UnicaPhoto [n.10]

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: : Revista do Curso Superior de Tecnologia em Fotorafia da UNICAP - #10, Março 2018 : :


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Expediente Coordenação: Renata Victor Edição: Gisela Didier Coordenação Editorial: Julianna Torezani Programação Visual: Candeeiro Audiovisual Diagramação: Alícia Cohim Textos: Julianna Torezani, Marina Feldhues, Marcela Pedrosa, Angela Grangeiro, Olavo Rosa, Juliana Galvão, Emmanuely Ribeiro, Filipe Falcão, Douglas Fagner, Germana Soares, Ícaro Benjamin, José Nunes, Elysangela Freitas, Bhetânia Correia. Ensaios: Angela Grangeiro, Renata Victor, Douglas Fagner, Emmanuely Ribeiro. Foto da capa: Olavo Rosa

Hoje chegamos à 10º edição da UNICAPHOTO e, junto com ela, também comemoramos o início da segunda turma da especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual, da segunda turma do curso de extensão Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte, a formatura da oitava turma do curso superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco e o Prêmio Intercom Nacional, na categoria fotonovela, com o trabalho A morte amorosa, com a orientação da professora Carolina Monteiro. Para comemorar nossa 10º edição, apresentamos formas diferentes de ver e fazer fotografia. Na entrevista com a diretora do Museu da Cidade do Recife, Betânia Corrêa de Araújo, ela exalta a importância da presença da fotografia nos museus e faz um breve histórico das fotografias aéreas, ressaltando a versatilidade que os avanços tecnológicos, como a utilização de drones, trouxeram para essa área. As fotografias feitas com drone, pelo nosso ex-aluno do curso superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap, Olavo Rosa, compõem a exposição sobre o Forte das Cinco Pontas, inaugurada no último dia 12 de março. Como de costume, trazemos um ensaio de minha autoria, desta vez, sobre a praia de Merepe, em Porto de Galinhas; o da aluna Ângela Grangeiro, sobre uma perspectiva LGBT; o projeto fotográfico do aluno Douglas Fagner, que objetivou retratar a simbiose das pessoas com o meio ambiente; e o da aluna Emmanuely Ribeiro, sobre a sua avó. Os ex-alunos Olavo Rosa e José Nunes apresentam fotos que lhe são significativas, na coluna Fotossíntese. No campo dos ensaios teóricos, a professora Julianna Torezani discute a estetização da vida contemporânea através de imagens e a confecção do selfie; Marina Feldhues teoriza sobre fotolivros e a importância de se definir um conceito para a sua produção; Juliana Galvão traz uma análise sobre o documentário Santiago; Emmanuely Ribeiro lança luzes sobre o trabalho da fotógrafa Nan Goldin; o professor Filipe Falcão apresenta o ensaio "Fluxo acelerado como forma de sobrevivência da sétima arte". O aluno Ícaro Benjamin compartilha a vivência o Programa de Voluntariado Universitário Unicap - VOU.

A UnicaPhoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. (ISSN 2357 8793) 02

Por fim, agradeço aos alunos, professores, colaboradores a editora Carol Monteiro que contribuem ao longo das dez edições da UNICAPHOTO. Em especial, agradeço à jornalista Gisela Didier pela edição, ao professor Filipe Falcão pela edição do vídeo da entrevista, à aluna Alícia Cohim pela diagramação e à professora Julianna Torezani, pois sem o apoio e dedicação deles não teríamos a nossa décima UNICAPHOTO. Renata Victor Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap

FOTO Renata Victor

Também são apresentadas as fotografias vencedoras do VIII Concurso de Carnaval, com a participação dos alunos da graduação e da especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual”, que enviaram imagens produzidas durante o período de folia. A ex-aluna do curso de Fotografia e da especialização "As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual" Elysangela Freitas é a convidada da coluna O que eu estou fazendo?

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sumário

Fotografia e História A estetização da vida contemporânea através de

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Santiago Carnaval Pernambucano pelas lentes dos alunos

20

Aconteceu 2017.2

06 Entrevista com Bethânia Correia

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04

Fotolivros: qual o conceito central do meu livro?

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Fotossíntese: Pontes que nos Conduzem

32

Ensaio - Um passeio pela praia de Merepe

42

Ensaio - Retratos, Vida & Poesia

Formatura da primeira turma do Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte

64

78

30 Direitos Morais e Patrimoniais do Fotógrafo

Ensaio Translúcido

22

Programa de Voluntariado Universitário – VOU Nan Goldin: Balada, Sexo e Dependência

31 34

76

Fluxo narrativo acelerado como forma de sobrevivência da sétima arte

95

Fotossíntese – Vestido de Brasil

94

99

Ensaio - Diante do olhar dela

80

Dicas de livros, sites e filmes

O que eu estou fazendo?

96

Dica especial de livro - O Retrato e o Tempo

98

60 05


2017.2

aconteceu

Novembro

Outubro

Dezembro

Setembro

Agosto

- Aula inaugural 2o Turma da Especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual”; - Abertura de semestre 2017.2; - Bate-papo sobre produção audiovisual com o crítico Luiz Joaquim; - Conversa descontraída com o fotógrafo Xirumba Amorim; - Oficina de pinhole para professores e funcionários da 2o Jornada Unicap Comunitária; - Entrega do Prêmio Alcir Lacerda para Ana Farache e Lula Cardoso Ayres (In Memoriam)

Setembro

Novembro

Outubro

- Conferência do Supeior Geral dos Jesuítas, Padre Arturo Sosa; - Exposição fotográfica em homenagem aos 30 anos da Fundação Alice Figueira no Siucs durante Semana de Integração. - Exposição do aluno José Nunes; - Homenagem aos 30 anos da Fundação Alice Figueira na ALEPE; - Oficina de roteiro para Cinema e TV movimenta coletivo Zanzar; - Alunos da especialização participam de bate-papo sobre audiovisual com Rodrigo Lobo (FOTO);

- Abertura da Exposição “Imóveis Especiais de Preservação 20 anos” que homenageia a fotógrafa Aurelina Moura (FOTO); - Bate-papo com a fotógrafa e jornalista Cris Dias; - Alunos de fotografia ganham prêmio no Intercom Nacional (FOTO); - Exposição no Dia da Árvore; - Saída fotográfica para o espetáculo O Nosso Villa, com os alunos da disciplina de Iluminação com a professora Renata Victor; - Palestra com o cineasta e professor Marcelo Pedroso; - Palestra com o fotógrafo Xirumba Amorim; - Palestra com o fotógrafo e ex-aluno Victor Muzzi; - Comemoração do Prêmio Intercom Nacional e os dois anos do grupo de estudo; - Turma do quarto módulo participa de bate-papo com Kety Marinho; - Última aula de fotografia no curso Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte.

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Setembro

Dezembro

- Encerramento de semestre (FOTO); - Exposição a retrospectiva Unicap 2017; - Exposição Interdisciplinar 2017.2; - Bate-papo sobre o projeto “Nossa Vitória” do fotógrafo e ex-aluno da especialização Rafael Martins;

Novembro

- Bate-papo com o diretor de filmes Fernando Weller; - 6o Edição do FotoVídeo 2017 (FOTO); - Confraternização do FotoVídeo 2017; - Exposição dos alunos de fotografia em Homenagem ao dia da Consciência Negra; - Oficina de light painting no Festival da Vox, ministrada pela professora Renata Victor (FOTO); - Palestra com José Roberto Gouveia e André Martins; - Saída fotográfica noturna da disciplina de Iluminação com a professora Renata Victor; - Sessão especial do Atelier Cinéma homenagea 100 anos de Jean-Pierre Melville, coordenada pela professora Catarina Amorim e bate-papo com o Professor Paulo Cunha.

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entrevista

Renata Victor entrevista Betânia Corrêa

Clique aqui para assistir ao vídeo.

FOTOS Renata Victor

Betânia - Eu sou Maria de Betânia Corrêa de Araújo, arquiteta, formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 1982. Renata – Como começou sua relação com o Museu da Cidade do Recife? B - Minha primeira relação com um museu foi no Museu do Estado, algo casual. Comecei a trabalhar com um colega da faculdade de arquitetura, Romero Pereira. Iniciei minhas tarefas nos museus, comprando revistas em São Paulo e pegando informações aqui. Ainda era muito incipiente, até existia o Museu do Homem do Nordeste estruturado, mas era tudo ainda muito amador. Depois passei pela FUNDARPE, por diversas Instituições de Cultura, de Patrimônio. Fui convidada a trabalhar, por Roberto Peixe, na exposição sobre o Recife em Nantes, na França. Então fui convidada, posteriormente, a trabalhar dirigindo exposições no Museu da Cidade do Recife. Estou trabalhando lá há 13 anos, atuando não só na conservação do acervo, de formação e de difusão, mas fazendo um trabalho de conservação do próprio edifício. Trata-se de um forte tombado nacionalmente, em 1938, e que agora está em uma lista para ser considerado um Patrimônio da Humanidade, ao lado dos fortes do Brum e Orange. Então, o nosso Museu da Cidade está instalado, desde 1982, dentro de um monumento histórico, que é o Forte de Santiago das Cinco Pontas.

