BEATRIZ MARANHÃO BOSSCHART NEVES UNICAP 2019.2
MERCADO PÚBLICO DE CASA AMARELA REABILITAÇÃO DA EDIFICAÇÃO HISTÓRICA E DESENVOLVIMENTO DE BLOCO ANEXO
Universidade Católica de Pernambuco Arquitetura e Urbanismo Beatriz Maranhão Bosschart Neves
MERCADO PÚBLICO DE CASA AMARELA REABILITAÇÃO DA EDIFICAÇÃO HISTÓRICA E DESENVOLVIMENTO DE BLOCO ANEXO
Trabalho Final de Graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Pernambuco, desenvolvido pela aluna Beatriz Maranhão Bosschart Neves sob orientação do Professor Nilson Andrade
Recife, 2019 1
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Agradecimentos: Concluir o curso de Arquitetura e Urbanismo não foi uma jornada fácil. Muitas noites em claro e desesperos pré e pós entrega. Mas também muitas alegrias e recompensas que fizeram (quase) tudo valer a pena. Foi um caminho árduo e cansativo, mas com final feliz! Começo agradecendo primeiramente a Deus, por todas as bênçãos derramadas ao longo desses 5 anos cursados. Agradeço também à minha avó Paula, maior fã e incentivadora de todas as minhas conquistas e minha grande inspiração de mulher; Aos meus pais e minha irmã Isadora, que me aguentaram com muita paciência por tantos dias difíceis, e todos os meus familiares; Ao meu namorado e companheiro de todas as horas Hugo, que nunca se negou a me estender a mão e me ajudar ao longo deste caminho; Às minhas amigas que compartilharam de quase todos os momento destes 5 anos, que vibraram e choraram junto comigo: Dominique de Carvalho, Mirella Aziz, Mª Eduarda Menelau, Cecilia Duarte, Luiza de Paula, Carla Beltrão, Julia Andrade, Lara Carvalho, Celina Azevedo, Enora Le Meliner e Amanda Carvalho, obrigada por tudo! À toda a equipe do escritório em que trabalho, Romero Duarte e Arquitetos, e principalmente à arquiteta Amanda Lira, por toda a compreensão durante toda esta jornada; E por fim, e não menos importante, ao meu orientador Nilson Andrade, por todo o conhecimento compartilhado e apoio em todo este trabalho. Vocês fizeram esta jornada ser incrível, obrigada!
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INTRODUÇÃO
07
JUSTIFICATIVA
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OBJETIVOS 3.1 OBJETIVO GERAL
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METODOLOGIAS
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3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
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CONCEITUAÇÃO TEMÁTICA 29 5.1 A ORÍGEM DAS ATIVIDADES COMERCIAIS 31 5.2 MERCADOS PÚBLICOS: HISTÓRIA E RELAÇÃO COM AS CIDADES 5.2.1 SURGIMENTO 5.2.2 OS MERCADOS E O RECIFE 5.3 ARQUITETURA DO FERRO 5.3.1 ORÍGEM E DESENVOLVIMENTO 5.3.2 ARQUITETURA DO FERRO NO BRASIL E NO RECIFE 5.4 MERCADO DE CASA AMARELA: HISTÓRIA E CONDIÇÃO ATUAL 5.4.1 O BAIRRO DE CASA AMARELA 5.4.2 O MERCADO 5.5 TEORIAS DO RESTAURO 5.5.1 OS TEÓRICOS DO RESTAURO 5.5.2 AS CARTAS PATRIMONIAIS 4
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33 40 46 46 50 52 52 54 60 60 72
SUMÁRIO REFERÊNCIAS PROJETUAIS 79 6.1 MERCADO MUNICIPAL DE ATARAZANAS 81
6.2 SECRÉTAN MARKET HALL 84 6.3 COBERTA DO MERCADO P. DE FLORIANÓPOLIS 87
7.2 ANÁLISE DE DANOS 7.3 “ EM CASA AMARELA, TODOS OS CAMINHOS DÃO NA VENDA” 7.4 ASPÉCTOS LEGISLATIVOS
ANÁLISES 91 7.1EVOLUÇÃODOMERCADOAOLONGODOSANOS 93
PROPOSTA 8.1 DIRETRIZES
PROJETUAIS 8.2 PROGRAMA E DIMENSIONAMENTO 8.3 ESTRATÉGIAS PROJETUAIS 8.4 MEMORIAL DESCRITIVO
98 110
118
125 126 128 130 140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 157
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INTRODUÇÃO
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Os mercados públicos vêm passando, ultimamente, por um processo de revalorização cultural nas cidades contemporâneas, apresentando-se como alternativa de lazer, principalmente aos finais de semana. Eles atendem a um público que os procura não só como um instrumento mercantil, mas como local de convergência e alternativa de resgate dos costumes boêmios, gastronômicos e heranças culturais que estes ainda mantêm. Assim, estes equipamentos assumem, também, importantíssimo caráter cultural nos bairros que se inserem.
FIGURA 02: Bares externos do Mercado de Casa Amarela FONTE: Júlio Leite
Assim como (2001:49/96):
citado
por
Vargas¹
” reafirmando o caráter atrativo dos equipamentos, os mercados e posteriormente as feiras foram muito além do que fornecer mercadorias para os consumidores. Agiram também como locais de distração e divertimento, proporcionando atrações como as tão famosas quanto antigas, brigas de galo” ¹ VARGAS, Heliana Comin. Espaço Terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio. São Paulo: Editora Senac, 2001 ² JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2014
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Estes, por sua vez, apresentam-se também como testemunha dos costumes da sociedade e da formação de laços pessoais ao longo do tempo. Segundo Jacobs ² “A prática comercial é consi-
derada importante elemento agregador, sendo os comerciantes verdadeiras figuras púbicas, mantendo contato diário com grande número de pessoas e fazendo informações circularem.” Os mercados públicos ganham destaque, também, como experiência estética e sensorial. Representam na maioria dos casos um modelo imponente de construção agregada às experiências que a ambiência destes transmitem.
FIGURA 03: Boxes internos do Mercado de Casa Amarela FONTE: Júlio Leite
Segundo Wolfflin ³ (2000:34/35) : “ Nada existe de mais pictórico do que a multidão que se movimenta num mercado, onde a atenção não apenas é desviada de forma isolada do objeto pelo acúmulo e confusão de pessoas e objetos, mas onde o observador, precisamente por ter diante de si todo em movimento, é levado a abandonar-se à mera pressão visual, sem examinas a forma plástica do objeto isolado”.
O Recife mantém uma relação bastante estreita com os mercados públicos. A cidade apresenta o maior número destes no Brasil, ao todo 17, segundo a CSURB 4 , somando aproximadamente 2280 boxes que comercializam uma enorme variedade de produtos e serviços. Eles se distribuem principalmente em bairros mais tradicionais e se-
3 WOLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2000 4 Companhia de Serviços Urbanos do Recife
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guem uma ordem cronológica de construção que acompanha a evolução urbanística da capital Pernambucana. A chegada destes equipamentos no Recife se deu um pouco tardia, quando comparado com outras cidades. O primeiro exemplar, Mercado da Boa Vista, foi construído ainda no início do séc. XIX e representa um modelo de arquitetura com características coloniais. Em seguida é datada a construção do Mercado de São José, inaugurado em 1875, que junto ao Mercado de Casa Amarela, são exemplares das inúmeras tentativas de consolidação da arquitetura de ferro na região.
FIGURA 03: Fachada do Mercado da Boa Vista FONTE: Rodrigo Cantarelli
FIGURA 04: Vista externa Mercado de São José. FONTE: Micaella Japa
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O estilo arquitetônico europeu surgiu em decorrência da revolução industrial e todas as transformações que ela acarretou. O uso do ferro como principal matéria prima na construção das obras permitiu que as mesmas pudessem abrigar grandes vãos, tendo como principais exemplares mercados públicos, estações ferroviárias ou até obras de articulação urbana como pontes. A tendência logo começou a ser absorvida pelas antigas colônias nos continentes Africado, Americano e Asiático, que recebiam todas as peças pré-fabricadas para montar no local escolhido, permitindo, além da facilidade de montagem, a rápida execução e a possibilidade de relocação dos equipamentos, caso necessário. É o caso do Mercado de Casa Amarela. Inserido em um dos bairros mais populosos da cidade, foi construído inicialmente na Caxangá e então, no ano de 1930 foi relocado e reinaugurado no sítio atual. Este apresenta-se como importante instrumento para a dinamização da área em que está inserido e é representante bastante característico deste tipo de equipamento. Sua arquitetura em ferro utiliza de diferentes estilos estéticos históricos característicos da produção arquitetônica Europeia do séc. XIX, apresentando-se como um dos destaques da região, e assumindo uma dinâmica fortemente ligada ao cotidiano do bairro.
FIGURA 05: Vista externa Mercado de Casa Amarela FONTE: Prefeitura do Recife
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Seu entorno desenvolveu-se de forma que funciona como uma extensão das atividades implantadas originalmente em seu interior. A medida que a demanda da área por novas ofertas foi aumentando, surgiu a necessidade de expandir a construção original. Além dos pontos comerciais no entorno imediato, o equipamento sofreu com projetos de ampliação, na qual implantou-se os boxes externos nas duas laterais maiores, com contato direto para a rua e sem relação com o interior do prédio. Também foram construídas três construções anexas nas proximidades, cuja localizações estão expostas no mapa 01 do capítulo de conceituação temática
FIGURA 06: Box interno do Anexo I FONTE: JC Online
Apesar de não ser uma construção tombada nos âmbitos estaduais e federais, o mercado encontra-se em uma Zona Especial de Preservação do Patrimônio histórico-cultural - ZEPH, institucionalizada pelo município, reforçando a importância de sua preservação para o bairro e seu caráter histórico e de valor simbólico e cultural para toda a cidade. Tendo em vista o objetivo de promover um anteprojeto de restauro no Mercado de Casa Amarela, fez-se necessária, então, a compreensão de temáticas acerca das teorias de restauração. Estas tiveram suas primeiras discussões iniciadas ainda no séc. XVIII, quando, até então, as intervenções em construções históricas guiavam-se apenas segundo 12
a demanda funcional das edificações, sem que o valor histórico e cultural das mesmas fosse evidenciado como premissa projetual. Esta abordagem desenvolve-se por diversas vertentes que dispunham das mais controversas opiniões, das mais conservadoras (exemplo da teoria de John Ruskin5 ) até as de cunho reconstrutivo (como a de Eugene Emanuelle Viollet-Le-Duc6). Além de teorias intermediárias, no caso de 7 Camillo Boito , que propunha intervenções que valorizassem o valor documental das obras e respeitassem as marcas do tempo sobre elas. É de extrema importância destacar, também, as teorias desenvolvidas por Salvador Muñoz Vinas8 (mais contemporânea) e Cesare Brandi9, cuja opnião é destacada como uma das principais acerca do assunto até os dias atuais. No decorrer do trabalho, a partir da necessidade do aprofundamento no conhecimento sobre intervenções contemporâneas em sítios históricos, foi válido o aprofundamento na obra de Nivaldo Andrade10. 5 RUSKIN, John. As lâmpadas da memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 2013 6 VIOLLET-LE-DUC, Eugene Emanuelle. Restauração. São Paulo: Ateliê Editorial, 2013 7 BOITO, Camilo. Os restauradores. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003 8 VIÑAS, Salvador Muñoz Teoria Contemporanea de la Restauracion 9 BRANDI, C. Teoria do Restauro. Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. Cotia - Ateliê Editorial, Coleção Artes & Ofícios, 2004 10 ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de.Metamorfose Arquitetônica: intervenções projetuais contemporâneas sobre o patrimônio edificado / Nivaldo Vieira de Andrade Junior. – Salvador: N. V. Andrade Junior, 2006.
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JUSTIFICATIVA
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Os Mercados e as Feiras públicas desenvolvem funções que vão além da troca de mercadorias e comércio de itens de primeira necessidade. Estes equipamentos conseguem transmitir, através de sua diversidade (física e sensorial) a pluralidade cultural de onde estão inseridos. Na maioria deles é possível que o visitante consiga conhecer desde a culinária local até artesanatos típicos da região, sem deixar de lado também os artigos de venda tradicionais. A concorrência desleal com as grandes redes de comércio atual (Shoppings, hipermercados, e-commerses, entre outros) fez com que a procura por estes em busca de itens necessários do dia-adia por parte dos moradores locais diminuísse. Segundo Rennó11: “os mercados públicos e os supermercados coexistem na cidade, um interferindo de certa forma na condução do outro. Os mercados, como vieram antes, obra da iniciativa pública no Brasil são considerados desatualizados pelos supermercadistas. A força econômica das grandes redes de supermercados, vindas de iniciativa primada, é que tem gerado maior influência mercados, surgindo propostas de evolução observadas principalmente nos sacolões que buscam os valores da assepsia, observados em detalhes como piso de granito brilhante, forte luz artificial fria, largos corredores e paredes cobertas com azulejos brancos ou tom claro e até mesmo na organização dos produtos limitados a caixas que os ordenam e classificam de forma extrema. ”
FIGURA 07: Supermercado FONTE: Tribuna PR
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mármore Paulo:
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RENNÓ, Raquel. Do ao vidro. São Anablume, 2006
Apesar de toda a problemática de concorrência com outros equipamentos mercantis, os mercados se caracterizam como uma área de cultivo da expressão cultural local, passando, então, a desempenhar importante fator turístico, proporcionando aos visitantes experiências físicas, gastronômicas e sensoriais tipicamente locais e diversificadas. Um dos principais exemplares desta tendência nos mercados brasileiros é o Mercado Muni cipal de São Paulo. Pesquisas desenvolvidas pela prefeitura apontam que 63% dos frequentadores diários procuram o local para ter experiências gastronômicas, visto que o mesmo é conhecido por abrigar restaurantes de cardápios diversificados e tipicamente paulistanos. FIGURA 08: Mercado municipal de São Paulo FONTE: Kyller CG
Esta tendência paulistana também pode ser encontrada em outros mercados da cidade. Em 2014 a prefeitura de São Paulo firmou parceria com o Instituto ATÁ12 para implantar o projeto “Fortalecimento da Diversidade Gastronômica na Cidade de São Paulo”. A partir desta iniciativa, mercados como o de Pinheiros receberam a implantação de restaurantes com culinárias diversas, atraindo a atenção do setor turístico para a experiência gastronômica que o local é capaz de oferecer ao visitante.
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Instituto Alex Atala
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Companhia de Serviços Urbanos do Recife
Visando o mesmo objetivo de resgatar as pessoas aos mercados, a prefeitura do Recife deu início em 2017 ao projeto Viva o Mercado, que promove programações culturais nos locais direcionadas tanto aos moradores da região quanto aos turistas. As atividades vêm atreladas à projetos de requalificação para os mesmos, e teve início no Mercado da Encruzilhada, seguido pelo da Madalena. A iniciativa tem como objetivo, entre outros, o resgate dos aspectos culturais: “Assim como acontece em outras cidades do Brasil, queremos que os mercados do Recife sejam exemplo de socialização. Esses espaços fazem links entre as pessoas, com seus atrativos turísticos, suas cores e sabores”, defende a presidente da CSURB13 . O Mercado de Casa Amarela é um dos responsáveis por auxiliar no desenvolvimento do bairro de mesmo nome. O local oferece ao visitante a possibilidade de degustar da culinária regional e encontrar diversos alimentos típicos do estado. O comércio no seu interior, no entanto, não favorece mais a venda de artigos de artesanato ou da cultura popular. A maioria dos itens encontrados no mercado atendem a uma tendência de consumo cotidiano de caráter popular. Tal característica talvez não explore toda a capacidade do equipamento, que tem os usos distribuídos de forma a subutiliza-lo. É possível notar que os boxes externos, agregados à construção posteriormente, atraem a maior parte do público, que muitas vezes nem chega a conhecer o interior da construção. Este apresenta, ainda, diversas problemáticas ligadas à sua infraestrutura, acessibilidade e diversos outros fatores ligado às condições fisico-funcionais do prédio, expostas de forma mais aprofundada ao longo do presente trabalho. A Feira de Casa Amarela desempenha, junto ao mercado, forte papel atrativo no bairro. Ela é considerada uma das principais e maiores da ci-
dade e estimula, ainda, a dinamicidade do entorno.
