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OLD entrevista

Cristiano Mascaro é um dos grandes nomes da fotografia brasileira. O fotógrafo paulistano é especilizado em fotografia urbana e tem grande parte de seu trabalho dedicado ao registro de São Paulo. A OLD bateu um papo com ele em sua casa e conversamos sobre sua trajetória e sobre trabalhos atuais.

a gente andar a pé. Ainda não havia essa consolidação do automóvel. Ou era a pé ou de transporte coletivo, ônibus, bonde. Eu ia da minha casa pra escola, pro cinema, pra padaria, tudo a pé. Então eu andava pelas ruas e a principal era a Av. São João. Às vezes andava quatro, cinco quilômetros para ir ao cinema, por exemplo.

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Vamos começar do começo. Como foi a sua migração da arquitetura para a fotografia? Que influências você vê da arquitetura da sua produção visual?

Todo mundo pensa que eu gosto de fotografar cidades - nem tanto arquitetura, que pra mim é mais o conjunto que constrói o cenário - e evidentemente ter feito escola de arquitetura foi legal. Realmente eu passei a me interessar mais pela cidade, pelo seus problemas, mas o que me fez a cabeça para a fotografia foi o fato de, na minha infância,

Eu me lembro que, caminhando pela São João, o cenário me fascinava muito, a avenida já era muito urbanizada, com prédios muito grandes, então eu acho que fiquei um pouco impressionado com aquele cenário e isso me acompanhou, ao contrário do que eu imagino que acontece hoje, em que as pessoas saem de uma garagem em um carro com vidros escuros para depois entrarem em outra garagem, shopping e mal vêem a cidade. Então eu tive esse privilégio de conhecer a cidade a pé. Depois, na escola, eu comecei a me aproximar mais da cidade através das aulas de urbanismo e afins. A fotografia acabou sendo uma descoberta repentina. Eu estava na faculdade e, fugindo de uma aula um pouco aborrecida - deveria ser muito interessante para quem estava interessado em aprender como se calcula uma viga - fui para a biblioteca e acabou caindo nas minhas mãos o livro Images à La Sauvette de Cartier Bresson. Já tinha ouvido falar dele, mas só de forma curiosa, amadora, e fiquei deslumbrado com o que conheci ali e me apaixonei. Pra susto de todo mundo, me formei arquiteto e nem cheguei a passar pela arquitetura mesmo. Fiz o projeto desta casa, que foi o único que fiz na minha vida e cheguei a ter um escritório com alguns colegas para fazer o trabalho chato que os arquitetos não queriam fazer, mas logo fui ser repórter da Veja, que estava surgindo na época. Foi uma passagens sem solavancos e com uma perspectiva de aventura, isso que me fascinou.

Como as caminhadas que você mencionou moldaram a sua maneira de fotografar?

Quando eu vou fazer um trabalho ou ele é muito específico e daí eu planejo tudo ou é um projeto pessoal e daí não tem muito plano, não. Eu gosto muito de fotografar a cidade, em especial São Paulo, que é uma cidade que eu conheço melhor do que as outras, mas mesmo em qualquer cidade, eu saio predisposto a todas as surpresas que uma cidade pode oferecer, o que pauta meu trabalho é bem isso. Eu calculo que 90% das fotos que eu fiz são resultado de algo que eu não imagina encontrar, isso pra mim é o prazer da descoberta. Quando eu planejo uma coisa, eu raramente chego naquele local, alguma coisa acontece antes e acaba me desviando.

Como foi sua experiência no jornalismo?

Você carrega alguma marca dele, hoje, na sua produção?

Eu tive a minha formação de arquiteto, acadêmica e artística e que tem um certo salto alto “hoje eu estou predisposto a criar” ou “eu tive um bloqueio”, mas saindo da escola eu fui trabalhar na Veja e fotojornalismo não pode ter bloqueio, se não você é demitido. Tal coisa está acontecendo e você tem que ir lá e voltar com a melhor foto possível. Então essa experiência, que não foi longa, de cerca de três anos no total, me ajudou a alterar a minha maneira de atuar. Eu aprendi na marra a ser esperto, não encontrar dificuldades. Se a gente não é um pouco ousado - respeitando a liberdade dos outros -, intrometido, não arrisca, você não consegue aquilo que você está desejando. Eu aprendi na escola, com professores incríveis, a organizar as coisas, a ter uma noção de percepção visual e composição e complementando esse aprendizado mais acadêmico a minha experiência como repórter fotográfico moldou o fotógrafo que eu sou hoje. A sua relação com São Paulo é muito forte. A paixão continua ou está minguando?