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R – Vocês estão com uma exposição sobre o Forte das Cinco pontas, inaugurada no último dia 12 de março. Como foi o processo curatorial dessa exposição? B – Como o Forte está sendo trabalhado para a candidatura ao reconhecimento como Patrimônio da Humanidade, e temos um trabalho de educação patrimonial, que está sendo desenvolvido com o IPHAN, as prefeituras do Recife e de Itamaracá, e a embaixada da Holanda, o Museu resolveu fazer uma exposição sobre o Forte. É a primeira sobre o Forte que acontece dentro do Museu da Cidade do Recife, e quase uma dívida com esse monumento que nos abriga. Então começamos a construir um olhar sobre o Forte a partir da travessia dos europeus que vinham para a América do Sul na tentativa de construir um novo mundo. Os Fortes foram as primeiras construções para ocupar e defender esse território. No caso do Cinco Pontas, ele foi construído inicialmente por Holandeses, em 1630-1631, com cinco baluartes, de onde vem o nome da edificação. Depois, ele foi reconstruído pelos portugueses que fizeram essa construção com quatro baluartes, que temos hoje. Mesmo assim, a população continuou a chamar “Forte das Cinco Pontas”. Então, eu digo que o Forte não é só um patrimônio material, mas, também, imaterial devido ao seu nome. Então, trata-se de uma exposição de longa duração, que vai ocupar o Museu o ano inteiro, e que foi aberta no aniversário da cidade, dia 12 de março. É um trabalho de educação, trazendo escolas, com exposição bilíngue, dando acessibilidade para os visitantes estrangeiros que queiram conhecer a cidade. Nessa exposição estamos tratando de dois Fortes, o Forte holandês – Frederico Henrique – e o Forte português – Forte Santiago – e uma cidade, o Recife, que começou como um povo, depois virou uma vila, uma cidade e, depois, a cidade que a gente conhece hoje. É uma exposição muito rica, com plantas, mapas, textos, fotografias, filmes e objetos arqueológicos – é a primeira vez que os objetos arqueológicos, encontrados na década de 1970, estão expostos.

É uma exposição com conteúdo enorme e trata o Forte com um novo olhar. Conta, cronologicamente, a história do Cinco Pontas, mas mostrando toda a ocupação que existiu no Forte desde sua criação, inclusive o período que o Quartel Militar ocupou o Forte. Convido todos para conhecer essa exposição e esse monumento. Na cidade do Recife acredito que existam dois monumentos do século XVII, o Forte do Brum e o Forte das Cinco Pontas, que creio que são os mais antigos da paisagem. O Forte do Brum e o Forte Orange, em Itamaracá, estão na listagem dos 19 fortes brasileiros. Todos foram construídos por holandeses e portugueses, e todos que tiveram a saída dos holandeses tiveram nome de santos. O Cinco Pontas, que tem um museu público, do município, vem fazendo o trabalho de educação desde da década de 1980. R – Você trouxe algumas novidades para a exposição, o uso da fotografia em drone, por exemplo. Qual é a importância da presença da fotografia nessa exposição? B – É importantíssima. A fotografia feita pelo drone é um recurso absolutamente fantástico, porque é uma forma nova de ver a cidade. Já foi vista do alto desde os anos 1930, pelo Zeppelin, depois pelos helicópteros, mas o drone tem uma distância do solo absolutamente nova. É muito interessante ver a cidade dessa altura. Até digo que graças ao barqueiro, que deu suporte ao jovem Olavo que fez as imagens do drone, e chamou o drone de besouro. Então, para a gente, o nome do filme é o Voo do Besouro. Esse besouro, que vê a cidade do Cinco Pontas até o Brum, passando pelo mar, volta pelo rio, e nos dá uma perspectiva do centro histórico do Recife completamente nova. As duas Torres, que são motivo de polêmica ali no largo das Cinco Pontas, são chocantes sendo vistas pelo drone, porque elas são, realmente, uma parede vertical no bairro de São José, que até então a gente não tinha essa possibilidade de leitura. Então o drone é uma coisa muito interessante na exposição.

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Além disso, nós convidamos a professora Renata Victor para olhar o viaduto no primeiro plano e o Forte no segundo, para refletir a presença do viaduto nessa paisagem. É muito interessante! A gente, no museu, tem uma preocupação com relação à cidade do Recife em não ter uma postura atávica, que o Recife era lindo e hoje é caótico, mas a gente propõe uma reflexão sobre a cidade. Tem um vídeo, também, muito interessante sobre as fotografias da demolição da Igreja dos Martírios, ocorrida na década de 1970. A gente guarda, no Museu da Cidade 61 objetos dessa Igreja. É uma Igreja que foi feita com o dinheiro dos escravos, dos negros, no século XVIII e ela foi demolida para a abertura da Dantas Barreto. As fotos que são do dossiê, do IPHAN, são interessantíssimas. Ao mesmo tempo, é muito doloroso ver aquilo. O Museu procura ter uma visão da cidade como um objeto de transformação. Essas fotografias que estão expostas, mais do que uma mera lembrança, são motivo de reflexão. Para as pessoas verem onde é que a cidade perdeu e, com essa reflexão, não repetir erros. R – A fotografia possui várias funções sociais. No Museu da Cidade do Recife a fotografia é essencial? B – Com certeza. O Museu guarda uma coleção de fotografias que foi constituída a partir de 1937 pela Diretoria de Estatística, Propaganda e Turismo, para documentar a cidade. Não só a fotografia, mas os filmes foram usados. O Museu guarda hoje as 200 mil fotografias da década de 1930 até a de 1980, de diversos fotógrafos da cidade, como Berzin, Sebastião, Alcir Lacerda e tantos outros, mais de 30 fotógrafos trabalharam para essa diretoria. A fotografia é um recurso importante para o Museu, não só para os seus projetos, como para atender pesquisadores. O Museu faz um investimento muito grande na conservação desse acervo, porque ele é a memória da cidade. Então, são essas fotografias que o Museu utiliza nas suas exposições e também, empresta como material de pesquisadores, para publicitários, para empresas e jornais. 10

O Museu está sempre sendo solicitado. Agora mesmo no ano da Copa do Mundo, já estão buscando fotografias sobre futebol. Então o Museu tem uma ampla gama de assuntos nesse acervo, com fotografias das construções, demolições, das festas, do carnaval, do natal. É um acervo que tem uma visão bastante antropológica, da vida, do cotidiano da cidade, das ações políticas, da moradia. É que está à disposição dos estudantes e pesquisadores. O papel de um museu não é só guardar, mas também catalogar, tratar, preservar, inventariar para oferecer para o futuro. Eu sempre digo que o Museu da Cidade não é um museu histórico, é um museu que guarda a memória da cidade, mas na perspectiva do futuro, do planejamento, até porque o Museu da Cidade do Recife foi criado por uma secretaria de planejamento, ele era um braço do Instituto da Cidade. Então, a ideia do Museu é pensar a cidade, mas de que qualquer outra coisa.

A QUEM VOCÊ CONFIA SUAS FOTOS? Rua da Moeda, 140 | 1 Andar Bairro do Recife | 3424-1310 www.atelierdeimpressao.com.br

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reportagem

A Moderna Estetização do Mundo é o terceiro período e trata sobre a autonomia da arte, criada para museus e coleções de caráter comercial que visa um público para obter sucesso e lucro, portanto, a era da arte. O quarto período chamado de Era Transestética trata do período atual, é a era da criatividade e do mercado, a arte está nas indústrias, no comércio e na vida comum, há uma intensa mercantilização da produção artística, também chamada de Capitalismo Artista. O indivíduo transestético é reflexivo e eclético que busca uma estetização da sua vida, em que o consumo estético se torna um vetor identitário, haja vista os filmes e as séries de televisão de altos orçamentos, os grandes espetáculos e parques, numa combinação de arte e comunicação. No processo de estetização da vida cotidiana, os autorretratos se colocam como elemento de demostrar essa era transestética, quando o indivíduo escolher o que fotografar, onde e como, do traje à pose tudo é produzido com uma certa intencionalidade na construção de sua própria imagem.

A estetização da vida contemporânea através de imagens TEXTO Julianna Torezani

A estética é considerada como uma ciência da percepção, do conhecimento sensível e da experiência. Trata-se de uma forma de interpretação do mundo, a partir de determinadas ideias e sensações. O termo foi criado pelo filósofo alemão Alexander Gottlieb Baumgarten, em 1750, a partir da palavra grega aisthesis, como um discurso sobre o corpo. De acordo com o filósofo britânico Terry Eagleton (1993, p. 17), a estética é “o movimento de nossos afetos e aversões, de como o mundo atinge o corpo em suas superfícies sensoriais, tudo aquilo enfim que se enraíza no olhar e nas vísceras e tudo o que emerge de nossa mais banal inserção biológica no mundo”. O sensível aqui deve ser entendido como uma forma importante de conhecimento frente à racionalização, em que o corpo revela outras informações. Na produção fotográfica contemporânea, em especial através de retratos e autorretratos, é interessante observar como as imagens são criadas a partir do que se abordar como uma experiência estética. Para os filósofos franceses Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015) deve-se estudar a estética em função do capitalismo, já que a economia de mercado modifica a experiência sensível por conta da produção e consumo de bens em escala mundial de acordo com as estratégias das empresas e marcas, o que permitiu surgir uma economia estética vinculada à estetização da vida cotidiana. Os filósofos dividem em quatro períodos o processo de estetização, o primeiro, chamado de Artealização Ritual, indica a fase em que não há intenção estética, em que os objetos foram criados para atender a uma demanda de utilização e eram descartados após o uso. Ligadas às religiões, essa foi a era dos deuses. O segundo período, intitulado Estetização Aristocrática aborda o período do humanismo. O artista cria obras que passam a ser admiradas e assinadas, momento secular da produção, fase criada para os príncipes. 12

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Fotos editadas por Zilla Van Den Born. Ela simulou, através de fotografias, uma viagem para o Sudeste Asiático e publicou as cenas no seu perfil do Facebook. Contou à família e aos amigos que estava viajando de férias, mas todas as imagens foram feitas no seu apartamento em Amsterdã, transformado em estúdio, e na piscina do prédio onde morou durante 42 dias. 14