FIGURA 09: Feira de Casa Amarela FONTE: Angela Raposo
Apesar de sua importância para a vivacidade e comércio local, ela apresenta, atualmente, diversos problemas relacionados à sua infraestrutura. O terreno no qual foi inserida não foi projetado para atende-la apropriadamente e não dispõe de recursos básicos de higiene e estrutura, fazendo necessária ações de melhoria para dar mais conforto e oportunidades aos frequentadores e comerciantes, atraindo novos visitantes. O mercado se destaca por ser um dos primeiros e mais importantes exemplares da arquitetura de ferro no estado. Sua história encontra-se bastante presente na memória da região, fortalecendo sua potencialidade para aumentar exploração da demanda turística na área a partir de uma possível proposta de intervenção. Diante do cenário exposto anteriormente, faz-se necessária elaboração de anteprojeto de restauração no Mercado de Casa Amarela visando a revalorização da área e uma redistribuição programática, promovendo um mix dos tipos de comércio encontrados, com a intenção de possibilitar um melhor atendimento ao público diário, a atração de novos visitantes e a manutenção do equipamento de valor imensurável para a cultura do estado. 19
OBJETIVOS
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OBJETIVO GERAL: Desenvolver anteprojeto de restauração no Mercado Público de Casa Amarela, auxiliando na potencialização de suas características culturais, históricas e arquitetônicas para a região, e proporcionando uma melhor experiência aos antigos e novos usuários.
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OBJETIVOS ESPECÍFICOS: 1. Resgatar e preservar a memória, identidade cultural e arquitetônica do Mercado e Feira de Casa Amarela com a cidade 2. Contribuir para a atração de novo público à vivência do Mercado. 3. Reforçar o papel do equipamento como forte articulador urbano e territorial, e referencial para a cidade.
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METODOLOGIA
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O trabalho em questão – anteprojeto para intervenção do mercado público de Casa Amarela – teve início a partir de pesquisas e coletas de dado sobre a área e o objeto de estudo, além de visitas em campo e aproximação com a realidade do local. Para seu desenvolvimento, aprofundamos nossos conhecimentos específicos sobre o tema a partir dos seguintes procedimentos: I) Revisão Bibliográfica a partir do contato inicial com o local, a busca por bibliografias acerca da temática abordada intensificou-se, tomando como base principal para a elaboração do conteúdo as seguintes obras: 1. “Mercados Públicos, do mármore ao vidro” de Raquel Rennó, que aborda principalmente a relação entre os mercados públicos e os supermercados e os papeis adotados por cada um ao longo do tempo. 2. “Espaço Terciáio: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio” de Heliana Comin Vargas que trata de aspectos ligados à história do comércio e do espaço terciário, bem como sua função social. 3. “Preservação do patrimônio arquitetônico da Industrialização” e “ Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo” de Beatriz Mugayar Kuhl, ambos abordando as temáticas do restauro no patrimônio da arquitetura do ferro e toda a teoria dos restauradores e das cartas patrimoniais. 4. “Nos Caminhos do ferro” de Paulo M. Souto Maior, cujo o estudo da arquitetura do ferro no Recife é a principal temática, com uma visão crítica e técnica dos objetos estudados. Além desses, foi necessária a leitura e compreensão das obras dos principais teóricos do restauro (John Ruskin, Viollet Le-Duc, Camillo Boito, Cesare Brandi e Cesare Brandi) e algumas cartas patrimoniais 26
II) Análise de estudo de caso Nesta etapa foram considerados os seguintes estudos de caso: 1)Mercado Municipal de Atarazanas, na Espanha; 2)Secrétan Market Hall, em Paris; 3)Coberta para o Mercado Público de Florianópolis; em busca de referências para soluções espaciais e propostas de intervenção no objeto principal de estudo. Também foram analisadas metodologias de intervenção em edificações tombadas, levando em consideração a condição do Mercado de casa amarela III) Estudo acerca do equipamento e as influências dele sobre a área em que está inserido e visse versa. IV) Elaboração de pesquisas e entrevistas com usuários Entrevistar comerciantes locais, os usuários frequentes e os gestores do equipamento afim de entender suas demandas e percepções acerca do espaço. V) Elaboração das plantas de danos e e análises da situação atual e evolução física e funcional do equipamento ao longo dos anos. A partir da percepção empírica acerca da necessidade de atuação no Mercado e no eixo comercial em que está inserido, faz-se necessária a identificação dos principais eixos comerciais que formam este polo e os diferentes tipos de varejo encontrados.
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CONCEITUAÇÃO TEMÁTICA
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O presente capítulo tem o objetivo de desenvolver temáticas necessárias para o melhor entendimento acerca do objeto de estudo e todos os fatores relevantes à sua preservação. Na primeira parte, faz-se necessário o estudo sobre a origem das atividades comerciais, que resultaram, ao longo do tempo, no desenvolvimento dos equipamentos mercantis, como os mercados públicos. Este serão aprofundados na segunda parte do presente capítulo, abordando sua origem e implantação no Brasil e Recife, e a relação com a cidade. A arquitetura característica do Mercado de Casa Amarela, em ferro, será abordada no terceiro tópico, onde serão expostas pesquisas sobre sua origem e desenvolvimento local. O Mercado de Casa Amarela será abordado mais profundamente em seguida, onde serão expostos conhecimentos sobre o bairro onde está inserido e sua história e desenvolvimento até os dias atuais. Por último, serão tratadas as questões referentes às teorias de restauro, os teóricos principais conceituadores do tema e as cartas patrimoniais, sendo destacadas as de mais influência até hoje, tratando principalmente da temática do restauro.
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5.1 A origem das atividades comerciais: Acredita-se que a palavra comércio tem origem grega, do latim commercium, sendo a junção das palavras “com” (que significa conjunto) e “merx/merc” (que significa mercado, local de troca), podendo defini-la, assim, como local de troca entre conjuntos de pessoas. É quase impossível saber quando as atividades comerciais se iniciaram ao certo, mas sabe-se que as primeiras trocas ocorreram desde o período paleolítico, sendo exercidas em todo o mundo, por diversos povos e civilizações. Segundo Gordon Childe14 , a prática iniciou-se quando determinados grupos faziam a permuta de suas produções excedentes. O processo de trocas foi o responsável por dar início à atividade, que permitia, além da permuta entre itens produzidos, a troca de mercadorias por serviços e o compartilhamento de ideias e informações entre os povos. FIGURA 10: Pintura que ilustra o encontro para troca de mercadorias FONTE: Filosofia do Marketing
Tem-se conhecimento que os primeiros povos viviam de atividades como a pesca e a agricultura, visando a produção apenas dos itens de primeira necessidade. Com a consolidação do costume de troca do material excedente, esta prática começou a se desenvolver e tomar fins lucrativos. Inicialmente, as práticas atividades ocorriam de maneira espontânea, sem referências quanto à valores e/ou equivalências, apenas baseando-se nas necessidades momentâneas, sem que houvesse
CHILDE, Gordon. O que aconteceu na história. Rio de Janeiro: Zahar, 1966 14
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uma quantidade ou tipo de produto previamente estipulado. A criação das moedas surgiu para dar referência de valor para as trocas. Inicialmente elas poderiam ser representadas por qualquer coisa, especiarias, conchas ou pedras, mas muitas vezes o valor dos itens utilizados para mensurar as mercadorias criava uma série de divergência entre os então comerciantes, já que estes itens de valor variavam de acordo com a região. FIGURA 11: Moeda cunhada pelos Lídios FONTE: Casa da moeda
Com a descoberta do metal e o desenvolvimento das técnicas metalúrgicas, o homem passou a utilizar dele como matéria prima para a criação da moeda, representando um grande avanço na história da humanidade, já que o objeto era um item de fácil divisibilidade e transporte.
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5.2 Mercados Públicos: história e relação com as cidades; 5.2.1 Surgimento Mercados são para a cidade sinal de desordem, revelando sua densidade e multiplicidade, por meio da diversidade, cheiros fortes, relações entre pessoas e peculiaridade de seus produtos. São espaços livres e acessíveis à toda a população, independente de posição social. Eles também tendem a desempenhar outras funções, uma vez que a diversidade de usos e ofertórios estimula a busca por estes equipamentos e, consequentemente, acarreta nos encontros e interações sociais que são firmadas a partir das relações de compra, venda e troca de produtos. Segundo Munford15 : “...provavelmente não existe sequer um mercado urbano em que a troca de notícias e opiniões não desempenhou um papel quase tão importante como a troca de mercadorias”.
Os mercados surgiram a partir da necessidade de um local para encontros entre os indivíduos que desejavam realizar a troca de seus excedentes. Normalmente, se localizava em pontos equidistantes entre os interessados, desempenhando inúmeras funções além das econômicas. Atualmente, com a chegada de outras formas de comércio mais modernas, os mercados passaram a ser considerados locais em que se mantinham os costumes tradicionais da cidade, mantendo viva a identidade da cultura local. A consolidação destes equipamentos está diretamente ligada à evolução das cidades. Eles eram referências urbanas e de vitalidade nos centros, uma vez que funcionavam como local de convergência entre a população, que o procuravam em busca de atender às necessidades cotidianas,
FIGURA 10: Pintura que ilustra o encontro para troca de mercadorias FONTE: Filosofia do Marketing
MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1998 15
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garantindo a articulação territorial, social, política e econômica das regiões onde se inseriam. Estavam locados sempre em áreas de encontro, funcionando como condensadores de fluxos, da diversidade de atividades e significados16 . Eles podiam ser entendidos como o principal elemento das cidades para a realização de trocas e serviços. FIGURA 12: Ilustração comércio feudal FONTE: RTP
Segundo Vargas: “Na verdade, o termo mercado, cujo significado inicial refere-se a um espaço físico para troca de mercadorias, vai assumir, com o tempo, o conceito de população com poder de compra, retirando do termo a conotação exclusiva de um espaço físico restrito, adotando a noção de espaço econômico. ”
FILGUEIRAS, Luiz. O neoliberalismo no Brasil: estrutura, dinâmica e ajuste do modelo econômico. Buenos Aires. Agosto 2006. 17 Segundo George Renoy, a palavra bazaar, que provém da língua árabe e significa mercadoria. Consequentemente passou a denominar o local onde as mercadorias eram expostas para a venda. 18 Tendas ou lojas do bazar. 16
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Na cultura árabe, os grandes centros comerciais das cidades eram conhecidos como Bazaares 17 . Eles, assim como os mercados da idade média, tinham forte relação com as instituições religiosas. Sua organização era pensada estrategicamente de acordo com a importância e dinâmica das atividades oferecidas lá. Nos seus centros, localizavam-se as mesquitas e a comercialização de itens de maior valor, e nas regiões periféricas ficavam os sucks18 cuja atividades causassem mais tumultos, seja por barulho ou até mau odor. Sua arquitetura era marcada por fachadas muito simples e pouco atrativas, contrastando com o seu interior, voltado para os pátios internos bastante decorados, por
onde diferentes públicos conviviam harmonicamente, sem distinção de classes e opiniões. Segundo Vargas, não apenas mercadorias são negociadas no bazaar, as opiniões também.
FIGURA 13: Pintura retratando o Bazaar FONTE: Charles Robertson
Muitas das características identificadas nos mercados públicos atuais podem ser identificadas nos bazaares, como a forma de exposição dos produtos, a diversidade de itens ofertados ou a mistura confusa e ao mesmo tempo atrativa de estímulos sensoriais, além da convergência entre diversos públicos, independente de distinção de classes sociais. FIGURA 14: Yazd Bazaar, Tasmânia FONTE: Tasnim News
Na Grécia, o papel dos mercados era desempenhado na Ágora. O espaço, criado inicialmente apenas para a exposição do comércio va35
FIGURA 15: Pintura retratando discurso em Ágora Grega FONTE: Acervo Rafaello
rejista, passou a desempenhar, ao longo da sua evolução, função de centro dinâmico das cidades. Era a área mais frequentada, tornando-se centro de diversas atividades e palco de acontecimentos importantes. A partir do seu desenvolvimento, a Ágora passou a desempenhar uma posição de centro principal de atividades, tomando o lugar das Acrópoles, que adquiriram, então, caráter mais simbólico e religioso.
Apesar de não ter sido caracterizada como uma potência comercial, a Roma Antiga era forte produtora agrícola, fazendo surgir a necessidade de um local para venda e troca dos produtos. Surgiram, então, os Fóruns Romanos, um complexo que desempenhava funções comerciais, religiosas, administrativas, esportivas, entre outras. Eram como uma junção das atividades exercidas na Ágora e na Acrópole Grega. Estes centros de atividades Romanos desempenhavam funções muito mais ligadas à organização e estrutura urbana do que à atividade comercial em sí, e recebiam extrema atenção dos imperadores para a construção destes espaços públicos articuladores. Durante toda a idade média, o comércio 36
era controlado pelo clero, que condenava qualquer tipo ação considerada luxúria ou ganância dos cidadãos, julgando, muitas vezes, a necessidade das atividades comerciais. Apesar de uma relativa perda de importância das atividades mercantís para as cidades da época, as praças desempenhavam importante papel cívico, religioso e comercial, desenvolvendo-se no entorno de elementos de destaque como edificações administrativas (de onde surgiam as praças cívicas), igrejas (de onde surgiram as praças religiosas) e as praças de mercado, onde o principal elemento era a própria atividade desempenhada nela, sem que houvesse necessidade de ter uma construção atrativa de pessoas. Com a intenção de controlar o acesso da população ao comércio, a Igreja muitas vezes determinava a localização das praças de mercado junto a elas, unindo estes dois núcleos urbanos atrativos da população. FIGURA 16: Praça de mercado medieval FONTE: TinyCards
No período da Reforma o conceito de trabalho com intenção de construção de patrimônio privado passou a ser valorizado, tornando-se garantia de uma vida não desperdiçada com o ócio e a luxúria19 e os mercados passaram, então, a serem revalorizados, resultando em uma ascensão
RENNÓ, Raquel. Do mármore ao vidro. São Paulo: Anablume, 2006 19
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20 CALIBI, Donatella. The Market and the city. England: Hampshire, 2004 21 GUARDYA i ÓYON. A formação do moderno sistema de mercados de Barcelona. Barcelona, 2008
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mercantilista. Entre os séculos XV e XVII, as áreas de comércio das cidades europeias sofreram muitas transformações, e os projetos de novas construções e reformas dos prédios antigos reafirmavam a intenção de evidenciá-los novamente nas cidades. Estes equipamentos passaram a ser locados nos centros das cidades, dando a impressão, segundo Calibi20 , de que a configuração do mercado tenha sido mais ligada à implantação urbana do que ao projeto de arquitetura em sí. Os mercados cobertos como conhecemos hoje em dia, estruturados como grandes galpões, ganharam mais força no início séc. XIX, de forma grandiosa, refletindo a intenção dos governantes Europeus em mostrar a ascensão econômica. Eles possuíam um elevado número de boxes, trazendo soluções sanitárias mais eficazes do que as grandes feiras públicas e mercados abertos, que preocupavam pelas condições de higiene precária em um período de intensa urbanização, ganhando, então, status de equipamento urbano articulador. Este argumento foi usado, inclusive, como justificativa para a interdição, reforma ou até demolição de muitos dos equipamentos já existentes. Segundo os pesquisadores espanhóis Guardia e Óyon21 , os edifícios dos mercados podem ser considerados a “força modeladora das cidades europeias”. Para eles, a renovação deste equipamento se deu a partir de novos padrões de desenvolvimento urbanístico, em que o principal objetivo deveria ser a organização e comodidade, com a criação de mais equipamentos voltados ao desenvolvimento social. Ainda no século XIX as cidades modernas passavam por impasses dividindo questões relacionadas à prática informal de comércio e os interesses do poder público pela apropriação dos espaços de venda. Os debates geraram discussões sobre o
controle do estado, que começou a cobrar impostos e aluguéis, a organização estética dos espaços construídos até então e a valorização imobiliária agregada à este espaço22 . As novas regras impostas, então, tinham o objetivo de domesticar os comerciantes e a forma como se praticava a atividade comercial, até então.
