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OLD entrevista Cia de Foto

A OLD conversou com a Cia de Foto no escritório deles em São Paulo. Conversamos sobre o trabalho do coletivo, sobre seu planos para o futuro e sobre como eles vêem a fotografia contemporânea. Vocês revolucionaram o mercado fotográfico brasileiro na última década. Como é estar no grupo dos principais fotógrafos brasileiros? O que vocês fazem para continuar nesta posição?

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Na verdade nunca foi uma ambição estar entre o grupo dos ditos “melhores”. A ideia de fundar a CIA era a de mostrar nossas ideias, para que elas pudessem ser discutidas, valorizadas, trabalhadas…Durante esses 8 anos de CIA, muita coisa foi evoluindo, se adaptando. E é um retorno legal você estar dizendo que estamos nesse grupo. Então, fazendo uma coisa que a gente se sente bem, a gente conseguiu um espaço que talvez o Mercado estivesse pedindo. A gente não inventou nada…é mais uma reação do que uma ação. A gente começou a achar algumas brechas no Mercado e também a não respeitar alguns paradigmas. A gente navega com muita liberdade nos diversos mercados que a gente atua. Não há problema em transitar entre o Mercado de fotojornalismo, arte, publicidade, porque o que a gente discute é a própria fotografia. Se existe alguma regra nesse jogo é a de respeitar nosso desejo inicial e respeitar o nosso objeto de discussão, que é a própria fotografia. O ponto de virada da CIA foi quando a gente se deu conta que deveria produzir para a gente mesmo. A gente tem que resolver as nossas questões: de como a gente vai trabalhar, de como funciona um coletivo: e foi um momento muito importante aqui dentro. Mas há muito tempo que a gente não fica preso só à gente. A gente expande não só para outras áreas, mas também a outras pessoas de fora do coletivo, como músicos, cineastas. A gente não se limita a um campo de ação. A CIA tem várias raízes, com uma base forte e diversificada. É um pouco por isso que a gente está onde está. é base de muitas coisas. Hoje em dia se discute se quando os irmãos Lumiere fizeram o primeiro filme deles, se eles queria ser fotógrafos ou se foi a indústria que depois transformou aquilo em cinema. É natural, pois nunca tivemos preconceito com nada. Não acreditamos no paradigma de que o fotógrafo tem que editar 12 fotos e apresentar como ensaio. E então nós pensamos que se a música pode ajudar nosso trabalho,

O trabalho da Cia. está ficando cada vez mais multimídia. Como surgiu este processo dentro do grupo? Vocês acham que isso é uma tendência no mercado?

Se tivesse que por uma data, diria que nosso momento de virada foi em 2006. E nosso primeiro trabalho: apresentado como coletivo foi o vídeo do “911”e ele já fazia isso: tinha música composta pra ele, um vídeo dentro dele. A nossa formação dentro da CIA é distinta. Assim como a gente é fotógrafo e consome fotografia como espectador, a gente também consome todas as outras áreas, como música, cinema. A gente tem um conhecimento como espectador e a gente domina uma linguagem que, querendo ou não, por que não podemos convidar alguém para tocar uma música? Hoje em dia a gente trabalha como diretor de filme publicitário. E o papel do diretor é esse, é meio que pensar em tudo. E a CIA é essencialmente, desde o princípio, digital. A gente usou filme 3 vezes na vida. E a gente decidiu experimentar. E desde o começo a gente quis entender esse negócio, estudar. A gente fez curso de Fotografia Digital bem no início, em 2004, para entender quais são as possibilidades do digital. Então a gente vai acompanhando o que a tecnologia traz pra gente. De vídeo a gente sempre gostou e quando apareceram câmeras que faziam isso, a gente aderiu. Mas sabe como é, fotógrafo às vezes demora pra incorporar uma coisa nova, eu mesmo tinha um pouco de resistência no começo, mas o Rafael tinha mais contato, fez Audiovisual, sabia editar. Acho que o coletivo é isso, cada um agrega um pouco. Se você for pra essência do mundo digital, o mundo binário, lá no começo mesmo, o 01, é tudo associação. a fotografia digital, se tratada da forma correta, ela é captada em uma sequência de bits e bites e que depois é transformado por uma interface em uma fotografia. Em um trabalho nosso a gente discute exatamente isso. A gente associou os códigos binários das nossas imagens a música, porque se você for pra essência, você tá na matriz. Isso faz sua cabeça pensar, porque eu estou pensando só fotografia? Na verdade eu to fazendo uma associação de que aquilo é uma fotografia. Acompanho o Flickr de vocês e gosto muito da imagens mais caseiras que aparecem por lá. Como é a relação de fotografar/expor a família? E, aproveitando o tema, como foi a produção do Caixa de Sapato? O caixa de sapato surgiu em 2005/2006,

