Unicaphoto #
a revista de fotografia da Unicap
CORPO Corpo, carne, organismo. Metáfora e metonímia. O corpo político. Corpos em trânsito, transa e transe. O que a fotografia tem a ver com tudo isso? Entrevista, ensaios fotográficos, artigos, tentam desvendar os muitos corpos possíveis
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Foto: Yêda Bezerra de Mello
editorial
Esta é a sua antiga Unicaphoto, revista do curso de Fotografia da Unicap. Uma revista-raiz. Ela é também sua nova Unicaphoto. Nesta 17ª edição, a revista tem novo projeto gráfico e passa a contar com outros editores, o professor André Antônio Barbosa e o escritor e editor Sidney Rocha. Unicaphoto não chegaria tão bem até aqui, ao seu oitavo ano, sem a rica colaboração de Carol Monteiro, editora da revista em 15 das 18 edições. Gratos, Carol. Neste número, Unicaphoto dá ênfase ao corpo como espaço de conquista de individualidades e atitude política, entre outros pontos de vista. Para isso entrevistamos a fotógrafa e psicanalista Isabela Cribari, sobre essa nova Idade ou Século do Corpo. O tema do corpo perpassa muitos dos ensaios fotográficos desta edição, como o trabalho de Allana Rocha, onde corpo e mente assumem discursos nada amorosos, mas fragmentários, dos tempos atuais. Há a cidade em dois corpos distintos: na construção e harmonia do ensaio cosmopolita de “Betón et photo”, do arquiteto-fotógrafo André Martins e a cidade em guerra, o Recife de 29 de maio de 2021, no fotojornalismo de Arnaldo Sete, Douglas Fagner, Melissa Fernandes e Sérgio Maranhão, que estavam nas ruas naquele dia terrível e apresentam algumas fotos onde se destaca o abuso de força, dessa vez não do corpo, mas da corporação: a polícia militar de Pernambuco. É essa mesma Recife apresentada em memórias “coladas” ou desejos, ausências e presenças, em “Gens”, colagens e fotografias de Renne Sophi. Um tempo misto, onde saudade se relaciona também com o futuro, como vocês verão. Cor & corpo, azul de tão preto, como em “NoirBlue: deslocamento de uma dança, de Ana Pi”, artigo assinado por Elysângela Freitas, sobre a dança negra. A busca dessa identidade também está em “Enegrecer olhares...”, artigo de Daniel Meirinho, no ensaio “O ouro de Oxum”, de Jéssica Lopes, e fortemente em
“Por onde tudo flui”, ensaio sobre cores (e corpos), de Raiz de Maria. Um corpo é também um não-lugar, de silêncios, como “Entre o mangue e o mar”, ensaio em preto&branco de Filipe Falcão. Nesta 17ª edição, o preto&branco também faz parte da linguagem de vários ensaios, desde os citados “Você está melhor?”, e “Betón et photo”, como nas fotos de “Pássaros invisíveis”, de Marconi Cordeiro e Tifanny Valente. Em preto&branco, ainda, ensaio de Márcio Novellino (1976 – 2021), sobre todos os pugilatos, não somente nos tatames: a vida. Uma dessa fotos está na capa desta edição, homenagem da Unicaphoto ao amigo que nos deixa muita saudade. Você poderá ver um mundo “olho-po-olho” sobre a performance de fotógrafo e jornalista Flávio Costa. Há excelentes momentos do mundo acadêmico: O I Movi - Encontro Brasileiro de Fotografia em Movimento, realizado pela Unicap, entre 30 de junho e 02 de julho de 2021, cujo tema ou lema foi “A direção de fotografia no Brasil.” Destaque também para a 7ª edição do festival Curta Vertentes, no pequeno distrito de Aracoiaba, no Ceará: reportagem de Paulo Souza e vinculada do padre Pedro Rubens, reitor da Unicap. Você confere esses eventos, como a aula inaugural do MBA (ocorrida em março passado), entre outros lances, na nossa coluna “Aconteceu”. Você poderá ver, também, fotos de Roberta Guimarães em texto da audiodescritora Liliana Tavares, no artigo sobre visitas guiadas a exposições fotográficas. Sobre exposições, e um pouco mais sobre cosmopolitismo, e sobre memória, deem uma olhada em “Expoduo”, de Renata Victor e Yêda Bezerra de Mello, com exposição virtual organizada por Natália Albuquerque. Estávamos com tanta saudade que, na hora de editar, resolvemos ampliar o número de páginas desta edição, e transformá-la nesta edição especial, que chega a público neste Dia Mundial da Fotografia. Esperamos que gostem.
COORDENAÇÃO EDITORIAL Renata Victor CONSELHO EDITORIAL André Antônio, Renata Victor e Sidney Rocha FOTO DA CAPA Márcio Novellino FOTO DA CONTRACAPA Jéssica Lopes QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO Allana Rocha, fotógrafa e publicitária André Martins, fotógrafo, arquiteto e designer Arnaldo Sete, estudante de fotografia Betânia Corrêa de Araújo, arquiteta e escritora Carol Monteiro, professora e diretora da Escola de Comunicação da Unicap Daniel Meirinho, fotógrafo e professor da UFRN Douglas Fagner, estudante de fotografia Elysangela Freitas, fotógrafa Filipe Falcão, professor da Unicap Flávio Costa, fotógrafo, jornalista e estudante de Fotografia e Arte Latino-americana Gustavo Bettini, fotógrafo Isabela Cribari, fotógrafa e psicanalista Jéssica Lopes, estudante de fotografia Julianna Nascimento Torezani, professora da Uesc Liliana Tavares, psicóloga e idealizadora do festival VerOuvindo Márcio Novellino, fotógrafo e ex-aluno de fotografia da Unicap Marconi Cordeiro, estudante de Fotografia e Arte Latino-americana Melissa Fernandes, estudante de fotografia Natália Albuquerque, fotógrafa P. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, jesuíta, reitor da Unicap Paulo Souza, professor da Unicap Raiz de Maria, estudante de fotografia Renata Victor, professora e coordenadora do curso de Fotografia da Unicap Renee Sophi Luise, estudante de fotografia Sérgio Maranhão, fotógrafo Tifanny Valente, estudante de Fotografia e Arte Latino-americana Yêda Bezerra de Mello, fotógrafa
Escaneie o código QR abaixo, através de aplicativo no smartphone, e acesse todas as edições da revista na internet Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. Esta sua 17a. edição vem a público em 19 de agosto de 2021. (ISSN 2357 8793)
SU MÁ RIO Você tá melhor?, por Allana Rocha
Visita guiada a exposições fotográficas, por Liliana Tavares
Entre o mangue e o mar, por Filipe Falcão Gens, por Renee Sophi Luise
Entrevista Isabela Cribari
Por onde tudo flui, por Raiz de Maria
Andando pela vida afora, por Renata Victor &Yêda Bezerra e Natália Albuquerque Pássaros invisíveis, por Marconi Cordeiro e Tifanny Valente
Enegrecer olhares, reposicionar presenças... por Daniel Meirinho Ontem, por Betânia Corrêa de Araújo
68 6 74 12 82 16 88 24 98 28 111 36 112 46 116 54 118 60 123 67 124
Recife, 29 de maio de 2021, por Arnaldo Sete, Douglas Fagner, Melissa Fernandes e Sérgio Maranhão Olho por olho, por Flávio Costa
O ouro de Oxum, por Jéssica Lopes
Azul de tão preto... por Elysangela Freitas Betón et photo, por André Martins Curta Vazantes, por Paulo Souza
Nas vazantes do rio Aracoiaba..., por P. Pedro Rubens Ferreira Oliveira Aconteceu
Arte, técnica e política, por Julianna Nascimento Torezani e Paulo Souza Qual é o melhor papel Fine Art?, por Gustavo Bettin
Homenagem a Márcio Novellino
você tá melhor? ensaio
por Allana Rocha
“Você tá melhor?” fala através das imagens sobre o processo de procurar ajuda para tratar sintomas de doenças psicológicas, mais especificamente depressão e ansiedade. O processo de aceitação e descoberta é tão difícil quanto lidar com os próprios sintomas, perceberse ausente do dia a dia, a grandiosidade de coisas pequenas, a importância dos diálogos e da solidão de olhar pra dentro quando ninguém mais pode. Quando a mente vai para um lugar de inércia ao mesmo tempo que o corpo formiga, um relevo cheio de irregularidades que sofreu com a ação do tempo, ausente de linearidade ou razão, adoecida pelo afastamento, pela ausência de resposta, pela acumulação de fios de cabelo e lençóis amontoados, os questionamentos e angústias tomam conta dos pés e fazem o caminho de volta. Sem perspectiva de retorno. Mas olhando para trás. Ouvir as perguntas, mas nem ao menos esperar que algo lhe faça novamente respirar. Sem pesar. As imagens e fragmentos de diálogos me fizeram perceber o que estava acontecendo comigo. Trazem a passagem desse tempo, descoberta e aceitação. No meio da pandemia, do luto coletivo e do isolamento, essa produção tomou forma. E me ajudou a falar desse processo, que pode reverberar em muitas pessoas. É importante lembrar que temos o outro. Apesar de tudo. 6
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Allana [Beatryz Ferreira da] Rocha é fotógrafa e publicitária potiguar, com formações complementares em fotografia. Participou de mostras virtuais coletivas como o Prêmio Margem de Fotografia, com o ensaio “Sagrado Feminino” (2020) e a Semana de Antropologia da UFRN com o ensaio “Olhos Parados” (2010). Pesquisa, de forma independente, feminismos, discursos e imagem. Na maioria, seu trabalho em fotografia é produzido em tons de cinza. Suas produções têm influência de artistas visuais mulheres e autoras literárias nordestinas.
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“Você tá melhor?” Fotografias digitais manipuladas em preto e branco, auto representações, montagens de trechos de conversas sob as imagens fotográficas e montagens de dípticos e polípticos.
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audiodescrição
visita guiada a exposições fotográficas por Liliana Tavares
Antes da pandemia, algumas exposições de fotografia já estavam sendo planejadas com acessibilidade para pessoas com deficiência visual, por meio da visita guiada com audiodescrição - AD. A realização da audiodescrição de qualquer exposição envolve engajamento da produção com a equipe de acessibilidade, para criar e definir as melhores formas de exibição da AD. Tanto as imagens, estáticas ou dinâmicas, quanto a expografia são o material de trabalho para a construção do roteiro da audiodescrição, que é feito antecipadamente e ajustado durante a montagem. Por isso, na maioria das vezes, as gravações da AD só são feitas após a abertura da exposição. São necessários ainda entre três e cinco dias para gravar, editar e testar o roteiro final da visita guiada. Só então ela fica disponível ao público. Geralmente, no dia da abertura, a AD é feita ao vivo, com uso de aparelhos de transmissão e de recepção. E é bom que seja assim, porque naquele momento os usuários também querem saber sobre o artista, sobre as pessoas que ali estão e sobre todo “auê” da festa. Depois, com o roteiro gravado, os usuários da AD podem visitar a exposição no ritmo que desejarem, pausando ou adiantado o áudio. Por serem, muitas vezes, exposições de curta duração, geralmente o orçamento não comporta a instalação de rota com piso podotátil. Caso a pessoa cega ou com baixa Liliana Tavares é audiodescritora, gestora da COM Acessibilidade Comunicacional, doutora em Comunicação pela UFPE e autora do livro VerOuvindo: audiodescrição e o som do cinema. 12
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visão vá desacompanhada, ela irá precisar de alguém do educativo para ser seu guia. Daí a importância da capacitação dos mediadores. Duas exposições, realizadas no Museu do Estado, com audiodescrição produzida pela equipe da COM Acessibilidade, são base para nosso relato: “Agricultura da Imagem”, de Rodrigo Braga, em agosto de 2018, e “Agô”, de Roberta Guimarães, em abril de 2019. A nossa intenção, aqui, não é a de refletir sobre a complexidade da tradução audiovisual, mas a de retratar a forma como foi feita a exibição da AD. Ambas as exposições eram compostas por fotografias, vídeoartes e objetos. Elas tinham aparelhos MP3 na recepção, para a visita guiada. Na exposição de Rodrigo Braga, a AD dos vídeos era aberta, ouvida pelo áudio do monitor, um formato que amplia a recepção da AD para todo o público, criando uma outra experiência de fruição. Já na exposição de Roberta Guimarães, um resumo do vídeo era incluído na trilha da visita guiada. Para a construção de uma visita guiada com audiodescrição é importante adicionar uma série de elementos que colaboram para oferecer uma imersão mais completa, para além da audiodescrição das imagens. 14
A ambientação, a iluminação, e a localização devem fazer parte do roteiro. Indicações sonoras permitem distinguir rapidamente entre o que é informação e o que é descrição da obra. Um som de BG (background) pode sugerir a atmosfera da exposição, caso ela não possua uma trilha sonora própria. Ao final do processo, a produção pode ter dois arquivos de trilhas sonoras: o da visita guiada; e o das obras, individualmente. Nos três exemplos disponíveis para esta edição de Unicaphoto, você escutará: a AD da foto de Rodrigo Braga, separadamente do roteiro da visita guiada; a introdução à exposição de Roberta Guimarães; e mais uma faixa com a sequência de fotos da visita guiada. Certamente, a maneira como a audiodescrição era exibida antes da pandemia sofrerá pequenos ajustes, principalmente quanto ao compartilhamento de aparelhos de transmissão da audiodescrição e de fones de ouvido, podendo vem sendo substituídos por aplicativo ou por QR Code. O bom de ter a gravação da AD das imagens é que elas também podem ser hospedadas online com as fotos no site do artista, da artista.