Na obra O show do eu: a intimidade como espetáculo, da pesquisadora argentina Paula Sibilia (2008), há uma reflexão sobre a visibilidade que ocorre nos dias atuais, sobretudo pela internet, os os milhões de selfies que existem nas redes sociais como o Instagram, por exemplo. A exibição da intimidade se coloca ao lado das notícias, das questões econômicas e políticas. “Tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um efeito: o reconhecimento nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. Cada vez mais, é preciso aparecer para ser. Pois tudo aquilo que permanecer oculto, fora do campo da visibilidade – seja dentro de si, trancado no lar ou no interior do próprio quarto – corre o risco de não ser interceptado por olho algum. E, de acordo com as premissas básicas da sociedade do espetáculo e da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem provável que essa coisa não exista” (SIBILIA, 2008, p. 111-112). Esse “aparecer para ser” apontado por Sibilia revela uma sociedade de aparência e de espetáculo. Segundo a historiadora Annateresa Fabris (2004, p. 35), “o retrato fotográfico é uma afirmação pessoal, moldada pelo processo social no qual o indivíduo está inserido e do qual derivam as diferentes modalidades de representação”. Nas produções fotográficas, sobretudo na confecção do selfie e toda sua ergonomia própria, os indivíduos indicam uma identidade, de como querem ser percebidos e não precisa de uma comemoração específica, pois é o cotidiano que é registrado e produzido. Para além das questões sociais, os aspectos tecnológicos atuais consolidam esse regime visual de ampla produção e circulação de imagens, pois através da portabilidade, instantaneidade, ubiquidade, acessibilidade e conexão em rede dos telefones celulares são narradas as experiências cotidianas, contando, ainda, com as ferramentas de edição de imagens para fazer retoques ou grandes mudanças. Assim, esses registros que surgem a todo o momento criam uma narrativa da vivência do indivíduo, com uma aparência midiatizada, onde os diários deixam de serem íntimos para se tornarem perfis em redes sociais podendo ser visualizados pelas pessoas que estão em conexão. De acordo com a historiadora Silvana Boone (2007, p. 18), “através da realidade virtual e do ciberespaço, o homem assume novas identidades, incorpora e simula novas versões de si ou escolhe sua perpetuação através de um meio que pode torná-lo sempre presente”. Desta forma, as fotografias estão além do real, pois imprimem acontecimentos e sensações criadas com efeito comunicacional.

Referências BOONE, Silvana. Fotografia, memória e tecnologia. In: Conexão – comunicação e cultura. Universidade de Caxias do Sul. Vol. 6, n. 12. Caxias do Sul, RS: Educs, 2007. EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Tradução de Mauro Sá Rego Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. Título original: The ideology of the aesthetic. FABRIS, Annateresa. Identidades virtuais: uma leitura do retrato fotográfico. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: viver na era do capitalismo artista. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008 15


reportagem

Fotolivros: qual o conceito central do meu livro?

FOTO Marina Feldhues

TEXTO Marina Feldhues

A produção de fotolivros, já consolidada mundialmente, está em plena ascensão no cenário nacional. É raro encontrar um fotógrafo que não queira ter sua produção autoral e/ou artística publicada nesse formato. O livro, de certo, pode garantir uma longevidade e um alcance para o trabalho fotográfico muito maior do que qualquer exposição. Mas, o que é mesmo um fotolivro? Os fotolivros são livros fotográficos temáticos, que contam alguma coisa. São livros de cunho mais autoral. Funcionam como obra (no caso dos livros de artistas fotográficos) e/ou como projeto específico de um fotógrafo, autor do livro. São livros autônomos, que têm vida própria, não são apêndices de exposições fotográficas (como os catálogos), antologias ou portfólios. Ultrapassam a questão meramente expositiva. As imagens fotográficas são protagonistas, ou dividem o protagonismo, na comunicação. Elas são consideradas mais em relação umas às outras e ao todo do livro, do que em sua individualidade. Tais livros são gerados pela cooperação entre imagens fotográficas, texto, design e materiais gráficos e, em geral, possuem uma potência narrativa. Eles portam mundos, realidades que acontecem no livro, são fonte de informação e de experiências para seus leitores. 16

FOTOS Silent Book, Miguel Rio Branco

Pois bem, partimos dessa definição e pensamos: certo! Quero fazer meu fotolivro. Qual o primeiro passo que devo dar? A primeira e fundamental atividade na produção de um fotolivro é definir o “conceito central do livro”. O conceito central é o que vai guiar toda a produção do livro, as escolhas de materiais, o formato, o tamanho, o peso, a tipografia, edição e sequenciamento das imagens, o uso de texto, o layout das imagens e texto, o tipo de impressão, a encadernação, entre outras decisões. “Seu livro deve ser moldado em torno de um conceito central – seja você como um artista e um corpo de trabalho que você criou ou um assunto independente que você fotografou. Uma vez que você tenha esboçado completamente esse conceito, ele irá orientar a forma como o conteúdo do livro é moldado” (HIMES; SWANSON, 2011, p. 84). 17


Os fotolivros comunicam como um todo, não apenas as imagens comunicam, mas também os materiais escolhidos, o tamanho, o peso do livro, até o preço pelo qual é vendido também diz muito. O conceito está relacionado ao que o livro diz e propicia de experiência ao leitor. “O que este livro faz? O que ele está me dizendo? Como ele está me dizendo? O que as imagens me dizem e o que a forma como o livro agrupa me diz?” (COLBERG, 2017, p. 45). O professor Jörg Colberg (2017), fotógrafo, editor de fotolivros e autor do livro Understanding Photobooks, recomenda que quem quiser fazer fotolivros pegue essas quatro perguntas e as faça para cada fotolivro que encontrar, é uma forma de ir aprendendo com quem já fez. Que soluções estéticas foram encontradas para discutir tais e tais questões? Para promover tais e tais experiências? Quanto mais se investiga, mas se aprende. O conceito do livro é fruto do conhecimento acumulado do autor sobre o próprio trabalho fotográfico e sobre as potencialidades dos materiais disponíveis à produção de fotolivros. Daí porque boa parte da produção dos fotolivros é feita com o apoio de profissionais com experiência no trabalho com materiais gráficos. “O que o livro deveria fazer? Que experiência o espectador deveria ter? O que o livro dirá a seu espectador? [...] Como o livro vai fazer isso? [...] O que as imagens estão falando para o espectador? O que a forma como o livro agrupa diz ao espectador?” (COLBERG, 2017, p. 49). Estas são as mesmas quatro perguntas, só que agora feitas ao próprio livro que se quer produzir, ainda numa fase preparatória. Fazer essas perguntas a si próprio é encontrar o conceito central do livro, que deriva do conceito do corpo de trabalho fotográfico, “se não há clareza sobre o corpo de trabalho, traduzi-lo no formato livro ou numa exposição normalmente apresenta problemas” (COLBERG, 2017, p. 61). Fazer um fotolivro, portanto, não é questão de colocar as melhores fotografias num formato de livro. Trata-se de saber o que você quer dizer, o que você quer comunicar com suas imagens e com o livro, que experiências você quer proporcionar para quem vai vê-lo. Para tanto, vale o exercício: esquecer todo o “background” da produção das imagens e se colocar diante delas como quem as vê pela primeira vez. Para ser autor de um fotolivro, é preciso antes ser leitor do próprio trabalho fotográfico. E aqui, definido o conceito central do livro, começa a grande jornada da edição. Referências: COLBERG, Jörg. Understanding photobooks: the form and content of the photographic book. New York: Routledge, 2017. FELDHUES, Marina. Conhecer fotolivros: (in) definições, histórias e processos de produção. 2017. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Departamento de Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2017. HIMES, Darius D.; SWANSON, Mary Virginia. Publish your photography book. New York: Princeton Architectural Press, 2011. 18

FOTOS Life is a Beach, Martin Parr

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reportagem

Carnaval Pernambucano pelas lentes dos alunos TEXTO Marcela Pedrosa

Com a proposta de homenagear o carnaval pernambucano, conhecido por ser uma festividade democrática e culturalmente diversificada, o Curso Superior de Tecnologia em Fotografia realizou o VIII Concurso de Carnaval com a participação dos alunos da graduação e da especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual”, que enviaram imagens produzidas durante o período de folia. Foram submetidas 23 imagens dos estudantes, cada um tendo a chance de enviar até três fotos para concorrer ao prêmio. Neste ano, o vencedor da categoria avaliada pelo júri popular foi o aluno do primeiro módulo Tiago Britto, que obteve o maior número de reações (173 ao total) entre as fotos de todos os participantes publicadas através da página oficial do curso de Fotografia no Facebook. Já na categoria da comissão técnica avaliadora, o primeiro lugar foi conquistado pela aluna do terceiro módulo Thalyta Tavares, que também levou o segundo lugar com mais uma foto. O terceiro lugar, na avaliação do júri técnico, quem mereceu foi o aluno da especialização Gil Vicente. A comissão foi composta pelo ex-aluno e vencedor do VII Concurso de Carnaval (2017) Douglas Fagner, pela fotógrafa e ex-aluna da graduação e da especialização Juliana Gouveia Galvão, e pela fotógrafa e ex-aluna de jornalismo da Unicap Inês Cristina Couto Campelo. Os vencedores receberam a impressão das fotografias em papel alto padrão de qualidade (fineart), com durabilidade estimada de 100 anos. Em nenhum momento o nome dos autores das imagens enviadas foi divulgado ao júri popular e técnico, assim mantendo a avaliação genuinamente legítima. 20

