do caráter que a assembléia assumira, D. João VI ordenou que a força armada dissolvesse o colégio eleitoral. Às 3 horas da madrugada, as portas da Praça do Comércio foram arrombadas e a tropa fêz fogo sobre os eleitores, dispersando-os a baioneta. Houve 3 mortos e 20 feridos. Em consequência dessa violência, o prédio foi abandonado pe los comerciantes, como um protesto pelo massacre de cidadãos desar mados,. Permaneceu, assim, fechado, com a sua fachada crivada de balas, até 1824, quando D. Pedro I mandou incorporá-lo à Al fândega . A fotografia mostra o histórico casarão, que conserva até hoje o dístico “ALFÂNDEGA” . No frontão, acima da janela semi-circular, notam-se vestígios das antigas armas do Império. “Foi esta uma das construções mais belas — diz Moreira de Azevedo — e no seu gênero a mais monumental que se ergueu no tempo em que ainda o Brasil era colônia. D. João VI louvou a obra e honrou o arquiteto Grandjean, permitindo-lhe sentar-se em sua presença e concedendo-lhe o hábito de Cristo, que o artista con servou sempre em sua casaca .
RUA DO ESPÍRITO SANTO
berta em 1801, teve o seu nome mudado em 1896 para rua Luiz Gama, em homenagem ao poeta negro, grande tribuno bahiano, paladino da abolição da escravatura, Luiz Getulino Pinto Gama. Em 1917, foi restabelecida a primitiva denominação, cu]a origem lembra talvez algum oratório que tivesse existido nas proximidades, em louvor do Divino Espírito Santo. Fi nalmente, em 1921, passou a chamar-se rua Pedro Primeiro, nome que conserva até hoje. Foi o logradouro de maior movimento noturno no Rio de Ja neiro, por causa dos teatros que nêle se instalaram, dos cafés e res taurantes que funcionavam até alta madrugada e, sobretudo, pelas novidades que de vez em quando por lá apareciam, como o homem tatuado, o museu de figuras de cera e vários ilusionistas, sem falar das meretrizes... Os restaurantes, sempre muito frequentados depois dos espe táculos, eram conhecidos pelo apelido de casas de pasto ou “frége-moscas”. Sua especialidade era fígado de boi grelhado ou
frito em banha de porco, ou sejam as famosas iscas, “com elas” ou “sem elas”, conforme vinham ou não acompanhadas de batatas. 0 prato custava 400 réis. “O garçon — conta Hermeto Lima — era quase sempre um labrego atarracado, que servia a mesa de mangas arregaçadas até acima do cotovelo e de tamancos sem meias. Prazia frequentemente um guardanapo à mão para limpar a mesa e o suor que lhe escorria em bagas pela fronte, quando não o muco que lhe saia das ventas”. A fotografia mostra a antiga rua do Espírito Santo, no começo do século. À esquerda, vê-se o gradil que circundava a “Maison Moderne”, espécie de parque de diversões, com carrossel de cava linhos de páu animado por um realejo mecânico, roda gigante de balões esféricos com barquinhas para os “passageiros”, e “stand” de tiro, cujos alvos — informa-nos Carlos Washington de Miranda, autor de “O meu velho Rio de Janeiro” — eram bonecos e cascas de ovo que saltitavam sobre contínuo jato dágua. Além de barraquinhas de sorte havia também alí uma seção de jogo, bem franco, aliás, e conhecido pelo nome de “pinguelim” . Nos fundos, vê-se a fachada do Teatro Recreio Dramático e, à direita, o antigo “Moulin Rouge”, teatro do gênero variedades, com diversos cartazes afixados nas paredes, anunciando: “Moulin Rouge (Antigo Teatro Carlos Gomes ) — Emprêsa Pascoal Segreto — Hoje — Surpreendente estréia do Trio Osnato, com Rina Zambelli, Rose du Midi e La Monti” . No lado direito dessa rua, em direção à do Senado, funciona vam também os teatros Santana e Lucinda, hoje desaparecidos.
COPACABANA NO COMÉÇO DO SÉCULO
o comêço dêste século, a Companhia Ferro-Carril do Jar dim Botânico, com o fim de atrair passageiros para o novo “arrabalde” de Copacabana, afixava à porta de suas estações grandes tabuletas, em que se liam anúncios como êste: “Quereis gozar de bôa saúde? Ide a Copacabana. Bondes em quantidade”. Ou então: “Passeio agradável e refrigerante: Copacabana. Bondes até às 2 horas da manhã” . Chovesse ou não chovesse, o cartaz assegurava: “0 luar é encantador, sendo as noites muito frescas, graças aos ares do alto mar” .
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Havia, também, a propaganda impressa nas costas dos cupons das passagens, que o carioca folgazão apelidara de “Coríselhos de Higiene Poética”. Eis alguns desses versos pitorescos:
“Graciosas senhoritas, moços chiques: Fugi das ruas, da poeira insana. Não há lugares para piqueniques, Como em Co-pa-ca-bana” . “Noivos que o céu gozais em pleno juízo, Almas que a mágua nem de leve empana, Quereis de vossas noivas no sorriso Ler a maior felicidade humana? Prometei-lhes morar num paraíso Róseo — em Copacabana” .
“Viveis do sonho? Ide enlevar em cismas A alma que em vossos corações se aninha; Vereis a vida por estranhos prismas Sobre os rochedos pardos da Igrejinha” . “Ide a Copacabana Espairecer sobre as areias lisas . Ah, esquecereis da vida humana 0 fel travoso, que rebaixa e dana, Ao perpassar das salitradas brisas” . “O' pais que tendes filhos enfezados, Frágeis e macilentos e nervosos, Afastai-os da manga e da banana. À beira-mar! Aos ares salitrados! E eis de vê-los rosados e viçosos. Para Copacabana!”
Aquela “banana” como rima de “Copacabana” era de pri meiríssima ordem. E todos indagavam quem era o diretor da Com panhia que escrevia os versos dos cupons. . . A fotografia mostra Copacabana desses bons tempos, vendo-se na esquina da rua da Igrejinha (atual Francisco Otaviano) o restau rante-bar Mère Louise, de má reputação, que lembrava, exterior mente, um cabaré de filme do “far-west” .
PREFEITO FRANCISCO PEREIRA PASSOS
s 8 horas da manhã do dia I5 de novembro de 1906 (quinta-feira) — véspera da transmissão do Govêrno Municipal para o novo Prefeito, General Francisco Mar celino de Souza Aguiar — o Or. Francisco Pereira Passos teve a satisfação de assistir ao lançamento da pedra fundamental do seu mo numento, a ser erigido na praia de Botafogo. Foi simples a cerimônia. Discursou o Dr. Cordeiro da Graça, agradecendo, em seguida, o Dr. Passos. Findo este ato, oferece ram a S. Excia. uma medalha de ouro com o seu busto, lavrando-se, logo após, uma ata que foi por êle assinada e por todas as pessoas presentes à solenidade. Contou-nos o fotógrafo Augusto Malta que o Dr. Pereira Passos, no momento em que assinava a ata, segredou-lhe ter a cer teza de que não viveria para assistir à inauguração do monument-».
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E assim aconteceu: só em 1916, três anos após a sua morte, e que foi erguido o busto em bronze que ainda hoje se encontra na praia de Botafogo, oferecido à Municipalidade pelo Comendador Antônio Ribeiro Seabra. Nunca o Rio de Janeiro teve administrador igual. Eis algu mas realizações do Grande Prefeito: edificou o Teatro Municipal; alargou as ruas Treze de Maio, Uruguaiana, Assembléia, Carioca, Visconde de Inhaúma, Conselheiro Saraiva, Hospício (atual Buenos Aires) entre Primeiro de Março e Candelária, Acre, Camerino, Frei Caneca, Santana e Estácio de Sá; prolongou e alargou as ruas do Sacramento (hoje Avenida Passos), Marechal Floriano e a travessa de São Francisco (atual rua Ramalho Ortigão); abriu as novas avenidas Mem de Sá, Salvador de Sá e Gomes Freire; traçou e exe cutou a avenida Beira-Mar, desde o Passeio até Botafogo, aí levan tando os pavilhões Mourisco e de Regatas (ambos já demolidos) ; construiu o cáis da praia da Lapa; iniciou o aterro, lastro e constru ção da avenida Atlântica; começou o alargamento gradual de mais de trinta ruas; ajardinou a praça Quinze de Novembro, dotando-a de um coreto; demoliu o velho mercado da Glória e ajardinou a praça; ajardinou também o largo de São Salvador, a praia de Bota fogo e o Alto da Boa-Vista, na Tijuca; ampliou o antigo edifício da Prefeitura Municipal (demolido para abertura da avenida Presiden te Vargas) ; construiu o Mercado Novo; reformou diversos próprios municipais; nivelou e introduziu calçamento aperfeiçoado em inú meras ruas da cidade; abobadou o no Carioca, asfaltando a super fície, o que deu largura e beleza às ruas Conde de Baipendí e Barão do Flamengo; fêz retirar os gradís de ferro dos jardins públicos e da frente das igrejas; embelezou o paredão da Glória com o gradil tirado do jardim da praça Tiradentes e colocou um relógio elétrico no extremo sul do paredão; reformou o Matadouro de Santa Cruz; aperfeiçoou as estradas da Gávea e Jacarépaguá; beneficiou Santa Cruz, Campo Grande, Guaratiba, Irajá, Inhaúma, ilhas do;Governa dor e Paquetá; tornou visitáveis as Furnas de Agassis; construiu um Aquário no Passeio Público; levantou os prédios das escolas Tira dentes ”, "Rodrigues Alves” (hoje ocupado pela secretaria do Pa lácio do Catête), "Prudente de Morais” e muitos outros; fundou;o Laboratório Nacional de Análises e o Serviço de Assistência Médi ca; obrigou as companhias ;de bondes a adotarem trilhos de fenda e a Cia. Ferro-Carril do Jardim Botânico a abrir o túnel do Leme; pôs fim ao grosseiro folguedo do entrudo; no Carnaval; instituiu a "Batalha de Flores”; proibiu a criação de porcos na cidade e a saí da de vacas à rua para o comércio do leite, etc., etc. Para fazer da antiga cidade colonial uma capital moderna foi preciso a energia de um velho de 70 anos!
COURAÇADO ‘‘MINAS GERAIS’*
ssim que surgiram os primeiros tipos de “dreadnought , construídos pelas potências de grandes armamentos navais, tratou o Brasil de encomendar na Inglaterra três belonaves dessa classe: o “Rio de Janeiro” com 32.000 tone ladas, e o “Minas Gerais” e o “São Paulo” com 20.000 toneladas cada um. O “Rio de Janeiro” não chegou a fazer parte da nossa Esqua dra, pois o Brasil se desfez dêle ainda em construção. Quanto ao “Minas Gerais” e ao “São Paulo”, é fato conhecido que, quando foram entregues à Marinha Brasileira, o primeiro por Armstrong Whitworth & Co. Ltd ,e o segundo por Vickers Sons & Maxim Ltd ., eram na ocasião, os navios de guerra mais modernos e pode rosos do mundo. Í Estes dois couraçados, apoiados pelos cruzadores “Rio Gran de do Sul” e “Bahia” e pelos destroyers “Amazonas”, “Pará”, “Piauí”, “Rio Grande do Norte”, “Pernambuco”, “Alagoas”, “Sergipe”, “Santa Catarina” e “Mato Grosso”, formavam uma po-
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derosa força de combate naval, considerada a terceira esquadra do mundo. A fotografia mostra o lançamento do “Minas Gerais’’ às 14 horas e 45 minutos do dia 10 de setembro de 1908 na cidade in glesa de Newcastle-Upon-Tyne. Foi madrinha a senhora do Presi dente da República, Dr. Afonso Augusto Moreira Pena, represen tada no ato pela Embaixatriz Regis de Oliveira. Incoporado à Esquadra Brasileira, a 5 de janeiro de 1910, as sumiu seu primeiro comando o capitão de mar e guerra João Ba tista das Neves. A primeira comissão do “Minas Gerais” efetuouse um mês depois, no dia 5 de fevereiro, ao deixar a embocadura do rio Tyne, distante oito milhas dos estaleiros, num cruzeiro aos Esta dos Unidos. Do porto de Brooklyn, N. Y., o couraçado comboiou até o nosso país o. cruzador “North Caroline”, que transportou, como última homenagem do governo norte-americano, o corpo do gran de Embaixador Joaquim Nabuco, falecido em Washington. 0 “Minas Gerais” lançou ferros, pela primeira vez, na baía de Guanabara, na tarde de 17 de abril de 1910 . Com 152,20 m. de comprimento, couraça de 9 polegadas di minuindo para 4 polegadas para avante e ré e desenvolvendo a ve locidade de 21 nós, contava com doze canhões de 12 pole gadas, vinte e dois de 4,7 polegadas de tiro rápido e oito de tiro extra-rápido, de 3 polegadas. Na época em que foi lançado, o seu armamento constituiu o mais formidável poder ofensivo até então dado a um couraçado. Depois de quase meio século de bons serviços como capitanea da nossa Esquadra, o velho “Minas” foi solenemente desarmado no dia 31 de maio de 1953 e o seu casco vendido em concorrência pú blica a uma firma italiana, como sucata. Finalmente, a 1 2 de março de 1954, transpôs pela última vez a barra do Rio de Janeiro, rumando para Spezia, na Itália, rebocado por dois navios.
IGREJINHA DE COPACABANA
Igrejinha de Copacabana ficava situada no promontório onde está hoje o Forte de Copacabana. Desapropria da pelo Decreto n.° 12.924, de 20 de março de 1918, pela quantia de 80 contos de réis, foi demolida nesse mesmo ano. ; 0 tempo apagou o nome do fundador e a data em que foi edi ficada. Sabe-se, porém, quef já existia antes de 1746, pois foi nessa época que ocorreu o seguinte fato: Regressava o bispo frei Antônio do Desterro de uma viagem a Angola, quando, à entrada da baía, o navio que o conduzia, colhido por forte tempestade, foi impelido até fora da barra. No momento do perigo, vendo de longe a Igrejinha, em ruínas, o bispo implorou o amparo de Nossa Senhora de Copacabana, prometendo restaurála se o mar enfurecido não o tragasse. Salvou-se e cumpriu a pro messa, reconstruindo o santuário.