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entre o mangue e o mar ensaio
por Filipe Falcão
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ensaio
gens
A fotógrafa Renee Sofhi apresenta colagens de fotos, onde passado e presente se misturam. Tendo como ponto de partida a ausência presente ou a presença ausente, sua memória familiar, Renne Sofhi cria um novo e sensível tempo de encontro, um tipo de palimpsesto visual, um documento vigoroso, onde corpos e lugares terminam se unindo pelo desejo de pertencimento e permanência. A fotógrafa disse: “A finalidade do trabalho é que minha filha hoje, com cinco anos de idade, e que infelizmente não conheceu pessoalmente seus avós maternos possa, com o resultado desse trabalho, ter uma lembrança de que em alguns momentos da sua infância eles participaram dela, mesmo que simbolicamente. Pra isso foram usadas como fundo imagens do Recife e, na colagem, imagens dos meus pais e da minha filha.”
por Renee Sophi Luise
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Foto: Tereza Maia
entrevista
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entrevista
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“... e doem do tant A fotógrafa e psicanalista Isabela Cribari topou conversar um pouco com Unicaphoto sobre imagens, imaginação e representação. A partir de reflexões sobre o corpo, em todos os sentidos, Cribari oferece um panorama amplo e desfaz a ideia de que a psicanálise e a fotografia sejam ideias-prontas e desarticuladas do mundo contemporâneo. Na sua mais recente exposição, o tema do corpo, sobretudo o feminino (você verá algumas das fotos, aqui) e ponto de reflexão que a artista visual transfere para o cinema, para os estudos psicanalíticos, “para a vida, rapaz, para a vida, não esqueça de completar a frase”. 30
Claríssima escuridão I: na fotografia de Isabela Cribari, o tema do corpo aparece como abismo. A ideia de liberdade se opõe o tempo todo com a ideia de clausura, de sins e de nãos, em sua obra.
to que dói a vida.” Unicaphoto - Por que ainda tanto Deleuze, Benjamin e Foucault e tão pouco de intelectuais feministas como Rosi Braidotti, Griselda Pollock, Leonor Arfuch e Norma Telles, por exemplo? Falta ainda uma crítica feminista mais atuante nas artes e nas academias? Isabela Cribari - Falta, sim. Mas falta também interesse pelo novo, por uma outra forma de ver e narrar os fatos. Svetlana Aleksiévitch escreveu sobre a guerra, que pode não ter nome de mulher, mas apresenta outra guerra, sem nome, que não tem nada a ver com tudo o que li e vi antes. Acho que é importante conhecer o pensamento pulsante de nosso tempo. E aí você cita pensadoras admiráveis, com grande contribuição para o pensamento crítico, para pensar a sociedade e a subjetividade de nosso tempo. Rosi Braidotti, com seu nomadismo filosófico, e também algo que é tão atual, a metafísica da presença, num momento do mundo que temos que reinventar nossas noções de espaço e tempo. Leonor Arfuch ramifica vários interesses ao tratar os dilemas da subjetividade 31
contemporânea, dialogando com a psicanálise, a sociologia e a arte, quando discute sujeito, linguagem, sociedade, identidade(s) e narrativas. A brasileira Norma Telles tem-me interessado bastante por tratar das errâncias, algo essencial para se pensar e retratar num mundo de exilados e refugiados. Tenho lido sobre este tema a partir da psicanálise, do estranhamento e do horror dessas situações da vida. Alan Kurdi emocionou o mundo com a fotografia do pequeno refugiado de três anos, morto de bruços na praia do Paquistão, tem a foto de Warren Richardson de um homem passando um bebê na fronteira SérviaHungria por uma cerca de arame farpado. Uma foto sem flash, às escondidas, para não atrapalhar a esperança por uma nova vida. PH - Corpo, organismo, carne. Parece que ainda há certas distinções medievalescas em relação ao corpo. Você acha que estamos entrando em um Idade do Corpo, ou Século do Corpo? Onde e aonde avança essa discussão no campo das artes visuais? IC – É contraditório pensar em uma Idade ou Século do corpo, num mundo cada vez mais desmaterializado. Até a arte está se esvaindo de seu corpo, não se liquefazendo, mas perdendo corpo. Há um livrinho de Descartes, As paixões da alma, sobre esses limites do corpo e da alma, que gostarei de 32
Conexão com a realidade: “Penso que a fotografia e as artes visuais têm um papel fundamental neste momento tão terrível, de extrema angústia, de confinamento, perdas, e algumas desgraças adicionais que vivem alguns países, o Afeganistão e em proporções parecidas, o Brasil atual.
reler após esta entrevista. Performance? Vivemos em eterna performance. Mas mais ainda no tempo trans-transitório. É mesmo o tempo da performance, da arte efêmera, de esculturas imateriais, como aquela de Salvatore Garau. Um mundo que se pretende minimalista, mas excessivo, ao ponto da intrusão. E na contramão da falta da corporeidade, há o culto ao corpo, mas não ao corpo completo, visto como psicossoma, mas fragmento, no que se pode manipular, mudar, exibir, O Século do corpo na era desencarnada. PH - Quando o corpo deixa de ser somente uma instituição simbólica e passa a ser também um corpus político? Qual a contribuição da fotografia e a psicanálise nesses caminhos? IC - Penso que essa passagem se dá quando os corpos
se encontram, atuam, no espaço público, no sentido arendtiano, mesmo. Em relação à psicanálise, lembrei do atualíssimo texto de Freud, naquele seu texto sobre a psicologia das massas. Tem a ver com a análise do eu. PH - As massas “pensam”? IC -No geral, é esse pensamento que vinga, aliás. Não é? Vivemos o resultado disso, e não somente no plano simbólico, hoje, no Brasil. O gado. A imunidade. O rei do Gado. O panorama, no ponto de vista do eu, nos faz duvidar de soluções coletivas. Para mim, a fotografia é parte dessa esperança. Do se ver e ver o Outro. Incansavelmente. PH - A psicanálise funciona como um refúgio, não. Um ciclo bem fechado, não? PH - Nada. As coisas mudam. Há uma psicanálise que está indo para as ruas, que tem-se reaproximado de outras áreas, como a arte, a neurologia, a política, a sociologia, a medicina. Quando penso numa psicanálise além do divã, do indivíduo, mas assumindo uma atenção a esse corpus político, como você chama, me lembro de Maria Rita Kehl, com sua escuta no Movimento dos Sem Terra, na sua participação na Comissão da Verdade, dentre tantas coisas que faz a partir de uma psicanálise encarnada. E, na arte, de uma forma mais ampla, gosto muito do trabalho da artista visual Berna Reale, que é também perita criminal no Pará, que utiliza seu corpo em performances e instalações incitando uma reflexão sobre 33
Claríssima escurid O corpo em clausu “Tenho a nítida impressão de que a são espíritos tendo experiências na m no corpo, diferente pessoas comuns. O para artistas, é es esfinge, de que falá mas uma esfinge buscando sempre n ciframentos”, diss final da entrevista
o momento so contemporâne especialmente violência.
PH -Para alg psicanalistas, inclusive amo aconteciment em um corpo nas palavras, isso nos leva à fotografia, à um tanto de r e linguagens. corporeidade, simbólica, ap suas fotografi contemporâne IC - Sim, o co antes da entra simbólico das há acontecime pré-verbal, há de sensações, destinados a e forma de lingu canal de comu 34
dão II: ura.
artistas o matéria, e das O corpo, ssa ávamos,
novos se, ao a.
ociopolítico eo, priorizando e o tema da
guns e algumas , a linguagem, ordaçada, é um to de corpo, amordaçado , nas imagens; à literatura, às artes, em representações . Como essa , real e parece hoje nas fias e de suas eas? orpo existe ada no mundo palavras, mas entos neste corpo á um mundo , de projeções ele, há uma outra uagem, um outro unicação.
PH - A fotografia? IC - Ela mais que as outras. Tento isso nas minhas fotografias, esse outro canal, de uma linguagem com representações mais fluidas, com menos corporeidade, de um universo mais arcaico, especialmente ligado ao Arké, mais sensorial, isolado e menos corporal, concreto. PH - Nunca se falou tanto em corpo, ou no isolamento de corpos, ou na negação ao corpo (para o caso de não podermos chorar junto aos corpos das vítimas da Covid) como nesses tempos. Onde a fotografia ou as artes visuais dão conta dessa angústia? Já podemos ver alguns exemplos de artistas que encaram esse problema do corpo, na performance, por exemplo, nesse momento tão trágico? Há exemplos no Brasil e fora de artistas envolvidos com esse tema? IC - Não me sinto tão à vontade, porque sou fotógrafa sem um exercício crítico, de pensar o que têm feito fotógrafes contemporânexs.. Mas penso que a fotografia e as artes visuais têm um papel fundamental neste momento tão terrível, de extrema angústia, de confinamento, perdas, e algumas desgraças adicionais que vivem alguns países, o Afeganistão e em proporções parecidas, o Brasil atual. São momentos tão trágicos de uma experiência quase incomunicável, como descreveu Walter Benjamin sobre como as pessoas voltavam da guerra. Ele falava de limite, de violência,
de ódio e de uma falta de linguagem que representasse essa experiência. E aí as artes visuais, com seus códigos outros, que não precisam de tradução, e que podem ir além do fato, podem comunicar muito da dificuldade, da tristeza, do luto, da desesperança de um tempo, vivido de formas diferentes destes dois lugares, onde o vírus da Covid 19, desatrelado da aliança perversa de política e religião já fazem um estrago muito grande. PH -Nesta edição de Unicaphoto, temos artigo e ensaios que falam sobre a representatividade dos corpos de pessoas indígenas, negras, corpos nãonormativos... em oposição ao corpo branco, “parâmetro da autorrepresentação dos indivíduos” (as aspas são para citar a tese de Isildnha Nogueira, citada nesta edição). Como você vê esses espaços e lugares de fala? IC- Vejo como um espaço fundamental. Não vi ainda os ensaios nem li o artigo, porque vocês estão me entrevistando no momento de produção da revista, mas penso que é importante também sermos retratados, conhecer o olhar dessas pessoas sobre o mundo que os emudeceu tanto tempo. Para isso temos que dar espaço, ouvidos e atenção para nos aproximarmos como pessoas, com nossos códigos e corpos, mas não só a representação desses corpos, mas o olhar desses corpos sobre todos os corpos, seus e dos outros, e sobre mundo.
PH - Aspas para um de nossos artigos: “É assustadoramente vazio viver em um mundo rodeado de imagens e não se sentir parte delas. Concordo com a curadora negra Luciana Ribeiro, quando nos lembra que o desejo pela própria imagem faz parte da nossa construção e da nossa individualidade e humanidade.” Estamos em uma corrida pelo Corpo, a busca pela legitimidade? Como trazer mais ainda esse discurso para a discussão mais ampla? IC- Como disse antes, corrigindo essa violência da exclusão. PH - Por falar em linguagem, o corpo é mais uma metáfora ou uma metonímia? Ou seja, o corpo é um território onde se inscreve o sofrimento e o prazer, ou é mais um discurso, um símbolo e palavra? O que faltamos decifrar nessa representação, nessa esfinge, que é do corpo? IC- Gosto muito de pensar como Galeano, que “o corpo é uma festa”. O corpo tem uma linguagem própria com sua forma, cor, cheiro, movimentos, volume, sintomas. O corpo é simbólico, tangível e intangível. Mas nesse período de pandemia o corpo, do outro, é uma ameaça, uma bomba capaz de aniquilar os outros. Essa é a representação do corpo do outro para mim, nessa pandemia. A minha fotografia busca essa estética, esses limites, que não são coo teorias, são emoções carnais, e doem do tanto que dói a vida. 35
ensaio
“mulher de toda cor fala sobre resistência, sobre fantásticas mulheres que existem, mulheres que, mesmo aparentando serem fora do real, ainda, sim, permanecem em terra e são realizadoras. São mulheres que, além de tudo, levam a natureza consigo. este é um olhar e um movimento que mostram quem somos, sob as cores, sempre levando em conta a fluidez de tudo o que existe dentro de cada uma de nós.”
