Unicaphoto
O grito de Simonetta Persichetti, Hélio Campos de Melo, Walter Firmo, Renata Victor, Augustin de Saint-Hilaire, Anny Stone, Natália Amor-in, Juliana Amara, Rucker Vieira, Paulo Cunha, Fernando Monteiro, Rodrigo Carreiro, Augusto Pessoa, Cleane Pereira da Silva, Delma Josefa da Silva, Juan Huanca, Sony Ferseck (Wei Paasi), Bruno Pereira e Dom Phillips (in memorian), Filipe Falcão, Pilar Roca, Federico García e do Brasil
OUINDEPENDÊNCIAMORTE
a revista de fotografia da Unicap #19
MellodeCamposFoto:Hélio
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editorial sobre
Esta edição de sua Unicaphoto é especial, porque os tempos deste Brasil são bem especiais. 2022 é o ano de nossas vidas, levando-se em conta palavras como liberdade, democracia, independência. Não se trata somente das eleições, mas de questões de identidade: que povo (e não somente que país) somos este? Nestas páginas, a pergunta aparece em cada imagem. Como um grito. De liberdade. Todo dia comum e de luta é especial, portanto. Não passarão. Simonetta Persichetti e Hélio Campos Mello traduzem a exposição “No verbo do silêncio a síntese do grito”, de um dos mais expressivos fotógrafos brasileiros em atividade: Walter Firmo. É sobre o Brasil de verdade. No país mais do grito que da independência, Walter Firmo mostra como a fotografia deve se negar à neutralidade. Em cartaz no IMS, em São Paulo. Dessa São Paulo vem também o ensaio de Renata Victor, com fotos deste 2022 e texto escrito em 1822, há duzentos anos portanto, por outro viajante, o botânico Augustin de SaintHilaire, para falar como o Brasil (há quem ache que São Paulo é o Brasil inteiro) sempre foi selvagem com as minorias e contrário à ideia “edificante” de liberdade e independência, “Exercitada na arte de caçar homens” ou, como diz o aniversariante Caetano Veloso, em “Sampa”: “Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba/ Mais possível novo quilombo de Zumbi”. Esta edição é sobre esse tipo de Narciso e espelho, antidivinal, que encontra reflexos no ensaio “Alice da Aurora”, de Anny Stone e da modelo Natália Amor-in, onde o espelho é o Recife das lutas libertárias, a cidade-mangue, para lembrar também os trintas anos do movimento mais independente da música popular brasileira porque não popular, mas do povo. Chico, Zapata, Sandino, Josué de Castro, axé! A Alice de Anny Stone é o verdadeiro espelho de uma cidade que se olha e toma chá e se nega diante do rio, não do Ipiranga, mas do Capibaribe. A identidade e liberdade estão também no ensaio de Juliana Amara: “Sem nome e sem endereço”. Fotografia como linguagem, esses espelhos de Amara denunciam invisibilismos do Recife. As fotos são apresentadas sob e sobre esquinas e ruas do bairro invisível de Água Fria, do Recife, onde mora a artista visual. Destaque se faça a outro fotógrafo “desaparecido”: o pernambucano Rucker Vieira. Graças ao trabalho de Paulo Cunha, seu nome é rotomado na História da Fotografia (independente, popular) do Brasil. Unicaphoto entrevista Paulo Cunha sobre seu mais recente Árida luz nordestina (Ed. Contraluz) e publica ensaio biográfico sobre Rucker, escrito pelo cineasta e crítico de arte Fernando Monteiro, conhecido, também, por sua independência aos mercados editoriais e da arte. Em 2022 este país pode se tornar um faroeste? Rodrigo Carreiro apresenta excelente artigo sobre um dos maiores diretores do cinema, o italiano Sergio Leone, para trazer esse “retrato” mais cru das emoções humanas, cujo palco é o rosto. O superrosto. O close extremo. Esta nossa edição é uma das mais urgentes. Sob a chamada de “Independência ou morte”, ouvimos as minorias do Brasil. Pedimos para negros e negras, indígenas, imigrantes, gente do Brasil Profundo nos contar, em simbólicas duzentas palavras, o que significa mesmo comemorar a independência, hoje. Para isso, convidamos o fotógrafo Augusto Pessoa, que nos atendeu numa canoa no Amazonas e, mesmo assim, conseguiu sinal de internet para enviar essas fotaças, num ensaio tocante, de um Brasil que se nega a si mesmo e a se olhar. E se reconhecer como parte da sua América, a do Sul, e não a do Norte. É por essa vibe que circulam as fotos de Filipe Falcão, que em 2022 visitou Machu Picchu, no Peru, para deixar pistas da violência do colonizador espanhol. As fotos trazem lúcido e emocionante texto do cineasta e escritor Marcelo Pérez, que traduziu para Unicaphoto trechos de Pachakuteq, livro inédito em português, de dois pensadores: libertários, independentes, latinamericanos: Pilar Roca e Federico García. essa independênciatal
Juan Huanca é imigrante boliviano e “ex-estudante” Juliana Amara é fotógrafa concluinte do curso de fotografia de Unicap Marcelo Pérez é cineasta, escritor, doutor em em Letras na Universidade Federal de Pernambuco.
Escaneie o código QR abaixo, através de aplicativo no seu smartphone, e acesse todas as edições da revista na internet. Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco. Esta sua 18a edição vem a público em 29 de março de 2022. (ISSN 2357 8793)
Criou e ministrou em várias instituições educativas a disciplina que chamou de Alfabetização Audiovisual.
Simonetta Persichetti é jornalista, crítica de fotografia e doutora em Psicologia.
Pilar Roca foi uma destacada líder estudantil na Universidade de San Marcos, no Peru, onde estudou Serviço Socia. É também realizadora de cinema
COORDENAÇÃO-GERALRenataVictorEDITOR
Sidney Rocha CONSELHO EDITORIAL Filipe Falcão, Renata Victor e Sidney Rocha FOTO DA CAPA
Rodrigo Carreiro é escritor, professor universitário e doutor em Comunicação (Cinema)
Anny Stone é fotógrafa e diretora de cinema.
Augusto Pessoa é jornalista e fotógrafo Cleane Pereira da Silva, entre outras atividades, é coordenadora da Cecoq (Coordenação de comunidades Quilombolas do Piauí) Delma Josefa da Silva é doutora em Educação, pesquisadora sobre Educação e relações étnico-raciais e currículo escolar Quilombola. Ministra cursos sobre Necropolítica e Educação antirracista.
Augusto Pessoa FOTO DA QUARTA CAPA Rucker Vieira QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO
Sony Ferseck (Wei Paasi) faz parte do povo indígena Macuxi. É poeta, escritora, pesquisadora e atualmente professora substituta no curso de Licenciatura Intercultural no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da UFRR. Douto-randa em Estudos Literários no Póslit/UFF.
Renata Victor é mestre em História e coordenadora do curso de Fotografia da Unicap
Auguste de Saint-Hilarie (1779-1853) foi um botânico e viajante francês.
Paulo Cunha é escritor, pesquisador e professor-titular aposentado na Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Artes e Ciências da Arte pela Universidade de Paris I - Panthéon-Sorbonne.
Fernando Monteiro é poeta, cineasta e cr´tico de arte Filipe Falcão é doutor em Comunicação, pesquisador em audiovisual, professor da Unicap Hélio Campos Mello é fotógrafo
Umadaapologiaimagem por Simonetta Persichetti & Hélio Campos Mello Exercitada na arte de matar homens por Renata Victor & Saint-Hilarie Alice da Aurora por Anny Stone O estilo visual de Sergio Leone por Rodrigo Carreiro Sem nome, sem endereço por Juliana Amara 5034148 106 Aconteceu121 A vemmontanhaamim por Filipe Falcão & Marcelo Pérez 72 O legado da luz por Fernando Monteiro76 Cinema agreste de Hucker Entrevista com Paulo Cunha 80 ouIndependênciamorte por Augusto Pessoa 62
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VictorRenataFoto:
imagem Texto
apologia
Uma da de Simonetta Persichetti/Fotos de Hélio Campos
Mello Publicado originalmente na revista Arte Brasileiros em maio de 2022 8
O Instituto Moreira Salles de São Paulo apresenta a exposição “No verbo do silêncio a síntese do grito”, do fotógrafoWaltercariocaFirmo.
o Instituto IMS apresenta na exposição No verbo do silêncio a síntese do grito: “esse tempo foi necessário para entendermos tudo o que Walter Firmo havia produzido, tanto do ponto de vista profissional como se trabalho pessoal que acabam se misturando”, conta Sérgio Burgi. Após essa análise um eixo principal acabou surgindo que foi a sua produção sobre a população negra e as raízes africanas. Foi em 1968, trabalhando nos estados Unidos que Walter Firmo teve contato registrou sob muitos aspectos, esportes, política, mas acima de tudo gente. Sempre com um olhar que como ele mesmo conta não queria apresentar “o jornalismo da fratura exposta”, da dor, da notícia, mas a busca por sutilezas, por um aspecto não tão evidente à primeira vista. Começou fotografando em preto e branco a única linguagem possível para o fotojornalismo naquela época. Anos mais tarde conhece a cor, nas revistas Manchete e Realidade. Passa a ser reconhecido como um fotógrafo colorista, mas ele sabe muito bem como fazer uso dessas estéticas tão diferentes: “a cor é a fala da paixão, o preto e branco é uma foto mais silenciosa”. Foi neste mar de imagens que os curadores Sérgio Burgi, a curadora adjunta Janaina Damaceno Gomes, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora do Grupo de Afrovisualidades:Pesquisasestéticas e políticas da imagem negra e com a assistência de curadoria da Alessandraconservadora-restauradoraCoutinhoCampos e pesquisa biográfica e documental de Andrea Wanderley, integrantes da Coordenadoria de Fotografia do IMS, mergulharam durante dois anos para extrair 266 fotografias que
10 Em 1957 um jovem com sua Rolleiflex começou a trabalhar no jornal Última hora no Rio de Janeiro. Mais de sessenta anos depois e com um acervo de 140 mil fotografias, Walter Firmo, que aos 84 anos, continua fotografando, mas de uma forma mais livre, com o olhar solto em seu andar pelas cidades, é sem dúvida um dos nomes fundamentais da fotografia Nascidobrasileira.em 1937 no subúrbio carioca, de pais paraenses, pai negro e mãe branca, Walter Firmo, segundo Sérgio Burgi, curador e coordenador de fotografia do IMS: “construiu a poética e a poesia de seu olhar voltado principalmente para a elaboração de um registro amplo e generoso da população negra e suburbana da cidade, olhar que estenderia em seguida para a população negra de todo o país, em suas lidas cotidianas, religiosidades, festas e múltiplas manifestações culturais, verdadeira ode à integridade, altivez, força, resiliência e resistência das pessoas negras, desejo permanente de justiça num país que insiste em permanecer estruturalmente estamental e segregacionista”. Trabalhou em vários jornais e revistas como o já citado Última Hora, Jornal do Brasil, revista Manchete, Realidade. Foi diretor do Instituto Nacional da Fotografia de 1986 e 1991, publicou livros e ganhou prêmios, como o Prêmio Esso de Fotografia em 1963. O fotógrafo que, parafraseando outro fotógrafo o Ricardo Chaves, o Kadão, por meio de suas fotografias Walter Firmo “abriu uma porta para o Brasil de verdade”. Um fotógrafo que correu o Brasil retratando a cultura popular, trazendo as cores e o pb de um país que ele
11 com os movimentos negros e a luta pelos direitos civis. Este encontro marcou profundamente sua fotografia. O título foi pinçado de um texto que o próprio Walter Firmo escreveu em 1998. Ao ser perguntado sobre a frase ele responde: “o verbo do silêncio é a própria fotografia. Que você se encanta e quer traduzir através do seu sentimento e inteligência o que está na sua frente. A síntese do grito é o registro”. Em dois andares do Instituto Moreira Salles Walter Firmo passeia por suas fotografias: “entro em conversa espiritual com estes personagens que eu fotografei. Eles são os meus totens”. São as fotografias entre tantas de artistas como Pixinguinha, Cartola, Clementina de Jesus, Madame Satã, Artur Bispo do Rosário, que se misturam com as fotos de seus familiares: “falar somente em auto representação é limitador quando falamos do Walter Firmo”, reflete a profa. Janaina Damaceno Gomes, curadora adjunta: “as fotos do Walter constroem um direito básico que é fundamental que é o direito de olhar, não só porque você se representa, mas porque você também tem direito de olhar o mundo”. E é olhando o mundo que Walter Firmo o sedutor das palavras e o sedutor das imagens nos lembra em uma frase estampada na exposição: “a imagem não pode ser neutra. O poder do olhar deve influenciar as pessoas, porque o ato de fotografar tem que ser político, e não um mero acaso do instantâneo”.
ensaio caçarnaExercitadaartedehomensRenataVictor(textosdeSaint-Hilaire)
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Neste 2022, Renata Victor visitou e fotografou outra vez São Paulo, “berço da independência”, onde se deu o grito às margens do Ipiranga. O verbete Ipiranga, hoje, talvez seja mais relacionado a um cruzamento com a avenida São João que ao rio onde certa vez Dom Pedro. Entre 1816 e 1822, o botânico e viajante francês Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire (1779 — 1853) visitou São
Paulo por duas vezes. Unicaphoto escolheu trechos do seu livro Segunda viagem a São Paulo e quadro histórico da província de São Paulo para acompanhar este belo ensaio de Renata Victor. A frase que dá título ao ensaio é extraída do texto do botânico. Sem anacronismos, texto e imagem falam bem sobre as ideias de independência e morte e suas contradições a partir do nascimento da maior cidade da América Latina.