CARDOSO e MARTINS. Mercados populares: trajetórias na apropriação de práticas informais. Anais do colóquio internacional comércio, cultura e políticas públicas. Rio de Janeiro, 2003 22
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5.2.2 Os mercados e a Cidade do Recife Apesar da diferença entre as formas de ocupação e desenvolvimento econômico do Brasil em comparação com as cidades Europeias, a implantação dos Mercados públicos como articuladores urbanos têm contexto semelhante à dos países mais desenvolvidos. Com a ascensão econômica da colônia, o desenvolvimento urbano das cidades Brasileiras atraiu mercadores no fim do século XVIII, e consequentemente aumentou a demanda pelo equipamento de atividade mercantil. O Recife, em particular, tem sua história fortemente ligada a esta atividade. Seu desenvolvimento se deu a partir da prática comercial, uma vez que a cidade surgiu em função do porto, que desempenhava papeis além da prática portuária, servia também como trapiche23 , sempre lotado de pessoas e mercadorias, gerando um fluxo intenso de pedestres. Esta dinâmica atraiu pequenos comerciantes, que de maneira informal, até então, causavam a desordem da área.
FIGURA 17: Porto do Recife, 1815 FONTE: Porto do Recife
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Local de armazenamento de mercadorias
FIGURA 18: Mapa do Recife, 1855 FONTE: Trabalhos URB2 2017.2 FIGURA 19: Mapa do Recife, 106 FONTE: Trabalhos URB2 2017.2
A característica portuária da cidade, junto à valorização econômica do açúcar, foram as res ponsáveis pela ascensão econômica da mesma no século XIX, acarretando, também, no crescimento populacional da capital. Neste período, a migração do interior para a cidade grande se intensificou. A partir da análise dos mapas da cidade ao longo da sua história, fica clara a tendência evo41
lutiva de ocupação urbana da mesma, crescendo em torno do principal equipamento urbano até então: o porto. Consequentemente, é importante reforçar a relação entre a evolução urbana do Recife e a implantação dos mercados púbicos da mesma, como citado no primeiro capítulo. Com a busca pela higienização e organização urbana, disseminadas pela segunda Re volução industrial, o modelo europeu de mercados virou elemento de desejo e representante de poder e ascensão econômica entre os administradores das cidades. A intenção era que estes equipamentos viessem a substituir as insalubres feiras livres, o que não ocorreu. Pelo contrário, estas passaram a se comportar como extensões das atividades comerciais exercidas dentro das edificações mercantis, e acompanham, até hoje, a maior parte dos mercados da cidade. Os mercados do Recife passaram a se comportar, então, como ordenadores dos espaços onde eram inseridos, reforçando contextos sociais, políticos e econômicos e criando características tipicamente regionais. O primeiro mercado público do Recife foi o da Boa Vista. Construído na primeira metade do século XIX, o equipamento foi implantado em um bairro até então de caráter predominantemente residencial, de classe média. Na época, devido à uma medida tomada pelo governo que limitava a comercialização informal, os moradores do bairro se viam obrigado a atravessar longas distâncias para realizar suas compras. Foi então que os moradores locais se juntaram para solicitar a construção de um mercado para o bairro. O mercado, conhecido por ser frequentado por pessoas de classe média alta, tem arquitetura de características coloniais, com solução espacial bastante tradicional para os mercados do período, com galeria voltada para a rua e pátio interno 42
aberto. Seus arcos relembram a arquitetura do antigo mercado da ribeira do peixe, demolido para dar lugar ao mercado de São José. O Segundo mais antigo e um dos mais conhecidos do Recife é o de São José. O equipamento que substituiu o antigo mercado da ribeira do peixe, foi construído após um período de melhorias no bairro, atraindo um maior número de moradores que demandavam de um equipamento do seu porte. Ele foi construído em 1875, da junção de mascates, vendedores ambulantes, pequenos comerciantes e pescadores, que antes vendiam seus produtos no Mercado da Ribeira do Peixe. Sua arquitetura disputa a atenção com a diversidade de atividades que abriga. Exemplar mais antigo da arquitetura do ferro no Brasil, tinha a intenção de refletir modernidade e poder econômico da cidade em ascensão. Nos dias atuais, o Mercado de São José é referência no estado e no país de venda de artesanato e itens da culinária típica da região nordeste, atraindo turistas durante todo o ano. Atualmente está sendo desenvolvido um projeto de reabilitação do edifício. Outro importante Mercado Público da cidade do Recife é o Mercado da Madalena. O equipamento passa atualmente por um período de revalorização por parte dos frequentadores, virando um dos principais “points” gastronômicos da cidade. FIGURA 20: Mercado da Madalena FONTE: Prefeitura do Recife
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Teve origem a partir da feira noturna do Bacurau, que, ao longo do desenvolvimento do bairro, tornou-se insuficiente para abrigar a demanda. Foi então que o governo do estado e a prefeitura do Recife decidiram por destruir a antiga feira e os casebres que a compunham para, em 1925, dar início a construção do mercado que leva o nome do Bairro. Sua arquitetura reflete o estilo eclético adotado na época, misturando elementos que fazem referência às tendências coloniais. Também é valido destacar o Mercado público da Encruzilhada. A construção inaugurada na década de 50, surgiu como consequência do mercado Velho, que funcionava em frente à sua localização atual, e, na época, não atendia mais à demanda do bairro em crescimento, além de passar por diversos problemas ligados à infraestrutura.
FIGURA 21: Mercado da Encruzilhada FONTE: Prefeitura do Recife
A nova construção veio para marcar a tendência arquitetônica do período, sendo um exemplar marcante da arquitetura protoracionalista, motivo de orgulho para a época. Sofreu ao longo do tempo 3 reformas, a última em 2007, que mantiveram a estrutura original. É possível observar, portanto, que a cidade do Recife tem uma forte ligação com as atividades comerciais e os Mercados públicos. Ao todo os 17 mercados, cuja maioria, não menos importante, não foi abordada neste capítulo, fazem da capi44
tal pernambucana a com maior número de exemplares no país. Cada um destes equipamentos tem importância imensurável para os sítios onde estão inseridos e fazem-se presentes na memória local.
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5.3 Arquitetura do ferro 5.3.1 Orígem e desenvolvimento O estilo arquitetônico decorrente da revolução industrial surgiu no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, simultâneo a transformações sociais, políticas e econômicas. Estas mudanças nas urbes vieram atreladas à novas necessidades e problemáticas que pediam por soluções arquitetônicas para resolver a super ocupação. Tornou-se necessária, então, a construção de edificações que comportassem multidões e fossem finalizadas de forma rápida e eficiente.
FIGURA 22: Fábrica de tercelagem europeia FONTE: Diário dos extremos
O metal já era utilizado nas construções anteriores ao período, mas com caráter decorativo e de pouco destaque. Desta vez ele tinha significância estrutural e prometia ser mais resistente a combustões (problema responsável por ruir diversas construções importantes em períodos anteriores) e, principalmente, vencer grandes vãos.
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Segundo Geraldo Gomes 24: “As grandes estações ferroviárias, os grandes armazéns, os pavilhões de exposição, as lojas de departamentos, os mercados públicos se constroem na Europa com formas e proporções que não existem no vocabulário arquitetônico de então, graças ao emprego do novo material: o ferro” “As grandes estações ferroviárias, os grandes armazéns, os pavilhões de exposição, as lojas de departamentos, os mercados públicos se constroem na Europa com formas e proporções que não existem no vocabulário arquitetônico de então, graças ao emprego do novo material: o ferro”
Ferro forjado, ferro fundido, caminhado, perfilado e aço. Foram muitas as técnicas desenvolvidas para se trabalhar com o metal no período. Alguns pesquisadores chegam a citar, até, a existência não de uma, mas de várias arquiteturas do ferro, tendo em vista que as tecnologias de uso do material também ficavam bastante evidentes nos estilos de cada prédio em que eram empregados. A Inglaterra, que neste momento se colocava como um dos países mais industrializados e pioneiros em novas tecnologias, foi responsável por abrigar o primeiro grande exemplar da tendência arquitetônica, o Palácio de Cristal, em 1851, assumindo mais tarde liderança indiscutível na produção de estruturas pré-moldadas para exportação. A arquitetura do ferro, seguindo o caráter imediatista do período, tinha seus principais exemplares expostos em construções utilitárias, como estações ferroviárias, pavilhões, pontes, armazéns e mercados públicos. Boa parte deste acervo arquitetônico na Europa se acabou com a segunda guerra mundial e com as obras de reconstrução de algumas cidades. Durante este mesmo período acontecia a independência política e econômica de boa parte das colônias europeias na América, Ásia e África. Estas, por sua vez, supervalorizavam as tendências
24 GOMES, Geraldo. O mercado de São José. Recife: Fundação da cultura da cidade, 1984
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culturais advindas dos países colonizadores. Com a nova produção arquitetônica não foi diferente. A possibilidade de exportar construções pré-fabricadas para um mercado consumidor ascendente despertou o interesse dos grandes países industrializados, principalmente a Inglaterra, atendendo à duas importantes demandas dos importadores: viabilidade econômica e conveniência social. A tendência ganhou força e os recém independentes passaram a encomendar construções em ferro até mesmo para onde já se tinha construções que atendessem às necessidades locais. O progresso e o desenvolvimento passaram a ser medidos pela capacidade de seguir hábitos, moda e consumo de produtos industriais, arquitetura inclusive, das matrizes europeias. “Assim, cidades portuárias situadas em países subdesenvolvidos cresceram rapidamente com negócios de importação e exportação, provocando necessidades que tiveram de ser satisfeitas com novos serviços, novos edifícios e novos materiais, como o ferro. O novo seduzia. Entretanto, existia por parte dos produtores uma incontida ansiedade em provar a viabilidade econômica do novo material, visando antes de tudo os lucros. ” 25
Os mercados públicos foram/são importantes exemplares do período industrial. É possível identificar no acervo dos países importadores dos pré-fabricados, como por exemplo no Mercado de São José, semelhanças com o antigo Les Halles, já extinto mercado central de Paris.
GERALDO GOMES. Arquitetura do ferro. aU, São Paulo, edição 90, Junho/2000
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FIGURA 23: Mercado Les Halles, Paris FONTE: Paris por Paulo Pereira FIGURA 24: Mercado de São José FONTE: Jornal Destak
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5.3.2 Arquitetura do ferro no Brasil e em Recife Como já citado anteriormente, grande parte das antigas colônias europeias na África, Ásia e América importavam conscientemente todas as tendências e produtos europeus produzidos no séc. XIX, e o Brasil não era diferente. Desde vestuários até arquitetura, o que era moda no continente exportador era desejado aqui. A arquitetura do ferro pode ser identificada em registros desde a segunda metade do séc. XIX, apesar de o Brasil já importar desde antes disso componentes estruturais e decorativos, mas não edifícios inteiros. No período, quase todos os serviços públicos do país eram dirigidos por empresas britânicas, que dominavam também o mercado de exportação de arquitetura do ferro e utilizavam seus produtos advindos da industrialização inglesa inclusive nas edificações. Quase todas as das redes ferroviárias seguiam esta tendência e eram construídas com matéria prima metálica. A maioria dos exemplares desta arquitetura eram edificações públicas, pois era motivo de orgulho para os governantes implantar em suas cidades obras que seguiam a tendência Europeia. É possível assimilar a implantação de alguns destes equipamentos, por exemplo, com o período de ascensão econômica das cidades em que se localizavam.
FIGURA 25: Estação central do Recife FONTE: FUNDAJ
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A supervalorização destas edificações gerou bastante acervo histórico sobre a época. Tudo o que tinha origem europeia ou fosse considerado civilizado era motivo de celebração nos jornais da época. Em consonância com esta tendência, a cidade do Recife sofria com problemáticas que acabavam por valorizar, mais ainda, estes feitos. A escassez de madeira propícia para construções, as inundações constantes, a falta de mão de obra adequada e a geografia da cidade, que demandava novas pontes, despertavam mais ainda o interesse por construções em ferro na cidade. Os exemplares recifenses possibilitaram, também, a incorporação de soluções e tecnologias que resolvessem questões importantes como por exemplo a dificuldade em adaptar os prédios às necessidades ligadas ao conforto climático. Segundo Souto Maior 26: “Esses prédios, à medida que eram construídos, acompanhavam a evolução tecnológica europeia. Por outro lado, também houve adaptações regionais, pois deve-se levar em consideração a adoção de soluções consagradas da arquitetura local, principalmente em relação ao conforto”
Souto Maior, Paulo. Nos caminhos do ferro: Construções e manufaturas no Recife. Recife: Cepe, 2010 26
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5.4 Mercado de Casa Amarela: história e condição atual 5.4.1 O bairro de Casa Amarela O bairro de Casa Amarela, que já foi considerado um dos mais populosos da cidade, está situado na zona norte do Recife, e tem seu território composto por um centro histórico e comercial bastante representativo. Em 1988, seus limites foram remodelados, sofrendo desmembramento de algumas regiões, que se tornaram bairros independentes, e diminuindo, então, a densidade populacional do polígono.
