Moçambique - Brasil : uma ponte contra colonial

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A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, apresenta

Patrick

Novas cartografas construídas. A multiplicação de rotas de fuga e de chegada. Navegar por terra e ar. Descalcular a partir do encontro. Incensar o mundo. Qual respiração e ondas do mar, um ritmo que vai e vem. Encontro de imagens de um Brasil que ainda não se encontrou com um Moçambique ainda a se encontrar: um abraço no outro que faz com que nos reconheçamos.

Patrick Arley é mediador e alinhador; cose mundos como um demiurgo que junta o céu e pinta estrelas e ilumina através da Lua, sua câmera. Nas imagens, um mundo. No mundo, as imagens.

NÃO ESQUEÇAS, SOBRETUDO, DE OLHAR DEVAGAR

Vasco Gato

Estima-se que em Moçambique existam cerca de 70 mil curandeiros ou praticantes de medicina tradicional, como são ofcialmente "reconhecidos" pelo

Estado. São a primeira opção da maior parte da população ao tratar doenças fsiológicas, além de outros infortúnios — particularmente aqueles relacionados às várias formas de feitiçaria. Em meio a tensões com outros profssionais de saúde, bem como de suspeições a respeito de sua atividade, os Akulukhana, como são conhecidos os curandeiros na língua emakhuwa, exercem um papel decisivo nas relações entre os mundos visível e invisível, bem como nos efeitos dessas relações na vida local. Na imagem, um casal de pacientes vítimas de feitiçaria passa pelo "bafo", técnica à base de vapores de plantas medicinais e outros ingredientes, parte de um tratamento mais amplo para a retirada de pequenas lanças negras colocadas por feiticeiros em seus corpos. Essa modalidade de feitiçaria é conhecida na língua local como oriheliwa, ou "droga lançada".

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Mukulukhana (Curandeira) posa em frente a uma área reservada em seu peuwé (consultório), na qual se localiza um enorme morumuchem (espécie de cupinzeiro) onde estão assentados os espíritos com os quais trabalha. Foi por orientação destes que ela começou, há cerca de duas décadas, a fazer a cerimônia do ephepa — na qual farinha de sorgo é oferecida como alimento aos seres espirituais — num pequeno ninho de térmitas em seu quintal. A colônia de insetos, que em outros contextos seria considerada uma praga a se evitar ou exterminar, foi cultivada como um testemunho do poder dos espíritos e da curandeira, muito requisitada por pessoas de várias regiões de Nampula. As centenas de capulanas amarradas por todo o peuwé são demonstrações de gratidão de parte desses pacientes, que tiveram respostas satisfatórias aos seus infortúnios.

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A feitiçaria também é uma pandemia. Na nosologia dos Akulukhana, trata-se do maior problema de saúde pública — que tem em comum com outras doenças recorrentes, como a malária, a cólera, e a aids, as ideias e práticas de contato e contágio como centrais e perigosas.

Esta é uma de suas ambiguidades: ser simultaneamente próxima e distante. Se, por um lado, os ataques de feiticeiros às suas vítimas são feitos a distância, por outro é preciso que ambos estejam próximos o bastante uns dos outros para que os atos sejam efcazes e, as motivações, sufcientes.

Não foi, portanto, surpresa que eu tenha sido enfeitiçado; afnal, o mínimo que se poderia esperar para um homem que se põe em busca da feitiçaria é que ela acabe por encontrá-lo em alguma curva da estrada. Era onde precisava estar, na mão dupla em torno do experimento da magia como antropologia reversa de si mesma; e da antropologia como um dispositivo adequado para a dissolução de seus próprios artifícios epistêmicos. A feitiçaria só pode ser generalizada na medida em que os feitiços são específcos; a antropologia só pode ser específca na medida em que culturas são tomadas como geradoras e generalizantes. Dr. Momomo percebeu muito bem que, para tratar feitiços num antropólogo, seria necessário, dentre outras coisas, contraenfeitiçar a antropologia que carregava comigo; contaminá-la, transformá-la num ehirisi mágico, em vez daquele “kit de primeiros socorros ontológico” que havia levado na bagagem. E foi com outra carga e com outro corpo que retornei.

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A troca de dádivas entre espíritos e pessoas é fundamental na composição da realidade. Como é comum acontecer quando se trata de seres invisíveis, os espíritos são também seres “incomestíveis” — o que não quer dizer que não comam. Pelo contrário: parecem ter um apetite insaciável pelas coisas e pessoas do mundo visível, e é preciso que sejam alimentados constantemente. São grandes predadores, a quem se deve temer e domesticar.

Criar relações de aliança com esses seres é duplamente interessante, não apenas no sentido de não se tornar sua comida, mas também no de ser benefciado pelos seus poderes, conhecimentos e benesses.

Ao contrário do que acontece com feiticeiros e seus espíritos de okwhiri — sobre os quais se diz que gostam de “comer sozinhos”, ou seja, comer aquilo que não lhes pertence por direito, comer o quinhão que é dos outros, ou comer os outros, literalmente —, os espíritos que trabalham com os Akulukhana redistribuem o que recebem, garantindo fartura para aqueles que lhes prestam homenagens, além de proteção contra outros espíritos canibais.

A primeira associação que ouvi entre feitiçaria e política veio de uma senhora que, falando a respeito dos governantes neoliberais e corruptos do país, afrmou: “Aqueles só pensam em comer sozinhos! Não querem que os outros comam!”. Uma retórica da feitiçaria aplicada às condições socioeconômicas; uma teoria do capitalismo e de sua mágica do crescimento infnito às custas da exclusão de milhões. Esses feiticeiros já não se importam em esconder quem são; já não se importam com nada, além de comer gente. E se esquecem que comer bem de verdade é comer como gente, é comer em comum, é ter com quem compartilhar a mesa. Alguma semelhança com o Brasil?

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Mukulukhana realiza oferenda através de um acesso ao interior do morumuchem, espécie de cupinzeiro, onde estão assentados os espíritos com os quais trabalha.

A benzeção remete ao ato de abençoar, fazer bem ou transmitir um bem a outrem através do poder da palavra e do gesto — e, nesse sentido, pode ser entendida como o oposto de amaldiçoar. Aqueles que possuem o dom lançam mão de orações e fórmulas especiais, algumas delas bastante conhecidas entre o público leigo. No entanto, no contexto dos tratamentos, essas fórmulas parecem adquirir outra amplitude, servindo como linguagem capaz de conectar as esferas do sagrado e do profano e trazendo para a experiência cotidiana e para problemas específcos a intervenção espiritual. Seja por meio da ajuda divina, dos santos, dos anjos e de outras agências que são intangíveis para a maior parte das pessoas, seja com a utilização de objetos do cotidiano ou religiosos, aqueles que praticam a benzeção são capazes de curar males físicos e espirituais, que podem se manifestar através dos mais diversos sintomas.

Não por acaso, essas pessoas, seu ofício e saber gozam de prestígio e reconhecimento, em suas comunidades, como importantes referências da história e da cultura locais. O ofício da benzeção fgura como um fator decisivo para a manutenção da saúde individual e do equilíbrio nas relações entre as pessoas. Capaz de articular elementos da medicina, da religião e da cultura populares, sua existência se constitui como uma forma de resistência às cosmovisões e aos saberes hegemônicos, e segue oferecendo respostas a questões que a lógica da modernidade permanece incapaz de satisfazer.

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"Eu andava perambulando

Sem saber o que fazer...

Chamei os pretos velhos, eles vieram me atender"

"Adorei as almas, as almas me atenderam...