1o Lugar - Thalyta Tavares Júri Técnico

2o Lugar - Thalyta Tavares - Júri Técnico

3o Lugar -Gil Vicente - Júri Técnico

1o Lugar - Tiago Britto- Júri Popular

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ensaio

Translúcido

TEXTO e FOTOS Angela Grangeiro A proposta de translúcido é elucidar questões certamente pouco conhecidas pela sociedade. Vivemos um momento onde muitos falam muito sobre muitas coisas sem a menor competência. Não há preocupação em entender a origem dos movimentos e das lutas sociais, defender uma causa vai muito além que pintar cartazes e balançar bandeiras. A bibliografia remete ao nascimento do movimento homossexual no fim da década de 1940, quando se tem a primeira organização destinada a desconstruir uma imagem negativa da homossexualidade: o espaço chamado de COC (Center for Culture and Recreation), em Amsterdam, que foi criado pelo grupo que editava uma publicação mensal sobre homossexualidade, o Levensrecht - cujo título pode ser traduzido para o português como “Direito de viver”. Os organizadores desse centro investiam seu esforço na promoção de ocasiões de sociabilidade e no trabalho junto as autoridades locais para fomentar a tolerância para com os homossexuais. Nascia na década de 1950, na mesma trilha, o Mattachine Society, um grupo clandestino, que tinha como lideranças alguns articuladores da esquerda socialista norte-americana. O Mattachine Society também se ocupava da construção de espaços de sociabilidade, promovendo discussões em grupo sobre homossexualidade, às vezes acompanhadas de palestras proferidas por psiquiatras e médicos. Ligado à Mattachine Society, também nascia nos Estados Unidos, em meados da década de 1950, o grupo Daughthers of Bilitis, direcionado às lésbicas. As décadas de 1960 e 1970 marcam uma crescente visibilização e radicalização desse incipiente movimento, caracterizadas por um discurso de autoafirmação e liberação, a exemplo de grupos como Society of Individual Rights, organização homossexual de São Francisco que, pouco a pouco, acabou tomando boa parte do espaço ocupado pela Mattachine Society. O grande marco internacional do movimento homossexual nesse período, que perdura até hoje, foi a revolta de Stonewall, um bar de frequência homossexual em Nova York. Constantemente abordados pela polícia, os frequentadores do bar partiram para o confronto aberto com os policiais em 28 de junho de 1969, data que se internacionalizou como o “Dia do Orgulho Gay”. 22

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Em 25 de junho de 1978, na Parada do Dia da Liberdade Gay de San Francisco, a bandeira criada pelo artista plástico Gilbert Baker foi orgulhosamente exibida. Originalmente contava com oito cores, tendo cada uma um significado especifico: rosa-choque seria sexo; vermelho seria vida; laranja seria cura; amarelo seria luz do sol; verde seria a natureza; azul turquesa seria arte; azul índigo seria harmonia; e violeta seria o espírito. Naquela ocasião, 30 voluntários ajudaram Baker a pintar à mão as duas primeiras bandeiras. Elas foram hasteadas para secar no último andar de galeria de um centro da comunidade LGBT em San Francisco. Mas a bandeira passou por muitas releituras ao longo do tempo, e já foi feita com menos cores em épocas em que era difícil achar tecido rosa-choque, por exemplo. Em 1994 Gilbert Baker, já em Nova York, costurou uma bandeira de 1,6 Km de extensão. Ela foi carregada por cinco mil pessoas e depois estendida no prédio da ONU. Na época, essa bandeira quebrou o recorde de maior do mundo. O recorde foi batido por ele mesmo em 2003, no aniversário de 25 anos da bandeira, Baker criou uma peça de 2 km de extensão, que atravessava a cidade de Key West, na Flórida, de lado a lado. Em 2015, o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMa, adquiriu a bandeira para a sua coleção de obras, chamando-a de “poderoso marco histórico do design”. “Decidi que tínhamos de ter uma bandeira, que uma bandeira nos encaixasse em um símbolo, o de que somos pessoas, uma tribo”, disse Baker ao museu em uma entrevista. “E as bandeiras são sobre proclamar poder, então é muito apropriado”, acrescentou na ocasião. Até o fim da vida, Gilbert Baker lutou pela causa LGBT, dando palestras sobre a bandeira e sobre o movimento por todo o mundo. Ele estava escrevendo uma biografia em que contava toda a história da bandeira, mas morreu em 31 de março de 2017, sem publicá-la. O desejo de realizar um ensaio fotográfico numa perspectiva LGBT, me conduziu naturalmente à mundialmente famosa bandeira LGBT, e por consequência ao criador dela, por quem me encantei, pela criatividade, pela coragem, pelo desprendimento, considerando que o mesmo abriu mão do direito autoral da bandeira. Mais ainda, descobri que ele morreu há pouco. Foi inevitável, eu já estava completamente encantada, eu não consegui conter o meu desejo de prestar-lhe uma pequena homenagem através da minha arte, a fotografia. Desde sua criação em 1978, a bandeira do arco-íris se transformou em um símbolo em todo o mundo a favor dos direitos dos homossexuais, transexuais e bissexuais e este ano completará 40 anos. Baker, com sua criatividade e destreza para costurar à mão, substituiu o triângulo rosa existente até então, um símbolo de opressão da classificação nazista às pessoas LGBT na Segunda Guerra Mundial.

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coluna

foto síntese DIREITO AUTORAL E DIREITO À IMAGEM

Pontes que nos conduzem TEXTO E FOTO Olavo Rosa

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enho certo fascínio por esta ponte, pois, a 12 de Setembro, mais conhecida como Ponte Giratória, é uma antiga ponte rodoferroviária do Recife e tinha a sua estrutura central montada sobre uma coluna pivotante, que servia para liberar a navegação no Rio Capibaribe, onde, a razão de sua construção era justamente deixar passar as embarcações veleiras e, ao mesmo tempo, permitir a ligação do bairro de São José e o do Recife, na foz do Rio Capibaribe. Sua construção começou em 1920 e a ponte foi inaugurada em 5 de dezembro de 1923, funcionando até a década de 1970, quando foi desmontada por ter suas engrenagens danificadas, não comportar mais o volume viário sobre ela e não haver mais movimento de embarcações. No seu lugar, foi construída uma ponte fixa, de concreto, que recebeu o nome de Ponte 12 de setembro. Esta foto foi tirada no dia 04 de Março de 2018 com a finalidade de subsidiar uma exposição no Museu do Recife. Foi utilizado um Drone Phantom 4 com lente 23 mm.

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Direito Autoral

Direitos Morais e Patrimoniais do Fotógrafo TEXTO Julianna Nascimento Torezani¹

A Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/1998) aborda a propriedade intelectual e indica os direitos que os autores têm de suas obras. É essencial distinguir que há dois conceitos importantes sobre tais direitos: direito moral e direito patrimonial. O direito moral trata da criação da obra e sua autoria; é um direito que não pode ser transferido para outro indivíduo. O Capítulo II da lei expõe sobre tal direito, no Artigo 25 indica que cabe ao diretor os direitos morais de obras audiovisuais. O Artigo 24 deixa claro quais são os direitos morais do autor: I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor [...]; III - o de conservar a obra inédita; IV - o de assegurar a integridade da obra, opondose a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-lo ou o atingir, como autor, em sua reputação ou honra; V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem [...] O direito patrimonial, por sua vez, trata da obra enquanto um bem, um objeto e este, portanto, pode ser transferido a outro indivíduo. Para tal ato requer negociação entre as partes e um termo que indique cessão ou licenciamento, no que trata ao uso, exibição, publicação e comercialização das obras. Para as obras audiovisuais e fotográficas este direito é mantido

por 70 anos após a divulgação da criação. Após esse período, as obras ficam em domínio público e podem ser utilizadas sem precisar de autorização dos autores, mas deve manter sempre os créditos autorais (Artigo 44). O Capítulo III indica quais são os direitos patrimoniais. Já no Artigo 28 expõe que cabe ao autor direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de suas obras e este pode colocar suas obras à disposição das pessoas de forma gratuita pelo tempo e local que desejar (Artigo 30). Se uma obra foi criada por várias pessoas deve observar o que indica o Artigo 32 para não ter divergência de uso. Para que uma obra seja utilizada requer uma autorização prévia e expressa do autor indicando utilização e tempo, conforme indica o Artigo 29: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la [...]. O Artigo 38 é importante para os fotógrafos quando indica que “o autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado”. Assim, cada vez que uma fotografia única for vendida o fotógrafo deve receber 5% do valor da venda. Caso haja infrações a esta lei, os Artigos 102 a 110 tratam das sanções civis, além disso deve consultar o Artigo 184 do Código Penal que aborda os crimes contra a propriedade intelectual. Na Edição 8 desta revista tratamos sobre o assunto. Mais informações: Lei de Direitos Autorais: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm; Código Penal: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto-lei/Del2848compilado.htm ¹Professora dos cursos de Fotografia e Jogos Digitais da UNICAP. Doutoranda em Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel em Comunicação Social pela UESC. E-mail: juliannatorezani@yahoo.com.br.

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reportagem bruto, de que o diretor interferia na realidade. Ao final do filme, o diretor conclui que esse distanciamento emocional, materializado pelo espaço entre a câmera e Santiago, não foi por acaso, mas motivado pela ambiguidade que os unia. Santiago não era apenas o personagem e ele não era tão somente o documentarista. Subsistia, no filme, a relação que se estabelecera na casa da Gávea, do filho do dono da casa com o mordomo. E muito do desconforto de Santiago é explicado pelo material bruto que não estaria no filme se não se tratasse de um processo metalinguístico. Nas palavras do cineasta Herzog, “muitas vezes a beleza de um plano está naquilo que é resto, no que acontece fortuitamente antes ou depois da ação”. E a relação entre os dois personagens principais é explorada nesses momentos, em que João conduz a entrevista com rigor e pressa. Advêm daí os momentos mais autênticos, nos quais Salles trata o entrevistado como se fosse um ator e, de outro lado, Santiago, melancólico, tenta, sem sucesso, falar de coisas que são significativas para ele, mas que parece não terem importância para o diretor, que precisará de treze anos para redescobri-las.