FIGURA 26: Imediações do Mercado de Casa Amarela FONTE: Jornal do Commércio
Sua origem veio a partir da criação do Arraial do Bom Jesus, em 1630, que servia como forte no período de invasão holandesa. Após o bombardeio do local, os moradores da região que tinham saído das suas casas durante o período, foram voltando e reconstruindo lá as suas casas, criando o que mais para a frente seria chamado de “Povoação do Arraial Velho”. Segundo consta nas histórias, o bairro recebeu este nome após um rico Português se mudar para o Arraial por recomendações médicas, em busca de um clima mais favorável à cura de sua tuberculose. Ele construiu uma casa amarela, próximo à estrada de ferro, que logo veio a se tornar ponto de encontro e referência local. O bairro já vinha se desenvolvendo desde o 52
século XVII, mas ainda de forma lenta. Até então, era conhecido por ser refúgio de pessoas doentes e distante do núcleo urbano principal. Foi no século XX, com a criação das linhas férreas vindas desde a mata Norte, e a instalação da fábrica da Macaxeira que a região sofreu um surto populacional. Em 1916, o bairro já possuía bondes elétricos que o ligavam ao centro do recife, favorecendo o desenvolvimento desta e de outras regiões, graças a este meio de transporte mais rápido, cômodo e frequente. Segundo Mario Sette 27 “anunciavam-se casas recém construídas, com os maiores gabos para as peças internas, sua cacimba de água doce, suas árvores de fruto, sua proximidade do trem.” Em 1930, o local foi escolhido para abrigar um mercado importado de ferro, remanescente do bairro da Caxangá. Segundo constatado por alguns autores, a antiga locação do equipamento estava situada próxima à casa de um senhor importante para a época que, irritado com a rotina do centro comercial, exigiu que este fosse relocado. Nos anos 40, com a implantação da política de erradicação dos mocambos das áreas centrais da cidade, os morros que circundavam a área foram sendo ocupados e consequentemente urbanizados, segundo Pontual28 . Ela também relata que, a partir dos anos 50, o adensamento começou a se intensificar nas áreas adjacentes ao mercado público, que hoje funciona como um importante centro comercial para a cidade. Atualmente, o bairro sofre com as consequências da especulação imobiliária, estando entre os 10 com o metro quadrado mais caro do Recife. As novas edificações coexistem com construções antigas, boa parte inserida na Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-cultural, e com o vasto e diversificado comercio, responsável por movimentar e dinamizar a rotina do bairro.
27 SETTE, Mário. Maxambombas e Maracatus. Coleção Recife. v.19. Recife: Prefeitura da cidade do Recife, 1981. 28 PONTUAL, Virgínia. O Saber urbanístico no governo da cidade: Uma narrativa do Recife das décadas de 1930 a 1950. Tese (Doutorado). São Paulo, 1998
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5.4.2 O Mercado de Casa Amarela
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abud (Romani, 2009)
Localizado na esquina da Rua Padre Lemos com a Estrada do Arraial, o Mercado de Casa Amarela é memória viva do seu bairro, fazendo jus ao ditado popular que cerca a região: “Em Casa Amarela, todos os caminhos dão na venda”. O equipamento funciona de domingo a domingo, sempre abre às 06 da manhã, com boxes que funcionam até 24 horas por dia. São ao todo 121 compartimentos espalhados pelos quase 750m² da construção histórica. O prédio foi inaugurado em 1900 na Caxangá, segundo o historiador Marcelo Lins, mas em 1928 teve sua estrutura em ferro transportada de bonde pela construtora Borrione para o sítio atual, onde reinaugurou em 1930, durante a gestão do Prefeito Francisco da Costa Maia. Não foram encontrados registros de modificações físicas decorrentes desta relocação do mesmo. Segundo alguns autores, a mudança se deu após a exigência de um importante senhor da época, que estava insatisfeito com a locação do equipamento próximo à sua casa na Caxangá, causando muita agitação no local que, como era de se esperar, cumpria com a rotina de um centro comercial. Entretanto, segundo o arquiteto Cristiano Borba29 , registros da época especulam que a mudança se deu em decorrência da aglomeração urbana sofrida pelo bairro de Casa Amarela na época, fazendo com que o governo optasse por realocá-lo. A feira adjacente já era, desde aquela época, um grande centro comercial. Há de se convir que em termos de integração e serviços para a população do período, a nova localidade atenderia à população de forma mais eficaz. O apelido recebido de Mercado das Pulgas, desde a sua inauguração, não tem ligação com a higiene do local, mas com a intensa diversidade de
produtos e movimentação de pessoas. Hoje ainda comercializa muitos produtos, mas a oferta encontrada na parte interna no mercado não atrai mais a mesma quantidade de visitantes, quando comparado com seus anexos e outros pontos comerciais que completam a área em seu entorno. FIGURA 27: Foto panorâmica do mercado FONTE: Autoral
Como já citado anteriormente, este equipamento caracteriza-se por ser o segundo exemplar de mercado em ferro do Recife. Poucos são os registros oficiais e estudos acerca dele, mas, segundo algumas citações, sua estrutura havia sido proveniente da estrutura de uma ponte desarmada. As suposições podem ser embasadas a partir da análise técnica desenvolvida por Paulo Souto Maior, em sua obra “Nos Caminhos do Ferro”, onde o autor afirma: “...entre os aspectos que delatam o reaproveitamento de parte da estrutura identificam-se a existência de conexões por rebites em conjunto com parafusos rosqueados e o estado de conservação da estrutura, pois nas colunas de sustentação é possível perceber várias demãos de tinta sob camadas de oxidação, o que, aliás, não ocorre nas barras da coberta. A configuração ornamental de alguns detalhes, como se vê nas mãos-francesas, contrasta com elementos bem mais simplificados, especialmente nas tesouras da coberta. Diante deste quadro, vislumbram-se os dois estágios de confecção dos elementos metálicos empregados no mercado. Supõe-se, assim, que as colunas e mãos-francesas seriam anteriores à estrutura da coberta. ”
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FIGURA 28: Detalhe Mercado de Casa Amarela FONTE: A autora
Além da riqueza decorativa do prédio, também é válido ressaltar características como a regularidade e extrema simetria da planta, inicialmente composta apenas por boxes que se distribuíam nas laterais internas, permitindo a criação de um grande vão livre central. Posteriormente, ampliações ocuparam a área livre central e instalaram boxes também nas laterais externas, com contato direto para a calçada. A edificação conta com soluções arquitetônicas que se assemelham bastante com as utilizadas nos mercados Europeus de mesmo estilo, como a utilização de meia parede. No equipamento em questão, as laterais são preenchidas até 2 metros e meio em alvenaria, sendo o restante do vão cercado apenas por gradil como no Mercado Del Born, em Barcelona, onde, além do gradil, os vidros fazem o isolamento do local com o intuito de protege-lo dos fortes ventos e frio. Fica clara no equipamento a intensão de considerar as questões ligadas ao conforto climático no projeto. Os longos beirais e as paredes de meia altura permitem que haja circulação de ventilação natural e proteção solar. Sobre estas considerações, Souto Maior ainda afirma:
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MAPA 01: Mercado, anexos e feira FONTE: A autora
ANEXO III
ANEXO II
FEIRA LIVRE MERCADO ANEXO I
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N
ESC.: 1/5000
“Se o mercado de São José baseia-se em um exemplar europeu e, em razão disso, verificam-se deficiências no seu conforto, no de Casa Amarela a situação é distinta. Convém lembrar que este segundo mercado, construído mais de meio século depois do outro, insere-se no período de assimilação e adaptação de valores estrangeiros às circunstâncias locais. Mesmo assim, ainda é possível perceber a origem desse modelo construtivo e de sua disposição interna, em exemplares europeus.”
Há ainda o anexo II, conhecido como Cobal, que abriga 14 boxes responsáveis por comercializar, entre tantos produtos, rações e cereais, principalmente. O terceiro Anexo, conhecido como Sempre Viva, localiza-se na rua de mesmo nome e abriga o comércio de confecções de moda, calçados e acessórios e diversos ítens. Os boxes externos do Mercado de Casa Amarela, provenientes de sua ampliação, são os responsáveis por atrair a maior parte do público ao equipamento. Na fachada da Estrada do Arraial funcionam bares e restaurantes de comidas regionais, frequentados principalmente por motoristas de taxi, comerciantes do próprio mercado e da feira e moradores da região, tendo, alguns, horário de funcionamento 24 horas por dia. Já na fachada oposta, do Largo de Casa Amarela, encontram-se predominantemente peixarias e açougues que absorvem boa parte do público que vai à feira do outro lado da rua. Esta feira livre, considerada a maior e uma das mais conhecidas da cidade, pode ser entendida como uma extensão do prédio principal. Segundo Aluysio Gomes, administrador do mercado, a sua visitação aos finais de semana é de, em média, duas a três mil pessoas, que vão em busca dos mais diversos alimentos oferecidos e dos preços acessíveis e negociáveis.
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FIGURA 29: Feira de Casa Amarela FONTE: Revista Algo Mais
Diante das considerações abordadas anteriormente, faz-se claro o interesse no desenvolvimento do presente trabalho acerca do equipamento principal em questão (Mercado de Casa Amarela) e equipamentos adjacentes (feira livre e anexos), dado sua importância histórico-cultural e arquitetônica na cidade.
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5.5 Teorias do restauro: os restauradores e as cartas patrimoniais 5.5.1 Os teóricos do restauro
30 Kuhl, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico industrializado. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008
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A preservação pode ser entendida, hoje em dia, como uma ação cultural. Ela abrange as relações estabelecidas entre uma determinada cultura e seu passado. A base para as teorias que cercam o conceito utilizado hoje surgiu durante o séc. XVIII, momento crítico para a atuação em construções antigas, onde até então só se atuava nas obras preexistentes para adaptá-las às necessidades da época, atendendo critérios ditados pelo uso. Até então, não se tinha uma visão histórica do passado, e nem a ideia de ruptura com o presente. As questões noções historicistas acerca das edificações só começaram a ser valorizadas durante o Renascimento, onde os interesses pelas construções preexistentes, principalmente da Antiguidade Clássica, passaram a despertar mais atenção. Apesar da prática de intervenção em edificações em estilos antecessores já existir desde a Idade Média, onde muitas propostas de restauro foram executadas, é só no período renascentista que se passou a fazer o levantamento histórico e técnico dos monumentos. Foi neste período também que os papas, que exerciam importante influência sob a sociedade civil, começaram a se interessar pela proteção de construções passadas, fossem elas cristãs ou pagãs. Porém, não é possível afirmar que a prática da intervenção restaurativa fosse algo desenvolvido no renascimento. Apesar da admiração dos estudiosos da época pelas construções antigas, eles continuaram a utilizá-las como fonte de materiais para construção de novos. Segundo Beatriz Mugayar30 , o processo de intervenção em edificações antigas podia se dar de
diversas formas: destruição para aproveitamento de seus materiais; reconstrução total ou parcial; alterações do projeto original; abandono; adaptações e outros usos. Muitas vezes, aconteciam mais de uma dessas ações. Foi no século XVIII que a preocupação com as obras do passado se intensificou. Diante da percepção de perda de parte da história das obras, por meio de ações reconstrutivas, que simulavam uma falsa sensação de conservação da memória, o conceito de preservação passou, então, a ser motivada por outros interesses. Começaram a prezar pela sua preservação para as gerações futuras, despertando o interesse de artistas, historiadores, arqueólogos e arquitetos pelo tema. Segundo Beatriz Mugayar: “A preservação passou então a ser motivada por questões e cunho cultural, científico, pelos conhecimentos que as obras antigas transmitiam em vários campos do saber, por não se ter o direito de apagar o traço de gerações passadas e privar gerações futuras da possiblidade de conhecimento de que os bens são portadores”
Até então, as intervenções em edificações preexistentes voltavam-se para sua adaptação às necessidades momentâneas, movidas por interesses pessoais dos mandatários. Foi a partir deste momento que as questões que ditavam as tendências de reconstrução passaram a servir apenas como caráter indicativo, e não mais determinante. Na Grã-Bretanha as rápidas mudanças consequentes da revolução industrial despertaram o sentimento de proteção ao passado arquitetônico de importantes edifícios e núcleos urbanos, que sofriam ameaças pelas rápidas e intensas transformações sofridas pela cidade. No século XIX, teóricos começaram a aprofundar os estudos sobre restauro e desenvolver suas teorias. Uma das principais foi do francês Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc. Ele, assim como alguns 61
outros teóricos contemporâneos e conterrâneos, acreditava que as modificações posteriores à construção do edifício que não seguissem seu padrão estilístico deveriam ser eliminadas. Esta corrente restaurativa era conhecida por fazer uma intervenção denominada de “restauro estilístico”.
FIGURA 29: Eugéne Emanuelle Viollet-le-Duc FONTE: Marina Maia
O ideal, para ele, era que o aspecto estilístico da sua época de maior esplendor (normalmente o período de construção) fosse devolvido, acarretando, muitas vezes, na reconstrução por analogia ou na intervenção com o intuito de reproduzir um modelo idealizado como típico da construção, que podia até nunca ter existido. Segundo Viollet-Le-Duc: “A palavra e o assunto são modernos. Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode jamais ter existido em um dado momento.”. O teórico ainda afirma: 62
“Se for o caso de fazer de novo porções do monumento de que não resta traço algum, seja por necessidade de construção, seja para completar uma obra mutilada, é então que o arquiteto encarregado de uma restauração deve imbuir-se bem do estilo próprio ao monumento cuja restauração lhe é confiada. [...]Nas restaurações, há uma condição dominante que se deve sempre ter presente no espírito. É a de substituir uma parte retirada somente por materiais melhores e por meios mais eficazes ou mais perfeitos. É necessário que o edifício restaurado tenha no futuro, no seguimento da operação à qual foi submetido, uma fruição mais longa do que a já decorrida. ”
A França da época de Viollet-le-Duc considerava a produção artística de um período superior à de outros, sobretudo o gótico, contrastando com as posturas atuais em que as manifestações artísticas de qualquer período são tidas como válidas. Apesar de ter sido muito criticado, alguns princípios dele são válidos até hoje, como o interesse em manter as características estruturais originais, não somente em sua aparência externa, mas no seu modo de funcionamento também. Em contrapartida aos princípios desenvolvidos na França por Viollet-Le-duc, estudiosos embasaram suas teorias de forma antagônica, que buscava preservar a matéria original do monumento, entendendo as modificações e ampliações posteriores como parte da história dele, dignas de serem conservadas. Esta vertente de intervenção ficou conhecida como “ restauro romântico” e teve como principal precursor John Ruskin, que expôs sua teoria nas suas obras “As Sete Lâmpadas da Arquitetura” e “As Pedras de Veneza”.
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FIGURA 30: John Ruskin FONTE: Vitruvius
Ruskin pregava um discurso mais radical em alguns aspectos e acreditava que: “ (a restauração) significa a mais total destruição que um edifício pode sofrer: uma destruição após a qual nenhum remanescente pode ser reunido; uma destruição acompanhada de uma falsa descrição do objeto destruído. Não nos deixemos decepcionar nesse assunto importante; é impossível, tão impossível quanto ressuscitar os mortos, restaurar qualquer coisa que tenha sido grande ou bela em arquitetura. ”
Ele acreditava que o melhor a se fazer com o monumento era não atuar sobre ele, mesmo que isso significasse, em algum momento, a perda dele. Para Ruskin, assim como a vida humana, os edifícios também tinham seus ciclos e em algum momento viriam a ruir. A edificação deveria ser mantida da forma que se apresentava, com repúdio à qualquer ação sob o edifício exercida pelos restauradores, considerando as ações destes como intervenções condizentes com a falsidade. Ele aceitava, em alguns casos, que apoios fossem dados à edificação com o objetivo de evitar seu fim, mas 64
que estes apoios ficassem claros, como “muletas”. As posições de Violet-le-Duc e John Ruskin, totalmente contrárias, foram consideradas de total importância para ações tomadas na época em que foram expostas e para a formação de outras teorias intermediárias entre os dois opostos. O “restauro histórico” ou “restauro moderno” foi uma vertente de intervenção medianeira entre as citadas anteriormente. Nesta teoria, estudiosos como Camillo Boito se destacaram por acreditar que o monumento era como um documento e as intervenções feitas nele deveriam ser muito bem embasadas em todo tipo de arquivo que se pudesse ter acesso para fundamentar as intervenções.