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Distante da cidade, sem meios fáceis de comunicação, jazia, porém, a velha ermida como que abandonada, frente à imensidão do oceano. Desabrigada para resistir ao embate dos ventos e das chu vas, ia a Igrejinha mais uma vez em decadência, quando sucedeu este outro fato: Em fins de agosto de 1858, espalhou-se pela cidade o boato de terem dado à costa, na praia de Copacabana, duas imensas ba leias. Todo mundo correu até lá, não faltando o próprio Impera dor D. Pedro II. Durante três dias e três noites, houve verdadeira romaria de curiosos — uns a pé, outros a cavalo, outros em carro ças, seges, carruagens, etc. Segundo Vieira Fazenda, as cocheiras do Rio tiveram o seu S. Miguel, não escapando siquer os magros burros carregadores de carvão! Armaram-se na praia barracas de comes e bebes; acenderamse fogueiras, ao clarão das quais todos dançaram e cantaram. Quanto aos cetáceos, nada! Ninguém viu'baleias, mas, em com pensação, muita gente ficou conhecendo Copacabana. Verificado o mau estado da Igrejinha, foi ela novamente reconstruída, desta vez com esmolas dos fiéis. Conta Castão Cruls que, no comêço do século, quando já se chegava mais facilmente a Copacabana, era muito do gosto da nossa gente ir assistir à Missa do Galo na pitoresca Igrejinha, que se des tacava muito branca sobre o socalco rochoso constantemente bati do pelas ondas. E dessa mesma gente, não poucos eram aqueles que, depois de ficar bem com Deus, iam beber e dançar no * MèreLouise”, um restaurante-bar que, ali bem perto, funcionava dia e noite e, previdentemente, tinha uns aposentos para “descanso” dos casais que se sentissem afrontados pelo ar do mar. . . A fotografia mostra a Igrejinha, em 1890. Havia então ah sete peças de artilharia, cinco grandes e duas pequenas, abandona das e já quase soterradas pela areia. Eram do tempo do vice-rei D. Luiz de Almeida Portugal, Marquês do Lavradio (1 769-1779).
LARGO DO CAPIM
largo do Capim ficava entre o lado ímpar das ruas do Fogo (hoje Andradas) e Sabão (depois General Câ mara) e o lado par da rua S. Pedro. Teve aquêle nome porque a Câmara o destinara a mercado oficial do capim de Angola. Não só a cultura dessa gramínea nos arredores da cidade, como o seu comércio para forragem dos ammais de montaria, carruagens e veículos de carga, constituiram, em tempos idos, negocio altamente lucrativo. Mestre Noronha Santos, referindo-se a êsse rendoso comércio, informa que os fei xes de capim eram vendidos a dois vinténs e nas casas ricas faziase aquisição por meio de assinatura mensal. Em 1869, passou o> .logradouro a chamar-se praça General Osório, em homenagem ao glorioso Gal. Manoel Luiz Osório, Marquês do Herval. Em 1917, retomou a antiga denominação de largo do Capim e, em 1925, mudou novamente de nome, desta vez para praça Lo-
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pes Trovão, em memória do Dr. José Lopes da Silva Trovão, pro pagandista da República, nome esse que conservou até 1943, quan do desapareceu para dar lugar à abertura da avenida Presidente Vargas. Foi nesse largo, pelo lado da rua dos Andradas, que funcio nou o primeiro teatro do Rio de Janeiro: a Casa da Ópera do padre Ventura. Fundada em 1767, no governo do primeiro vicerei Antônio Álvares da Cunha (Conde da Cunha), não durou, po rém, mais de dois anos, pois, certa noite, quando levava à cena a peça “Encantos de Medéia”, foi destruída por violento incêndio. Provavelmente, foi esse incêndio que deu o primitivo nome de “Fogo” à rua dos Andradas. 0 Padre Ventura foi um apaixonado da arte cênica. Cau sava surprêsa vê-lo, de coroa, de batina, pardo e corcunda, acu mulando as funções de empresário, diretor artístico e regente mu sical, não raro subindo ao palco para tocar violão, cantar lundus e dansar o fado! Quando o popular reverendo viu a sua “Casa da Ópera con sumida pelo fogo, caiu em profundo abatimento, morrendo pouco depois. A fotografia mostra o antigo largo do Capim, tal como era em 1909, com o seu mercadinho de verduras e aves ao ar livre, antes, portanto, da cobertura metálica que foi demolida em 1943. À esquerda, vê-se um pequeno trecho da rua dos Andradas. No prédio de três pavimentos ficava o antigo depósito da Drogaria Pacheco. Em frente, a rua S. Pedro. 0 prédio branco com seis jane las era a “Grande Confeitaria e Refinação de Açúcar , fundada em 1852. No sobrado tinha seu atelier o pintor Augusto Petit, autor de muitos retratos a óleo dos grandes vultos dos últimos tem pos da Monarquia e dos primórdios da República. Alguns, por certo, ainda se recordarão da sua figura: alto, magro, barba andó, chapéu prêto lembrando Quintino Bocayuva e a indefectível gra vata de tricô. No centro da praça, onde se vê o lampião a gás, houve ante riormente um chafariz com repuxo, inaugurado no dia 27 de ja neiro de 1875.
“AU PARC ROYAL”
undado em 1875, o grande “magazin” de Vasco Ortigão & Cia. começou a sua existência numa pequena loja no largo de São Francisco n. 12, entre a rua dos Andradas e o bêco do Rosário, no lado oposto, portanto, ao em que esteve depois, ocupando todo o quarteirão do lado ímpar da rua Ramalho Ortigão, entre o mencionado largo e a rua Sete de Se tembro. 0 “Parc Royal” foi uma casa modelo no comércio de fazen das, modas e confecções diversas, tendo sido a precursora, no Rio de Janeiro, do sistema de preços fixos, marcados por meio de al garismos bem visíveis, em todas as mercadorias, sem exceção. Foi também o primeiro estabelecimento a distribuir catálogos ilustra dos à sua freguezia. Tinha filial em Paris, à rua Trévise n.° 41, que se incumbia das encomendas em toda a Europa. Na noite de 9 de julho de 1943, o tradicional estabelecimen to do comércio carioca foi totalmente destruído pelo fogo.
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0 incêndio teve início às 8 I /2 da noite: pouco depois, todo o prédio já estava tomado das chamas e, cerca das 10 horas, com um grande fragor, desabava a fachada que dava para a rua Ramalho Ortigão, obstruindo por completo essa via pública. Há mui tos anos não se registrava nesta Capital sinistro de tamanhas pro porções. Dois frades do Convento de Santo Antônio encontravam-se, na ocasião, entre a enorme multidão que se aglomerou na rua Sete de Setembro, a fim de presenciar o incêndio. Quando a parede ruiu, causando tremendo pânico, os dois religiosos que assistiam à cêna imediatamente se ajoelharam e iniciaram orações. Êsse gesto dos frades comoveu a todos os que se encontravam no local. Somente à 1 hora da madrugada foi extinto o fogo. Os pre juízos foram incalculáveis. Na Igreja de São Francisco se partiram, com o calor das cha mas, muitos vitrais de autoria de pintores do século passado, e ar deram as cordas de todos os sinos. Dezenas de pombos que tinham seus ninhos sob o abrigo das reentrâncias da platibanda do edifício foram desalojados. Ali vi viam há muito tempo, sendo alimentados pela mão generosa de um ourives instalado num sobrado próximo, na rua Sete de Setembro. Poucos dias depois do incêndio, o prefeito Henrique Dodsworth, com o propósito de desafogar o tráfego no largo de São Francisco, entrou em entendimento com a Ordem Terceira dos Mí nimos de São Francisco de Paula, proprietária do terreno, e a Pre feitura o adquiriu, tornando-o logradouro público. A fotografia mostra o antigo “Parc Royal” no dia 9 de março de 1911, quando foi inaugurado o edifício da rua Ramalho Ortigão, com 140 janelas, 48 vitrines externas e 5 portas de entrada.
DIVERSOS TIPOS DE BONDE
a alvorada dêste século, o bonde, na sua maioria ainda puxado a burros, se oferecia por toda a parte, em to dos os sentidos, de fácil acesso, cômodo e barato. Além dos carros comuns para o serviço diário, havia os cha mados “bondes de distinção” para casamentos e batizados, que eram riquíssimos e vistosos. 0 especial de casamento levava os noivos, os padrinhos e alguns convidados. Não corria; ao con trário, andava ao passo chouto dos muares. 0 cocheiro e o con dutor usavam curiosa vestimenta: sobrécasajta azul com botões dourados e cartola com rosêta. 0 condutor ia num banco situado na trazeira do veículo, solene, de braços cruzados. 0 bonde era fechado, adornado mternamente com cortinas de rendas brancas e flores de laranjeiras. Havia também carros especiais para enfermos atacados de doenças contagiosas. Do antigo largo do Matadouro, hoje praça da Bandeira, partia um desses bondes, também fechado, côr ama rela, com destino ao Retiro Saudoso, levando variolosos ou pestosos para o Hospital de São Sebastião.
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Também havia “bondes mortuários’’, lugubremente negros, com a eça no meio e os lugares em torno. Para as temporadas líricas existiam bondes de luxo. Êstes diferençavam-se dos comuns pelas seguintes características: mais confortáveis, tendo os assentos e encostos cobertos por capas de brim branco e o assoalho atapetado; o destino era indicado em letras brancas iluminadas, cortadas por um traço encarnado; eram embandeirados e a passagem custava mais caro. As capas brancas eram amarradas nos balaústres por meio de cadarços, como os das ceroulas de então. Daí o apelido de “bonde ceroula” . A fotografia mostra um “bonde-assistência” da Cia, FerroCarril do Jardim Botânico, em 1922, estacionado na práia do Fla mengo. Vê-se, em pé no estribo, o Presidente Epitácio Pessoa, palestrando com o Prefeito Carlos Sampaio e o Dr. Adalberto Fer reira, diretor de Higiene e Assistência Municipal.
VIADUTO DÁ CENTRAL DO BRASIL
om o maior brilhantismo, inaugurou-se, na tarde de 12 de outubro de 1907, a linha elevada da E. F. Cen tral do Brasil, entre as estações de São Diogo e São Cristóvão, com os viadutos sobre a atual avenida Francisco BicaIho e os antigos trechos das ruas Figueira de Melo e São Cristóvão. Eram 12,20 horas quando chegou à estação inicial (denomi nada “D. Pedro II”, desde 2 de dezembro de 1925) o Dr. Afonso Augusto Moreira Pena, Presidente da República, acompanhado de suas filhas e dos Drs. Miguel Calmon du Pin e Almeida, Augusto Tavares de Lyra e General Francisco Marcelino de Souza Aguiar, respectivamente, ministros da Viação e da Justiça e Prefeito do Distrito Federal. Recebidos pelo diretor da Central, engenheiro e professor Aarão Reis, foram convidados a embarcar no luxuoso carro de ins peção, colocado à frente da locomotiva n. 251 . No resto do trem, composto de três vagões, tomaram lugar as demais pessoas. O especial partiu vagarosamente, parando em frente ao de pósito de máquinas de São Diogo, onde começa a linha elevada .
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Aí, o Dr. Miguel Calmou convidou o Presidente da República a desatar o laço de fita das cores nacionais que interceptava a passa gem. Entre palmas e vivas do povo, foi, assim, inaugurada a li nha de subida. Depois, seguiu o trem, sempre em marcha vagarosa, até ao alto do Canal do Mangue, onde parou novamente, para que os seus ilustres passageiros pudessem apreciar, não só o prolongamento do viaduto, como também os vários aspectos da cidade e da baía. Toda a margem da linha, profusamente ornamentada de ban deiras, flores e folhagens, estava cheia de gente, que saudava os viajantes, demonstrando a sua alegria pela inãuguração de uma obra tão útil e importante. Continuou, depois, o especial até à nova e elegante estação de Lauro Muller, que também se inaugurava nesse dia. Estava ar tisticamente decorada a flores naturais e regorgitava de povo. A chegada do trem foi saudada por uma salva de morteiros, subindo ao ar muitas girândolas de foguetes. Após ter sido tocado o Hino Nacional, partiu de novo o com boio, entre as aclamações do povo, para parar na estação de São Cristóvão. Aí, o Presidente da República e sua comitiva desem barcaram. Houve discursos, champagne e cafézmho, sendo assi nada por todos os presentes a ata da inauguração. Pouco depois das 2 horas, o Dr. Afonso Pena retomou o es pecial com destino à cidade, onde o esperava sua carruagem que o conduziu ao Palácio do Catete. A construção da linha elevada tivera início no dia 18 de maio de 1905, quando Presidente da República o Dr. Francisco de Pau la Rodrigues Alves e Ministro da Viação o Dr. Lauro Muller, sen do diretor da E.F.C.B. o Dr. Gabriel Osório de Almeida. Pro jetou o importante empreendimento o engenheiro Carlos Euler. A passagem do trem especial pela linha elevada foi filmada pela empresa cinematográfica Pathé-F rèrtes , o que constituiu um acontecimento de grande sensação. No dia seguinte, um jornal abalou o público com o seguinte título: “O trem passou por cima do bonde’ . Na verdade, um bonde passava por baixo do viaduto, quando o comboio estreava a linha. . .