por onde tudo flui por Raiz de Maria 36
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exposição
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por Renata Victor e Yêda Bezerra de Mello exposição virtual por Natália Albuquerque 47
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se um viajante... Unicaphoto visitou a exposição “Andando pelo mudo afora” das fotógrafas Renata Victor e Yêda Bezerra de Mello, na plataforma Artsteps [https://linktr.ee/duogaleria]. Renata Victor e Yêda Bezerra são artistas visuais experientes, com raízes no fotojornalismo (ambas foram editoras de fotografia de jornais e revistas). Porém, o resultado dessa exposição tem pouco a ver com esse ponto de partida. Aqui interessa mais o ponto de chegada. São imagens itinerantes. De viagem. Não de turismos. Viajar é uma coisa: viajar com uma fotógrafa é outra. Viajar, a fotógrafa, viajarem as fotógrafas, é algo mais distinto ainda. Essa exposição é a verdadeira viagem. Uma metonímia e metáfora de se estar em trânsito, mesmo em tempos de congelamento. Na entrada, o texto de parede aponta para algumas singularidades:
a precisão das imagens de Renata Victor e a “poesia” nas imagens produzidas por Yêda Bezerra. Quem visita a exposição poderá tirar outras as mesmas conclusões. A nossa é de que o texto de apresentação acerta quando fala do caráter contemporâneo das imagens e nisso há casos positivos nas duas poéticas. A exposição foi montada por Natália Albuquerque e, com o tempo, nosso olho vai catalogando aquelas espécies e lugares e detalhes, de modo que, ao sair, jogamos fora as plaquetas. Não sei se essa foi a ideia da curadoria. As duas viajantes oferecem o mesmo: não interessa para onde: sempre estamos no mesmo lugar. A silhueta de um homem solitário
em (uma) exposição, comprimido pelo relógio, em Nova Iorque, na foto de Renata, divide a sala com homens de pedra, provavelmente em Milão, no topo do mundo, ou mulheres-gigantes em portais, nas imagens de Yêda, para mencionar um dos nichos. De fato, Renata prefere a cena mais urbana do mundo afora. Mas o que dizer da imagem da outra sala, um veteran car esmeralda, sob a noite vermelha? A moça perto de mim comentou: “Essa cena me lembra Drummond”. O senhor ao seu lado quis saber mais. E ela comentou baixinho, se afastando: “stop/ a vida parou/ ou foi o automóvel?/” 49
Andando pela vida afora: vistas da exposição virtual organizada por Natália Albuquerque, para a Duo Galeria, leiase: as fotógrafas Renata Victor e Yêda Bezerra de Mello. [Foto: Fernando Neves]
Pensei outra vez nos pontos de partida e de chegada e no texto de parede. E nas ilhas soníferas de Yêda, como aquela ilha de Konstantinos Kaváfis: “Quando partires em viagem para Ítaca/ faz votos para que seja longo o caminho,/” Vale a pena, depois de visitar tudo, se sentar diante do mar defronte ao módulo que abriga a exposição e notar como essas atmosferas se misturam. O vidente aqui não sabe se Yêda e Renata fizeram alguma vez uma viagem juntas. Não importa. Os viajantes que somos, flanadores e flanadoras, já roubamos essa “experiência” das fotógrafas. Me lembrei do ditado: “Quer conhecer alguém? Viaje com esse alguém.” Aqui, cabe um corolário: “Quer conhecer alguém, peça pra ver suas fotos de viagem”, eu pensava. Estava nisso quando o homem e a mulher saiam da exposição. Já não me pareciam tão estranhos. Viajantes, andarilhos, vagantes, se reconhecem por aí, andando pelo mundo afora. “Andam por andar somente, não necessitam de nada”, acenou para mim Cecília Meireles. Nota técnica: A plataforma, se é assim que se chama, Artsteps, ainda é muito “dura”, mas isso não estraga a visita. Tive dificuldades de me locomover ali e por três vezes acertei a cara em alguns quadros. Contudo, isso foi bom, porque verifiquei de as etiquetas me levarem a linques onde se pode ver as dimensões reais das fotografias e como adquiri-las, no site Duogaleria, leia-se: www.duogaleria.com
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Andando pela vida afora: vistas da exposição virtual organizada por Natália Albuquerque, para a Duo Galeria.
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invisíveis Por Marconi Cordeiro e Tifanny Valente 55
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Edmond Husserl, o filósofo e fenomenologista, defendia que o corpo é o ponto-zero de referência. É partir desse marco zero que nosso mundo consciente se organiza. Essa consciência está naquilo que cheiramos, escutamos, vemos, tocamos. O corpo é o meio para se entender o mundo. Mas isso já Marleau-Ponty. Cheguemos mais perto. Há ainda elementos do mundo da psicologia, da percepção, que no mundo da trívia nos mostra em documentários científicos e filmes cult: os indígenas não viam as primeiras caravelas. Cheguemos mais perto ainda. Esse ensaio de Marconi Cordeiro e Tifanny Valente tentam, pela repetição, pela repetição, pela repetição, enfrentar certo deslocamento do olhar: as pessoas e a paisagem. A partir de técnicas de sobreposição, comuns à linguagem do vídeo, os autores fotografaram a paisagem do Recife atual, mas sempre antigo em desigualdades. Esse deslocamento tem viés de consciência e conscientização, fenômeno perceptivo e social, ao mesmo tempo. A partir do fato real, perceptual, e aponta para um tipo de cegueira social. Não são fotógrafo e fotógrafa de paisagem. A paisagem serve para definir a relação do eu com o outro eu, o mundo. A história da fotografia ensinou isso aos autores deste ensaio. Não são, contudo, simplesmente fotógrafos documentais. Eles assumem a caráter experimental do trabalho. Algo do experimento de repetições de René Magritte? Sua mão pintando o Império das Luzes na rua das Mimosas? O experimento desses autores se passa no Recife dos anos 2020 e não nos anos 1950. Suas inspirações chegam mais perto: “A fotógrafa Diane Arbus nos serviu de grande influência para criar retratos do que a sociedade evitar enxergar, o que é posto como ‘invisível’”, comentam. Mas há mais aproximação ainda da fotografia social, contemporânea: 57
“Aline Motta nos ajudou a pensar mais sobre discutir questões de invisibilidade.” Eles estão falando da artista visual e seu vídeo “Poupa tempo” (2’47”, 2015), onde se vê com clareza a inspiração da cultura do vídeo, neste trabalho publicado em Unicaphoto. “Corpos se tornam uma massa amorfa, sem identidade, subrepticiamente integrados à paisagem urbana.” Esta fala é da artista Diane Arbus, no seu site, sobre o vídeo que inspirou Tifanny e Marconi. Mas este trabalho inova porque é experimento feito por repetições. Assumidamente. Sem a repetição, esqueça a ciência. A fotografia. “Buscamos estabelecer um campo de alusões para um trabalho fotográfico”, dizem Tifanny Valente e Marconi Cordeiro. Alusão é uma referência vaga, enviesada, sem foco, sobreposta. é parte de uma retórica. Não tem a força do axioma. Se sustenta, quem sabe, nos paradoxos. O Brasil é país das alusões. E da fome. Recife é a capital das alusões. E da fome. Pessoas em estado de risco no Recife fazem parte desse deslocamento de retina, de retícula, da pele, do corpo, do tecido social brasileiro. Os artistas preferiram correr riscos. Cheguem mais perto. A repetição é a monotonia. A monocromia. A paisagem cinza, onde se pode ver, no nada, uma cidade invisível aparecer sob as camadas e camadas de outros nadas. Venham para mais perto. Onde o inverossímil se torna verossímil. O invisível, visível. A pessoa, a paisagem. O plano, o fundo. Sob o som angustiante do arrulhar de pombos, ao meio dia, onde um rosto humano, demasiado humano, comparece para a fotografia. Mais perto: o ponto-zero. Bem perto: a estalar da consciência. Um estranho Ecce homo.
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E se expandíssemos interpretação que fazemos sobre as imagens fotográficas, de forma tentarmos transcender a superfície estética da representação e da materialidade discursiva? Nos sobraria um pouco mais de espaço para compreendermos os lugares, as vivências e as histórias de quem a produziu? Quem esteve por trás daquele olhar, momentos antes do clique e porque escolheu emoldurar apenas aquela cena como forma de expressar uma visão de mundo?
enegrecer olhares, reposicionar presenças Por uma fotografia negra brasileira Por Daniel Meirinho
Para o entendimento das narrativas visuais, temos que perceber algumas estratégias, por vezes ocultas, que fotógrafos/as/es utilizam como canal relacional e expressivo para falar sobre si mesmos com o observador. Estaríamos, assim, desacelerando a frenética forma de observação do mundo para indagarmos se aquela fala, e olhar, estaria autorizada para apresentar aquele contexto ou aquelas pessoas. Qual recusa pode ser feita quando alguém se vê reduzido a uma representação mimética, de semelhança e verdade (DUBOIS, 1989) pela qual a fotografia sempre foi construída? Alguns autores falam que a estratégia passa pela “apresentação” (FERREIRA DA SILVA, 2020), de pôr-se à diante, em primeira pessoa. Tal abordagem implicaria que pessoas indígenas, negras, não-binárias, nordestinas retomassem suas imagens e pudessem recontar suas histórias. Um desfazimento que anularia a necessidade de mediação de olhares curiosos que sempre buscaram reproduzir uma rede de significações normativas e
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de convenções visuais que determinaram a estereotipagem racial do exótico, do diferente, do subserviente, e até mesmo do indesejável e inaceitável, em oposição ao corpo branco, “parâmetro da autorrepresentação dos indivíduos” (NOGUEIRA, 1998, p. 46). Esse resgate possibilitaria a recuperação de outras narrações e outras histórias sobre a existência de pessoas negras e indígenas, quando a fotografia é e sempre foi historicamente uma ferramenta elitista e construída sobre um olhar de expropriação da representação do outro. A questão demarca um ideário político-social estruturante (ALMEIDA, 2019) que dá continuidade ao preconceito sobre corpos racializados e não normativos, vistos e sentidos como assunto/objeto e não como sujeitos. Denise Ferreira da Silva (2020) nos dá pistas para compreendermos a arte contemporânea, particularmente a anticolonial, quando diz que ela se move com o objetivo de contra-atacar essa violência da representação que controla a imaginação e os imaginários atrelados as representações de corpos marginais. As fotografias produzidas por estes artistas assinaram seus marcadores raciais, de classe, gênero, sexuais e territoriais como um arsenal bélico, de
confrontos. Formas de expor na presença de alguém em termos de igualdade, sem serem expostos, pois o entendimento sobre direitos de imagem passa por pessoas “livres” também não aceitarem ser representadas por alguém, além delas próprias. Talvez tenha sido neste ponto que a fotografia brasileira negra venha a buscar sua presença. Não no ato de não apenas representar alguém, mas de afirmar a própria vida de quem a produz sendo manifestada a partir de uma inscrição autobiográfica do seu corpo e das suas vivências, em primeira pessoa. É assustadoramente vazio viver em um mundo rodeado de imagens e não se sentir parte delas. Concordo com a curadora negra Luciana Ribeiro (2020), quando nos lembra que o desejo pela própria imagem faz parte da nossa construção e da nossa individualidade e humanidade. Muniz Sodré (2018) explica essa lógica perversa de não-lugar e não pertencimento, quando diz que o racismo brasileiro é configurado a partir da “saudade” de uma branquitude que olha para o outro como “um objeto em falta utilitária na trama das relações sociais” (2018, p. 15). Algo que está inscrito no nosso subconsciente, sem justificativas racionais ou doutrinárias, mas com o sentimento de que os lugares sociais já estariam
A escritora e ativista negra norte-americana Gloria Jean Watkins, conhecida como bell blair hooks, assim mesmo, em minúsculas. [Foto: bell hooks Institute] 61
socialmente e culturalmente muito bem distribuídos e não sobraria mais espaço para novas narrativas e novos olhares. Se não me vejo, não me reconheço, portanto não pertenço (RIBEIRO, 2020). É deste desequilíbrio de presenças que a história da fotografia se encontra e possibilita a continuidade das estratégias de representação atreladas à construção e difusão do racismo cotidiano que foi criado e cristalizando permanecendo nos imaginários sociais da população brasileira. Mesmo compreendendo que sub-categorizar os indivíduos pela raça sempre foi, e continua sendo, uma ferramenta de poder da branquitude, é importante debatermos a ênfase de uma fotografia negra brasileira. O fotógrafo que se identifica como negro indica nas suas imagens o seu lugar de fala,
“Jota Mombaça é uma bicha não binária, nascida e criada no Nordeste do Brasil, que escreve, performa e faz estudos acadêmicos em torno das relações entre monstruosidade e humanidade, estudos kuir, giros descoloniais, interseccionalidade política, justiça anti-colonial, redistribuição da violência, ficção visionária e tensões entre ética, estética, arte e política nas produções de conhecimentos do sul-do-sul globalizado.” [Foto e texto do site www.jotamonbaça.com]
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e traduz politicamente a urgência de um debate racial no seu tempo e na sua história (NASCIMENTO, 1978; MUNANGA, 1986; MBEMBE, 2018; hooks, 2019). Omitir a raça ou a etnia de quem produz essas fotografias pode contribuir para apagar e vedar uma pluralidade de olhares e perspectivas, pois se eles não se posicionarem quem irá? Lembramos que no Brasil não há interesse no diferente do que sempre foi imposto ou no outro, especialmente quando já arquitetaram um entendimento palatável do que seria uma identidade brasileira miscigenada. A fotografia em sua crise identitária de reconhecimento entre linguagem artística e registro documental (ROUILLÉ, 2009; ENTLER, 2009), tem ignorado o debate sobre representatividade e a presença de fotógrafos negros nos festivais e mostras nacionais de fotografia, que atrasaram e muito uma necessária discussão sobre autorrepresentação. As estratégias de resistência e olhares internos negros e indígenas sempre existiram no esforço de fixar novos significados que contestam a repetição das fantasias racistas, mas nunca tiveram visibilidade. Basta reconhecermos uma presença ampla de fotógrafos populares, que retratam famílias e agendas culturais locais nas periferias, quilombos e aldeias indígenas brasileiras, que foram reduzidos ao anonimato e a clandestinidade dos cultos e rituais ou ao conceito das artes “populares, e que nunca ganharam o cubo branco (MUNANGA, 2019). A vivência negra brasileira, que demarca a sistematização de suas experiências de corporeidade ancestral, histórica e cultural, sempre passou por uma construção fotográfica de narrativa e legitimidade do olhar branco (MEIRINHO, 2020). E quando os lugares de fala (RIBEIRO, 2019) ou de enunciação (BERNARDINO-COSTA e GROSFOGUEL, 2016) são questionados, o desconforto curiosamente parece ganhar mais força do que a representatividade e a inclusão de fotógrafos negros no cenário local. Como Jota Mombaça (2021) coloca, a crítica tendencialmente branca insiste em identificar esse reconhecimento, de forma muito agressiva, como uma prática de censura “na medida em que os ativismos do lugar de fala supostamente desautorizam certos corpos (nomeadamente os brancos, cisgêneros, heterossexuais, etc.) a falar” (MOMBAÇA, 2021, p. 36). A pensadore e artista negre, nordeStine e não-binárie, nos alerta sobre as contradições intersubjetivas de como algumas alianças brancas, que são estabelecidas na luta antirracista por maior representatividade, visibilidade e circulação, geram
armadilhas que se fecham em uma certa expectativa à cumprir, ou que a existência de fotógrafos negros venham a se alinhar aos privilégios de raça, classe e gênero hegemônicos. Uma estratégia de “reciclagem pós-colonial” que valida um regime de verdade que até hoje determina quem enuncia e quem continua a ser o representado. Ainda não se estranha essas ausências e não se aceita a possibilidade que a representação sobre corpos negros e indígenas, e suas problemáticas, seja feita em primeira pessoa, como uma estratégia de apresentação (FERREIRA DA SILVA, 2020). Esse é um momento de revisão e ajuste e não temos mais desculpas para dizer que esses outros olhares não existem. Reconhecemos que a complexidade da discussão sobre uma fotografia negra brasileira, pois não existe uma fotografia e uma fotografia negra, em paralelo. Apesar da importância de sua ênfase e lugar de fala, também é redutor encaixotar e limitar o artista fotógrafo negro a falar apenas de questões raciais pelo simples fato de ser uma pessoa negra. Ainda se tematiza se colocarmos essa produção ali, ao lado, limitada a um espaço, ou com visibilidade em apenas um mês. Se não fazemos essa cobrança na fotografia feita por pessoas brancas, um fotógrafo negro têm o direito e liberdade de falar de suas experiências de vida, sem a exigência de seu trabalho ter um enfoque racializado. A fotografia negra vem coabitar um lugar de reconhecimento de diversidade de vozes e estabelecer um debate a partir de como cada pessoa olha para si mesma e para o outro em sua subjetividade. Não mais como um objeto ou assunto a ser capturado e exposto, mas como uma tentativa de inscrever um novo ordenamento e reestruturação de narrativas invisibilizadas e silenciadas.