Eram as santas almas, lá do cruzeiro"

"Moçambique é coisa de nêgo velho

É andar devagarinho

Quem andar com nêgo velho

Nunca fca no caminho"

"É de lei e é de vera

É de lua, é de luar

Uma legião de negro velho

Vem me visitar

Trazendo São Benedito e a Senhora do Rosário"

(Sérgio Pererê)

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“À beira de um bosque, um velho abeto já seco destaca-se no fundo escuro, sem estragar a paisagem.” (Tarkóvski)

Já disse num outro lugar que o clichê "momento decisivo", num retrato, não diz respeito a quem fotografa, mas sim à tentativa, de quem está do lado certo do espelho, de dizer algo a respeito de si mesmo através da pose. Decerto, há imagens que só são possíveis na medida em que as pessoas não sabem que estão sendo fotografadas, mas estas raramente são as mais interessantes. A postura de “vim, vi e venci”, a obsessão por controle, a prepotência de “roubar” imagens, o desejo do poder de criar personagens a partir daquilo que se rouba dos outros: tudo isso veio perdendo o apelo, os sentidos possíveis.

Cada vez mais fui me interessando por me despir das minhas próprias neuroses de estimação e fxações acerca da ideia de autoria. O outro lado desse experimento é, obviamente, que os elementos dos quais se abre mão retornam como que contaminando as imagens. Os cheiros, as cores, as sombras, as ambiguidades, as hesitações e os êxitos, os desejos de verdade e controle e o medo que vêm do outro lado — e são inerentes a todas as poses —, tudo parece funcionar melhor no caos; ou, ainda, tudo parece funcionar como se o caos fosse determinístico e mostrasse as soluções para o falso problema de ordem que fnge impor a si mesmo.

Disso resulta que algumas ótimas imagens parecem, à primeira vista, imagens ruins. É preciso mergulhar nelas; dissecá-las, talvez, em busca de coisas que nos incomodam em nós mesmos. Para que seja efcaz, esta fórmula mágica — nada acontece; uma imagem; algo se modifca — depende, primordialmente, de que as pessoas envolvidas não saibam posar; ou seja, não saibam contraenfeitiçar a câmera e anular seus próprios rastros adversos.

Kumala, akulukhana!

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"Moçambique é coisa de nego velho

É andar devagarinho

Moçambique é coisa de nego velho

É andar devagarinho

Quem anda com nego velho

Nunca fca no caminho!"

"Eu sou negro do Rosário

Eu sou negro do Rosário

O Rosário me chamou

Eu já vou

Porque sou abençoado

Porque sou abençoado

Pelo toque do tambor

Eu já vou"

Ancestralidade é destino!

Salve Maria!

Undamba berê, berê, dione de calunga uaiá!

"Eu cheguei no Rosário de alegria

Foi depois de muito caminhar

Eu cheguei no Rosário de Maria

Ó minha mãe, saravá"

(Rosário de Maria - Sérgio Pererê)

"Meu navio na beira do mar, ele balanceia...

Olha aê, chora ngoma

Ê, ngoma chora

Oh me valha-me, Nossa Senhora!

“Canta, dança, crioulo! Sua força vem de Zambi!

Foi Mamãe quem me ensinou...

Nos terreiros saravou!"

"Ô dá licença

Ô dá licença

Eu quero chegar

Eu quero saravá

Ave Maria

Ave Maria"

”Ô lá na beira do caminho

Esse congá tem segurança

Ô na porteira tem vigia

Meia-noite o galo canta"

"Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje"

Laroyê, Exu! Exu é Mojubá!

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"Mãe d’água, rainha das ondas

Sereia do mar

Mãe d’água, seu canto é bonito

Quando faz chuá

Êh, Iemanjá

Rainha das ondas, sereia do mar

Como é lindo o canto de Iemanjá

Sempre faz o pescador chorar

Quem escuta a mãe d’água cantar

Vai com ela pro fundo do mar"

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Antropólogo, dedica-se aos estudos africanos nos campos da antropologia visual, arte e estética, política e relações de poder

Ao ver as fotografas, me lembrei da primeira vez em que estive com Patrick em um trabalho de campo. Foi em uma festa de terreiro na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Naquela ocasião, entrevistei uma mãe de santo dias antes e ela nos convidou para a festa no fm de semana, quando receberia um congado. Fomos fotografar e participar da festa. Apesar da amizade perene, nos encontramos novamente em campo anos depois, em Nampula, no norte de Moçambique. Ali, moramos juntos por quatro meses e acompanhei uma parte do seu trabalho sobre o curandeirismo. Essa memória trouxe para mim um sentido de trajetória que está presente nesta exposição.

Este evento representa também uma inegável celebração; mas não se trata de celebrar apenas a carreira do fotógrafo, que perfaz cerca de quinze anos. O caminho percorrido é uma trilha de cruzo traçada pelos festejos dos congados e pelas práticas curandeiras do norte de Moçambique. Além disso, existe a presença indelével de diferentes modos de existência africanos. De outra maneira, a temática da exposição amplia os horizontes do que podemos imaginar e pensar sobre africanidades — assim mesmo, com ênfase em uma proposição plural. Pois a África, em suas diferenças fractais, projetou no Brasil uma parte dos seus estilhaços existenciais. Este é o chão que o artista pisa ao seguir uma rota de travessia, do Atlântico ao Índico, de Moçambique ao Brasil.

Nesse sentido, as fotografas apresentam um comprometimento entre o fotógrafo e seus interlocutores, humanos e não humanos, que frma um acordo em que as imagens operam como documentos das relações estabelecidas. Mas o que, precisamente, se documenta? E de que forma? As fotografas documentam, obviamente, o visível: pessoas, objetos, situações,

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rituais, paisagens. Mas essa visibilidade, que supomos ser referência exata do real, se oferece como índice, rastro ou receptáculo para que seres invisíveis se façam presentes por meio das imagens.

Um cupinzeiro (murumuchem), envolto em capulanas, não é apenas a morada de insetos, mas também o assentamento de espíritos que se relacionam com os vivos.

Um homem usando chapéu preto e uma capa. Há símbolos no chão ao seu redor. As cores transitam entre a sombra e o preto, a luz de velas e o vermelho. É Exu.

Dois homens agachados preparam cozido em uma panela. Ephepa, a farinha de mapira, é base de alimentos comuns, entre pessoas e espíritos, no norte de Moçambique. A troca de dádivas entre o cotidiano e o reino invisível é necessária na composição do mundo.

A fumaça sai da boca e abraça o rosto. Pessoas dançam em círculo, junto a um redemoinho que parece empinar-se como cavalo, na presença de Exu. Corpos em vestes brancas, postados em comunhão, evanescem como espectros. Uma mukhulukhana carrega a bandeira do seu poder, enquanto caminha sobre a imagem vertiginosa de uma trilha que leva à morada de espíritos. São imagens que se desprendem do realismo das fotografas e se precipitam em abstrações. O movimento, ao ser capturado, provoca a metamorfose das formas que delineiam nossa imagem do real e indiciam a presença de outros seres.

Um brinco, ao ser colocado em foco, traz a imagem de um preto velho. A atenção aos detalhes na composição, o lugar das coisas em uma cena, o que um objeto re(a)presenta são indícios. A pose e os gestos das pessoas ganham sentidos outros pela relação com o olhar do fotógrafo. O cuidado com os aspectos cromáticos faz as cores serem responsáveis por sentimentos, sensações e signifcados, como temperatura, intimidade, solenidade, dignidade, representatividade. O jogo entre a luz e a sombra é um elemento quase sagrado. O ambiente nunca é pertubado por um fash ou por uma luminosidade artifcial introduzida pelo fotógrafo. Esse recurso técnico também é necessário para presentifcar a sobreposição

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entre o visível e o invisível. Tudo isso compõe a forma por meio da qual o dado, o que se documenta, se apresenta ao espectador. Dessa maneira, por meio de uma estética poética, tanto nas imagens, como em seu texto, a obra de Patrick Arley é composta por uma iconicidade cujo teor imagético delineia a presença de seres invisíveis, que compõem as diferentes realidades apresentadas em cada enquadre. Assim, suas fotografas nunca são meros documentos, e a sua estética não é apenas performance do belo. O seu trabalho rompe com a velha oposição entre documento e arte, pois a estética proposta na composição de cada fotografa é a mediação em que se anunciam os seres da metamorfose.