DESABAMENTO DO EDIFÍCIO DO CLUBE DE ENGENHARIA
1 hora da tarde de quarta-feira, 14 de fevereiro de 1906, um fragor tremendo conturbou o centro da cidade: o edifício do Clube de Engenharia, que se estava levantando na Avenida, esquina da rua Sete de Setembro, ruiu, com um enorme estrépito de vigas, caibros e tijolos derrubados. Os operários que nêle trabalhavam nem siquer tiveram tempo de fugir, sendo colhidos pelas paredes caídas, pelo travejamento que despencara do alto, partido em estilhas, e pelos pesados blocos de cantaria da fachada, violentamente abatida. Já estava no ter ceiro andar a construção. De toda parte acorreu gente e, em um instante, centenas de curiosos apinhavam-se diante dos escombros. Surgiram os primeiros feridos, empoeirados e tintos de san gue . Entre braços solícitos foram conduzidos para o socorro mais próximo, que era a Farmácia Werneck na rua dos Ourives.
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Dentro em pouco chegava ao local uma turma de mais de qua renta trabalhadores da Comissão Construtora da Avenida e, logo em seguida, o Corpo de Bombeiros. A Polícia, por sua vez, esta beleceu um cordão de isolamento em torno do prédio desabado. Iniciados os trabalhos de salvamento e desentulho, constatouse, fehzmente, que não era grande, como a princípio se supunha, o número de mortos: estes foram somente dois. Quanto aos fe ridos, contavam-se treze, sendo que um deles passava ha Avenida na ocasião do desastre. Os mais graves foram levados para a San ta Casa da Misericórdia, recolhendo-se os demais às respectivas re sidências. Prestou, nessa ocasião, grande auxílio no serviço de socorro o recém-adquindo automóvel-ambulância da Associação dos Empregados no Comércio. A Polícia abriu inquérito sobre a ocorrência e ouviu as pes soas mais de perto interessadas na construção do novo edifício. 0 primeiro a depor foi o Dr. Heitor de Mello, empreiteiro das obras, que atribuiu as causas do sinistro às más condições da can taria . “Repetidas vezes — disse êle — reclamei contra isso da comissão de obras, mas eu estava fiscalizado por todos os lados e fui mandado aceitar a cantaria assim mesmo”. 0 segundo ouvido foi o arquiteto Raphael Rebecchi, fiscal da obra, que fora o vencedor do grande concurso de fachadas para os edifícios da Avenida e que também tivera a satisfação de ver escolhido por uma comissão de notáveis engenheiros o seu projeto para o novo edifício do Clube de Engenharia. Declarou não po der, em consciência, determinar as causas do desastre, nem os seus responsáveis. As chuvas continuadas, que há dois meses caiam sobre a cidade, poderiam ter concorrido para tão lamentável si nistro . Prestou também declarações o mestre de obras Bernardino Huche y Bella, que atribuiu o desabamento a defeito na cantaria, pois a argamassa de que se servia era boa. 0 Dr. Paulo de Frontin, presidente do Clube, ao contrário, achava que o desastre fora devido à argamassa de cal e areia, cuja pega era demorada, tal a porcentagem de cal empregada. 0 arquiteto Antônio Jannuzzi era desta mesma opinião, ao passo que o engenheiro J. Valentim Dunham pensava diversamente: dera-se o desabamento por causa da grande quantidade de ma terial que se havia acumulado no pavimento superior, tendo os ar cos do pavimento inferior cedido ao excesso de pêso, arrastando o resto da construção. Não conseguimos saber como terminou o inquérito, pois daí a dez dias começou o Carnaval e o assunto caiu no esquecimento. . .
ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO
Associação dos Empregados no Comércio do Rio de Ja neiro nasceu a 7 de março de 1880. Na tarde de do mingo desse memorável dia, reunidos na antiga sede do Jóquei Clube, no sobrado da rua do Ouvidor n. 28, a convite de Antônio Mathias Pinto Junior, 43 moços cheios de esperança e idealismo arrojadamente deram-lhe personalidade jurídica.
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Oito meses depois, a agremiação da “nobre classe caixeira! já contava com 129 sócios quites e 176 que “ainda não se haviam entendido com o Tesoureiro”. . . Tm 1882, instalou-se mais confortavelmente noutro sobrado da mesma rua do Ouvidor, de n. 50, cujo aluguel de 120$000 por mês fora reduzido a 70$000 por sublocação de uma sala, Tão precárias eram, então, as finanças da Associação que as despesas de mudança, as obras de adaptação da nova sede, a tabuleta da fachada e as estantes da biblioteca tiveram de ser custeadas por alguns sócios. Correram os anos e, já proclamada a República, o sonho de todos era a casa própria. Não foi fácil encontrar um terreno no centro da cidade. Afi nal, no dia 14 de junho de 1899, fechou-se negócio com um mon tão de escombros na rua Gonçalves Dias n.° 40, entre as ruas do Ouvidor e Sete de Setembro, onde antes existira o Colégio Vitorio, que um incêndio destruira. Por cento e noventa contos entrou a A.E.C. na posse dêsse terreno, medindo 16 metros de frente e com a área de 700 m2 . A firma Antônio Jannuzzi, Irmão & Cia., incumbida de cons truir o prédio, entregou-o terminado no dia 10 de setembro de 1900. A solenidade da inauguração foi no dia 22, tendo compa recido o Presidente Campos Salles, Ministros de Estado, o Prefei to, magistrados, membros do Corpo Diplomático, militares, comer ciantes, representantes da imprensa e grande número de senhoras. Enfeitou-se a rua Gonçalves Dias e a fachada do prédio de três an dares, cujo estilo era Renascença, estava toda embandeirada. Pouco depois, com a abertura da Avenida Central, hoje Rio Branco, tangenciando os fundos dêsse imóvel, tratou a A.E . C. de adquirir vinte metros no alinhamento da nova artéria . Por escri tura de 19 de abril de 1905, comprou mais esta área pelo preço de oitenta contos. Escolhido o professor Adolpho Morales de los Rios (pai) para arquitetar a nova fachada e o prolongamento do prédio, tiveram as obras comêço no dia 20 de março de 1906, inaugurando-se três anos depois o majestoso edifício que se vê na fotografia. Durou êste trinta anos, pois, em fins de 1939, foi demolido para, no local, ser erigida a atual séde de quinze pavimentos, inau gurada no dia 30 de outubro de 1942. . ' '
PRIMEIRO TREM ELÉTRICO
primeira via-férrea no Brasil que empregou a eletricida de foi a Estrada de Ferro da Tijuca. Partiam os trens do ponto terminal da linha de bondes da Tijuca, da antiga Cia. de São Cristóvão, indo até o Alto da Boa-Vista, num percurso de 5 quilômetros. Esse primeiro tre cho, da “Usina” ao Alto, foi inaugurado no dia 14 de setembro de 1898. . ! Deve-se o empreendimento ao engenheiro Adolpho Aschoff, genro do Conselheiro Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, que era o Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao extinguir-se o regime monárquico. A 16 de setembro do ano seguinte, inaugurou-se o segundo trecho dessa via-férrea, com 2 1/2 quilômetros, desde a “Usina” à rua Uruguai, esquina da antiga chácara do Comendador Calazans,
descendo a linha pela margem esquerda do no Maracanã e ruas São Miguel e Pinto Guedes . Foi solene a inauguração desse segundo trecho, assistindo ao ato, além dos representantes do Presidente da República e do Mi nistro da Viação, respectivamente, Cel. Luiz Medeiros e o escritor Machado de Assis, vários engenheiros, capitalistas, negociantes e representantes da imprensa, entre os outros o Dr. Daniel Hennin ger, do Clube de Engenharia, o Marechal Jardim, os Srs. Américo dos Santos, Paula Freitas, Costa Couto, Humberto Antunes, Tei xeira Bastos, Arthur de Miranda, César Rabelo, Luiz Costa, Vicen te Werneck, Henrique de Matos e muitos outros convidados, inclu sive senhora^. Em três bondes especiais da Cia. de São Cristóvão, com a ta buleta “Experiência do Novo Trecho”, partiu a comitiva do largo de São Francisco, à 1 hora da tarde, chegando à rua Conde de Bonfim, nas proximidades da rua Pinto Guedes, pouco antes das 2 h. Passaram, então, os convidados para o trem elétrico, que percorreu o trecho inaugural. Na raiz da serra da Tijuca, onde chegaram às 2,10 h., foi visitada a usina térmica geradora de eletricidade. Depois de per corrida essa dependência, foi oferecida aos ilustres visitantes uma farta mesa de doces e vinhos “generosos”, sendo, nessa ocasião, saudados pelo Marechal Jardim o presidente da Estrada, Visconde de Assis Martins, e o diretor-gerente, Dr. Adolpho Aschoff, e exal tados os esforços da empresa para realizar o novo e utilíssimo em preendimento. Voltando aos seus lugares nos carros elétricos, seguiu a comi tiva até o extremo da linha, no Alto da Boa-Vista, aonde chegou às 3,45 h. Às 5 horas da tarde, regressaram os convidados, chegando à cidade às 6 h. “Quem ]á soube agradecer ao engenheiro Adolpho Aschoff o arrojo do empreendimento, levando a efeito essa via-férrea há tan tos anos projetada e jamais conseguida — noticiou então “0 País — não sabe como dar relêvo ao trabalho ingente, ao esforço admi rável que representa esta conquista. 0 Visconde de Assis Mar tins praticou milagres, realizando, como presidente da emprêsa, as operações financeiras que a obra exigiu; o engenheiro Aschoff pra ticou heroísmos, realizando o traçado e o assentamento da linha”. A fotografia mostra a antiga estação “Junção do Elétrico , situada nas proximidades da Muda, onde os bondmhos de burro da Cia. de São Cristóvão faziam correspondência com os trens da E. F. da Tijuca.
PRIMEIRO TREM ELÉTRICO
primeira via-férrea no Brasil que empregou a eletricida de foi a Estrada de Ferro da Tijuca. Partiam os trens do ponto terminal da linha de bondes da dijuca, da antiga Cia. de São Cristóvão, indo até o Alto da Boa-Vista, num percurso de 5 quilômetros. Êsse primeiro tre cho, da “Usina” ao Alto, foi inaugurado no dia 14 de setembro de 1898. ( Deve-se o empreendimento ao engenheiro Adolpho Aschoff, genro do Conselheiro Lourenço Cavalcanti de Albuquerque, que era o Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao extinguir-se o regime monárquico. A 16 de setembro do ano seguinte, inaugurou-se o segundo trecho dessa via-férrea, com 2 1/2 quilômetros, desde a “Usina” à rua Uruguai, esquina da antiga chácara do Comendador Calazans,
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ma, no largo de Santa Rita, e alargando esta última rua até o cáis dos Mineiros. A fotografia, tirada do alto da igreja de São Joaquim, mostra um aspecto da antiga rua Estreita de São Joaquim, pouco antes do seu alargamento e prolongamento até o largo de Santa Rita. Tenho saudades da antiga rua Estreita — escreveu Vieira Fa zenda . Recordações da mocidade do tempo do Colégio Pedro II. Era o caminho favorito de grande número de colegiais. Princi palmen te para apreciarem os trabalhos de desobstrução da antiga vala (atual rua Uruguaiana), que, feita uma vez por ano, durava longos meses. Num sobradinho de janelas de peitoril da rua Estreita residia uma tal Joaninha, “Dulcinéia” de certo professor do Colégio. Um belo dia, teve este, em plena aula, ligeira síncope. Acodem os discípulos e um deles, no meio do sarilho, ou por ingenuidade ou por malícia, lembra-se de correr a uma das janelas para que a Joa ninha viesse socorrer o que estava morrendo! A moça teve o bom senso de não atravessar a rua . 0 pro fessor restabeleceu-se e soube do fato Jurou reprovar o rapaz. Êste agarrou-se à própria Joaninha e, por muito favor, passou “sim plesmente” ...
TABULETAS DE BONDE
niigamente, os bondes anunciavam o seu destino por meio de uma pequena tabuleta de vidro colocada no canto do carro, chapeada de chumbo e com as letras recortadas, por trás da qual se colocava, à noite, um fumarento lampião de querozene. Os bondes mal se distinguiam ao aproxi mar-se e, não raro, essas tabuletas davam penosa maçada, não só ao condutor, que as tinha de limpar da fumaça no fim de cada via gem, como aos passageiros, quando acontecia sairem respingados de querozene. ! ! Veiu a “Light” e introduziu um processo muito mais prático e engenhoso: uma caixa quadrilonga, colocada no tejadilho dos veículos, com a face da frente envidraçada e um carretel interno rotativo, em que se enrolavam os diferentes dísticos ( Tijuca , “Ponta do Cajú”, etc.) . Por meio de uma pequena manivela, o motorneiro, ao chegar ao ponto final da linha, auxiliado por um espelhinho, sem abandonar o seu posto, ia girando a fita até ver pro jetar-se no espelho o dístico da volta. À noite, uma lâmpada elé-
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trica, colocada por trás da face envidraçada, projetava-se através das letras brancas da tabuleta, que era preta, e fazia com que os passageiros os distinguissem a regular distância. . Pois êste aparêlho foi causa, em 1916, de um rumoroso plei to judicial: o Sr. Nicoláu Vicente Álvares requereu ao Juiz da 3.a Vara Criminal busca e apreensão dessas tabuletas, alegando que elas constituíam objeto de uma invenção sua, com o nome de “Indicador Rotativo’’, privilegiada desde 22 de outubro de 1907 sob n. 5.120 e, mais tarde, ampliada sob o n." 5.120-A, em 17 de junho de 1909. A busca foi deferida e, no dia 28 de fevereiro daquele ano de 1916, os peritos Drs. Lacerda Coutinho e Carlos Netto, acompa nhados do advogado Dr. Silveira Netto, oficiais de justiça e o es crivão Cap. Oséas Esteves de Jesus, dirigiram-se aos escritórios da companhia canadense, à avenida Marechal Floriano, e, no andar térreo, onde estacionavam alguns bondes, procederam à retirada da tabuleta do carro n. 466. Lavrado o auto de apreensão, foi desmontado o aparêlho e removido para o Cartório, assistindo à diligência o advogado da empresa, Dr. Radagazio Momz Freire. Cá fora, na rua, populares já sabiam do ocorrido e comen tavam : -— “ Antão, bai par alizar o tráfego dos vondes?” — Com certeza. I odos os bondes têm tabuleta; logo. . . — “Hom’essa! E dispois a gente bai ficar sem saver para onde bai”... O Sr. Nicoláu Álvares propôs, a seguir, queixa-crime contra a “Light”. Esta, porém, negando peremptoriamente que os seus aparelhos fossem idênticos àquêles que constituíam o privilégio do querelante, requereu uma vistoria, a fim dos peritos dizerem se en contravam semelhança entre os mesmos. Os peritos foram nomeados e, no dia 17 de abril, após detido estudo, o Juiz Dr. Campos Tourmho exarou nos autos o seguinte despacho, pondo fim à questão: “Dados os têrmos do laudo em que os peritos afirmam que a leitura por êles feita nos memoriais de fls. permite concluir que não há igualdade decisiva entre o aparêlho privilegiado e o apreen dido, ficando de parte as pequenas coincidências por não constituí rem privilégio e, assim, não havendo objeto para o procedimento criminal, deixo de receber a queixa”.
