UnicaPhoto [n.12]

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Revista do Curso Superior de Tecnologia em Fotorafia da UNICAP - #12, Março 2019

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Editorial na web Escaneie o código QR ao lado, através de aplicativo no smartphone, e acesse todas as edições da

Expediente Coordenação: Renata Victor Edição: Carolina Monteiro Coordenação Editorial: Carolina Monteiro Programação Visual: Alícia Cohim Diagramação: Alícia Cohim Textos: Fatinha Rêgo Barros, Maria Duda Albuquerque, Patriny Aragão, Sérgio Bernardo, Vidal de Sousa, Ben Wiedel Kaufmann (tradução de Larissa Alves), Renata Victor, Catarina Andrade, Marina Feldhues, Braz Pereira Alves Neto, Juliana Galvão, Paulo Souza, Thiago Faria, Elizabeth de Caravalho e Braz Pereira Alves Neto. Foto da capa: Lidiane Mota Foto da contracapa: Catarina Pennycook

A UnicaPhoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. (ISSN 2357 8793)

Chegamos à 12ª edição da revista Unicaphoto com provocações para você, leitor e fotógrafo. O que é ser fotógrafo nos dias de hoje? Que futuro está reservado a este profissional? Quais técnicas o fotógrafo deve dominar? Ser fotógrafo, atualmente, é bem mais fácil. Não só por não ser necessário esperar a revelação e a ampliação para saber da qualidade das imagens mas por todas as inovações tecnológicas dos equipamentos fotográficos, profissionais ou amadores, incluindo nesse campo os smartphones. As inovações não param! Em poucos dias, será lançado no mercado um produto com inteligência artificial para as máquinas fotográficas. É um acessório para câmeras DSLR e Mirrorless, acoplado via porta USB, que se comunica com smartphones para realizar uma série de funções inteligentes. O grande volume de dados gerados pelo artefato permite extrair e aplicar informações para a realização de tarefas com mais precisão e eficácia, ou simplesmente para que os “fotógrafos” sejam mais assertivos em tomadas de decisão nas mais diversas atividades. Nessa edição, temos uma entrevista com Priscilla Buhr, fotógrafa recifense que desenvolve um trabalho voltado para o universo das “narrativas visuais e motivadas pela compreensão e reconstrução do passado e por trajetos emocionais da mulher”. Pelo viés social, trazemos uma reportagem sobre

o Cais José Estelita, que faz reflexão sobre a necessidade de preservamos o Direito à Cidade; e sobre a atuação do Núcleo de Ações de Extensão Social (Naes), que junto a ONGs, desenvolve atividades para promover a justiça social por meio do uso da fotografia. De fotografias, trazemos os olhares de Elizabeth de Carvalho, Renata Vaz e o meu sobre o Galo da Madrugada; o projeto Um Outro Olhar, de autores diversos, que objetiva dar visibilidade à luta pela inclusão de pessoas com deficiência em Pernambuco; o ensaio de Juliana Galvão sobre o contraste da luz e sombra e o de Thiago Faria Neves sobre o 25º Janeiro de Grandes Espetáculos. Já de textos, temos os artigos de Marina Feldhues sobre a fotografia como imagem; de Catarina Andrade e Márcia Larangeiras sobre o tempo e o lugar na imagem; de Braz Pereira sobre a utilização de fontes primárias para a escrita da história na atualidade, de Elizabeth de Carvalho sobre o filme Freaks. O mais novo professor do curso de Fotografia, Paulo Souza, fala sobre o impacto de substituir a equipe de fotógrafos de um veículo por jornalistas com smartphones; e eu comento o registro que o fotógrafo Marc Ferrez fez do Porto do Recife. Você está convidado a desfrutar dessa edição. Ela foi carinhosamente construída pelos alunos, professores e colaboradores do Curso Superior de Tecnologia de Fotografia da Unicap.

F O T O Renata Victor Coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Unicap

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SUMÁRIO

Aconteceu 06

Um Outro Olhar 46

Concurso de Carnaval 08

O registro fotográfico de Marc Ferrez no Porto do Recife 64

Entrevista com Priscila Buhr 10 Memória do Cais 18 Nós fomos ao galo 22 Fotografia a serviço da cidadania e da ação social 42

Foto Síntese 69 A fotografia como imagem 70 O tempo e o lugar da imagem 72

Diálogos entre luz e Fotojornalismo sombra importa? 74 99 VerOuvindo: um olhar mediado 84 Fotografia, intervenção e narrativa 86 Teatro em cena e em foto 90

Desterro 102 O trabalhador na fotografia documental: pesquisa de imagens de Ludimilla Wanderlei 104

Freaks 98

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agosto

28/08 - Última aula da 2ª turma da Especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual” 24/08 - Os alunos do Curso Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte participaram com uma Exposição fotográfica e de desenho da 2ª Semana da Pessoa com Deficiência da Unicap. 19/08 – Lançamento do projeto Um outro olhar, Prêmio Alcir Lacerda e exposição dos alunos da 3a turma do Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte 11 Edição da Unicaphoto 15/08 - O fotógrafo Paulo Sousa, ex-aluno do Curso de Fotografia e da Especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual” oferta palestra para os alunos da graduação e especialização.

setembro 24/09 - Aluno Thiago Britto é selecionado para o Salão Universitário de Arte Contemporânea do Sesc Pernambuco 20/09 - Parceria do curso de Fotografia e o Pernambuco Foto Clube no Projeto Fundação Terra. 20/09 - Bate-papo com o fotógrafo Breno Rocha. 20/09 - Saída fotográfica analógica no Caxangá Golf Country Club. 20/09 - Exposição fotográfica “Cidades e Errantes” na 19ª Jornada do Laboratório de Psicopatologia Fundamental e Psicanálise. 15/09 - Alunos do quarto módulo recebem cineasta Júlio Cavani. 12/09 - Bate-papo com Alyson Carvalho. 12/09 - 2º Master Class com Henrique Ribas. 10/09 Palestra com Ana Farache. 06/09 - Alunos do Curso de Fotografia no Intercom Nacional. 04/09 - Palestra sobre Curadoria X Crítica com a professora doutora Maria do Carmo Nino 03/09 - Bate-papo com Yêda Bezerra de Mello

outubro

do Homem e Mulher da meia-noite ao Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte. 16/10 - Parceria do Núcleo de ações e extensão social com a Santa Casa de Misericórdia e com Curso de Fotografia da Unicap. 10/10 - Palestra Produção e Mercado Fotográfico com Rafael Medeiros. 10/10 - Saída fotográfica ao Caxangá Golf Country Club. 10/10 - Visita dos alunos do segundo módulo do curso de fotografia ao Sistema Jornal do Commercio. 06/10 – Visita dos alunos do curso de fotografia a Caixa Cultural de Recife. 04/10 - Bate – papo no segundo módulo com Marcelo Lacerda. 03/10 - Prêmio Pernambucano de Fotografia 2018, Quel Valentim do 4º módulo do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia e o aluno Sérgio Bernardo da Especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual”. 02/10 - Exposição fotográfica mostra os 15 anos do Doutores da Alegria nos hospitais atendidos pela ONG no Recife, com a curadoria da coordenadora do curso de Fotografia, Renata Victor. 01/10 – Batepapo com os alunos do segundo módulo na aula de iluminação, com a maquiadora Joyss Gabriella.

novembro

30/11 - Oficina de Pinhole para os alunos da Escola de tempo integral Antônio Hercílio do Rego, em Fundão/Recife 26/11 - Comemoração do FotoVídeo. 23/11 - Prêmio Pernambucano de Fotografia 2018. Os alunos Sérgio Bernado da Especialização “As Narrativas Contemporânea da Fotografia e do Audiovisual” e Quel Valentim do Curso de Fotografia 23/11 - Ex-aluno Daniel Fonseca ganha prêmio no 2º Concurso de Fotografia do Ministério Público da Paraíba. 23/11 - Produção audiovisual de eventos para os alunos do quarto módulo com Gustavo Sampaio e Hugo Veríssimo. 23/11 - Fotojornalista Gil Vicente conversa com turma do 2º módulo 19/11 - FotoVídeo 2018 – 1º, 2º e 3º dia 05/11 - Bate-papo com Marina Feldhues sobre fotolivro e sustentabilidade para os alunos do segundo módulo. 01/11 - Bate-papo com o web designer Flávio Santos na turma do segundo módulo.

31/10 - Pequeno Encontro da Fotografia 2018. 27/10 - Bate-papo com Raphael Sagatio. 26/10 - Alunos do Curso de Fotografia foram convidados a participar junto ao Curso de Enfermagem da oficina de ultrassonografia natural na 16º Semana de Integração da Unicap 25/10 - Os monstros da Delux invadem o laboratório de Fotografia na aula de iluminação (semana do Halloween) 25/10 - Aluno Shilton Araújo está entre os finalistas dos prêmios Cristina Tavares e de Jornalismo Literário. 22/10 - Projeto VerOuvindo foi o único brasileiro premiado e será apresentado durante encontro no Uruguai. 20/10 - Aula prática de foley com o convidado e professor Ricardo Maia. 19/10 - Palestra tratamento e manipulação de imagens com o editor de imagens Marcus Cabral 18/10 - Ganhadores do Concurso “O Nosso Villa – Um Musical VillaLobos”. Os alunos contemplados foram: José Mário dos Anjos (júri técnico) e Catarina Pennycook (júri popular), ambos do 2° módulo. 18/10 - Exposição do aluno Thiago Britto no Salão Universitário de Arte Prêmio Alcir Lacerda - Agosto 2018 Contemporânea do Sesc Pernambuco. 16/10 - Visita FOTO Adelson Alves

dezembro

18/12 - Encerramento da terceira turma – Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte. 16/11 - Exposição Um Outro Olhar. 12/12 - Banca de Avaliação dos Trabalhos de Conclusão da Especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual 12/12 Bate-papo com o publicitário Daniel da Hora, na turma do segundo módulo.

janeiro fevereiro

2018.2 ACONTECEU

28/01 - Colação de grau 2019. 20/01 - Exposição dos formandos 2019.1 “O Recife que eu vejo” 20/01 - Exposição dos formandos de Fotografia 2019.1.

25/02 - Exposição Fotográfica “Na Terra Para Servir” 18/02 – Lançamento do IX Concurso de Fotografia de Carnaval do Curso de Fotografia da Unicap. 13, 14 e 15/02 - Abertura do ano letivo 2019. 12/02 - Exposição Fotográfica Outras Leituras. 11/02 – Acolhimento dos novos alunos. 11/02 Programação de abertura do ano letivo de 2019

Ganhadores do Concurso “O Nosso Villa – Um Musical Villa-Lobos”. - Outubro 2018

março

09/03 – Os 60 anos da Barbie – E sua relação com a fotografia 07/03 - Bate-papo com o designer de moda Roberto Carlos na turma do primeiro módulo. 07/03 Montagem de exposição e conversas com os alunos de jornalismo e fotografia com a fotógrafa Luciana Dantas/ Abertura da Exposição Fotográfica “O Protagonismo Feminino na Perpetuação da Cultura das Casas de Farinha”

Formatura da Turma de 2018 - Janeiro 2019

Exposição da Fundação Terra - Fevereiro 2019

Masterclass - Setembro 2018 FOTO Adelson Alves

Fotovídeo - Novembro 2018

Exposição Um Outro Olhar Dezembro 2018

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FOTO Catarina Pennycook

Beleza premiada

FOTO Lidiane Mota

A capa e a contracapa desta edição da UnicaPhoto trazem as imagens de Lidiane Mota, aluna do primeiro módulo do curso de Fotografia da Unicap, e de Catarina Pennycook, do terceiro módulo, vencedoras do IX Concurso de Fotografias de Carnaval, realizado entre os alunos com o objetivo de valorizar tanto a produção dos estudantes quanto a mais tradicional festa popular do Estado. Este ano, 32 fotos disputaram as duas categorias. A imagem de Lidiane Mota foi a escolhida pelo júri técnico formado pelas fotógrafas profissionais Inês Campelo, Juliana Galvão e Yêda Bezerra de Mello. Já a imagem de Catarina Pennycook venceu o júri popular, com 82 curtidas na página do curso de Fotografia no Facebook.