Em seu texto O fotógrafo, “feiticeiro comedor de homem”, Youssouf Tata Cissé homenageia o trabalho do fotógrafo malinês Seidou Keïta e fala de uma tradição, já antiga, em que “fotografar alguém signifca roubar seu dyaa”, um termo que, a depender do contexto, pode ser seu duplo vital, sua inteligência, seu espírito ativo, seu refexo, sua atenção, sua sombra, enfm, sua imagem (CISSÉ, 2014) [i]. Nesse sentido, os brancos colonizadores, com seus aparatos técnicos feiticeiros, como as máquinas fotográfcas, tinham esse poder de capturar o “espírito” de uma pessoa pelo olhar. Essa episteme não moderna está de acordo com certo aspecto do pensamento ocidental acerca da relação entre o olho e o espírito: a fenomenologia da imaginação humana exerceria um poder sobre o mundo que submete a imagem ao espírito. Dessa forma, o olhar e o eu se tornam um só. Quando olhamos algo, sou eu que olho. Esse olhar para o mundo projeta o eu e captura o mundo, os objetos, como imagem que pertence ao meu olhar. Espírito e imagem, por meio do olhar, se tornam um. Assim, o espírito se torna senhor da imagem por ele capturada. Mas essa captura ocidental da imagem pelo espírito se dá pelo visível.

Sendo assim, podemos dizer que as fotografas de Patrick Arley operam uma contrafeitiçaria que anula a submissão da imagem. As imagens que ele produz, ao operarem como meios de efetivação da presença de seres outros, simultaneamente trazem a impossibilidade de uma captura direta desses seres pelo olhar comum. As técnicas empregadas aqui pelo fotógrafo exercem a magia de trazer, pelas imagens, os seres e as pessoas que pertencem

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e acessam o não visível. Esse estratagema, além de evitar que o olhar do fotógrafo e do espectador capture plenamente os seus Outros, permite que uma alteridade radical invada nosso mundo por meio das fotografas. Até mesmo nos retratos, em close-up, existe uma técnica de anticaptura, na medida em que o olhar de quem é retratado está centralizado nas imagens a penetrar os olhos de quem observa a fotografa. Quem captura quem? Tal qual duas mãos que se enlaçam em um cumprimento de boas-vindas, os olhares se posicionam diretamente uns para os outros e se interpenetram. Para além disso, a textura das imagens, a escolha das cores e o ar solene e altivo das pessoas quase nos obrigam a nos curvarmos em respeito diante delas.

Ao pensarmos com Cissé, se a máquina fotográfca pode ser uma armadilha para capturar espíritos, de outro modo, o pacto que Patrick fez com os seus interlocutores através das suas imagens é estabelecido nos termos de uma troca. Há uma cumplicidade que se entrevê no momento da fotografa, que se torna explícita pelos gestos e pela disposição dos objetos e do ambiente. Existe uma permissão, um oferecer-se à fotografa, que propõe a troca. E existe uma resposta, que se dá pela forma como a fotografa apreende o outro a partir de um olhar oblíquo em relação ao ponto de vista ocidental e moderno, acompanhado por um sentimento de respeito, como uma dívida que deve ser paga. Dom e contradom como um processo contínuo. Nesse sentido, a fotografa de Patrick Arley é uma arte que, ao documentar, apresenta o dado (data) em seu sentido primeiro, cuja etimologia da palavra exprime a ideia de “coisas dadas”. Assim, por meio desta exposição, o fotógrafo faz a sua grande oferenda.

[i] CISSÉ, Youssouf Tata. O fotógrafo, “feiticeiro comedor de homem”. In: KEÏTA, S. Seydou Keïta. São Paulo: Cosac Naify, 2014.

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Movimento

A aproximação da lente condena o tempo. Retira um pedaço do mundo e funda outro. Como um legume transformado a partir de temperos. A for da abobrinha casada com o açafrão. As cores se misturam e surge a aurora. O sabor do olho vai além do sal.

Ou o contrário. A aproximação dos corpos da lente condena o tempo. Retira da mão do fotógrafo a exatidão e constrói uma nova pulsão para o dedo. A comida é pensada a partir do tempero. É a páprica que defuma o mundo. O vermelho surge indiferente. O azul se instaura na exceção.

Ou o contrário. São as imagens que dançam o tempo: contorcem a língua que canta, as mãos que marcam as marchas e os pés em que as unhas contam a História. Há algo além das imagens:

um corpo desbotado a ser descoberto que se extraviou por andar de sol em sol encontrando na água um destino inevitável ou

uma luz que avança sobre as sombras redesenhando nas paredes os objetos esquecidos e tudo que se extraviou de olhos cerceados.

(A extensão trama-se. Salto e variação, em uma outra poética. Transversalidade. Infnito quantifcável. Quantidade que não se realiza. Emaranhado que não se esgota. A extensão não é apenas espaço, ela é também seu próprio tempo sonhado).[i]

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POR PEDRO KALIL

Não existe uma maneira certa de olhar. Uma certeza do olhar. O oblíquo pode puxar uma valsa com a opacidade, assim como coroas são promessas de existência para aqueles que acabaram de nascer. As coroas dos dentes. Existem as distâncias que as imagens nos contam. Elas nos puxam para perto. Nossos olhos são trilhos de uma viagem que não controlamos. Uma aproximação com outras cores que o Sol parece condenar à eternidade.

A própria compreensão da arte, sua natureza e apreensão, já nos coloca algumas questões e aporias. Nem sempre coincide o que se designa por arte em culturas e sociedades distintas, sendo que em muitas o próprio conceito não é privilegiado, não se mantendo como pensamento diferenciações rígidas entre os ofícios e as artes, nem alocando o belo, ou a sua ideia, em determinadas práticas ou plataformas que excluem outras, expressando hierarquias de conceitos e de valores. Os valores estéticos são, assim, valores também éticos.[ii]

A folga do gatilho acabou de repente, e o peso da mola era tal, que o Cão Tinhoso dançava ainda mais sob o ponto da mira da minha arma. Tive de fechar os olhos e era por causa dos olhos do Cão Tinhoso, que estavam parados e olhavam para mim muito quietos mesmo quando ele dançava no ponto da mira.

[...]

Logo depois do estouro, ouvi um grito monstro e nada mais. O meu tiro devia ter magoado muito o Cão Tinhoso para ele gritar como uma pessoa. Fiquei sem saber o que havia de fazer, porque, logo depois, o Cão Tinhoso começou a gemer como uma criança.

Fui afastando as mãos da cara e depois abri os olhos. A Isaura estava agarrada ao Cão Tinhoso e era ela quem estava a gemer, mas não sei se não teria sido mesmo o Cão Tinhoso quem gritara ainda há bocado.[iii]

Os movimentos dos olhos se encontram na fotografa. Na dupla ou tripla composição da imagem: aqueles que vão ser capturados pela imagem, aquele que condensa o tempo e o

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espectador que faz o tempo revir.

Todo olhar busca e todo olhar é desafogado.

Os movimentos dos olhos nos dão a ver um rosto. Depois do disparo, um rosto. Há um gatilho também na máquina fotográfca, como no conto do Robert Walsh. Há um gatilho também na máquina fotográfca, mas que dispara cascatas de humanidade. Como as cascatas de humanidade no rosto de um cão.

Azulejos sujos de tempo, condensados nos dentes. Adornos de isopor para preservar o calor das bochechas.

Porém, em algum momento, a imagem é também seu desaparecimento.

Olhando para trás, Orfeu foi o primeiro documentarista conhecido.[iv]

Nos nossos olhos cansados, há desespero e revoltas.

E com um último resto esfarrapado de esperança, interrogamos ansiosamente o mar.