PRIMEIROS AUTOMÓVEIS
primeiro automóvel de passageiros que apareceu no Rio de Janeiro foi o do grande orador e jornalista da Abo-' lição, José do Patrocínio, por volta de 1895 . Movido a vapor, com fornalha, caldeira e chammé, o bisonho e estrepitoso veículo, importado da França, constituiu uma grande novidade. Guiava-o o próprio redator da “Cidade do Rio”, assustando os muares dos carros e dos bondes. Durante semanas rodou esse automóvel pelas ruas estreitas da cidade, com o seu estridente ruído, aos trancos e solavancos, em permanente dansa de São Guido . Certo dia, o poeta Olavo Bilac, que aprendia com Patrocínio a difícil "arte de dirigir”, levou o engenho contra o tronco de uma árvore, na Estrada Velha da Tijuca, inutilizando-o. Patrocínio ficou desolado; Bilac, ao contrário, gabava-se de ter sido o precur sor dos desastre? de automóvel no Brasil.
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Vieram, depois, o “Decauville” de Fernando Guerra Duval e, mais tarde, o “Pic-Pic” ou “Pope” do capitão Cardia. 0 primeiro em agosto de -1900 e o segundo em 1901 . Se considerarmos que o carro de Patrocínio era movido a va por, podemos dizer que o “Decauville” de Guerra Duval foi ver dadeiramente o primeiro automóvel acionado a motor de explosão que correu no Rio de Janeiro. Não tinha capota; o motor era de dois cilindros; o escapamento livre, pois não existia ainda o “si lencioso”; em vez do volante tinha um guidon parecido com os das bicicletas, e o combustível era a benzina que se adquiria nas drogarias. Foi, também, o primeiro carro entrado no Brasil como ba gagem”. E não pagou direitos aduaneiros, porque a tarifa alfan degária daquela época não cogitava de automóveis. . . A fotografia mostra êsse carro na cidade serrana de Petrópo lis, para onde foi transportado, em 1901, numa prancha da Leopoldina Railway. Vêem-se, entre outras pessoas, seu feliz proprie tário, o então estudante de engenharia Fernando Guerra Duval (de branco, à esquerda), sua irmã Sra. Thomas Dawson (no veículo) e Raul Barbosa, também estudante de engenharia (de chapéu de coco) . Quanto ao primeiro automóvel licenciado pela Prefeitura do Distrito Federal, no dia 29 de agosto de 1903, pertenceu ao Dr. Francisco Leite de Bittencourt Sampaio.
ENERGIA HIDRO-ELÉTRICA
m princípios de 1904, o jovem advogado canadense Ale xander Mackenzie (mais tarde agraciado com o título de 'Cavaleiro-Comandante da Ordem do Império Bri tânico”), animado pelas excelentes disposições do então Presidente da República, Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves, e do Prefeito do Distrito Federal, Dr. Francisco Pereira Passos, no to cante aos melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro, pensou em organizar uma empresa que agrupasse os serviços de iluminação pública, viação e força motriz, para sua maior harmonização. Nesse sentido, conferenciou com o Prefeito Passos, a quem expôs detalhadamente o seu plano. < 0 projeto mereceu, desde logo, a aprovação de S. Excia., bem como dos altos poderes da República, a quem também afetava sua execução . Confiado nisso, Mackenzie embarcou para o Canadá e, com o apoio do grupo de capitalistas, por cuja iniciativa já se havia or ganizado a São Paulo Light & Power Company, fundou, em Toron-
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to, no dia 9 de junho de 1904, a empresa que é hoje a Companhia de Carris, Luz e Fôrça do Rio de Janeiro, Ltda. (ou a “Light”, como é popularmente conhecida) . A seguir, retornou a esta Capital e, a 28 de dezembro do mesmo ano, requereu ao Ministro da Viação, Dr. Lauro Severiano Muller, a necessária autorização para o seu funcionamento no Brasil. Entretanto, antes de obtida essa autorização, isto é, a 7 de ja neiro de 1905, Mackenzie adquiria, em seu nome pessoal, a conces são outorgada em 1899 a William Reid, para o fornecimento, no perímetro do Distrito Federal, de energia elétrica gerada por fôrça hidráulica, destinada a ser aplicada como fôrça motriz e para ou tros fins industriais. E, pouco depois, assinava com o Govêrno do Estado do Rio de Janeiro acordo para a exploração industrial ida energia elétrica da cachoeira do Ribeirão das Lajes, na conformi dade da legislação estadual então vigente. Concedida pelo Decreto n.‘ 5.539, de 30 de maio de 1905, autorização à Companhia para funcionar na República, requereu Alexander Mackenzie a transferência para a nova empresa dos di reitos e obrigações resultantes da concessão William Reid; da mes ma forma, pediu a transferência para a Companhia dos favores que lhe haviam sido outorgados, relativamente à exploração industrial da energia elétrica do Ribeirão das Lajes, o que foi concedido pelos Têrmos de 16 de outubro e 16 de dezembro do mesmo ano. Durante a construção da usina do Ribeirão das Lajes, cujas obras foram iniciadas em dezembro de 1905,. instalou a “Light” uma unidade provisória de 3.400 HP para fornecer fôrça motriz destinada a atender às necessidades das próprias obras e para dis tribuição na cidade do Rio de Janeiro, através das linhas de trans missão de 81 kms. de extensão. Foi, assim, que, desde o dia 19 de março de 1907, já se utilizava nesta Capital a energia derivada do Ribeirão das Lajes, na iluminação pública e particular e na tra ção dos bondes das companhias Carioca e Vila Isabel. A primeira das seis unidades da usina central (9.000 HP) entrou em funcionamento a 22 de janeiro de 1908 e, em junho, já funcionavam todas as unidades com a produção máxima de 54.000 HP. A usina foi oficialmente inaugurada no dia 14 de fevereiro dêsse ano. A fotografia mostra o início das obras da barragem do Ribei rão das Lajes, para armazenamento de 182 milhões de metros cúbi cos dágua, capacidade esta, hoje elevada a mais de 1 .000 milhões de m4.
POSTO CENTRAL DA ASSISTÊNCIA
Assistência Pública Municipal foi criada para prestar so corros médicos aos necessitados, feridos, afogados e quaisquer vítimas de acidentes na via pública. So mente em 1904, porém, saiu da letra do Regulamento para o ter reno da realidade, cabendo ao Prefeito Francisco Pereira Passos a iniciativa da organização e aparelhagem de um serviço tão útil.
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0 primeiro Pôsto Central da Assistência foi instalado no pré dio construído especialmente para esse fim, à rua do Camerino, es quina de Senador Pompeu (hoje ocupado pejo Laboratório Bromatológico e Hospital Eduardo Rabelo) . Inaugurou-o o sucessor do Prefeito Passos — General Francisco Marcelino de Souza Aguiar — a 1.° de novembro de 1907. Nêsse dia, desde pela manhã, grande multidão se aglomerava em frente ao próprio municipal, no alto do qual tremulava o pavi lhão nacional. Às 2 horas da tarde, chegou no seu “landau” o Dr. Afonso Augusto Moreira Pena, Presidente da República, acompanhado do Coronel Mendes de Moraes, chefe da sua Casa Militar, e do Prefei to Souza Aguiar, sendo os ilustres visitantes recebidos à porta do estabelecimento pelos Drs. Torres Cotrim e Paulino Werneck, res pectivamente diretor de Higiene e Assistência Pública e chefe do 2. Distrito Sanitário desta Capital, pelo Dr. Alfredo Pinto, chefe de Polícia, Dr, Mendes Tavares, presidente do Conselho Munici pal, alguns deputados, vereadores e outras pessoas gradas. Nessa ocasião, uma banda de música postada no pátio central do edifício executou o Hino Nacional. O Dr. Afonso Pena começou logo a sua visita pela sala de operações, situada no andar térreo, percorrendo-a detidamente, acompanhado pelo Dr. Cotrim, que lhe dava todos os informes so bre as instalações. Esta sala dispunha de um completo arsenal cirúrgico, mesa de operações e tudo quanto era exigido pela mo derna ciência médica. Em seguida, o Presidente da República e os demais visitantes dirigiram-se para o páteo posterior e, na garage, inspecionaram as três ambulâncias e os dois automóveis para o serviço de transporte dos médicos. Retirou-se, pouco depois, o Dr. Afonso Pena, satisfeito com o novo serviço, cuja indiscutível necessidade de há muito se fazia sentir nesta Capital. A fotografia mostra o primeiro automóvel-ambulância que cir culou no Rio de Janeiro . Era equipado de duas camas-padiolas ou macas portáteis, que podiam ser retiradas para recolherem o feri do ou doente, contando ainda com os apetrechos indispensáveis aos primeiros curativos. As vítimas eram acudidas no próprio lo cal; somente nos casos mais graves, ou quando exigiam interven ção cirúrgica, é que eram levadas para o Pôsto de Assistência, sen do, daí, transportadas para os hospitais públicos ou particulares, onde ficavam internadas. Estas ambulâncias eram, entretanto, chamadas para tudo: dor de dentes, resolver bate-bocas em família, etc.
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GÊLO E SORVETE
oncedido pela Carta Imperial de 3 de agosto de 1833, a Giacomo Alessi e Manoel Peman, privilégio exclusivo por quinze anos para o comércio de gelo no Império, no ano seguinte chegava ao Rio de Janeiro, pela primeira vez, um carregamento dessa mercadoria, procedente dos Estados Unidos. Tratava-se de gêlo natural, vindo nos porões das embarca ções, envolto, cuidadosamente, em espessas camadas de serragem. Aqui desembarcado, foi remetido para as bandas de Santa Luzia, sendo imediatamente enterrado em covas profundas feitas na ter ra, onde se conservou durante quatro ou cinco meses com perda de apenas 30 ou 40%. O gêlo, a princípio, não foi muito bem recebido pelo carioca: parecia que lhe queimava a boca. . . Quanto ao sorvete, fabricado logo que aqui apareceu o gêlo, deu motivo a um fato que provocou, naquêle mesmo ano de 1834,
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grande indignação: o Ministro do Império, Aurehano de Souza e Oliveira Coutinho, Visconde de Sepetiba, numa faustosa recepção em sua residência, despendeu, só em sorvetes, nada menos de 2005000! Os jornais oposicionistas tiveram no “escândalo” do Visconde assunto por muitos dias... Luiz Edmundo informa ter sido o italiano Luiz Bassini o pio neiro no comércio de gêlo e de sorvetes nesta Capital. O seu “Café do Círculo do Comércio’’, situado na rua Direita (atual rua Primei ro de Março), além de excelentes sorvetes, servia refrescos de toda a espécie. A glória e a fama dessa primeira sorveteria no Rio de Janeiro -—- é ainda Luiz Edmundo quem conta — só terminaram com a inau guração do “Hotel do Norte”, situado na mesma rua, mais próxi mo. porém, da igreja do Carmo. Fundara-o outro italiano. Antô nio Franzione, que, pouco depois de inaugurado o estabelecimen to, afixou na fachada uma vistosa tabuleta, onde se lia: “Antônio Franzione — Sorveteiro de SS.MM. Imperiais”. De fato, D. Pedro II, não raro, nos dias de canícula, em com panhia da Imperatriz, em sala especial, ali ia saborear o seu sor vete . A especialidade da casa era sorvete ou refresco de pitanga, colhida nos “desertos” arenosos do Leme, Copacabana e.Ipanema. O caju, a carambola, a manga, o abacaxi e a laranja não conse guiam disputar a preferência que todos davam àquele fruto ácido de exótico sabor. Durante muito tempo foi o “Hotel do Norte” o ponto chic da sociedade carioca. Ali se reuniam, diariamente, os políticos, litera tos, artistas e boêmios da época. A fotografia mostra uma sorveteria já do começo do nosso século. Com se vê, não era hábito tirar o chapéu em público. . .
