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Queiroz, Nilton- 1954 Os meninos e os siris : a vida na Ilha do Cardoso / Fotografia Nilton Queiroz, texto Beth Miranda; prefácio Alfredo Dias D’Almeida e Ana Paula Quadros Gomes - 1ª ed. - São Paulo : AlphaGraphics, 2021. 40 p.; il p&b. ISBN 978-65-0019-797-6 1. Fotografia - Brasil 2. Natureza - Brasil 3. Infância - Brasil 4. Poesia I. Queiroz, Nilton II. Miranda, Beth III. Título CDD 770
os meninos e os siris a vida na ilha do cardoso
nilton queiroz e beth miranda
XLIV ¿dónde está el niño que yo fui, sigue adentro de mí o se fue? ¿sabe que no lo quise nunca y tampoco me quería? ¿por qué anduvimos tanto tiempo creciendo para separarnos? ¿por qué no morimos los dos cuando mi infancia se murió? ¿y si el alma se me cayó por qué me sigue el esqueleto? - el libro de las preguntas dónde está el niño que yo fui pablo neruda
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prefácio
jornalistas, nilton da imagem, beth do texto, neste livro apresentam o resultado de uma pauta, ou proposta, muito simples: registrar o cotidiano de meninos caiçaras. o resultado não foi uma mera reportagem, mas uma obra sensível, em que nilton e beth recriam no leitor suas percepções sobre meninos e siris. o livro transita fluentemente entre imagem e texto, fotografia e poesia, ponto e contraponto, preto e branco, terra e água. fugindo do lugar comum da eternização de um momento, o par vai muito além, lançando mão da imagem e do texto para transcender poeticamente esse momento, dando-lhe movimento eterno. a liberdade dos meninos, livres até das amarras do tempo, se contrapõe à ordenação opressiva e ao açodamento reiterado da vida urbana.
vidas que, mais que sobrevivem, buscam e revivem o prazer e o gozo, contra todas as expectativas; vidas que seguem e vicejam, apesar de tudo, contra todas as probabilidades; e uma menina, com sua bicicleta, que as observa. vidas que nilton esculpe com a luz, e que beth molda pela palavra. nilton e beth nos lembram, já na introdução, de que, embora protegidas pela água, são vidas que estão sob permanente ameaça. sigamos atentos, tão atentos quanto nilton e beth, resistindo aos tantos ataques à liberdade e à felicidade, a exemplo dos meninos, e a exemplo desses olhos carinhosos que registraram atentamente esses momentos de insubordinação e transcendência. alfredo dias d’almeida, um amigo, com os pitacos de ana paula quadros gomes, uma amiga
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dedicatória
dedico aos meus filhos, laura e pedro, que desde pequenininhos aprenderam a amar e a respeitar meninos e siris, pessoas e natureza. dedico à minha mãe, que me ensinou a dar valor ao singelo e verdadeiro. dedico aos amigos, que se mantiveram próximos no difícil ano que foi 2020. beth dedico a todos os meus amigos – todos e amigos! – com quem cruzei em minha jornada fotográfica e que me incentivaram com trocas de experiências e críticas construtivas, desde os bancos da universidade, aos anos de jornalismo e às empreitadas solo. à minha parceira de vida, beth, mãe de nossos filhos, pedro e laura, e a agora também desse terceiro filho, os meninos e os siris. a beth, por meio da poesia, deu voz e vida às luzes e sombras dessa obra. nilton
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agradecimentos agradecemos aos moradores da ilha do cardoso, que nos proporcionaram essa estimulante experiência estética, em especial ao seu ezequiel (in memoriam), que nos recebeu tão bem e que agora vive em outra morada. agradecemos aos meninos da ilha, que despretensiosamente vivem um dia após o outro, catando siris, ora pra se alimentar, ora pra se divertir. agradecemos ao amigo e parceiro, chico malagutti, sensível artista do design, da música e da poesia, que assina o design deste projeto. agradecemos aos amigos alfredo dias d´almeida e ana paula quadros gomes, que gentilmente nos brindaram com um prefácio poético e generoso. beth e nilton 10
sobre este livro em 2012, passamos dez dias na ilha do cardoso (sp) e registramos a rotina dos meninos caiçaras — um cotidiano por si só já poético quando visto pelas lentes de quem viveu a maior parte da vida na cidade grande, longe do mar e da possibilidade de brincar com siris. as imagens, feitas pelo nilton, e os textos, feitos por mim, falam da liberdade de uma infância livre, despretensiosa, que passa devagar, mas vigorosa. são crianças que vivem o tempo presente, a vida presente, com um único propósito: se divertir à beira do mar, catando siris, no nascer do dia e quando o sol se põe. beth miranda 11