FIGURA 31: Camilo Boito FONTE: Vitruvius
Ele acreditava que os monumentos deveriam ser preservados e ter suas adições e modificações ao longo do tempo mantidas também como registro histórico da construção. Ele era a favor de reparos, quando necessários, e admitia ampliações e renovações quando extremamente necessárias, embasadas em documentações. As intervenções 65
deveriam distinguir-se de forma clara da obra original, respeitando a construção original. Em discurso na Exposição de Turim, 1884, expôs: “...enquanto a nossa suma paciência consiste em compreender e reproduzir minunciosamente todo o passado da arte, a essa recente virtude os faz ser maravilhosamente adaptados a concluir as obras de qualquer século decorrido, chegadas à nós mutiladas, alteradas ou arruinadas, a única coisa ajuizada que, salvo raros casos, nos resta a fazer é esta: deixa-las em paz, ou, quando for o caso, libertá-las dos mais ou menos velhos, mais ou menos nocivos restauros. ”
Boito concluiu, ainda, sobre o restauro arquitetônico: “1° É necessário fazer o impossível, é necessário fazer milagres para conservar no monumento o seu velho aspecto artístico e pitoresco; 2° É necessário que os complementos, se indispensáveis, e as adições, se não podem ser evitadas, demonstrem não ser obras antigas, mas obras de hoje. ” A destruição decorrente da segunda guerra mundial e as transformações causadas pelas tentativas de reconstrução e modernização das cidades acabaram causando grandes mudanças no debate acerca da restauração. Na Itália, este movimento de reflexão resultou na formação de uma nova vertente, conhecida como “ restauro crítico”, que tinha como precursores conhecidos nomes como Roberto Pane, Pietro Gazzola, Renato Bonelli e Cesare Brandi. Este último, por sua vez, foi o teórico de mais destaque na corrente. Seus textos, que posteriormente resultaram na publicação de sua obra “Teoria do Restauro”, de 1963, tem até hoje muita influência na conceituação do restauro. Ele dirigiu até a década de 60 o ICR ( Instituto central de restauração), órgão que surgiu em 66
meio à necessidade de soluções para resolver a ampla destruição deixada pelos conflitos da guerra. FIGURA 32: Cesare Brandi FONTE: Claudio Costa
Para Brandi, o objeto a receber intervenção deve ser entendido como obra de arte e, a partir disso, deve-se formar um estudo sobre ele, com o objetivo de identificar sua unidade potencial e assim compreende-lo em sua totalidade. Segundo seu pensamento, cada intervenção deve ser única e para tal deve ser fundamentada principalmente na análise dos aspectos estéticos e históricos da mesma. Ele acredita que a “restauração é o momento metodológico de reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice popularidade estética e histórica, com vistas à sua transmissão ao futuro”. 67
Dois Axiomas norteiam as teorias expostas por Brandi. Eles afirmam que: “restaura-se somente a matéria da obra de arte”, restaurar somente a matéria, sem cometer falso artístico, sem intervir ou modificar o original da obra. “A restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo” O teórico também define três princípios fundamentais a serem seguidos na restauração: 1º. LEGIBILIDADE: “[...] a integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que por isto se venha a infringir a própria unidade que se visa a reconstruir [...]” (2004, p.47). 2º ORIGINALIDADE: “[...] a matéria que resulta a imagem só é insubstituível quando colaborar diretamente para a figuratividade da imagem como aspecto e não para aquilo que é estrutura. Sempre em harmonia com a instância histórica [...]” (2004, p.48). 3º. REVERSIBILIDADE: “[...] que qualquer intervenção de restauro não torne impossível, mas, antes, facilite as eventuais intervenções futuras” (2004, p.48). Quando houver a necessidade de acréscimo ou substituição de partes faltantes no monumento, Brandi afirma que estes novos elementos devem integrar-se harmoniosamente ao conjunto, respeitando todo o edifício, mantendo a importância absoluta da matéria original e das marcas de passagem do tempo. É possível observar em suas publicações que sua teoria tem a intenção de evitar que o juízo de valor da equipe de restauro contamine a obra 68
e alterem de maneira irreversível as características que lhe dão identidade. 31 Em resumo, seu discurso pretende manter a compreensão original da obra e, caso necessário a intervenção da mesma, a ação deverá respeitar sua autenticidade e se inserir de maneira claramente identificável em relação à preexistência, mantendo, ainda assim a unidade do resultado final e possibilitando a reversibilidade ao estado preexistente à ação restaurativa. Foi com embasamento nas teorias de restauro citadas anteriormente e outras tantas de significante importância que, em 2003, o espanhol Salvados Muñoz Viñas publicou sua obra: Teoria del restauro contemporâneo. FIGURA 33: Salvador Muñoz Vinas FONTE: ICOM
Nesta publicação, o autor estabelece princípios adaptados a partir de conceitos anteriores, formando uma teoria mais contemporânea da intervenção sobre a preexistência e embasando o discurso de uma vertente que ficou conhecida como “restauro contemporâneo”.
Fernanda Heloísa do Carmo, H. V. (fevereiro de 2016). Cesare Brandi: Uma releitura da teoria do restauro crítico sob a ótica da fenomenologia. Fonte: vitruvius: http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/arquitextos/16.189/5946 31
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Na publicação, Viñas sugere que a ação sobre a obra seja orientada por outros valores além da estética e história, seguindo também princípios da funcionalidade, sincrética, sustentabilidade e circunstâncias necessárias para sua funcionalidade. Para ele, a restauração está atribuída à manutenção e recuperação do objeto, mas também a sua natureza simbólica e resgate, caso não haja, da sua ligação com o meio externo e população. O autor afirma, ainda: “ Não há boa Restauração, mas sim a boa Restauração de um objeto em uma circunstância”. Viñas sugere mudanças em princípios clássicos das teorias do restauro, como: 1º. LEGIBILIDADE: “[...] a restauração não pode restituir a legibilidade do objeto, mas privilegia uma das possíveis leituras em detrimento de outras” (VIÑAS, 2003, p. 117). 2º AUTENTICIDADE: só é possível resgatar a autenticidade do que é presente no objeto, pois é o único estado real e verdadeiro que pode ser atingido. O restante é testemunho de sua história, pois o estado autêntico está embutido em cada tempo com a alteração dos materiais e a pretensão do artista (VIÑAS, 2003, p.83-96}. 3º. REVERSIBILIDADE: “[...] dificilmente podese optar por materiais que sejam totalmente reversíveis ou irreversíveis” (VIÑAS,2003, p. 109). A reversibilidade de um material depende de muitas circunstâncias alheias ao produto usado, sendo mais prudente pensar em termos do “grau” de reversibilidade que um determinado material tem ao ser aplicado mediante o processo em um objeto específico (VIÑAS, 2003). Diante das teorias destacadas, e tantas outras existentes, optou-se por tomar como base para o anteprojeto proposto neste trabalho as vertentes conhecidas como “restauro crítico”, de Cesare Brandi, e “restauro contemporâneo” de Salvador 70
Muñoz Viñas. Ambas possuem discurso embasado na estética e história da construção a sofrer ação interventiva, sendo a segunda mais propícia para a proposta almejada no presente trabalho, uma vez que leva em consideração outros princípios funcionais da mesma. Deve-se respeitar a construção preexistente e tentar, ao máximo, preservar todas as suas características e marcas do tempo, intervindo, quando necessário, por meio de ações ou acréscimos que preservem a unidade original e exponham de forma clara a diferença entre os elementos originais e novos, sempre respeitando o monumento e baseando-se na análise caso a caso de todos os aspectos que os cerquem. Em sua dissertação ‘metamorfose arquitetônica – intervenções conceituais contemporâneas sobre o patrimônio edificado’, de 2006, Nivaldo Andrade Júnior estabelece dois conceitos projetuais para interpretar a contextualização de um edifício com seu entorno pré-existente, são eles a consonância e dissonância. Uma edificação será consonante com seu entorno quando estiver de acordo com os padrões existentes, garantindo, assim, uma harmonia morfológica entre o novo e a preexistência. Já quando a edificação é dissonante com seu entorno, significa que ela se difere e destaca em relação ao preexistente, não havendo relações de harmonia. O autor estabelece seis aspectos para relacionar os conceitos de consonância e dissonância, para estudar o projeto proposto. São esses: implantação, volumetria, escala, densidade e ritmo, além disso, cores e texturas que são outros aspectos importantes a serem analizados.
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5.5.2 As cartas patrimoniais A dinâmica do período em que os restauradores desenvolviam suas teorias difundia de forma muito lenta as diversas vertentes e ideais acerca da temática da intervenção nos monumentos. Pode-se dizer que só a partir da publicação da Carta de Atenas32, em 1931, foi possível transmitir por mais lugares os estudos de Camilo Boito. A publicação, resultado de uma reunião internacional sobre o tema, caracteriza-se como uma Carta Patrimonial, documento que contém medidas tuteladas pela UNESCO para a proteção do patrimônio por meio de conceitos, medidas e recomendações de documentação, promoção, planos de conservação, manutenção e restauro do mesmo, seja histórico, artístico e/ou cultural. Foram elaboradas por especialistas e organismos que trabalham com patrimônios culturais, e somam mais de 40 (IPHAN, 2015). Nela, o objetivo principal foi abordar a preservação de monumentos históricos, apontando como principal objetivo fazer o inventário dos diversos exemplares de patrimônio construído pelo mundo, estendendo o conceito que visava o respeito, manutenção e salvaguarda, não só do monumento, mas também nos sítios onde estavam inseridos. O documento cita, ainda, a utilização da edificação como um dos principais fatores para sua manutenção e sobrevivência e fundamenta os princípios básicos abordados no encontro:
Carta de Atenas, Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, nov. 1933 < http://portal.iphan.gov.br/ uploads/ckfinder/arquivos/ Carta%20de%20Atenas%20 1933.pdf>.
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32
“Os valores arquitetônicos devem ser salvaguardados (edifícios isolados ou conjuntos urbanos). [...] serão salvaguardados se constituírem a expressão de uma cultura anterior ou se corresponderem a um interesse geral. [...] A morte, que não poupa nenhum ser vivo, atinge também as obras dos homens. É necessário saber reconhecer e discriminar os testemunhos do passado aquelas que ainda estão bem vivas. Nem tudo é passado, e tem, por definição, direito à
perenidade; convém escolher com sabedoria o que deve ser respeitado. [...] O emprego de estilos do passado, sob pretextos estéticos, nas construções novas nas zonas históricas, têm consequências nefastas. A manutenção de tais usos ou a introdução de tais iniciativas não serão toleradas de forma alguma.”restauros. ”
Outra importante Carta Patrimonial, desenvolvida durante o Congresso Internacional de Arquitetos e técnicos de Monumentos Históricos de 1964 foi a Carta de Veneza33. O documento permanece até hoje em dia como um dos principais pontos de referência sobre a temática e aborda a necessidade de formularem princípios válidos internacionalmente, uma teoria “objetiva” e aplicável aos vários países, mas deixava a cada país a tarefa de empregá-las de acordo com a realidade de cultura local.34 Ela reexamina conceitos básicos desenvolvidos na Carta de Atenas, aprofundando-os e elaborando os princípios de restauração, sintetizando a evolução das teorias desenvolvidas até então. “Ao dar uma primeira forma a esses princípios fundamentais, a Carta de Atenas de 1931 contribuiu para a propagação de um amplo movimento internacional que se traduziu principalmente em documentos nacionais, na atividade de ICOM e da UNESCO e na criação, por esta última, do Centro internacional de Estudos para a conservação e Restauração dos bens culturais. A sensibilidade e o espírito crítico se dirigem para problemas cada ve mais complexos e diversificados. Agora é chegado o momento de reexaminar os princípios da Carta para aprofundá-las e dotá-las de um alcance maior em um novo documento”
Na Carta de Veneza são desenvolvidas, ainda, as definições básicas de monumento histórico e de conservação e restauração dos mesmos e sua finalidade. Desenvolve, também, princípios para o tratado em sítios monumentais e escavações.
Carta de Veneza, II Congresso internacional de Arquitetos e técnicos dos monumentos históricos, mai. 1964 < http://portal. iphan.gov.br/uploads/ckfinder/ arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf>. 34 Kuhl, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: Recomendações sobre a sua preservação. São Paulo: Ateliê Editorial, 1998 33
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“ Artigo 9°- A restauração é uma operação que deve ter caráter excepcional. Tem por objetivo conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento e fundamenta-se no respeito ao material original e aos documentos autênticos. Termina onde começa a hipótese.; [...] todo trabalho complementar reconhecido como indispensável por razões estéticas ou técnicas destacar-se-á da composição arquitetônica e deverá ostentar a marca do nosso tempo. A restauração sempre será precedida e acompanhada de um estudo arqueológico e histórico do monumento”
Após a publicação da Carta de Veneza, em 1964, foram desenvolvidos 8 manifestos até a publicação da Declaração de Amsterdã35 , de 1975, outro importante conjunto de recomendações que merece ser destacado. Ela se concentra no desenvolvimento de conceitos que visam a preservação do patrimônio arquitetônico Europeu, entendendo-o como integrante do patrimônio cultural do mundo inteiro, compreendendo não somente as construções isoladas, mas também os sítios onde estão inseridas. A carta também se concentra em desenvolver medidas de cunho social afim de salvaguardar os moradores e a composição social dos bairros antigos e recomendar a criação de programas educacionais para preparar o público, em especial as novas gerações, para apreciar o patrimônio histórico:
Declaração de Amsterdã, Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu, out. 1975 < http://portal.iphan.gov. br/uploads/ckfinder/arquivos/ Declaracao%20de%20Amsterda%CC%83%201975.pdf>
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35
“f) A reabilitação dos bairros antigos deve ser concebida e realizada, tanto quanto possível, sem modificações importantes da composição social dos habitantes, e de uma maneira tal que todas as camadas da sociedade se beneficiem de uma operação financiada por fundos públicos. [...] h) O patrimônio arquitetônico não sobreviverá a não ser que seja apreciado pelo público e especialmente pelas novas gerações. Os programas de educação em todos os níveis devem, portanto, se preocupar mais intensamente com essa matéria.”
Em 1976 foram desenvolvidas as Recomendações de Nairobi36 , durante encontro promovido pela UNESCO. No documento foram abordadas diversas considerações para desenvolver recomendações que considerassem as definições, os princípios gerais, as políticas locais, as medidas de salvaguarda, o desenvolvimento de pesquisas e estudos e a cooperação internacional. Diante do texto desenvolvido, destacam-se os seguintes trechos: “Considera-se conjunto histórico ou tradicional todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e paleontólogos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão de valor são reconhecidas do ponto de visca arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, estético ou sócio-cultural. [...] Dessa maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar. [...] Em cada estado membro, deveria se formular, nas condições peculiares a cada um em matéria de distribuição de poderes, uma política nacional, regional e local, afim de que sejam adotadas medidas jurídicas, técnicas, econômicas e sociais pelas autoridades nacionais, regionais e locais para salvaguardar os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência e adaptá-los às exigências da vida contemporânea. [...] [...] é indispensável estimular a formação de técnicos e de artesãos especializados na salvaguarda dos conjuntos e de quaisquer espaços abertos que o circundam.”