FLUMINENSE FOOTBALL CLUB
ão se pode precisar ao certo a data em que começou a prática do football entre nós. Presume-se que tenha sido por volta de 1886, entre membros da colônia inglêsa de São Paulo. Dois anos depois, foi ali fundado o “São Pau lo Athletic Club”, cujo primeiro “ground” se instalou na antiga Chácara Dulley, em Bom Retiro. Mas, ou fosse pela pouca comunicabilidade natural dos ingleses, ou por outras quaisquer causas, o certo é que, durante cerca de dez anos, o football foi exclusivãmente praticado por eles. No Rio de Janeiro, coube a Oscar Cox a iniciativa de sua ado ção, datando de 1897 a primeira tentativa para formação de um “team” de brasileiros. Em face, porém, da inexistência de um campo apropriado e, principalmente, pela falta de adeptos desse esporte, a bola que fora por êle mandada vir da Europa pouca apli cação teve. ' ; Cox, entretanto, não desanimou e, quatro anos mais tarde, conseguiu formar um conjunto, o primeiro no gênero organizado no
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Rio: Clyto Portella, goal-keeper; Victor Etchegaray e Walter Schuback, backs; Mário Frias, Oscar Cox e Mac Naegely, halves; Horácio da Costa Santos, E. Moraes, Luiz Nóbrega, Júlio Moraes e Felix Frias, forwards. 0 primeiro jogo foi disputado em Niterói, na manhã do dia 1 de agosto de 1901, contra os ingleses do “Rio Cricket and Athle tic Association’’, terminando a peleja com um honroso empate de 1x1, “goals” de Júlio Moraes e Robinson. Assistiram a êste en contro apenas dezessete pessoas: onze tenistas que acidentalmente estavam na sede do Rio Cricket, quatro espectadores que seguiram especialmente desta Capital e dois indivíduos desconhecidos. Os quatro espectadores — os primeiros “torcedores” cariocas — fo ram o Sr. Etchegaray, pai de Victor; a senhorita Etchegaray, irmã do mesmo; Mário Rocha e Domingos Moitinho. No ano seguinte, achando Oscar Cox que já se fazia necessá rio constituir uma agremiação brasileira dedicada ao “nobre espor te bretão” (o vulgo pouco se incomodava em trocar o “britânico ’ por “bretão”), reuniu um grupo de amigos e, no dia 21 de julho de 1902, na residência do Sr. Horácio da Costa Santos, na rua Marquês de Abrantes n. 51, fundaram o Fluminense Football Club. Compareceram a essa memorável reunião os Srs. Horácio da Costa Santos, Mário Rocha, Walter Schuback, Féhx Frias, Mário Frias, He rá dito de Vasconcelos, Oscar A. Cox, João Carlos de Mello, Domingos Moitinho, Luís da Nóbrega Junior, Arthur Gibbons, Vir gílio Leite, Manoel Rios, Américo da Silva Couto, Eurico de Moraes, Victor Etchegaray, A. C. Mascarenhas, Álvaro Drolhe da Costa, Júlio de Moraes e A. H. Roberts. Foram todos considerados sócios fundadores, sendo Oscar Cox proclamado presidente. Assim nasceu o primeiro clube de football carioca. A fotografia mostra o campo do Fluminense tal como era an tigamente, vendo-se ao fundo a antiga rua Guanabara, hoje Pinhei ro Machado. O prédio assobradado à direita era a residência de Coelho Neto. Como curiosidade da época, note-se o uniforme dos jogadores: calção abaixo dos joelhos, camisa de mangas arregaça das e casquete na cabeça.
AVENIDA CENTRAL
Avenida Central foi construída pelo Govêrno Federal, sob a direção do en genheiro André Gustavo Paulo Frontm. As obras tiveram início no dia 8 de março de 1904; em ju lho foi franqueado ao público o primeiro trecho, da Prainha (atual praça Mauá) à rua do Ouvidor; em setembro, estava completa mente rasgada em toda a sua extensão de 1 .800 metros, e, em fevereiro de 1905, ]á demolidas todas as casas, procedeu-se ao ni velamento do terreno. No dia 25 de março, inaugurou-se o primeiro prédio ah cons truído, onde está hoje a Tabacaria Londres; a 1. de outubro, ergueu-se o primeiro dos 55 postes de iluminação elétrica e plantouse a primeira árvore de páu Brasil, e, a 5 de novembro, imciou-se o calçamento a mosaico dos passeios laterais, trabalho feito poi operários mandados vir expressamente de Lisboa. Finalmente, no dia 15 de novembro de 1905, após 20 meses e 7 dias, foi solenemente inaugurada pelo Presidente da República, Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, e entregue ao tráfego pú blico .
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Foram demolidas 641 casas e arrazadas duas abas de morro, despendendo-se pouco mais de 40.000 contos de réis. Conta o historiador Ferreira da Rosa que a Avenida Central teve esta denominação por não terem consentido que lhe fossem dados os seus nomes, nem o Dr. Rodrigues Alves, nem o Dr. Lauro Muller, então Ministro da Viação. Tomou a atual denominação de avenida Rio Branco no dia 10 de março de 1912, data do faleci mento do Barão do Rio Branco. Na fotografia veem-se o quarteirão compreendido entre as ruas S. José e Assembléia e, mais adiante, o torreão do antigo edi fício do “0 País”. 0 “arranha-céu” do “Jornal do Brasil” não havia sido ainda construido. O prédio de quatro pavimentos na esquina da rua S. José, onde funcionou o magazin “A Exposição”, foi recentemente des truído por incêndio. 0 prédio contíguo, de cinco pavimentos, é a Tabacaria Londres. Consta que o terreno desse primeiro pré dio da Avenida custou 20 contos e a construção 140.
ÜLTIMO BONDINHO DE BURROS
or incrível que pareça, houve bondes puxados a burros, em plena Capital da República, até o ano de 1928. Pertenciam à extinta “Linha Circular Suburbana de Tramways’’ e faziam o percurso entre os subúrbios de Madureira e Irajá. A primitiva concessão fora outorgada ao engenheiro Manuel Antônio da Silva Reis, ao coronel Júlio Braga e ao Barão de Santa Cruz, pelo Decreto municipal n.° 1 .054, de 21 de novembro de 1905, sendo o respectivo contrato firmado com a Prefeitura em 28 de setembro de 1906. No mês seguinte, os concessionários já estavam procurando negociar no estrangeiro a venda e transferência da concessão. Nesse sentido, firmaram, em 19 de maio de 1910, contrato com a firma “Atlas Investment Corporation Ltd. ”, de Londres, pelo qual foi esta autorizada a organizar — como de fato organizou — uma
companhia com o nome de “Rio de Janeiro Suburban Tramway, Limited”. Conquanto não se tivesse verificado a transferência da concescessão para esta empresa, nem tampouco houvesse a mesma obti do autorização para operar no Brasil, conseguiu levantar no mer cado europeu um empréstimo por debentures no valor de £ 325.000. A êsse tempo, a empresa, por intermédio do “Banque Suisse pour le Commerce Étranger”, mandava para cá os empreiteiros Thompson-Houston, de Paris, para executarem as obras necessá rias à inauguração do tráfego a que se obrigára a Linha Circular Suburbana de Tramways, a fim de evitar que a concessão caducasse. Nesse ínterim, surgem várias questões possessónas propostas pela “Light”, fundadas no seu Contrato de Unificação de Bondes, de 6 de novembro de 1907. Mas, apesar de todos êsses percalços e contratempos, cons truiu-se a linha num pequeno trecho de 5.700 metros, maugurando-se o respectivo tráfego no dia 28 de setembro de 1911. Nesse dia, às 2 horas da tarde, presente grande número de pes soas nas proximidades da estação de Magno, da Linha Auxiliar da E.F.C.B., convidou-as o Barão de Santa Cruz, concessionário do serviço, para tomarem lugar no bondmho, que era um dos da an tiga Cia. de Carris Urbanos. Repleto o veículo, seguiu êle em di reção à freguezia de Irajá e, após uma viagem de 40 minutos, che gava ao largo da matriz de Irajá, garndamente enfeitado com ban deiras e galhardetes. Recebidos os convivas pelo Vigário da fre guezia, padre Januário 1 ornei, dirigiram-se todos para a sua resi dência, onde foi servida lauta mesa de doces. Seguiu-se a essa inauguração uma luta judiciária prenhe de in cidentes e imprevistos, que se prolongou por muitos anos. Finalmente, em 28 de março de 1928, sendo transferida a concessão para a “Light”, tratou esta Companhia de substituir a tração animada pela elétrica. Assim, no dia 26 de junho dêsse mesmo ano, maugurou-se, em tempo “record , o primeiro trecho eletrificado, do largo de Madureira à rua Lima Drummond, e no dia 12 de outubro, o trecho final até à praça de Irajá. O melhoramento foi recebido com o maior entusiasmo pelos moradores dos subúrbios, pois os bondmhos de burros já não sa tisfaziam às necesidades do público. A linha estava em péssimo estado e, constantemente, os passageiros dos pequenos veículos, puxados por muares esqueléticos e famintos, tinham que saltar para repô-los nos trilhos de onde, com facilidade, saiam novamente. . . A fotografia mostra um dêsses bondes, que foram os últimos de tração animal a desaparecerem do Rio de Janeiro.
ILUMINAÇÃO ELÉTRICA DA RUA DO OUVIDOR
nota predominante na noite de sábado, 18 de fevereiro de 1911, no Rio de Janeiro, foi, sem dúvida alguma, a inauguração da iluminação elétrica na rua do Ouvi dor . Nem se podia compreender que a tradicional artéria, onde o “snobismo” carioca pontificara desde os tempos em que nela
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morava o ouvidor-mor da Comarca, continuasse sob a luz mortiça dos combustores a gás de 1854, enquanto nas outras ruas uma or gia de luz deslumbrava a vista do transeunte. A cerimônia da inauguração, que se revestiu de toda a soleni dade, teve lugar às 8 1/2 da noite, com a presença do Dr. José Joaquim Seabra, Ministro da Viação, do Dr. Otto de Alencar, Ins petor Geral da Iluminação, e grande número de pessoas. Àquela hora, o Dr. Otto de Alencar fêz acender, simultanea mente, todas as lâmpadas, que eram em número de 26 e tinham a torça de 500 velas cada uma. Devido à estreiteza da rua, foram elas suspensas em arcos presos às paredes dos prédios em cada lado, distando um arco do outro cerca de 6 metros e tendo cada um deles uma lâmpada ao centro. Depois de todas acesas, “inundando a mais genuína das ruas cariocas num banho de luz suave e feérico’’, o Dr. J. J. Seabra e as demais pessoas que o acompanhavam percorreram a pé êste logradouro a fim de melhor observarem o efeito da nova iluminação. Na altura da antiga Casa Raunier (onde é hoje a Casa Sloper), o Ministro recebeu uma braçada de flores de um grupo de senhoras. Rumaram todos, depois, para a Confeitaria Pascoal, onde, no salão de banquetes os proprietários desse estabelecimento lhes ofe receram champagne. Pelo Dr. Faria Rocha, diretor interino dos Correios, foi então brindado o Ministro da Viação pelo melhoramento que acabava de inaugurar. S. Excia. agradeceu, declarando que o aludido me lhoramento era devido prmcipalmente ao Inspetor da Iluminação e ao Sr. Alexander Mackenzie, diretor da “Light”, também ali presente. A fotografia mostra um trecho da rua do Ouvidor, no começo do século.
QUEIMA DE QUIOSQUE
16 de novembro de 1906, ou seja no dia em que o Dr. Francisco Pereira Passos transmitia o govêrno muni cipal ao novo prefeito, General Francisco Marcelino de Souza Aguiar, o quiosque n. 124, situado junto à calçada fron teira à antiga charutaria Havaneza, na esquina da rua do Ouvidor com o largo de S. Francisco de Paula, amanheceu lin,damente orna mentado com festões de flores artificiais e bandeiras nacionais e es trangeiras . No alto, junto à cobertura, fora colocado um excelente retrato a óleo do grande Prefeito, em busto do tamanho natural e emoldurado com raro gosto, de autoria do pintor August Petit. Pa recia a todos que era realmente uma homenagem ao Prefeito que se retirava. Transeuntes paravam para vêr do que se tratava. Tudo estava assim muito festivo, quando o quiosqueiro José Gonçalves Machado entendeu de revelar a pilhéria de mau gosto que arquitetara e afinal lhe saiu bem cara: colocou sobre o quadro um desenho de uma cabeça de burro e pendurou-lhe em baixo uma
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lata com um pouco de capim. Nesta escreveu, em péssima caligra fia, uma legenda pejorativa. Era uma manifestação de acinte ao Dr. Pereira Passos, em regosijo à sua saída da Prefeitura, em virtude da campanha que movera aos quiosques durante a sua administração. Assim ficou armado o quiosque por algum tempo. Mas os transeuntes, cuja atenção era chamada para ali, paravam e repro vavam a grosseria. Pouco a pouco foi aglomerando gente em tor no da casinhola, em cujo interior o quiosqueiro, um tipo reforçado e mal encarado, armado de grosso cacete, parecia disposto a de fender a sua obra. À medida que o número de populares ia crescendo, os pro testos tomavam vulto. Já se gritava: “Retira o retrato! Retira o retrato!” 0 quiosqueiro nao queria obedecer, mas o movimento de hos tilidade estreitava o círculo em atitude ameaçadora. Afinal, re tirado o retrato, sob palmas e vivas ao Dr. Passos, a multidão, en furecida, passou a arrancar as flores e os galhardetes, a despedaçar as hastes das bandeiras e, aos gritos de “Vira! ” “Vira! ” o quios que foi por terra, com grande ruído de vidros quebrados, entre vi vas e morras, palmas e vozes de protesto. Um grito logo vibrou no seio da multidão: “Fogo! ” E, rapi damente, apareceu uma lata de querozene sem que se soubesse donde e o líquido foi despejado. Um fósforo completou o serviço e, em poucos segundos, o quiosque era uma enorme fogueira. E o que nos mostra a fotografia, tirada por Augusto Malta, poucos minutos após o incidente.