O projeto Olhos Negros como um novo ato fotográfico Em um movimento narcisístico inverso, tão abordado na história da fotografia por Rosalind Krauss, Susan Sontag, Roland Barthes, Margarida Medeiros, Boris Kossoy, Luana Navarro, entre outros (RIBEIRO, 2020), as imagens fotográficas propõem simbolicamente uma liberação do encantamento que condenou e impediu a branquitude de se reconhecer de forma afetiva além do seu próprio reflexo. Como aponta em suas pesquisas Vilma Neres (2021), a consolidação, mesmo que ainda muito restrita, da
Figura 1: Perfil do projeto Olhos Negros no Instagram
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arte afro-brasileira repercute hoje com a existência de fotógrafos como Walter Firmo (1937), Eustáquio Neves (1955), Lita Cerqueira (1952), Lázaro Roberto (1958), Dora Souza (1957), Sónia Chaves (1952) e Januário Garcia (1943-2021). Assim, jovens fotógrafos e artistas como Rosana Paulino (1967), Aline Motta (1974), Ana Lira (1977), Marcela Bomfim (1983), Gê Viana (1986), Silvana Mendes (1991), entre muitos outros e outras têm ampliado suas presenças nos espaços de legitimação e validação artística. Suas imagens têm influenciado diretamente na articulação de arranjos coletivos que buscam o adensamento da complexidade visual em torno do racismo contemporâneo. A riqueza de abordagens estéticas propostas pelos fotógrafos negros contemporâneos nas redes sociais digitais e nos espaços institucionalizados da arte buscam abordar a negritude da sua pluralidade de formas e representações. Com uma maior exposição de fotógrafos negros nos espaços de arte e nas redes sociais, tem se ampliado a visibilidade, o interesse e investimento de instituições, colecionadores, ativistas e entusiastas das múltiplas e interseccionais formas de representação fotográfica (PATTON, 1998; POWELL, 1997). Figura 2: Postagem do perfil do fotógrafo negro Gabriel Lima (BA)
Figura 3: Postagem do projeto #EmMemória sobre a fotógrafa camaronesa Ginette Daleu
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Como forma de compreensão do cenário da fotografia negra contemporânea brasileira e de perceber os significados e simbolismos manifestados a partir das imagens, o projeto Olhos Negros: Visibilidades e alteridades na fotografia negra contemporânea brasileira se juntou, em 2020, à iniciativas que já aconteciam como a do Coletivo Afrotometria, [Ver mais em https://www.afrotometria.com.br], do Projeto Afro,[Ver mais em https://projetoafro.com], Negras[fotos]grafia, [https://www.instagram.com/ negrasfotosgrafias/] e o projeto Fotógrafas Negras [https://www.instagram.com/fotografasnegras/] na tentativa mapear, catalogar e inventariar estes produtores fotográficos negros e que atuam nos diversos territórios do país. A pesquisa é desenvolvida pelo Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e busca ampliar debate sobre decolonialidade, fotografia, questões raciais, estigmas e cultura visual e identificar a partir de entrevistas e análises visuais questões de identidade, representação e resistência racial que recaem sobre as imagens. A investigação é coordenada pelos professores Daniel Meirinho e Rodrigo Almeida, com a colaboração de alunos e alunas dos cursos de Jornalismo, Audiovisual e Publicidade e Propaganda, da UFRN. A pesquisa tem uma base de dados de mais de 120 fotógrafos/as/
es negros/as/es entrevistados e divulga semanalmente em seu perfil no Instagram [Ver mais em https:// www.instagram.com/projeto.olhosnegros/] (Figura 1) o trabalho de fotógrafos de todas as regiões do Brasil que participam do mapeamento (Figura 2). Compreendemos essa movimentação de circulação e partilha de saberes como uma experiência de aquilombamento, proposto pela historiadora Beatriz Nascimento (2006), que busca construir visualmente mundos e referências a partir de uma agregação de forças e amparo de um conjunto de indivíduos que não se sentem apoiados pelas políticas de inclusão e visibilidade. São tecnologias ancestrais e práticas de resistência decorrentes dos ambientes de militância do movimento negro que dão vida à ações coletivistas a partir do acolhimento das diferenças, das singularidades e dos pensamentos, em espaços como o proposto pelo projeto de pesquisa. Uma vez por semana ainda o perfil do projeto ainda publica referências teóricas e bibliográficas relevantes para a área, projetos coletivos que utilizam a fotografia como linguagem expressiva e #tbts do projeto #EmMemória, com perfis de fotógrafos negros que tiveram uma atuação marcante na história da fotografia mundial (Figura 3). Todas as terças-feiras são realizadas reuniões de planejamento e encontros do Grupo de Estudos com o debate de textos e obras relevantes para o tema da fotografia e da arte afro-brasileira, negra e diaspórica. Com o foco na troca de experiências com o público externo à universidade, acontecem os Encontros.ON, toda a primeira semana de cada mês. Fotógrafos/as/es, realizadores/as/es, cineastas e artistas visuais negros/as/es são convidados para conversas virtuais sobre a produção e a circulação de seus projetos autorais, ampliando o debate em torno da complexidade da produção e da representação fotográfica negra contemporânea em âmbito nacional. O projeto Olhos Negros busca tencionar a universalidade que demarca esses lugares de apagamento na fotografia brasileira. Assim, apesar do racismo ser uma questão estrutural e estruturante no Brasil (ALMEIDA, 2019), as experiências sobre a vivência da negritude ocupam distintas trajetórias. É percebido um conjunto de múltiplas estruturas que atravessam os fotógrafos negros brasileiros, desde a demarcadores territoriais de contextos urbanos e rurais à questões que cruzam questões de classe, raça e sexualidade, ancestralidade, geolocalização, matrizes identitárias afroindígenas e mestiças, entre muitos outros atravessamentos interseccionais.
Basta uma virada de pescoço nos festivais de fotografia ou em qualquer vernissage para atestar a presença majoritária de pessoas brancas. Os dados coletados pelo mapeamento apontam que de 122 fotógrafos entrevistados, 39% dos fotógrafos atuam no Nordeste e 32% residem na região Sudeste, sendo ainda uma escassez de participação de fotógrafos do Norte (8%) e do Centro-Oeste (8%). De acordo com a pesquisa, apenas 20% já tiveram a oportunidade de exibir seus trabalhos em mostras, festivais, galerias e exposições físicas ou online, enquanto 80% nunca conseguiram expor suas fotografias, além das galerias nas redes sociais. Esse dado evidencia uma dimensão da exclusão existente para alguns grupos dentro do circuito da fotografia nacional e acende um alerta para a centralização de atuação destes artistas e profissionais no Nordeste e Sudeste do país. Sem nem refletir sobre a migração e quantidade de oportunidades o circuito Sobre a formação e educação visual dos participantes, 79% já fizeram algum curso na área da arte e da fotografia, desde workshops, oficinas, cursos de extensão e de curta duração. Os dados apontam para que apenas 40% dos participantes cursam ou tem o ensino superior completo. O fato representa a tendência para uma formação técnica em fotografia, mas não revela um maior acesso à universidade. A pesquisa cita que a fotografia continua ainda a ser eminentemente masculina (59%) ao se comparar ao número mulheres fotógrafas (40%). O contexto de desequilibro de gênero piora quando se fala de pessoas negras travestis e transexuais, em que apenas uma pessoa fez parte da coleta. Enquanto alguns números comprovam a escassez dos acessos da representatividade de gênero, classe social e sexualidade, do grupo de 122 entrevistados, 82% apontaram ter começado a fotografar em 2014, configurando o quesito etário por um grande número de jovens atuando na fotografia negra brasileira. Sobre suas imagens e gênero fotográfico, 63% 65
afirmam produzir fotografias documentais, 62 % declara possuir uma produção artística autoral e 54% diz ter que suas fotografias são ativistas, ideológicas e sociais. Essa questão trata-se de um movimento estéticopolítico que equilibra poderes entre aqueles que representam e aqueles que são representados. A representação permanece sendo uma forma de ecoar as tensões raciais enquanto um compromisso político inadiável na fotografia contemporânea O coletivismo é observado quando a pesquisa aponta que 48% dos fotógrafos têm ou já tiveram nos últimos dois anos a participação em coletivos de artistas, grupos culturais, movimentos sociais e organizações ligadas ao movimento negro. A prática coletiva, enquanto lugar simbólico de troca de vivências, tem se ampliado para a criação de espaços de acolhimento (SODRÉ, 2017) e reconhecimento de corpos racializados plurais (BATISTA, 2019). São lugares de agregação e segurança que fazem esses fotógrafos criarem assentamentos e partilharem experiências e práticas de resistência. Enxergamos como espaços de aglutinação, ou de saída no que Fred Moten e Stefano Harney (2013) apresentam como estratégias de fuga, não territorial física, mas como um programa de existência a partir fugitiva, que desprograma a norma e recria novas performatividades de recusa e opacidade (GLISSANT, 2008).
Notas conclusivas O projeto Olhos Negros está ainda na fase de coleta de dados e análise de resultados, mas já se apresenta como uma plataforma que busca tencionar o estatuto de privilégios e de universalidade da fotografia brasileira reside muito confortável. As poéticas de resistência e de presença estão postas à mesa e revelam a urgência de um debate sobre equidade, demonstrando que reposicionar corpos, subjetividades, lugares e imagens só será possível a partir de um reposicionamento de privilégios. O “dar espaço” ou “dar visibilidade” não pode ser mensurado ou uma moeda de troca para a dimensão negativa de “perder espaço” ou “perder visibilidade”. Quando a fotografia decide usar seu privilégio para partilhar olhares (negros, indígenas, trans, gordos, nordestinos) não deveria haver limites ou condições para essa distribuição. Não são cotas, mas sim formas de todos multiplicarmos nossas perspectivas e presenças.
