Prismazine [n.3]: rastros-vestígios

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QUEM ME DEU A LINHA NÃO O FEZ À TOA QUEM ME DEU A PALAVRA NÃO ME DEU À TOA QUEM ME DEU O TOM DE TECER COM A LINHA… . NÃO O FEZ À TOA . QUEM DEU [ESSE TEMPO] PARA A GENTE SE OUVIR, SABIA O QUE ESTAVA FAZENDO, NÃO O FEZ À TOA . QUEM COMPARTILHOU AS HISTÓRIAS, A MEMÓRIA QUEM ME DEU A POEMA QUEM ME DEU A POSSIBILIDADE DE ANDAR DE BRINCAR DE CONFIAR DE DESENVENENAR O CORAÇÃO DE RECUSAR E DIZER NÃO . NÃO O FEZ À TOA.






pausa

instante


Inventar memórias, Rômulo Silva

RIAS

PRISMA

NE abril/2021 ©IFOTO

ZI


.inventar o futuro no agora-do-presente. .instante. .pausa. .pausa do corpo. .pausa da letra. .pausa da voz. .sonhar com o direito ao silêncio a medida que se quebra mandíbulas dos silenciamentos. .nada dorme. .há eternidades em cada história. tudo tem história, mas nem toda história é contada // conhecimento // conhecida. .na eternidade. não morrer na eternidade do esquecimento y da memória. não morrer no ontem, existir no agora. .como imaginar y imagiar juntando cacos, farelos-de-nós-mesmos? .o mestre Cartola me chamou de amor y pediu uma pausa: “ouça-me bem, amor, preste atenção, o mundo é um moinho...” .esse texto-efêmero (mais um), nesse mar que pode caber entre as palmas das mãos y atravessar continentes ao toque de dedos chamado ecrã, não possui rascunho. Nasce agora y já está morto. Como a condição de muitas existências. Da maioria, aliás. .o tornar-se dói, sabe... tomar “consciência” do lugar que ocupamos no mundo. milhares de páginas y páginas tentam me convencer feito cantiga de ninar que “não somos, estamos sendo”. sim, de fato.

não sou o mesmo de horas, semanas, anos atrás. mas como posso remover essa gargalheira que me sufoca, me culpa y atualiza cenas de sujeição a todo-instante? .cada vez que eu a conheço, traço maneiras de removê-la, mas dói, fere... será a imaginação a fuga da repetição? há um jeito de removê-la porque houve (há) formas de mantê-la. .cenas de su.je.i.ção. .de.clo.dir: .um quadro. .uma cerca. .uma visibilidade. .clarão da meia-noite. .luz-branca queima minha pele. .ácido para meu estômago. .o fardo da representatividade. .a angústia y a saudade é ter sido criança um dia. imaginar, inventar brinquedos. mas também confiar y aprender a não dizer “sim” y “não”. ser arrastado pela reprodução. .a ignorância y a inocência são privilégios Branco. .junto-me a Dona Conceição Evaristo y faço uma prece apenas: “vida, me dá licença, me dá licença...” .mais cedo, enquanto a água lavava meu corpo que ainda em parte dormia, ouvi um acalanto de mamãe Oxum: “Yèyé e yèyé s’oròodò, yèyé o yèyé s’oròodò Olóomi ayé s’óromon fée s’oròodò”. .respirar na brecha para não morrer agora. (Rômulo Silva)


EU SOU UMA MULHER

BRINCADEIRA É COISA SÉRIA perispleuque, brincadeira é coisa séria, pois brinquedim é pá mode nois viver tudim, xululu! um funeral de bem viver, um rito da boa morte, um sacrifício de pólen para a hora da borboleta, única monarca admitida, viu!? coroada de incante. brincadeira é coisa séria, inscrições de crescer o quengo. trago comigo akwa, sofia, ester e isabele. culumins vivendo dias existenciais inteiros como alma incantada de uma rua. teimosia. dificuldade de criá-las. facilidade d’elas correrem, de se sujarem. com face de aurorinhas, janelinhas de ficar sem dente, passam pela fase da paisagem das memórias cósmicas, da paisagem das memórias ca-óticas. ver com ouvidos de aurora igualmente a jornada dos esqueletos falantes: palha, linha, palito, papel-seda, fluxo vital, sol andante... pronto, está feito a transmutação da matéria: um corpo de palha coberto por cores reais. senhor da terra, venha valer quem é miudim pois soltar arraia é conversar com deus KULUMIM-AÇU É INDÍGENA NATIVO DA FOZ DO MANGUE DO RIO SIARÁ, FORTALEZA/CE. A PARTIR DAS CULTURAS BRINCANTE E NÔMADE COMO A ARRAIA E A PIXAÇÃO, TRANSVERSALIZA MÚLTIPLAS LINGUAGENS ARTÍSTICAS, TRADUZINDO IMAGINÁRIOS MUITO LIGADOS ÀS HERANÇAS ORAIS-VISUAIS DOS NOSSOS POVOS INDÍGENAS DO TERRITÓRIO SIARENSE. CONTA HISTÓRIAS EM LITERATURA ORIGINÁRIA, UTILIZANDO-SE DA CRÔNICA, DA PROSA, DA POESIA, DO CONTO E DO EXERCÍCIO DO ENSAIO EM SI.