Mas o mar — ai! o mar — continua fechado à inquieta interrogação do nosso olhar...[v]

Atrás de todo mundo tem um mar. Alguns dão o nome de casa, outros de solidão. Há quem o chame de arquivo. Há quem o reivindique o corpo. Cobalto, recife, janela; pânico, limite e amor são outros nomes. Como manhã, escuridão, doce e amargo, violência e coração.

Atrás das imagens tem o mar. É o movimento do mar. Vai e volta, enche e esvazia. Imagens afetadas pela lua cheia.

Nascedouro de algas.

Lembrança dos corpos.

A vela que não se extingue diante do vento. aqui te faço os relatos simples

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dessas embarcações perdidas no eco do tempo cujos nomes e proveito de mercadorias ainda hoje transitam de solidão em solidão.[vi]

Existe um naufrágio em toda solidão. As imagens recolhem os destroços. Elas propõem um encontro: toda cidade é mar.

Suor

Talvez fosse o sabor da novidade que fzesse o 68 se precipitar pela escada esmagando os ratos que fugiam espantados.

Homem e mulheres se juntaram à multidão que enchia a ladeira do Pelourinho para protestar contra a prisão dos operários.

Braços que se levantavam. Os cotocos de Artur e os braços negros de Henrique. A surda-muda, que andava de um lado para o outro, se divertia imensamente. A multidão se balançando como açoitada pelo vento. A voz de Julieta:

— Ladrões! Ladrões!

A multidão apoiava em berros.

Trepado num caixão, o cabelo despenteado, Álvaro Lima falava: — ... nossos camaradas presos e espancados...

Jogaram manifestos. Moças nas janelas. Parecia até uma festa. O rosto magro do propagandista de produtos domésticos. Ouviram-se gritos em árabe. Outros em espanhol. Seu Fernandes fechara a venda. O cabelo bem alisado do violinista e a barba por fazer de Toufk. Todo o 68 ali estava. Descera as escadas como um só homem.[vii]

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Proponho uma investigação: qual o perfume que meu corpo produz e exala? Olho para a palma da mão, investigo vestígios no pescoço, desejo que o pé receba luz. Roço a língua na língua, espero o tempo.

Todo mundo tem seu próprio perfume. Algumas vezes ele é palavra, uma forma de abraçar, o jeito de segurar a cabeça enquanto espera a comida em um restaurante, o formato dos dentes, uma coleção de livros, a cor da caneta que usa para escrever cartas, a forma de abrir a geladeira, o uso do esparadrapo para fechar um curativo, o jeito de embaçar o espelho, o ângulo do joelho quando de cócoras, o lenço amarrado no rosto, a ondulação do cabelo, a posição do chapéu, o jeito de contar com os dedos, a sílaba tônica do sobrenome, o tambor ninado na coxa, o uso do rosa, o contraste com o concreto, o jeito de cantar errado alguma música, a bola de chicletes estourando no rosto, a citação repetida de uns mesmos versos, o jeito de empunhar o punho feito espada, a posição do grampo no papel, a aproximação em relação ao outro quando vai nascer uma imagem.

Proponho uma investigação: qual a cor do meu suor?

Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver nem de tua manha nem de teu olhar.

Medo de que sintas como sou culpado e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.[viii]

Proponho uma investigação: qual a cor do meu suor?

A febre tomou conta do meu Orí, Mãe, deixa que eu trafegue o agreste dessa terra apenas com o calor da fundição cheia de mar que me avisa dos atrasos dos galos e me sabe há anos o corpo pesado desta latência.[ix]

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Proponho uma investigação: qual a cor do meu suor?

Os rios não são parados ou rápidos, alegres ou tristes, são rios.[x]

Proponho uma investigação: qual a cor do meu suor?

Tenho descrito sempre o rosto do próximo como portador de uma ordem, que impõe ao eu, diante do outro, uma responsabilidade gratuita — e inalienável, como se o eu fosse escolhido e único — e o outro homem é absolutamente outro, isto é, ainda incomparável e, assim, único.[xi]

Leio em algum lugar sobre diéli. O sangue circula em palavras. O círculo se pronuncia em veias e das veias se abre o mundo.

Busco imagens que abrem mundos.

Leio sobre a imagem-pensativa. Hanneke Grootenboer diz de uma imagem que leva o pensamento para fora, além das imagens, fazendo surgir ideias, elaborações, conceitos.

Uma imagem que desperta um prolongamento, que faz nascer veias e uma nova circulação de sangue do mundo. Imagens abre-mundo.

Leio sobre a circulação das mercadorias antes do mercado globalizado. Muito antes. Um camelo atravessa o deserto. Um cavalo bebe água no rio. Em algum momento se encontram. O camelo lembra o cheiro do cavalo. O cavalo lembra o cheiro do camelo. Seguem a viagem.

Leio sobre como as imagens viajam. Quando a fotografa foi se popularizando, as pessoas carregavam em viagens fotos de familiares, de obras de arte que admiravam, de uma

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paisagem que lembrava a infância. De repente se podia ver o Laocoonte fora do Vaticano. Todo tipo de monstro podia circular em todo lugar. De repente Saturno devorava seus flhos em todos os países do mundo. Quando isso aconteceu a Europa já tinha tentado transformar a sua História em História do mundo.

Vemos, portanto, que as descobertas marítimas da época moderna e a posterior ocupação das terras descobertas pelos europeus serviram não só para alargar as fronteiras visuais e econômicas da Europa, como também para tornar a história europeia em História universal, História esta que, num primeiro momento, nada mais é do que estória, fcção, para os ocupados. As diferenças econômicas, sociais, políticas, culturais etc. são, primeiro, abolidas a ferro e fogo, transformando o multifacetado mundo medieval (a parte propriamente europeia, "conhecida", e as várias outras, "desconhecidas") em um todo narcisicamente composto segundo os valores dos colonizadores, e são aquelas diferenças, em segundo lugar, abolidas pelo discurso vitorioso e exclusivo da História universal.[xii]

As imagens fotográfcas são e não são ao mesmo tempo parte e reconstituição da História. Jogando o olhar para aqueles que não faziam parte dessa pretensa grande História, as imagens revelavam outras temporalidades paralelas, constituídas por outras ontologias. E as imagens obnubilam a civilização.

As imagens do Congo Belga: os corpos decepados; as crianças em gaiolas de passarinhos; as crianças exibidas como num zoológico; os negros acorrentados em nome do Rei Leopoldo.

Leio sobre como as imagens viajam. Talvez seja a hora de repensar a trajetória das imagens. Outro caminho: como as imagens de Moçambique chegam aqui sem ter que passar pela Europa? Como as imagens do Brasil chegam em Moçambique sem ter que passar pela cidade de São Paulo?

Antes que me urbanizem a régua, compasso, computador, cogito, pergunto, reclamo:

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Por que não urbanizam antes

A cidade?

Era tão bom que houvesse uma cidade na cidade lá embaixo.[xiii]

Leio sobre como as imagens do Brasil se encontram com as de Moçambique. Elas saúdam suas diferenças, agradecem os vermelhos, enlouquecem os azuis, buscam o amarelo mais íntimo uma da outra. E depois sorriem e acham a sua história comum. O choro se traduz em choro e o suor ganha todas as tonalidades da íris. A busca de um outro caminho a partir da colisão dos tempos. Uma ponte surpreende a memória. Vejo teu rosto e ofereço o meu em troca.

O tempo espiralar resulta de múltiplas imbricações: a de um movimento cósmico, simultaneamente retrospectivo e prospectivo, no qual se incluem todos os seres e todas as coisas, ou seja, tudo o que existe em suas várias formas e âmbitos de existir e de ser, todos os fenômenos naturais e transcendentais, desde as relações familiares mais íntimas às práticas e expressões sociais e comunais mais amplas e mais diversifcadas; as materialidades do agora, assim como as epifanias do porvir; e ainda a emanação e ressonância das forças e energias vitais que pulsam no movimento e asseguram a sobrevivência de todos os seres e do cosmos, em sua integralidade e totalidade.[xiv]

O cais...