PEDRA DA MORENINHA
Pedra da Moreninha é um dos atrativos da ilha de Paquetá. Situada no fim da antiga praia dos Coqueiros (hoje praia do Pintor Castagnetto), Joaquim Manoel de Macedo imortahzou-a no seu romance "A Moreninha”, publi cado em i1844. Macedo foi médico, professor, jornalista, político militante, romancista, comediógrafo, poeta, folhetinista e historiador, alcan çando a sua bibliografia mais de quarenta volumes publicados. 0 seu romance “A Moreninha” fêz época, celebrizando aque la pedra, onde tiveram lugar as principais cenas de amor da heroi na do livro. » Com o tempo, a Pedra da Moreninha passou a ser mais conhe cida e comentada do que o próprio romance de Macedo. "Na ver dade, diz Castão Cruls, há mais encantos na paisagem rude que a
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cerca, no panorama que dela se descortina, do que nas páginas por que se arrastam as pieguices e os desfrutes da heroina de Macedo” . Ainda no começo deste século, muitos forasteiros e turistas que iam em visita a Paquetá pediam licença à família que morava naquela praia para entrarem na chácara e verem a famosa pedra . A Prefeitura acabou desapropriando o imóvel e o Serviço do Patri mônio Histórico e Artístico Nacional tombou a Pedra da Moreninha. Há uma lenda, segundo a qual a moça casadoira que atira para cima dela uma pedrinha e esta fica onde cái, pode ter a certeza de que se casará dentro em um ano. Se, ao contrário, a pedrinha rolar e cair, a moça joga outra e, assim sucessivamente, até que uma fique. Tantas pedrmhas roladas e perdidas, tantos anos de solteira...
INCÊNDIO DA ESTAÇÃO TELEFÔNICA
a noite de 9 de março de 1906, caía sobre a cidade uma chuva impertinente. Esvaziavam-se as casas de di versões e os transeuntes, a passos rápidos, demanda vam as suas residências, atravessando as praças e ruas enla meadas . Era quase meia-noite, quando, de repente, um grande clarão surgiu por cima dos telhados das casas do largo do Rossio (atual praça Tiradentes), subindo ao céu enormes labaredas: irrompera violento incêndio no prédio número 45 (hoje 41) . Era alí a estação central da companhia telefônica “Brasilianische Elektricitas Gesellschaft”. O serviço fora inaugurado em setembro de 1898, funcionando a primitiva estação na travessa de São Francisco de Paula (atual rua Ramalho Ortigão) . A 3 de novembro de 1899, mudara-se para o prédio do largo do Rossio,
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também ocupado pelos escritórios da companhia de bondes “da Vila Isabel”. 0 fogo, sem se saber como, manifestara-se em um pequeno sótão de madeira que dava para o lado posterior do telhado, junto a um gradeamento retangular de ferro, por onde deseja, para as mesas telefônicas, a rede condutora dos assinantes. Como as comunicações telefônicas eram atendidas somente até às dez horas da noite, já não havia mais ninguém no edifício, a não ser um porteiro que nada pôde fazer. Os bombeiros acudiram logo, mas, devido à falta dágua, as chamas espalharam-se com espantosa rapidez. Somente às duas horas da madrugada foi extinto o fogo. Em consequência, ficou a cidade sem serviço telefônico du rante sete meses, pois a estação incendiada era a única que existia no Rio de Janeiro. Reconstruído o prédio e instalada a nova estação com uma mesa de ligação para 4.900 linhas do tipo mais aperfeiçoado è ‘‘bateria central”, mandada vir especialmente dos Estados Unidos, foram também substituídos os antigos aparelhos de manivela por outros mais modernos, em que bastava o assinante tirar o fone do gancho para ser atendido pela telefonista. . 0 serviço, assim melhorado, foi restabelecido em setembro desse mesmo ano de 1906, com 1 .500 assinantes. No ano seguin te, após ativa propaganda da empresa, houve um desenvolvimento considerável no serviço telefônico, aumentando o número de assi nantes para 2.680. A fotografia mostra a estação telefônica da antiga companhia alemã, na manhã seguinte ao incêndio.
AVENIDA NIEMEYER
Sts. majestosa avenida, “sôbre alcantis em que o mar es puma”, liga o bairro do Leblon à práia da Gávea. Cavada na rocha, a 35 metros acima do nível do mar, contorna o morro dos Dois Irmãos, numa extensão de 4.760 metros. i Sua construção, coleando a montanha, foi tentada, pela pri meira vez, em 1891, pela Companhia Viação Férrea Sapucaí, que obtivera do Governo Federal concessão para construir uma estra da de ferro a vapor, ligando o bairro de Botafogo ao porto flumi nense de Angra dos Reis, numa extensão de 193 quilômetros. Trechos do leito da estrada já tinham sido abertos, até a praia da Gávea, quando a Companhia de Melhoramentos da Lagoa reclamou contra o traçado dessa via-férrea, por considerá-lo preju dicial às suas obras. Intimada pelo governo a alterar o projeto, de
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forma a não prejudicar os trabalhos de saneamento daquela lagoa, desistiu a Sapucaí do empreendimento, paralizando as obras. Com o correr do tempo, os aterros foram levados pelo mar e os cortes abertos na montanha obstruídos pelo mato. Mais tarde, por volta de 1912, o diretor do Colégio AngloBrasileiro, Charles Wicksteed Armstrong, procurando melhorar o acesso ao seu estabelecimento, que ficava na antiga “Chácara do Vidigal”, não só abriu o primeiro corte no lado do Leblon, como reconstruiu todo aquele trecho de estrada abandonado, até o co légio, numa extensão aproximada de 1 ,000 metros. Pouco depois, o Comendador Conrado Jacob Niemeyer, gran de proprietário de terras na redondeza, prolongou o belíssimo ca minho até a praia da Gávea e, no dia 20 de outubro de 1916, por ocasião da celebração do Primeiro Congresso de Estradas de Ro dagem, ofereceu-o como logradouro público à Cidade. 0 primeiro trecho da Avenida Niemeyer até o Colégio AngloBrasileiro foi projetado pelo engenheiro Ricardo Feio, e o segundo, até a praia da Gávea, pelo Dr. Paulo de Frontin. Em 1920, por ocasião da visita do Rei Alberto, da Bélgica, ao nosso país, a Prefeitura alargou-a, aumentou o raio de suas cur vas e macadamizou-a. A fotografia, tirada em junho de 1919, mostra o Dr. Paulo de Frontin (já então Prefeito do Distrito Federal), acompanhado do seu irmão Almirante Pedro Max de Frontin, do Comendador Conrado Niemeyer e de vários amigos e convidados, em excursão na Avenida Niemeyer.
PAVILHÃO MOURISCO
antigo Pavilhão Mourisco, projetado pelo arquiteto Burnier, ficava no fim da avenida Beira-Mar, na práia de Botafogo. Construído pela Municipalidade, no go verno do Prefeito Passos, para servir de café-concerto, não passou de bar-restaurante. Adolfo Morales de los Rios (Filho) esclarece que o seu estilo era tipicamente neo-persa, nada tendo de mourisco, como vulgar e erradamente foi denominado. À noite, o Pavilhão era todo iluminado. No terraço, em tor no, havia mesas, onde se bebia cerveja e refrescos. Na parte in terna ficava o restaurante para os jantares e as ceatas alegres nos discretos gabinetes. . .
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A fotogiafia mostra o Pavilhão Mourisco em 1907 . 0 edi fício era coberto por um grupo de cinco cúpulas douradas. Duas escadas de mármore davam acesso às varandas no primeiro pavi mento, calçadas a ladrilho espanhol. Nas colunas ao lado das en tradas e no teto decorado viam-£*e numerosas inscrições árabes. No porão alto ficavam as cozinhas, a dispensa e a adega. A pequena construção que se vê à esquerda era o guignol , que fazia a delícia da petizada . Nas tardes de espetáculo, o teatrinho era cercado pelas crianças. À hora de subir o pano, toma vam lugares nos bancos enfileirados diante do palco, o arrecadador de níqueis procedia à sua frutuosa diligencia e o divertimento principiava, sob risadas gostosas da criançada. Nos fundos do teatrinho havia um carrossel e um rinque de patmaçao . . ..1 * Desaparecido há pouco pela ação da picareta civilizadora, o Pavilhão Mourisco há de ter deixado saudades em muita gente.
NOVA FÁBRICA DE GÁS
m virtude da renovação do contrato celebrado entre o Govêrno e a “Société Anonyme du Gaz”, em 1909, construiu essa empresa uma nova fábrica de gás, em São Cristóvão, em substituição à antiga, “do Aterrado”, instalada no Mangue, há cem anos, pelo Barão de Mauá. No dia 23 de junho de 1911, reahzou-se a primeira experiên cia oficial do fabrico de gás nessa nova fábrica. À 1 hora da tarde, presentes o Dr. José Joaquim Seabra, Mi nistro da Viação, General Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, Pre feito do Distrito Federal, Dr. Otto de Alencar, Inspetor Geral de Iluminação, Dr. Jerônimo Coelho, Diretor de Obras da Prefeitura, Drs. João do Rego Barros, Francisco de Castro e H. B. Harrop, respectivamente representante, advogado e engenheiro da “Socié té”, e várias outras pessoas gradas, foram inspecionadas demora damente todas as instalações e dependências da usina. Para apreciar o novo processo empregado no carregamento das retortas, os visitantes subiram à parte superior da fábrica, des cendo, depois, para verem o penoso trabalho da descarga do coque.
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0 novo gasómetro para 90.000 m de gás (dos maiores do mundo) e a chaminé da casa das caldeiras (a mais alta do Rio de Janeiro) também prenderam a atenção de todos. Em seguida, o Dr. J. J. Seabra ligou o comutador de eletri cidade e todos os aparelhos da fábrica começaram a funcionar com precisão admirável. Após este ato, a direção da “ Société ” ofereceu champanha aos presentes, fazendo então o Dr. Rego Barros uma saudação ao Ministro da Viação e ao Prefeito, agradecendo a visita com que aca bavam de honrar aquelas obras. Formulando votos pela felicida de pessoal de todos, terminou levantando a sua taça em honra do Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca. Em nome do Governo, respondeu, agradecendo, o Ministro da Viação, acentuando que aquela inauguração “marcava um passo gigantesco no progresso rápido da nossa cidade”. Às 2 horas da tarde, retirou-se S. Excia., levando as melho res impressões da nova fábrica, cujo aparelhamento reunia, na verdade, tudo o que de mais moderno e aperfeiçoado existia na in dústria do gás.
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BONDE ELÉTRICO
onsta que foram os ingleses, em 1848, os primeiros a substituir a tração animal dos bondes pela tração me cânica . Naquêle ano, circulou em Bristol um desses veículos, puxado por máquina a vapor, transportando 60 passageiros. Em 1877, foi introduzido em Nantes, na França, um bonde em que se empregava o ar comprimido como força motriz. Os bondes a vapor foram também experimentados em Paris, em 1878, por Bollée e Dalifol, mas sem resultado . Nessa cidade, a tração animal só foi substituída pela mecânica, em 1889, pela adoção do bonde a vapor, movido pelo sistema “Rowan”. Daí por diante, essa substituição fez-se lentamente, adotando-se siste mas diferentes. 0 maior aperfeiçoamento, porém, foi a aplicação da eletrici dade, o que se verificou, pela primeira vez, em Paris, em 1881, onde o carro elétrico circulou nos Campos Eliseos, em volta da Ex posição Internacional de Eletricidade. Esta experiência e a dos
acumuladores elétricos ensaiados em 1882 não deram o resultado tão ardentemente desejado por todos, mas próximo estava o dia em que a energia elétrica viria substituir defimtivamente a tração ani mal e a tração a vapor. Finalmente, em 1884, apareceu em Cleveland, nos Estados Unidos, o primeiro bonde elétrico, propriamente dito. Dêsses veículos, o que circulou, pela primeira vez, no Rio de Janeiro e em toda a América do Sul, foi o carro n.° 104, sistema “Robinson”, radical, de 4 rodas, da Companhia Ferro-Carril do Jar dim Botânico, na tarde do dia 8 de outubro de 1892. A sua inauguração foi um acontecimento sensacional: condu zindo o Vice-Presidente da República em exercício da Presidência, Marechal Floriano Peixoto, o seu Estado Maior, o Ministro da Ma rinha, Almirante Custódio José de Melo, deputados, os intenden tes municipais Silveira Lobo, Adbon Milanez, Siqueira de Menezes e França Leite, representantes da imprensa e diversos convidados, partiu este bonde, sob os aplausos do povo, pouco depois das 1 3 horas, da curva do antigo Teatro Lírico, subiu a rampa da rua Se nador Dantas, deslisou suavemente pela rua do Passeio, cáis da Lapa, práias do Russell e do Flamengo e, 12 minutos depois, entra va na usina têrmo-elétrica da rua Dois de Dezembro. Percorreram, então, os visitantes, todas as dependências da usina, rumando, em seguida, para o escritório da Companhia, na estação do largo do Machado, onde lhes foi servido um “copo dá gua”, durante o qual trocaram-se diversos brindes, sendo vivamente cumprimentado o gerente da emprêsa, Dr. José de Cupertino Coelho Cintra,/ “o eletrificador da viação urbana carioca” . o A fotografia, tirada nêsse memorável dia, mostra, da esquerda para a direita, junto ao carro n.° 104, o engenheiro Antônio Leite Chermont, o mecânico-eletricista norte-americano James Mitchell, o Dr. Coelho Cintra, o Almirante Custódio José de Melo, o Mare chal Floriano Peixoto, o Barão Ribeiro de Almeida, presidente da Companhia Jardim Botânico, e o capitão Eduardo Silva, ajudante de ordens do Presidente da República.