Santiago TEXTO Juliana Galvão

Santiago é um documentário dirigido por João Moreira Salles, cujas filmagens se deram em 1992. A princípio, o filme era sobre Santiago, o mordomo da família, que trabalhou durante trinta anos na casa de seus pais, na Gávea, no Rio de Janeiro. Durante a montagem, entretanto, João conclui que, as ideias eram boas “no papel”, mas na ilha de edição não funcionavam, e interrompe o projeto por treze anos. Quando o retoma, altera o argumento do filme, que passa a ser não só sobre a vida de Santiago, mas sobre suas próprias memórias, além de uma reflexão sobre a obra fílmica. Assim, Santiago se apresenta como um documentário metalinguístico, que reflete sobre a linguagem documental. Sua narrativa é construída alternando-se depoimentos de Santiago e os questionamentos e conclusões do diretor sobre o material filmado, pelo que acaba por se tornar uma catarse para João. O recurso de narração é utilizado, feito em “voice-over” pelo irmão do diretor, Fernando Moreira Salles. Como a fala de Santiago, por si só, não daria conta do conteúdo metalinguístico introduzido quando de sua montagem, o diretor invoca um narrador, que fala em primeira pessoa e conduz o espectador pelo filme. João Salles faz uma autocrítica sobre a maneira como conduziu as filmagens e também coloca em xeque as imagens que são exibidas na tela. Tanto que confessa “é difícil saber até onde íamos em busca do quadro perfeito, da fala perfeita”, pelo que, “tudo deve ser visto com uma certa desconfiança”. Ao apresentar, em sequência, vários dos planos feitos da piscina da casa da Gávea, por exemplo, ele nos diz que no terceiro plano, uma folha cai na piscina e que lhe pareceu “uma boa coincidência”. Logo no take seguinte, entretanto, duas outras folhas caem no meio da piscina, exatamente no mesmo lugar. Em nenhum momento ele diz que as folhas entraram em cena de uma forma não natural, mas, através de um texto de sutil ironia, fica-se com a impressão de que as folhas foram deliberadamente jogadas no centro da piscina. Depois dessa, seguem-se outras cenas em que igualmente são mostrados vários takes, com algumas alterações de posicionamento de objeto. De modo geral, apenas os melhores são incluídos em um filme. Em Santiago, entretanto, as sobras também ganham relevância na montagem, porque é preciso ilustrar a tese de que as imagens que ele produziu podem não ter sido o registro de um real em estado 32

Frame do filme Santiago

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reportagem

Nan Goldin: Balada, Sexo e Dependência

Marlene, Colette e Naomi na rua, 1973 (Nan Goldin).

Nan Goldin

TEXTO Emmanuely Ribeiro

“As únicas pessoas que fotografo são as pessoas que amo.” A frase foi dita por Nan Goldin em entrevista cedida para o documentário, “The Genius of Photography”, dirigido por Tim Kirby, e revela muito, se não tudo, o que permeia o seu trabalho. Nan nasceu em Washington, D.C., em 1953, criada por uma família conservadora, passou parte da vida em Boston antes de mudar-se para Nova York, em 1978. Ainda muito jovem, aos 11 anos, viveu de perto a morte de sua irmã mais velha que havia suicidado. É um momento forte e de reflexões na vida de Nan que percebe na família a negação ao fato, quando para ela havia ali uma escolha. Era muito próxima à irmã e a entendia. Baseado nisso, em 2003, Nan cria “Irmãs, santas e sibilas”, uma projeção que aborda o suicídio da irmã e sua luta particular contra a depressão. No final da década de sessenta ganhou uma câmera e começou a documentar sua própria vida. Nan sempre fotografou aquilo que a ela era próximo, relatos cotidianos e um olhar testemunhal, voyeurístico, dos grupos dos quais participava. Cresceu com o movimento feminista, viveu em comunidades hippies e morou por muitos anos com drags, sendo estas personagens frequentes na vida e no trabalho da artista. Segundo Nan, foi o que formou sua identidade. Para ela, drags não eram homens nem mulheres, eram uma espécie própria. Diane Arbus também retratou drag queens, travestis, mas Nan a critica dizendo ver nas suas fotografias uma tentativa de mostrar quem ela é, a busca de identidade. O trabalho seria sobre ela mesma, experimentando a pele do outro. 34

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A partir dos anos setenta, Nan seguiu imersa com sua fotografia nesse universo noturno, entre homossexuais, prostitutas, travestis, dependentes químicos, ela mesma já passou por reabilitação e afirmou que aquela geração tinha uma relação romântica com a heroína, os junkies. Entre 1971 e 1985, criou o que seria o retrato dessa geração, a obra que sintetiza a época pré-aids, The ballad of sexual dependency. Em entrevista à revista Zum, Nan contou que ela e seus amigos deram risada quando ouviram falar pela primeira vez sobre o novo câncer gay. Muitos desses amigos já morreram ou são soropositivos. O mundo assistia à guerra do Vietnã, as desilusões americanas com seu sentimento pátrio, o movimento hippie pregando a paz e o amor, e a iminência da queda do muro de Berlim. Para Rouillé, neste intervalo entre o Vietnã e Berlim o mundo oscila: “Uma cultura modernista de exclusão de oposição caracterizada por uma mística da pureza, pela recusa à diferença, cede lugar a uma cultura aberta à alteridade, à diferença, ao consenso. Desaba a hegemonia do exclusivo em prol de uma postura mais tolerante, mais receptiva ao outro, ao diferente” (2009, p. 354).

Foi um período de grandes acontecimentos e mudanças também no mundo da arte: “É exatamente a remoção da trava modernista que permite aos artistas abrir o cenário cultural e artístico para os excluídos do modernismo: as mulheres, a classe operária, as minorias sexuais e raciais oprimidas, etc” (ROUILLÉ, 2009, p. 355). Essas minorias são retratadas por Nan com uma proximidade que leva o observador ao local da cena. Percebe-se a ideia do espontâneo e do instantâneo, um instantâneo que se difere de Bresson e seu conceito de instante decisivo. Enquanto este fotografa aquilo que provavelmente não se repetirá, Nan captura aquilo que é possível haver repetições. É o banal, diário, irrisório, privado, é o cotidiano em seus pequenos gestos, sem preciosismos técnicos e formais, a própria Nan afirma ser “a pessoa menos técnica do mundo”. Ela não tem formação em fotografia, tem noções de cor e enquadramento, ademais, tudo o que sabe é “autodidata e instintivo”.

Picnic on the Esplanade, Boston, 1973 (Nan Goldin).

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Rise and Monty Kissing, 1980 (Nan Goldin).

Este trabalho foi comparado a Tulsa, realizado por Larry Clark, em 1971. Nan reconhece a mudança que essa obra gerou em seu universo particular, mas não a considera como uma influência propriamente dita. Tulsa foi uma permissão para que ela fizesse um trabalho mais pessoal. Larry também fotografou aquilo que fazia parte da sua vida, suas imagens são fortes e profundas, provocam ojeriza, um insulto ao conservadorismo. “Ele atribuiu um novo gênero, grosseiro, coisa nojenta que ninguém quer saber”, afirmou Duane Michals. Para Nan, a relação de Larry com suas personagens não poderia ser comparada com a relação que ela tinha com as suas. A fotografia contemporânea é tomada por subjetivismos, e a poética de Nan está na intimidade que tem com seus amigos/personagens/amigos. Gira em torno de um universo que ela conhece bem. Ela está num lugar de ruptura entre o público e o privado. Suas fotografias vão além da denúncia de uma época, se é que existe algum propósito nesse sentido. The ballad of sexual dependency é uma crônica melancólica e visceral de um mundo marginalizado, permeado pela solidão humana, seja ela a dois ou a sós. Segundo Nan, a fotografia já a salvou muitas vezes. Olhar pra si com o olho roxo a impediu de voltar para seu amante, porque a memória não pôde ser obscurecida pela nostalgia.

A fotografia de Nan é carregada de humanidade e põe em xeque nossa relação com o privado. O que é permissível mostrar? Quais os limites? O seu trabalho foi transgressor à época, porém hoje talvez não seria tanto, visto que essa estética do instantâneo é muito explorada em dispositivos do ciberespaço, como o instagram e o snapchat. The ballad of sexual dependency provoca os sentidos tanto pela forma – luz quente, flash duro, uma produção aparentemente pouco pensada - quanto pelo conteúdo, a juventude embriagada, sexual, drogada e abatida; mulheres com hematomas, que nos faz pensar à que condições são colocadas e como são subjulgadas, situação que até hoje é posta em questão. Autorretratos que doem por aflorar este sentimento de empatia. Ela quer estar presente no momento e retê-lo para posteridade, seja qual for o sentido que queira dar a isso a posteriori. The ballad é melancólico, ele grita angústias, fala sobre solidão. É a juventude em subterfúgio.

Nan and Brian in bed, New York, 1983 (Nan Goldin). The Hug, 1980 (Nan Goldin).

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Nan Goldin

Nan Goldin REFERÊNCIAS

Nan Goldin

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ROUILLÉ, André. A fotografia: entre o documento e arte contemporânea. Brasil. São Paulo: Editora SENAC, 2009. FILHO, O. G. R; VASCONCELOS, L. S. Da porta para dentro - Nan Goldin e Cia foto e as poéticas da intimidade na fotografia contemporânea. In: Em Questão, Porto Alegre, v.18, n. 1, p. 229-245, 2012. KIRBY, Tim. The Genius of Photography. Inglaterra, 2007 LARRATT-SMITH, Philip. Embalos noturnos. Zum, São Paulo, Instituto Moreira Salles, v. 8, 2015. THE GUARDIAN. Nan Goldin: the fabulous drag queens who launched my career – in pictures. Disponível em: <https://www.theguardian.com/artanddesign/gallery/2015/jul/28/nan-goldin-the-fabulous-drag-queens-who-launched-my-career-in-pictures>. Acesso em: 26 ago. 2017 STANDER, Oriane. Chasing the dragon. Disponível em: <http://www.artnet.com/ magazineus/features/stender/stender3-31-06_detail.asp?picnum=5 >. Acesso em: 26 ago.2017 MOMA. Nan Goldin. Disponível em: <https://www.moma.org/collection/ works/102197?locale=pt >. Acesso em: 26 ago.2017 JOHNSON, Ken. Bleak Reality in Nan Goldin’s ‘The Ballad of Sexual Dependency’. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2016/07/15/arts/design/bleak-reality-in-nan-goldins-the-ballad-of-sexual-dependency.html >.Acesso em: 26 ago.2017

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ensaio

Um passeio pela praia de Merepe TEXTO E FOTOS Renata Victor O verão e as praias do Nordeste brasileiro nos convidam a fotografar. Diante desse convite, resolvi ir passear pela praia de Merepe, em Porto de Galinhas, com uma câmera compacta subaquática com a qual produzi este prazeroso ensaio.

