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Luli Radfahrer entrevista
Luli é professor de fotografia e design na USP e parceiro da OLD desde o número zero. Pesquisador e praticamente fundador da web no Brasil, Luli fala aqui justamente de fotografia e tecnologia.
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O que muda pra fotografia com o crescimento de dispositivos móveis e da internet wi fi e 3G?
Primeiro, são duas coisas diferentes, eu acho que o dispositivo móvel é a ampliação daquilo que a fotografia digital já trouxe pra gente em termos de democratização. Antes do digital a fotografia era uma coisa que se dizia acessível, mas era uma coisa para ocasiões especiais. Do mesmo jeito que o impresso era uma coisa para ocasiões especiais. Então eu me arrumava para uma fotografia, eu sorria para a foto e a idéia de foto espontânea era uma coisa de fotógrafo profissional. Uma coisa de National Geographic ou de fotografia de moda, uma coisa de quem podia se dar ao luxo de fazer uma foto nesse estilo, usando várias técnicas de fotografia que jamais foram utilizadas pelo usuário comum, como por exemplo o motion blur, que hoje é muito comum, mas que era uma coisa de quem tinha muita técnica e muita prática. E você não vai aprender motion blur fritando filme, então a primeira coisa é a foto digital, com grandes cartões de memória e câmeras de uma qualidade mínima, quer dizer: quando se passou a ter boas objetivas, 5 mega pixels e cartões de memória com mais de 8gb, a coisa começou a melhorar mesmo e um monte de gente começou a fotografar.
A fotografia evolui e se multiplica quando ela passa de uma fotografia mais técnica para a fotografia instantânea, da Kodak, lá nos anos 60, com a câmera automática. Depois disso você tem a revelação de uma hora, que no fundo foi só um progressinho tecnológico. Surge a câmera digital, até ela ficar boa ela se multiplica e um monte de gente fotografa. Daí vem a internet e os grandes portais de fotografia, com eles a coisa muda mesmo.
Porque você tinha um problema: você tirava um monte de fotos e elas ficavam armazenadas em algum lugar no seu computador.
Agora, com esse novo cenário, você tem um monte de gente compartilhando um monte de foto. E por último você tem o telefone com foto e coisas como o Instagram que multiplica ainda mais [o diálogo entre fotógrafos].O que está acontecendo na verdade é uma enorme alfabetização visual das pessoas na prática, sem muita teoria, elas estão fotografando mais e portanto estão enxergando melhor e também há uma enorme consciência da imagem que é uma coisa que não se tinha antes. Hoje quando você fala em semiótica ou consciência da imagem ou importância dela, são coisas que não fazem sentido só para o estudante de comunicação, elas fazem sentido para qualquer um. Então é muito bacana porque é no fundo um processo de
...Pois é, mas para pegar informação de lá você precisa ter muita naturalidade com a ferramenta. Você precisa passar da etapa uma coisa impensável dez anos atrás, que você iria ter uma legião de pessoas usando fotos para se exprimir visualmente e sem texto. alfabetização. já conheceu a técnica até um certo limite e que à partir dali ele vai usar aquela técnica para transmitir uma mensagem. Agora, quem faz fotografia artística ou publicitária está sempre explorando o limite da técnica. Então a relação desses caras com o tempo é completamente diferente. O Instagram começou como uma coisa nova, todo mundo virou artista, todo mundo foi explorar, alguns perceberam que “já aprendi o que precisava da ferramenta, agora vou me comunicar”. Vou me comunicar para, por exemplo, mostrar meu estado de humor, o que é uma coisa impensável dez anos atrás, que você iria ter uma legião de pessoas usando fotos para se exprimir visualmente e sem texto, ou com uma linha de texto. Isso é uma baita inteligência visual que não existia. Por outro lado vocês tem os caras que já aprenderam o que tinham que aprender e agora vão usar o aplicativo para transmitir uma mensagem, porque se não eu vou ficar que nem criança brincando com palavras quando tá aprendendo a falar. Todo mundo já balbuciou bastante pelo Instagram e quem já tá lá faz um certo tempo já está se comunicando, seja com texto, seja com imagem.
Não sei se você se lembra, mas nós já conversamos sobre distribuição de imagens e sobre o Instagram e você disse que queria ver quando as pessoas iriam começar a usá-lo para obter informação jornalística. E isso já está acontecendo...
