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Pensamentos de um aluno

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Amigos”?

Amigos”?

Pensamentos de um aluno frustrado

Isabel Gonçalves . Aluna do 12º B

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“Fecho os olhos e sinto à minha volta. Vejo cálculos, conceitos, definições, métodos, quadros que brilham ofuscantemente. Oiço um zunido que se tornou constante há mais tempo do que me sinto confortável a admitir. Apercebo-me do martelo furioso que se abate sobre o crânio. Não cheiro nada, não penso em mais nada – senão em tudo o que se me apresenta potencial causa de frustração.”

Sim, é essa a palavra. Qual melhor para designar o falhanço consecutivo da perseguição que algo que, pior do que se fôssemos nós a definir, nos é imposto, que sabemos que na verdade não parte da nossa iniciativa? Que melhor vocábulo para o desespero por uma fuga à persistente tentativa de penetração das letras e números que perfilam em nosso redor? E assim que desejo agarrar no tempo e esticá-lo até ao limite, cresce uma fúria de mim própria por ter sucumbido ao ditado. Apetece-me despedaçar o “encher-despejar”, correr por uma planície de algodão gelado e bradar: Lixe-se isto tudo! Aulas. Levada pela ilusão de querer aprender, fomentada durante anos pela máxima “é o teu dever”, preparo o cérebro para receber os novos “ensinamentos”. Gosto de pensar que fico atónita com perguntas como: “Como é o teste? Não faça muito difícil… Vai sair no teste? Se não sair, não vale a pena”. Mas quem estou eu a enganar? Todos somos encaminhados para as provas de suposta avaliação, única e exclusivamente. É um ciclo vicioso, repara: Decora (para quê perceber? O livro já tem os resumos feitos, as fórmulas concretizadas, as teorias postuladas) – estuda (equivalente a encher o saco de patranhas memorizadas); pede testes emprestados (nunca se sabe se é igual!) – faz o teu teste (é testado o quê, afinal?) – lamenta o teste (oh pá, não tinha mais que despejar…) e prepara-te, porque o pior dos teus problemas persegue-te como uma sombra: o dia da rotulação. Para tudo suceder uma vez mais. É para a média. É a reputação e avaliação dos professores. No entanto, será classificar e rotular os integrantes da, usando as palavras hilariantes do nosso primeiro-ministro, “salsicha educativa”, o objetivo do sistema de ensino? Afirmamos que os bons alunos sabem muito, contudo o conceito tem-se obviamente deturpado. Assim, empregá-lo-ei com essa conotação: após o esticão mental da ansiedade aliada à mente que transborda de conhecimento, como uma arca repleta de ar sob pressão e mal fechada, o bom aluno convence-se do seu saber, é felicitado, orgulha-se, é invejado. Sinceramente, não sei porquê. Todos estamos sujeitos ao mesmo sistema. Depois do toque aliviador da campainha, lá se suportou, nem sei como, mais um dia onde a salsicha é unânime quando comenta que a melhor parte foram os intervalos das aulas. Na verdade, inspirar o odor familiar do ar livre já sabe a puro,

mesmo que não o seja. Depois de quase sete horas da habitual atividade, conto as que me restam. A motivação que tento acender em mim quando me deparo com “estudar” é nula. Reflito: irá o que ouvi hoje fornecer-me instrumentos que usarei no futuro? “O que queres ser quando fores grande” é a pior questão que pode ser colocada a um aluno. Ensinar é fornecer as bases, edificar os alicerces para o desenvolvimento de algo melhor; acreditava que essa era a função de uma escola e, na teoria, ainda o é. Mas tenho vindo a descobrir que o tempo empregue na memorização das bases para a prova iminente não nos deixa espaço de manobra. Para além disso, quem se sentirá empenhado em continuar a empurrar atabalhoadamente ar para o baú, dia e noite, sem o poder analisar, moldar o cinzento do fumo, pintar a cor inexistente, argumentá-lo, ri-lo, vivêlo, criar a misteriosa neblina e condensá-la em fonte, mais ou menos límpida, mas que dá de beber? Não sou máquina. E só a maneira como o disse já me desmente. Chegamos ao ponto de nos ensinarem a pensar. Leiam e releiam: ensinar a pensar. Alguém me pode apontar onde, nessas três palavrinhas, está implícito “liberdade de pensamento?” É que a mim soa-me a uma formatação destinada a criar mentes semelhantes, uma geração semelhante, destinada a perpetuar os erros das gerações anteriores, deixando espaço nenhum para a mudança e melhoria daquilo que devemos proteger e construir. Afinal, perceber é crucial para aprender. Tempo para perceber, tempo para aprender. Tempo para aprender com os erros, tempo para aprender com a vida. Tempo para perceber a vida. Tempo para partilhar o baú, os erros e a vida. Sentar na beira de um ribeiro murmurante, sucumbir ao encantamento das chamas, sentir a terra, suavemente a água, a frescura das ervas, o perfume, o riso, o amor, na pele, no ser. E sobretudo manter esse desejo de viver, estar consciente de que todas as perspetivas contam e, sabendo que nenhuma estará absolutamente certa, é fundamental o envolvimento de todos. E que faço eu? Talvez as ideias não passem disso mesmo, efémeras numa folha de papel. Agora, sei-a a aproximar-se: a frustração.

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