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E N T R E V I STA

Liberdade e potência do fazer artístico de Priscilla Buhr T E X T O Fatinha Rêgo Barros, Maria Duda Albuquerque, Patriny Aragão, Sérgio Bernardo e Vidal de Sousa

F O T O S Renata Victor

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Priscilla Buhr trabalha com fotografia desde 2005, é recifense, mãe e feminista. Desenvolve um trabalho de fotografia voltado pro universo das “narrativas visuais e motivadas pela compreensão e reconstrução do passado e por trajetos emocionais da mulher”, segundo informa no site www.priscillabuhr. com.br. Esta entrevista fez parte de uma pesquisa desenvolvida para a disciplina Processos Criativos \e Gestão de Projetos em Fotografia e Audiovisual, da pós-graduação As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual, da Universidade Católica de Pernambuco, ministrada por Carol Monteiro, com o objetivo de investigar os processos do ser/tornar-se artista e como se dá a viabilização e visibilidade da produção artística contemporânea. UNICAPHOTO Pra você, o que é arte contemporânea? Arte contemporânea tem uma definição tão fluida. Tem muita discussão sobre o que é arte contemporânea, principalmente sobre o que é fotografia contemporânea. Acredito que seja mais do que um estilo, que seja uma forma de processo de criação, mais aberto, que envolve vários tipos de suportes, de plataformas, de matéria-prima. Não é uma fotografia que tem uma definição clara. Às vezes me perguntam: “S trabalho tá em que linha? Você é fotojornalista? É documentarista? É artista contemporânea?”. E fico, às vezes, sem saber responder justamente porque arte

contemporânea caminha por tudo. A gente pode fazer um trabalho, de certa forma, documental e usar elementos de outros suportes de arte; usar pintura, usar colagem, não deixa o trabalho dentro da fotografia documental ou do fotojornalismo. A arte contemporânea é uma caixa aberta, acredito muito nisso, não cabe uma classificação fechada. E, talvez isso tenha me encantado bastante na arte contemporânea e na fotografia contemporânea especificamente: essa liberdade. Essa possibilidade de ser várias coisas, de caminhar por vários espaços, de experimentar. Essa possibilidade de experimentação é o que me encanta. UNICAPHOTO Qual foi o divisor de águas para você se reconhecer enquanto artista? Sempre tive um medo de me dizer artista. Sempre falei que era fotógrafa. Até quando deixei a fotografia mais formal, o fotojornalismo, continuei me chamando de fotógrafa. E já estava fazendo arte, já estava sendo artista. Mas me assumir artista foi uma coisa mais recente, foi agora, depois de ter sido mãe, em 2016. E, de certa forma, começaram algumas cobranças, enquanto estava grávida. As pessoas perguntavam se iria deixar de ser fotógrafa porque ia ser mãe e logo depois que m filho nasc as mesmas perguntas: “E aí, deixou a fotografia?”. E comecei a perceber que não era uma questão deixar porque não tinha como deixar de ser. E percebi que não era

só fotografia como um ofício e sim uma arte, e isso foi uma libertação. Porque achava que poderia ser prepotente, poderia parecer que estava querendo subir num pedestal e dizer: “ sou artista”. Na verdade, foi uma libertação quando consegui parar e me perceber artista, foi uma libertação de muitas amarras, de muitas cobranças, de muita angústia de ter que estar nos lugares, de ter que participar de festivais, de ter que estar produzindo o tempo inteiro. Percebi que artista não é máquina, que artista tem o s tempo de processo, não só de produção, mas de maturação daquilo e, enfim, cada artista tem sua forma de lidar com esses processos. O que é completamente diferente de um fotógrafo de jornal ou de uma agência. O ritmo é outro, a forma é outra. E, na verdade, sempre fui assim, desde que saí da faculdade e comecei a fotografar. Quando me percebi fotógrafa de fato, já tinha esse outro ritmo, já tinha essa outra forma de olhar para o m trabalho autoral e me perceber artista foi me perceber livre desses prazos, dessas obrigações, dessa metodologia que se tem dentro da fotografia como ofício. Foi um momento que tive que parar e repensar tudo, e colocar numa balança, colocar tudo em perspectiva e comecei a perceber que, de fato, era uma artista e que não tinha essa prepotência, esse peso que achava que tinha em se dizer artista.

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UNICAPHOTO No início da sua carreira, quais estratégias você utilizou para viabilizar sua produção artística?

Na verdade, ainda estou buscando essas estratégias. (risos) Ainda não posso dizer que vivo da minha arte. Vivo do m trabalho enquanto fotógrafa, fotojornalista, fotógrafa documental e de venda de algumas imagens, imagens de artista, no caso , Priscillaartista. É um trabalho totalmente independente, na raça mesmo. Minha primeira exposição um edital de exposição do MAMAM, no Pátio de São Pedro, e foi a primeira exposição e m trabalho com financiamento. Era uma verba

muito pequena que, na verdade, foi basicamente pra montar a exposição e pagar a curadora; e não consegui essa verba para viabilizar minha pesquisa, para fazer todo o processo de produção ser financiado, foi mais uma questão de um financiamento para fazer as obras: colocar em moldura, imprimir, pensar em expografia. Foi um primeiro trabalho financiado. Depois disso, comecei a financiar meus projetos com m trabalho formal. Tentava deixar uma coisa que sobrasse, investia em estudo mesmo, comprava livros ou viagens para ir a festivais, fazer workshops e oficinas. Em 2013 teve um prêmio que, com esse dinheiro, consegui

viabilizar um livro. Enfim, é de pouquinho em pouquinho, de venda de foto… Venda de foto não tem muita estratégia, não sou uma artista com muitas estratégias de financiamento. O que tento é edital. Os editais que aparecem, me inscrevo. Mas também não me inscrevo só por inscrever, às vezes penso: “poderia inscrever qualquer coisa só pra tentar um financiamento pra quando surgir

um projeto”. Mas não consigo, não funciono dessa forma: tentar um financiamento pra uma coisa que ainda não existe. Tento quando já tenho uma ideia formada, tenho algo mais estruturado.

UNICAPHOTO Dessas estratégias utilizadas, o que deu certo? Não é uma coisa, exatamente, que deu certo ainda. A gente tá num momento de crise financeira, então várias coisas que aconteciam de forma mais potente como, por exemplo, venda de foto em fine art são mais difíceis. Vendia bem mais fotos há uns 2/3 anos. Hoje, até consigo vender, mas o valor proporcionalmente ao tempo, a gente pode pensar que é um pouco mais barato, então não é uma estratégia que posso dizer que tá dando certo. São coisas que tem acontecido esporadicamente e funcionam. Essa estratégia de fotos em fine art é um caminho interessante principalmente quando você tá ligada a alguma galeria, quando tem alguém que possa correr atrás desses contatos. Apesar de você ficar, de certa forma, presa a uma galeria ou a uma instituição, mas poupa bastante tempo. Como agora sou mãe, tentar correr atrás, no caso específico de venda de foto, sozinha, é um trampo bastante complicado porque teria que viajar, ir pra festivais, fazer todo esse network porque não dá pra ficar só aqui (Pernambuco). Então acredito que a minha estratégia que deu certo é estar ligada a uma galeria que, no caso, é a Arte Plural. É uma estratégia que tá me colocando em um mercado de arte interessante, tá levando pra feiras, para mostras. Mas não é aquela coisa: “Maravilhoso, me banco com isso”. É uma coisa que ainda tá começando, é um processo que ainda não dá

pra viabilizar tudo, mas já é alguma coisa. UNICAPHOTO Quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira? O mais marcante da minha carreira foi quando ganhei o prêmio Brasil de Fotografia, na categoria revelação, em 2013, com o ensaio “Ausländer”. Foi um momento muito importante pra mim porque estava saindo do jornal, depois de quase sete anos de fotojornalismo. Então foi um momento que resolvi sair, pedi demissão porque precisava dar conta do meu trabalho enquanto artista. Então saí do jornal e comecei a trabalhar na produção desse trabalho, do “Ausländer”, me dediquei a produzir, a editar, a pensar em caminhos e estudar, enfim, ler, pesquisar possibilidades. Consegui fechar um ciclo e veio esse prêmio então, pra mim, foi muito importante ter esse reconhecimento. Comecei a dar oficina agora em 2018, foi um dos melhores momentos também, me descobrir em sala de aula foi uma coisa fantástica. Conseguir passar conhecimento, conseguir abrir novas perspectivas pros alunos, esse processo foi bastante importante. UNICAPHOTO Quais são as principais conquistas de sua trajetória? Em 2015, consegui fazer meu livro de artista desse trabalho “Ausländer” e expus num projeto bem bonito de Denise Gadelha: “Fotos contam fatos” na Galeria Vermelho, onde sempre tive sonho de expor, era a galeria sonho de consumo. Quando teve esse convite, já estava no

processo de desenvolvimento desse livro mas era uma coisa muito verde, muito no início. E aí Denise me chamou pra essa exposição e tive que fazer o livro, tive que fazer uma ideia de dois anos se materializar, foi incrível. É um projeto que tenho muito carinho até hoje, é um livro de edição única, que é um objeto, mais do que livro é um objeto. Pra mim, são esses dois grandes momentos: quando ganhei o prêmio (Brasil de Fotografia) e quando consegui fazer o livro desse trabalho. UNICAPHOTO O que você não repetiria se fosse recomeçar sua carreira enquanto artista? Talvez demorar esse tempo todo pra me assumir artista. Não sei se também só consegui parar e me ver artista no momento certo, num momento de maturidade profissional, de trajetória e como mulher também. Talvez tivesse tentado me organizar mais cedo em termos de edital, talvez me juntar com alguns escritórios, algumas produtoras, para tentar buscar de forma, mais veemente, esses patrocínios. Talvez fosse um caminho mais organizado pra ter seguido. Mas também não sei se me arrependo de não ter feito isso. Acredito que ainda tenho um tempo pra me organizar nesse sentido e é uma coisa que vem com a própria maturidade de olhar o próprio trabalho, de ver até onde a gente pode chegar, de perceber o potencial da gente. Acho que é isso, a questão de acreditar no que faço, me reconhecer, saber o meu valor, de dizer: “ posso fazer isso e vamos lá!”. Talvez tenha tido U NICAPHO T O