As fotos do ensaio "Um passeio pela praia de Merepe" foram captadas através da câmera compacta subaquática da LUMIX, mega D.I.S.

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reportagem

Fluxo narrativo acelerado como forma de sobrevivência da sétima arte TEXTO Filipe Falcão

Não é de hoje que o cinema corre risco de perder público para uma nova forma de transmitir conteúdo. Costuma-se falar que os serviços de streaming diminuíram a quantidade de pessoas que frequentam salas de cinema. A pirataria também parece subtrair destes números. Basta uma rápida navegada pela internet para conseguirmos baixar qualquer filme que acabou de estrear nas salas de cinema mundo afora. Em alguns casos torna-se possível conseguir o título via download antes mesmo da estreia. Estamos diante da morte do cinema? Alguns nem chegam a fazer este questionamento, mas já o trazem como uma afirmação. Ao olharmos para o processo de evolução da sétima arte, facilmente vamos encontrar um caminho nem sempre feito apenas de sucesso, clássicos, astros, estrelas e salas lotadas, mas também com o que alguns pesquisadores da área denominam de quase mortes do cinema. Ao voltarmos, por exemplo, para a década de 1980, a popularização da televisão e do próprio videocassete foram responsáveis por uma grave crise na indústria cinematográfica. Uma das principais quase mortes do cinema aconteceu em 31 de setembro de 1983, quando o controle remoto espalhou-se pelas salas de estar. O cinema deveria, daquele momento em diante, tornar-se uma arte interativa na qual poderíamos escolher avançar cenas e pausar quando quiséssemos. Não foi isso que aconteceu. 60

A segunda aconteceu com a institucionalização de um modelo de narrativa em 1907 que deixava o que havia sido feito anteriormente como velho e ultrapassado. O terceiro fim ocorreu em 1910 com a morte do cinematógrafo. A quarta veio com o surgimento do cinema sonoro. A quinta foi justamente com o aparecimento da televisão e a sexta aconteceu com o lançamento do aparelho de videocassete. A sétima veio então em 1983 com a invenção do controle remoto. É importante pensar que esta ideia de morte não deve ser aplicada apenas à produção fílmica, mas sim de forma mais direta ao espaço e formato hegemônico de exibição. Além dos serviços de streaming e dos problemas de pirataria, novas formas para consumirmos produtos audiovisuais também parecem afastar as pessoas das seculares salas escuras de projeção. Podemos, por exemplo, assistir aos filmes nos nossos computadores pessoais e dispositivos móveis em qualquer lugar e na hora que quisermos. Tudo parece mais fácil. Já ir ao cinema significa uma série de ações como sair de casa,

ir ao multiplex mais próximo, comprar ingresso, pagar estacionamento, comprar alguma refeição para antes ou depois do filme e principalmente desembolsar dinheiro para o próprio ingresso. Na volta para casa, se estivermos em uma cidade grande, ainda temos que nos preocupar com a violência. Todos estes fatores acabam por afastar parte do público que pode ter acesso ao filme no conforto e segurança do lar e por um preço bem mais em conta, caso assine algum serviço de streaming, ou até mesmo de graça ao optar pela pirataria. De volta ao ponto inicial deste texto, estamos então novamente diante de mais uma quase morte do cinema? E será que desta vez vamos finalmente testemunhar o óbito? O cinema pode até morrer algum dia, mas ao que parece, ele não vai morrer sem lutar. Quem ainda frequenta cinema deve ter percebido como os filmes estão mais acelerados. Esta ideia de velocidade na sétima arte dialoga com o fluxo narrativo da trama e significa formas de tornar o que é visto em tela mais convidativo aos olhos.

Os pesquisadores André Gaudreault e Philippe Marion , autores do livro O fim do cinema? Uma mídia em crise na era digital, lançado em 2013, apresentam as principais quase mortes da sétima arte. A primeira teria sido na hora do seu nascimento, quando os próprios irmãos Lumiere teriam dito que o cinema seria uma invenção sem futuro.

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Vamos exemplificar com o grande ciclo atual de produções que fatura alto nas bilheterias: os filmes de super-heróis que são marcados por um excesso na forma da história ser contada, do ponto de vista narrativo ou estético. Aliás, a palavra excesso parece caminhar lado a lado com a produção contemporânea de blockbusters e tende a dialogar inicialmente com a questão da aceleração do fluxo narrativo fílmico presente nos dias atuais. Este fenômeno tem ligação direta com o que o pesquisador Gilles Lipovetsky batizou, em 2009, de hipercinema do século XXI. Trata-se do cinema observado através de películas que fazem vibrar nas cores, no som, nos ritmos, na velocidade. De volta aos super-heróis, é bastante claro perceber como a câmera está quase sempre em movimento, os cortes acontecem a cada dois ou três segundos, as próprias tramas são bastante fragmentadas com diversos núcleos de personagens e até sem uma divisão clara em quem são os protagonistas e os coadjuvantes. Até a quantidade de diálogos parece ter aumentado. E todo este excesso é orquestrado pela capacidade de oferecer uma experiência sensorial com ondas sonoras que deixam as modernas caixas de som para colidirem com nossos corpos. O som faz vibrar e a imagem é frenética. É claro que Lipovetsky vai destacar que esta não é a primeira vez que o cinema foi revolucionário na sua forma de produzir filmes. Na verdade, o próprio processo de evolução da sétima arte aconteceu através de uma série de transformações como a invenção do cinema falado, a passagem do preto-e-branco para a cor, o advento da tela larga, o surgimento do 3D, entre diversos outros processos. A diferença parece ser que pela primeira vez este processo evolutivo atinge todos os domínios. Tanto a produção, como a difusão, quanto o consumo como a estética dos filmes. Sabemos que estes mesmos filmes de super-heróis podem ser vistos em computadores e dispositivos móveis. A diferença está na experiência diante da escolha de onde consumir o mesmo. Vamos então deixar uma provocação sobre assistirmos a qualquer filme blockbuster seja em uma sala de cinema ou no tablet. 62

Vamos entender ao filme assistindo nestes dois formatos? Obviamente que sim. Mas agora vamos pensar na questão da experiência. Onde provavelmente teremos uma imersão maior será ainda na sala de cinema diante da tela grande. O excesso é percebido também no espaço de exibição e de velhas as salas não têm nada. O excesso cinematográfico proposto por Lipovetsky dialoga com os próprios espaços de exibição, neste caso as salas de cinema. Podemos destacar, por exemplo, as salas multiplex que se modernizaram com telas cada vez maiores e também a volta do filme em 3D, onde a ação pula diante do público. A lógica de consumo fílmico contemporâneo tem no multiplex a sua principal forma de exibição. Não apenas por se tratar do tipo de sala de cinema mais popular em diversos países, mas por representar um espaço em constante adequação tecnológica para tornar a experiência cinematográfica cada vez mais intensa. Os realizadores sabem disso e tiram proveito desta nova realidade. Não por acaso temos um grande número de filmes lançados em 3D.

O antigo efeito que nas décadas de 1950 e 1980 se destacam por atirar objetos na tela agora trabalham com a noção de profundidade e na construção de cenas cada vez mais realistas. A questão do áudio também se tornou de grande importância tanto nos filmes como nas próprias salas através de sistemas e caixas de som cada vez mais potentes e “inteligentes”, capazes de criar ondas sonoras que dialogam com a ação vista na tela. De acordo com Jeff Smith (2013), e seu trabalho sobre o som cinematográfico no século XXI, o cinema contemporâneo de Hollywood é definido por produções agitadas e barulhentas para estimular sensações e não apenas o intelecto. Mas este processo não é definitivo. Aliás, nada no cinema parece ser. E evolução responde como palavra de ordem que tem garantido o cinema a continuar vivo. Gaudreault e Marion nos lembram que 35 anos de cinema mudo desapareceram e que raramente há alguém para assistir estas produções. A dupla afirma que isto acontecerá da mesma forma com o resto do cinema. Somos obrigados a confrontar esse novo meio de comunicação, um cinema repleto de excessos que fará, ou já o faz,

com que a Guerra nas Estrelas, que revolucionou a sétima arte no final da década de 1970, pareça com uma sessão de leitura à luz de vela no século XVI. Desta forma, o cinema parece ter encontrado a sua fórmula para sobreviver a mais uma morte. Se o público consegue assistir aos filmes em casa e sem pagar, as produções contemporâneas parecem querer justificar todo o processo de sair de casa, ir para o multiplex mais próximo e pagar pelo ingresso com a explicação de que não se trata apenas de assistir a um filme. Isto pode ser feito em casa ou até mesmo no ônibus indo de casa para o trabalho. O que pagamos agora é pela experiência de estarmos diante de um filme com muitos cortes, muitos movimentos de câmera, projetado em 3D e com som digital. O excesso está na tela e ele salta para um público que quer algo além de simplesmente ver um filme. Pagamos pela experiência. Com esta fórmula, o cinema parece sobreviver a mais uma quase morte... até que surja a próxima ameaça.

FOTOS material oficial de divulgação dos filmes.

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ensaio Clique aqui para assistir ao vídeo.

