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O farol

Inês Coutinho . Aluna do 8ºC

Outro dia que começa. Outro dia igual a tantos outros, outra vez a mesma rotina. O faroleiro observou a sua figura no espelho: barbas compridas e grisalhas, amareladas pelo sal e pelo sol. Pele robusta e avermelhada, graças a queimaduras que nunca chegaram a sarar. Olhos de um azul esverdeado, como um mar num dia de sol, desbotados pelo tempo. Saiu de casa. Ao longe, já se ouvia o ronco dos barcos de pesca, e já se avistava a ponta dos mastros. As peixeiras já haviam montado as suas bancas, prontas a encher de peixe fresco, acabado de apanhar. As gentes começaram a apinhar-se: as mulheres dos pescadores ansiavam o seu regresso; as criadas das grandes casas esperavam aquilo que viria a tornar-se o almoço dos patrões; os pobres tinham esperança de que sobrasse algo que as peixeiras não conseguissem vender; os rapazes novos aguardavam o momento de ajudar os velhos lobos do mar a arrastar as redes carregadas; as crianças corriam pela areia e colecionavam conchas, búzios e pedrinhas. Mas o velho faroleiro limitava-se a caminhar, a areia a infiltrar-se-lhe nas botas, as ondas a acariciar-lhe as pernas. Longe de tudo e de todos. Já se passara algum tempo desde que também ele atravessara os mares, pela madrugada, ou até mesmo quando ajudava a puxar e desenrolar as redes cheias de peixe. Observou tudo com atenção, como fazia todos os dias. O arrastar das redes, a agilidade das peixeiras, que desferiam cortes profundos e precisos pelo corpo, ainda latejante, dos peixes prateados e brilhantes, a venda dos mesmos, e a distribuição dos restos pelos pobres. Quando tudo acabou, voltou para casa. À porta, um balde de caranguejos. De certeza ideia da jovem Madelin, pensou. Desde criança que se preocupava consigo, apesar de o demonstrar discretamente, como este gesto, quase invisível. Pegou no balde e entrou em casa, lavando e cozinhando os caranguejos, que por não serem permitidos para colocar à venda, eram quase sempre oferecidos ou deitados fora. Comeu silenciosamente. Afinal, com quem podia ele falar? Decidiu deitar-se um pouco. Apenas meia hora, pensou. Mas o conforto, o som das ondas a espremer-se contra os rochedos, negros, polidos e desgastados, ou a atirar-se e a penetrar na areia branca e macia, numa dança incansável e infinita que maravilha qualquer um, transformaram minutos em horas, e, quando o velho faroleiro acordou, já a noite caíra havia muito. Mesmo assim, levantou-se. Saiu do farol, e trancou-o, deixando a chave debaixo do tapete. Caminhou pela praia, pelos rochedos, pela areia. Deitou-se na areia fria e húmida, e observou o céu da noite. A lua, gorda e redonda, brilhava incansavelmente, e as estrelas pareciam sorrir. Fechou os olhos, e, sem aviso prévio, caiu num som profundo e eterno, sonhando com gaivotas, ondas e caranguejos.

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