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Depois de senão devastarem o reduto de Santo Antônio, os paulistas destruíram, ainda, três outros redutos e retiraram-se, conduzindo, como escravos, avultado número de indígenas. Vendo seus discípulos acorrentados como se fossem vis criminosos, o padre Maceta correu a abraçá-los, tendo sido recebido com pancadas e ameaçado de morte. Não recuou, porém. Juntamente com o padre Mansilla, tomou a resolução de acompanhar os prisioneiros até o Brasil, a fim de ali ad-vogar a causa de seus infelizes discípulos. Caminhavam os dois padres a alguma distância do bando dos paulistas, alimentando-se com raízes e frutas silvestres; e todas as vezes que algum dos cativos, prostrado pela fadiga e pelos sofrimentos, era abandonado pelos seus aprisionadores, os dois heroicos oternamentecuidados,prodigalizavam-lhesmissionáriosseusconsolavam-noemostravam-lhecéu,auxiliando-oamorrer. Chegam, finalmente, a São Paulo. Os indígenas são repartidos entre seus perseguidores, pelos quais são vendidos e, logo, dispersados, não só pela capitania de São Paulo, como pela do Rio de Janeiro. É em vão que os padres Mansilla e Maceta fazem ouvir a favor desses infelizes a voz da humanidade, da justiça e da religião; não são ouvidos. Seguem, então, para o Rio de Janeiro, onde também não são atendidos. Não desanimam: embarcam para a Bahia, onde imploram a compaixão do governadorgeral. Este os recebe com [....]
26 benevolência, mas, todo ocupado com a guerra que estalara entre os holandeses e os habitantes do Brasil, pouco interesse tomou pela sorte dos indígenas, nada podendo fazer em prol de seus defensores. De regresso a São Paulo, os dois missionários foram atirados numa prisão. Postos mais tarde em liberdade, voltaram para Guaíra, prostrados de dor, após terem mostrado, inutilmente, quanto a caridade cristã pode inspirar de devotamento e de coragem.
Quando faziam caça aos selvagens disseminados no seio das florestas, os paulistas só podiam agarrar um pequeno número de cada vez; nos redutos dos jesuítas, ao contrário, encontravam reunida uma redutos.sucessivamente,habitantesno,saquearam-no,aochegaram,maisnovaassimparaforneciam,quechegavamincansáveisacorrentá-los.sóofereciam.dizer,indígenas,ogovernoconsiderável;populaçãoe,comooespanholnãopermitiausodearmasdefogoaosestes,porassimnenhumaresistênciaOspaulistastinhamotrabalhodeApenasessesaventureirosdasregiõestantosescravoslhesjáseimpacientavamàsmesmasvoltar.Équepreparavamumaexpedição,e,penetrandoumavezpelosdesertos,inopinadamente,redutodeSãoPaulo,destruíram-acorrentaramseuseexterminaram,váriosoutros
27 Os paulistas, Ricanosuasestrangeirosparaaosdacomoeles,seupunidosnos.raçapoisseuse,destruindo-asCiudadespanholasduasraivosamente,paraparaencontrandoenriquecê-los,quearrebatadadesesperadosentretanto,porveremumapresadeviacontribuirparaenãomaisredutosdevastar,nemindígenasescravizar,investiram,contraasjáreferidaspovoaçõesdeVilaRicaeReal,saqueando-asecompletamente;comonãopudessemreduzirhabitantesaescravos,pertenciamàmesmadeles,dispersaram-Foram,dessaforma,essesúltimospelocovardeegoísmo.Seemvezdeseaproveitar,acimajáreferimos,desgraçadosindígenas,mesmossereunindorepeliremosbárbarosinvasoresdeterras,nãomorreriamexílio,eCiudadRealeVilaestariam,aindahoje, florescentes. Desde essa ocasião Guaíra ficou deserta. [....]
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Segunda viagem a São Paulo e Quadro Histórico da província de São Paulo, de Auguste de Saint-Hilaire. Tradução e introdução de Afonso de E. Taunay. Coleção “O Brasil visto por estrangeiros”. 238 p.: il. Editora do Senado Fe-deral, Brasília, 2002.
29 Muito pouco se sabia, no norte do Brasil, sobre o que eram os paulistas, ninguém havia, entretanto, que não tivesse ouvido falar de sua coragem e da habilidade com que faziam a guerra aos indígenas. Os habitantes da província da Bahia, não podendo livrarse dos contínuos ataques de formidável tribo dos Guerens, recorreram aos paulistas, apelando para um dos mais famosos chefes desses homens aventureiros, de nome João Amaro. Era mister que esse sertanista reunisse sua gente e que, para alcançar a Bahia, atravessasse imensas regiões desabitadas, sem caminhos, regiões em que só se podia viver da caça e de frutos silvestres. Dois anos decorreram, e Amaro não aparecera ainda. Chegou, enfim (1673), com sua tropa de mamalucos exercitada na arte de caçar homens. Levava também indígenas, os quais menos inteligentes do que seus senhores, eram entretanto, como estes, tão ativos quanto intrépidos e cruéis. Todas as tropas locais reúnem-se à de João Amaro. Partem. Atravessam terras incultas, até então massacramdesconhecidas;osindígenas que resistem; enviam milhares de prisioneiros à Bahia, livrando, assim, por longo tempo, os habitantes dessa cidade do temor dos selvagens. Os cativos eram tão numerosos que foram vendidos a 30 francos por cabeça; mas os sofri- mentos, os maus-tratos, o desespero fizeram-nos perecer tão depressa que os compradores acharam que por um preço tão vil ainda faziam um péssimo negócio. Além da elevada quantia prometida a João Amaro, deram-lhe uma vasta extensão de terras e o domínio sobre uma vila de que tinha sido o fundador. Mas, para os paulistas, destemidos caçadores de homens, o descanso era um suplício: João Amaro vendeu suas terras, voltando para São Paulo, ansioso por encetar novas aventuras. [....]
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daAliceAuroraAnnyStone
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aqui é um excerto de uma sustentação téorica descrita em “A arte como sentimento: Expressionismo Alemão e novas releituras de Alice no País das Maravilhas, publicado em 1865 por Charles Lutwidge Dodgson, sob pseudônimo de Lewis Carroll.
partiuAexpressionistaenxergarquetemhumana,FigurarepresentaçãoAlemãoreferênciapotencializandorepetidamente,tambémaaoExpressionismocomsuaeternadoduplo.humanaquasenãoaAlicedaAuroraolhossurreais,maioresonormal,maisabertosaomundodemaneiraesentimental.inspiraçãoparaoensaiojustamentedesses
Este ensaio fotográfico o realizei a partir de uma evocação: o universo ou forma de ver o mundo do Expressionismo Alemão, somada à perspectiva de uma Alice que visita a própria mente a partir de novas Operspectivas.textoapresentado
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A Alice retratada é uma Alice urbana, que caminha entre mangue e pichações do Recife, que sente o cheiro do rio e olha para a lua e as luzes da cidade. Ao invés de gato falante, a Alice da Aurora conversa com um soldadinho, inseto típico local, que aqui tomou uma poção para crescer e ficou grande o suficiente para passear com a OAlice.espelho da Alice é um portal de acesso a todas as perguntas ainda não remetendorespondidas,àeternabusca do eu, busca de si, do self, no próprio reflexo que aqui é questionado
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Alice no País das Maravilhas. São Paulo: Zahar, 2010. GASKELL, A. página da artista no Museu de Guggenheim. Disponível MASCARELLO,2022artist/anna-gaskell>.<https://www.guggenheim.org/artwork/em:Acessadoem15agoF(org)–
REFERÊNCIAS O Grito, 1893 , Edvard Munch. Disponível em CARROL,empessoa333908/edvard-munch>.<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/Acessado15ago2022LEWIS.
38 olhos, que foram desenhados especialmente para o ensaio. Assim como as fotografias da pioneira Cindy Sherman, com destaque para o trabalho de Anna Gaskell, o ensaio segue a linha de fotografia narrativa, montada para a câmera a fim de criar uma narração própria com as imagens. Aqui, Alice toma o chá do Chapeleiro, talvez uma poção mágica, que a faz ver as maravilhas no contexto urbano-onírico à beira-rio da Rua da Aurora. Entre outras influências, está o trabalho de Jan Svankmajer e do diretor de cinema Tin Burton.As fotos foram realizadas no dia 8 de dezembro de 2019, com a modelo Natália Amor-in. As fotografias foram feitas durante o pôr-do-sol e um pouco depois dele. com uma câmera Canon 6D, com lentes Nikon adaptadas 24 mm f 2.4 e 43-83 mm f 3.5, uma lente Rokinon Cynelens 85 mm t 1.5, um flash Canon 580EX II. Para a produção das fotografias, tive em mente principalmente o contraste e as diferentes angulações do Expressionismo Alemão, além da vontade de criar momentos lúdicos e invenções oníricas. Para isso utilizei objetos de cena como o espelho da Alice, a xícara, e também utilizei ferramentas como lupas para produzir efeitos e distorções. Para o tratamento das imagens, a principal referência foi o trabalho de Anna Gaskell, com foco para alguns preceitos específicos: cores contrastadas com reminiscências de Caravaggio, recorte e tratamento de luz para valorizar os objetos principais na cena. Em “A Viagem de Alice”, o diretor checo Jan Svankmajer trabalhou com live- action e stop-motion para dar uma vida surreal ao universo da loucura da aventureira Alice. Na fábula infantil, a fantasia é utilizada para tratar de questões da vida real. Provavelmente todos os personagens das fábulas infantis mais conhecidas são crianças assustadas diante de grandes desafios. A personagem de Alice não foge à regra, tentando sempre retornar ao mundo da realidade, enquanto vai descobrindo que suas certezas não são mais tão certas assim, ela deixa até mesmo de saber se ela é a Alice certa ou não. Esse universo confuso e cheio de personagens do mundo da fantasia é um prato cheio para as influências do Expressionismo Alemão. Anna Gaskell é uma fotógrafa de Iowa (EUA) que já fez várias exposições aclamadas e costuma trabalhar com “fotografia narrativa”, ou seja, fotos encenadas, montadas para a câmera, à semelhança dos sets de filmagem. A fotógrafa convidou duas gêmeas idênticas para encenar uma nova versão de Alice, na série “Wonder”, de 1996, aclamada pela crítica. As fotografias de Gaskell parecem ter um tempo que as atravessa, um tempo que não é presente ou futuro, mas no qual tudo acontece ao mesmo tempo. Alguns elementos nas fotografias têm um toque de absurdo, de deslocamento, e isso é utilizado para evocar um mundo onírico e muito vivo.
História do cinema mundial. Campinas, Papirus, 2006 MORIN, E. O Cinema ou O Homem Imaginário – Ensaio de Antropologia Sociológica. 1a. Edição, São Paulo: Realizações Editora, NAZÁRIO,2014.
L. As sombras móveis. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
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50 O estilo visual de Sergio Leone por Rodrigo Carreiro
No âmbito do cinema narrativo, todo filme conta uma história. Mas uma história criada com luz, sons, cores e movimento. Muitas vezes, não é o que o diretor filmou que faz um filme emocionar as pessoas. É a maneira como ele filmou; são os recursos estilísticos acionados pelo cineasta para narrar a ação dramática. Mas o que é o estilo? Para David Bordwell, os padrões que funcionam como assinaturas de um diretor são desenvolvidos, ao longo da carreira dele, através do que o teórico denomina como paradigma do Ou(BORDWELL,problema/solução2009,p.320).seja,oprocessodecontar
ouFotogaleriasslideshows como elementos de construção de narrativas fotojornalismododigital.
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Aqui, o projeto Displaced, do NY Times, que vem usando o recurso pra amplificar efeitos de recepção da notícia e nainovandonarrativa visual. Na imagem, escombros, na Fonte:Ucrânia, New York Times.
Quais as características que destacam um filme como interessante ou original, aos olhos da platéia? Embora a maioria das pessoas costume atentar em primeiro lugar para aspectos ligados ao enredo e às peripécias da trama, isso nem sempre é verdade. O modo como a história é contada é determinante para a Opercepção:estiloéa textura tangível do filme, a superfície perceptual com a qual nos deparamos ao escutar e olhar: é a porta de entrada para penetrarmos e nos movermos na trama, no tema, no sentimento – e tudo mais que é importante para nós. (BORDWELL, 2009, p. 58).