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muito medo e faz sentido, parando pra olhar, que demorei tanto, só em 2016 que comecei a falar: “ sou artista”. Talvez não tivesse dado tanto espaço paro o medo. Acredito que talvez esse seja o grande arrependimento, mas também estou tentando me livrar das culpas. Tô tentando fazer a coisa ser mais leve porque meu processo de criação já trabalha assuntos e questões muito pesadas, às vezes, na minha existência. Então todo esse processo ao redor, tenho tentado deixar mais leve, pra não ser algo sufocante já que preciso mergulhar em questões profundas. Dentro desse meu processo de produção, que a densidade seja só nisso, não seja também no entorno. Talvez essa questão de se organizar mais, mas não chega a ser um arrependimentoou uma ciosa que não faria de forma alguma, foi assim, tá sendo. UNICAPHOTO Que conselho(s) daria para um artista principiante que você vê potencial? Dois conselhos que dei muito para meus alunos foi: segurar a ansiedade e acreditar no que tá produzindo, no que tá ali potencialmente forte, gritando pra ser colocado pra fora. Acreditando e indo em frente. Acho que essa questão da ansiedade é uma coisa que percebi nos alunos que tive e percebo que é uma coisa gerada pelas redes sociais, por essa sede de “like”, por essa sede de aprovação, por essa questão midiática de redes sociais: “Temos que ter seguidores, temos que ter milhões de curtidas e comentários e muita gente tá se perdendo nisso, tá se perdendo em ficar só produzindo para rede social, só produzindo para instagram pra ter “like” e tá deixando de lado esse processo mais focado, de mergulho mesmo, que é um processo mais profundo, que pede calma, paciência, mais atenção, não é tão imediatista. Claro que cada artista tem um tempo de processo. Mas é preciso ter calma, deixar essa ansiedade de lado e ter carinho por aquilo que está produzindo, ter atenção, ouvir o que a fotografia tá pedindo, ouvir o que essa necessidade de produzir diz. Penso muito nessa importância de deixar um pouco de lado essa urgência virtual, de rede social, por “like”. E se dedicar melhor à produção e mergulhar de verdade no está produzindo.

UNICAPHOTO Quanto tempo se passou entre você se considerar um artista e ser reconhecido como tal? Meu processo foi inverso, muita gente já me considerava artista, acho que desde a minha primeira exposição, em 2010, foi quando coloquei no mundo o meu primeiro trabalho e teve um feedback muito bom, um retorno muito positivo. Era engraçado que, de vez em quando, quando estava no jornal, rolava uma piadinha: “Chegou a artista! Chegou a artista!”. E levava como uma brincadeira porque nunca tive o perfil fotojornalista, nunca fui aquela fotojornalista de se entregar completamente. Acho incrível fotojornalismo mas nunca fui verdadeiramente, trabalhei com aquilo, dei o melhor, mas não era aquilo que estava pulsando totalmente. Para mim, o processo foi inverso, já me consideravam artista e não queria levar isso à sério, não por não querer, talvez por não acreditar que fosse possível, que meu trabalho fosse significativo o suficiente. Foram dois momentos, um quando me chamaram para um debate e o outro para uma exposição e sempre nesse tratamento: “Batepapo com a artista Priscilla Buhr”, “Exposição da artista Priscilla Buhr” e comecei a perceber que, de fato, isso existia, que isso estava acontecendo realmente. UNICAPHOTO Como seu último projeto foi viabilizado? Estou com dois projetos em curso, em desenvolvimento, na guerrilha. Tentei o Funcultura, não deu certo. Não vou deixar de fazer mesmo sem financiamento. Estou fazendo o que é possível. É um projeto que, com financiamento, seria mais rápido, já poderia ter acontecido, mas como não estou com financiamento, então tá em um processo mais longo. Tenho uma pesquisa para fazer, tenho entrevistas, tenho esse processo de alguns orientadores que estão me ajudando também. Toda vez que surge um prêmio ou uma venda de foto maior, alguma coisa nesse sentido, vou reservando para isso, mas de maneira geral, todos os meus trabalhos são feitos de forma independente. Agora quero fazer um livro de um outro projeto que estou fazendo também,

mas não faço a menor ideia de como vou financiá-lo. Estou deixando ele ficar um pouco mais consistente para tentar alguns editais de fotolivro, ainda não sei exatamente como vou financiá-lo, mas vou, vai acontecer. UNICAPHOTO Onde você gostaria que sua arte fosse apreciada? Onde não? É difícil responder essa questão porque a arte é tão livre, tá aí aberta a muitas possibilidades. Meu último trabalho foi em livro, tenho pensado num outro trabalho em livro também, isso deixa aberto para muitas possibilidades de público, de pontos de vista. Não gosto de pensar de forma muito fechada. Gostaria muito que meu trabalho chegasse nas periferias

e isso é uma coisa que tento, que tento viabilizar desde sempre, mas é uma coisa que gostaria que acontecesse de forma mais forte. Um desses trabalhos agora é sobre maternidade e queria muito que pudesse fazer rodas de conversas na periferia com mães, que esse trabalho saísse um pouco dessa bolha da gente. E onde não gostaria que ele chegasse? Não sei se não gostaria que ele chegasse em algum lugar. Acho que até quando você pensa num público que não tá de acordo com suas ideologias ou com seu ponto de vista ou com posicionamento político, acredito que seja também uma forma de influenciar positivamente. Arte também é forma de fazer política, então penso que até

pra esse público que a gente poderia pensar que não é um público que gostaria de dialogar, meu trabalho chegando e tocando de alguma forma, acredito que seja positivo. Acharia muito esquisito ver meu trabalho nessas casas de gente riquíssima que compra arte só pra decoração, mas nada impede. Não vou proibir um multimilionário de comprar uma fotografia minha pra botar na sala junto com um, sei lá o que, um vaso. Acho estranho mas não é que não queira. Acho estranho esse tipo de consumo de arte que não é a obra, que é só o status, mas não negaria. Não sei, talvez negasse uma fotografia minha pra Bolsonaro, acho que é a coisa que não gostaria de jeito nenhum.

Priscilla Buhr está no instagram @priscillabuhr Para conhecer mais seu trabalho, acesse o site: www.priscillabuhr.com.br

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R E P O RTAG E M

Memória do C a i s T E X T O Ben Wiedel Kaufmann (tradução de Larissa Alves)

No nosso primeiro dia juntos em Recife nós passamos pelo Cais José Estelita. Um espaço gigante e decadente ali no centro da cidade. Ali naquela ilha notamos aquele espaço habitado pelos armazéns, casas isoladas, tonéis de melaço, uma avenida meio deserta cruzando os rios e as sombras das Torres

Gêmeas. Tinha uma sensação esmaecida da história do Recife – a cidade natal de Larissa e a partir daquele dia a nova casa de Ben. Por um tempo, mesmo passando regularmente por ali, as impressões mudavam pouco. Entre 2010 – 2011, nós dois começamos a conhecer melhor o Cais. Seguindo a intuição de Larissa que ali era uma parte do Recife que estava a beira de uma grande transformação e que valia a pena documentar nós visitamos as famílias que moravam nas casas, visitamos os armazéns e a enorme área do terminal de trem. A sensação que dava era de tempo parado. Aquela indefinível suspensão do tempo flutuando sobre pessoas e lugares enquanto que a burocracia do

capital se organiza para dar o próximo passo. As famílias morando ali, que eram trabalhadores e ex- trabalhadores da ferrovia, recebiam pelos jornais notícias sobre o futuro do lugar, dos seus empregos e das suas casas, das quais eles tinham cuidado e morado por décadas. Existia uma sensação iminente de perda: um orgulho da história do lugar, sua existência desde o século XIX como porto de exportação de produtos pernambucanos para o mundo. Um orgulho da engenharia, dos trilhos, e dos terminais. Uma impressão sobre a escala da malha ferroviária e suas operações, antes de JK encaminhar o Brasil em direção à autoestradas com má manutenção. Uma sensação familiar de que toda esta hisU NICAPHO T O

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tória seria esmagada por apartamentos de luxo. Uma sensação da inevitabilidade da história. Um sentimento similar de orgulho da história existia também nos donos dos armazéns, com seus expansivos espaços de concreto guardando estranha variedade de produtos: de comida à flores de plástico. Uma escassa força de trabalho ocupando as sombras do tempo passado. Novamente, um espaço destinado a cair em ruínas. Em tudo isso havia um sentimento de desespero, um sentimento da inevitabilidade da destruição e o fluxo mono linear do capital. As fotografias que tiramos são registros e memórias das sensações daquele momento. Um purgatório antes da virada, ou mais precisamente antes do Ocupe Estelita. Antes do Ocupe, nós decidimos voltar a morar em Londres. Então, tivemos que deixar o projeto e Recife. Do outro lado do oceano, nós dois acompanhávamos os eventos do Ocupe acontecer. Era maravilhoso e tínhamos vontade de estar em Recife participando do movimento. Assistíamos o Cais se transformar de uma relíquia pouco utilizada no passado em um espaço de contestação para o futuro: um grito pelo Dire-

to à Cidade ouvido pelo mundo. É frequente que empreiteiras, no Recife, no Brasil, em Londres e no mundo são livres para subjugar espaços e pessoas sem ter resistência. Com o Ocupe houve resistência. Um tempo, um lugar e um povo que gritou em demanda e continua a gritar este grito. Os espaços de indústrias em declínio oferecem uma fronteira para o capital e para a resistência a lógica do capital: um lugar onde vitórias podem ser conquistadas, e onde batalhas devem ser lutadas. É um desastre que espaços que outrora empregavam uma grande quantidade de pessoas sejam transformados em torres de luxo para a elite. É nosso dever imaginar um novo futuro para estes espaços. O movimento Ocupe Estelita teve sucesso em definir um novo presente e precisamos continuar a luta para um novo futuro. Nós não iremos transformar a cidade da noite para o dia, mas nós podemos com certeza ter certas vitórias. E, com o tempo, essas lutas e essas vitórias pelo Direito à Cidade farão uma grande diferença para aqueles que moram, criam e fazem a cidade.