O cais é um cais como muitos cais do mundo...

As estrelas também são iguais às que se acendem nas noites baianas de mistério e macumba...

(Que importa, afnal, que as gentes sejam moçambicanas ou brasileiras, brancas ou negras?)

Jorge Amado, vem!

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Aqui, nesta povoação africana o povo é o mesmo também é irmão do povo marinheiro da Baía, companheiro Jorge Amado, amigo do povo, da justiça e da liberdade![xv]

Fumaça

As chaminés das casas, das churrasqueiras, das fábricas. O cigarro, a fogueira e o incenso. O café, a sopa e a boca. A dança da fumaça nos dá o vislumbre do ar. A imagem do ar se dá pelo avesso, como um negativo. O ar geralmente dança. Ele sempre dança mais forte quando se dança em volta dele. E só se dança no ar.

A história do ar: já foi éter, já foi espírito, já foi aviso, já foi silêncio. Impregnado do mundo, se transforma, se torna outro. Ganha e perde cor e continua ar. Ganha e perde cheiro e continua ar. Ganha e perde lágrimas e continua ar. Como um negativo, dança com o invisível em superfície possível.

A história da fumaça: dizem que um trem cruzava as montanhas de Minas Gerais, jogando fumaça ao céu, construindo perdão pelas montanhas desaparecidas, pelos buracos na terra, pelas mãos arrancadas da História. Acabaram com o trem, o perdão não foi o sufciente, a calma da alma saltou do último penhasco possível. Negativo do esquecimento, a fumaça derrama em imagens caixas e volumes que se achavam desaparecidas da solidão das naus naufragadas.

A fumaça parte de mim e te toca delicadamente a face. Um pouco de mim você absorve. Um pouco de mim também é parte compartilhada com você.

Não o poema de tua ausência, só um risco, uma greta em um muro, algo no vento, um sabor amargo.[xvi]

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A fumaça parte de você. Dá a mim o gosto da luz. Toda escuridão é temporária.

O negativo da impossibilidade do encontro é essa imagem-fumaça que cria o contorno do que não conseguia ver, tocar, nem mesmo sentir.

Esse realismo supostamente inegável da fotografa entra em crise se entendemos a fotografa não com relação ao seu passado, mas, antes, com relação ao seu presente. Se entendemos que a fotografa muda, que é outra em cada instância em que é olhada, então não há uma realidade a que esta remeta. Cada fotografa se torna uma evidência material de algo inegável e passa a ser o lugar de uma relação dialética entre passado e presente.[xvii]

escutem pelo menos uma vez o canto de uma fonte em nossas veias o canto da estrela semeada na argila

escutem a torrente do céu que anula o esquecimento a mão que avança e doa um quarto de lua

escutem o coração de Ghassan Kanafani uma metade de laranja um coração espantoso um livro onde a esperança é uma gazela uma mulher sentada na aurora resplandecente

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este corpo traz em si montes de dunas um romance e algum perfume um deserto verde e um poema que canta um rochedo migrante à sombra da oliveira.[xviii]

Uma camiseta, no meio da tempestade, dependurada no varal, é fumaça. As velas dos barcos, criando-se em uma barriga de vento, é fumaça. Os cabelos que se remexem junto com o silvo é fumaça. As folhas das árvores bruxuleantes e a caída rodopiada das fores do ipê são fumaça. As ftas dependuradas em fos, em dias de festa, são fumaça que irradia a voz, os tambores e o pulo dos pés: um positivo sobre o positivo.

Em todos estes orbes, diferente

Curso verás, nuns grave e noutros leve

Ora fogem do Centro longamente,

Ora da Terra estão caminho breve,

Bem como quis o Padre onipotente,

Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,

Os quais verás que jazem mais adentro

E têm co Mar a Terra por seu centro.[xix]

A fumaça não se fxa em um centro. Ela é a própria expansão até sua extinção. Aí ela volta enquanto agora e, feito memória, traz outra aproximação.

Seria preciso, antes, estudar como a colonização funciona para descivilizar o colonizador; para brutalizá-lo no sentido apropriado da palavra, degradá-lo, despertá-lo para instintos soterrados, cobiça, violência, ódio racial, relativismo moral, e mostrar que toda vez que no Vietnã há uma cabeça decepada e um olho perfurado, e na França se aceita isso, uma

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Meu flho tem quase dois anos. Nasceu na América Latina, Brasil. Continente da imagem assombrada. Acompanha de perto as formigas andando pelo chão. À noite, acorda chorando, pedindo para tirar as formigas de sua perna. Não tem formiga alguma. Tem todas as formigas do mundo. Quando acorda pede para que eu desenhe formigas. Todas as imagens se invadem: as dos bichos, as dos sonhos, as dos desenhos.

63 menina é estuprada, e na França se aceita isso, um malgaxe torturado, e na França se aceita isso, há um acréscimo de peso morto na civilização, ocorre uma regressão universal, uma gangrena se instala, um foco de infecção se espalha, e que no fnal de todos esses tratados violados, todas essas mentiras propagadas, todas essas expedições punitivas toleradas, todos aqueles prisioneiros amarrados e “interrogados”, todos esses patriotas torturados, no fnal desse orgulho racial estimulado, dessa jactância propagada, existe o veneno incutido nas veias da Europa, e o processo lento, mas seguro, do asselvajamento do continente.[xx]

Meu flho tem quase dois anos. Nasceu na América Latina, Brasil. Apontei para ele o céu e tentei explicar o que eram as estrelas. As luzes que piscam lá em cima, longe. Ele levantava a mão como se fosse capaz de pegá-las. Ele, com certeza, com mais um pouco de esforço, conseguiria. O problema é que ele estava em meu colo e meus pés aprenderam a sempre procurar o chão. O seu suspiro não era espanto: ele criava um mapa todo seu no céu, que não precisa ser fxo. Existe também uma estratégia para nos perdemos. E existe também uma estratégia para nos encontrarmos.

Dizem que um professor naturalmente alemão andou falando por aí por causa da pena só da Ursa Maior que ela é o saci... Não é não! Saci inda para neste mundo espalhando fogueira e trançando crina de bagual... A Ursa Maior é Macunaíma. É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu.[xxi]

Enquadramento

A imagem é um corte no tempo e no espaço. Algumas vezes é como se fôssemos um cirurgião vascular, em outras parece que amassamos carros em ferros-velhos. De vez em quando o tempo invade a imagem e temos portas comidas por cupins ou a dor da picada de um escorpião. Todas as vezes quebramos espelhos e vemos imagens em imagens em imagens em imagens...

Bem diante de nós, na calçada, estava plantado um bom homem de uns quarenta anos, rosto cansado, barba grisalha, segurando com uma das mãos um menino e carregando no outro braço uma criaturinha fraca demais para caminhar. [...] Todos em farrapos. Aqueles três rostos eram extraordinariamente sérios e aqueles seis olhos contemplavam fxamente o novo café com igual admiração, mas com nuanças diversas, segundo a idade.

Os olhos do pai diziam: “Como é bonito! Como é bonito! Parece até que todo o ouro do pobre mundo veio parar sobre essas paredes!”. Os olhos do menino: “Como é bonito! Como é bonito! Mas aí só podem entrar as pessoas que não são como nós!”. Quanto ao menorzinho, seus olhos estavam fascinados demais para exprimir outra coisa senão uma alegria estúpida e profunda. [...]

Não apenas eu me enternecia com aquela família de olhos, como também me sentia um pouco envergonhado de nossas taças e garrafas, maiores que a nossa sede. Eu voltava meus olhares para os seus, meu amor, para neles ler meus pensamentos; eu mergulhava em seus olhos, tão belos e tão estranhamente doces, em seus olhos verdes, habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse: “Essa gente é insuportável, com esses olhos escancarados feito portas-cocheiras! Você não pode pedir ao dono do café que os afaste daqui?”.[xxii]

É famosa como nossa visão se alterou nos últimos séculos. Como crianças perdidas, jogamos nossos olhares nos outros olhares, algumas vezes com medo, outras com encanto. Mas não vemos mais a mesma coisa. Me olhe de volta, parece suplicar todo fash piscado

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no mercúrio do mundo. Algumas pessoas veem os corpos humanos, outras pessoas parecem só ver corpos, outras nem isso. Como se esculpem os corpos nas fotografas?