a ilha
bem na divisa com o paraná, o ponto mais ao sul do estado de são paulo, fica a ilha do cardoso, uma reserva de mata atlântica protegida pelo parque estadual da ilha do cardoso, um verdadeiro pedaço do paraíso. livre de resorts, mega empreendimentos hoteleiros ou de barracas à beira da praia, sem mansões ou quaisquer construções-ostentação, a ilha do cardoso nasceu como uma vila de pescadores e se mantém assim. graças à sua condição de reserva da biosfera mata atlântica, conquistada em 1993, fica protegida da especulação imobiliária e preserva sua população e a cultura caiçara. em 1999, recebeu da unesco o título de patrimônio natural da humanidade e em 2005 a classificação de zona núcleo da reserva da biosfera, também da unesco.
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a ilha pertence ao complexo estuarino-lagunar de iguapecananéia e possui uma série de atributos ambientais, como sua cobertura vegetal original, manguezais e restingas. é uma das regiões mais preservadas do litoral brasileiro e também um dos ecossistemas costeiros mais produtivos do mundo. o acesso é feito apenas por mar: de lancha ou balsa. de balsa, são três horas de viagem e a embarcação opera em alguns dias e horários prédeterminados. de lancha – ou voadeira, como se chama por lá o pequeno barco a motor – é quase uma hora diante de uma paisagem que enche os olhos de quem se aventura entre o rio e o mar: são generosas porções de mata atlântica, golfinhos, mangues e morros. em 2020, a ilha comemorou 58 anos de criação do parque estadual ilha do cardoso (peic).
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zelar pela manutenção e sustentabilidade de espécies da mata atlântica ameaçadas de extinção, como o papagaiode-cara-roxa, o jacaré-de-papo-amarelo, o bugio, o veado-mateiro, a lontra, o queixada, a araponga e o guará-vermelho, são algumas das principais atribuições do parque estadual da ilha do cardoso. 17
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e foi esse lugar único que nos inspirou ao olhar poético dessa convivência entre meninos e siris.
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os dias lá são sempre assim: mar, barcos, sol, sombras, meninos e siris.
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o tempo transcorre em outro ritmo... - o que são as horas? - são muitas perguntas... 25
são outras perguntas e outras respostas... - quem são aqueles meninos? - são sombras projetadas, pelo nascer do sol.
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e no fim do dia, enquanto o sol se põe, ele aquece gentilmente a pele dos meninos.
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outras preocupações... - você viu a bicicleta? - deve estar se bronzeando ao sol ou está descansando... ela aguarda os meninos pra passear na praia. - tomara que não atropelem os siris! 30
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- vai, menino, cata o siri antes que ele belisque seu pé! - belisca, não! ele foge! 33
- e os meninos? - eles vivem de mãos dadas com as sombras e os sonhos. - será que estão se aquecendo ao sol? - não! são só meninos brincando com siris.
- e a pele dos meninos? - o sol sabe que não pode machucar! são apenas meninos.
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- o que são aquelas sombras que todos os dias no mesmo horário vêm nos assombrar? - elas brigam com a luz, mas uma não vive sem a outra! 36
- o que os meninos estão fazendo? - eles espreitam pelos vãos... - olham o futuro? - não, apenas espreitam pelos vãos. são meninos! - e quando crescerem serão espreitados? - não sei... 39
beth miranda é paulistana e vive em são joão da boa vista desde 2009. ser em construção (e desconstrução), é jornalista e professora universitária por escolha; escritora por prazer. nilton queiroz é paulistano e vive em são joão da boa vista desde 2009. fotógrafo há 40, passou por redações de jornais, revistas e assessorias. hoje, se dedica à fotografia autoral.
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