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ENSAIO

NÓS FOMOS AO GA L O F O T O S Elizabeth de Carvalho, Renata Vaz e Renata Victor

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ELIZABETH D E C A R VA L H O

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R E P O RTAG E M Com a proposta de ampliar a atuação junto à sociedade civil através de ações que aliem o conhecimento e a prática acadêmicos à prestação de serviços, o curso de Fotografia da Unicap criou em 2018 o Núcleo de Ações de Extensão Social (Naes). Suas ações envolvem os alunos da graduação em Fotografia e da Pós-graduação As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual, bem como professores e funcionários, em atividades realizadas em parceria com institutos, fundações e ONGs, com fins à promoção da justiça social por meio do uso da fotografia como instrumento de comunicação Em 2018, o Núcleo realizou ações não apenas na Região Metropolitana do Recife, mas até no Sertão de Pernambuco, dando visibilidade a projetos que se alinhem com os princípios humanitários da instituição. É o caso da Santa Casa de Misericórdia que atende a 54 meninas do Educandário Santa Tereza, localizado na cidade de Olinda, fundado em 1845 como orfanato mas que hoje atende a crianças e adolescentes do sexo feminino em situação de vulnerabilidade social. A ação consistiu na produção de retratos das meninas atendidas pelo Educandário e entrega da fotografia em um porta-retrato, no Dia das Crianças. As fotos foram realizadas pelos alunos da graduação. A ação teve o objetivo duplo de tanto levar os alunos do curso de fotografia ao contato com a realidade das

FOTO Caio Danyalgil FOTO Edna Nunes

Fo t o g r a f i a a serviço da cidadania e da ação social NÚCLEO DE AÇÕES DE EXTENSÃO SOCIAL (NAES) FOI CRIADO EM 2018 NO CURSO DE FOTOGRAFIA DA UNICAP E REALIZOU AÇÕES NO RECIFE, RMR E S E RTÃO D O ESTA D O. U NICAPHO T O

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crianças em situação de vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, fomentar nas crianças a relação com a fotografia enquanto memória da infância e registro tangível das suas existências. Outra ação realizada no âmbito do Naes foi a curadoria da coordenadora e professora do curso de Fotografia, Renata Victor, para a exposição Doutores da Alegria Recife | 15 anos: A máscara do palhaço inserida no ambiente hospitalar. A mostra é composta por quinze imagens que circularam entre os meses de outubro e dezembro nos quatro hospitais onde os palhaços atuam (Hospital da Restauração, Hospital Oswaldo Cruz, Procape e Hospital Barão de Lucena) e também na Internet. As imagens são dos fotógrafos Rogério Alves, Lana Pinho, Márcia Mendes, Alcione Ferreira, Hélder Ferrer, Newman Homrich, Luciana Dantas e Thiago França. Os profissionais acompanharam o trabalho dos Doutores da Alegria ao longo desses 15 anos de

atuação continuada. De malas prontas, o Naes partiu rumo a Arcoverde, no Sertão do Estado, para registrar o trabalho da Fundação Terra, fundada em 1984, para ajudar as pessoas que vivem no local denominado “Rua do Lixo” com atendimento nas áreas de Saúde, Educação e Alimentação, entre outros. A ação foi realizada também em parceria com o coletivo de fotografia F8 e consistiu em uma viagem fotográfica realizada por treze alunos dos cursos de graduação em Fotografia e 11 profissionais do coletivo, que estiveram durante dois dias em Arcoverde para fotografar as ações da Fundação. O resultado é uma exposição itinerante que vai percorrer shoppings do Recife (Riomar, Tacaruna e Plaza), além dos Correios, da sede da Unicap e no Ceará. De volta do Recife, o núcleo atuou junto como a ONG Deficiente Eficiente, fundada em 2015, para Inclusão Social da pessoa com deficiência, visando a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas, tornando-as capazes de desenvolverem suas aptidões dentro de um contexto que as possibilitem a desempenharem funções dentro da sociedade. A parceria com o curso de fotografia da Unicap teve como objetivo dar visibilidade à luta pela inclusão das pessoas com deficiência em Pernambuco e, ao mesmo tempo, resgatar a sua autoestima através da fotografia, esta poderosa ferramenta para contar a história do mundo e alimentar os olhos e a alma com a beleza e verdade das imagens. Durante os meses de agosto a outubro, alunos do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) realizaram o projeto Um Outro Olhar, no qual fotografaram integrantes da ONG Deficiente Eficiente em uma série de retratos que expõem sua beleza, resiliência e positividade diante da luta, e também funcionam como denúncias de algumas condições que dificultam a vida dessas pessoas. A proposta é montar uma exposição fotográfica e também um calendário impresso que ampliem e potencializem ações efetivas de inclusão. O resultado do trabalho junto à ONG Deficiente Eficiente, você confere nos ensaios nas próximas páginas.

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ENSAIO

Um Outro Olhar

O projeto Um Outro Olhar quer dar visibilidade à luta pela inclusão das pessoas com deficiência em Pernambuco e, ao mesmo tempo, resgatar a sua autoestima através da fotografia.

FOTO Thiago Britto

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O registro fotográfico de Marc Ferrez no Porto do Recife T E X T O Renata Victor

O primeiro registro fotográfico do mundo (ver foto01), de autoria do francês Joseph Nicéphore Niépce, é datado de 1826. Foram necessárias oito horas de exposição à luz para captura e o autor denominou o seu processo de captura da imagem de heliografia. Não podemos, contudo, dizer que ele seja o único pai da fotografia, pois houve vários outros que contribuíram para o aperfeiçoamento do mesmo feito, como Louis Jacques Mandé Daguerre, Antoine Hercule Romuald Florence, Hyppolite Bayard, William Talbot e Frederick Herschel, George Eastman, entre outros. A maior parte deles era desenhista, pelo que comungavam do desejo de descoberta de técnicas reprográficas que facilitassem o seu ofício. O processo químico fotográfico passou por três momentos importantes para a sua evolução: a utilização do colódio úmido, gelatina-bromuro e a criação da primeira câmara portátil (criada por George Eastman, fundador da Kodak, 1888). O governo francês só reconheceu a invenção da fotografia (guerreótipo), em 19 de agosto de 1839, quando deu a patente para pintor francês Louis Daguerre (1787-1851). No contexto brasileiro, a notícia da descoberta do chegou à corte brasileira em janeiro de 1840,

anunciada pelo “Jornal do Commercio”. A fotografia foi introduzida por aqui em 1840. A França, orgulhosa da sua descoberta científica e artística, enviou a corveta L’Orientale, um navio-escola comandado pelo capitão Lucas, para apresentar ao mundo o daguerreótipo. O capelão francês Louis Compte foi o responsável por revelar “a máquina que aprisionava a luz e que fixava as pessoas e as coisas em miniaturas tão perfeitas como a natureza as havia criado, a daguerreotipia, ou por outra, a fotografia”, nos dizeres de Gilberto Ferrez, no seu livro Velhas Fotografias Pernambucanas, 1851-1890. A corveta chegou ao Brasil Império em 1840, quando D. Pedro II acabara de ser nomeado imperador, aos 14 anos. O capelão Compte, no Rio de Janeiro, foi recebido pelo imperador, no palácio de São Cristóvão, e fez demonstração do daguerreótipo para a família imperial. O entusiasmo pela experiência levou o imperador a adquirir uma máquina por 250 mil réis na loja do importador Felício Luzaghy. Na prática doméstica, D. Pedro II foi o primeiro brasileiro a usar o processo e, possivelmente, o primeiro imperador do mundo. No entanto, D. Pedro II não era apenas admirador e colecionador de fotos. O incentivo à técnica e seu gosto pela

arte levaram ministros e conselheiros da Corte a criar estratégias econômicas, utilizando a fotografia como propaganda do país. No exterior, as demonstrações foram efetuadas nas exposições de Paris, Londres, Amsterdã e Antuérpia, que mostravam a evolução da indústria e da economia. Enquanto a imagem de nossas reservas minerais e vegetais se propunham a atrair a mão-de-obra e o capital europeus, a fotografia e seus métodos de impressão faziam sucesso, revelando a qualidade dos artistas brasileiros. Ao referenciar o Nordeste brasileiro, sobretudo, no Recife, não se sabe ao certo quando o daguerreótipo chegou, mas há indícios de que foi entre os anos de 1841 e 1842. O que se pode afirmar, com base no relatório apresentado ao Governo pela Comissão Diretora da Exposição de Pernambuco, de 1866, é que: “O aparecimento do daguerreótipo em Pernambuco sucedeu em poucos anos à sua maravilhosa descoberta no velho continente. Foi em 1841 ou em 1842 que as primeiras imagens daguerreotipanas foram produzidas na província quando então a arte se podia dizer na infância estava ainda cercada de sensíveis imperfeições. Diversos estabelecimentos desta arte se têm fundado em Pernambuco: desde o iniciador da indústria que foi um francês...”. O informante não revelou o nome do tal precursor, mas esta lacuna foi preenchida por Pereira da Costa, em Anais pernambucanos. Como afirma Costa, tratava-se do americano J. Evans, que, vindo do Rio de Janeiro, abriu estúdio fotográfico no Recife, no primeiro andar da rua Nova, 14, em fevereiro de 1843. Daí por diante, não pararam de chegar ao Recife fotógrafos itinerantes que colocavam anúncios nos jornais do seu trabalho com sistema fotográfico mais atualizado do momento. A fotografia tida como a mais antiga do Recife (ver foto 02), foi tirada do alto do farol, na entrada do porto, por Charles de Forest Fredrichs, 1851.

no Rio de Janeiro, no dia 7 de dezembro de 1843, e desde cedo teve contato com o universo artístico, através de seu pai, Zeferino Ferrez, (membro da Missão Artística Francesa e importante gravador e empresário da época). Após o falecimento de seu pai, no dia 22 de julho de 1851, vítima de uma doença que sacrificou também alguns escravos e animais domésticos de sua propriedade, na fábrica de papel em Andaraí Pequeno, o jovem Ferrez foi enviado à França, onde recebeu os cuidados de um escultor amigo, Alpheé Dubois, e de sua mulher. A data de seu retorno ao Brasil, segundo seu neto Gilberto Ferrez (1997), continua incerta, presumindo-se que haja acontecido por volta dos dezesseis anos de idade, provavelmente no ano de 1859. Chegando ao Brasil, Ferrez trabalhou na Casa Leuzinger (referência em impressões e artes gráficas), onde conviveu com expressivos nomes da fotografia e recebeu as primeiras lições do ofício com o fotógrafo alemão Franz Keller. Em 1867, Ferrez resolveu abrir sua própria empresa, Marc Ferrez & Cia, na Rua de São José, número 96. Marc Ferrez prestou serviços à Marinha durante a Guerra do Paraguai, documentando, no Rio de Janeiro, a fabricação das embarcações que navegariam nos rios Prata, Paraguai e Paraná após 1868. No dia 10 de julho de 1870, em comemoração ao fim da disputa, o fotógrafo registrou os festejos públicos no Templo da Vitória, erguido no campo da Aclamação. No ano de 1872, recebeu o título de “Photografo da Marinha Imperial”. Ferrez, nesse momento, se tornava um dos mais conhecidos e respeitados fotógrafos da capital carioca, recebendo inúmeras encomendas para a documentação de edifícios públicos, exposições de arte e ciência e festejos públicos. Porém, no dia 18 de novembro de 1873, o prédio no qual possuía o seu ateliê sofreu um incêndio, a perda de centenas de chapas e negativos originais, segundo a historiadora Barros (2004), deixou o fotógrafo em uma delicada situação financeira. A notícia do incêndio, no dia seguinte ao ocorrido, foi Marc Ferrez - o fotógrafo divulgada em dois grandes órgãos da imprensa da iconográfica brasileira. da época, o Jornal do Commercio e o Diário do Rio de Janeiro. Após o desastroso acidente, Dentre os fotógrafos que realizaram produções Ferrez pediu empréstimo ao seu amigo Julio brasileiras, destaca-se Marc Ferrez. Ele nasceu Cláudio Chaigneau, “um dos mais conhecidos U NICAPHO T O