O sr. Keuner disse: “Também eu assumi certa vez uma postura aristocrática (vocês sabem: reto, empertigado e orgulhoso, a cabeça jogada para trás). Eu estava de pé, na maré montante. Como a água me chegava ao queixo, assumi essa postura”.[xxiii]

É famoso que o exército americano fotografou os campos de concentração alemães, como Auschwitz, mas que só percebeu isso muitos anos depois. Como colocou a poeta Marília Garcia, neste caso precisam de uma distância temporal para ler.[xxiv]

Quanto tempo precisamos para conseguir ler as imagens? Quando temos certeza de que estamos vendo o que deveríamos estar vendo?

É famoso que Platão condenou essa ordenação das imagens por nos levar a uma espécie de enganação. Mas, nesse caso, parece que o caminho é exatamente o oposto: nós nos enganamos para não lermos as imagens.

Mas me parece plausível, também, que era impossível ler as imagens de Auschwitz antes de descobrir o que eram os campos de concentração. Porque o que acontecia ali ainda (ainda?) não tinha adquirido uma dimensão de e da linguagem para a maioria das pessoas (já adquiriu?). Daí a necessidade do tempo: ele nos desengana.

Se, como o flósofo Emmanuel Levinas assegura, é a face do outro que exige de nós uma resposta ética, parece então que as normas que determinariam quem é e quem não é humano nos chegam sempre de forma visual. Essas normas atuam para mostrar um rosto e para apagar esse rosto.

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A existência de enquadramentos alternativos que permitam outro tipo de conteúdo talvez comunicasse um sofrimento que poderia levar a uma alteração de nossa avaliação política das guerras em curso. Para que as fotografas se comuniquem dessa maneira, elas devem ter uma função transitiva, que nos torne suscetíveis a uma capacidade de resposta ética.[xxv]

As imagens em tempos de guerra: um momento em que o princípio da desumanização é a ordem. Em contraponto à desumanização, o que temos são imagens de sofrimento. A menina Kim Phúc correndo depois de um ataque de napalm no Vietnã é uma das mais famosas. Imagens que, diante do sofrimento, deveriam nos demandar uma resposta ética.

Mas eu penso em outro arquipélago de imagens. Imagens que demandariam uma resposta ética que não envolvesse necessariamente o sofrimento. Por que um enquadramento alternativo deveria envolver, necessariamente, o sofrimento?

Especulo imagens que demandam uma resposta ética pela humanidade das pessoas fotografadas. Humanidade infnita: o rosto do outro que me especula de volta; refexo em lentes inversas inventadas; para-brisas que acolhem meu lugar passageiro; a criança que ainda cresce dentro de mim; o som dos tambores que ressoam as memórias e, como música, vibram coletivamente.

Especulo os enquadramentos dentro dos enquadramentos. E como as imagens-pensativas podem se deslocar internamente e em paralelo com outras imagens, construindo o sentido além das imagens, mas também no encontro da humanidade de uma imagem e outra.

Especulo as fumaças de todas as imagens.

Especulo o suor de todas as imagens.

E ainda me parece que em qualquer lugar podemos cair em um fosso.

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E então, uma vez, inocentemente, olhou para um Homem e disse “Irmão...”

Mas o Homem pálido fulminou-o duramente com seus olhos cheios de ódio e respondeu-lhe: “Negro”.[xxvi]

Quaisquer que sejam essas diferenças e a despeito das identidades particulares, fraturamento e fssuração, esvaziamento e depleção obedecem, no entanto, a um mesmo código mestre: a universalização da condição negra, o devir-negro de uma enorme parcela de uma humanidade atualmente confrontada com perdas excessivas e com uma profunda síndrome de esgotamento das suas capacidades orgânicas.[xxvii]

O alerta do flósofo foi dado. Mas eu especulo um desejo a partir de um enquadramento específco em sua citação. Foco no trecho “a universalização da condição negra”. Faço meu recorte. Penso como essa imagem pode especular outra possibilidade, não do esgotamento, não das perdas. Especulo que ela possa parecer uma possibilidade e não o fm. Quem sabe outra humanidade espiralá a partir de outros centros? Quem sabe a universalização da condição negra em vez da História ocidental como História do mundo? Quem sabe é uma outra possibilidade de “condição negra” que faça surgir caminhos de resolutividades? Extensão. Encontro. Rosto.

Especulo o olhar do fotógrafo Patrick Arley. Ele me exige formas de olhar. Olho o mundo através de outros olhos. Quero todos salvos, assim me salvo também.

Enquadro as fotografas. Elas me expandem. Eu também consigo abraçar uma imagem. Ela me abraça de volta. Já não somos os mesmos.

Não foi, portanto, surpresa que eu tenha sido enfeitiçado; afnal, o mínimo que se poderia esperar para um homem que se põe em busca da feitiçaria é que ela acabe por encontrá-lo em alguma curva da estrada. Era onde precisava estar, na mão dupla em torno do experimento

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da magia como antropologia reversa de si mesma; e da antropologia como um dispositivo adequado para a dissolução de seus próprios artifícios epistêmicos. A feitiçaria só pode ser generalizada na medida em que os feitiços são específcos; a antropologia só pode ser específca na medida em que culturas são tomadas como geradoras e generalizantes. Dr. Momomo percebeu muito bem que, para tratar feitiços num antropólogo, seria necessário, dentre outras coisas, contraenfeitiçar a antropologia que carregava comigo; contaminá-la, transformá-la num ehirisi mágico, em vez daquele “kit de primeiros socorros ontológico” que havia levado na bagagem. E foi com outra carga e com outro corpo que retornei.[xxviii]

[i] GLISSANT, Édouard. Poética da relação. Trad. Marcela Vieira e Eduardo Jorge de Oliveira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

[ii] MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

[iii] HONWANA, Luís Bernardo. Nós matamos o cão tinhoso! São Paulo: Kapulana, 2017.

[iv] HOWE, Susan. Sorting facts; or, nineteen ways of looking at Marker. Nova York: New Directions Books, 2013.

[v] SOUSA, Noémia de. Cais. In: ______. Sangue negro. São Paulo: Kapulana, 2016.

[vi] BERTO, Al. Salsugem. In: ______. O medo. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009.

[vii] AMADO, Jorge. Suor. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

[viii] ANDRADE, Carlos Drummond de. Favelário nacional. In: _______. Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

[ix] PEQUENO, Tatiana. Recôncava. In: _______. Aceno. Rio de Janeiro: Ofcina Raquel, 2014.

[x] LIMA, Jorge de. Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2017.

[xi] LEVINAS, Emmanuel. Violência do rosto. Trad. Fernando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 2014.

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[xii] SANTIAGO, Silviano. Apesar de dependente, universal. In: _______. Vale quanto pesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

[xiii] ANDRADE, Carlos Drummond. Favelário nacional. In: _______. Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

[xiv] MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.

[xv] SOUSA, Noémia de. Poema a Jorge Amado. In: ______. Sangue negro. São Paulo: Kapulana, 2016.

[xvi] PIZARNIK, Alejandra. Nomear-te. In: ______. Os trabalhos e as noites. Trad. Davis Diniz. Belo Horizonte: Relicário, 2018.

[xvii] BRIZUELA, Natalia. Depois da fotografa: uma literatura fora de si. Trad. Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

[xviii] JELLOUN, Tahar Ben. As cicatrizes do Atlas. Trad. Cláudia Falluh Balduino Ferreira. Brasília: Editora UnB, 2003.