EXCURSÃO À TIJUCA
o dia 12 de outubro de 1903, o Presidente da República, Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, a convite do Prefeito do Distrito Federal, Dr. Francisco Pereira Passos, fêz uma excursão à Tijuca, onde assistiu à inauguração do jardim do Alto da Bôa-Vista. Acompanhado de suas filhas, as senhoritas Noemia e Maneta, e de seu secretário particular, Dr. Rodrigues Alves Filho, o Presi dente^ encontrou-se com o Prefeito no largo de São Francisco de Paula às 9 horas da manhã. Aí tomaram um bonde de luxo da Cia. de São Cristóvão, cujos cocheiros e condutores trajavam sobrecasaca. Às 9,45 h. chegaram à “Junção do Elétrico”, onde baldea ram para o trem elétrico da antiga Estrada de Ferro da Tijuca. A viagem até ao Alto da Bôa-Vista correu alegre, no meio de animada palestra. Faziam parte da comitiva o Marechal Francisco de Paula Argollo, o General Hermes da Fonseca, o Conde de Figuei-
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redo, deputados Melo Matos, Cassiano do Nascimento, Gastão da Cunha e Anísio de Abreu, Conselheiro Camelo Lampreia, Drs. Me deiros e Albuquerque, Monteiro Lopes, Nascimento Silva, Leopol do Bulhões, Chefe de Polícia interino, e outras pessoas gradas. A praça no Alto da Bôa-Vista estava repleta de gente, rece bendo os ilustres visitantes os cumprimentos das famílias mais im portante da localidade. Depois de percorrido o belo jardim e inaugurado o novo lo gradouro, o Dr. Pereira Passos convidou o Presidente da República a tomar lugar na carruagem posta à sua disposição, fazendo o mes mo às demais pessoas da comitiva, que seguiram em oito carros. Após longa viagem chegaram ao lugar conhecido por “Mesa do Imperador’’, assim denominado por ter sido o local de refeições de D . Pedro II, quando fazia suas excursões à Tijuca. A velha mesa de pedra e o caramanchão haviam sido inteiramente restau rados . Em seguida, tomaram novamente as carruagens e rumaram em direção à “Vista Chmeza’’, sendo visitados o recém-construído pa vilhão em estilo oriental e o chafariz, em que se lia a seguinte ins crição: “P.M. —Prefeito Dr. P. Passos — 17-9-1903”. ' De regresso da “Vista Chmeza’’ dirigiram-se todos ao Grande Hotel White, onde, às 13 horas, lhes foi servido um opíparo almoço. Após os discursos e trocas de brindes, o Dr. Rodrigues Alves e demais excursionistas regressaram à cidade. Na ocasião em que tomava o trem elétrico, porém, um dos convidados, o Dr. Montei ro Lopes, tropeçou e caiu num valão, o que resultou ficar todo mo lhado, além do susto por que passou. A fotografia mostra o chalé da “Vista Chmeza” já na era do automóvel, em 1906, ano em que foram licenciados 143 desses veículos no Rio de Janeiro. Três anos antes, a Prefeitura licen ciara apenas 6 automóveis, cabendo a licença n." 1 ao Dr. Fran cisco Leite de Bittencourt Sampaio. Isso foi a 29 de agosto de 1903.
METEORITO DE BENDEGO
m 1784, Joaquim da Mota Botelho comunicou ao Gover nador Geral da Bahia, dom Rodrigo José de Menezes, ter encontrado nas proximidades do riacho Bendegó, sôbre uma colma, uma “grande pedra caída do céu”, que supunha conter ouro e prata. 0 Governador determinou ao capitão-mor de Itapicurú, Ber nardo Carvalho da Cunha, que fizesse o possível para conduzir essa estranha “pedra” ao porto de mar mais próximo, donde pudesse ser transportada para a capital da província. Bernardo da Cunha tratou de desempenhar-se dessa difícil in cumbência: construiu um carretão de madeira, colocou nêle o meftaod&o q pô-lo a caminho de Aracajú, tirado por doze juntas de bois. Na descida da colina, porém, o carretão ganhou velocidade, os eixos se incendiaram e o Bendegó foi encalhar a 180 metros do lugar onde estava. Decorrido um século, em 1886, achando-se em Paris o Impe rador D. Pedro II, foi procurado por alguns membros da Academia
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de Ciências da França, que lhe pediram fizesse remover para um museu o meteorito, pois se tratava da mais volumosa massa extra terrestre de que se tinha ouvido falar. D. Pedro II prometeu pro videnciar assim que voltasse ao Brasil. Aqui chegando, chamou a palácio o Vice-Almirante José Car los de Carvalho e determinou fosse buscar o Bendegó no sertão bahiano. A 20 de agosto de 1887, este deixou o Rio de Janeiro, em com panhia dos engenheiros Vicente José de Carvalho Filho e Humber to Saraiva Antunes, chegando à Bahia três dias depois. A 27, a comissão seguiu para Alagoínhas; a 2 de setembro, para Santo An tônio das Queimadas; a 5 para a Vila de Monte Santo e a 6 chegou ao Bendegó. No dia seguinte, aniversário da Independência do Brasil, foram inaugurados os trabalhos de remoção do meteorito. Feita a exploração da zona do sertão que devia ser atravessa da, escolhida a direção do caminho a percorrer e construído o car retão, no dia 25 de novembro saiu o meteorito da margem do ria cho Bendegó, onde a primeira expedição o havia deixado há mais de um século. ; Foi árduo, pénosíssimo, o seu transporte até a estação de Jacuricí, no prolongamento da estrada de ferro da Bahia ao São Fran cisco. De forma irregular, medindo 2,15 m. de comprimento por 1,50 m. de largura e 0,66 m. de altura e pesando 5.360 quilos, percorreu o meteorito, durante 1 26 dias, mais de 1 13 quilômetros através do sertão, descendo e subindo rampas e desfiladeiros, trans pondo rios, vencendo terrenos alagados, etc. Foi uma verdadeira epopéia. Finalmente, no dia 16 de junho de 1888, chegou ao Rio de Janeiro, a bordo do vapor “Arhndo”, sendo recebido pela Princesa Isabel e seu marido Conde d’Eu. Desembarcado no Arsenal de Marinha, foi, depois, levado em sua carreta pela rua do Ouvidor até o largo de São Francisco de Paula. Na esquina, junto ao antigo Café de Java, permaneceu ex posto, durante algum tempo, à curiosidade pública. A 27 de novembro daquêle ano, foi, afinal, entregue ao Museu Nacional. O meteorito de Bendegó despertou tão grande interesse no Rio de Janeiro que até uma revista teatral apareceu com êsse título, es treando no Recreio Dramático a 25 de janeiro de 1889. A fotografia, tirada em 1887, mostra o meteorito à margem do riacho Bendegó, tendo de um lado o Vice-Almirante José Carlos de Carvalho e de outro os engenheiros Humberto Saraiva Antunes e Vicente José de Carvalho Filho. Vê-se, ao fundo, a bandeira do Império.
RUA DO PASSEIO
is a rua do Passeio, em 1906, vista do largo da Lapa. Antigo caminho da Ilharga da Ajuda, teve este logradouro, em fins do século XVIII, o nome de rua do Passeio Público. Em 1888, passou a denominar-se rua Joaquim Nabuco, mudada, em 1892, para rua do Passeio. Em 1910, vol tou a se chamar rua Joaquim Nabuco, sendo restabelecida, em 1917, a antiga denominação de rua do Passeio, que conserva até hoje. 0 prédio que se vê à esquerda, construído em 1858 em pleno reinado de D. Pedro II, era o da antiga Biblioteca Real do Rio de Janeiro, que, com o advento da República, passou a se chamar Bi blioteca Nacional. Notem-se os três globos de luz elétrica (arco-voltáico) pendu rados na fachada. Desde 1.° de julho de 1885 — por conseguinte,
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vinte anos antes da Ogeneralização o da iluminação O elétrica no Rio de Janeiro — já gozava a Biblioteca desse melhoramento, obtendo a energia de um pequeno gerador exclusivamente seu. A 15 de agosto de 1905, foi lançada a pedra fundamental do atual edifício, na avenida Rio Branco, reahzando-se a cerimônia da inauguração no dia 29 de outubro de 1910, na administração do saudoso diretor Dr. Manoel Cícero Peregrino da Silva. Mudada a Biblioteca Nacional, foi demolido o casarão da rua do Passeio, erguendo-se no local a Escola Nacional de Música. 0 prédio contíguo, que se vê ao centro da fotografia, é o do antigo Clube dos Diários, onde foi a Sociedade Cassino Fluminense. Atualmente, é ocupado pelo Automóvel Clube do Brasil. O Clube dos Diários foi fundado em Petrópolis, no ano de 1895, por um grupo de veranistas. Daí a denominação “Diários”, pois estes veranistas vinham diariamente, de manha, ao Rio, voltan do, à tarde, àquela cidade serrana. A princípio, o Clube só funcionava em Petrópolis, no Palácio Cristal, durante o verão; mas, em 1900, tendo adquirido o prédio do extinto Cassino Fluminense, passou a ter séde também no Rio. Foi uma das mais distintas sociedades recreativas do país. Esteve também nesta rua, nos baixos da casa do Conde de Barca, que ficava na esquina da antiga rua das Marrecas, a “Im pressão Régia” fundada pelo Príncipe Regente, D. João. Foi aí que, no dia 13 de maio de 1808, se imprimiu a primeira publicação oficial do Brasil, reproduzindo uma relação de despachos do Govêrno. O bondinho de burro que segue em direção do largo da Lapa é da extinta Cia. de Carris Urbanos. Vê-se, ainda, na fotografia (à direita), o arvoredo do jardim do Passeio Público, cujo gradil foi retirado em 1922, na adminis tração do Prefeito Carlos Cezar de Oliveira Sampaio.
CASA VA MOEDA
ransferida da Bahia para o Rio de Janeiro, começou a Casa da Moeda a funcionar aqui no dia 1 7 de março de 1699, instalando-se, a princípio, no prédio da an tiga Junta do Comércio. Depois de andar por vários lugares, inclusive o Palácio dos Go vernadores (atual Departamento dos Correios e Telégrafos, na pra ça Quinze de Novembro), estabeleceu-se, em 1817 , na casa do Erá rio Régio (antigo Tesouro Nacional, na avenida Passos) . Mas, como nesse prédio não havia espaço suficiente para as oficinas, tratou o Governo de levantar um amplo edifício, próprio para o fabrico das moedas. Nesse sentido, o Ministro da Fazenda, Visconde de Itaboraí, apresentou à Assembléia Legislativa, em 1853, o plano e o orçamento das obras, que foram aprovados no ano se guinte. 111 ! CE-! No dia 2 de dezembro de 1858, realizou-se a cerimônia do lan çamento da pedra fundamental do edifício da Casa da Moeda, tendo início a construção em fevereiro seguinte, quando também foram plantadas as onze palmeiras que lhe ficam defronte. Situado na face ocidental da praça da República, ocupa o pa lácio da Moeda uma área de 2.000 metros quadrados. Foi or çado em 980 contos de réis, mas custou mais do dobro.
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0 edifício de dois pavimentos, cuja planta é de Teodoro de Oliveira, apresenta uma imponente fachada em estilo néo-clássico, constando de um corpo central revestido de cantaria, dois torreões com três janelas em cada pavimento e dois corpos intermediários com quadro janelas em cada andar« 0 corpo central é decorado, no primeiro pavimento, com pilares e colunatas de granito da ordem dórica romana e, no segundo, com pilares e colunatas da mesma espécie, mas da ordem jónica, terminando por um entablamento da mesma ordem. A Casa da Moeda mudou-se definitivamente para esse edifício em setembro de 1868, tendo, desde então, “um recinto apropriado, digno da riqueza da nação e digno da capital do país” . Antes disso, porém, de 19 de outubro a 2 de dezembro de 1866, os seus salões foram abertos para a Segunda Exposição Na cional de Indústria, solenemente inaugurada por D. Pedro II. Conta Castão Cruls que despertou grande curiosidade entre os visitantes dessa exibição um enorme balão para observações estra tégicas, que iria Servir na nossa guerra contra o Paraguai, e para a feitura do qual se consumira, diziam, tôda a seda existente no mercado do Rio. A gravura mostra o majestoso edifício da Casa da Moeda, no fim do século passado.
DILIGÊNCIAS
s diligências eram carros de quatro rodas, tirados por quatro cavalos e destinados ao transporte de passa geiros . Precursores dos ônibus de tração animal, das gôndolas e dos bondinhos de burro, foram os primeiros veículos de condução coletiva que surgiram no Rio de Janeiro. Pelo Aviso Régio de 18 de outubro de 1817 foi concedido a Luiz Sebastião Labregas Surigué privilégio para estabelecer a pri meira linha de diligências, da cidade aos Palácios da Bôa-Vista (S. Cristóvão) e da fazenda de Santa Cruz. Segundo Noronha Santos, a concessão tivera por objetivo ' pro porcionar uma condução cômoda às pessoas que quizessem ter a honra de beijar a augusta mão de Sua Alteza”. Os carros para Santa Cruz partiam do centro urbano às 4 ho ras da madrugada e chegavam à Fazenda Real às 9 1/2, após qua-
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tro mudas de animais pelo trajeto (a primeira, no “Campinho”, pouco adiante de Cascadura; a segunda, no Realengo; a terceira, na “venda do Santíssimo”, e a quarta, na fazenda do “Mato da Paciência”) . . Voltavam às 5 1 /2 da tarde, chegando à cidade às 10 1 / 2 da noite. Depois das “diligências do Surigué”, apareceram as de Joa quim José de Melo (em 1818), João Batista Bonneille (em 1821), Jacques Bourbousson (em 1844), Ramon Benito Perez (pouco antes de 1850), Theodor Klett (em 1852), Antonio de Padua e Silva e José Maria Targine (em 1854), Antônio Inácio Vila Real (em 1857) e outras. Em 1860, êsses veículos, pintados a diversas cores conforme a emprêsa a que pertenciam, cruzavam a cidade em todas as direções. Emprêsas havia com mais de 100 carros em tráfego . A fotografia mostra uma diligência da Serra da 1 ijuca, no úl timo decênio do século passado, nas proximidades da “Bica do Monteiro”, na antiga Estrada Nova da Tijuca (hoje, com seu traçado parcialmente modificado, denominada avenida Tijuca) . Partia esta linha do ponto terminal dos bondes da antiga Cia. de São Cristóvão, no fim da rua Conde de Bonfim, indo até o Alto da Boa-Vista, perto dos hotéis Jourdain e White. O percurso era feito em 45 a 50 minutos na subida e em 30 minutos na descida. Uma sineta tocada no Hotel White e ouvida no Jourdain dava o sinal de partida das diligências para a raiz da serra. 0 preço da passagem era de 1 $000, subida ou descida, ha vendo assinaturas para subida e descida ao preço de 40$000 men sais. Um Aviso da emprêsa lembrava aos viajantes que, no escritó rio, à rua Conde de Bonfim n." 1 19, poderiam encontrar, a qualquer hora do dia ou da noite, carros especiais com travões mecânicos para ir ao Alto da Bôa-Vista e voltar por IOJOOO, bem como phae tons’ cobertos ou descobertos, caleças, vitórias, meia-caleças e “chará-bancs”, também com travas mecânicas, para qualquer outro pon to da cidade ou seus subúrbios; e cavalos de montaria para senho ras e homens. As últimas diligências que, em número muito reduzido, se em pregavam no serviço de transporte de trouxas de roupa e pequenas cargas, taboleiros de doces, verduras e frutas vendidos por merca dores ambulantes, deixaram de trafegar nesta cidade em 1906.