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comerciantes de equipamentos e produtos fotográficos do Rio de Janeiro” (KOSSOY, 2002). No mesmo ano, Ferrez viajou para a Europa, com o objetivo de comprar material especializado e recomeçar suas atividades profissionais. Em 1875, retornou ao Brasil, já abastecido com os melhores aparelhos ópticos da época e com a fama já consolidada, e recebeu o convite para integrar, como fotógrafo, a missão científica brasileira, Comissão Geológica do Império. Nessa função, percorre os Estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco e parte da região amazônica. Marc Ferrez participou da Comissão Geológica do Império apenas nos anos 1875 e 1876, apesar de os trabalhos da missão terem chegado ao fim no início do ano de 1878. No entanto, seu trabalho gerou uma grande quantidade de fotografias que abordavam temas de natureza, cidades e figuras humanas. Suas imagens continham o rigor e a nitidez necessários para o registro científico, fotografias ricas na diversidade iconográfica. Em 1875, durante sua estada no Recife, registrou cenas dos arrecifes e da região portuária da cidade. O outro grande momento da carreira de Ferrez foi durante as construções das ferrovias no Brasil, particularmente nos anos de 1880 e 1890, o que possibilitou que articulasse um grande panorama da paisagem brasileira do período. Em 12 de janeiro, na cidade do Rio de Janeiro, falece o Marc Ferrez. Características técnicas do fotógrafo Marc Ferrez Marc Ferrez, fotógrafo paisagista, com aproximadamente 50 anos dedicados à fotografia e uma produção de 10 mil imagens do Brasil, procurava se manter atualizado com as novas técnicas fotográficas e equipamentos. Desenvolveu uma câmera para fotos panorâmicas. Sua obra iconográfica é a principal responsável pela divulgação da imagem do Brasil do século XIX no exterior. Marc Ferrez possuía características marcantes na sua produção fotográfica, horizontes longínquos, perspectivas altas ou em plongée, planos demarcados e luzes contrastantes. Pode-se afirmar que a busca do

elemento pitoresco a particularizar a paisagem revelam certa filiação romântica na obra do artista, num possível diálogo com pintores acadêmicos da época, como Félix Taunay (1795 1881) e Facchinetti (1824 - 1900). Suas fotos tinham atributos românticos da natureza, apresentam a possibilidade de “relação harmoniosa entre o homem e a natureza”, segundo a historiadora Maria Inez Turazzi. A Comissão Geológica do Império Até o século XIX, o Brasil era carente de comissões de estudos nacionais. Faltava conhecimento dos recursos geológicos, particularmente na região Norte do país. Expedições norte-americanas, como a Expedição Thayer, em 1865, e as Expedições Morgan, em 1870 e 1871, coletaram informações e amostras variadas, todavia, tais conhecimentos não permaneceram no Brasil. No entanto, no final de 1874, foi criada a Comissão Geológica do Império, com o propósito de investigar e construir um mapa geológico do Brasil. A organização foi do Museu Nacional e o comando da comissão foi do geólogo Charles Frederic Hartt (1840 – 1878), e contou com o fotógrafo Marc Ferrez. A Comissão Geológica do Império (18751877), sob a direção do Charles Frederic Hartt, conseguiu esclarecer em seus traços gerais a estrutura geológica brasileira, além de recolher cerca de 500 mil amostras de minerais. Durante dois anos Hartt percorreu diversas localidades brasileiras, principalmente as regiões Nordeste e Norte, coletando enorme acervo geológico, posteriormente incorporado ao Museu Nacional. O valor científico para o conhecimento da geologia da região Norte só passou a ser reconhecido após o ano de 1980. As amostras coletadas pela Comissão compõem atualmente grande parte do acervo de crinóides fósseis do Museu Nacional, com acentuada importância histórica e científica para o patrimônio paleontológico brasileiro. A fotografia nessa época foi apropriada pelo discurso científico como um método de produção de imagens, capaz de realizar a análise do ecossistema. A fotografia era entendida como uma reprodução fiel e precisa

da realidade, que encontrava na imagem toda subjetividade, pertinente ao processo mecânico. Esse entendimento da fotografia permitiu sua assimilação em vários campos do saber, em especial, nos estudos antropológicos, pois o seu discurso realista gerava credibilidade à pesquisa científica. A composição dos elementos da imagem era pensada e montada com o objetivo de criar uma prova documental que comprovasse os princípios defendidos pelos pesquisadores. O objetivo central da Comissão Geológica do Império era de pesquisar o território e a população nativa, de forma que gerasse subsídios para formação de uma imagem da nação. Desta forma, atribuir a fotografia como parte da produção científica e cultural do século XIX, a partir da análise do documento fotográfico, refletir sobre algumas estratégias e escolhas dos cientistas e fotógrafos no momento da realização dos instantâneos. Assim, o presente trabalho tem como objetivo abordar a fotografia como prática científica e testemunho das teorias científicas, salientando, por meio da imagem, suas diversas concepções culturais sobre o homem e a natureza. Algumas das fotografias realizadas por Ferrez durante a Comissão Geológica do Império (1875 – 1877), fizeram parte de Exposição Antropológica Brasileira, inaugurada em 29 de julho de 1882, no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, com duração de três meses e um público de mais de mil visitantes. Marc Ferrez – o fotógrafo da iconografia brasileira Em 1875, durante sua estada no Recife, registrou cenas dos arrecifes e da região portuária da cidade. Suas imagens foram fundamentais para o registro e estudos dos recursos geológicos e o acompanhamento das mudanças estruturais da cidade do Recife. Utilizamos uma fotografia aérea, de minha autoria, capturada no ano de 2010 para comparar com as fotos feita por Marc Ferrez em 1875. Embora os ângulos não sejam os mesmos, podemos observar que pouco restou da paisagem arquitetônica do Recife do século XIX. Ao fazer análises comparativas de imagens

em épocas diferente, é necessário observar as diferentes e as possíveis semelhanças das fotos. Procurar relação com outros fatos históricos, fenômenos sociais, econômicos e políticos. Para Leonardo Benevolo, arquiteto italiano especialista em desenvolvimento das metrópoles: “A velocidade é tão grande a ponto de apagar o ambiente de uma geração anterior. Os jovens não conhecem a cidade onde os adultos viviam quando também eram novos”.

FOTO Renata Victor Foto aérea do porto do Recife, 2010.

REFERÊNCIAS: FABRIS, Annateresa. Fotografia: Usos e Funções no século XIX. 2 ed. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2008. FERREZ, Gilberto. Velhas Fotografias Pernambucanas, 1851-1890. 1 ed. Rio de Janeiro: Campos Visual, 1988. KOSSOY, Boris. Dicionário Histórico Fotográfico Brasileiro, fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002. LAGO, Bia Corrêa do; LAGO, Pedro Corrêa do. Os fotógrafos do Império: a fotografia brasileira no século XIX. Rio de Janeiro : Capivara, 2005. PEREGRINO, Julia; Vasquez, PedroKarp. Família Ferrez, novas revelações. 1 ed. Belo Horizonte: Museu de Arte e Ofícios, 2008.

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FOTO SÍNTESE

Vista do alto do farol para o, à direita a torre Malakoff, o prédio da Associação Comercial ancoradouro com veleiros, 1875. O crédito na foto foi feito com carimbo seco e a legenda em três idiomas.

Vista dos arrecifes e do porto tirada do alto do farol da Barra, 1875. No primeiro plano o forte do Picão, construido em 1614, chamado plelos holandeses de Castelo do Mar. Demolido em 1910.

Foto de Charles Frederick Harttcom a cidade do Recife ao fundo, durante levantamento da Comissão Geológica do Império, 1875.

Recife, tirada da Torre Malakoff, 1875.

FOTO S Í N T ES E - N A N D O C H I A P E T TA Reflexos de uma arquitetura antiga do bairro refletida numa construção moderna, num alerta sobre a preservação. U NICAPHO T O

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A fotografia como imagem T E X T O Marina Feldhues

A imagem tem vida. É aquilo que vemos e que nos olha de volta. Ela é portadora do “pensamento de seu autor e principalmente da cultura” (1) . Didi-Huberman, por sua vez, aponta a imagem como lugar de “trocas e de conversões recíprocas entre espaços e tempos heterogéneos. Lugares feitos de atos que se repetem e, no entanto, que constantemente diferem. Ritmos, portanto” (2) . Etienne Samain (3) , por sua vez, diz que a imagem não é nem pensamento único, nem memória acabada. Ela é necessariamente incompleta. “Nela (na imagem) se cruzam autores, uma sociedade, um momento histórico, uma técnica, um objeto representado e tantos outros olhares dedicados a ela ao longo do tempo e, assim, outras sociedades..., coisas que não são necessariamente solidárias entre si na produção de um sentido comum.” (3) A imagem é o entrelaçamento de várias camadas de tempo, de lugares, de memórias, de culturas, de olhares, de sentidos e de afetos. Por isso, a imagem é múltipla, é um acontecimento, é um processo que não tem um sentido garantido, único e verdadeiro; é falsa, é fluxo, é movimento. É um lugar de encontros e disputas, de repetições e diferenças, é ritmo, como bem assinalou Didi-Huberman. “A imagem é uma respiração fundamental da nossa relação com o mundo e conosco, ou seja, também da nossa relação com o espaço e o tempo, com o corpo e a linguagem, com o pensamento e o inconsciente, com o luto e o desejo. Mas essa respiração não é fundamental senão quebrando o curso das nossas respirações normais: ela então será o élan que excede as possibilidades dos nossos pulmões ou, pelo contrário, abrandamento e o silêncio que se impõem sob o efeito de uma stimmung particular. É o ritmo no momento em que se apoderando de tudo, se estende para além de qualquer medida.” (4) A imagem, dessa forma, é aquilo que rompe, que arrebenta, que nos tira de um fluxo temporal comum de existência, e nos joga noutro tempo, ou nos insere num vazio, podemos pensar numa dimensão de pura presença, ou de puro presente. Segundo Deleuze, a imagem “não se define pelo sublime de seu conteúdo, mas pela sua forma, ou seja, pela sua ‘tensão interna’ ou pela força que mobiliza para produzir o vazio ou abrir buracos, descerrar o estreitamento das palavras” (6). A partir desse entendimento, Didi-Huberman vai dizer que a imagem é “processo” e não “objeto”, “é algo do espaço e do tempo que ‘se insere na linguagem’ como uma ‘fantástica energia potencial’ que, em todos os sentidos do termo, detona o contexto em que intervém” (7) . Rancière nos ajuda a complementar o entendimento sobre essa potência de ruptura das imagens ao acrescentar que as imagens possuem a capacidade de mostrar e de significar, são “o atestado da presença e o testemunho da história” (8) . As imagens são “operações que vinculam e desvinculam o visível e sua significação, ou a palavra e seu efeito, que produzem e frustram expectativas” (9), são, portanto, relações entre o