52 uma história num meio audiovisual consiste em uma sucessão de problemas de representação, que os realizadores solucionam fazendo escolhas a partir de um repertório anteriormente disponível. Para cada problema que a história a ser contada impõe ao diretor existe uma série de soluções possíveis, entre as quais o artista deve escolher uma. O paradigma do problema/solução consiste na adaptação, para o meio audiovisual, do conceito de esquema (GOMBRICH, 2007). Os artistas trabalham dentro de uma tradição que dispõe de um repertório de normas de estilo, que eles podem copiar, reformular, sintetizar ou rejeitar. O conjunto de recursos que compõe esse repertório constitui os esquemas. Cada artista ajusta os esquemas disponíveis a novas possibilidades oferecidas pelos contextos sócioculturais, econômicos, tecnológicos e ideológicos em que trabalha. O paradigma nos ensina que determinado recurso, quando usado com sucesso para resolver um problema de representação, tende a ser integrado aos esquemas circulantes dentro da atividade cinematográfica. Assim, se um diretor é confrontado com um problema idêntico ao que solucionou antes, ele tende a repetir a solução anterior. Essa repetição cria padrões recorrentes, que determinam o que chamamos de estilo individual: “O termo estilo deve ser considerado em sentido amplo, como a arte de contar uma história em imagens e em sons” (JULLIER; MARIE, 2009, p. 20). O processo de seleção das soluções que determinarão o estilo individual de um diretor obedece, evidentemente, a uma série de contextos de ordem sóciocultural, histórica, tecnológica, financeira e política, que funcionam como limites e pré-condições. Orçamento, tecnologia, modas e censura, por exemplo, são alguns desses contextos, muitas vezes externos ao filme em si. As escolhas estilísticas, portanto, são atravessadas por fatores nãocinematográficos. Elas moldam a assinatura pessoal de um diretor, embora não sejam necessariamente pensadas de modo consciente. Assim, é possível afirmar que a assinatura autoral de um diretor sempre emerge através da maneira como este lida com os esquemas circulantes de sua arte.
Neste artigo, procuro investigar alguns padrões estilísticos recorrentes na obra de Sergio Leone, notadamente na área da composição visual. Temos como objetivo demonstrar que os limites e pré-condições à produção audiovisual nem sempre são circunstâncias inibidoras do ato da criação, podendo gerar novos padrões que venham a se tornar ferramentas de estilo importantes dentro do repertório dos esquemas narrativos circulantes no meio cinematográfico. Também é nosso objetivo reafirmar que a análise estilística pode se constituir num método valioso para a verificação de hipóteses de trabalho relacionadas à história da arte cinematográfica. Close-ups De todos os padrões estilísticos visuais da obra de Leone, o uso abundante de close-ups é a os close-ups nesta mátéria são frames da filmografia do diretor italiano Sergio Leone (1929-1989)
Tais escolhas podem ter sido planejadas antes de filmar, podem ter emergido espontaneamente durante a filmagem ou se imposto na pós-produção. Para fazer uma distinção supersimplificada, podem ser “escolhas livres”, que realizam realmente as intenções do diretor, ou podem ser “escolhas forçadas”, nascidas de limites externos, como tempo, dinheiro ou falta de poder. Dessa maneira, para explicar mudança e continuidade dentro do estilo do filme, temos de examinar as circunstâncias que influenciam mais diretamente a execução do filme – o modo de produção, a tecnologia empregada, as tradições e o cotidiano do ofício favorecido por agentes individuais. (BORDWELL, 2009, p. 69).
53 ferramenta mais lembrada. Closeups extremos de rostos (em que o enquadramento vai do queixo à testa do ator) ou de um par de olhos são, até hoje, associados aos filmes do italiano. Esse tipo de composição, embora comum, é mais frequente no cinema dele do que no repertório de qualquer outro cineasta (COUSINS, 2004, p. 33). O close-up era um recurso estilístico evitado por muitos cineastas europeus da geração de Leone. Esses diretores associavam esse tipo de enquadramento ao melodrama norte-americano; aproximar a câmera do rosto do ator parecia uma maneira vulgar de manipular as emoções do público. Ao mesmo tempo, o closeup isolava o personagem do espaço físico onde a ação dramática acontecia, violando dessa forma um dos princípios fundamentais da estética neo-realista, influente na Europa dos anos 1950: a integração dos atores ao cenário. Leone, no entanto, acreditava que o uso que dava ao close-up era diferente do uso que a ferramenta tinha nos filmes norte-americanos: Nos Estados Unidos, todos fazem um close-up em um personagem quando ele está prestes a dizer algo importante. Eu sempre reagi contra essa prática. Meus close-
Constituindo um instrumento de exceção nos esquemas visuais dominantes do cinema clássico, a partir de 1928 o close-up passou a ser utilizado ainda menos, por uma razão técnica: a instituição do cinema com som sincronizado, fato ocorrido no ano anterior. Pelo menos até 1932 (SALT, 2009, p. 242), decupar qualquer cena em muitos planos multiplicava as dificuldades técnicas, devido às dificuldades logísticas de captação e edição dos diálogos gravados nos sets de filmagens. Por isso, a maioria das cenas era filmada em
54 ups são sempre a expressão de uma emoção. Sou muito cuidadoso nessa área, então me chamam de perfeccionista ou formalista, porque eu prezo por minhas composições visuais. Mas não faço isso para deixar o filme mais bonito. Estou procurando, em primeiro lugar, as emoções mais relevantes. (LEONE, 2000. p. 77). Ele resgatava, conscientemente ou não, uma linhagem de diretores que valorizava os close-ups com funções expressivas. Cineastas soviéticos dos anos 1920, em especial Sergei Eisenstein, concebiam o close-up como um estudo pictórico da face humana, extraindo dele não uma informação objetiva, mas um efeito emocional: “a essência está em filmar expressivamente. Devemos (...) usar o limite da forma simples e econômica que expressa o que precisamos” (EISENSTEIN, 2002, p. 137).
Também alguns diretores europeus dos anos 1920 e 1930, a exemplo de Carl Dreyer, lançavam mão desse recurso estilístico com frequência. No entanto, eles faziam parte de uma minoria. Na Europa, o esquema dominante da época apontava para o registro visual de cenas em tomadas longas e com câmera distante dos atores. Esses recursos eram ainda mais proeminentes nos países europeus do que em Hollywood, onde também constituíam um esquema dominante (SALT, 2009, p. 245).
55 tableau, através de composições visuais que focalizavam os atores de corpo inteiro, em planos gerais. Com o aparecimento da televisão, nos anos 1940, os diretores gradualmente passaram a filmar os atores com a câmera cada vez mais próxima, variando os enquadramentos. A utilização de close-ups aumentou porque os seriados de TV recorriam com freqüência ao close-up dos rostos para permitir que o público acompanhasse a modulação emocional do enredo com mais facilidade – verificar o grau de emoção irradiado por um rosto em planos gerais ou médios, na tela pequena de um aparelho de televisão, era bastante difícil, de forma que os diretores começaram a inserir close-ups de reação dos atores nos momentos mais dramaticamente significativos. Essa técnica, contudo, foi assimilada aos poucos devido a uma razão tecnológica: os formatos anamórficos de imagem introduzidos em 1953, como o Cinemascope, exigiam lentes especiais que deformavam as bordas dos enquadramentos próximos (BORDWELL, 2008, p. 52), distorcendo os rostos dos atores nos close-ups normais e perdendo o foco nos close-ups mais extremos. No começo dos anos 1960, quando Leone começou a dirigir, o problema estava desaparecendo. O Cinemascope dera lugar ao sistema Panavision, também anamórfico, cujas câmeras e lentes permitiam a filmagem de close-ups sem distorções intensas. Por outro lado, os close-ups extremos ainda eram raros, em parte porque não era possível preencher todo o quadro com o rosto e manter o foco nítido na ação vista por trás desse rosto, e em parte por razões culturais – os cineastas não romperam de forma radical com o esquema então dominante, usado para solucionar esse problema de representação. Para Leone, os orçamentos pequenos e a dificuldade que eles
56 geravam para povoar os cenários com figurantes incentivaram o uso de close-ups extremos. O diretor de fotografia Tonino Valerii (2003, p. 299) diz que Leone o orientava a fechar cada vez mais os enquadramentos, aproximando cada vez mais a câmera dos atores e preenchendo todo o quadro com o rosto, do topo da cabeça até a ponta do queixo, para evitar que cenários vazios, sem figurantes, aparecessem nas laterais do quadro largo. Por causa de tudo isso, historiadores do estilo cinematográfico (BORDWELL, 2008, p. 322; COUSINS, 2004, p. 33; SALT, 2009, p. 247) concordam entre si: Leone foi o diretor dos anos 1960 que mais usou close-ups. Os números confirmam que os filmes feitos por Leone contêm maiores índices de close-ups do que os trabalhos de qualquer outro diretor, mesmo os contemporâneos, que utilizam o recurso com mais freqüência do que acontecia no cinema dos anos 1960. Para comprovar isso, contei o número de close-ups em três filmes de Leone (Por um Punhado de Dólares, Três Homens em Conflito e Era uma Vez na América) e comparei os dados obtidos com a média de usos de close-ups em longas-metragens realizados nos anos de 1959 (SALT, 2009, p. 280) e 1999 (SALT, 2009, p. 369). Por um Punhado de Dólares com orçamento de US$ 200 mil; em Três Homens em Conflito, Leone teve seis vezes mais dinheiro à disposição e acesso a novas tecnologias; e Era uma Vez na América, realizado duas décadas depois, pertence a outro gênero fílmico, e foi realizado no sistema de produção dominante em Hollywood. Apesar dos três contextos de produção serem bastante diferentes entre si, as estatísticas mostram que o uso do closeup em Leone quase não variou entre eles. Vejamos: o primeiro western de Leone contém 221 close-ups normais e 217 close-ups extremos. O filme tem 857 planos, descontados os créditos iniciais, dos quais 438 (ou seja, 51,10%) são close-ups. Na prática, um a cada quatro planos do filme consiste de close-ups normais, e mais um a cada quatro é um closeup Realizadoextremo.dois anos depois, Três Homens em Conflito alcança resultados parecidos. Do total de 1.472 planos, 325 são close-ups, e outros 551 close-ups extremos. Esses números significam que um a cada três planos do filme (551 planos, ou 37,43%) é um close-up extremo; e um a cada cinco (325 planos, ou 22,07%), um close-up normal. O longa-metragem tem, ao todo, 876 planos em close-up. Isto Composições recessivas: Na pintura e também no cinema moderno: a tendência pelo espaço recessivo, em busca de uma profundidade na cena. A ferrovia (Edouard Manet 1873), nesta página e Olympia (1863),do mesmo artistas, na página seguinte, detalhe para a construção da cena: personagens que nos olham.
57 significa que 59,51% do total de planos do filme usam composições com close-ups. Era uma Vez na América teve orçamento de US$ 30 milhões e utilizou um formato de imagem diferente (a proporção 2.35:1 foi substituída pela 1.85:1, mais estreita e mais comum nos anos 1980). As alterações financeiras e tecnológicas exerceram pouco impacto no uso do recurso de estilo. O total de planos em closeup chega a 1.019 dos 1.687 que compõem os 22 minutos do filme (60,40%). Leone usou 444 planos (26,31%) em close-up normal, ou um a cada quatro; e 575 planos em close-up extremo (34,08%), ou um a cada três. Para efeito de comparação, Barry Salt (2009, p. 281) contou os tipos de planos em uma amostragem de 20 dos 151 longas-metragens produzidos nos Estados Unidos em 1959, e chegou a um percentual de 44,38% de close-ups (dos quais 10,08% são close-ups extremos).