Acho que depende muito da definição de crise. Ela pode estar em crise se você pensar na fotografia tradicional e no jeito que o fotógrafo profissional era tratado e lidava com o mercado e agora você tem uma profusão de amadores. Sim ela está crise. Agora ela não está em crise se você pensar que, cada vez mais as pessoas estão entendendo que existe a fotografia e a importância que ela tem, coisa que antigamente um indivíduo os tempos nunca estiveram negros para quem trabalha com fotografia em um modelo tradicional e nunca es- tiveram tão propícios para quem quer enxergar um novo modelo de fotografia. não entendia a diferença entre uma foto boa e uma ruim. Então, os tempos nunca estiveram tão negros para quem trabalha com fotografia em um modelo tradicional, e nunca estiveram tão propícios para quem quer enxergar, entender, um novo modelo de fotografia.
Você acha que a fotografia está em crise?
Como a imensa quantidade de conteúdo na web ajuda e prejudica na produção de imagens?
Ela ajuda por que ela dá para um indivíduo uma referência melhor do que é bom ou ruim. O problema é que quando você tem muito conteúdo na web a pessoa pensa: “porque é que eu vou pagar para alguém?”. Não existe mais a lei da oferta e procura. Se eu quiser eu pego de graça. Mas, ao mesmo tempo, se tem muito conteúdo na web, eu começo a ficar mais consciente em relação a o que é um bom conteúdo. Agora é uma época ruim, porque ainda tem a história de ter “muito conteúdo de graça” , mas está se tornando aos poucos uma época boa porque as pessoas estão tendo más experiências com o conteúdo gratuito que elas encontram na rede e todo mundo tá notando isso e elas estão recorrendo a um bom fotógrafo. Acho que facilita muito. Por exemplo, qualquer pessoa pode bater uma foto minha, então porque eu preciso de um profissional? Bate você mesmo e vê o que acontece, sabe? Não adianta. As pessoas precisam tentar e precisam errar. Isso é muito frustrante para o fotógrafo, mas eu acho que o fotógrafo que se dedicar a ensinar o seu cliente tem um mundo muito bacana pela frente. Eu acho que o fotógrafo tem uma postura muito arrogante em relação à web. Ele faz de conta que ela não existe e espera que o mundo reconheça o seu valor. Isso não vai acontecer. Ele tem que entender que a web existe e entender como usá-la para provar o seu valor. É a diferença da Madonna pra Lady Gaga, pô. A fotografia está passando por um momento de grande crescimento tecnológico e de nostalgia analógica, como você vê isso? que está vendo uma foto, um registro mais humano, que tenha a garantia de que foi feito por uma pessoa e não por uma máquina.
É engraçado. Antes pra você produzir uma fotografia boa você precisava de uma técnica muito boa, era quase uma vitória produzir uma fotografia boa. O erro era o normal. Então a fotografia tinha uma coisa de artes plásticas, de serigrafia, de gravura, que para eu acertar eu precisava errar muito. O computador começou resolvendo esse problema e o resolveu muito bem, tanto que hoje ele não erra. Tanto que hoje eu tenho auto foco, estabilizador, auto isso, auto aquilo, profundidade de campo gigantesca... Beleza. Eu não erro, mas o problema é que a imagem ficou perfeita demais, hoje eu quero, como pessoa
É por isso que é tão bem vinda essa onda enorme de nostalgia. Na verdade eu estou manipulando o erro digital. Então, é um erro, mas é um erro manipulado. Se eu quiser eu tenho a foto certinha, o que eu estou controlando é a expressão. Então, não é que é nostalgia ou erro, é uma forma diferente de expressão. Bater uma foto perfeita, todo mundo bate, o problema é fazer uma foto expressiva... iPhone fez alguns ajustes para o mercado do consumidor comum: câmera de 5mp, um monte de aplicativos visuais pra isso, ponto de foco no toque, quer dizer é muito para o público comum mesmo. iPhone ou Lomography?
...é engraçado que até os aplicativos do iPhone buscam características lo-fi...
Difícil essa... Eu acho que os dois, por uma coisa muito simples: eles são para funções completamente diferentes. São formas completamente diferentes de expressão. Você pode se exprimir através de um poema curto, de um soneto ou de um livro. As três coisas são sua expressão, nenhuma é maior do que a outra, mas uma demanda um grau de envolvimento muito maior do que as outras. Então, se é pra pegar a Lomo, é pra pegar a Lomo de verdade, ter um relacionamento sério com ela, fazer um planejamento, escolher o dia certo, com a luz certa e revelar o filme. Então eu vou passar pelo processo todo e o processo vai me envolver. Se é o iPhone é um envolvimento muito mais curto, mas que não precisa ser menos intenso. Um é ficar, o outro namorar. Com a grande vantagem que nesse caso as relações podem e devem ser polígamas.