que se vê e o que se diz. Rancière vai dizer que existe a “relação simples”, mimética, de produção de semelhanças em relação a um objeto tido por original. E há as relações mais complexas, que Rancière chama de arte, nas quais as imagens produzem dessemelhanças (10) . Por último, Rancière acrescenta uma terceira relação, a da arquissemelhança, “a semelhança que não fornece a réplica de uma realidade, mas o testemunho imediato de um outro lugar, de onde ela (a imagem) provém” (11) . Assim, para além do clichê, da imagem mimética, reduzida a cópia de algo, as “imagens da arte se redefiniriam na relação móvel da presença bruta com a história cifrada” (12) . “A fotografia não se tornou uma arte porque aciona um dispositivo opondo a marca do copo à sua cópia. Ela tornou-se arte explorando uma dupla poética da imagem, fazendo de suas imagens, simultânea ou separadamente, duas coisas: os testemunhos legíveis de uma história escrita nos rostos ou nos objetos e puros blocos de visibilidade, impermeáveis a toda narrativização, a qualquer travessia de sentido (...). A fotografia tornou-se uma arte pondo seus recursos técnicos a serviço dessa poética dupla, fazendo falar duas vezes os rostos dos anônimos: como testemunhas mudas de uma condição inscrita diretamente em seus traços, suas roupas, seu modo de vida; e como detentores de um segredo que nunca iremos saber, um segredo roubado pela imagem mesma que nos traz esses rostos.” (13) Dessa forma, quando falamos em uma imagem fotográfica única, ou individual, estamos mais apontando o seu formato de visualização do que sua essência, que é múltipla, heterogênea. A fotografia pode ser pensada apenas como o clichê mimético, um mero fragmento de visualidade, representação de um objeto fotografado; ou em sua potência artística, como portadora de tensões, de intensidades de ruptura (no sentido trazido por Deleuze e Didi-Huberman), ou ainda em sua potencialidade de oscilação entre a ruptura, promovida pela pura presença da imagem e o enigma, como testemunho de uma história (Rancière). A essa potência imagética de que as fotografias podem vir a ser detentoras, para além do mero clichê, somasse, a compreensão das fotografias em sua materialidade. Soulages diz que uma fotografia é caracterizada materialmente por quatro elementos: as cores, as formas identificadas na imagem, o material ou suporte, o formato. A fotografia “é a interação desses quatro elementos materiais e da possibilidade, mais ou menos grande de imaginar o(s) fenômeno(s) fotografado(s) ou alguma outra coisa que caracteriza uma foto determinada” (14). Assim, quando pensamos nas fotografias, pensamos não apenas na sua potencialidade imagética, figurativa, mas também em sua dimensão material. Cada fotografia se mostra então como um lugar de múltiplos encontros e possibilidades. 1 ENTLER In SAMAIN, 2012, p. 133. 2 DIDI-HUBERMAN, 2015a, p. 166. 3 SAMAIN, 2012, p. 34. 4 ENTLER in SAMAIN, 2012, p. 133. 5 DIDI-HUBERMAN, 2015a, p. 166. 6 DELEUZE, 1992. 7 DIDI-HUBERMAN, 2015a, p. 128. 8 RANCIÈRE, 2012, p. 36. 9 RANCIÈRE, 2012, p. 13. 10 Ibid, p. 15 – 16. 11 Ibid, p. 17. 12 Ibid, p. 26. 13 Ibid, p. 20 e 23 – 24. Bibliografia SAMAIN, Etienne (org.). Como pensam as imagens. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2012. DIDI-HUBERMAN, Georges. Falenas: ensaios sobre a aparição, 2. Tradução de António Preto, Eduardo Brito, Mariana Pinto dos Santos, Rui Pires Cabral e Vanessa Brito. Lisboa: KKYM, 2015a. DELEUZE, Gilles. O que é um conceito? In: _______. O que é a filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, p. 25 – 48. RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Tradução de Mônica Costa Netto. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

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O tempo e o lugar da imagem T E X T O Catarina Andrade F O T O S Márcia Larangeiras Uma fotografia, antes de mais nada, é uma imagem. Uma imagem de tempo e de espaço, e que percorre tempos e espaços. Um fotógrafo é alguém que esteve naquele tempo – o do

instante da elaboração da imagem – e naquele lugar – inscrito visualmente na imagem. Mas sempre me pergunto: Como nasce uma imagem fotográfica? Onde? Quando? Parece uma pergunta ingênua. Sim. E, de certo modo, é. Contudo, não se responde facilmente, muito menos, de forma precisa. Vi(s)agem entre duas cidades parece ser fruto dessa atividade de fazer nascer imagens. Não determinando um onde e um quando, mas possibilitando o onde e o quando a partir dos atravessamentos de olhares entre fotógrafo, imagem, espectador. Márcia percorreu esses lugares, captou suas imagens, inscreveu nas fotografias um tempo e um espaço. Entre os anos de 2014 e 2018, registrou Maputo e Recife, suas gentes, suas arquiteturas, suas formas de convívio, suas cores. Porém, as imagens parecem ter nascido depois. As fotografias que estão neste foto-livro nascem do desejo da fotógrafa de narrar. A partir de sua errância, seu arruar, nas cidades de Maputo e Recife (e em ambas fez moradia, ou seja, estabeleceu uma forma de olhar que, certamente, se distingue do arruar do turista), Márcia faz confluir tempos e espaços, faz nascer uma imagem que não está mais fixa visual e temporalmente. Não olhamos para essas fotografias e nos interrogamos sobre o tempo, pois elas serão o nosso agora, elas (re)nascerão no nosso olhar de espectador. Tampouco elas se fixam em Maputo ou em Recife,

uma vez que são capazes de nos levar para outros espaços, reais ou imaginários, conhecidos ou desconhecidos. Maputo e Recife coincidem em diversos momentos da narrativa criada por Márcia nesta seleção de fotografias. A narradora (ou seria a fotógrafa?) nos convida a criar um caminho, um trajeto, nosso, a partir desses vestígios fotográficos com os quais nos regala. Essas imagens nos libertam o olhar ao passo que elas nos olham e nos fazem refletir: O que essas fotografias esperam de mim como espectador? Eu penso que uma fotografia não espera nada do espectador. Na verdade, acredito que nenhuma arte espera algo do espectador, nós é que pensamos sobre isso porque esperamos muito das coisas e porque sempre buscamos dar sentido às coisas do mundo por “esperar algo de”. Uma fotografia está ali, apenas possibilitando um encontro – ou encontros, já que quando as olhamos novamente, possivelmente elas já nos “dizem” outras coisas – e, de um encontro, nunca saímos da mesma forma que chegamos. Enfim, coube a mim apresentar essa narrativa dos fluxos em duas cidades proposta por Márcia, mas creio que tudo o que eu consegui expressar aqui tenha sido muito pouco em comparação aos tempos e lugares que essas fotografias me levaram e, com certeza, ainda me levarão sempre que retomálas. Sei que é difícil entrar num barco e se deixar levar pelo rio, mas você pode remar também e escolher por onde e como seguir os fluxos. Às margens, Márcia nos convida deixar nossos vestígios dessa aventura. Boa vi(s)agem!

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ENSAIO

Diálogos entre Luz e Sombra No “Mito da Caverna”, Platão explica que aqueles que fazem uso dos sentidos são iludidos em sua percepção - é como se estivessem numa caverna, imobilizados, e confundissem a projeção de objetos com os próprios objetos. Para ultrapassar o mundo das impressões e alcançar o conhecimento, seria necessário sair da caverna e ir ao encontro da luz do sol. Daí se estabelecem as dicotomias entre conhecimento e ignorância, alma e corpo, verdade e ilusão, conceitos e opiniões, enfim, entre luz e a sombra. Apesar de bela a alegoria, estamos bastante distantes dessa percepção rígida de mundo - vivemos o relativismo, a subjetividade. E é isso o que o ensaio propõe: um diálogo entre elementos tidos como opostos - luz e sombra retratados no seu limite e indissociavelmente interligados, em grande contraste. T E X T O E F O T O S Juliana Galvão

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Ve r O u v i n d o : U m O l h a r M e d i a d o Foto: Renata Victor A u d i o d e s c r i ç ã o, ro te i ro e n a r ra ç ã o : L i l i a n a Ta v a re s Consultoria: Felipe Monteiro Edição de áudio: Júlio Reis visualização de imagem digital deslocaram a visão para um plano, de certo modo, dissociado do olho humano. (CRARY, 2012). Essas rupturas na forma de receber uma imagem não captada pelo olho humano nos interessam na medida em que algo que nunca seria percebido pela visão ocular está sendo revelado, na maioria das vezes, por descrições, por leitura de legendas, por um profissional já capacitado, por um tutorial, por alguma forma de mediação semelhante ao nosso trabalho de audiodescritor, que medeia as imagens para quem o aparelho ótico não reage a estímulos, ou para aquelas pessoas cujo o olho capta apenas um borrão, cores embaçadas, vultos, contrastes de luz. Descrever uma fotografia abstrata, desforme, indefinida, amorfa, que não pode ser interpretada por meio de um código convencional, exige do audiodescritor imersão no universo da criação, não se espera obter uma descrição objetiva, pois certamente essa não é a essência da obra. A expectativa é a de que os significados e os significantes sejam intuídos. Na audiodescrição, estamos

falando de transpor linguagens, de enxergar além do sentido da visão, estamos falando de VerOuvindo. Não podemos nos esquecer de que o contorno da imagem, a forma, a cor e a composição imagética são entregues para uma pessoa com deficiência visual por meio da audição, via audiodescrição, sendo, em geral, uma exceção a oferta da audiodescrição em braile. Assim, a narração, seja ela com voz sintetizada ou com voz humana, influencia na recepção da imagem, especialmente se ela vem acompanhada de som. Sim, porque as imagens nos remetem a sons. Também escutamos as imagens. Dependendo do som que as envolvem, essas imagens irão acionar o imaginário constitutivo de cada sujeito. Convido-os a escutar a audiodescrição abaixo em que a mesma imagem é apresentada com trilhas sonoras diferentes. Fechem os olhos. Liliana Tavares é doutora em Comunicação pelo PPGCOM/UFPE, audiodescritora, coordenadora do Festival VerOuvindo e gestora da Com Acessibilidade Comunicacional. comacessibilidade@gmail. com

“Foto da lateral de uma esfera achatada, porosa, na cor marrom dourado que parece flutuar em um fluido transparente. No centro, há uma faixa estreita nítida que revela uma superfície áspera com reentrâncias pretas. As partes superior e inferior estão desfocadas, a de cima tem um aspecto felpudo, a de baixo tem a aparência de um borrão turvo ressaltado pelo contorno da escuridão.” Liliana Tavares por Manuela Salazar Felipe Monteiro por Alê Ferrier

Nossa forma de olhar vem se transformando, aprendemos a cada dia a compreender imagens que não são produzidas naturalmente pela visão. No século XIX, conhecemos a fotografia e o cinema, meios analógicos de reprodução de imagem, em que a câmera nos apresentou perspectivas que os nossos olhos não seriam capazes de alcançar. Aprendemos a lidar com a reprodução, a multiplicação, a ampliação, e a redução das imagens, e a dar significado a esses modos de exibição, criadores de novas subjetividades. Com os diversos recursos do zoom, da aceleração e da desaceleração, as câmeras nos colocaram diante do “inconsciente ótico” (BENJAMIN, 1985). No final do século XX, e velozmente no século atual, as tecnologias emergentes de produção de imagem tornam-se o modelo dominante de visualização. Os programas usados no computador para desenhar ou para fazer música, por exemplo, os exames de ultrassom, os radares, os simuladores de voos, a holografia, as imagens de ressonância magnética e as inúmeras formas de

Referências BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia, arte e técnica: ensaios sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras Escolhidas, v.1). CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Tradução Verrah Chamma; organização Tadeu Capistrano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. https://glossariodamidia.wordpress.com/2011/06/30/inconsciente-otico/ Acessado em: 09/03/2019.