Foi em 1995 que um documento foi redigido em decorrencia do encontro Luso- Brasileiro de Reabilitação Urbana. A Carta de Lisboa teve como principal resultado a conceituação de termos ligados á prática da intervenção no patrimônio e suas aplicabilidades. Dentre as definições, destacamos para o presente trabalho o conceito expoxto no documento sobre a Reabilitação de edifícios:
Recomendações de Nairobi, Unesco, nov./1976 < http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20 de%20Nairobi%201976.pdf> 36
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“Obras que têm por fim a recuperação e beneficiação de uma construção, resolvendo as anomalias construtivas, funcionais, higiénicas e de segurança acumuladas ao longo dos anos, procedendo a uma modernização que melhore o seu desempenho até próximo dos actuais níveis de exigência.”
Os documentos citados anteriormente foram considerados, para o presente trabalho, os principais dentre os 40 (listadas a seguir), e não menos importantes, produzidos. Eles abordam questões que conceituam termos essenciais para a temática abordada e ligadas, também, à importância do engajamento social para a preservação do patrimônio.
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CARTAS PATRIMONIAIS: 1931 / 1933 - CARTAS DE ATENAS 1956 - RECOMENDAÇÃO DE NOVA DELHI 1962 - RECOMENDAÇÃO PARIS 1964 - CARTA DE VENEZA 1964 - RECOMENDAÇÃO PARIS 1967 - NORMAS DE QUITO 1968 - RECOMENDAÇÃO PARIS 1970 - COMPROMISSO BRASÍLIA 1972 - CARTA DO RESTAURO 1972 - DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO 1972 - RECOMENDAÇÃO PARIS 1973 - ANAIS DO II ENCONTRO DE GOVERNADORES 1974 - RESOLUÇÃO DE SÃO DOMINGOS 1975- DECLARAÇÃO / MANIFESTO DE AMSTERDÃ 1976 - CARTA DO TURISMO CULTURAL 1976 - RECOMENDAÇÕES DE NAIRÓBI 1977 - CARTA DE MACHU PICCHU 1980 - CARTA DE BURRA 1981 - CARTA DE FLORENÇA 1982 - DECLARAÇÃO DE NAIRÓBI 1982 - DECLARAÇÃO DE TLAXCALA 1985 - DECLARAÇÃO DO MÉXICO 1986 - CARTA DE WASHINGTON 1987 - CARTA DE PETRÓPOLIS 1987 - CARTA DE WASHINGTON 1989 - CARTA DE CABO FRIO 1989 - RECOMENDAÇÃO PARIS 1990 - CARTA DE LAUSANNE 1992 - CARTA DO RIO 1994 - CONFERÊNCIA DE NARA 1995 - CARTA BRASÍLIA 1995 - RECOMENDAÇÃO EUROPA 1995- CARTA DE LISBOA 1996 - DECLARAÇÃO DE SOFIA 1996 - DECLARAÇÃO DE SÃO PAULO II 1997 - CARTA DE FORTALEZA 1997 - CARTA DE MAR DEL PLATA 1999 - CARTAGENAS DE ÍNDIAS, COLÔMBIA 2003 - RECOMENDAÇÃO PARIS 2009 - CARTA DE NOVA OLINDA 2010 - I FÓRUM NACIONAL DO PATRIMÔNIO CULTURAL 2010 - CARTA DE BRASÍLIA 2010 - CARTA DOS JARDINS HISTÓRICOS, DITA CARTA DE JUIZ DE FORA 77
REFERÃ&#x160;NCIAS PROJETUAIS
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A partir do desenvolvimento de pesquisas para elaboração do presente trabalho, bem como o aprofundamento do tema e traçado dos objetivos e intenções projetuais, optou-se por selecionar os seguintes projetos como estudos de caso: Mercado Municipal de Atarazanas, na Espanha e Secretan Market Hall, em Paris e a Coberta do Mercado Público de Florianópolis. Tanto os exemplos citados anteriormente, como o anteprojeto em desenvolvimento no presente trabalho, têm como principais premissas a reorganização dos usos no interior do mercado e a revalorização do volume arquitetônico original dos mesmos e a intervenção em relação à preexistência arquitetônica. No Mercado de Atarazanas e no Secretan Hall os arquitetos buscam resgatar características originais das construções e trazem soluções de melhor aproveitamento do espaço interno, afim de resgatar o público de onde estão inseridos que, assim como no caso do Mercado de Casa Amarela, não se sentiam mais atraídos pelos equipamentos. No segundo estudo de caso, a implantação do equipamento em uma importante via comercial do bairro e a necessidade de “expansão” das ati vidades internas do prédio guiaram a adaptação da fachada, estratégia que também serve como referência para a elaboração do presente trabalho, vista a similaridade da situação encontrada em Casa Amarela. Utilizou-se a intervenção feita para a implantação da coberta do Mercado Público de Florianópolis como referência construtiva no desenvolvimento do novo anexo detalhado mais a frente. A estrutura leve interagiu de forma leve e sutil em relação à edificação histórica existente. A seguir, segue uma breve explicação sobre a situação dos mercados anterior aos respectivos restauros, as intenções projetuais e dados sobre os mesmos para melhor compreensão. 80
6.1 Mercado Municipal de Atarazanas • Arquitetos Aranguren & Gallegos Arquitectos • Localização Calle Atarazanas, 10, 29005 Málaga, Espanha • Ano 2010
FIGURA 34: Mercado Municipal de Atarazanas, pátio internoFONTE: Arangure & Gallegos Arquitectos
O Mercado municipal de Atarazanas é constituído por um edifício em ferro construído no final do século XIX que dispõe de ampla área comercial onde é possível encontrar para venda produtos hortifrútis, peixes e carnes. A edificação histórica passou por um processo de restauração concluído em 2010 e assinado pelo escritório de arquitetura espanhol Aranguren & Gallegos Arquitectos, que ganhou a concessão do projeto após concurso publico realizado em 2000. No projeto, os objetivos principais eram recuperar o desenho original do centro de compras, realçando seu caráter monumental, e substituir os postos de venda existentes até então, que não atendiam às necessidades do público. 81
FIGURA 35: Mercado Municipal de Atarazanas, pátio internoFONTE: Arangure & Gallegos Arquitectos
Todos os acréscimos posteriores à construção do edifício, como as coberturas de fibrocimento, o mezanino construído em 973 e as cobertas falsas, foram removidos, permitindo novamente a leitura completa da construção e recuperando seu esquema original. FIGURA 36: Mercado Municipal de Atarazanas, esquema mostrando distribuição dos boxes FONTE: Arangure & Gallegos Arquitectos
As novas barracas e a forma como estão distribuídas buscam respeitar o arranjo arquitetônico espacial original e permitem a visão geral do espaço, além de se adequarem às novas necessi82
dades do usuário. A forma como foram redistribuídas facilitou, também, a circulação das pessoas dentro do prédio, eliminando qualquer barreira física nos corredores formados e adequando o espaço às necessidades de salubridade e higiene. FIGURA 37: Mercado Municipal de Atarazanas, pátio internoFONTE: Arangure & Gallegos Arquitectos
FIGURA 38: Mercado Municipal de Atarazanas, ista externa FONTE: Arangure & Gallegos Arquitectos
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6.2 Secrétan Market Hall • Arquitetos Architecture Patrick Mauger • Localização 29 Avenue Secrétan, 75019 Paris, França • Ano 2015 FIGURA 39: Secrétan Market Hall, Paris, pátio interno FONTE: Architecture Patrick Mauger
O Secrétan Market Hall, em Paris, registrado na lista de monumentos históricos franceses, encontrava-se em decadência, com quase todas as lojas fechadas e emparedadas, com acesso bastante restrito, e cada vez menos interação com a área onde está inserido. 84
A edificação, inaugurada em 1868, era construída sobre uma base em tijolos e ferro fundido, com fechamentos em vidro, mas passou, ao longo do século XX por inúmeras modificações, como a substituição das vidraças por painéis em vidro ainda maiores e a mudança das persianas em vidro por painéis de madeira. O projeto de restauração do espaço teve como objetivo resolver dois problemas principais: a recuperação do monumento histórico e a adequação do mesmo à demanda varejista atual. Ambos os objetivos visavam a reaproximação do público em geral ao espaço, e reintegração do mesmo com a região. FIGURA 40: Secrétan Market Hall, Paris, foto séc. XIX FONTE: Architecture Patrick Mauger
O mercado tinha suas duas maiores fachadas, localizadas em importantes eixos comerciais, quase que totalmente fechadas. O projeto propôs a criação de generosas aberturas na face da rua de Meaux e a substituição de trechos de parede em alvenaria por uma pele envidraçada, além do tratamento na calçada adjacente favorecendo a extensão da atividade comercial exercida no interior além da edificação. 85
FIGURA 41: Secrétan Market Hall, Paris, esquema mostrando adaptação de aberturas nas fachadas FONTE: Architecture Patrick Mauger
A distribuição das atividades comerciais exercidas na área interna do prédio foram readequadas. O vão principal foi reorganizado e ocupado pelo comércio de alimentos, além disso, um porão foi escavado para instalação de várias salas e no mezanino foram incorporados centros recreativos para as crianças e seus familiares. Uma série de ações visaram a recuperação da fachada original, e adequação das modificações aos sistemas antigos já utilizados, como parede de cortina de vidro e estrutura metálica, e, com um cuidado especial, as vedações em tijolos foram restauradas. FIGURA 42: Secrétan Market Hall, Paris, foto externa atual FONTE: Architecture Patrick Mauger
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6.3 Coberta do mercado público de Florianópolis • Arquitetos Aleph Zero • Localização Florianópolis, Santa Catarina, Brasil • Ano 2016 FIGURA 43: Coberta Mercado Público de Florianópolis FONTE: Felipe Russo para ArchDaily
A História da edificação preexistente inclui históricos de demolição, mudanças de local, renovações diversas, e a adequação do equipamento à evolução do público. A implantação da nova coberta no vão central do Mercado caracteriza-se como mais uma etapa das constantes mudanças e adequações do meio ao seu cotidiano. O novo elemento tem o objetivo de abrigar novas necessidades como a locação de feiras temporárias, apresentações culturais, festividades, projeções, desfiles, e tantas outras que venham a surgir em decorrência do seu uso. Entretanto, o objetivo dos arquitetos era que o elemento não se comportasse como algo irrelevante. Eles queriam que o fechamento trouxesse a contemporaneidade em respeito à preexistência. 87
FIGURA 44: Perspectiva isométrica esquemática estruturação da coberta FONTE: Felipe Russo para ArchDaily
FIGURA 45: Foto aérea da coberta FONTE: Architecture Patrick Mauger
A intenção era trazer a este item a sensação de leveza, como se estivesse pousando sobre o antigo Mercado quase se tocá-lo. A estrutura comporta também por peças de aço em formato de “v” tem seus pontos de apoio em dois locais estratégicos e liberando o maior espaço possível sob sua área de cobertura, em nível mais elevado que a coberta do prédio antigo.
A cobertura é composta por uma membrana retrátil, comandada por um sistema de automação na qual as vigas deslizam para recolher-se através dos trilhos, possibilitando a visão do céu e da totalidade do volume preexistente. 88
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ANÁLISES
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7.1 A evolução do mercado ao longo dos anos Para a melhor compreensão da evolução deste espaço ao longo dos anos, foram expostas a seguir as plantas do mesmo, sendo a primeira desenvolvida a partir dos relatos descritos acima e e as demais coletadas em pesquisas ao acervo da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural do Recife, a DPPC. Nestas é possível identificar, por exemplo, a existência de um pequeno anexo de banheiros na parte externa da edificação, na calçada com da Rua Padre Lemos. É possível identifica-lo também na planta de 1959, quando a presença do mezaino já é visível por meio da locação da escada de acesso ao mesmo e os banheiros. Podemos observer, ainda, plantas não datadas com a proposta de construção de pavilhão sanitário em dois diferentes momentos do Mercado. A primeira, de cor verde, propõe a extensão da calçada da Rua Santa Izabel até a quadra da Feira, locando um grande pavilhão sanitário. A segunda planta não datada, de cor roxa, já apresenta a existencia dos boxes externos e parece propor a locação de um anexo sanitário na quadra da feira, sem que interfira, aparentemente, no traçado existente. Acredita-se, então, que as duas ultimas plantas citadas tenham sido anterior e posteriormente ao ano de 1939, respectivamente, levando em conta a planta deste ano com os boxes externos. Durante toda a evolução registrada do local, foi identificada, também, a conjugação de espaços em diversos momentos. A partir disto, é possível concluir que, com o passar dos anos, os comerciantes foram expandindo cada vez mais seus negócios e ocupando mais lojas, acarretando no desordenamento das divisões originais.
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PLANTA 01: Relatos FONTE: Autoral
PLANTA 02: Não Datada FONTE: Acervo DPPC
PLANTA 03: Não datada FONTE: Acervo DPPC
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PLANTA 04: Planta 1939 FONTE: Acervo DPPC
PLANTA 05: Planta 1959 FONTE: Acervo DPPC
PLANTA 06: Planta ATUAL FONTE: Acervo CSURB
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Fotos antigas retratam o estado em que se encontravam os boxes externos, com cobertas diferentes e forma desordenada, estes pareciam refletir seu surgimento espontâneo. Atualmente eles parecem atender a um estilo arquitetônico que passa a falsa impressão de originalidade, com desenhos da coberta e materiais similares aos da construção original. FIGURA 46: Boxes externos Mercado de Casa Amarela, 1997 FONTE: Acervo DPPC
FIGURA 47: Boxes externos Mercado de Casa Amarela, década de 60 FONTE: Acervo Diário de Pernambuco
FIGURA 48: Boxes externos Mercado de Casa Amarela, década de 60 FONTE: Acervo Diário de Pernambuco
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A partir de visitas ao local, foi possível identificar os tipos de comércio exercidos nos boxes do mercado. Notou-se a variedade de atividades, desde serviços de conserto de aparelhos eletrônicos, venda de bolsas e artigos importados ou restaurantes, e pouquíssimas lojas comercializando artesanatos locais ou produtos regionais. Na área ex terna, os boxes localizados na Estrada do Arraial abrigam totalmente bares e restaurantes, e os da fachada contrária, em frente à feira, oferecem, quase que totalmente, serviços de açougue e peixaria. Os boxes que comercializam artesanatos ou roupas e sapatos (de produção manual, considerados artesanais também) são minoria diante da ocupação de outros usos. Com a leitura do zoneamento do comércio e serviços na edificação, assume-se a má distribuição das atividades praticadas. Assim como citado na contextualização, é possível perceber uma desvalorização dos usos localizados na parte interna do prédio, assim como uma certa desorganização em relação à distribuição destes.