Outra conclusão importante mostra que Leone foi o único cineasta dos anos 1960 a utilizar mais close-ups extremos do que close-ups normais em seus filmes. A pesquisa de Barry Salt (2009, p. 280-281) demonstra que os diretores dos anos 1960 usavam, em média, um close-up extremo para cada quatro closeups normais. No ano de 1999, essa relação era de três close-ups normais para cada extremo. Na obra de Leone, para cada três close-ups normais, eram usados quatro extremos. O resultado dessa comparação estatística nos mostra que o uso do close-up extremo pode ter sido impulsionado por modas, pelos contextos de produção e pela influência da televisão, quando Leone começou a dirigir; mas a consistência e a ampliação do
O segundo recurso visual característico de Leone é o uso da composição pictórica em profundidade de campo. Esse tipo de composição institui o que Bordwell (2008, p. 219) chamou de “espaço recessivo”, seguindo o estudo de Heinrich Wölfflin sobre a composição pictórica dos artistas barrocos na Europa do século XVII: Há um momento em que enfraquece a relação entre os planos e passa a ser enfatizada a seqüência em profundidade dos elementos do quadro; nesse momento, o conteúdo já não pode ser apreendido através de camadas estruturadas na superfície, e a força motriz passa a residir na articulação dos componentes próximos e afastados. (...) Mesmo nos casos em que esse efeito [a encenação planimétrica] parece inevitável – por exemplo, quando um certo número de figuras se alinha ao longo da boca de cena – o artista cuida para que essas figuras não se cristalizem numa fileira perfeita, obrigando o observador a fazer incursões constantes [com o olho] até o fundo do quadro. (WÖLFFLIN, 1996, p. 101). Nas composições recessivas, o artista se esmera em criar linhas diagonais que cortam o quadro
ao mesmo princípio que ele usava em sua teoria da montagem: a organização dos elementos visuais que compunham o quadro era, em si, um segundo processo de montagem, só que realizada dentro do plano, e não através do corte. Através da coreografia, dizia Eisenstein (1992, p. 24) o realizador podia guiar o olho do espectador para certas partes da imagem, depois para outras, e assim por diante. Esse processo era tão mais eficiente quanto mais utilizasse a profundidade de Nacampo.década de 1930, Kenji Mizoguchi resgatou a composição recessiva filmando dentro no mesmo quadro duas ações simultâneas, uma próxima e outra distante da câmera, em coreografias aparentemente casuais e tomadas longas, com muito movimento. Nos planos de Mizoguchi, as figuras se moviam constantemente, tanto no primeiro quanto no segundo plano.
Na França, Jean Renoir usava composições recessivas com freqüência, e era também adepto das tomadas longas. Os planos reuniam vários atores conversando e se movimentando a diferentes distâncias da câmera. No entanto, Renoir colocava seus atores bem distantes da câmera, focalizados em plano médio ou geral. Além disso, ele às vezes mantinha o segundo plano fora de foco, ou agrupava os atores numa área mais estreita, obtendo uma profundidade de campo menos enfática e retórica. John Ford, outro adepto da composição recessiva, valorizava mais o espaço geográfico em que a ação acontecia. De modo geral, o primeiro plano em Ford é mais distante do que em Eisenstein, Mizoguchi ou Renoir, porque a integração do homem à paisagem do primeiro plano até o fundo. Os artistas podem criar esse efeito através de vários recursos, inclusive as gradações de luz e cor. Mas a maneira mais simples de instituí-lo na imagem é a disposição das figuras (atores, objetos cênicos, animais) em diferentes planos de profundidade. Ao longo da história do cinema, a composição recessiva nunca foi um esquema dominante de mise-en-scéne. Nos anos 1920 e 1930, a encenação dominante tendia a posicionar os atores numa linha perpendicular à câmera, produzindo um achatamento visual que resultava numa imagem planimétrica (WÖLFFLIN, 2000, p. 102), com pouca profundidade. Isso era resultado não apenas da influência do teatro, mas também dos equipamentos –sobretudo lentes e película – ainda incipientes, que não permitiam aos diretores de fotografia obter profundidade de campo, de forma que os atores, para ficar em foco, tinham que se posicionar numa faixa estreita do cenário. Apesar disso, havia exceções, incluindo diretores famosos, oriundos de escolas e países diferentes, que popularizaram a composição recessiva como uma alternativa viável à imagem planimétrica. Sergei Eisenstein, Kenji Mizoguchi, Jean Renoir, John Ford e Orson Welles são exceções famosas. Cada um revisou e adaptou as composições recessivas de uma maneira ligeiramente diferente dos outros. Todos influenciaram o processo de revisão desse recurso que Leone levou a cabo, nos anos 1960. A partir do final dos anos 1930, Eisenstein começou a aplicar à encenação cinematográfica uma coreografia mais elaborada do movimento dos atores dentro do quadro. Essa coreografia obedecia uso desse recurso, ao longo de duas décadas, demonstram que a ferramenta se tornou uma opção estilística consciente para ele. Mais até do que uma solução para um problema de representação, o close-up extremo se tornou uma assinatura estilística amplamente reconhecida.
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59 funcionava como tema central em seus filmes. A relação dos atores com o espaço cênico era tão importante quanto a coreografia das figuras dentro do quadro. Ford exerceu influência na revisão que Orson Welles fez da composição recessiva em profundidade. Welles criou uma variação mais exagerada e hiperbólica. Ele hiperdramatizou o recurso através da combinação de várias técnicas: além da profundidade de campo, usava o contra-plongé (a filmagem dos personagens de baixo para cima acentuava a dramaticidade dos rostos, efeito amplificado pelas sombras oriundas da iluminação quase expressionista que utilizava, com pouca luz de enchimento) e colocava um ator em primeiro plano próximo da câmera. Este último, em geral, permanecia parado, enquanto os demais atores iam e viam do primeiro plano ao fundo, de forma que essa movimentação assinalasse a modulação dramática, com personagens dominando e sendo dominados por outros alternadamente, às vezes dentro da mesma tomada, quase sempre sem cortes. A influência de Welles popularizou essa hiperdramatizadavariaçãodecomposição
recessiva nos filmes dos anos 1940. A técnica, chamada deep focus (ampla profundidade de campo obtida através da combinação de lentes grandeangulares, iluminação mais forte e película mais sensível à luz), tornada famosa por Cidadão Kane (1941), permitia o uso desse recurso em filmes pretoe-branco (a película colorida exigia mais luz, o que diminuía automaticamente a profundidade de campo obtida). Nos anos 1950, pela mesma razão tecnológica que reduziu o uso de close-ups – a adoção de processos anamórficos como o Cinemascope –, as composições recessivas voltaram a ser pouco utilizadas. Elas se tornaram tecnicamente mais difíceis de obter, e só retornaram ao repertório dos cineastas do mainstream com Leone. O uso típico que o italiano dava à composição recessiva se aproximava de Welles. Havia sempre uma figura em primeiríssimo plano, emoldurando a ação ao fundo; a profundidade de campo era ampla, com distâncias de até 20 metros entre as duas ações em diagonal, que se relacionavam. Mas havia, também, diferenças significativas. Leone tinha predileção por planos com câmera fixa, dentro dos quais o movimento dos atores era mínimo. Ele tendia a enquadrar de modo mais estático e minimalista, quase como uma pintura. O senso de movimento era gerada não no interior da composição pictórica, como seus antecessores, mas através da justaposição desses planos recessivos com outros planos –principalmente os close-ups. Usando a tela larga widescreen como “uma superfície dividida em unidades rítmicas” (BORDWELL, 2007, p. 311), Leone unia os dois recursos de modos quase simplórios: ele usava um rosto, mão ou revólver como figura em primeiríssimo plano; essa figura preenchia um terço da tela. A linha diagonal criada dentro do quadro levava o olho do espectador do primeiro plano para o fundo, criando um jogo de tensão que ampliava o suspense alcançado, acentuando a impressão de tempo dilatado – quase câmera lenta – que era, por si só, um terceiro padrão estilístico importante para Leone.
A razão para essa tendência de enquadrar de forma estática estava, talvez, na influência do uso da composição recessiva feito por pintores europeus que Leone admirava, como Edgar Degas (1834-1917) e Giorgio De Chirico (18881978). Os planos que usavam a composição recessiva aparecem com uma solenidade que induz o espectador a admirar o “artista” que os produziu. Era, talvez intuitivamente, uma tentativa de se impor como autor. Do francês Degas, Leone reteve a técnica de criar linhas diagonais através do posicionamento das figuras a diferentes distâncias do pintor; essa técnica é evidente na famosa série de quadros de bailarinas, que Leone adorava (FRAYLING, 2000, p. 233). De Chirico era citado por Leone pelo uso da nitidez nas composições em Paradiagonal.adotar a composição recessiva com profundidade de campo e moldura, Leone precisou resolver impedimentos técnicos. Nos anos 1960, as lentes anamórficas disponíveis não permitiam grande profundidade de campo, o que inviabilizava que as figuras em primeiro plano ficassem próximas da câmera e/ ou distantes entre si. Mas a partir de 1963 surgiu uma solução técnica para esse problema. Essa solução permitia que a câmera ficasse a poucos centímetros de distância do elemento em primeiro plano, mantendo o foco nele e também na ação dramática mais distante, a até 20 metros de distância. O aparato técnico que permitia essas composições surgiu em Roma, no laboratório italiano da Technicolor. Foi lá que alguns técnicos inventaram o Techniscope (BARBUTO, 2009), um sistema não-anamórfico
A conexão entre a alternância de close-ups e planos gerais com o tratamento do tempo diegético era estabelecida, em grande parte, pela representação mais fragmentada do espaço fílmico. Nos momentos de maior tensão, Leone quebrava a unidade espacial da cena através dos close-ups justapostos dos rostos dos personagens. A música dramática e o uso de silêncios também reforçam a sensação de câmera lenta. Além disso, Leone sustentava a representação fragmentada do espaço fílmico durante o máximo de tempo possível, para então justapor aos close-ups algumas tomadas panorâmicas em que os personagens se tornam pequenos pontos se movendo na tela, muitas vezes emoldurados por rostos, mãos ou botas. Essa economia de planos gerais contribuía para não deixar totalmente claras as relações espaciais entre os personagens da cena. Essa era a versão de Leone para uma ferramenta típica dos diretores modernistas europeus – o uso do falso raccord com intenção de suspense –, que a utilizavam para subverter uma convenção da linguagem cinematográfica e libertar o cinema da linearidade de tempo e espaço (BÜRCH, 1992, p. 36). Bordwell acrescenta uma idéia importante para explicar porque, no decorrer dos anos 1960, os diretores começaram a fragmentar cada vez mais o espaço fílmico. Para ele, os cineastas foram influenciados pela popularização dos formatos Scope de imagem (na proporção 2.35:1), pois esses formatos de imagem possuíam mais espaço lateral, de forma que era possível mostrar o cenário mesmo durante um close-up.
O principal problema do Techniscope estava relacionado à qualidade da imagem. Como o Techniscope usava uma área menor do negativo, a imagem precisava passar por uma ampliação maior na projeção; a textura ficava mais granulada e tinha cores desbotadas. Mas o sistema tinha vantagens. Além da economia de negativo, ele oferecia maior profundidade de campo: [O Techniscope] usava as lentes comuns, que chamamos de esféricas. Pelo fato de a diagonal do quadro ser menor, havia um aumento da profundidade de campo em relação ao 35mm e ao Cinemascope. Havia uma boa disponibilidade de lentes zoom (...) [o que não acontecia com as lentes anamórficas, muito mais caras e difíceis de encontrar]. Se poderia ter o quadro largo, permitindo o trabalho com a paisagem, liberando a mise-en-scène. E, de quebra, fazia o negativo render o dobro, diminuindo os custos. (BARBUTO, 2009). Na Itália, os produtores adotaram o Techniscope como formato padrão dos filmes de baixo orçamento, pois as vantagens financeiras eram expressivas. Leone, em particular, viu no formato a solução para o problema das composições recessivas. A desvantagem mencionada – textura granulada e cores desbotadas – não chegava a ser um empecilho, pois a direção de arte de seus westerns apostava em cores gastas e texturas sujas. O sistema até favorecia a aparência rústica pretendida. É importante esclarecer que a justaposição de close-ups e planos gerais em composição recessiva ainda gerou um terceiro traço estilístico recorrente na obra de Leone: a percepção mais lenta da passagem do tempo interno de certas cenas, sobretudo os duelos.
Considerações A continuidade intensificada é um conceito cunhado a partir de uma proposta alternativa da evolução da poética do cinema ao longo do século XX1. Em linhas gerais, David Bordwell (2008, p. 12) divide a poética em três vertentes: temática, construção narrativa em larga escala e prática estilística. A primeira lida diretamente com as peças que compõem a narrativa (texto, subtexto, personagens, temas, diálogos, etc.). A segunda estrutura a ordem com que essas peças são dispostas, com as finalidades de organizar as informações dramáticas e provocar certas emoções no público. A terceira corresponde à textura visual e sonora propriamente dita (composições pictóricas, montagem, música, iluminação, cenários, figurinos, locações externas, etc.). Bordwell propõem que os princípios gerais que governam a arte cinematográfica, cuja premissa ele chamou de “continuidade clássica” (BORDWELL, 2006, p. 119), jamais deixaram de operar. Ele acredita que as três vertentes da poética do cinema foram e continuam sendo submetidas a uma operação de intensificação 1 Por poética, aqui, compreende-se o conjunto de princípios estilísticos e narrativos que governam a construção de sentido da obra de arte e a sua respectiva decodificação pelo público.
60 que registrava as imagens na proporção 2.35:1 – a mesma dos formatos anamórficos – numa área correspondente a 50% do negativo de 35 mm, utilizando lentes esféricas normais, nãoanamórficas.