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“A imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona sempre como documento iconográfico acerca de uma dada realidade” (Boris Kossoy)

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Brasiliana Fotográfica. Ponte do Recife. Lamberg, Moritz -1880 - 1885.

Fo t o g r a f i a , intervenção e narrativa considerações acerca da utilização de fontes primárias para a escrita da história na atualidade

T E X T O Braz Pereira Alves Neto

Fotografia e documentação A história, como disciplina autônoma teve seu galardão em fins do século XIX, época em que o Positivismo direcionava o historiador a privilegiar documento escrito, sobretudo o oficial. Assim, esse tipo de documento assumia o peso de prova histórica e, de certa forma, falava por si mesmo: A valorização do documento como garantia da objetividade, excluía a noção de intencionalidade contida na ação do historiador. A partir do segundo quartel do século XX, ampliou-se a noção de documento com o surgimento de outra concepção de história, proposta pela Escola dos Annales. Conforme os partidários dessa concepção a história se dava a partir das ações dos homens, e por consequência ao documento escrito foram incorporados elementos diversos, tais como objetos, signos, paisagens etc. A relação do historiador com o documento também se modifica: A intencionalidade já passa a ser alvo de preocupação por parte do historiador, num duplo sentido: a intenção do agente histórico presente no documento e a intenção do pesquisador ao se acercar desse documento Nessa prática, progressivamente, o ponto de partida da investigação passa do documento para o problema, esquemas são valorizados- como, por exemplo, a corrente marxista. Destaquemos que a partir dos anos 1960, muitos historiadores colocaram na técnica o critério de objetividade para a construção histórica. Na transição do século XX para o XXI, buscou-se pensar a história por vias distintas de esquemas e ortodoxias. O documento figura como “expressão da experiência humana”, a preocupação com o cotidiano toma corpo, e eis que o historiador se depara com a contingência de diversificar os materiais utilizados na investigação, incorporando novas linguagens - literatura, relatos, cinema, teatro, música, pintura, fotos, etc.” e com o desafio, de colocar essas linguagens como elementos constitutivos de realidades sociais. Destaquemos que com a “revolução documental” houve uma nova posição para a fotografia, ou melhor, para o agora documento fotográfico. Assim, um novo panorama se delineou no ambiente acadêmico no Brasil: verificamos, por exemplo, um aumento significativo do interesse pelas fontes fotográficas iniciada na década de 1990 – 73 trabalhos publicados. Número significativo se comparado aos 12 da década anterior e aos 4 dos anos setenta. Intervenção e contexto Conforme, o historiador Marcelo Rede dentre os que se ocupam com a produção historiográfica na atualidade, há larga aceitação, que o documento deve sua existência à intervenção do historiador. O autor supracitado traz à tona Meneses que propõe um procedimento metodológico elementar a qualquer documento, isto é, a qualquer suporte de informação, seja ele, material ou textual, oral ou iconográfico, denominado ‘desdocumentalização’, onde por intermédio de um ato intelectual, se imaginaria um objeto reinserido em seu contexto, para poder se explicar seu papel histórico e suas interações com os homens, ou seja, um tipo de inversão que permitiria ir de um documento descontextualizado (ou melhor, inserido em outros contextos: o museu, o arquivo, etc.) ao objeto em seu contexto (ou sucessão deles). Tal procedimento possibilitaria ao historiador criar estratégias para responder as suas indagações e dar início a uma narrativa apropriada. Rede ainda aponta a atualidade do método proposto por Meneses e reitera que a fonte documental pode trazer intrinsecamente características de ambiguidade cuja percepção depende de variantes subjetivas e culturais, assim, o objeto deve ser alvo de depurações para o avanço de um processo cognitivo. Independente das particularidades do método que seja utilizado, conforme é do métier do historiador, elaborar o exercício de se interrogar sobre a lógica interna do documento, sua U NICAPHO T O

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pertinência e seu interesse histórico, bem como trazer elementos externos contextuais para que seu código seja melhor decifrado e reapresentado. Retomando a fotografia, notemos que ela pode nos fornecer indícios, provas, ou seja, artefatos que podem funcionar como mecanismos de estudo histórico, desde que o historiador realize interpretações adequadas. Na ótica de Boris Kossoy, é fundamental que se faça uma Análise Iconográfica (Reconstituição do processo que originou o artefato fotográfico e Recuperação do inventário das informações codificadas na imagem fotográfica) e uma Interpretação Iconológica (“Face oculta” – ler nas entrelinhas; desmontar as condições de produção, averiguar a mentalidade da época e “as intenções”). Narrativa histórica contemporânea Diante da constatação que vivemos na pós-modernidade, onde um novo paradigma historiográfico calcado nas artes é instaurado, reflete-se que a escrita da história já não necessita da rigidez cientificista ou racionalista, ou seja, o historiador contemporâneo pode romper com a concepção de “verdade única” e dar uma dimensão artística ao seu trabalho. Para Vayne “A história é, em essência, conhecimento por meio de documentos. Desse modo, a narração histórica, situa-se para além de todos os documentos, já que nenhum deles pode ser o próprio evento.” Apesar de vislumbrarmos certo tradicionalismo contido nessa afirmação, podemos estabelecer um elo para a continuidade da importância da utilização dos documentos na narrativa: o Professor Durval Muniz Albuquerque Júnior reforça que já não há obrigatoriedade do privilégio de fontes, como outrora, mas isto não significa que se deve esquecer o compromisso com a produção metódica do saber, pois isso seria abrir mão da dimensão científica do ofício do historiador. Nessa dinâmica, os documentos, aparecem em diversos elementos da produção humana, tomando a História como a arte de inventar o passado, a partir dos materiais deixados por ele. Hoje, a história em diálogo interdisciplinar, pode dispor muitas linguagens e delimitar documentos diversos com a finalidade de utilizá-los como fontes primárias de uma narrativa. Sendo esta embasada em evidências, se distingue da ficção encontrada na literatura. Considerações finais Discorremos brevemente sobre o conceito evolutivo vinculado a observação e tratamento da documentação desde que a história emergiu como ciência modernidade até os dias atuais. Abordamos a mudança na atuação do historiador, que ao longo do tempo tornou-se um interventor seja para validar a existência dos documentos seja para a interpretá-los. Na culminância disso tentamos estabelecer um vínculo entre a fotografia e narrativa historiográfica contemporânea esta diferentemente de outras épocas, passa a ter um caráter artístico, mas que distingue se da ficção por ter um compromisso com a busca pela verdade - ancorada justamente nesses documentos, que funcionariam como indícios de um passado, não tido mais como “o real”, mas a” a representação possível do real” - levando-se em consideração as nuances do sujeito que escreve e ao contexto em que ele está inserido.

Fotos Acervo do Museu da Cidade do Recife

Foto: Braz Pereira / Disponível em @fotografialenha O Historiador trabalha com pistas, detalhes. Como, por exemplo, a foto acima vemos uma inscrições placa de locomotiva com elementos da Rede Ferroviária do Nordeste. A partir desse documento, pode-se buscar na historiografia, nos jornais de época, bilhetes de viagem, cartões postais – dentre outros vastos elementos reconstituir como funcionou o transporte ferroviários na cidade do Recife e adjacências. 1 KOSSOY, 2000, p.33 2 PEIXOTO; KHOURY; VIEIRA, 2007, p.13 3 PEIXOTO; KHOURY; VIEIRA, 2007, p.15. 4 KOSSOY, 2012, p. 3 5 MENESES 1983 apud REDE, 2012 6 KOSSOY, 1999, p. 58-60 7 VEYNE, 1998, p. 18 8 ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, P. 64. *Braz Pereira Alves Neto é mestrando em História na Universidade Católica de Pernambuco. Também é criador do projeto “Fotografia a lenha” (Instagram @fotografialenha) Referências: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. In: História: a arte de inventar o passado, p.53-66. Bauru, SP: Edusc, 2007. KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999 KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012. PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; KHOURY, Yara Maria Aun; VIEIRA, Maria do Pilar de Araujo. A pesquisa em história. São Paulo: Ática, 2007. 80p. REDE, Marcelo. História e cultura material. .In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 133-150. VAYNE, Paul Marie. Como se escreve a história; Foucault revoluciona a história. Trad. De Alda Baltar e Maria Auxiliadora Knneipp, 4 ed. Brasília: Editora da UNB, 1998. 285 p.

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ENSAIO

TEATRO EM CENA E EM FOTO

Meu primeiro ano na cobertura do Janeiro de Grandes Espetáculos foi o 25º do Festival organizado pela família Castro e que, desde a primeira edição, tentava levar público às produções locais em um mês de férias onde os artistas passavam por dificuldades. Confiante por estar fazendo parte de um projeto nobre, reuni o equipamento e aguardei seu início. Contudo, fui surpreendido por um protesto da classe que gritava contra a saída de uma encenação por exigência da Prefeitura, por razões políticas. Este grupo resolveu protestar retirando-se do festival e minha agenda de trabalho sofreu três valiosos desfalques. Temeroso que o número aumentasse comecei o trabalho aguardado e gratificante de fotografar minha paixão maior, o teatro. Ao término das apresentações, boa parte dos diretores e elencos liam cartas e textos. Esses entendiam que os protestos deveriam ser em cena e consegui registrar a maioria deles, mas o receio persistia então aproveitei a oportunidade e passei a registrar todas as apresentações que meu tempo permitia, no lugar das 8 produções acertadas, consegui registrar 19 e divido algumas dessas imagens nesta edição da Unicaphoto. T E X T O E F O T O S Thiago Faria Neves

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Cena do filme Freaks (1932)

FREAKS 1932 TEXTO Elizabeth de Carvalho Nos anos de 1930, em um circo que, dentre suas atrações possui um elenco de “freak show”, um anão se apaixona por uma trapezista vigarista. O filme se propõe a provar que, embora a sociedade tenha repulsa pelas pessoas que nasceram com deformidade, os ditos “anormais/monstros/ freaks” são, na verdade, seres humanos como qualquer outro. Ocorre que, a negativa da sociedade em aceita-los, aí incluído os demais artistas circenses, faz com que os “monstros” criem um rigoroso código de ética para protegêlos, assim resumido: uma ofensa para um, é uma ofensa para todos; a alegria para um, é a alegria para todos. À época de seu lançamento, o filme sobre a “historia dos anormais e indesejados” foi um fracasso de audiência, sendo de tal modo rejeitado que foi retirado precocemente de cartaz. Posteriormente, passou a ser cultuado, servindo de inspiração para a fotógrafa DIANE ARBUS (1923/1971), que dedicou parte de seu trabalho ao registro das pessoas ditas “bizarras”, tais como anões

e travestis. Recentemente, “Freaks” serviu de inspiração para a quarta temporada do seriado “AMERICAN HORROR STORY: FREAK SHOW”, no qual há personagens e cenas quase idênticos ao filme. Ato I: Cicerone de um “freak show”, ao apresentar uma de suas “criaturas” ao público, enfatiza que uma ofensa a um “monstro” é uma ofensa a todos, porém, antes de mostrar a “atração” é feito um flash back da história de um circo, mostrando a rotina dos personagens: o elegante anão Hans e sua doce namora Frieda também anã; as gêmeas siamesas Violet e Daisy Hilton; Joseph e Josephine que é metade homem e metade mulher; as crianças com microcefalia protegidas por Madame Tetralli; a mulher sem braços (Armless Girl); o homem sem pernas (Half Boy); o “homem esqueleto”; a mulher barbada; a garota pássaro Koo Koo; o homem sem brações e pernas (The Living Torso) 2 . O circo também possui as atrações “normais”: Cleopatra, a trapezista que voa como um pássaro; Hercules, o homem mais forte do mundo; os palhaços Phroso e Rosco; a bela