MONUMENTO DE CABRAL
manhecera chuvoso o dia 3 de maio de 1900. Nuvens densas, cor de chumbo, encobrindo o horizonte, não permitiam esperar dia propício para uma solenidade pública. Não obstante, desafiando a chuva, o povo, desde cedo, acorrera à rua para saudar a faustosa data do quarto centenário do descobrimento do Brasil. Do largo do Machado ao da Lapa foram levantadas duas filei ras de mastros, dos quais estavam suspensos galhardetes de dife rentes feitios e variadas cores. De um mastro a outro pendiam festões de flores artificiais de belo efeito. Por volta das 7 horas a chuva cessou e entre as nuvens que se acumulavam ameaçadoras apareceu uma nesga de céu azul. Quan do, afinal, surgiram os primeiros raios de sol, a alegria despontou em todos os semblantes.
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A essa altura, as ruas da Lapa e do Catete, os cáis da Glória, do Russel e do Flamengo e o largo da Glória já estavam apinhados de povo. Âs 8 horas da manhã teve início o desfile das tropas, sob o comando do General Mendes de Moraes, obedecendo ao seguinte itinerário: praça da República, ruas Visconde do Rio Branco, La vradio, Riachuelo, Evaristo da Veiga, Visconde de Maranguape, largo e rua da Lapa, Glória e Catete . Âs 10, o Presidente da República, Dr. Manoel Ferraz de Cam pos Salles, acompanhado de todo o Ministério, passou revista às for ças e, em seguida, assistiu à missa campal no Campo do Russel, onde fora improvisado um altar com uma grande cruz de madeira me dindo 12 metros de altura por 4 de largura. Terminada a cerimônia religiosa, 8. Excia. e mais pessoas gradas dirigiram-se ao largo da Glória onde eram esperados para a inauguração do Monumento do Centenário, do escultor Rodolfo Bernardelli. Em redor da estátua apinhavam-se mais de 50.000 pessoas. O Dr. Campos Salles caminhou entre a multidão até o pedes tal e segurou o cordão de sêda verde e amarelo preso ao véu que encobria o monumento. Fêz-se grande silêncio. Ao iniciar o Hino Nacional, S. Excia. puxou o cordão, mas. . . nada. Deu outro puxão. . . também nada. A chuva que caíra instantes antes mo lhara o nó corrediço, não deixando que êste se desfizesse. Que situação! Foi nessa aflitiva conjuntura que, subitamente, surgiu da mul tidão um homem — o cearense Martim Francisco de Paula — e com espanto de todos, galgou resolutamente o monumento, venceu toda a extensão do corpo da estátua, subiu pela haste da bandeira que Cabral desfralda e, a um movimento brusco, desvendou o grande monumento. A multidão em delirante entusiasmo ovacio nou o herói que descobrira o descobridor do Brasil. . . A fotografia mostra um aspecto dessa inauguração no memo rável dia 3 de maio de 1900.
RUA DA GUARDA VELHA
ntigo caminho, aberto no século da colonização, à mar gem da lagoa de Santo Antônio, chamou-se, depois de aterrado êsse brejal, rua Bobadela, em honra do úl timo governador da Capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela (1733-1763) . Havia, então, ali, uma guarda, encarregada de manter a or dem entre os escravos que iam buscar água ao chafariz da Carioca. Daí a alcunha de rua da Guarda Velha. 0 nome ficou e, apesar de ter recebido, em 1888, a atual de nominação de “Treze de Maio’’, em memória da gloriosa data da abolição da escravatura no Brasil, ainda no começo deste século muitos não a conheciam senão por rua da Guarda Velha. Conta Ferreira da Rosa que foi nesta rua que, em 1863, o in dustrial Bartolomeu Corrêa da Silva inaugurou a primeira fábrica de cerveja do país. Contíguo ao estabelecimento fabril, instalou um parque pitoresco com mesas e cadeiras à sombra de árvores e
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alguns divertimentos para atraírem a freguezia. Aos domingos e feriados, o parque enchia-se literalmente, havendo uns bailes fa mosos que fizeram época. Em pouco tempo, a cervejaria ganhou fama e o carioca, refermdo-se ao local ou à saborosa bebida, começou a chamar-lhe “Cervejaria da Guarda Velha” e cerveja “Guarda Velha”. 0 fa bricante cedeu à sugestão popular: rotulou o seu produto com êsse nome. Em 1884, quando foi aberta a rua Senador Dantas através dos terrenos da chácara do Convento da Ajuda, esta rua desembocou justamente onde corria o gradil e abria-se o portão de ferro da Cer vejaria da Guarda Velha, na rua Treze de Maio. Mudou-se, en tão, a fábrica para o prédio n. 52 do novo logradouro e o parque para o lado oposto, no n.° 57 da rua Senador Dantas, no sopé do morro de Santo Antônio, onde é hoje a Garage Royal (atual n.°115). Entrava-se no parque de amendoeiras e palmeiras, por um ele gante portão de ferro. No interior, havia um chalé e, em torno, cerca de 200 mesinhas de ferro pintadas a tinta verde. Êste jar dim da Guarda Velha veiu até nossos dias. A gravura, reproduzida da “Ilustração Brasileira” de 1878, mostra, ao centro, o antigo edifício da Imprensa Nacional, em es tilo gótico manuelino, construído no reinado de D. Pedro II, sob a direção do engenheiro Dr. A. de Paula Freitas, e no canto, à direita, parte do velho chafariz de pedra da Carioca, atrás do qual ficava a escadaria para o convento e igrejas de Santo Antônio e São Francisco da Penitência.
SUMARÉ
18 de agosto de 1898, a Companhia Ferro Carril Ca rioca obteve pelo Decreto municipal n.° 552 autoriza ção para prolongar as suas linhas de bonde do morro de Santa Terêsa até a Tijuca. 0 mirabolante projeto consistia na construção de uma linha de tração elétrica que, partindo da Lagomha e passando pelos lu gares denominados Mata do Moura, Cata-Preta e Mata dos Padres, subisse as nascentes do rio Carioca, donde, procurando a divisão de águas na encosta do Jardim Botânico, chegasse à garganta do Munganga. Desta garganta, atravessando as nascentes do rio São João, a linha se ramificaria, indo um ramal para o Alto da Bôa-Vista, na Tijuca, pelo vale do Arunganga, e outro, na mesma direção do pri meiro, seguiria pelo lugar denominado Mêsa do Imperador, donde partiria um sub-ramal para o Jardim Botânico, pela estrada de Dona Castorina. Da linha que se dirigisse pela Mêsa do Imperador ao Alto da Boa-Vista, sairia, no lugar conhecido por Lampião Gran de, outro sub-ramal em direção à praia da Gávea, passando pela Ca-
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choeira e pela Cascata Grande, e ainda da mesma linha, em Irente ao Hotel Itamaratí, partiria outro sub-ramal que iria ter ao portão da chácara Mayrink, na Cascatinha . Nada se fêz durante oito anos; mas, a 1 5 de junho de 1906, tendo o Decreto n. 605 aprovado os estudos e plantas da linha, deu a Companhia início imediato às obras, inaugurando, no dia 10 de novembro, o primeiro trecho da Lagomha ao Sumaré, situado a 325 metros de altitude. Aí, numa esplanada obtida com o desmonte de 18.000 m de terra, edificou-se um pitoresco restaurante, também inaugurado nesse dia. Os trabalhos de construção dessa linha tiveram a direção téc nica dos engenheiros Arthur da Silva Pinto e Raymundo Floresta de Miranda. Êste arrojado cometimento teve, infelizmente, efêmera dura ção, pois, no ano seguinte, deu motivo a um dos mais rumorosos pleitos judiciais travados no Foro desta Capital, envolvendo, de um lado, o Sr. Casemiro da Costa, presidente da Companhia, e de outro o seu antigo amigo de 35 anos, o Dr. Joaquim Murtmho, grande acionista da mesma. Em consequência, paralizou-se o trá fego, ficando tudo em abandono, sendo afinal declarada caduca a concessão. Eis o que escreveu Olavo Bilac, a respeito da suntuosidade dos panoramas que se descortinavam nesse passeio: “Fui ontem, pela primeira vez, ao Sumaré, e ainda tenho os olhos encantados, deslumbrados, cheios da visão da mais bela pai sagem que êles até hoje viram. Sumaré é a primeira estação da estrada que o Sr. Casemiro da Costa está construindo, em prolongamento da Ferro Carril Ca rioca, desde Dois Irmãos até Tijuca — estrada que vai definitiva mente entregar ao regalado gôso dos turistas, dos artistas e de tôda a população, essas incomparáveis florestas que cingem, com o seu imenso e estupendo baltéu de esmeraldas, a cidade do Rio de Janeiro. Sumaré já é uma conquista maravilhosa. O pano rama, que de lá se avista, é único e surpreendente. Diante daquela infinita extensão de águas, de terras, de montes, de céu, não há pa lavras com que a alma exprima o que sente: o assombro emudece, a admiração paralisa, o êxtase domina quem contempla aquilo; a impressão não é somente de prazer: é também de um respeito re ligioso, de uma adoração enlevada, diante daquela grandeza e da quela majestade”. A fotografia mostra uma excursão ao Sumaré, durante a cons trução da linha, vendo-se ao centro, de chapéu de palha, o Sr. Ca semiro da Costa.
VELHAS FORTIFICAÇÕES
esde a infância da humanidade —- ensina o General Ma cedo da Fontoura Costallat — a fortificação foi sem pre a arma de defesa coletiva na luta das nações. Não é, pois, de admirar que, quando os portuguêses, em 1500, aporta ram ao Brasil, já encontrassem entre muitas tribus de índios o uso de caiçaras ou trincheiras, cobrindo seus aldeamentos e tabas, cons truídas com fortes estacas, tostadas ao fogo e fincadas solidamente, deixando a espaços aberturas ou seteiras, através das quais flexavam os atacantes. Àquela época, datando de pouco tempo o emprego da arti lharia, a fortificação das praças era rudimentar, consistindo apenas na construção de muralhas de madeira ou pedra, tendo, de distân cia em distância, torres quadradas ou circulares. Assim, êsses redu tos e fortins, levantados pelos donatários das Capitanias e primeiros
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governadores para defenderem as povoações das invasões estrangei ras e dos ataques dos selvagens, não podiam ser muito superiores às caiçaras destes, nem ofereciam grande resistência, o que explica a fa cilidade com que eram tomadas logo aos primeiros assaltos. Só mais tarde, os franceses e holandeses introduziram entre nós al gumas idéias mais adiantadas de fortificações. No Rio de Janeiro, as primeiras fortificações datam de mea dos do século XVI. A cidade e a entrada da barra contavam, en tão, com apenas a praça darmas do antigo morro do Castelo, os fortes do Pontal de São Tiago (depois Calabouço) e de Santa Cruz (onde está hoje a igreja da Cruz dos Militares) e as baterias de N. S. da Guia (atual fortaleza de Santa Cruz) e de São Teodósio (hoje fortaleza de São João) Contam os historiadores que na praça darmas do morro do Castelo, guarnecida de baluartes e bastiões, havia uma torre para depósito de pólvora. Foi depois que se construiu essa torre ou castelo que o monte ganhou o nome de Morro do Castelo. Em 1763 , com a trasladação da sede do governo colonial, da Bahia para o Rio de Janeiro, trataram os vice-reis de melhorar as defesas da cidade, levantando baterias em quase todos os mon tes e praias da Guanabara e litoral sul da barra. Entre essas obras de fortificação destacam-se as realizadas no governo de D. Luiz de Almeida Portugal Soares Alarcão d’Eça Melo Silva Mascarenjhas, 2.° Marquês de Lavradio (1769-1779), que construiu a fortaleza do “Pico”, a cavaleiro da de Santa Cruz; re parou os fortes de São João, Lage, Calabouço e ilha das Cobras; levantou o do Leme, no topo da ladeira do mesmo nome; concluiu as obras do forte da Praia de Fora, junto ao morro de Santa Cruz; reforçou as obras de defesa dos morros de São Bento e do Castelo; edificou na “Casa do Irem” (Arsenal de Guerra) novo armazém para depósito do material bélico e uma forte muralha do lado do mar, etc. A fotografia mostra os restos de uma dessas fortificações — o antigo Forte do Leme — mandado levantar por Lavradio, há qua se dois séculos, com o fim de opôr resistência a tropas inimigas que, conseguindo desembarcar na praia de Copacabana, procurassem atingir o coração da metrópole. Ainda hoje lá está a velha muralha, verdadeira relíquia da cidade.
Composição, impressão e encadernação
Çráfica Laemmert, ítda. Rua Carlos de Carvalho, 48 — Rio de Janeiro Brasil