61 gradual e incessante, cujas origens remontam aos anos 1960. A poética da continuidade intensificada, então, consiste em um conjunto de esquemas circulantes que incorporam um leque cada vez mais amplo de recursos estilísticos, sempre apontando em direção a uma experiência fílmica mais visceral e intensa, buscando sempre uma imersão maior do espectador no espaço diegético. Ele sugere que, embora muitos recursos de estilo e táticas narrativas tenham sido introduzidos desde então no cardápio dos cineastas, os princípios gerais da construção narrativa, constituídos durante a fase clássica do cinema, ainda continuam valendo: O que mudou, tanto nos registros mais conservadores quanto nos mais vanguardistas, não foi o sistema estilístico da construção cinematográfica clássica, mas sim certas ferramentas funcionando dentro desse sistema. (...) Desde os anos 1960, essas técnicas foram trazidas para o primeiro plano, de formas inéditas em décadas anteriores. Enquanto se tornavam mais proeminentes, essas técnicas alteraram a textura de nossa experiência fílmica. (BORDWELL, 2006, p. Entre119). os nomes dos diretores que ajudaram a trazer essas novas técnicas para o primeiro plano, Bordwell cita Jean-Luc Godard, François Truffaut, Michelangelo Antonioni, Ingmar Bergman, Akira Kurosawa e Orson Welles. A análise fílmica da obra de Sergio Leone sugere que devemos incluir o nome dele nesse grupo. A contribuição dele na constituição da poética intensificada tem sido minimizada, principalmente porque ele emergiu a partir de um ciclo de produções populares – o spaghetti western – e fazia filmes de gênero, na época tidos como artisticamente inferiores. No entanto, ao isolar determinados padrões estilísticos recorrentes na obra de Leone e reconstituir os contextos de emergência dessas ferramentas, através da metodologia de análise fílmica que leva em consideração os contextos sócio-culturais, torna-se possível afirmar que o cinema de Leone exerceu uma contribuição importante na consolidação do repertório da poética da continuidade intensificada. Respeitar a mise en scène, a profundidade de campo Leone acreditava na meticulosidade, no sentido de cada detalhe na construção do plano, da cena. Encenação, como em um palco ou em uma pintura. “Preciso trabalhar a fantasia para melhor instalar a coreografia e o barroco na minha escrita cinematográfica”, disse uma vez o diretor em uma entrevista. A Schoolboy Sleeping on His Book (1775), de Jean-Baptiste Greuze
62 ensaio Sem nome, JULIANA AMARA
Sem dinheiro no banco e sem parentes importantes, como diria o cearense Belchior ou o baiano Caetano: sem lenço, sem documento. Assim se apresenta Juliana Amara neste ensaio às vezes um pouco ao modo poseur (nunca poser), outras vezes ao modo dos 3x4 para denunciar certo cataloguismo. De espécie. A artista, hoje trabalhando em um museu de arte contemporânea no Recife, aposta nos espelhos (da cidade, de si mesma) como ecos da imagem, em uma visão bastante peculiar de si mesma e de artistas visuais de um cidade que ignora ou invisibiliza bairros como Água Fria, onde Juliana Amara sem-nome mora, em todos os endereços.Nenhuns.
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Cinema agreste de Rucker
Paulo Cunha nasceu no Recife. É pesquisador e professor-titular aposentado na Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Artes e Ciências da Arte pela Universidade de Paris I - PanthéonSorbonne. Publicou, entre outros: A utopia provinciana: Recife, Cinema, Melancolia (2010), A imagem e seus labirintos: o cinema clandestino do Recife, 1930-1964 (2014), A aventura do Baile Perfumado: vinte anos depois (2016), Geneton: viver de ver o verde mar (2019), A invenção de Tatuagem: o processo de criação de Hilton Lacerda (2021) e Árida luz nordestina: o cinema de Rucker Vieira (2022). Árida luz nordestina: o cinema de Rucker Vieira, de Paulo Cunha, 358 Editorapáginas,Contraluz, 2022 Nesta entrevista para Unicaphoto, o pesquisador Paulo Cunha fala sobre seu novo livro, Arida luz nordestina, lançado pela editora Contraluz. e reforça a importância do trabalho do pernambucano Rucker Vieira (1931-2001) para a memória da fotografia e dos cinemas brasileiro e popular do Brasil. Há sucessores para o trabalho de Rucker Vieira? “Quem dera houvesse hoje no Brasil cineastas que olhassem para o mundo popular sem querer dar lições a ninguém”, diz Paulo Cunha. Além da entrevista, Unicaphoto publica na íntegra o prefácio do livro, um ensaio biográfico escrito pelo cineasta e crítico de arte Fernando Monteiro.
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Unicaphoto:Vamos começar pela pergunta mais urgente: como se explica de um nome como Rucker Vieira desaparecer? Paulo Cunha: Rucker Vieira foi um dos criadores de imagens mais importantes do Brasil na segunda metade do século XX. Uso a expressão “criador de imagens” porque além de ter sido um fotógrafo (de imagens estáticas) e um diretor de fotografia (em filmes de diversos diretores), Rucker foi um cineasta rigoroso, criador de obras antológicas como “A cabra na região semiárida”. Como o criador dessa dimensão desaparece das histórias do cinema e da fotografia? Como some dos registros da cultura brasileira? Podemos imaginar que foi tragado pela melancolia provinciana, pelo fato de ter sido um homem simples e trabalhador, ou por ter fugido das elites intelectuais que legitimam os que a ela se dobram. Rucker Vieira foi provavelmente o mais popular dos artistas visuais brasileiros, um homem que bebia Rum Montilla em bares suburbanos, onde tirava imenso prazer em levar seu projetor de 16 milímetros para mostrar filmes com gols de Garrincha aos parceiros de farra. A cena cultural brasileira é elitista. Rucker Vieira não se enquadrava nela.
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Unicaphoto: Que características marcam a estética de Rucker Vieira? Em “Árida luz nordestina”, há o comentário do crítico Wills Leal sobre uma estética peculiar de Vieira, como uma “resposta nordestina”. O senhor pode nos falar sobre isso? Há algum exagero de se ligar essa Brincando de luz e sombra: Paulo Cunha analisa o processo de criação de Rucker Vieira. Foto: reprodução do livro Árida luz nordestina
Unicaphoto: Como se deu a passagem da experiência fotográfica para cinematográfica, de Rucker Vieira? Era tudo atrevimento e autodidatismo ou havia uma formação mais disciplinada, acadêmica, para essa passagem? PC: Havia em Rucker Vieira, a um só tempo, talento nato para as coisas práticas, para a bricolagem, e um esforço permanente de aprendizado. Rucker Vieira aprendeu a fotografar ainda adolescente, em Garanhuns. Aprendeu praticando e percebeu que queria viver daquilo. Corajoso, aceitou um emprego em São Paulo como fotógrafo e laboratorista comprando e lendo livros técnicos em espanhol. Depois fez um curso de cinema no Museu de Arte Moderna de São Paulo que o levou a aceitar um chamado de Linduarte Noronha para ser o fotógrafo do clássico “Aruanda”. Eu digo sem medo de errar: fotógrafo tão expressivo que assume o papel de coautor. Então, sim: atrevimento, talento, coragem.
Para mim, toda a fotografia de Rucker Vieira se expressa na forma de uma fuga do patético, do acadêmico. Essa é a sua maior grandeza. Rucker Vieira olhava — e resgatava esse olhar — para a vida do povo pobre do Brasil como se dela fizesse parte. É claríssimo que essa visão sem pathos, essa visão singela do povo simples do Nordeste brasileiro, é a invenção mais sutil e ainda pouco estudada de Rucker Vieira. Quando se fala de “Aruanda” como prenúncio do Cinema Novo ou da Estética da Fome, fala-se do espanto de Glauber Rocha diante do fato de sido realizado com uma câmera simples, um tripé e com a força expressiva de Linduarte Noronha e Rucker Vieira, até, evidentemente, de ter trazido à tona o mundo dos quilombos, dos negros nordestinos e sua capacidade de sobrevivência. Gosto da visão de Wills Leal e da interpretação da fotografia de Rucker Vieira como “resposta”, porque afinal se trata disso também: de uma espécie de reação, de reinvenção dos modos de ver do cinema industrial paulista, da Vera Cruz. Unicaphoto: “Aruanda” é um filme sobre a negritude, sobre a resistência. Há evocações claras do nome com Luanda, na África. Como o senhor vê a fotografia e o cinema atuais, no Brasil, nessa relação de representatividade? O trabalho de Rucker Vieira tinha essa “pegada” política ou se destaca nesse ponto justamente por não buscar ser “representativo” no campo da política, senão da arte? PC: Rucker Vieira não praticou política militante, partidária. Mas viveu e trabalhou num Brasil convulsionado pela ideia de revolução e pelos ataques da contra-revolução. E creio que ele sempre percebeu que o cinema popular, o cinema capaz de expressar e sintetizar as populações mais pobres do Brasil, era efetivamente político, num sentido muito amplo e profundo. A comunidade negra da Serra do Talhado, na Paraíba, onde ‘Aruanda” foi filmado, foi uma descoberta de Linduarte Noronha. Mas eu estou absolutamente convencido de que o filme jamais teria sido o que foi sem a participação de Rucker Vieira, que nascera e fora criado na fronteira entre Pernambuco e Alagoas, terra de muitos quilombos, inclusive o de Palmares. A infância de Rucker Vieira se deu em meio aos remanescentes desses quilombos, que vinham vender seus produtos na feira de Bom Conselho e que participavam intensamente da cultura daquela região. O que Rucker Vieira fez com as imagens não foi, aparentemente, fruto de um projeto, de uma vontade de representação, mas de uma sinergia natural entre ele e seus conterrâneos nordestinos, com a mediação de um olhar sem qualquer maneirismo estético.
fotografia e estética à Estética da Fome, do Cinema Novo, por exemplo? O que uma transcende da PC:outra?
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Unicaphoto: Temas realistas e “nacionais” eram a marca senão uma exigência para o cinema, no cenário político naquela década de 1950. Parece que de alguma forma a arte brasileira, e incluímos a indústria do cinema, tem buscado essa conjunção realista, também. Como o senhor vê essas relações no Brasil de ontem e de hoje, quanto à produção fotográfica e cinematográfica? Há herdeiros ou herdeiras dessa estética de Rucker Vieira? PC: Do ponto de vista temático, de fato, a ideia de um recorte nacional — até nacionalista — foi característico do momento em que Rucker Viera se lançou na produção de cinema. Foi o tempo em que se impôs um cinema erudito, realizado por cineastas de classe média e de formação universitária. Aos poucos, saíram de campo os realizadores das chanchadas e dos melodramas da Vera Cruz, técnicos cujo aprendizado e evolução se daria na própria indústria cinematográfica. Com os novos realizadores ocorreu também uma guinada à esquerda das abordagens, que passaram a ser muito mais críticas na interpretação da realidade. Mas Rucker Vieira, tendo sido um homem “de esquerda”, não pertencia ao estrato universitário da grande maioria dos cinemanovistas. Ele nunca fez curso superior. Suas opções políticas e estéticas eram, no meu modo de entender, muito mais viscerais, íntimas, solidárias com os pobres nordestinos. Desse modo, seu olhar era sempre horizontal, era participante, era integrado. Nunca um olhar estrangeiro, superior, distanciado. Isso explica a sua originalidade absoluta e a sua grandeza como artista. Quem dera houvesse hoje no Brasil cineastas que olhassem para o mundo popular sem querer dar lições a ninguém.
76 ensaio biográfico
A comoluz legado por Fernando
Monteiro
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O caso do fotógrafo e cineasta pernambucano Rucker Vieira, imaginando-o arrolado num imenso arquivo de pastas sob a rubrica CINEMA BRASILERO, certamente estaria “fichado” como caso da Agrupação “I”, Situação “E” (sublinhado com tinta vermelha). Ou seja: Cinema Brasileiro – Injustiças Extremas.
Mais: o seu nome encabeçaria esse setor, se o ordenamento dos casos fosse regido não alfabeticamente, mas pela classificação de gravidade das situações mais sérias (e injustificáveis) de Ruckeresquecimento.seriaencontrado logo de cara, então, justamente na posição de destaque que lhe foi negada em vida – por falta extremada de justiça e\ou reconhecimento do mérito.