Venus. Ponto de virada I: Frieda alerta Hans que Cleópatra está fingindo uma paixão por ele, tão somente pelo interesse em seu dinheiro. Hans retruca dizendo que não recebe ordens de nenhuma mulher. Ato II: Cleopatra e Hercules planejam um golpe para extorquir Hans: após casarse com Hans, Cleopatra o envenenaria lentamente. Com a morte de Hans, a trapezista se tornaria herdeira da fortuna do anão. Ponto de virada II: The wedding fest. Felizes por Hans, as demais “criaturas” festejam o casamento e acolhem Cleopatra cantando “nos te aceitamos, uma de nós”. Cleo reage chamando-os “sujos, asquerosos e monstros”. Ato III: Os monstros se vingam de quem os ofendem: Hercules e morto e Cleo é transformada em uma mulher com corpo de pássaro. O filme termina como começou: é mostrada ao público a criatura que Cleópatra se tornou. 1 https://archive.org/details/Freaks-1932Subtitulos-en-espanol# 2 https://cinemaclassico.com/curiosidades/oestranho-e-controverso-elenco-de-freaksmonstros/

R E P O RTAG E M Em 2013, o Times Herald-Record, em Middletown, Nova Iorque, demitiu toda a sua equipe de fotógrafos, e forneceu a seus jornalistas celulares com bons recursos de captura de imagem, delegando a eles o ofício de capturar as fotografias de suas pautas. Esta decisão, ainda em vigor, também adotada por outros veículos de comunicação, como o Chicago Sun-Times, despertou polêmicas discussões sobre o papel da fotografia na mídia e sobre o espaço do fotógrafo na construção discursiva das notícias. Anos mais tarde, um estudo analisou as fotografias da publicação e percebeu alterações em seus resultados. O estudo1 , publicado na revista Journalism Mass Communication Quarterly em março de 2018, analisou 488 imagens realizadas por fotógrafos profissionais e 409 fotografias capturadas por não profissionais, todas publicadas no jornal. A pesquisa categorizou as imagens, separandoas em quatro categorias: informativas, apelo visual, apelo emocional e intimidade. O artigo também apontou que apenas 1 em cada 10 imagens não profissionais carregavam um apelo emocional, enquanto os profissionais conseguiam imprimir o efeito em mais de 25% das fotografias. Quando observadas as composições com relevante de apelo visual, os profissionais novamente se destacam, com 23,6% das imagens, contra apenas 7,6% dos não profissionais. O último, mas também marcante índice, aponta para a criação de alguma conexão de intimidade com o destinatário, algo que apenas 1,8% dos profissionais conseguiu alcançar, mas que não foi observado em nenhuma das 409 imagens produzidas pelos não profissionais.

Fo t o j o r n a l i s m o importa? TEXTO Paulo Souza

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Foto: Tomasz Mikolajczyk/Pixaby

As diferenças foram além. As fotos profissionais eram mais propensas a mostrar ação e retratar conflito, duas qualidades conhecidas por despertar a atenção do público, que as fotos não profissionais. Além disso, os pesquisadores observaram que o Times Herald-Record geralmente utilizou, em suas capas e espaços de destaque, fotos realizadas por profissionais.

É certo que muitas questões são de difícil mensuração, em virtude da natural subjetividade associada a um juízo de valor associado às imagens fotográficas. Apesar disso, fica claro que as imagens realizadas por olhares não treinados tendem a sem mais simples e objetivas, servindo mais como um suporte ao texto que como uma linguagem de expressão própria. A fatal de apelo estético e emocional é claramente percebida por olhares críticos, mas provavelmente também atinge os demais leitores, ainda que o seu processo de recepção não trate esse fenômeno de forma tão analítica. Se essa perda estética será considerada como relevante, diante da redução de custos com profissionais e equipamentos, é algo a ser observado no futuro.

O estudo apresenta dados que não surpreendem pesquisadores e profissionais da imagem, mas é fundamental que tais dados ganhem visibilidade e que novos estudos sejam realizados para trazer de volta ao senso comum a ideia de que uma abordagem profissional é capaz de qualificar o conteúdo imagético da imprensa. A ideia de adotar dispositivos móveis, por outro lado, parece ser uma mudança positiva, considerando que um dispositivo fotograficamente capaz e que acompanha o fotógrafo o tempo inteiro, é um forte aliado na produção de imagens. Unir os celulares, com sua portabilidade e aptidão para rápida transmissão de imagens, ao senso de composição, geometria, harmonia de cores, de um fotógrafo, dotado de um olhar treinado para comunicar através de ações e emoções, parece ser um caminho viável para produção de conteúdo comunicacional de qualidade e relevância.

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TEXTO e FOTOS Vidal de Souza

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DICA ESPECIAL

O trabalhador na fotografia documental: pesquisa de imagens de Ludimilla Wa n d e r l e i T E X TO J u l i a n n a N a s c i m e n t o To re z a n i Mãe de Lis. Doutora em Comunicação pela UFPE. Mestre em Cultura e Turismo e Bacharel em Comunicação Social pela UESC. E-mail: juliannatorezani@yahoo.com.br

Através da fotografia documental um tema é exposto em profundidade, feito com tempo e tratamento diferente do fotojornalismo, pois permite apresentar imageticamente um lugar ou uma época e mostrar o real sem determinadas interferências. A pesquisadora Ludimilla Carvalho Wanderlei define a fotografia como um elemento que emociona, mobiliza e faz refletir acerca da realidade, indica que o “documental não supõe apenas a existência de um referente, mas significa que existe um modo de relação com esse referente assumido como verdadeiro. Paralelamente, o fotógrafo possui a capacidade de operar tal relação, de relatar o mundo e suas dinâmicas” (WANDERLEI, 2018, p. 55). Importante pontuar que a fotografia documental tem um marco histórico através do projeto Farm Security Administration do governo dos Estados Unidos para gerar informações sobre a população de áreas agrícolas por conta da crise de 1929. Neste órgão integraram fotógrafos como Dotothea Lange, Walker Evans e Russel Lee para elaborar uma iconografia que demonstrasse exatamente o que estava acontecendo. Entre as milhares de imagens destaca-se a famosa Mãe Migrante de Lange, feita em 1936. Na obra O trabalhador na fotografia documental, lançada pela Editora Appris, em 2018, Ludimilla Wanderlei indica que a fotografia documental serve para provocar a reflexão crítica do público sobre a imagem, além de possuir uma pretensão estética e conceitual, pois há um modo de produção específico de cada época, mas também especialmente ligado ao objetivo do projeto e do que se deseja mostrar. Tais imagens criadas para este fim servem posteriormente como arquivo documental para realização de diversos estudos, cabendo aos investigadores decifrar as intencionalidades impregnadas na construção fotográfica. Ao observar a produção de quatro fotógrafos a pesquisadora indica um estilo documental a partir de uma estética enxuta quanto ao enquadramento total, centralização do motivo, redução de sombras e imagens em série, assim “a imagem se torna o artefato que permite acesso a realidades outras” (WANDERLEI, 2018, p. 54).

Após o capítulo inicial que traz uma fundamental reflexão sobre a fotografia documental, a autora analisa a representação dos trabalhadores nas imagens, especificamente os fins sociais, artísticos e políticos das produções de August Sander, Sebastião Salgado, Gilles Sabrié e Giulio Piscitelli. Ao mapear as séries fotográficas de tais fotógrafos Wanderlei aponta os paradigmas que cada um está ligado, sobretudo em função das questões estéticas e das intencionalidades políticas das representações. No capítulo Sander: para uma fotografia exata trata sobre a obra fotográfica do alemão August Sander (1876-1964) que elaborou retratos da sociedade alemã no início do século XX, mas com uma estética oitocentista, visto que fez imagens padronizadas quanto ao enquadramento, iluminação, composição centralizada e frontal. Neste trabalho observa-se retratos posados, como os retratos burgueses do século XIX, mas mostra a fotografia do trabalhador como uma forma de vigilância sobre o corpo. Para a autora, “ele não parece buscar emoção nos rostos de seus personagens, que geralmente olham diretamente a câmera com uma expressão quase congelada, dura – mais uma referência do retrato francamente posado (e dirigido)” (WANDERLEI, 2018, p. 86). Na sequência, o capítulo Sebastião Salgado e o documentarismo social analisa um conjunto de imagens do fotógrafo brasileiro que tem projetos longos de inspiração marxista. Este estudo é especialmente sobre a obra Trabalhadores: uma arqueologia da era industrial, de 1993, que mostra as formas de trabalho de um ciclo industrial em declínio. Para Wanderlei, “a dramaticidade não está só nos temas (fome, genocídio, pobreza), mas também na forma, no tratamento extremamente calculado, planejado de suas imagens que buscam convencer quem as olha da gravidade das situações retratadas” (WANDERLEI, 2018, p. 109). O último capítulo, Sabrié e Piscitelli: imagens do proletariado entre a imprensa e o documental, apresenta o trabalho do francês Gilles Sabrié que fotografa as transformações do mundo do trabalho na China, especialmente através do ensaio Life in I-Phone City, que mostram os funcionários da empresa de produtos de tecnologia Foxconn quando não estão trabalhando. Nesta parte também é apresentado a fotografia do italiano Giulio Piscitelli sobre as dificuldades que enfrentam os imigrantes que vão para Europa através do projeto From there to here. Estes trabalhos se colocam na perspectiva estética de produção e divulgação da fotografia do século XXI, visto que integram sites, mostram os espaços geográficos que foram retratados, apresentam textos junto com as imagens e tentam entender o trabalho na perspectiva do tempo. “As representações de Sabrié e Piscitelli são produzidas tendo como cenário uma reorganização do próprio sistema econômico que transformou também os modos de ser dos trabalhadores” (WANDERLEI, 2018, p. 155). O livro nos faz refletir sobre uma série de questões, passa pela produção fotográfica em cada época e suas intencionalidades estéticas e políticas, ao mesmo tempo que promove analisar a criação imagética sobre o trabalhador do século XIX em diante. Para a autora o “papel do fotógrafo como alguém que carrega um discurso político” (WANDERLEI, 2018, p. 27). Desta forma, cada imagem carrega as marcas de um tempo, lugar, situação e legado social e isso fica muito bem evidenciado nesta obra escrita de forma objetiva e com profundidade de dados que nos conecta a cada conjunto de imagens apresentado. Em tempo, Ludimilla Wanderlei é graduada em Rádio e TV, mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, no qual este livro é o resultado de sua dissertação. Atualmente é doutoranda, também em Comunicação, onde continua a desenvolver pesquisa em fotografia. WANDERLEI, Ludimilla Carvalho. O trabalhador na fotografia documental. Curitiba: Appris, 2018.

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