PEIXARIA
ARTESANATO
RESTAURANTE
BOLSAS
PAPELARIA
SERVIÇO
P. NATURAIS
AÇOUGUE
CONSERTO
PLANTA 07: Zoneamento FONTE: Autoral
ROUPAS E SAPATOS
MERCEARIA
ARMARINHO
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7.2 Análise de Danos
FIGURA 49: Sujeira nas paredes externas de box no Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
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Em anexo a este livro, estão expostas Plantas, Cortes e Fachadas identificando os materiais utilizados nas superfícies expostas, seu estado de conservação e possíveis danos, para melhor compreensão do estado geral atual. Este instrumento é conhecido como Planta de Danos, e é um importantíssimo ítem no processo de desenvolvimento do trabalho afim de se ter um maior domínio em relação às intervenções propostas. O mercado tem sua estrutura em ferro bem conservada, aparentemente sem problemas estruturais. O maior dano sofrido pelo equipamento é a descaracterização de seus boxes, que muitas vezes não atendem ao padrão original e são os detentores das avarias físicas do prédio. A sujeira na superfície das lojas, tanto internas quanto externas, são visíveis, e passam a impressão de descaso com o equipamento ao visitante. Recentemente, o local teve parte do revestimento padrão das lojas trocado em ações de melhorias executadas pela CSURB, porém, os boxes que tinham suas fachadas revestidas em outro tipo de cerâmica foram mantidos, tanto internos quanto externos (figuras 49 e 50)
FIGURA 50: Diferentes tpos de pisos e revestimentos em boxes internos no Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
Sobre os boxes com atividades alimentícias, é importante destacar o tom de improviso nas instalações hidrossanitárias dos mesmos, visto que, em sua criação, não foi prevista a instalação destas atividades na parte interna da edificação. (figura 51) FIGURA 51: Instalações hidráulicas inadequadras, Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
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O pequeno trecho de mezanino construído no mercado traz outras grandes problemáticas. O local abriga os medidores de energia simultaneamente ao escritório da administração do local e também à uma pequena copa improvisada para os funcionários. Além de ter o acesso deteriorado, por meio de uma estreita escada bastante suja e com diversos danos físicos, a área tem tom claro de improviso e falta de conforto para os que trabalham lá. FIGURA 52: Mezanino do Mercado de Casa Amarela, 2019FONTE: Atoral
É valido ressaltar que a criação do mezanino, datado em plantas a partir de 1959, modificou a fachada da edificação histórica, subindo as paredes em alvenaria do trecho em que está instalada. Deste mezanino é possível detectar mais problemáticas que não são tão perceptíveis do 100
térreo, como o uso da laje acima das lojas como estoque para os comerciantes e a locação de condensadoras de ar-condicionado de forma inadequada, prática que vem aumentando no local. FIGURA 53: Sobreloja dos boxes internos do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
Com as recentes melhorias feitas pela prefeitura na região, a área sobre as lojas também vem sendo utilizada como canteiro de obra e descanso dos funcionários. FIGURA 54: Sobreloja sendo ocupado no Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
Os banheiros são, sem dúvidas, a maior problemática citada pelos comerciantes em entrevistas no local (figuras 55 e 56). Com apenas duas cabines, uma feminina e uma masculina, eles não conseguem atender de maneira satisfatória todos os comerciantes e o público visitante, são insuficientes para a demanda. 101
FIGURA 55: BWC feminino no Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
FIGURA 56: Vista dos banheiros do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
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Apesar de estarem aparentemente bem conservados, no dia a dia a sujeira e o mau cheiro levantam uma discursão recorrente entre os usuários, uma vez que este foi construído para atender apenas a demanda de comerciantes (ainda assim, de maneira insuficiente, tendo em vista a quantidade de boxes) mas no dia a dia são utilizados por qualquer pessoa que deseje ter acesso a ele, e considerando a dinâmica da área em que está inserido, atende, também, aos usuários da feira e de todo o comercio ao redor. Ainda em relação aos banheiros, uma interessante insatisfação destacada por alguns comerciantes foi a utilização destes fora do horário de atividade do mercado, uma vez que os usuários dos boxes externos, que tem boa parte em funcionamento por 24hrs, solicitam a abertura da parte interna do mercado enquanto este encontra-se fechado, para utilizar a instalação, ocasionando na falta de controle de quem acessa a edificação quando a mesma está desativada. O piso do mercado é outro grande elemento que enconstra-se totalmente descaracterizado. Nos corredores internos o revestimento em granilite encontra-se bastante sujo, entretanto, sem grandes fissuras. Porém, na parte interna dos boxes, os revestimentos não seguem um padrão e, assim como nas paredes, variam tanto em modelo como em estado de conservação de acordo com a manutenção e gosto de cada comerciante (figuras 57 e 58). É possível identificar vários trechos com vissuras e tipos diferentes de cerâmicas.
FIGURA 57: Degradação do piso interno ao box no Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
103
FIGURA 58: Box interno do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
Outro quesito válido de destaque é a ocupação dos corredores pelas lojas. Os proprietários ultrapassam o uso do espaço externo de suas lojas como simples expositores (prática até aceita, visto que com a atividade comercial exercida estas fachadas funcionam como vitrine dos produtos alí encontrados). Em vários pontos do local foram identificadas ocupações para uso de estoque e de ampliação de suas atividades, com a locação de balcões expositores, cadeiras de atendimento e mesas para refeições, no caso dos restaurantes. FIGURA 59: Corredor do Mercado de asa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
104
FIGURA 60: Corredor do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
FIGURA 61: Box interno no Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
105
A questão da acessibilidade, tão em pauta hoje em dia, é mais um ítem que necessita de atenção no Mercado. Apesar de conter corredores largos, com aproximadamente 2.50m de largura, a expansão da ocupação por parte dos comerciantes, citada anteriormente, dificulta em alguns pontos que se tenha a largura ideal adequada para a passagem de cadeirantes. Além disso, os banheiros estão construídos em um nível de aproximadamente 15cm acima do nível do Mercado, criando um batente sem rampas de acesso. O espaço não possui PNE’s, e os sanitários não tem dimensões adequadas para atender aos portadores de necessidades especiais. A despadronização dos boxes em relação às suas aberturas também merece atenção. É comum identificar a retirada dos balcões por parte de algumas lojas, ou a alteração destes, e até a implantação de fechamentos em vidro, destoando totalmente o padrão de aberturas e fechamentos entre eles. FIGURA 62: Box interno do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
106
FIGURA 63: Box interno do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
FIGURA 64: Box interno do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
107
Nas áreas externas, as mesas e cadeiras dos bares ocupam toda a calçada, dificultando o transito por entre elas e consequentemente, a acessibilidade. É nestas áreas externas que encontramos, também, o prolongamento inadequado das cobertas, com toldos e lonas, afim de abrigar mais mesas. Estes não seguem nenhum padrão formal e ordenado. FIGURA 64: Box externo do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
Ainda sobre os boxes externos, considerou-se no presente trabalho, a sua implantação como um dano à volumetria original, visto que, como já citado anteriormente, acarretou na mudança volumétrica do mercado e funcional, uma vez que utilizavam de suas calçadas como extensão das atividades, e não possuia um padrão de aberturas e revestimentos, rompendo com o conceito de simetria idealizado no projeto original.
108
FIGURA 65: Box externo do Mercado de Casa Amarela, 2019 FONTE: Atoral
109
7.3 “Em Casa Amarela, todos os caminhos dão na venda” Assim como proposto no ditado popular, nos caminhos de Casa Amarela, a atividade comercial faz-se bastante presente para dinâmica do bairro. As duas principais vias de acesso ao Mercado Público, Estrada do Arraial e Rua Padre Roma são importantes eixos que abrigam a atividade, principalmente no entorno imediato da edificação histórica. São nestas ruas também que estão localizados os 3 anexos. A partir do levantamento de usos das edificações dispostas nestas duas importantes vias, podemos perceber a predominância comercial nelas, que concentram-se , no caso da Rua Padre Lemos, desde o seu início na Rua Paula Bandeira, até o trecho da Rua Tomé Dias, apesar de ainda ter alguns pontos de venda até seu final, na Av. Norte, mas um pouco mais dispersos. Já na estrada do Arraial, podemos identificar que o trecho de maior concentração de lojas está situado desde a Rua Paula Batista até o trecho próximo à Rua Conselheiro Nabuco. FIGURA 66: Anexo II FONTE: Studiocad3d
110
MAPA 02: Mercado, anexos, AV. NORTE feira e principais vias FONTE: A autora
RUA DR. TOMÃ&#x2030; DIAS
RUA PADRE LEMOS ANEXO III RUA SEMPRE VIVA ANEXO II
FEIRA LIVRE MERCADO ANEXO I ESTRADA DO ARRAIAL
RUA PAULA BATISTA 111
N
ESC.: 1/5000
COMÉRCIO SERVIÇOS MAPA 03: Identificação de comércio e serviços FONTE: Autoral
112 N
ESC.: 1/5000
Diante da identificação dos trechos de maior contingente de atividades comerciais na área que cerca o Mercado foi possível traçar os limites na qual os estudos da área deverão ser aprofundados.
FIGURA 67: Lojas na rua Padre Lemos FONTE: Google Maps
FIGURA 68: Lojas na rua Padre Lemos e Anexo II FONTE: Google Maps
113
TRECHO A RECEBER INTERVENÇÃO MAPA 04: Identificação de área de intervenção FONTE: Autoral
114 N
ESC.: 1/5000
Para que seja possível o desenvolvimento do trabalho na área selecionada, faz-se necessária a compreensão dos tipos de comércio realizados no local. A partir da identificação destes pontos, foi possível classifica-los em 3 tipos: a) Varejo de grande porte: lojas que abrigam a atividade de grandes redes varejistas, tem um contingente maior de funcionários e diversidade de produtos e ocupa uma maior área comercial. b) Varejo de médio porte: Lojas de redes varejistas de pequeno porte mas que ainda assim contém um número significante de funcionários e variedade de produtos. c) Varejo de pequeno porte: lojas de pequeno porte, que formam um comércio mais popular e normalmente tem apenas um dono, sem que pertençam a uma rede de lojas ou franquias. Contém um pequeno número de funcionários e muitas vezes constitui um comércio familiar, onde os próprios donos exercem este papel. Pode ser aplicado, também, em pequenos comércios alimentícios.
115
DESATIVADO C. GRANDE PORTE C. MÉDIO PORTE C.PEQUENO PORTE SERVIÇO MAPA 05: Identificação de tipos de comércio FONTE: Autoral
116 N
ESC.: 1/5000
A partir da leitura do mapa anterior foi possível perceber que toda a área é equipada com diferentes tipos de comércio que coexistem muitas vezes na mesma galeria. A predominância é de comércios de pequeno porte, apesar da leitura do mapa dar a impressão de domínio do varejo de grande porte, que ocupa maiores áreas territoriais, tendo em vista a proporção destes em relação aos menores.
117
7.4 Aspéctos legislativos
Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural 38 Luos Recife 37
118
O Mercado de Casa Amarela e parte de seu entorno imediato estão classificados como ZEPH37 , sendo o mercado, a feira e o largo do tipo SPR (setor de preservação rigorosa), e o restante do polígono como SPA (setor de preservação ambiental). Por ZEPH compreendem-se as áreas formadas por sítios, ruínas e conjuntos antigos de relevante expressão arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja necessária à preservação do patrimônio histórico-cultural do Município. Elas podem ser divididas em dois setores: SPR e SPA, que compreendem, respectivamente, áreas de importante significado histórico e/ ou cultural que requerem sua manutenção, restauração ou compatibilização com o sítio integrante do conjunto, e áreas de transição entre o SPR e as áreas circunvizinhas. 38 Para este tipo de zona, são estabelecidos alguns requisitos a serem cumpridos em cada setor. No caso estudado, conhecido como ZEPH 24, a SPR deve-se respeitar os seguintes critérios: a) Análise especial para cada caso a critério do órgão competente, objetivando a restauração, manutenção do imóvel e/ou sua compatibilização com a feição do conjunto integrante do sítio, sendo permitida a demolição dos imóveis cujas caracteristicas não condizem com o sítio, ficando o parecer final a critério da CCU; b) Não serão permitidas modificações no parcelamento do solo, inclusive remembramento e desmembramento, podendo haver interligação entre os imóveis, desde que não interfira na volumetria dos mesmos; c) As condições internas dos compartimentos das edificações originais quanto às dimensões, iluminação e ventilação, serão objeto de análise es-
pecial pelo órgão competente; d) Nos lotes construídos poderão existir novas edificações, obedecendo aos parâmetros estabelecidos pelo órgão competente, não sendo computado neste cálculo a edificação preservada; e) Qualquer uso, é permitido, desde que não acarrete descaracterização no imóvel, interferência no entorno e obedeça ao que determina esta lei; Já a SPA, de atuação menos rigorosa, deve respeitar tais requisitos: a) Respeito à legislação vigente no tocante às condições internas dos compartimentos no que se refere às construções novas e/ou acréscimos, remembramento e desmembramento; b) Gabarito máximo medido a partir da cota do piso fornecida pelo órgão competente até o ponto máximo da platibanda; no caso de edificações implantadas em terrenos inclinados, o gabarito deverá ser medido no ponto médio de edificação; c) Nos lotes construídos poderão existir novas edificações, obedecendo aos parâmetros estabelecidos pelo órgão competente, não sendo computado neste cálculo a edificação preservada; d) Quando a linha-limite que define o perímetro de um dos setores de preservação dividir o imóvel, prevalecem para o mesmo as condições mais restritivas; se a linha-limite dividir o imóvel em áreas que tenham condições de constituir lotes independentes, prevalecem para cada lote as recomendações do setor ou zona em que estejam incluídos.
119
ZAC MODERADA SSA 2 ZEPH- SPR ZEPH- SPA IPAV ZEDESECUNDÁRIO ZEIS MAPA 06: Legislação FONTE: Autoral
120
É possível identificar, ainda, que a área adjacente à ZEPH, onde estão inseridos todos os 3 anexos e a maior parte do eixo comercial identificado no tópico anterior compreendem uma ZEDE de centro secundário. Este tipo de área é uma Zona Especial de Dinamização Economica, onde o polígono englobado é classificada como centro de atividades múltiplas, potenciais ou consolidadas, que concetram divesas atividades. Na área de estudo, esta ZEDE é do tipo Centro Secundário, que atua em um raio de influência de um conjunto de bairros. Os planos desenvolvidos neste tipo de zona devem respeitar os seguintes critérios: a) Melhorar a infra-estrutura existente b) Reorganizar os sistemas de mobilidade urbana através da implantação de corredores exclusivos de transporte coletivo e da requalificação dos corredores não exclusivos; c) Garantir a acessibilidade através da recuperação dos passeios públicos e remoção de obstáculos; d) Reabilitar ou definir novos planos de quadra, dotados de galerias para pedestres; e) Proteger e conservar o patrimonio histórico, cultural e ambiental; f) Reabilitar as áreas e imóveis ociosos ou subutilizados; g) Implantar mecanismos de combate à retenção imobiliária; h) Estimular o uso habitacional, o uso misto e promover programas destinados à habitação social; i) Implantar espaços e equipamentos públicos voltados para a saúde, educação, esportes, cultura, lazer e à inclusão para o trabalho; j) Recuperar ou criar mercados públicos e apoiar as atividades das pequenas e micro empresas; 121
k) Formentar as atividades econômicas e estimular os usos de comércio e serviço; l) Garantir a mobilidade urbana através de melhorias na infra-estrutura viária e no incentive aos espaços de estacionamento público e privado. Diante dos parâmetros expostos anteriormente, e ciente da importância de todos para o desenvolvimento de qualquer ação na área, destacamos os que foram considerados de maior significância diante das intenções projetuais já expostas para o presente trabalho. Vale ressaltar, ainda, a existência de um Setor de Sustentabilidade Ambiental- 2, que engloba todo o mercado e seu anexo I, a feira e o cemitério próximo aos objetos de estudo. Este setor tem como objetivo demarcar áreas limítrofes à unidades de Equilíbrio ambiental, que neste caso é a Praça Joca Leal, conhecida também como Largo de Casa Amarela, com a intenção de promover o equilíbrio ambiental e paisagístico, através da compreensão das áreas vegetadas dos imóveis inseridos no setor.40
40
122
Luos Recife
PROPOSTA
125
Após a análise dos estudos e diagnósticos apresentados nos capítulos anteriores foi possível traçar diretrizes projetuais afim de prever as ideias iniciais da proposta de intervenção do Mercado de Casa Amarela:
8.1 Diretrizes projetuais:
As seguintes diretrizes tem como principal objetivo a revalorização do objeto principal de estudo: O Mercado de Casa Amarela. A partir do entendimento de integração deste equipamento com as atividades coexistentes e complementares a ele em seu entorno, e a necessidade observada de criação de um anexo a este foram traçadas as seguintes diretrizes: 1) Analisar as intervenções sofridas pelo Mercado de Casa Amarela para se ter total conhecimento das mesmas e, assim, definir as novas a serem propostas A análise minunciosa de características como o acrécimo de adornos, modificações estruturais, acrécimo de boxes deverá servir de embasamento para as decisões projetuais a serem tomadas no desenvolvimento do presente trabalho, seguindo as teorias do restauro citadas anteriormente.