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flashes
Ontem
por Betânia Corrêa de Araújo
As fotografias deixaram de ser impressas e abandonaram os álbuns e porta-retratos de família, agora vazios. Vazios também estão os cadernos com a narrativa das experiências construídas com palavras. Os diários deixaram de ser escritos. Agora nossas imagens, arquivadas nos telefones móveis, funcionam como testemunho dos nossos trajetos e aventuras. Nossos diários de bordo. Com a capacidade de armazenar milhares de fotografias em aparelhos cada vez mais sofisticados, os aplicativos desenvolvidos com alta tecnologia nos enviam diariamente imagens do passado, arquivam nossos álbuns, escolhem trilhas sonoras para animar nossas viagens e organizam nossas celebrações. Direcionam nosso pensamento. A circulação de nossas histórias acontece não mais nos ambientes privados das nossas casas, de nossas aldeias, mas no mundo do Instagram, do facebook, do tiktok. Uma exposição sem limites espaciais ou temporais. Bilhões de diários, flutuam sem cerimônia nas nuvens. Nuvens de Babel.
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ensaio
Recife, 29 de maio de 2021 por Arnaldo Sete, Douglas Fagner, Melissa Fernandes e Sérgio Maranhão
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Polícia militar encurrala manifestantes em ato pacífico, no dia 29 de maio de 2021, no centro do Recife. [Fotos de Melissa Fernandes]
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A policia impede que a manifestação pacífica siga, em fila indiana, por conta das medidas sanitárias; e isola a avenida Guararapes. Momentos seguintes, os policiais avançam contra os manifestantes e começam os disparos, o uso de gás lacrimogênio e as prisões. Arbitrárias. [Foto de Arnaldo Sete]
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O sinal estava fechado para a livre-expressão naquele 29 de junho. Entre muitos protestos naquele dia, somente no Recife tivemos episódios de violência policial. [Foto de Douglas Fagner]
Outra vítima da violência: o trabalhador Jonas Correia de França, de 29 anos. Atingido no olho esquerdo, sem chance de recuperação. Segundo as autoridades, a autorização não partiu do governo de Pernambuco. E de quem? [Foto de Arnaldo Sete]
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Acima, duas fotos de Arnaldo Sete e, abaixo, foto de Sérgio Maranhão. Em todas, cenas que transformaram o centro do Recife em uma campo de guerra bem desigual.
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O trabalhador Daniel Campelo, 51 anos, atingido por bala de borracha disparada pela Polícia Militar, perdeu a visão de um dos olhos, durante repressão às manifestações pacíficas contra o presidente Jair Bolsonaro. [Foto de Sérgio Maranhão]
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performance
olho por olho por Flávio Costa 74
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Foto: Flávio Costa
dente por dente, imagem por imagem Engajamento, do francês Engage. A palavra nasce quase junta ao existencialismo de Sartre, lá pelos nos anos 50, 60 do século passado. Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi desses que mudou bastante de opinião durante a vida e isso caracteriza mesmo o fazer filosófico. Vai para além do cafezinho cult da TV. A palavra “engajamento” hoje pulula nas redes sociais. É preciso não só se engajar, mas engajar alguém. Converter. Converter-se a si próprio até, se isso é possível, se nos lembramos do garçom, de O Ser e o Nada, desse Sartre, para lembrar café & filosofia. “Estamos o tempo todos engajados, desempenhando papéis”, dizia o filósofo. E os não-engajados estão mais engajados ainda, dizemos nós. Se um fotógrafo, em tempos atuais, escolhe fazer arte pela arte, um tipo de purismo estético e asséptico, deve estar consciente de sua opção afetar o mundo em volta, a política em volta, a volta dos piores regimes, a volta do parafuso. Ninguém está isento. Nem passa impune. O fotógrafo e performer Flávio Costa entendeu isso rapidamente, diante do abuso de poder, durante as manifestações contra Jair Bolsonaro (veja o ensaio “Recife, 29 de maio de 2021”. Na página XX). Engajou-se, mediou e liderou ato de arte política que viralizou nas redes sociais. “Em relação à performance, esse foi o meu primeiro trabalho, onde pensei, planejei todas as ações e deixei de registrar a ação para ser o ator, nela.” Há tempo, Costa dirige seu trabalho de artista visual à luta contra a violência, aos conflitos no campo, contra a exploração sexual de crianças. A ação que tomou as redes naquele sábado foi ato de arte pensada. Sem intenção, não há arte. A performance reflete seu engajamento político, na vida real. @flaviorcosta é também Flavio Costa. Pessoa e persona (eis outra palavra ululante na boca dos estagiários de marketing das redes) no mesmo corpo. Claro: Flávio Costa não lida com os likes das redes senão para reforçar seus atos artísticos e políticos. Hoje, 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia, ele tem perto de 60 mil seguidores no Instagram. 76
Não se considera um influencer. É um artista, um fotógrafo. Sabe das responsabilidades do engajamento e da representação. Sempre vivemos em rede, hoje mais ainda, e a luta é pela sobrevivência virtual, a “supremacia da imagem”, do avatar, um tipo de cabeça sem corpo, onde conta mais a audiência para uma espécie ainda não totalmente catalogada de emoção. Pensando nisso, perguntamos ao fotógrafo, pelo WhatsApp, durante a edição desta matéria: “É possível de as pessoas terem se comovido mais vendo fotos de sua performance que mesmo com fotos do fato em si, de pessoas atingidas durante o protesto de 29 de maio? O que sensibiliza mais as pessoas hoje? A metáfora ou a realidade?” “A realidade será sempre mais impactante,” respondeu Flávio. “porém a arte, neste caso, através da performance, tem o poder de intensificar essa realidade. Na minha performance eu coloquei 100 pessoas representando as vítimas das atrocidades da PM e esse volume de pessoas, com “sangue no olho”, sensibilizou bastante as pessoas. Isso teve grande repercussão nas redes sociais.” “Olho por olho”, de Flávio Costa, acorreu no dia19 de junho de 2021, no Recife. Marcou não somente a estreia do fotógrafo na arte performática, pública. “Funcionou” mais que listas e abaixo-assinados. Nada contra. Melhor que centenas de notas de repúdio e posts de Facebook. Alterou a vida das pessoas. De fato. A ação deve estar ainda tocando pessoas nas redes. Suas imagens podem ainda influenciar fatos sociais e políticos, como as eleições de 2022. Se isso não for arte, que no geral não tem utilidade alguma, passa a buscar outros significados. E a fazer muita gente refletir e encarar, nos perfis, a vida de frente.
Olho por olho: multiplicações: efeito viral nas redes, contribuiu para alteração dos fatos, na vida real. A foto que aparece nas postagens é de Marlon Diego
“Antes mesmo de começar a performance eu já havia alertado os seguidores de que eu faria algo nas manifestações. Na minha primeira postagem no Twitter foram mais de 80 mil interações. Durante a performance, a ideia era ser fotografado e não fotografar. Então o fotógrafo Marlon Diego fez uma foto minha que em pouco tempo viralizou na internet. Perfis no Twitter e Instagram com milhões de seguidores, começaram a postar e retuitar. Pessoas na manifestação postando em suas redes e jornais como o El País falando sobre a performance contribuíram para espalhar ainda mais. Mais de um milhão e oitocentas mil vizualizações. [...] Dias depois caiu toda a cúpula da PM responsável pelos ataques e os policiais envolvidos foram afastados, devido a grande repercussão. Quero acreditar que contribui um pouquinho e, dessa forma, me senti ‘vingado’: olho por olho.” Flávio Costa, jornalista, fotógrafo, performer 77
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Foto: Flávio Costa
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Foto: Luciano Costa
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o ouro de Oxum por Jéssica Lopes
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Jéssica Lopes, mulher negra, mãe, casada com uma mulher incrível, estudante de fotografia na Unicap, Educadora social e produtora Cultural nas Coletivas Espaço Cultural das Marias e Periféricas. O trabalho “O ouro de Oxum” faz parte de um projeto da Coletiva Espaço Cultural das Marias (@espacoculturaldasmarias) chamado “Cultura de Favela”, onde o intuito é compartilhar, enaltecer e ajudar na visibilidade dos trabalhos de artistes e artesãos, negres, Lgbtqia+, favelades, da comunidade do Ibura. Essa é uma performance de Lua Maria, que traz sempre na sua dança a busca, o reconhecimento e o reencontro com a ancestralidade.
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azul de tão preto artigo
Noir-Blue - deslocamentos de um dança, de Ana Pi por Elysangela Freitas A dança negra existe, aliás, é a única que tem uma cor. Ana Pi Mineira de Belo Horizonte, Ana Pi é uma artista coreográfica e da imagem, pesquisadora das danças urbanas, dançarina contemporânea e pedagoga. Graduada pela Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia – Brasil, em 2009/10, estudou no Palácio das Artes em Belo Horizonte e no Centre Chorégraphique National de Montpellier, na França, formação EX.E.R.CE, sob a direção de Mathilde Monnier. Ana performa e palestra, com apresentações realizadas na América Latina, na Europa e na África. Por meio de seu trabalho e como resultado de suas pesquisas, ela também se interessa pelo desenvolvimento de uma prática pedagógica, concebendo um diálogo mais direto com o público. Assim, dentro deste processo, ela ministra oficinas de dança, baseadas no que vem desenvolvendo, chamadas de Corpo firme: danças periféricas, gestos sagrados, onde as danças originárias das periferias das grandes cidades, também conhecidas como danças urbanas, se relacionam intimamente com gestos sagrados presentes na Diáspora Negra.1 Seu interesse é pelas danças que emergem nas periferias das grandes cidades do mundo, ditas também danças urbanas, danças de rua, ou ainda, street dance. Um encontro em que a dança, enquanto linguagem, transmite conhecimento, emoções e imagens através do corpo e de seu movimento.2 88
Noir-Blue, espetáculo de dança solo Foto: Daniel Nicolaevsky
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A artista se apresenta como uma pessoa curiosa, um corpo atento às coisas do mundo. Sua prática criativa e pedagógica passa pelo trânsito, o deslocamento, o pertencimento, a sobreposição, a memória, as cores, as ações ordinárias e seus gestos. Para Ana Pi: A diáspora negra forçada em direção às Américas durou cerca de 400 anos. Em outro terreno e sob a opressão do contexto, esta imensa massa humana em deslocamento teve a perspicácia de dançar. Compreender esse impacto oferece a oportunidade de viver de modo diferente as danças emergentes de zonas periféricas das cidades, ditas danças urbanas. A pesquisa coletiva sobre a adaptação, groove, improvisação e freestyle são a base desta prática. Dançar em roda, ativar pés, bacia e olhos são aqui percebidos como gestos sagrados, produtores de expansão em permanência.3 Em 2017 Ana Pi cria Noir-Blue, espetáculo de dança solo, e, estreia o seu primeiro filme intitulado NoirBlue – deslocamentos de uma dança (27min) , gravado em 2016 em 9 países da África (Níger, Burkina, Mali, Nigéria, Angola, Guiné Equatorial, Costa do Marfim, Etiópia e Mauritânia). A viagem para os países africanos da África sub-saariana, ou África Negra, aconteceu em 2016 no meio do processo de criação do espetáculo Noir-Blue. Em sua pesquisa, a que ela chama de exercícios de pertencimento, Ana queria entender o conceito de dança negra e de como poderia trabalhar de uma forma mais aberta, colocar juntas danças que são de contextos totalmente diferentes, como uma dança de cerimônia e uma dança de batalha, estava preocupada primeiro em fazer o espetáculo de dança. Ana conta que: Durante a viagem fui fazendo aqueles experimentos (...) e encontrei pessoas que foram me dando mais informações sobre danças negras. Então tudo foi ficando mais rico, e foi nesse momento que resolvi pensar nessa expressão racista “azul de tão preto”. Foi uma questão que me coloquei: como eu criaria uma dança “azul de tão preta”? 4 4 de agosto de 2016 retornar <> revenir, mais um exercício para essa criação (azul) em deslocamento. Ontem em Paris, ao som da super 8 de Indira Dominici, dancei aqueles gestos trazidos de África, das 9 cidades percorridas em junho e julho desse ano. Dentro do meu tênis ainda tem areia da Mauritânia, percebi. Coberta pelo meu tecido eu 90