Retratos, Vida & Poesia TEXTO e FOTOS Douglas Fagner O projeto "Retratos, Vida & Poesia" amadureceu após a disciplina de linguagem fotográfica 2, com o professor João Guilherme, que nos trouxe a proposta de executarmos um ensaio fotográfico com base na Revolução Pernambucana de 1817. Escolhi retratar a força das mulheres guerreiras da cidade de Goiana, no litoral norte pernambucano, especificamente as mulheres do distrito de Tejucupapo, mulheres que expulsaram os holandeses, marisqueiras cuja profissão resiste até hoje. Sou amigo de uma família que mora na Ilha de Itamaracá, ela tem uma relação muito íntima com o mangue, o mar e os recursos naturais da ilha. Convidei-a a principio para esse projeto "heroínas de hoje" onde pude fotografar e filmar a relação da mulher forte guerreira e mãe, que ajuda no sustento da casa e que ainda cuida do lar e dos filhos. Após esse processo me deparei com duas cadeiras fantásticas; a de curadoria e a de captação de vídeo com DSLR. Então pensei em lincar as duas com um único projeto, assim nasceu o "Retratos, vida & poesia". Este trabalho narra a simplicidade da vida de uma família residente da Ilha de Itamaracá, no bairro de Jaguaribe próximo à área de mangue, no litoral norte pernambucano. A minha aproximação desta família se deu ainda na juventude, são mais de 15 anos de amizade e companheirismo. As pessoas retratadas neste trabalho são pessoas reais não apenas personagens de uma história, uma família composta por sete membros, dentre os quais Dângelo Dias e Virginia França formam o casal e seus cinco filhos compõem esta linda família. Sendo duas meninas, Maria Clara e a Naly Eduarda e três meninos, Ângelo Gabriel, Darlan Miguel e João Daniel, com idades entre seis e 15 anos. O projeto fotográfico buscou imprimir nas imagens captadas a alma das pessoas, onde é nítida a simbiose com o meio ambiente, numa revelação da sensibilidade que pude ter. O foco do trabalho consistiu em criar uma narrativa do dia a dia de pessoas simples e sua forte relação com a natureza. A ação investigativa se deu para observarmos quão intensa é a forma como essas pessoas se relacionam com os elementos naturais: mangue, rio, animais, vegetais, chuva, sol, lama, etc., que de tão intrínseca, se torna impossível separar as pessoas dos aspectos naturais. Este trabalho foi muito importante porque me colocou dentro do universo vivido pelas pessoas integrantes da ação investigativa. Proporcionou-me um novo olhar sobre a convivência com a natureza, corroborando com a ideia de que viver de forma simples em pleno século XXI, é perfeitamente possível.

Processo Criativo O processo de criação do projeto “Retratos, Vida & Poesia” uniu disciplinas de diferentes semestres do curso de Fotografia, Linguagem fotográfica 2 e Montagem de portfólio e curadoria. Para a evolução do desenvolvimento de uma temática dentro de um processo criativo, é relevante que diversas vertentes sejam abordadas. Nesse caso, ocorreu o desenvolvimento do projeto de forma mais ampla no primeiro momento e, na sequência, trabalhando os aspectos curatoriais, o autor pode formatar e refletir mais precisamente sobre a mensagem e o conteúdo do projeto. Selecionar as imagens que iriam compor a narrativa, discutir a ligação das imagens para que o leitor pudesse compreender de fato a temática do projeto foram atividades que fizeram parte das etapas de desenvolvimento. Após isso, foi analisado quais seriam os melhores suportes para apresentação do produto final, sendo escolhido um fotolivro e a produção de material audiovisual. TEXTO Germana Soares

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reportagem

Programa de Voluntariado Universitário - VOU TEXTO E FOTOS Icaro Benjamin

Sou Icaro Benjamin, aluno do Terceiro Módulo do curso de Fotografia e compartilho a minha vivência no Programa de Voluntariado Universitário Unicap- VOU. Do dia 13 a 20 de janeiro de 2018 na Aldeia Tramataia- Município de Marcação-PB. Penso que o meu voluntariado já começou quando recebi o e-mail com as informações do programa e propostas de locais. Existiam ótimas oportunidades de realidades que contrastavam com o meu dia a dia. No e-mail estavam discriminadas as atividades desenvolvidas em grupo, já nos respectivos locais. Então não existia uma programação do que seria feito, o que me deixou bastante receoso. O VOU foi a minha primeira experiência como voluntariado consciente (o que é ser consciente?), então me questionei muito sobre o que eu poderia oferecer de valor e até mesmo se possuía algo “digno” para compartilhar. Iniciei então uma jornada profunda de autoanálise. Inseguranças, controle, expectativas... Bem, eu precisava soltar algumas amarras. Me entregar foi a conclusão: -Vai com incerteza, vai com medo, Vai, Vou! FUI! Chegando ao local de encontro, em João Pessoa-PB, antes de ir até a aldeia, conheci os demais participantes, um total de sete alunos de diversas áreas: gente de Direito, Publicidade, Licenciatura em Física, Enfermagem, História etc.

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No local de encontro recebemos uma calorosa integração junto com o martelo da reflexão: momento de fortalecemos os objetivos do voluntariado, da entrega, respeito e doação. A música Trem bala- Ana Vilela foi a trilha desse momento. O bom humor e a vontade de que o voluntariado desse certo, na minha humilde ótica, eram ingredientes que estávamos compartilhando de forma unânime. Após algumas horas de karaokê na van, chegamos. Pela janela, eu já analisava a aldeia até chegarmos ao nosso alojamento. Não encontrei ocas. Ficamos dentro da escola da aldeia. À primeira vista, a estrutura das casas e ruas me lembrava áreas rurais, pouquíssimas cercas nas casas e, as que tinham, eram com estacas de madeiras, casas de tijolos, pista de barro ou pequenas partes da rua cobertas de conchas de mariscos. Umas das coisas que me surpreenderam era o programa de Projeto de Vida do VOU, aplicados diariamente conosco. Nesse programa, gradativamente explorávamos aspectos íntimos de nossa história em rodas noturnas de colchões e travesseiros. Umas das grandes lições que levo desses encontros é que, ao partilhar as nossas limitações nos tornamos mais humanos. A diferença se transforma em diversidade e o sentimento de igualdade é aflorado.

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reportagem FOTO Adelson Alves

Formatura da primeira turma do Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte TEXTO Marcela Pedrosa O curso de extensão para jovens com síndrome de down e deficiência intelectual Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte concluiu em 20 de dezembro o primeiro módulo do projeto. Os 14 jovens que integraram a turma, com seus familiares e toda equipe técnica, celebraram a conclusão do ciclo no salão receptivo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), onde também estavam expostos trabalhos feitos pelos alunos, além de fotografias na madeira produzidas pelo artista Jonas Moraes. A coordenadora do projeto e do curso de Fotografia, Renata Victor, iniciou a cerimônia manifestando sua satisfação com o resultado de quatro meses de muito aprendizado e experiências trocadas entre os alunos, professores, voluntários e toda equipe que colaborou para o projeto ser bem-sucedido. “Hoje é um dia de alegria para todos nós, porque é a conclusão da primeira turma do Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte. Estamos comemorando o sucesso da turma, tendo em vista o belo resultado que os alunos apresentam como podemos comprovar nessa pequena mostra”, disse Renata. Durante a cerimônia de formatura, foram apresentados os programas de rádio produzidos pelos formandos nas aulas de Webrádio, em que abordaram assuntos temáticos pertinentes ao dia a dia, como namoro, trabalho e lazer. As lágrimas ficaram por conta do documentário produzido pela professora Janaína Calazans, que mostrou momentos marcantes do curso, 78

além do depoimento dos estudantes sobre a experiência de fazer parte do Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte, provocando muita emoção entre os já considerados “amigos para sempre” que permaneceram abraçados por alguns minutos. A ocasião se tornou ainda mais memorável no momento em que os alunos fizeram uma apresentação de dança, orientada pelo professor Cristiano Nascimento da disciplina de ‘Som, Cor e Movimento, utilizando instrumentos tocados também pelos próprios jovens. Em seguida, os presentes aplaudiram os formandos durante a entrega dos certificados, momento de bastante orgulho e satisfação para todos os envolvidos nesse projeto que uniu profissionais e jovens afetuosos, com muita energia e disposição. O Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte surgiu após uma iniciativa da Universidade Católica de Pernambuco e as empresas apoiadoras EBrasil e Regra3. Com uma formação interdisciplinar, o curso de extensão foi iniciado no dia 15 de agosto de 2017 e os alunos tiveram aulas das disciplinas de ‘’Fotografia e Video’’, ‘’Jogos Digitais’’, ‘’Linguagem Publicitária’’, ‘’Som, Cor e Movimento’’ e ‘’Produção de Webrádio’’. Com o auxílio da professora Renata Victor, na disciplina de Fotografia, os estudantes produziram imagens utilizando a técnica de pinhole, que consiste na fotografia com latas, uma experiência inédita e bastante divertida para eles. Na visita à Praça da República e ao Palácio das Princesas, eles vivenciaram o processo de captação e adquiriram conhecimento das regras de estética, apresentando muita sensibilidade e encantamento pela imagem como instrumento de comunicação e apreciação da natureza, da arquitetura e das figuras humanas. No módulo de Vídeo, com o professor Filipe Falcão, os alunos puderam desenvolver os próprios produtos audiovisuais, assinando um vídeo sobre o Dia da Árvore após a visita ao palácio. (vimeo.com/user74975874). Durante os quatro meses, nas demais disciplinas, os estudantes também elaboraram peças publicitárias, trabalharam a criatividade com atividades envolvendo música e pinturas, construíram conhecimento através de jogos analógicos e digitais, além de expressarem a voz de forma autônoma e criativa. Segundo módulo Em 20 de fevereiro, o Ganhando Asas através da Comunicação e da Arte deu início à segunda turma e com novas disciplinas, como Desenho, com o professor Humberto Montenegro, Produção em Telejornalismo, com a professora Aline Grego e Teatro, com o professor Vicente Monteiro, além de manter as disciplinas de Fotografia e Vídeo, com a professora Renata Victor e o professor Filipe Falcão, Jogos Digitais, com a professora Juliana Miranda, e Produção de Webrádio, com a professora Andrea Trigueiro. Os alunos são acompanhados com a psicopedagoga Flávia Ferraz e têm o auxílio de Larissa Alves Martins, bem como alunos voluntários dos cursos de Fotografia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Jogos Digitais, Jornalismo, Medicina, Psicologia e Publicidade e Propaganda. 79


ensaio

Diante do olhar dela TEXTO e FOTOS Emmanuely Ribeiro Este ensaio foi realizado para a disciplina “Poéticas da fotografia”, com orientação da professora Flora Assumpção, na especialização “Narrativas contemporâneas da fotografia e do audiovisual”, mas não só. Há tempos penso em fotografar minha avó, este elo forte entre passado e presente, mas faltava iniciativa. Este foi o momento. O ensaio, que na realidade se configura em retratos, à princípio não tinha nome, não havia pensado sobre isso, no entanto refletindo um pouco mais sobre essa experiência me vi “Diante do olhar dela”, e assim o nomeei. Minha vó tem Alzheimer e o nome dela é Delaice.