Onde você vai treinar se não na sua casa?

Experimentar sem nenhuma censura, sem tempo, sem prazo, sem nada

apesar de a gente já assinar como coletivo, existiam trabalhos individuais de nós três, e muitos autorretratos, o dia-a-dia de uma família sendo constituída, a balada, os amigos, momentos felizes e tristes. É uma forma de treinar também. Onde você vai treinar se não na sua casa? Experimentar sem nenhuma censura, sem tempo, sem prazo, sem nada.

E daí era difícil pra gente se pensar num trabalho que era um autorretrato coletivo. Então essas imagens estavam aqui dentro, mas escondidas. quando a gente começou a pesquisar esse objeto, a caixa de sapato, todo mundo tinha referência em casa da caixa de sapato com fotos da família, com recortes, lembranças, e a gente usou o flickr como uma caixa de sapato virtual, que todo mundo tem a senha, todo mundo pode subir foto. Tem uma coisa da caixa de sapato que é interessante, que não importa muito quem fez aquelas fotografias. Quando você tem uma caixa dessas na sua família o que importa é a lembrança é ver como as pessoas eram, como ela ficaram. Importa mais a relação afetiva que você tem com aquilo do que quem foi o fotógrafo. A caixa ela só é ativa quando você abre ela e olha, o evento que se faz em torno disso. Então decidimos criar uma caixa de sapatos que a gente foi alimentando com imagens do nosso cotidiano e o que importa é o que isso vai despertar nas pessoas. Tanto que no começo a gente liberou as imagens para qualquer tipo de uso só pedindo pras pessoas falarem para que elas iriam usar e ninguém usou pra publicidade ou nada disso, as pessoas pegavam para colocar no quarto delas, ou porque lembrava alguém da família delas. Então as pessoas se relacionam afetivamente com aquilo. Isso só comprovou uma coisa que a gente já intuía sobre esse tipo de fotografia. Sobre mostrar nossa rotina e nossa família, a gente veio do fotojornalismo e aprendemos nessa escola, em uma linha mais antiga, que o fotojornalista tem que ir longe pra realizar o seu trabalho e pesquisando o mercado de arte e a fotografia estrangeira percebemos que muitos fotógrafos, que a gente admira muito, estavam fotografando as suas famílias e amigos dos mais variados jeitos. Com isso a gente juntou o desejo de fazer esse autorretrato coletivo e o desejo de mostrar pro mercado que não precisava ir longe para fazer um trabalho de qualidade, para ter um assunto, tanto que 90% do nosso trabalho está ligado à São Paulo. Depois do Caixa de Sapato, e não fui eu que falei isso então tenho uma certa isenção, nós vimos um monte de gente pegando fotos da família e vindo mostrar pra gente, trabalhos novos, de uma geração posterior à nossa indo nessa linha, falando sobre relação com os pais, com a família, etc. talvez a gente tenha dado um empurrão junto com esse questionamento sobre o tema. Talvez as pessoas já quisessem falar sobre o isso mas não achavam que era um assunto relevante, que tivesse valor. Acho que a Cia tem essa relação com a juventude até pelo nosso formato mesmo, por sermos digitais, estarmos perto das faculdades, inseridos nas redes sociais, todo mundo que entra em contato a gente recebe aqui, acho que isso ajudou muito a disseminar esses conceitos. Isso ajuda nosso trabalho a chegar a muito mais gente. As coisas estão ai pra serem mostradas, a internet está ai, não adianta colocar marca d’água nas imagens, não adianta esconder o trabalho, porque se não ele não cresce, você não vai receber nenhum resposta sobre ele, a gente tem canais de veiculação do nosso trabalho muito ricos, talvez seja mais legal ter seu trabalho na internet pra todo mundo ver do que só na galeria.