As fotos que acompanham este artigo são frames do documentário NoirBLUE – les déplacements d’une danse (Deslocamentos de uma dança) (2018, 27’, realizado por Ana Pi)
NoirBLUE, espetáculo de dança solo
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Nouakchoot/Mauritânia Luanda/Angola
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Malabo/Guiné Equatorial Lagos/Nigéria
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pude ver mil rostos. Nas ruas desertas desta cidade atual eu dancei gestos daquele pertencimento, no vazio deste espaço tudo era abundância dentro do meu movimento, me bastava só fechar os olhos e todo mundo estava ali comigo.5 Aujourd’hui elle existe cette danse bleue qui dérive de la noire. Hier j’ai dansé sans peur, dans l’obscurité. On était là, le son, la lumière et le mouvement, ensemble à se voir et s’écouter. Les yeux devant moi étaient, eux aussi, luminescents. J’ai sentais leur vibration curieuse. Je suis partie et ça vibrait encore, c’est ça que je voulais faire sans concession. La liberté est bleue.6 Hoje existe essa dança azul que deriva da negra. Ontem, dancei sem medo no escuro. Estávamos lá, som, luz e movimento, juntos para nos vermos e ouvirmos. Os olhos à minha frente também eram luminescentes. Eu senti sua vibração curiosa. Saí e ainda estava vibrando, era isso que eu queria fazer sem compromisso. A liberdade é azul. (tradução livre) Já o filme NoirBlue – deslocamentos de uma dança, disponível no site da artista (https://anazpi.com/ noirblue-doc/), surgiu um pouco por acaso. Ana só percebeu que tinha um filme muito tempo depois de voltar da África, quando o Facebook lhe mostrou as lembranças, por meio da amostra de pequenos vídeos diariamente. Assim, o filme foi realizado de forma independente, com poucos recursos, uma câmera e sem equipe. Inicialmente as imagens foram feitas com o objetivo de compartilhar a experiência da viagem com pessoas próximas e como objeto de observação da pesquisa em dança, e não era visto pela própria artista como “cinema”.7 Narrado em primeira pessoa, o filme é ao mesmo tempo o relato de uma experiência pessoal bem como uma performance. Ana Pi narra e dança o que sente. O mais importante pra mim era contar sobre os pensamentos que me ocorreram por estar ali, daquela experiência, como me senti, que informações que eu tive acesso que não chegam até aqui, ou que não saem de lá, inclusive, diz.8 Ana conhece a África de seus ancestrais dançando, volta a se ligar às suas origens através do gesto coreográfico, se deixa imergir nesse mundo novo, estando dentro dele, em movimento constante. Segundo Le Breton, para nós, seres humanos, não existem alternativas senão experimentar o mundo, ser atravessado e transformado permanentemente por ele, sendo que o mundo é a emanação de um corpo que o penetra. Um vai e vem instaura-se entre sensação das coisas e sensação de si. 94
Enugu/Nigéria
Bamako/Mali
Niamey/Niger
Antes do pensamento, há os sentidos.9 O antropólogo afirma ainda que o corpo é a condição humana do mundo, este lugar onde o fluxo incessante das coisas se detém em significações precisas ou em ambiências, metamorfoseia-se em imagens, em sons, em dores, em texturas, em cores, em paisagens etc.10 E é assim, consciente de seu corpo e com um olhar de dentro, que a artista vivencia e filma essa experiência, com o objetivo de mostrar uma outra África, diferente daqueles relatos explorados pela grande mídia. Em entrevista, a artista afirma: Porque acaba que a maioria dos materiais que a gente tem em imagem sobre África são muito exotizantes, muito expositivos de uma África ritualística, mas totalmente fora de contexto, vista pelo olhar de pessoas que são inclusive céticas de tudo. Ou então mostram a fome, a miséria, os animais selvagens… Quando aconteceu a viagem, já nesse primeiro momento do avião, que está na narração do filme – quando vi todas aquelas pessoas negras, principalmente o piloto e quem estava na primeira classe –, percebi que iria me deparar com uma complexidade, que eu iria ficar ao avesso mesmo. Pensando nessa questão do quão humanos podemos ser enquanto pessoas negras, ou mesmo nessa coisa do status social. Naquele momento eu já percebia que estava indo para um lugar absolutamente humano, humanizado mesmo,e isso foi maravilhoso. (...) Então o deslocamento era isso, um deslocamento visando ampliar a reflexão sobre essa questão de onde viemos e como aquele lugar de onde viemos está. De uma certa forma as imagens dão conta de mostrar como ele está um pouco. Entendo como se fosse uma contação de história, um griot mesmo, acompanhada das imagens.11 Dessa forma, Ana Pi em sua obra constrói contravisualidades, promovendo outras narrativas e incentivando deslocamentos nas formas como aprendemos a ver e a vivenciar o mundo. Na avaliação de ABREU, ÁLVAREZ e MONTELES, As contravisualidades ajudam a questionar o círculo da homogeneização do olhar, no qual os dispositivos de visibilidade formalizam o que é representável e o que não pode ser visto. Trata-se de narrar uma alternativa a outras realidades, onde a presença, em geral invisibilizada do ‘outro’ e de outros contextos socioculturais, é requisitada.12 95
OUAGADOUGOU/Burkina Faso
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Quais as sensações e sentimentos que um gesto provoca em nós e no outro? Quais os outros modos de conhecer o mundo? É possível experimentar-compreender através do puro movimento? Assim, eu conheci Ana Pi, fui atravessada por sua narrativa e sua dança. Poesia. A obra da artista me chama a experimentar outras existências, mesmo sem a presença física naquele espaço. No início do filme, a artista pede a benção dos ancestrais e, ao final da narrativa, aos mais jovens. Ela afirma, ainda, que quando o visível se torna invisível o olho demora a se acostumar e nos convida a imaginar. Então, vamos imaginar e sonhar um passado, um presente e um futuro que dialoguem com os deslocamentos e conexões geográficas afetivas que Ana Pi nos propõe.
https://anazpi.com/author/anazpi/#:~:text=Ana%20 Pi%20est%20diplômée%20de,E.R. Acesso em 29.04.2021. https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/jovenscineastas-mineiros-se-destacam-na-mostra-de-cinemade-tiradentes-1.687754/cineasta-ana-pi-1.687758. Acesso em 29.04.2021. https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobre-noirbluedeslocamentos-de-uma-danca/. Acesso em 29.04.2021.
Notas https://www.institutotomieohtake.org.br/ programacao/interna/noirblue-por-ana-pi. Acesso em 29.04.2021. 2 https://masp.org.br/exposicoes/ana-pi. Acesso em 29.04.2021. 3 https://anazpi.com/corpo-firme-corps-ancre-steady-body-ana-pi/. Acesso em 29.04.2021. 4 https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobre-noirblue-deslocamentos-de-uma-danca/. Acesso em 29.04.2021. 5 https://anazpi.com/author/anazpi/#:~:text=Ana%20Pi%20est%20diplômée%20 de,E.R. Acesso em 29.04.2021. 6 Idem. 7 https://www.hojeemdia.com.br/almanaque/ jovens-cineastas-mineiros-se-destacam-na-mostra-de-cinema-de-tiradentes-1.687754/ cineasta-ana-pi-1.687758. Acesso em 29.04.2021. 8 Idem. 9 Le Breton, David, 1953 - Antropologia dos sentidos. Tradução de Franciso Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. 10 Idem. 11 https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobre-noirblue-deslocamentos-de-uma-danca/. Acesso em 29.04.2021. 12 ABREU, Carla Luzia de; ÁLVAREZ, Juan Sebastián Ospina; MONTELES, Nayara Joyse Silva. O que podemos aprender das contravisualidades?, In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 831-846. 1
Referências ABREU, Carla Luzia de; ÁLVAREZ, Juan Sebastián Ospina; MONTELES, Nayara Joyse Silva. O que podemos aprender das contravisualidades?, In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 831-846. Le Breton, David, 1953 - Antropologia dos sentidos. Tradução de Franciso Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. NoirBLUE – les déplacements d’une danse (2018, 27’). Réalisation : Ana Pi. https://anazpi.com/ noirblue-doc/. Acesso em 29.04.2021 www.anazpi.com. Acesso em 29.04.2021. https://anazpi.com/corpo-firme-corps-ancre-steadybody-ana-pi/. Acesso em 29.04.2021. https://ims.com.br/convida/ana-pi/. Acesso em 29.04.2021. https://www.institutotomieohtake.org.br/ programacao/interna/noirblue-por-ana-pi. Acesso em 29.04.2021. https://masp.org.br/exposicoes/ana-pi. Acesso em 29.04.2021. https://cinefestivais.com.br/ana-pi-fala-sobrenoirblue-deslocamentos-de-uma-danca/. Acesso em 29.04.2021.
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ensaio
betón et photo por André Martins
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É possível pensar não em uma cidade cenográfica, mas em uma cidade absolutamente “fotográfica”, por excelência “photogênica?” Essa é uma das perguntas que se desprende deste ensaio de André Martins. O que busca, na verdade, o fotógrafo de arquitetura? A cena? e menos o acontecimento? Há cidades “performáticas”? Martins fotografou Paris, Dublin, Lisboa, Berlin, Haia, Rotterdam, Munique, Rio de Janeiro, Recife, Bilbao entre outras senhoras, velhas e jovens, outros rostos, outros gestos, outros corpos. Neste ensaio inédito, publicado agora pela Unicaphoto, há essa ideia vertiginosa, o tempo todo, neste ensaio “Béton et Photo”. A primeira palavra vem do francês, e significa “concreto”, “pedra”. O projeto nasceu em 2015, quando o fotógrafo estava no bairro de LaDefense, em Paris. “A característica de “Béton et Photo” é a monocromia das imagens”, diz o arquiteto. “Esta estética é inspirada nas maquetes arquitetônicas, geralmente em papel, cortiça, madeira, acrílico, para analisar a forma, volumetria, escala, ambientes e estrutura dos projetos de arquitetura.” Seu olhar leva vantagem: André Martins é arquiteto, urbanista, fotógrafo e designer. Nota-se aí controle dos pontos de vista. Da perspectiva. O suficiente para confrontar a formação e deformação da imagem. A vertigem. Em minibio enviada para Unicaphoto, registra-se: já superou os 200 mil cliques, em dez anos de carreira. Atualmente, se dedica à pós-graduação em fotografia e audiovisual, pela Universidade Católica de Pernambuco.
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Foto: Danilo Galvão
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Muito se fala do poder transformador da arte e da educação para uma sociedade, mas, diante da amplitude da dimensão histórica, poucas vezes somos capazes de vivenciar os efeitos das sementes que plantamos. Vazantes, pequeno distrito de Aracoiaba, no maciço de Baturité, Ceará, nos mostra uma deliciosa exceção a esse fenômeno. Pouco mais de 4 mil habitantes viram suas vidas serem transformadas por um conjunto de projetos sociais e ações culturais iniciados há pouco mais de 10 anos. Um dessas sementes foi plantada a partir da inspiradora magia e ludicidade do cinema, com o nascimento da Mostra Curta Vazantes, que agora chega à sua 7ª edição. O mês de junho, como em muitos municípios da região, é especialmente importante para o povo de Vazantes. As cerimônias religiosas juninas dividem o coração da população com os tradicionais concursos de quadrilha e, agora, com essa especial visita do cinema, que em um democrático espaço ao ar livre, ilumina a noite com as mágicas imagens projetadas para toda população. Mais que uma mostra de filmes, o Curta Vazantes é um evento, anunciado por toda cidade, esperado pelos brilhantes olhos dos jovens que encontram nos filmes janelas para outros mundos e possibilidades. Quando cai a noite vemos a crescente movimentação, os pequenos comércios se preparam para atender ao público, os moradores timidamente vão se aproximando e, pouco a pouco, a plateia vai se acomodando. Os filmes exibidos são produto de uma minuciosa curadoria, centenas de filmes de todo o mundo são submetidos à mostra anualmente, mas só alguns deles têm a honrosa oportunidade de cruzar fronteiras e tornar palpável o estado de sonho do cinema que se instala em Vazantes.