[xix] CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2013.

[xx] CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Trad. Claudio Willer. São Paulo: Veneta, 2020.

[xxi] ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

[xxii] BAUDELAIRE, Charles. XXVI. OS olhos dos pobres. In: ______. O spleen de Paris. Trad. Samuel Titan Jr. São Paulo: Ed. 34, 2020.

[xxiii] BRECHT, Bertold. Histórias do sr. Keuner. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Ed. 34, 2006.

[xxiv] GARCIA, Marília. Parque das ruínas. São Paulo: Luna Parque, 2018.

[xxv] BUTLER, Judith. Quadro de guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.

[xxvi] SOUSA, Noémia de. Lição. In: ______. Sangue negro. São Paulo: Kapulana, 2016.

[xxvii] MBEMBE, Achille. Brutalismo. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1, 2021.

[xxviii] Texto do diário de campo de Patrick Arley.

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“Não há nenhuma difculdade, portanto, em demonstrar que a ideia de uma personalidade das imagens (ou, no mínimo, um animismo) encontra-se tão viva no mundo moderno quanto outrora em sociedades tradicionais.

A difculdade está em saber o que dizer a seguir” (W. J. T. Mitchell)

“Não esqueças, sobretudo, de olhar devagar” (Vasco Gato)

As histórias acerca da história da fotografa são, via de regra, “modernas” — no sentido em que as modernidades gostam de fabular e ilustrar seus próprios mitos de origem como uma espécie de aventura e destino da “razão” (este grande projeto de “estado-nação espiritual”).

Esta fábula autocomplacente produz efeitos diversos e, muitas vezes, perversos. Um deles, que me interessa particularmente, é o poder que por muito tempo as imagens técnicas tiveram de eclipsar sua própria violência, disfarçada numa pseudoneutralidade que seria resultado da mediação fria de uma máquina. Ora, sabemos que, dentre os vários usos dos dispositivos fotográfcos, um dos mais populares é aquele que se prestou a dar novas formas para velhos conteúdos: a dominação e a expropriação do Ocidente sobre seus “outros”. Ao longo dos séculos XIX e XX, milhões de imagens de povos e pessoas subalternizadas foram utilizadas de maneira a endossar e a naturalizar teorias racistas, exotismos e todo tipo de violência contra os chamados “não modernos”. Não por acaso, é comum que povos tradicionais tenham, ao longo do tempo, percebido a fotografa com medo ou desconfança, como uma espécie de artefato mágico — e de guerra — dos brancos.

Esse receio em relação às imagens fotográfcas — não apenas em relação a quem delas se encarrega, mas ao que elas são capazes de carregar consigo, desde o corpo de uma pessoa até a ”alma” de um povo, não é equivocado nem raro. Desde os seus primórdios,

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as fotografas vêm produzindo encantos e tragédias onde quer que existam as magias e as mortes; e é sabido que elas existem por toda parte.

Nas últimas décadas, com a popularização dos dispositivos fotográfcos e a maior facilidade de acesso a eles — especialmente com o advento das imagens digitais —, vem ocorrendo um movimento de ressignifcação, no qual esses povos, historicamente expropriados de suas próprias imagens, se apropriam delas e ampliam as linguagens visuais para criar e contar suas próprias narrativas na luta por direitos. Esses olhares “de dentro”, por diversos que sejam, têm em comum assumir a lógica de um contrafeitiço ao subverter e confrontar os usos técnicos e as narrativas brancas usuais.

Esta exposição se inscreve também nessa lógica. Trata-se, em primeiro lugar, de criar confuências entre situações e contextos etnográfcos e históricos muito distintos: desde pessoas impactadas por grandes empreendimentos empresariais, criando suas formas próprias de luta e resistência, até médicos tradicionais combatendo a feitiçaria (cada vez mais neoliberal) em Moçambique; desde terreiros de umbanda, candomblé e irmandades de Reinado ocupando espaços públicos e confrontando o racismo religioso até quilombos lutando por seus territórios no Brasil do século XXI. O lugar a partir do qual proponho este diálogo é também multissituado; e parte, por um lado, das confuências e tensões entre os ofícios de antropólogo e fotógrafo, bem como das trajetórias como umbandista e reinadeiro.

As conexões aqui propostas não se dão apenas a partir das eventuais semelhanças entres os mundos de lá e de cá, mas, principalmente, a partir de suas particularidades, em contextos diaspóricos e pós-coloniais distintos. Busca-se, aqui, a construção de pontes, no sentido proposto por Isabelle Stengers: tecer “relações que transformam uma divisão em um contraste ativo, com poder de afetar, de produzir pensamento e sentimento”.[i]

Um dos desafos do registro imagético destas várias realidades é não apenas o de não reproduzir os vários estereótipos preconceituosos, textuais e imagéticos acerca das pessoas e dos seres envolvidos; mas o de assumir uma perspectiva contrária a esses estereótipos. Isso

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implica a incorporação das várias agências e presenças que compõem as experiências, tanto nas práticas e nos ritos registrados, quanto no próprio fazer fotográfco. Como aprendi com os curandeiros em Moçambique, que tratavam a câmera como um equivalente funcional aos seus instrumentos de trabalho, reivindicar um animismo para as imagens implica assumir seus feitos e efeitos, mágicos e políticos — e, principalmente, se responsabilizar por eles. Trata-se de sair de uma lógica da representação - seja imagética e/ou política - tão cara ao Ocidente, para outra, a do re-conhecimento — isto é, conhecer em outros termos. Nesse sentido, a exposição não se propõe a oferecer respostas, mas ampliar, por meio das imagens e dos textos, as perguntas a respeito daquelas e daqueles que, pela sua ancestralidade, seguem compondo outros mundos possíveis.

Nas fotografas, algo acontece. Insistamos.

[i] STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Trad. Jamille Pinheiro Dias. Belo Horizonte: Chão da Feira, 2017. p. 8. (Caderno de Leituras, 62)

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Patrick Arley é antropólogo e fotógrafo com 15 anos de experiência. Vem, ao longo de sua trajetória, contribuindo para a difusão, a visibilidade e a promoção das manifestações de matriz africana na cidade de Belo Horizonte, em especial as manifestações sagradas, como o Reinado (é integrante da centenária Irmandade de Congo e Moçambique Nossa Senhora do Rosário e Sagrado Coração de Jesus - Os Carolinos) e as religiões afrobrasileiras, como a Umbanda (é membro da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente). Seus trabalhos promovem a ressignifcação e a valorização da cultura e da história negras em Minas Gerais, sendo um instrumento na luta por visibilidade e reconhecimento de grupos subalternos e historicamente marginalizados — tanto no sentido de possibilitar o acesso desses grupos a espaços culturais dos quais sempre foram excluídos, como museus, galerias e outros, quanto, no sentido oposto, de educação de um público mais amplo a respeito dos grupos e das manifestações culturais afrodescendentes. Além disso, outras iniciativas mais específcas, mas não menos importantes — tais como recursos de acessibilidade para defcientes visuais nas exposições e ofcinas gratuitas de fotografa e de linguagens visuais voltadas para os públicos periféricos —, ajudam a subsidiar meios para que esses grupos possam se tornar agentes de suas próprias histórias e narrativas por meio da capacitação técnica e do acesso a editais de fomento à cultura na cidade de Belo Horizonte e no estado de Minas Gerais. Ao longo da última década, fez parte de exposições no Brasil e no exterior.