Mas, o que é memória? Será um acúmulo de dias vividos e imaginários, a leitura de um livro, o casamento de um amigo, o nascimento de um filho, o cheiro de uma comida e seu sabor de um dia, as dores de um grande amor ou os traumas em família. Saber pedalar, falar, andar e amar também são memórias? E quando o Alzheimer tira as lembranças, o que esquecer primeiro? O que deixar de rastros? Escrever, fotografar, apagar... Esse trabalho fala da minha vó mainha e de mim, do que tento imaginar sobre ela, do que partilhou com minha mãe, e das minhas lembranças de criança. É sobre memória afetiva, negritude, solidão, mulheridade, conquistas, esquecimento. É a mulher preta invisível, criando filhos sozinha, construindo alicerces para os seus na periferia. Esquecer... eu acredito ser um mecanismo de defesa construindo por nós mulheres negras, mas não esquecer tudo, só o que dói. _Foto: na imagem a frase bordada “e eu não sou uma mulher? ” (Para citar Sojourner Truth); as únicas jóias da minha avó estão bordadas em baixo da frase, mas em destaque “eu sou uma mulher”. As fotos foram tiradas na minha casa _Referências : Rosana Paulino. Frase de Sojourner Truth - e eu não sou uma mulher? Livro: e eu não sou uma mulher? bell hooks OLÁ, SOU CARLA VIEIRA, NEGRA, SAPATÃO, MÃE, PERIFÉRICA, AMBIENTALISTA, COMUNICADORA E TEM DIAS QUE ME FAÇO ARTISTA. AS IMAGENS FAZEM PARTE DE UM PROCESSO DE COLETA DE DOCUMENTOS E OBJETOS DE MINHA AVÓ MAINHA (GERARDA). QUANDO ELA FOI DIAGNOSTICADA COM ALZHEIMER, FIQUEI INQUIETA E COM MEDO.


TOPOGRAFIA DA LUDICIDADE Um mundo que estava escondido, desconhecido Não o busquei, fui encontrado por ele / Timidamente comecei a caminhar por um novo terreno Uma região abstrata, muito ampla. / As crianças dominavam essa terra / Corriam, saltavam para a felicidade / Tinham gosto de viver e de brincar / Um terreno do afeto, do encontro / Comecei a adentrar em novos caminhos / Fui como um peregrino sem contar o tempo Visitei cada região desse universo / Com fronteiras e limites para cada brincadeira Meu olhar foi meu guia / Ia para onde ele me levava / Gravei na memória todos os caminhos que percorri Os tons que coloriam as paisagens em ciano e ocre Lugares e pequenos humanos que valiam mais que ouro. Desse lugar não me esqueci / Da beleza do mundo que senti / Ao mesmo tempo convivi / Num mundo que existiu pelo olhar da vida. (Rafael da Luz) RAFAEL DA LUZ. RAFAEL DA LUZ, NASCEU EM BELÉM-PA EM 1988. NEGRO, PEDAGOGO E FOTÓGRAFO. CONHECEU A FOTOGRAFIA ANALÓGICA

LEO SILVA É ESCRITOR, FOTÓGRAFO E

QUANDO CRIANÇA, ENTRETANTO PAROU DE

DOCUMENTARISTA, COMEÇOU SEU TRABALHO

FOTOGRAFAR. AOS 26 ANOS FOI INSERIDO

FOTOGRÁFICO E AUDIOVISUAL EM 2015. TEM

NOVAMENTE NA LINGUAGEM FOTOGRÁFICA ATRAVÉS

DUAS EXPOSIÇÕES FOTOGRÁFICAS INDIVIDUAIS:

DE OFICINAS DO CURRO VELHO. A PARTIR DA

“MENINOS DE DEUS” EM 2019 E “SIMPLICIDADE

SUA REALIDADE PERIFÉRICA VEM PRODUZINDO

- SIMPLES CIDADE” EM 2017. PRODUZIU E

ENSAIOS E NARRATIVAS FOTOGRÁFICAS SOBRE

DIRIGIU ALGUNS DOCUMENTÁRIOS COMO: “UMA

ESSAS REALIDADES (EM PROCESSOS ARTESANAIS

HISTÓRIA DE AMOR, ESPERANÇA E FÉ” EM 2

E DIGITAIS) PROPONDO DIÁLOGOS, REPENSANDO

021, “ROTINA FAMILIAR L CRÔNICA VISUAL”

O SUPORTE FOTOGRÁFICO E A FOTOGRAFIA ALÉM

EM 2020. É CO-AUTOR DO SARAL #2 DE

DO REGISTRO.

TALLES AZIGON.


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