Curta Vazantes
o cinema tem de ir aonde o povo está por Paulo Souza
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Em 1981, Milton Nascimento e Fernando Brandt cunharam o célebre verso que diz que “todo artista tem de ir aonde o povo está”. E é essa a essência que traduz a Mostra Curta Vazantes, que torna possível o impensável, construindo pontes e superando os obstáculos que cotidianamente são impostos às populações afastadas dos grandes centros. Mais que pontes, a chegada do cinema à Vazantes construiu trampolins, impulsionando e projetando sonhos de muitos daqueles jovens entusiastas da sétima arte. Além de exibir filmes, o evento reúne uma série de oficinas e atividades, apresentando aos jovens da comunidade a possibilidade de fazer, participar e contar suas próprias histórias através do cinema. A cada edição os jovens têm contato com oficinas que, entre tantas temáticas, já apresentaram fundamentos como fotografia, maquiagem, animação, sempre a partir da ideia de uma prática orientada, ou seja, eles realizam seus próprios filmes e os projetam na mostra noturna. Se o contato com o cinema já tem toda uma aura de magia, mais encantadora ainda é a reação dos habitantes aos verem seus rostos, suas ruas, seu povo e suas histórias projetadas na tela grande, contadas por seus próprios filhos, netos, sobrinhos. Lembro-me especialmente de quão simbólico foi chegar à Vazantes e perceber que um dos filmes projetados naquela edição foi resultado não de uma prática orientada, mas desenvolvido espontaneamente ao longo dos meses que antecederam o evento, pelos próprios jovens que frequentaram a Mostra em anos anteriores. Era cristalino, ali uma semente havia germinado. E, tenho certeza de que, se outras 10 edições precisassem ser realizadas até um novo despertar como esse acontecer, a missão social e cultural do Curta Vazantes continuaria valendo a pena. Mas o árido solo de Vazantes parece ser muito fértil e, já em 2018, o documentário Leide, de João Marcos Maia – um daqueles entusiasmados jovens que, anos antes, conheceram o cinema através do Curta Vazantes – foi selecionado e projetado no 28° Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema. No ano seguinte, o jovem diretor realizou Neusa, que também circulou em festivais de âmbito nacional, inclusive fora do Ceará. Bem mais que um espaço de exibição de cinema, a Mostra Curta Vazantes é a materialização do poder transformador da arte, da fundamental importância de sua promoção, onde quer que seja, contra todas as correntes. Os filmes de Vazantes ecoam em nossas mentes sempre alertando que há que se continuar acreditando nas transformações sociais. O cinema das grandes produções, dos milionários orçamentos de Hollywood, é agora também o cinema do João Marcos, de Vazantes, e dos muitos jovens que, como ele, ousarem sonhar através dos filmes. 112
vinculada
Nas vazante lugar onde o nada está c
por P. Pedro Rubens Ferrei Fe y Alegria” (FyA) são duas palavras cheias de magia e vigor, traduzindo, assim, a proposta de “movimento de educação popular integral”, internacional, inspirada na pedagogia educacional jesuíta. Criado na Venezuela, em 1955, esse movimento chegou ao Brasil em 1981 e, nas Vazantes do Rio Aracoiaba, em 2005. Apesar de produzir frutos diferentes em cada terreno novo, FyA nasce de três raízes comuns: a demanda de educação, o apoio da comunidade e a orientação pedagógica jesuíta. Vazantes, distrito de Aracoiaba, semiárido cearense, foi emancipado em 1963, mas, por conta da ditadura militar, o novo município não foi criado, perdendo sua oportunidade histórica e caindo em certo isolamento. Mesmo assim, esse pequeno lugar sempre teve destaque na atuação de educadores, articulando as suas duas escolas públicas, movimentando a comunidade e formando muitas gerações. No entanto, em 2004, houve a ameaça de fechamento de sua escola de ensino médio (Escola João Alves Moreira – Ejam), em razão do baixo número de matrículas (menos de 200) e elevado índice de evasão. Os educadores, junto com as lideranças da comunidade, reuniram-se e criaram um movimento “Vazantes vive” para movimentar a comunidade e defender a escola, além de recorrer também a um jesuíta, filho da terra e educador. Assim, uma série de ações voluntárias e criativas chamaram a atenção de todos e provocaram a visita técnica de uma diretora da Fundação Fé e Alegria do Brasil, para avaliar as condições de criação de uma unidade do movimento no Ceará. O parecer da professora Raimunda Cadó foi determinante: “Se essa comunidade não tem condições para uma unidade
es do rio Aracoiaba, os pássaros cantam, como antes… Foto: Danilo Galvão
ira Oliveira
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O autor desta vinculada, P. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, Jesuíta, é filho de Vazantes, Conselheiro da Fundação Fé e Alegria do Brasil e Reitor da Universidade Católica de Pernambuco.
de FyA, nenhum lugar terá”. E assim aconteceu, com a criação da unidade Ceará da Fundação: os sonhos foram transformando-se em projetos e, os projetos, em realizações, sob a liderança das professoras Francimayre Maia e Antônia Ferreira, sempre contando com apoio de outros educadores das escolas. O movimento criou um dinamismo novo, fazendo surgir várias atividades de apoio escolar (prévestibular, reforço escolar, brinquedoteca, campanha de livros para uma biblioteca, etc.), muitos grupos culturais (flautas, quadrilha, dança regional, balé, maracatu, capoeira, uma pequena banda, dança dos idosos, etc.) e algumas ações de geração de renda (padaria e confeitaria comunitária, fabricação de produtos de limpeza, corte e costura, artesanato, etc.). Todo esse esforço comunitário chamou a atenção e foi reconhecido por instituições de apoio e financiamento, das quais passo a mencionar as principais. 114
Uma organização social alemã (Sozialwerk Brasilienhilfe), fundada pelo jesuíta Padre Günter, aprovou a construção de dois importantes equipamentos públicos: o Centro de Desenvolvimento Educativo e Comunitário (Cedec, 2007) e a Galeria de Economia Solidária e Lazer Comunitário (Galeria, 2010), espaços totalmente diferenciados. Graças a esses investimentos, uma mantenedora jesuíta (Aneas) pode entrar com uma contrapartida financiando os projetos sociais realizados nesses espaços. Significativo também foi o apoio do grupo Prover, da Volkswagen: a doação de uma Kombi possibilitou uma série de atividades e transporte das pessoas, em uma localidade de tão difícil acesso. Outras conquistas da comunidade, nestes últimos 15 anos, merecem destaque, associadas, direta ou indiretamente à atuação de FyA e ao protagonismo dos educadores: primeiro, a escola estadual (Ejam), antes ameaçada de fechar, uniu-se a outra unidade vizinha e foi
Foto: Alex Costa
atuando desde 2014 (em junho, aniversário do FyA Vazantes) e, segundo, a experiência do Voluntariado Universitário, reunindo estudantes de universidades jesuítas da Espanha e de Pernambuco (parceria da Unicap, Instituto Humanitas e Magis Brasil, experiência que se repete durante todo o mês de julho). No desafiador ano de 2020, FyA Vazantes completou 15 anos, com um grande legado, mas teve que cancelar muitas atividades por conta da pandemia. No entanto, por um lado, atuou na assistência às famílias mais necessitadas, e, por outro, ofereceu apoio às escolas em parceria firmada com Unicap e a Prefeitura de Aracoiaba (agosto de 2020): projetos de extensão (ciclo de conferências para educadores e também para alunos das escolas), criação de Pré-universitário para reforçar preparação para o Enem, e, finalmente, a criação do 1º Polo EAD do FyA do Brasil, com base no Cedec e acessível a todo o município, com a oferta inicial de Licenciaturas, mediante a oferta de bolsas. Nesses anos de atuação na comunidade, portanto, muitas foram as conquistas associadas ao FyA, direta ou indiretamente.
emancipada (2010); além da reforma da Ejam “por dentro e por fora”, a nova escola alcançou bons indicadores e destaque na região e, no final de 2020, foi elevada à categoria de “Escola de Tempo Integral”; no mesmo passo, a escola municipal (Escola Capitão Antônio Joaquim – Ecaj), de ensino fundamental, foi reformada e recebeu uma nova unidade (ainda sem funcionamento), além de ter ganhado uma “Creche modelo” padrão federal (Creche Raimundo Bento de Oliveira Maia – CRBOM) e uma quadra de esportes. Portanto, hoje, Vazantes é um verdadeiro polo educacional. A vocação cultural da comunidade também foi intensificada, graças a uma renovação do calendário de praticamente todas as festas da comunidade, além de eventos totalmente inovadores que entraram na agenda, sobretudo a partir de 2013: primeiro, a criação da Mostra “Curta Vazantes”, cinema em comunidade, sob a liderança de Leo Tabosa,
E, para coroar esse relato, importa destacar a aprovação de um projeto governamental que vai facilitar o acesso e melhorar a estrutura urbana de Vazantes. Acontece que, em 2016, começaram as obras de uma estrada importante (a CE 464), mas passando, como convém, por fora da localidade e gerando certo isolamento, cruzamentos perigosos e difícil acesso. Por isso, no mesmo ano, a Fundação FyA, junto com as lideranças da comunidade, entrou com um projeto complementar, endereçado ao governador do Estado, Camilo Santana: inicialmente, o projeto não alcançou êxito, mas continuamos insistindo e, no início de 2021, o governador assinou a ordem de serviço para a construção de uma interseção da CE 464 com a localidade, além da construção de uma avenida de 1,8 km, interligando todos os equipamentos públicos e estruturando a urbanização do distrito, batizada como Avenida Fé e Alegria. Ironicamente, essa conquista pública nos remete a uma célebre frase do grande fundador do movimento, Padre Velaz: “Onde acaba o asfalto, começa Fé e Alegria”. Agora, porém, é preciso completar ou fazer uma nova sentença, como por exemplo: onde o movimento “Fé e Alegria” começa, tudo se transforma. Seja como for, deveríamos ter cantado, no início dessa aventura, algo assim: com Fé e Alegria em Vazantes, “sei que nada será como antes, amanhã…” (Milton Nascimento). 115
aconteceu
Fevereiro Colação de grau 2020.2 O mês começou com a cerimônia de colação de grau da Unicap para os estudantes formados em 2020.2. O evento, que aconteceu no dia 02 de fevereiro, de modo remoto, contou com a participação dos alunos e seus familiares. O orador que representou a turma de Fotografia foi Danyllo Feliciano da Silva e o estudante laureado do curso foi Matheus Mota Acioli.
Três encontros marcaram a abertura do primeiro semestre de 2021 para os alunos do curso de Fotografia. A noite de 18 de fevereiro contou com o professor Paulo Souza que falou sobre como organizar uma exposição virtual. No dia 19 foi a vez de Mariana Nepomuceno apresentar a temática “Que história a fotografia conta?”. O terceiro dia teve a presença de Alyson Carvalho ao lado de três egressos do curso de Fotografia. Março Aula inaugural do MBA
Abril Live Abril Pras Artes
O “Abril Pras Artes” 2021, iniciativa sociocultural que pretende fortalecer a cultura nordestina e aproximar ainda mais a arte das atividades acadêmicas, contou com mediação de Renata Victor e aconteceu no dia 19 de abril com Daniel Meirinho, Heudes Regis e Roberta Guimarães. Aula aberta
Live sobre Cultura Visual na América Latina
Os professores André Antônio, Catarina Andrade, Fernanda Grigolin, Maíra Gamarra, Marina Feldhues e Rodrigo Lessa participaram no dia 08 de fevereiro de uma live para debater a cultura visual na América Latina. O encontro também teve como objetivo apresentar a proposta do MBA Cultura Visual: Fotografia & Arte Latino-Americana. Os professores e professoras falaram sobre os temas que serão abordados em suas respectivas disciplinas no MBA. Abertura de semestre 2021.1
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A aula inaugural da primeira turma do MBA Cultura Visual: Fotografia & Arte Latino-Americana aconteceu no dia primeiro de março. O curso tem como objetivo capacitar os profissionais à criação de projetos artísticos e culturais multidisciplinares, multimidiáticos e multilinguagens com uso da Fotografia, incentivando a pesquisa, a reflexão crítica e a prática artística-cultural, com ênfase na América-Latina. Fotografia e métodos de conservação
Os amantes de conservação e restauro de fotografia puderam participar de uma aula sobre o tema com o especialista Luís Pavão e com o Doutorando em Ciência da Arte e Patrimônio, ex-aluno do curso de Fotografia da Unicap, Renato Menezes. O encontro remoto, que aconteceu no dia 27 de março, contou também com as presenças de Betty Lacerda e Fabiana Bruce.
A noite de 29 de abril foi marcada por uma aula aberta com os convidados da ONG @imagemagica. O encontro virtual foi conduzido por Andreza Portela e Andreza Magalhães. Elas realizaram dinâmicas em grupo e mostraram como funcionam os projetos da ONG. Maio Visita de Rafael Beck O dia 10 de maio foi marcado pelo talento do músico Rafael Beck. Foi um encontro maravilhoso que uniu música e fotografia.
Junho Gincana do saber fotográfico
Autorretratos instântaneos: estudantes vencedores da Gincana do saber fotográfico, realizada em junho, de modo remoto. O evento já faz parte da tradição do curso de fotografia de Unicap.
A manhã do dia 05 de junho foi marcada por muita energia, brincadeiras e produções dos alunos do curso de Fotografia que participaram da 5ª Gincana do Saber Fotográfico. O evento, que já faz parte do calendário do curso, foi adaptado ao formato remoto e funcionou muito bem gerando aprendizado e muita diversão.
de “Por que fazer fotografia agora?” e foi apresentado pelo professor André Antônio, que entrevistou uma aluna do curso de Fotografia e um aluno do MBA Cultura Visual: Fotografia & Arte Latino-Americana.
Julho 1º Encontro Brasileiro de Fotografia em Movimento Movi
Oficina de vídeo
Podcast sobre fotografia
A Escola de Comunicação da Unicap realizou em junho uma série de programas de podcast sobre os cursos de Fotografia, Jornalismo, Jogos Digitais e Publicidade e Propaganda. O podcast de Fotografia ganhou o título
O professor Filipe Falcão ministrou nos dias 15, 22 e 29 de junho uma oficina de vídeo gratuita, onde apresentou noções para a produção audiovisual, a utilização de ângulos e planos, cuidados com o som e a iluminação, e dicas de edição com dispositivos móveis. Ao final, todos os alunos realizaram vídeos com um minuto de duração.