Em 2022, no âmbito do Mês da Consciência Negra promovido pelo Espaço do Conhecimento da UFMG expôs as séries Quem anda com nego velho e Aos seres da metamorfose. Ainda naquele ano, publicou com Pedro Kalil o livro Balta. Participou, em 2020, das exposições Minas – 300 anos, promovida pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, e Festeja Tradição Mineira, promovida pela Mídia Ninja. Entre 2017 e 2020, integrou a exposição Reinado de Chico Calu – Repertórios Sagrados da Irmandade Os Carolinos, que ocupou importantes espaços culturais da cidade de Belo Horizonte, como o Museu Inimá de Paula,

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a Usina de Cultura e o Memorial Vale Minas. A exposição contava, por meio de dispositivos imagéticos e multissensoriais, a história da Irmandade Os Carolinos, terceira mais antiga ainda em atividade na capital mineira. Também em 2020, foi selecionado no edital da Lei Aldir Blanc Municipal (BH), na categoria “Linguagens artísticas - individual”. Em 2017, compôs a exposição coletiva O Corredor de Nacala – comboio, carvão e gente no norte de Moçambique, que foi apresentada em cidades como São Paulo, Campinas, Belo Horizonte (Palácio das Artes e Faculdade de Filosofa e Ciências Humanas da UFMG), Maputo e Nampula (em Moçambique). A exposição foi resultado de um trabalho de pesquisa coletiva do Laboratório de Antropologia das Controvérsias Sociotécnicas (LACS-UFMG), coordenado pelo professor Eduardo Vargas. Em 2015, foi selecionado para a exposição

The Exposure Award - Portraiture Collection, ocorrida no Museu do Louvre, em Paris, com uma das imagens do trabalho desenvolvido em Moçambique. No Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais (NuQ/UFMG), realizou pesquisa e produção de imagens para um catálogo que reúne expoentes de oito expressões culturais afrobrasileiras presentes na cidade de Belo Horizonte: capoeira, dança afro, hip hop, reinado, samba, soul, comunidades tradicionais de terreiros e quilombos. Em 2014, ao lado de Rudá Ricci, publicou o livro Nas ruas - a outra política que emergiu em junho de 2013; participou do livro Percursos do Sagrado: irmandades do Rosário de Belo Horizonte e entorno; e da edição da revista Marimbondo sobre a Guarda de Moçambique de Nossa Senhora do Rosário e Sagrado Coração de Jesus - Irmandade Os Carolinos. Contribuiu, também, com textos e ensaios fotográfcos para outras edições da Marimbondo, como os números 5 (Lagoinha) e 3 (Música); além da exposição coletiva O inimigo e a câmera, realizada pelo Forumdoc em 2013. Em 2011, produziu as fotos da exposição Trabalho e cidadania, realizada no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (BH). Além disso, como antropólogo, atua como educador e consultor nos campos do patrimônio imaterial, dos impactos ambientais e das comunidades tradicionais atingidas pela mineração.

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FICHA TÉCNICA

Idealização Elias Gibran e Pedro Kalil

Expografa Alexandre Tavera

Montagem Alexandre Tavera e Eurides Máximo

Design Fernanda Gontijo

Ensaios (catálogo) Daniel de Jesus Figueiredo, Patrick Arley e Pedro Kalil

Revisão de textos Roberta Martins

Gestão e produção executiva Alexandre Tavera e Elias Gibran (Napele Produções Artísticas)

Libras Dinalva Andrade e Marco Aurélio Diogo

Audiodescrição Anita Rezende

Comunicação Jessica Soares

Imprensa Jozane Faleiro

Administrativo Ângelo Silva

AGRADECIMENTOS

Elias Gibran, Pedro Kalil, Alexandre Tavera, Julia Moyses, Carol Macedo, Pai Ricardo de Moura, Mãe Sheila Ricardo, Gabriel Ricardo de Moura, Michelle Pessoa, Consuelo Abreu, Rodrigo Cerqueira, Dr. Momomo, Mahamudo Amurane, Maria Luísa Chimele, Justino Cardoso, Sudheesh Sudhakaran, Miguel Arcanjo, Nego Bispo, Elcio Paraíso, Liliane Pelegrini, Amanda canhestro, Marcia Charnizon, Isis Medeiros, Julia Pontés, Daniel de Jesus Figueiredo, Roberta Figueiredo, Helena Assunção, Eduardo Vargas, Karenina

Andrade, Deborah Lima, Flora Gonçalves, José Cândido, Chris Barra, Clarice Raposo, Rogério Brittes, Raquel Andrade, Cristiane Foschetti, B. de Paula, Fernando Pacheco, Bruno Paes, Fernando Ribeiro, Raul Lansky, Ana Luisa Martins, Brisa Catão, Kleiton Rattes, Francilins, Paola Cristina, Clarice Murta, Ana Esperança, Aunicio da Silva, Helder Pereira, Victor Victorino Pacleque, Aurelio Ginja, Nelson Pereira, Neusa Pereira, Neide Pereira, Wilson Pereira, Nilson Pereira, Kelly Santos, Kelma Conceição, Isabel Casimira

Gasparino, Maria do Rosario de Moura, Edina aparecida dos Santos, Fabio Felipe, Maria do Nascimento, Neuza Pereira Teixeira, Zilda Pereira Lisboa, Eliete Oliveira, Leda Martins, Mary Rodrigues, Elizangela Santana, Vânia Aparecida da Cruz, Pedrina dos Santos, Karu, Colibri, Mauricio Tizumba, Sérgio Pererê, Pablo Bernardo, Pai Delsinho, Pai Higor, Makota Celinha, Alexandre Gutierrez, Sebastiana de Oxossi, Frei Chico, Vincent Cânfora, Dra. Amelia Lopes, Dra. Adelina Mario, Dra. Amelia Daniel, Dr. Anselmo Civela, Dr. Alifa, Dra. Adelia Fernando, Dr. Assane Martins, Dra. Celina Nunes, Dra. Cida João, Dr. Agostinho

Marokotela, Dra. Cacilda Leite, Dr. Hadji, Dra. Elisa Sila, Dra. Elvira Cerage, Dra. Fatima

Alpino, Dra. Filomena Alpino, Dr. Cavinca Caramo, Dra. Helena Manoel, Dra. Helena

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Rego, Dra. Inês Gregório, Dr. Gelane Gito, Dra. Celestina Armando, Dra. Juliana Aissa, Dra. Laura Antonio, Dra. Juliana Adriano, Dra. Laurinda Cipriano, Dra. Lucia Antonio, Dr. Manuel Jorge, Dra. Marcia Sacuate, DRa. Maria da Conceição, Dra. Maria Lokiha, Dra. Maria Muheca, Dra. Matilde Samuel, Dr. Mauricio Chico, Dr. Mendes Usumane, Dr. Mucomia, Dr. NIquer, Dra. Noemia Ravache, Dr. Alberto Rachireque, Dra. Rita Assura, Dra. Rita Cardoso, Dra. Rita Pedro, Dr. Antonio Pedro, Dra. Rita Manquesa, Dra. Rosa Armando, Dra. Teresa Alfredo, Dra. Fátima Momade, Dr. Jorge Ferrão, Rafael Galante, Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, Casa Sete Marias, Tenda Umbandista Rei Congo, Irmandade de Congo e Moçambique Nossa Senhora do Rosário e Sagrado Coração de Jesus - Os Carolinos; Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário do Urca; Guarda de Moçambique São José; Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Santo André; Guarda de Moçambique Treze de Maio de Nossa senhora do Rosário; Guarda São Jorge de Nossa Senhora do Rosário, Guarda de Moçambique do Alto dos Pinheiros; Irmandade de Congo e Moçambique Morro do Papagaio; Festejo do Tambor Mineiro e Guarda De Marinheiro de São Jorge e Nossa Senhora Do Rosário, Quilombo de Mangueiras, Quilombo de Luizes, Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, Quilombo Souza, Quilombo Os Carolinos, Quilombo Mimbó, Quilombo dos Carrapatos, Laboratório de Antropologia das Controvérsias sociotécnicas - PPGAN/UFMG, Associação dos Ervanários de Moçambique - AERMO, Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira -CENARAB/MG, Reunião Umbandista MIneira - Grupo RUM, Napele Produções Artísticas e Artmosphere Fine Art.

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Este catálogo foi produzido com recursos da

Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.

LABORATÓRIO DE PRODUÇÃO

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