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VIEIRA estaria, assim, no topo final da lista de nomes “apagados” ou quase anulados do nosso cinema, por um descaso sem qualquer razão ou, mais provavelmente, pelo motivo de mantê-lo na condição coadjuvante de fotógrafo (e nada mais) de filmes cuja importância só fez crescer com o tempo e para os quais ele contribuiu decisivamente. Perguntando bem claro: quem tem medo de Rucker Vieira?... Eu teria alguns palpites, nesse caso “misterioso” do pernambucano de Bom Conselho cuja vida despreocupada de autopromoções e outras empáfias esteve sempre guiada por luz própria, certo (ele) do mérito da sua seminal participação na chamada “estética” do Cinema Novo, para a qual trouxe um olhar direto e um coração sensível trabalhando juntos na criação de imagens sem disfarces ou ênfases supérfluas. Rucker, como diretor de fotografia e\ou diretor, não foi influenciado diretamente por nenhuma “escola”, mas criou a sua, sem teorias alheias, mas por empatia, por compreensão da nossa realidade sem o apoio de teses a orientar olhares etc. Do mesmo modo, ele se fez íntimo das ferramentas da sua profissão, como “homem de curiosidade” dominando as câmeras e as lentes do aparato, sempre modesto, que lhe foi colocado nas mãos seguras de artista o tempo todo superando os sérios limites técnicos de captação de imagens no Nordeste do final dos anos de 1950. 2 Assim, este livro de Paulo Cunha trata de um “esquecido” muito especial, ou de um “omitido” para que outros fossem lembrados, como se tudo se passasse numa corrida de cavalos puro-sangue e de jegues, nessa furiosa feira de vaidades do meio cinematográfico. Nele, o menino interiorano se tornou o adulto que viria a desprezar o “brilho” externo, praticamente ignorando a busca de carreiras, empregos e prêmios. Paulo foi firmemente motivado pela admiração que sabe ler nas entrelinhas dos relatos e crônicas da Rucker Vieira em filmagem com o ítalo-brasileiro Alberto D’Aversa, em 1968. Na página anterior, detalhe de registro etnográfico do artesanato de barro para Aruanda (1960), com direção de fotografia de Rucker Vieira. Fotos: reproduções do livro Árida luz nordestina MonteiroFernando é poeta, crítico de documentáriosDiretorcineasta.romancistaarte,ede e curtas ficcionais, alguns dos RuckerfotografadosquaisporVieira
E não só isso: fica demonstrado como Rucker percebeu bem a natureza da luz da Região nordestina, a qualidade “crua” dos contrastes de sol e sombra, pedras luminosas e interiores de mãos grossas e rostos gretados, na longa procissão dos gestos repetidos pelo ritmo das longas escravidões. Porque o objeto de estudo, aqui, foi um homem com os pés no chão, além da visão sempre alerta e o instinto, trazido do berço, de iluminar a palo seco em território barroco bem compatível com os séculos de claro-escuro que vivemos e que ainda disfarçam a verdade das “vidas secas”, no horizonte sem esperança das “terras sem pão”. Isso, essa percepção, se operava por imediata solidariedade sem mácula, por parte dele. Porque não se inventa, não se improvisa (para uso tópico, apenas) sentimento fraterno, visão comovida dos desvalidos
história – frequentemente torta – de caranguejos e homens, “diretores” e Diretores, jornalistas e Cineastas, nomes e Nomes. Rigoroso, o autor desta fascinante obra, tão bem pesquisada quanto escrita com a verdade em mente, não se enganou com nenhuma torsão dos fatos, ou versão deles, que lhe impedissem de sacudir a poeira grossa por sobre a atividade de uma das mais importantes figuras da história do nosso Documentarismo.
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Foto: reprodução do livro Árida luz nordestina
Rucker Vieira ao lado de uma Arriflex 35mm, no set de filmagem para o Banco do Estado de Pernambuco, em 1969.
3 Fui participante em algumas das jornadas desse Vieira do Cinema, e dele guardei a lembrança de um profissional dotado da capacidade de ver, sem filtros, como eu suponho que também viam um Mário Carneiro (Arraial do Cabo), um Vito Diniz (Pelourinho), um Edson Santos (Saideira) e outros. Mário Carneiro realizaria, bem depois do Arraial (1960), o longa-metragem que é uma pequena obraprima até hoje ignorada, inclusive pelos amigos para os quais fez a fotografia de filmes sem um terço da imaginação do seu Gordos e Magros (1977); Vito Diniz viria a se tornar uma espécie de “Rucker da Bahia”, esquecido quase tão injustamente quanto o nosso – e Edson Santos teve a sorte de um maior reconhecimento na função de diretor de fotografia de filmes de grande sucesso (como A Dama do Lotação). Seja como for, eles não ficaram remoendo a ação dos invejosos, e, no caso do fotógrafo\cineasta de Pernambuco, esse mais do que seguiu em frente, oferecendo seus serviços e sendo contratado como um diretor de fotografia capaz de ver o que tantos Diretores deixavam de ver bem na sua frente. Foi desse modo que ele prosseguiu na sua vida, após Aruanda, sem tempo para o muro das lamentações de chorosos profissionais. Porque sabia de si mesmo. Estava seguro do domínio do seu olhar direto, através de lentes que Rucker até “aperfeiçoava”, à sua maneira, como conhecedor das técnicas, dos processos e invenções & truques que muitos levam uma vida inteira para aprender (e que ele decidia oferecer, a qualquer um, sem esperar nada em troca e também sem a jactância do “saber”, ao modo da modéstia natural sertaneja). Eu o chamava, com fraterno carinho, de “Roc”, pois Rucker – com esse “k” meio intrometido – me parecia solene demais para uma criatura tão simples e generosa. Vou mais longe: fui também amigo de um brasileiro cidadão do mundo – Alberto Cavalcanti –e os junto, Alberto e Rucker, numa admiração que sobreleva as diferenças, tão grandes, entre suas bem diversas trajetórias, um no campo do cinema internacional e, o outro, o “bugre-fulniô” (conforme Paulo Cunha carinhosamente aqui o chama) que, um dia, sumiu nos longes do Roraima de onde só voltou para morrer no Recife, no dia 12 de fevereiro de 2001. Até ler os originais desta obra, eu não sabia o ano da morte de Rucker. E se eu não sabia dessa data, foi porque não mereci inteiramente a amizade dele, não a honrei como deveria ter honrado: com a angústia de procurar saber do seu destino, das suas andanças e, afinal, do dia em que o meu amigo “sumiu na espuma do nada” (para citar um quase verso do ator Robert de Niro, referindo-se ao seu pai). Bem, voltemos à herança geral do cineasta brasileiro aqui biografado. 4 Rucker Vieira dá nome a um Concurso de Roteiros (da Fundação Joaquim Nabuco), e, talvez por isso, não tenha sido totalmente esquecido esse superprofissional que escreveu tão poucos roteiros na vida. Roteiros? Não propriamente. Ou, melhor dizendo, ele os “escrevia” (?) mais por aquela tal incrível mirada imediata, na hora de filmar. Nem por isso, entretanto, tal homenagem da Fundaj soa inadequada – na falta absoluta de homenagens de outros. A verdade é que Vieira virou uma lacuna (a mais grave, eu repito) num cinema clamoroso de injustiças, conforme é, infelizmente, o nosso. Essa “lacuna” deve ter sido do interesse de X, Y, Z”... et altrii, em Pernambuco, na Paraíba, no Rio de Janeiro e noutros quadrantes nos quais, com este livro, vai ficar muito difícil manter na sombra o alto talento do diretor (porque o fotógrafo Rucker até que é lembrado, volta e meia é recordado, digamos, pela ótica do caranguejo: “foi ele que teve a honra de fotografar o MEU filme” etc). E é exatamente o oposto que vem para o foco deste ensaio biográfico que examina a marca de RV nos filmes “alheios” que trazem a sua fortíssima presença, para além do que está nos créditos e em cada sequência ou cena nas quais a fotografia de Rucker alcança o patamar, no mínimo, da co-autoria dessas obras. E esse patamar se afirma totalmente, na “pista” por Paulo Cunha seguida, quando diligentemente se aplica à análise de uma obra-prima irretocável que traz a assinatura plena de Vieira: A Cabra na Região Semiárida. Ali está a mesma luz que ele criou para Aruanda, de Linduarte Noronha – e que serviu de norte para as câmeras do Cinema Novo. “A luz, a luz!” – uma exigência exclamativa que Rucker teria todo o direito de reivindicar, estendendo as mãos para a janela da noite, quando esta se fechou, definitivamente, para um artista já esquecido em vida. Este, o caminho de vereda deste livro que largamente acompanha um Mestre, trazendo-o para o lado claro do cinema brasileiro como um rio nordestino que, aparentemente seco, voltasse a correr entre os mananciais da arte ainda hoje impactante nos filmes que o meu Amigo deixou como legado.
79 vivendo em terras duras, com seus animais e solidões, sem possuir as qualidades intrínsecas do homem de sorriso afável que eu conheci no ambiente do Cineclube Projeção 16, formado, na maioria, por jornalistas e intelectuais pálidos sob o facho da cinefilia que discutia teses acadêmicas aplicadas a alguns filmes que gritavam. Rucker estava e não estava ali, na companhia deles, com o seu puro instinto para a vida “lá fora” e, muito frequentemente, o “cuba-libre” oferecido (com piadas benignas sobre os cineclubistas vindos de Berna) àqueles poucos que ele considerava mais próximos das suas visões.
80 capa
Everdadeiraemaisonostemrealidade,simbólicocapapalavraAqui,vocabulárionãocoletivas)liberdadecujaspiorsuaessesemumaAsamostrarÂngelaHuancaimigrantePereira,DelmaemFerseck),Makuusipesquisadoramaimi(SonyaespecialistaeducaçãoquilombolaSilva,CleanedaCecog,obolivianoJuaneaquilombolaterminampornosdeformatocanteforçadecadapalavra.respostasdenunciamrealidadeimpiedosa,umpaísquecompletaduzentosanosdeindependência,sobodosseusgovernos,palavrascomo(individuais,eindependênciafazempartedoseupolítico.cadaimagemedamatériadetranscendeoplanoetemopesodadegentequesentidonapele(elugaresondevivem)quantoamortepairasobreseuscorpostradiçõesqueaideiadeindependência.contraistoluta.fotografaparaibanoPessoa,domundo,desde Abril Geographic trabalho
AugustoouIndependênciamortePessoa
Augusto
Brasil, aventuraatualmentePessoasepelo cinema e segue seu
Neste Bicentenário de Independência do Brasil, pedimos ao jornalista e fotógrafo Augusto Pessoa um ensaio amplo de sua trajetória, que envolvesse algumas das minorias do Brasil: negros, indígenas de pelo menos duas etnias, povos nos quilombos, gente cuja identidades se fundem como habitantes do Cariri Cearense, pr exemplo, imigrantes, enfim: o resultado você vê agora. Ao mesmo tempo, pedimos depoimentos a representantes dessas minorias espalhados pela país que, de alguma forma, respondessem à pergunta: “O que significa, na verdade, a Independência do Brasil para esse povos, entre outras minorias? A resposta trazia uma sutileza: deveria ser respondida em exatas duzentas palavras, em clara referência a esses duzentos anos da “independência” do Brasil. Assim, a indígena Macuxi, a mãe e
Etnia Baré, Rio Negro Amazonas. Comunidade ribeirinha do Livramento, antiga região de seringais. Algumas tribos vivem nessa região 81
1994. Prêmio
de documentação da cultura nordestina.popular
de Jornalismo e colaborador da National
A independência nunca foi para os povos indígenas. Não neste mesmo sentido que se entende para o Brasil enquanto autonomia política com relação a Portugal. Os povos indígenas possuíam autonomia, seus próprios sistemas de vida dirigidos por uma cosmopolítica ou de bem viver com a própria comunidade, com outros povos, com a terra, em suas próprias línguas e espiritualidades. Nunca fomos independentes, pois sabemos que estamos em relação direta e constante com tudo que habita os cosmos. Mas desde a colonização, houve uma série de violências e imposições que continuam nos agredindo, inclusive isso que se comemora no dia 7 de setembro. Não dá para esquecer que durante um desfile “comemorativo” da data, um parente indígena foi exposto amarrado em um pau-de-arara como exemplo a quem se indispunha contra a ditadura. O Brasil colônia pode até ter ido embora, mas deixou uma estrutura de pensamento que permanece e criou uma perversidade imensa, pois nos tirando o direito à terra e aos nossos modos de vida nos transformou em “pobres”, impôs obrigatoriedades legais e jurídicas para sermos reconhecidos como pessoas e como cidadãos, impôs necessidades de consumo para participar da chamada “civilização”. É só mais um dia de luta pela vida.
Sony Ferseck em poesia. Wei Paasi em Makuusi maimu. faz parte do povo indígena Macuxi. É mãe da Amora Fiorotti, poeta, escritora, palestrante, pesquisadora e atualmente professora substituta no curso de Licenciatura Intercultural no Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da UFRR. Co-fundadora junto com Devair Fiorotti da Wei Editora, primeira editora independente do estado de Roraima. Doutoranda em Estudos Literários no Póslit/UFF, mestre em Literatura, Artes e Cultura Regional e graduada em Letras/Inglês pela UFRR. Além de sua pesquisa, ela se dedica às suas próprias produções literárias como Pouco verbo (2013), Movejo (2020) e Weiyamî: mulheres que fazem sol (2022).