O curso de Fotografia da Unicap teve a honra de sediar o 1º Encontro Brasileiro de Fotografia em Movimento - Movi ocorreu durante os dias 30/06, 01 e 02/07. O evento contou com a participação de grandes nomes da direção de fotografia brasileira. Apresentou questões importantes para o audiovisual. Vida longa ao @movicinematografia e parabéns pela organização de um evento tão necessário. 117
Arte, técnica e política aconteceu
um encontro para celebrar a direção de fotografia por Julianna Nascimento Torezani e Paulo Souza Julianna Nascimento Torezani é Mãe de Lis. Professora do Curso de Comunicação Social da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc). Professora do Curso de Psicologia da Faculdade de Ilhéus. Professora do MBA Cultura visual: fotografia e arte latino-americana da Universidade Católica de Pernambuco. Doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestra em Cultura e Turismo e Bacharela em Comunicação Social - Rádio e TV pela Uesc. Paulo Souza dos Santos Júnior é doutorando em Comunicação no PPGCOM-UFPE. Professor da Universidade Católica de Pernambuco - Unicap. Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UFPE (2018). Especialista em Fotografia e Audiovisual pela Unicap (2017). Graduado em Fotografia também pela Unicap (2015). Pesquisador, fotógrafo documental e realizador audiovisual de Recife.
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a primeira mulher a dirigir a fotografia de um filme de longa metragem no Brasil (Tônica Dominante, dirigido por Lina Chamie, em 2000). Para a família de Antônio Leão, Fernando e Kátia foram enviadas esculturas feitas pelo artesão pernambucano Luiz Benício. Os resultados parciais podem ser conferidos no site no seguinte endereço: https://www. direcaodefotografia.com/movi.
A estatueta do I Movi, Encontro Brasileiro de Fotografia em Movimento [Foto: Mariana Leão]
A Universidade Católica de Pernambuco, por meio do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia, realizou, entre os dias 30 de junho e 02 de julho de 2021, o I Movi - Encontro Brasileiro de Fotografia em Movimento, com o tema “A direção de fotografia no Brasil”. O evento reuniu importantes nomes da fotografia brasileira como Lauro Escorel, Heloísa Passos, Beto Martins, Patrícia de Filippi, Leonardo Feliciano e Hernani Heffner; realizou palestras, mesas temáticas, lançamentos de livros, oficinas, além de seminários temáticos em sessões privadas que chegaram a alcançar 80 espectadores simultâneos. Foram mais de 300 inscrições, cerca de 40 trabalhos submetidos e 25 textos a serem publicados nos anais do evento. As apresentações da noite foram acompanhadas pelos intérpretes de Libras da empresa InLibras para dar maior acessibilidade ao evento. Na noite de abertura foram feitas três homenagens: a Antônio Leão da Silva Neto (in memorian), pela sua paixão, dedicação e seu legado como escritor e colecionador de filmes; ao diretor de fotografia Fernando Duarte, pela contribuição para a filmografia e direção de fotografia no Brasil; e a Kátia Coelho, pelas contribuições históricas e acadêmicas na cinematografia brasileira e foi
O Movi foi pensado como um espaço aberto ao encontro do campo da direção de fotografia em geral. Assim, trocamos informações a respeito das demandas e soluções do mercado e da academia, ao mesmo tempo em que criamos dados para o desenvolvimento das mais diversas pesquisas. Matheus Andrade A noite de abertura contou com a fundamental palestra do pesquisador Hernani Heffner, gerente da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM) onde, por duas décadas, atuou também como conservador-chefe. Heffner refletiu sobre a fotografia de cinema no Brasil, seus percursos históricos e tendências a partir de diversos questionamentos. Na segunda noite do Movi, Patrícia de Filippi, que coordenou por 15 anos o laboratório de restauração da Cinemateca Brasileira, e Lauro Escorel, renomado diretor da fotografia cinematográfica brasileira, discutiram sobre Restauração e Preservação das Imagens em Movimento a partir 119
de suas experiências conjuntas em restauros fundamentais para a história do cinema brasileiro como o filme São Bernardo, de Leon Hirszman. Relatos sobre a história, reflexões sobre memória, preservação das mídias, implicações do digital e políticas públicas, foram alguns dos temas que permearam o debate, que também refletiu sobre a grave situação em que atualmente se encontra Cinemateca Brasileira, de portas fechadas para o público há mais de um ano e gerida diretamente pelo Governo Federal desde julho de 2020. A noite de encerramento do Movi contou com a presença de uma das mais virtuosas e importantes diretoras de fotografia da história de nosso país, Heloísa Passos, que nos brindou com reflexões sobre sua trajetória e sobre o fazer fotográfico. A mesa redonda contou com precisas contribuições dos fotógrafos Beto Martins e Leonardo Feliciano, que diretamente de seus sets de filmagem, nos enviaram contribuições para o debate sobre a multiplicidade das luzes e rostos do Brasil. No Movi foram apresentados artigos científicos, ensaios, críticas cinematográficas, entrevistas, relatos de experiência e vídeo-ensaio nas oito sessões temáticas, que trataram sobre fotografia em movimento, cinematografia, construções de sentidos e poesias pelas imagens, estilo e forma da direção de fotografia, técnica e linguagem audiovisual, experiências com a câmera e memórias audiovisuais. O evento também ofertou duas oficinas, uma ministrada pela Homenageados: Kátia Coelho [Foto: Kátia Coelho], Fernando Duarte [Foto: Eraldo Peres/ Photo Agência] e Antônio Leão, homenageado (in memorian) do Movi [Foto: Laura Del Rey]
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Que tipo de história você está construindo? Quais são as premissas da sua narrativa histórica? E a gente precisa rever essas premissas, é preciso um amplo debate sobre a narrativa histórica sobre cinema no Brasil. Hernani Heffner O Movi é necessário para debater o que tem se desenvolvido sobre a direção de fotografia no Brasil, ampliando essas discussões através de toda a troca possibilitada pelo evento. Foi muito importante para aprofundar meus conhecimentos na área, além de me permitir entender a amplitude dos debates que podem ser realizados no âmbito da direção de fotografia. As mesas e os convidados agregaram muito e os trabalhos apresentados foram muito interessantes. Lorena Borges
Palestra de abertura com Hernani Heffner, mediada por Marina Tedesco.
Outro momento do Movi: Heloísa Passos fala sobre luzes e rostos do Brasil, mediação de Andrea C. Scansani
Eu quero muito agradecer a esse encontro, porque para mim é sempre uma aprendizagem poder estar junto de pensadores. Agora com a pandemia existe esse intervalo e eu fiquei muito nesse lugar organizando e pensando a imagem, lendo sobre, num mergulho das imagens que eu fiz e das imagens que eu sonho em fazer. Eu tenho que fechar essa mesa falando das utopias, mesmo com todas as tristezas que nos assolam eu acho que a gente consegue seguir firmes, com pernas firmes e coração leve, para continuar criando e fazendo filme e contando história mesmo, nesse Brasil tão intenso e tão imenso e apaixonante, é muito isso para mim.
A gente vai descobrir um buraco gigantesco, esses 10 anos (desde que os trabalhos de restauro foram interrompidos) vão gerar um déficit de restauração – que é o que os produtores não dimensionam, além das autoridades – eu acho que a situação é bem grave e numa época que você tem uma demanda por conteúdo como você. [...] A solicitação em cima da Cinemateca nunca foi tão grande na verdade para ela fazer tudo que ela tem que fazer e ela não tá podendo fazer nada, tá fechada no momento. Então eu tenho uma visão muito triste e pessimista sobre essa situação. Lauro Escorel
Heloísa Passos 121
Lauro Escorel e Patrícia de Fillipi em palestra sobre Restauração e Preservação das Imagens em Movimento com mediação de Rogério Luiz Oliveira
diretora de fotografia Taís Bardi contou o processo criativo e a narrativa visual na prática através do vídeo “Bá”, com a direção de Leandro Tadashi. A outra intitulada “Ferramentas avançadas da cinematografia digital” foi ministrada pelo diretor de fotografia André Besen. Na sessão de lançamento de livros, foi possível assistir a apresentação das obras: Lições de fotografia para fazer em casa: técnicas, composição e criatividade (Editora da UFPB, 2021), de Agda Aquino; Reflexões sobre a cor (Martins Fontes, 2021), organizado por Marco Giannotti, com a apresentação de uma das autoras Fernanda Riscali; e o lançamento do livro Cinematografia, expressão e pensamento vol.2 (Appris, 2021), organizado por Cynthia Gomes Calhado e Aline de Caldas Costa que conta com textos elaborados pelos pesquisadores do Grupo Cinematografia, Expressão e Pensamento. 122
O evento foi organizado pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Cinematografia, Expressão e Pensamento das seguintes instituições: Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal da Integração Latino Americana (Unila), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Já estamos em fase de preparação do II Movi e contamos com a participação de todos neste evento, para mais uma vez analisar, discutir e apresentar as ideias, as lutas, as propostas, as questões estéticas, os elementos técnicos, as implicações políticas e as expressões artísticas da direção da fotografia no Brasil e no mundo.
O Movi cumpre um papel singular ao estabelecer uma conexão entre os diferentes saberes que constituem a direção de fotografia. Unindo a dinâmica do mercado audiovisual à sistematização do ambiente acadêmico, colabora com a organização de um campo de conhecimento em processo de consolidação. Além disso, o evento acaba divulgando de forma organizada e atenta muitas práticas excepcionais que acabam passando despercebidas entre as infinitas obras da área audiovisual. Impulsionada pelos procedimentos da pesquisa, especialmente, o evento propõe uma via de mão dupla qualificada nesse trânsito entre realização e pensamento. Rogério Luiz Oliveira
impressão
Qual é o melhor papel Fine Art? por Gustavo Bettini
Essa é uma pergunta que escuto com bastante frequência. Afinal, com tantas opções disponíveis e preços muito distintos, a dúvida é constante: será que os melhores são mais caros, os de algodão são bons? Geralmente, faço uma analogia aos veículos de transporte. Qual é o melhor: um Jeep 4x4 ou uma Ferrari? Não é uma resposta exata. Depende do que você pretende fazer em ele. Qual o mais adequado pra determinado uso? Com os papéis é a mesma coisa. Precisamos de mais pistas, informações, sobre a obra, como será montada, exposta, e também de uma avaliação da imagem que vai ser impressa para decidir o papel que mais se adequa a ela, aquele que vai potencializar o resultado final. Podemos dividir os papéis por seus acabamentos: foscos, semibrilhos e brilhantes; com base em nas matérias primas: Alphacelulose, Algodão, Cânhamo, Bamboo...; quanto aos tipos de texturas: liso, texturas leves e grandes texturas; e ainda em relação aos tons: mais quentes ou mais frios...; de acordo com o Gamut de cores (capacidade de reprodução de cores do papel). Enfim, a análise, caso a caso, é que levará em conta o melhor papel para cada trabalho. Uma escolha definida pela imagem, autor e impressor. 123
homenagem
“caro márcio,
Nem sempre a gente ganha. Mas a gente luta sempre. Nem sempre a gente entende o tempo-sempre no tempo-presente. De luta. A gente conjuga. A gente subjuga. A gente vem, a gente vai, a gente luta. E reluta. É isso que a gente faz: a gente crê. A gente pouco sabe com será. De onde vem. A vida jabeia. A vida mata-leão. A vida e seus diretos. E seus cruzados. A gente sabe da Indesejada das gentes, porque o poeta Manuel já tinha falado. Cada coisa no seu lugar. No seu sempre. No seu tempo. A gente chuta. A gente soca. A gente quer mesmo é entender. Uns golpes a gente assimila. Outros, demoram a sarar. Uns nem saram. Porém, quando menos se espera, a gente tá de volta. A gente vem pra luta. De frente. A gente baila. Salta. A gente se defende, não se defende? Ah, a gente não entrega os pontos, não é assim? Não deixa barato. E quando as luzes do ginásio se apagam, não é a gente que fica? A gente fica, a gente fica. Quem pode mesmo com a gente? Com a força que a gente tem? A gente não perde. Nem nunca. A gente ganha. Por esperar. Por amar. Por nunca esquecer. A gente cruza essa vida. A vida enovela. A gente desnovela. A gente jabeia também, ora. A gente ora. A gente não para. Se engana quem acha. A gente agacha. Ginga. A gente passeia. No ringue. A vida ring-ring. A gente soa. A gente sua. A gente passa. A gente atravessa. A gente-travessia.
Unicaphoto deu voz a estes personagens do ensaio de Márcio Novellino. Uma homenagem ao fotógrafo nos deixou em 30 de junho deste 2021. Foi mais uma vítima da Covid. E lutou-lutou-lutou até o fim. Até se apagarem as luzes. A Márcio Novellino, nosso amigo, desejamos a única coisa que um fotógrafo sempre vai querer por perto: Luz. A luz verdadeira. Você, lutador, merece. Hora dessas, a gente se vê de novo. Na luta. Na paz. Na Luz. No amor. Que com tudo isso, a gente sempre ganha. Na vida. É como dizem os lutadores, as lutadoras. E estão certos.
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Márcio Novellino 23/05/1976 - 30/06/2021 Luz