Acho que continua igual. É lógico que o tempo - pra não dizer a idade - modifica um pouco a sua cabeça, sua disposição, mas eu me sinto muito disposto ainda. Não é só a Vila Itororó que eu estou fotografando, mas vários edifícios que foram desocupados e que a secretaria da habitação vai transformar em habitações para famílias de baixa renda, como por exemplo, alguns hotéis do centro da cidade. Puxa, um novo tema! Então estou indo nesses edifícios e os fotografando, o que vai render uma nova série de fotografias. quadrado, que é mais rígido, mais fechado. Como você lida com isso? Você aproveita esse fator ou tenta fugir dele? Pois é, alguém me falou uma vez que o formato quadrado era o mais fechado de todos e de fato é. Mas você pode criar uma diagonal dentro dele, que é uma linha muito dinâmica e nunca houve um estranhamento. Eu comecei a trabalhar com a Hassel

A pouco tempo fiz um trabalho para a Veja São Paulo, que era fotografar 25 temas importantes da cidade e daí eu aproveitei e me hospedei no hotel Marabá, que é na Av. Ipiranga e isso já me coloca no clima da cidade e me dá um certo apoio psicológico: eu sou um habitante deste lugar exato e não um estranho que vem de Carapicuíba - onde moro atualmente - e se desloca até lá. Ali eu era um pedestre. Eu estava bem no centro e fazia o trabalho todo praticamente a pé.

Você trabalha muito com o formato

[Hasselblad, câmera de médio formato, que usa filme 120mm e faz imagens quadradas] acidentalmente. Eu fui uma vez fazer um trabalho com o Pedro Martinelli, na década de 70, fui fotografar o bairro do Brás. Nós dois trabalhávamos com 35mm, herança do jornalismo, e falei pra ele “Poxa Pedro, desse jeito eu vou acabar te fotografando em uma esquina”, nós íamos ter o mesmo comportamento que o equipamento acaba te induzindo. Eu tinha uma Hasselblad que tinha comprado - o homem tinha levado a

Hassel à Lua, fiquei fascinado - e ela estava guardada. O que eu estranhei foi a falta de mobilidade e esperteza que eu poderia ter com a 35mm. Isso me fez fazer um trabalho mais contemplativo, não era aquele caminhar e roubar fotos, aprendi que eu tinha que colocá-la em tripé - lógico que eu poderia fotografar na mão -, mas não é a todo momento que isso é possível, com velocidade mais baixa e essa coisa toda. Isso representou uma certa prisão para mim e o que eu mais estranhei era que as pessoas caminham no sentido contrário dentro do visor da câmera. Ela não tem prisma e estranhei isso um pouco. Mas ao longo do tempo, eu acabei esquecendo isso, com a prática. Então houve uma interação muito grande, a Hassel foi minha queridinha durante vinte e tantos anos, depois comprei uma Arca Suíça [câmera que produz negativos em 6x9cm] para fotografar arquitetura e eu não noto a diferença, como agora em que optei - optei não, fui obrigado a mudar - para o digital e isso nunca me apresentou qualquer dificuldade. No início é evidente que você tem algum estranhamento, mas isso é uma coisa muito rápida e você logo acostuma. Para mim o fundamental nessa história toda é saber ver.

Você tem pesquisado a fotografia contemporânea? Que fotógrafos tem despertado seu interesse atualmente?

Não, não. O tempo vai passando e até uma certa idade eu fuçava tudo, mas agora eu fucei tanto que tem muitas coisas que eu nem consegui ler ainda. Eu queria um dia me aposentar e ter tempo de ler tudo e fuçar ainda mais. Quanto à fotografia de vanguarda, acredito que há uma busca, um afã, de muitos, de quererem ser de vanguarda e eu acho isso ótimo. Muitos artistas avançaram e mudaram o mundo e a maneira de ver as coisas dessa forma, mas eu prezo muito e admiro fotógrafos que estão fazendo um trabalho contemporâneo mas com as “limitações” da fotografia, que é o único meio de expressão que te oferece uma série de coisas, apesar de extremas limitações. Outras coisas, que vejo serem feitas hoje, poderiam ser feitas com pintura ou com gravura, que é resultado de um trabalho mais reflexivo, de gabinete. O artista vê o mundo e o recria depois em seu estúdio, seu escritório. O que eu prezo muito é a possibilidade, que só a fotografia oferece, de você captar as coisas intuitivamente e que sempre estão sujeitas a surpresas. Dos brasileiros eu gosto muito do Cássio Vasconcellos, que está sempre inovando em seu trabalhos, mas sempre os mantendo fotográficos. Gosto também do Robert Polidori, que faz um trabalho muito semelhante ao que eu gosto de fazer e ele o faz com um pensamento fotográfico. Gosto também do Abelardo Morell, que está sempre inventando, construiu uma câmera escura maravilhosa [o fotógrafo cubano radicado nos EUA usa uma técnica em que projeta o exterior da cidade dentro de quartos de hotel usando uma técnica parecida com as das câmeras pinhole] usando um princípio básico da fotografia, que te oferece uma surpresa e você pensa “porque eu não pensei nisso antes”. Então esses são os que realmente eu prezo. Eu acho que a gente não precisa abandonar o que é de fato fotografia para ser artista de bienal, que é o que a maioria dos jovens hoje almeja ser.

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