Vocês tem um trabalho da campanha pela prefeitura de São Paulo que aproveita da multiplicidade da Cia e faz registros simultâneos dos candidatos. Como foi explorar essa “vantagem”? Como funciona a produção de vocês para trabalhos comerciais/pautados considerando este sentido?

A questão do sincronismo é presente em vários trabalhos nossos, ela fica mais explícita no trabalho dos políticos, mas ela também está presente no Caixa de Sapato que tem as três câmeras sincronizadas em um trajeto entre as nossas casas, que foi uma semana depois do trabalho dos políticos, dá até pra ver o jornal com as imagens dentro do vídeo. A gente já tinha tentado fazer isso em outro trabalho, sobre a fronteira, mas não deu certo, talvez pelo tema, talvez pelo tamanho do projeto. Quando a Folha convidou a gente pra fazer esse trabalho deu vontade de aplicar essa questão que a gente já vinha pesquisando em uma situação de jornalismo tradicionalíssimo. Até pela questão do fotojornalismo ter a questão do momento, da fotografia que sintetiza tudo, também é um jeito de veladamente, questionar o fotojornalismo dentro do próprio jornal. Quando você vê a sequência dos candidatos de três ângulos diferentes ao mesmo tempo você questiona qual a parcialidade do fotógrafo. A Marta aparece rodeada de gente em uma das fotos, mas na outra você percebe que é só gente do comitê dela e os fotógrafos, que ajudam a construir essa massa. Depois do final do a gente percebeu a potência que ele teve e de certa forma conseguimos encerrar um ciclo dentro da Cia, com a questão do sincronismo, do fotojornalismo, de tudo isso. Mas assim como tudo que sai da Cia já era uma pesquisa que a gente estava fazendo aqui dentro que a gente percebeu que era o momento certo de divulgar essa questão. Tanto que depois a gente aplica imediatamente no Caixa de Sapato. E vai ser feito desse jeito, cada um segue na sua casa se encontrando e depois separando. E a coisa do trabalho comercial, a gente trabalha muito sob encomenda. Os trabalhos políticos são trabalhos sob encomenda que a gente resolveu aplicar uma ideia que era uma ideia que já estava presente aqui. Isso é uma coisa que a gente faz muito, muito dos nossos trabalhos surgem de uma demanda comercial, direta ou indiretamente. Esse trabalho das pessoas chorando começou de uma pesquisa que a gente tava fazendo em um banco de imagens, de retratos em estúdio, a gente começou a experimentar luz com nossa assistente, Alexia, fazendo um estudo de luz, daí o Pio brigou com a Alexia e ela chorou..Daí fizemos a foto e pronto: temos um ensaio. A gente tem essa coisa, tem um treino. O carnaval que eu acho que tem um trabalho que está mais exposto, o João estava trabalhando para a Ivete Sangalo e aproveitou e fez aquele ensaio. Você só chega naquele lugar daquele jeito. Subir no trio elétrico da Ivete Sangalo deve ser uma das coisas mais difíceis que existem. Tem meia dúzia de convidados Vips, cada fotografo da imprensa pode ficar 5 minutos lá em cima. Mas a gente estava lá fotografando ela. Se você quisesse e tivesse essa ideia de fotografar a galera olhando pra cima, pro trio elétrico da Ivete Sangalo, como você faria? Então a gente tem esse treino para aproveitar situações e como a gente vive o tempo inteiro, as idéias tão sempre por aqui, de repente a gente se vê numa situação e pensa: dá pra aplicar isso. E a demanda comercial de alguma forma leva a gente para lugares inimagináveis. 90% do que conheço hoje é porque eu sou fotógrafo. A fotografia te leva a lugares que normalmente você não iria.

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