84 “É só mais um dia de luta”
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Nas duas
formas,ameaçavivemAwáasinsistemfazendeirosgarimpeirosameaçadaAméricasemi-nômadePará.Maranhãofronteiraaanterioresfotosenesta,etniaAwáGuaja,docomoÚltimatribodadoSul,porequeeminvadirsuasterras,osGuajahojesobdetodasaseenfrenta
ogrande desafio de proteger as florestas tropicais
A etnia Baré, AlgumasfeitaAmazonas.XiéaoprincipalmentevivelongodoRioeRioNegro,AfotofoinaComunidaderibeirinhadoLivramento,antigaregiãodeseringais.tribosvivemnessaregião
Raimundo Aniceto, Crato, Ceará. Mistura de negro e índigena, Cariri, representante de uma linha de tradição da cultura popular
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90 Dona Dinda, artesã. Nova Olinda, Ceará. Na página seguinte, as mãos da artesã dão cor forma e sentido à sua luta
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“Somos a pedra no sapato da elite”
Delma Josefa da Silva Pesquisadora sobre Educação e relações étnico-raciais e currículo escolar Quilombola. Ministra cursos sobre Necropolítica e Educação antirracista.
Continuar a insurgir-se. Não há perspectiva de independência com decência a não ser no caminho da insurgência. Denunciar essa farsa e mover-se num giro de trezentos e sessenta graus para criar perspectivas de existência. Historicamente temos feito isso. Os quilombos são insurgências que pulsam há quatro séculos. Desenvolver a consciência crítica de que na construção do Brasil tem mais do que a nossa mão preta, tem o corpo inteiro, com uma mente criativa, e leitura estratégica para continuar a existir. As sublevações, as revoltas são referências desses agir, mas também há conquistas edificadas nos pilares da diplomacia no Plenário da ONU, na III Conferência Internacional contra o racismo, a xenofobia e intolerâncias correlatas, ocorrida na África do Sul em 2001, ou no congresso nacional e STF com a conquista das ações afirmativas no acesso de pretos e pardos ao ensino superior e ao mercado de trabalho. Nós, negras e negros, imprimimos no Brasil a sociologia da experiência na resistência, marcada a ferro e fogo. Somos a pedra no sapato da elite colonialista em pleno século XXI.
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94 Tambor de Criola, São rituaisreúnemNegrosMaranhão.Luís,quesenocentrohistóricopararepletosdemusicalidade
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Neste ano em que se comemoram 200 anos de independência, completam-se também 10 anos de aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar quilombola, sem nenhum movimento do Estado em direção a sua aplicação efetiva. Seguimos em luta, reafirmando que nossos ancestrais construíram este país, e é responsabilidade do Estado garantir esses direitos para seus descendentes. Quando isso acontecer, comemoraremos a independência do Brasil.
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O Censo Demográfico 2022 será a primeira pesquisa oficial que vai trazer informações sobre a população quilombola residente no Brasil, resultado de uma forte incidência política da Conaq, que há 26 anos vem defendendo a luta das comunidades quilombolas em nível nacional.
“...nossos ancestrais construíram este país”
A independência do Brasil foi um fato importante na história. No entanto, esse processo não interferiu ou provocou rupturas sociais no país. A escravidão se manteve e a distribuição de renda continua desigual. Nós, os Quilombolas ainda lutamos para que o Estado execute as leis, nos reconhecendo como sujeitos de direito, garantindo a permanência em nossos territórios através da regularização fundiária, e a garantia de inclusão do nosso povo nas políticas públicas com recorte e respeito as nossas especificidades. Há o racismo institucional praticado pelo Estado, que impede que nosso direito seja garantido.
Cleane Pereira da Silva participa da coordenação do coletivo de educação da Conaq, e é coordenadora da Cecoq (Coordenação de Comunidades Quilombolas do Piauí).
103 Quilombo Caiana dos Crioulos, Alagoa Grande, Paraíba. Esse quilombo surgiu durante a colonização e a fase Áurea dos engenhos de açúcar no interior.
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Juan Huanca nasceu em 1996 em San Bernardo de Tarija. É técnico em refrigeração e exestudante, como se definiu. Unicaphoto conseguiu entrevistar Juan pelo aplicativo WhatsApp de um amigo em Campo Grande (MT). Huanca não é seu verdadeiro sobrenome. Juan prefere não se identificar: “Não sei o que querem. Como entrevistar a mim?” Preferimos manter a grafia do entrevistado em portunhol. Isso pode dar a ideia (somente parcial) da vida dos imigrantes de países vizinhos neste Brasil.
Nosotros sempre vêmos Brasil como uno lugar alegre e rico en oportunidades, pero nesses últimos anos, este es un país sem coración. la gente imigrante sente isso nas ruas. En Campo Grande, vivi com índios locales, en periferia, que es lo que resta a ellos tb. Há hermanos brasileiros en mesma condición en todo lugar. Há gente de la Colômbia e de la Venezuela e de la Bolívia, gente que cursou faculdad, com vontade de lutar, pero parece que el país adormeceu. Brasil, parece, no es parte de la América Latina, desconhece que somos hermanos e no esclavos uns de los outros. No sabia desses duzentos anos de la su independência. Este povo ainda no es independente. Me desculpem lo português.
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“Me desculpem lo português” Cresci en Cobija. Há dois anos estoy en Brasil. En primieira vez, tennia 19 anos e entrei por baixo, por Corumbá. Trabalhei clandestinamente en madeira, pero meus pais necessitavam e voltei. Hoje, com 26 anos, consegui una bolsa para [estudar] gastroenmia en Mato Grosso, pero quando cheguei vi que era un buraco para contrair deudas e pagar com trabalho. Hoje, yo moro vivo como puedo, às vezes encontro gente de la Bolívia, ocupamos algún e ficamos até onde dá.
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Foi apenas ver as fotos de Filipe Facão. Como uma fita de celuloide antigo começaram a desfilar imagens e pedaços de relatos. Alguns dos inúmeros que lera nos quase doze anos acadêmicos que dediquei a pesquisar e tentar ajudar a entender o valor, o encanto evolutivo e toda a magia escondida nas literaturas andinas. A orografia inconfundível que para maioria de pessoas remete ao turismo, e mais afortunadamente ao paisagismo histórico, verificando de algum modo a cosmogonia dos povos que ali construíram a fabulosa cidade do “umbigo do mundo”, verdadeiro significado de Cusco, ou Qosqo ou Qusqu no quéchua que o batizou originariamente. As montanhas, assim como as outras manifestações da natureza eram entidades que faziam parte e sentido desse mistério que chamamos vida. Qualquer imagem do cerro remete também a cineastas que produziram o que numa época se conhecia como arte ‘comprometida’. Allpa Kallpa (Força da terra) de Bernardo Arias, Kuntur Wachana (“Onde nascem os condores”) de uma dupla de realizadores cinematográficos, pesquisadores e escritores peruanos. Ambos filmes começam com as imagens dessas montanhas. Premiados internacionalmente por seus numerosos longas de ficção e docudramas, encarcerados, censurados e ‘ninguneados’ (evitados, ignorados, apagados, enfim) em seu país. Como acontecera (pelo menos inicialmente) com os escritores de dimensão internacional como Clorinda Matto de Turner, Luis E. Valcarcel, José Maria Arguedas, Manuel Scorza e outros autores que decidiram assumir uma releitura diferente da hegemônica, sobre as centúrias do domínio e da luta dos povos originários dos Andes. O casal formado por Federico García Hurtado e Pilar Roca filmaram juntos, ele como diretor e ela como produtora, uma dúzia de filmes. Deles, talvez o mais conhecido seja Túpac Amaru (1984). Premiado na década de 80 e m Cuba, Japão, Reino Unido e Colômbia. Os dois primeiros filmes mencionados acima abrem a luz com a estampa imponente desses cumes. Essa remissão das fotos coincidiu com a leitura de uma das últimas obras publicadas também do casal culturalmente tão prolífico, dedicado ao conhecimento da cultura pré-colombiana dos Andes. Um volume titulado Pachakuteq, que em quéchua representa um cataclismo, catástrofe cósmica em que o estado das coisas se inverte ou muda por completo. O último teria ocorrido com a chegada dos europeus, “para saciar su apetito con ‘el sudor del Sol’” como chamavam os índios o metal cobiçado. Esse fenômeno universal teria lugar a cada 500 anos. Por esse motivo, e pelas circunstancias globais que atravessamos, parece de peculiar interesse analisar o que consideramos a base conceitual da presunção dos autores mencionados. O estudo das obras de autores como os relacionados acima, levaram-me à percepção da eterna incapacidade epistemológica do invasor em reconhecer a existência de outras formas e capacidades de perceber, entender e se comunicar com o universo, com a vida. O que tem dificultado até hoje dirimir as fraturas do choque etnocultural. Escolhemos assim traduzir as páginas 166/169:
A EnsaioveiomontanhaamimdeFilipeFalcão/TextodeMarceloPérez
108 CAPÍTULO VI A CULTURA DA RESISTENCIA 1. O X Pachakuteq A chegada dos europeus representou o início de um processo de conquista e dominação, marcado por dois signos hegemônicos: o genocídio e o etnocídio. Dentro da mentalidade andina esta presença traumática, inevitável e inexorável e que deve acontecer cada 500 anos corresponde ao X Pachakuteq. Quando os Pizarro ingressaram ao Tawantisuyu por Tumbes, a população andina oscilava entre os 12 e 15 milhões de habitantes, segundo o historiados David Noble Cook. Apenas dois séculos depois tinha se reduzido a 600.00, devido a causas diversas que compartiriam a responsabilidade do extermínio com o simples e claro massacre, como aconteceu em Cajamarca durante a captura do Inca Atawallpa, causas indiretas como trabalhos forçados, doenças, pestes e desordem Ageneralizada.extremacrueldade empregada pelos invasores para submeter o Tawantisuyo, sustenta a lenda ignominiosa que tem coberto de sombras o processo da conquista. Poucas vezes na história da humanidade tem se dado um exemplo maior de irracionalidade carente de sentido para destruir um sistema na plenitude de seu funcionamento e substituí-lo por nada. Abrigamos a certeza de que a simbiose cultural não tenha acontecido jamais e que, sob a piedosa mentira da aculturação, tem se escondido, pelo lado dos invasores, uma simples paranoia destrutiva, e pelo lado dos vencidos, a paciente forja de uma cultura da resistência que, pese ao seu vigor, ainda permanece soterrada. O mérito maior do notável livro de Huaman Poma de Ayala, é o registro minucioso e doído das atrocidades cometidas pelos invasores, sejam estes frades ou laicos, em prejuízo dos índios. Tem se registrado, por exemplo, que se utilizavam cães especialmente amestrados — cruzamento de dogue e mastim— para caçar índios como se fossem objetos de presa, para depois esquarteja-los e entregar seus corpos dilacerados à voracidade das
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111 matilhas. O cronista Cieza de Leon afirma que chegou a ver tendas de açougue onde se comerciavam estes macabros troféus. A violenta substituição do sistema altamente organizado do Tawantisuyu, baseado na agricultura, o artesanato, e a utilização racional dos recursos, pela desorbitada procura do ouro e minerais, causou um trauma de grandes proporções. Os índios mitayos, conduzidos às minas de Potosi e Huancavélica, praticamente eram condenados a morte e sua partida representava um sucesso lutuoso para suas comunidades. Nas minas morreram por sobreexploração e enfermidades, milhares de índios, deixando despovoadas e em prático abandono chácaras e povoados de regiões inteiras. Os europeus trouxeram, junto aos seus elementos de vida e costumes, enfermidades desconhecidas em América que causavam grande mortalidade entre a população nativa. Indefessos ante vírus e bactérias que se transmitiam por médio de violações, contatos diretos e até por simples conversações nos confessionários, semearam morte e destruição no enorme território sem que a natureza nem a medicina forasteira fossem capazes de conjurá-la. É possível que afecções simples como os resfriados, o sarampo, as febres digestivas e endemias como a varíola, causaram mais mortes no território invadido do que a violência mesma, praticada pelos Porém,invasores.éfácilsupor que a principal causa do extermínio foi a brutal substituição de seus códigos de vida e costumes, pelos importados da DespejadosEuropa. das melhores terras, nos vales interandinos, os comunheiros tiveram que se refugiar nas terras altas, por cima dos 3.800 m. para escapar da matança. Ali adoptaram a batata, generoso tubérculo que suporta as grandes alturas, como base da sua alimentação em substituição do milho, cultivado nas terras baixas. Isto trouxe uma mudança dramática na sua dieta e costumes, abrindo a porta a um lento e inexorável processo de aniquilação. Esta etapa durou vários séculos e não mudou com a independência,
114 já que o encomendero espanhol foi substituído pelo terra-tenente crioulo e o “militar de fortuna”, prevalecendo o regime despótico baseado na sobre exploração do trabalho indígena. Nunca um índio —talvez com a única exceção do caudilho boliviano Don Andrés de Santa Cruz— chegou a ocupar cargos importantes na administração colonial republicana. Jamais um índio ganhou um processo na Real Audiência nem na Corte Suprema. Sua esperança de participação só chegou ao nível de cacique durante o vice-reino, ou de Tenente Governador na República, ou seja, nos degraus inferiores do Estado. Quase sem variantes, esta situação prevalece até nossos dias.