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fotossíntese

Fotografia e História TEXTO Bethânia Correia

Vestido de Brasil

Foto: Praia de Boa Viagem em 25/09/1928 Acervo: Gustavo Sobral

TEXTO e FOTO José Nunes

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avegando o Rio Capibaribe no Recife e fotografando para um projeto intitulado “A Vida Urbana do Capibaribe”, pude observar um pré-adolescente que estava às margens, provavelmente em frente à sua casa (palafita) lavando as mãos. Quando apontei minha câmera para registrar a cena, ele ergueu-se, fez o gesto imitando duas armas com os braços cruzados e posou. Esse gesto é comum entre moradores de comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e significa que estão armados e prontos para a guerra. Além disso, o garoto está vestido com uma bermuda estampada com várias bandeiras do Brasil. Uma fotografia cheia de signos, que nos leva a pensar muito sobre nossas responsabilidades e que traz à mostra uma cruel realidade vivida pelo nosso povo sem esperança, sem presente e talvez sem futuro.

Luz guardada Sempre que olho uma fotografia, penso o que diriam os deuses do Olimpo sobre uma invenção que desafia o cruel Cronos. Experimentar uma fotografia é uma aventura fascinante, mágica. É visitar o tempo guardado.

Entre as quatro fotografias que recebi recentemente de um amigo, uma delas me tocou bastante. A tirada na Praia de Boa Viagem em 1928 numa tarde de inicio de verão. Na cena quatro pessoas, tão reais que posso escutar os sons. Duas reveladas pelas sombras na areia, no primeiro plano um homem e ao fundo, uma aparição , um menino. O jovem de terno branco, que posa sob a bela luz de setembro é elegante e completamente sedutor, mas é a presença do menino que entra no mar e observa a cena, que rouba o meu olhar. É o puncto de que falava Roland Barthes na sua Câmara Clara, é aquilo que “eu acrescento à fotografia e que no entanto, já está lá”. A fotografia é um presente. Do instante guardado pela câmara de Paulo Sobral, fruto da invenção dos homens que paralisaram o tempo e das novas tecnologias que permitiram ao jovem Gustavo me enviar os pixels digitais por email. Presente do tempo da delicadeza , das sombras miúdas dos edifícios horizontais, que não roubavam da praia a luz de uma tarde de verão. 94

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O que eu estou fazendo? TEXTO e FOTOS Elysangela Freitas Eu sou Elysangela Freitas, fotógrafa e pesquisadora, concluí o Curso Superior Tecnológico de Fotografia na UNICAP em 2014.2 e, em 2017, terminei a especialização As narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual também na UNICAP. Sou servidora do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região – TRT/PE – desde 1993, e no momento atuo na área de Comunicação Social, como fotojornalista. Além disso, executo projetos em fotografia, a exemplo do Memória Viva do TRT-PE (@memoriavivatrtpe) e do curso Noções básicas de fotografia para Oficiais de Justiça, em 2016. Já participei de várias coletivas, dentre elas as exposições 24 olhares sobre o 5 pontas (2014), Outros Olhares sobre Frei Caneca (2015) e Amar, [des]amar (2016), todas no Museu da Cidade do Recife – Forte das Cinco Pontas – PE; Comportamento (2016), na Casa Fototech no Paraty em Foco – RJ (2016) e Diversidade no Estúdio Papaya Imagens –SP (2016), e de uma individual no do 26º Festival de Inverno de Garanhuns – FIG 2016 com a exposição Corpo em Movimento – Corpo em Fluxo. Juntamente com o professor Dario Brito ministrei a oficina Fotografia e Movimento: a dança popular como linguagem imagética. A oficina integrou uma das ações do projeto Corpo em Movimento - Corpo em Fluxo: projeto de pesquisa em produção fotográfica, aprovado no Funcultura-PE - Edital 2015/16, para o desenvolvimento de um ensaio de fotos autorais sobre o movimento do corpo e sua interseção com as linguagens da dança popular pernambucana e da fotografia. Como resultado do projeto foi criado o site https://corpoemfluxo.wordpress.com/, onde é possível acompanhar as experiências do processo de desenvolvimento dessa pesquisa, desde a ideia inicial. Em 2017 realizei a exposição O olhar dos ibêjis na Xambá. A mostra é formada por 40 fotografias, das quais 30 são das crianças e adolescentes que participaram da oficina Iniciação à fotografia: a poética da escrita da luz. As aulas tiveram duração de seis meses e ocorreram no Centro Cultural Grupo Bongar – Nação Xambá, através do projeto Residência Artística em Fotografia: Ponto de Cultura Um Quilombo Cultural - Jovens da Comunidade Xambá, aprovado no Funcultura 2016/2017.

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quadro de dicas

Dica especial

Renata Victor*

O Retrato e o Tempo

Imagens da Coleção Francisco Rodrigues TEXTO Julianna Torezani Quando a fotografia foi desenvolvida na Europa no século XIX, em pouco tempo as invenções para capturar a luz se espalharam por todo o mundo. Muitos dos navios que vinham para o Brasil trouxeram tais novidades, entre câmeras e substâncias químicas que permitiram ter os primeiros registros em terras brasileiras. Além de equipamentos e produtos, vieram também muitos fotógrafos, chamados de daguerreotipistas na época, por conta das criações do francês Louis Jacques Mandé Daguerre. Estes navios paravam no Recife, alguns em Salvador e muitos seguiam para o Rio de Janeiro. No Recife, os daguerreotipistas puderam, além de fazer fotografias, montar estúdios e ensinar brasileiros a fotografar, entre eles Carlos Fredericks, Joaquim Insley Pacheco, Augusto Stahl e Albert Henschel. Com isso, temos importantes registros deste período e do início do século XX. As imagens mostram as famílias e os lugares. Desta forma, as coleções começaram a ser feitas e a fotografia iniciou seu exercício de memória. Francisco Rodrigues era dentista, mas herdou do pai uma coleção de retratos que deu continuidade 98

e visitando famílias conseguiu reunir 12.727 imagens que hoje estão preservadas pela Fundação Joaquim Nabuco, no Recife. Criou, assim, uma das maiores coleções de retratos que existem atualmente e afirmou: “Eles [os retratos] estão dispersos... ameaçados de serem esquecidos, abandonados pela gente mais nova que não lhes dá valor... Reunidos, vão contar muito melhor uma história”. O livro O Retrato e o Tempo: Coleção Francisco Rodrigues 1840-1920 traz 500 imagens deste grande acervo com doze textos de pesquisadores que explicam sobre esses registros de personalidades ligadas ao ciclo açucareiro, escravos, senhores de engenho e suas famílias, a obra foi organizada por Rita de Cássia Barbosa de Araújo e Teresa Alexandrina Motta, lançada em 2014 é acompanhada de um suplemento em inglês dos textos e outras cenas diferentes. A obra pode ser apreciada por olhares distintos, estudos sobre processos fotográficos, moda, política, economia, sociedade, cultura, religião podem ser feitos a partir destes milhares de retratos. A maioria das imagens tem os formatos de carte de visite (9 X 6 cm) ou carte de cabinet (10 X 15 cm), gênero que foi inventado pelo francês Eugéne Disdéri que permitia fazer até oito fotos numa única chapa, no verso de cada cena estão o nome, o brasão e o endereço dos estúdios. O livro não traz apenas a imagem em si, mostrando, até mesmo, os estojos nos quais eram guardadas as fotografias, feitos em couro, com fechos de metal e forrados internamente com cetim, era como uma joia, até pelo alto custo que possuía na época. Alguns estúdios usavam as armas imperiais, em função de fotógrafos estrangeiros terem recebido tal autorização do império. Do modo que no Recife a fotografia teve amplo desenvolvimento comercial com muitos estúdios instalados nas ruas da Imperatriz, do Imperador, Barão da Victoria, Nova e Rosa e Silva.

FILME Luzes da Cidade. Diretor: Charlie Chaplin, 1931.

LIVRO

Dicionário Histórico-Fotográfico Brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (18331910) - Boris Kossoy, 2002.

SITE

https://www.shutterstock.com/

Julianna Torezani* FILME Recife, no princípio, era um porto... FUNDAJ, 2017.

LIVRO

O Retrato e o Tempo: Coleção Francisco Rodrigues 1840-1920. - Rita de Cássia Barbosa de Araújo e Teresa Alexandrina Motta (orgs.), 2014

SITE

http://brasilianafotografica.bn.br/

João Guilherme* FILME Contatos 1 – A grande tradição do fotojornalismo.

LIVRO

Marcados - Claudia Andujar, 2009.

Diretores: Robert Delpire, William Klein, Raymond Depardon, Roger Ikhlef, Sylvain Roumette, Elliott Erwitt, Alain Taieb, Leonard Freed, Yervant Gianikian, Angela Ricci Lucchi, Philippe, 2015.

FILME Síria em Fuga. Diretor: Gabriel Chaim, 2015.

SITE

http://theartofplating.com/

Anna Tenório ** LIVRO

Sobre Fotografia - Susan Sontag, 1977.

SITE

http://fotografiamais.com.br/

Marina Feldhues ** FILME A caverna dos sonhos esquecidos. Diretor: Werner Herzog, 2011.

LIVRO

Como pensam as imagens - Etienne Samain (org.), 2012.

*Professores do Curso Superior Tecnológico em Fotografia. **Ex-alunas do Curso Superior Tecnológico em Fotografia.

SITE

http://www.fotografia-dg.com/

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