2. A ordem imposta A conquista do Tawantisuyu pelos espanhóis deve ser vista não apenas como o acontecimento histórico e político que significou para a humanidade, e que introduziu mudanças substanciais na estrutura do poder e a correlação de forças em Europa, senão como o conjunto de encontro entre duas concepções diferentes e antagónicas na maneira de entender a vida e a civilização. Europa impôs a sangue e fogo a sua própria concepção do Estado e da sociedade, derivada de um longo processo acumulativo de experiências sociopolíticas, e uma peculiar visão da existência que teve suas raízes no oriente médio e na civilização helénica principalmente. Este modelo tem sido a base da civilização ocidental que cimentou o seu ecumenismo a partir do mal chamado Descobrimento de América. Espanha serviu apenas de ponte para que o ouro americano cimentara o despegue industrial e o desenvolvimento capitalista de Inglaterra e o resto de Europa.
Extraído de Pachakuteq, de Federico García e Pilar Roca. Coleção Alfredo Maneiro, Política e sociedade (Centro Simón Bolívar e Fundación Editorial El perro y la rana,2013). Tradução de Marcelo Pérez.
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É a partir desse encontro ou colisão entre duas culturas que a ordem andina desaparece, varrida pela imposição política e conceitual do vencedor, ou a simples vontade do vencido de se extraviar na sua própria realidade e construir uma ordem subterrânea. Esta cultura da resistência, espécie de tapume histórico que o índio organizou para sobreviver ao extermínio, tem mantido, a pesar do inevitável sincretismo —mais informal que real— o pathos andino em vigência até o presente. Quando da chegada do invasor, o processo pan-andino tinha alcançado sua culminação com a hegemonia inca. Este cosmos é o que encontraram os espanhóis antes da virtual imposição do caos que permanece até o presente. Para sobreviver, os andinos construíram a sua própria ordem, adaptando igualmente às circunstâncias, como se fossem variações cataclísmicas da natureza que os obrigaram a buscar guarida. Assim permaneceu a cultura andina, durante meio milênio, larvada e vigente, aguardando o tempo inelutável do novo Pachakutec. Esse tempo é chegado. O testemunham os poderosos movimentos de massas em outros territórios do universo andino, como Equador e Bolívia. Onde florescem manifestações populares que tem colocado em xeque às pseudorrepúblicas, planteando reivindicações que, coincidentes com o repudio à economia neoliberal e à globalização, mantêm a sua proposta originaria e lutam por restabelecer o Qosqo, o centro pré-hispânico, nas condições do avanço tecnológico e a realidade do mundo contemporâneo. Estes acontecimentos parecem confirmar a predição catastrófica de Spengler quando vaticinou: “A decadência de Occidente”.
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121 aconteceu
2.Encontro com a Fotografia16,17,18,19/02
122 FEVEREIRO 1.Concurso de fotografia “Saudosos Carnavais de Pernambuco” O nosso Concurso de Fotografia de Carnaval teve como tema “Saudosos Carnavais de Pernambuco.”
O Encontro com a Fotografia marcou a abertura do 1º semestre de 2022. Tivemos palestras com Pedro Neves: “Fotografia de moda: uma pequena introdução”, Yuri Serodio: “Fotografia arte”, Dirceu Marroquim: “Para ver culturas”, Paloma Arquino: “GraviDeusa”, Alan Campos: “Imagem e história”, André Penteado: Projetos artísticos: “O suicídio de meu pai e Não estou sozinho.” e Danilo Galvão: “Fricções visuais e outras inquietações”. As lives foram transmitidas para o Youtube do curso e estão gravadas. Além das lives tivemos oficinas presenciais na Unicap, com Douglas Fagner: “Cianotipia: um processo fotográfico alternativo” e com Danilo Galvão: “Dramaturgia da imagem”. MARÇO 1.Retorno das aulas presenciais No dia 15 de março tivemos o retorno das aulas presenciais na Unicap. Uma alegria receber os estudantes de volta aos nossos laboratórios e salas de aula seguindo todas as normas de segurança da OMS. 2.Aula aberta da disciplina: Fotografia Crítica e curadoria. (25.03) Aconteceu uma aula aberta da disciplina: Fotografia Crítica e curadoria com Simonetta Persichete, professora da pós graduação “As narrativas Contemporâneas da fotografia e do audiovisual”
3. Minicurso - Unicap Prata - Dia 29 A Professora Renata Victor realizou o Minicurso “Fotografia e Produção de Vídeo com Celular” para a turma da Unicap Prata. 4- Lançamento da revista Unicaphoto - (29.03) No dia 29 de março tivemos o lançamento da 18ª edição da revista do Curso de Fotografia da Unicap: a Unicaphoto, que foi transmitido pelo canal do Youtube do Curso. 5- Aula Aberta da disciplina: Fotografia Crítica e curadoria. (29.03) Aconteceu uma aula aberta da disciplina: Fotografia Crítica e curadoria com Simonetta Persichete, professora da pós graduação “As narrativas Contemporâneas da fotografia e do ABRILaudiovisual”
3. Aula de processamento químico (11.04) Alunos do primeiro módulo de fotografia vivenciam a
2. Aula de “Fotografia Crítica e Curadoria” (06.04) O alunos da especializaçãonossa“As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual” assistiram mais uma aula incrível com a professora Simonetta Persichetti que é excelência na área.
1. Prática com fotografia analógica (04.04) Os alunos do primeiro módulo tiveram a oportunidade de vivenciar, no Campus da Unicap, o exercício da captura de imagens com filme fotográfico.
Puderam participar os estudantes do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia e do MBA Cultura Visual.
6. Entrega do prêmio “Carnavais Saudosos” (20.04) Parabéns aos vencedores do XII Concurso de Fotografia de Pernambuco aos jovens Jéssica Lopes e Pedro Augusto, que tiveram uma linda impressão fine art como recompensa.
BA.realizadaExpocomselecionadostrabalhosparaoNordeste,ediçãoemSalvador/Forameles:Filmede não ficção/ documentário/ docudrama, com o aluno Rômulo Francisco e a aluna Thalyta Tavares; Fotografia Artística (avulso), de Alícia Souza Batista; Roteiro de filme não ficção (avulso ou seriado), de Juliana Amara; Roteiro de filme de ficção (avulso ou seriado), da aluna Jéssica Priscilla; Produção Audiovisual para Mídias Digitais (avulso ou seriado), do aluno Arnaldo Sete; Filme de Ficção (avulso), com Sidney Rocha, Amanda Luiz e Fernanda Travassos; e Ensaio fotográfico artístico (conjunto), da aluna Jéssica MAIOEduarda. 1. Aula de campo com digital (12.05) Os alunos da disciplina da nossa coordenadora Renata Victor fizeram um passeio ao Instituto Ricardo Brennand e puderam aplicar os conhecimentos na captura de fotografias digitais. Foi um momento de muita troca e diversão. 2. 6ª Gincana do Saber Fotográfico (14.05) Testar o conhecimento, de forma lúdica e consistente é o intuito dessa atividade. Uma manhã inteira de diversão, onde os alunos, em grupo, precisam cumprir tarefas demandadas pelos professores. 3. Alunos vencedores do Expocom Nordeste (20.05) Uma sexta-feira cheia de motivos para comemorar. Trouxemos três prêmios para casa: Jéssica Maia com “Desafogo” na categoria Produção Transdisciplinar: ensaio fotográfico artístico. Sidney Rocha com “Moby Dick” na categoria cinema e audiovisual: filme de ficção (avulso) e Maria Eduarda com “Zine: percepções de resiliência de mulheres em Brasília teimosa durante a pandemia da covid-19 na categoria design de imprensa (avulso).
5. Convidada especial (19.04) O professor Paulo Cunha convida a fotógrafa Yeda Bezerra de Mello para falar sobre a sua obra e experiência na fotografia.
4. 5ª Turma da Especialização inicia as aulas com o professor Paulo Cunha (13.04) “Narrativas Poéticas e Contemporâneas da Fotografia” é o nome da disciplina ministrada pelo experiente professor no universo audiovisual, Paulo Cunha. Boa forma de começar o regime de aulas presenciais.
JUNHO 1. Exibição do “Fashion Film” (14.06) Os alunos do terceiro módulo de Fotografia, trabalharam durante um mês numa produção audiovisual de moda, para a disciplina de Linguagem Fotográfica II, ministrada pelo professor João Guilherme. Na noite do dia 14 exibiram o vídeo para a comunidade universitária, no pátio do bloco G.
2. Tarde dedicada à Fotografia na Aliança Francesa (18.06) Um lindo momento dedicado à fotografia com lançamento do e-book Fotografia e
123 jornada de revelação dos filmes analógicos fotografados por eles.
O curso de fotografia teve sete
7. Selecionados para o NordesteIntercom/Expocom(26.04)
1. Encontro com a fotografia – de (09 a 13) Na semana da programação da abertura do semestre letivo, que foi de 09 a 13 de agosto, a coordenadora Renata Victor, preparou uma agenda maravilhosa para os alunos e as alunas do Curso de Fotografia. Já na primeira noite contamos com a participação virtual de Alice Martins falando sobre “A categoria da cultura para pensar os regimes de visualidades”, mediada pela professora Marina
4. Oficina de pinhole com alunos do colégio Liceu (29.06) Recebemos os alunos do Liceu para uma oficina que remonta os princípios da fotografia. A diversão foi garantida com o processamento analógico químico. Todos puderam levar uma fotografia construída por JULHOeles.
AGOSTO
124 Audiovisual: imagem e pensamento II, do livro do Árida Luz Nordestina: o cinema de Rucker Vieira e da exposição “Je suis moi-meme”. Agradecemos a parceira com a Aliança Francesa.
3. Oficina de fotografia de Gastronomia (20.06) Uma manhã de sábado divertida e saudosa, pois recebemos esses ilustres ex-alunos Victor Muzzi e Anderson Freire, dois magos do Food Stylist para ensinar os segredos de uma boa foto de comida para os alunos da disciplina de Linguagem Fotográfica II, ministrada pelo professor João Guilherme.
1. Aula com a profª Julianna Torezani (26.07) Alunos da especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual” tem a sua primeira aula com a professora Julianna Torezani, na disciplina “História e Estética da Fotografia”.
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Feldhues. Em seguida, a aluna da especialização Gisele Carvallo, falou sobre a sua exposição “O Recife de Van Gogh” e encerramos a noite com uma visitação à exposição. No dia 10 tivemos Caio Danyagil mostrando o seu trabalho e falando sobre a sua empresa, a “LOC”, tivemos também Bruno Queiroz abordando o tema: “Oportunidades de negócios no Metaverso.” No dia 11 aconteceram duas oficinas presenciais: “Á cópia analógica P&b” com Renata Victor e “Ressignificando o Pictorialismo através das novas tecnologias com Johnatta Marinho. No dia 12 tivemos Reginaldo Pereira falando sobre a Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares e Mabel Medeiros abordou o tema: “ O Museu contemporâneo e suas relações com as universidades”.
2. Exposição “O Recife de Van Gogh”, no Encontro com a Fotografia (09.08) A aluna da especialização, Gisele Carvalho, inaugura a sua exposição “O Recife de Van Gogh” no hall da Biblioteca Central da Unicap, com lindas imagens das ruas do Recife. O lançamento da mostra recepciona os novos alunos do curso Superior de Tecnologia em Fotografia, que também vão aproveitar uma vasta programação carinhosamente feita para eles.
3. Visita ao Convento de São Francisco (13.08) Os alunos de fotografia tiveram uma manhã de sábado nos espaços do convento de São Francisco, em Olinda. A paisagem, os ambientes, tudo virou alvo para as lentes atentas dos nossos visitantes ávidos por captura de imagens.
133 No sábado, dia 13 de agosto, alunos do curso de Fotografia da Unicap visitaram o Convento de São Francisco em Olinda para uma visita rica em trocas e aprendizados. Guiados pelo Frei César, os alunos tiveram a oportunidade de aprender um pouco sobre cada espaço que faz parte da labiríntica geografia do patrimônio histórico. Espaços do Convento incluíram uma majestosa capela, uma trilha até uma bica de valor cultural e arquitetônico inestimável, um cômodo que compunha uma antiga sauna, além de uma sacristia muito rica em detalhes e diversas bibliotecas cujo os acervos variam entre a teologia e a filosofia, passando por clássicos das ciências sociais e da literatura mundial – Conteúdo este que se encontra em fase de catalogação e preservação para, no futuro, ser partilhado. Além de conhecerem a história de um importante ponto cultural da história de Pernambuco, os participantes tiveram uma aula sobre o manuseio de uma câmera drone com o professor Luca Pacheco. Todo o encontro enriqueceu a experiência docente e discente num dia certamente para se guardar na memória. Por último, os alunos aproveitaram a oportunidade para exercitar suas sensibilidades artísticas com diversas fotos dos diversos espaços do Convento e, atualmente, tais fotografias estão sendo reunidas e trabalhadas para uma exposição que se dará no próprio Convento no dia primeiro de outubro. Esperase que seja o início de várias parcerias com o Convento de São Francisco.