2) Definir o conceito de Reabilitação no Mercado de Casa Amarela Definir os tipos de ações com a intenção de reabilitar o equipamento que deverão ser propostas.
126
3) Atualização do Mercado aos conceitos contemporâneos: Através de análises de intervenções de mercados contemporaneos, se tem como intenção adaptar o equipamento ao conceito atual de mercado, que atualize seu papel também com relação À nova demanda do bairro de Casa Amarela 4) Redistribuir as atividades exercidas no mercado. Após a análise no local e do conhecimento adiquirido a partir dos estudos de caso, a proposta visa redistribuir as atividades exercidas na edificação histórica, incluindo sua extensão externa. A desorganização e inversão de valores destes usos gera uma problemática identificada que tende a desvalorizar equipamento em sí, principalmente em seu interior. A reorganização do espaço visa proporcionar uma experiência mais satisfatória ao visitante e aos lojistas. 5) Análise das principais linhas de força do Mercado afim de definir a volumetria para o bloco anexo. A partir de um traçado dos limites e linhas de força do mercado, será possível definir os limítrofes de altura e implantação do bloco anexo, respeitando os critérios propostos por Nivaldo Anadrade Junior.
127
8.2 Programa e Dimensionamento
A distribuição do programa para a proposta de reabilitação do Mercado visou atender ao dimensionamento dos boxes de forma a aumentar suas dimensões atendendo de maneira mais satisfatória à demanda dos comerciantes. Os boxes externos, de maioria alimentícios, e os internos que também possuiam estas finalidades foram relocados para a nova construção, melhorando o contato com o comprador passante na rua e proporcionando uma infraestrutura mais eficaz em relação às questões de higiene, abastecimento de água, exaustão, e etc. Também foram locados ao anexo os ambientes necessários para o melhor funcionamento e controle do espaço. Estão incluídos um escritório adequado, banheiro e copa para os funcionários, local para gerador e medidores de energia, assim como os banheiros. Vale lembrar que o mercado possui atualmente apenas uma cabine feminina e uma masculina para todo ele e os passantes da região, acarretando em diversos problemas já citados e a falta de acessibilidade. Na proposta, cada banheiro deve contar com 5 cabines, sendo uma para PNE, e com acesso independente à edificação histórica. É possível notar com o dimensionamento que houve um aumento muito discreante na área ocupada por alguns usos como o de artesanato, visando, principalmente o estímulo a estes, assim como nas atividades de atração de públco como mercearia e armarinho. A seguir, estão expostos os dimensionamentos propostos para o seguinte projeto:
128
Zona MERCADO
ANEXO
TOTAL
Ambiente
Área m²
ROUPAS E SAPATOS PRODUTOS NATURAIS MERCEARIA ARMARINHO BOLSAS SAPATOS ARTESANATOS PAPELARIA CONSERTOS
19,95m² 33,25m² 26,6m² 26,6m² 79,8m² 26,6m² 79,8m² 39,9m² 33,25m²
BWC MASCULINO BWC FEMININO ESCRITÓRIO BWC FUNCIONÁRIOS COPA FUNCIONÁRIOS LOCAL MEDIDORES ACESSO RESERVATÓRIO LOCAL GERADOR AÇOUGUE PEIXARIA RESTAURANTES
25,8m² 25,8m² 9,7m² 3,25m² 4,8m² 7,65m² 1,3m² 2,65m² 33,3m² 66,6m² 99,9m² 646,5m²
129
8.3 Estratégias projetuais:
A proposta de Reabilitação do Mercado de Casa Amarela visou a retirada de todos os boxes internos e externos, conservando apenas a volumetria e estruturas originais do edifício. O pavimento superior também foi removido seguindo a intensão projetual de ocupar apenas o térreo do espaço. Foram, então, traçados os eixos estruturais do mesmo que, em seguida, foram redivididos. Assim, foi possível chegar a um quantitativo de lojas e seus respectivos dimensionamentos respeitando a capacidade da construção e visando a qualidade espacial dos usuários. Conseguiu-se delimitar um total de 56 lojas de 6,65m² (é válido relembrar que a disposição original do local contava com 40 espaços de aproximadamente 4,5m², considerando que a área central não era ocupada). Optou-se, então, por distribuir no local apenas os usos que não relacionavam-se com o manuseio de alimentos e nem a área de infraestrutura, considerando também que a mesma necessitava de espaços mais bem projetados.
ESQUEMA 01: Traçado dos eixos estruturais propostos FONTE: Autoral
130
B
A
D
C
E
F
G 1
2
3
4
B
A
D
C
E
F
G 1
2
3
4
B
A H
I
D
C J
K
E L
F M
G N
O 1
2
3
4
131
FIGURA 69: Feira de Casa Amarela, de fundo Mercado de Casa Amarela, 1955 FONTE: Acervo Antonio SilvaRecife Arcaico
132
A partir da separação dos boxes com manuseio de alimentação e dos espaços pertinentes às necessidades de infraestrutura e funcionamento do Mercado, tornou-se necessária a criação de um bloco anexo que abrigasse estas necessidades. Com a leitura e análises do entorno, decidiu-se por locar tal equipamento na quadra adjacente à do Mercado, onde atualmente situase a Feira, fazendo referência à proposta de implantação de um bloco anexo nas plantas antigas e ao registro fotográfico encontrado que demonstra a implentação de uma mercearia no local (figura 69). Além disso, o local onde foi implantado é uma área estratégica para a relação da feira com o mercado, permitindo que a ligação dinâmica entre os boxes externos e a mesma sejam mantidos.
Para a definição dos limites de implantação do novo bloco foram traçadas as linhas de força do volume do Mercado. A partir disso, considerando o pré-dimensionamento calculado e a implantação respeitando os afastamento considerados respeitosos à construção preexistente foi possivel definir a massa a ser implantada. Após sua definição, a volumetria foi seccionada afim de que a mesma não se tornasse uma barreira física na relação do Mercado com a Feira. A generosa abertura de aproximadamente 3 metros permitiu a criação de um caminho ligando a feira ao mercado e a outra fachada do anexo. Optou-se por seguir, na implantação da coberta do volume anexo, a mesma lógica da platibanda existente no mercado e respeitando, novamente, seu traçado predominante.
ESQUEMA 02: Traรงado do novo volume proposto FONTE: Autoral
VOLUME PROPOSTO VOLUME DO MERCADO A SER REABILITADO
133
Para o desenvolvimento e escolhas projetuais nos ítens à serem implantados na massa reabilitada, foi pertinente voltar à conceituação exposta por Cesare Brandi, citada anteriormente, onde são apontados como princípios para este tipo de ação a LEGIBILIDADE, a ORIGINALIDADE e a REVERSIBILIDADE. Pensando nisso, foi desenvolvida uma estrutura metálica que deverá se comportar de maneira independente à massa preexistente no mercado, de fácil desmonte, caso seja necessário, e clara distinguibilidade dos elementos históricos. Tal estrutura deverá seguir a modulaçao exposta anteriormente neste mesmo capítulo, de forma a ter suas vedações entre os boxes feitas em Dry-Wall, material que também tem fácil instalação e desinstalação, sem que danifique a estrutura originalmente construída. ESQUEMA 03: Ordenamento do sistema estrutural proposto FONTE: Autoral
134
Seguindo a mesma lógica utilizada na construção dos boxes internos do Mercado, foi utilizada a mesma lógica estrutural para o desenvolvimento do bloco anexo. Nele, a modulação se deu com uma distância de 2,9m entre cada eixo, por onde foram dispersos os usos destinados ao local. As vedações, assim como na parte interna do edifício histórico, foram projetadas em Dry-Wall, facilitando também o rápido e fácil desmonte. Com a secção entre o bloco, optou-se por utilizar duas estruturas independentes uma da outra.
ESQUEMA 04: Ordenamento do sistema estrutural proposto FONTE: Autoral
135
Para desenvolvimento da coberta do bloco anexo foram captados os formatos triangulates do telhado do Mercado e sua estrutura. Esta forma logo foi adaptada à dimensão desejada e alinhada com o limite de altura mais baixo da coberta existente na edificação histórica. De forma consonante, todos os gabaritos que definem a volumetria do anexo relacionam-se de forma clara e respeitosa com a preexistência. A estrutura metálica triangular apoia-se sobre uma grande viga central que segue por toda a extensão da coberta e tem função também de escoamento de água uma vez que funciona também como calha. Esta grande viga, por sua vez, descarrega suas cargas sobre pilares também metálicos com eixo central vazado para auxiliar no escoamento de água. Para a vedação da coberta foram utilizadas tehas sanduíche termoacústicas. DETALHE 01: Detalhe estrutura coberta do anexo FONTE: Autoral
TELHA TIPO SANDUICHE TERMOACÚSTICA
CALHA
VIGAS METÁLICAS PARA APOIO DAS TELHAS VIGAS EM ESTRUTURA METÁLICA
VIGA EM ESTRUTURA METÁLICA.
CHAPA METÁLICA MICROPERFURADA
PROJEÇÃO TRECHO INTERNO PILAR METÁLICO. ÁREA DE ESCOAMENTO DE ÁGUA PAREDE EM DRY-WALL
DETALHE 2
136
ESC.: 1/25
ESQUEMA 05: Desenvolvimento da forma da coberta do anexo FONTE: Autoral
137
O zoneamento proposto pretende distribuir os usos de forma que os boxes com maior procura e atração de público ao mercado no dia-a-dia, como consertos de eletrônicos e relógios, mercearia e armarinho e venda de bolsas, ítem fortemente comercializado no local, ficassem mais próximos àao acesso secundário da construção, locando nas proximidades da entrada principal os usos a serem estimulados, como os artesanatos. Tal medida propicia em um maior conhecimento do público que será em maioria “obrigado” a passar por estes usos menos atrativos ao cotidiano, estimulando a venda e interesse sobre os mesmos. No anexo a distribuição se deu de forma que os usos relacionados à funcionaldade da área, como os setores técnicos e administrativos, e os banheiros fossem locados próximos à fachada de menos movimento. O restante das áreas fram distribuídas pelos boxes, sendo os de restaurantes e bares dispostos em frente à rua de Santa Izabel, que segundo a proposta deverá ser elevada, podendo receber a distribuição de mesas e assentos para os clietes dos mesmos. Virados para a feira foram locadas as peixarias e açougues, seguindo a lógica de distribuição encontrada atualmente, já que, na inexistência do bloco anexo, encontram-se em maioria locados nos boxes externos que dão para o lado da feira.
138
PLANTA 08: Zoneamento Proposto FONTE: Autoral
PEIXARIA
ARTESANATO
RESTAURANTE
BOLSAS
PAPELARIA
SERVIÇO
P. NATURAIS
AÇOUGUE
CONSERTO
ROUPAS E SAPATOS
MERCEARIA
ARMARINHO
139
8.4 Memorial descritivo:
A proposta de Reabilitação do Mercado de Casa Amarela tem o objetivo de devolver aos usuários a vivência de mercado, revalorizando sua volumetria original e adaptando-o, quando necessário, para as demandas atuais. A formatação dele deve continuar seguindo a mesma lógica atual, com boxes internos periféricos e na sua área central, cuja implntação, apesar de não seguir a lógica de distribuição original, vem sendo utilizada de forma satisfatória pelos comerciantes e clientes a mais de 60 anos e, então, foi preferível segui-la, mesmo que em outra modulação de lojas. Nos acessos do equipamento foi dado um maior recuo para a locação dos boxes centrais, permitindo ao usuário uma visão mais clara e abrangente da estrutura original em ferro e da totalidade do grande vão. Esta estrutura, que deve receber um processo de investigação pictória em outra etapa de projeto, encontra-se aparentemente em um estado satisfatório de conservação e, assim, ganha destaque no conjunto. A nova modulação das lojas, que segue conceitos de restauradores importantes como Cesare Brandi, deve seguir a ideia original da construção a ser reabilitada: em ferro, desmontável e transportável. A distribuição dos usos de cada box, exposta anteriormente neste capítulo, loca as atividades que mais atraem público próximas ao acesso secundário da construção, distribuindo, assim, os usos mais culturais e artesanais nas proximidades do acesso principal, fazendo com que a maioria do público visitante do local passe por estes e conheça os trabalhos expostos. Estes usos a serem estimulados também tiveram sua área ampliada. Antes com apenas três lojas, o comercio de artesanatos, por 140
exemplo, agora abriga 12. Os boxes externos da edificação, maioria de manuseio de alimentos, foram retirados. Tendo em vista que sua implantação não é original, estes modificam também a volumetria e lógica funcional proposta no Mercado. Além disso, estes usos são alvo de críticas e desgastes com os locatários internos. Para abrigar todos os usos destinados ao manuseio de alimentos, assim como o setor administrativo, banheiros e a demanda técnica do Mercado, foi proposto o desenvolvimento de um bloco anexo, situado na quadra da feira adjacente. A proposta teve sua implantação definida a partir da análise do entorno e reconhecimento da interação dos serviços demandados nele com a dinâmica da feira. Além disso, seu traçado teve como parâmetro as linhas de força da construção histórica preexistente. Atualmente, os restaurantes na calçada da Estrada do Arraial acabam ocupando toda a passagem de pedestres com mesas e cadeiras, de forma apertada e inapropriada tanto ao passante quanto ao cliente. A partir deste entendimento, decidiu-se por locar todos eles na fachada do anexo que dá para a rua de Santa Izabel, que deverá ser elevada, reutilizando o paralelepípedo existente e mantendo o traçado original, mas limitando a ocupação da mesma aos pedestres e mesas necessárias ao atendimento ao público. Com o intuito de manter a ligação e relação de extensão da feira para os antigos boxes externos que situavam-se na fachada da Rua de Santa Izabel, estes foram locados na fachada que encontra-se virada à feira, mantendo a relação de extensão entre ambas as atividades. A volumetria da construção proposta foi embasada seguindo os mesmos conceitos de materialidade e funcionalidade dos boxes internos 141
propostos: estrutura em ferro, desmontável e relocável. Fazendo alusão ao destaque da coberta do mercado em relação ao volume total, foi desenvolvida uma grande coberta também para o bloco anexo. Na proposta, utiliozu-se como parâmetro a formatação da treliça formada para estruturar as telhas francesas, que foi rotacionada, e adaptada aos parÂmetros e limares de altura do prédio preexistete, permitindo a ampla visão da totalidade do mesmo. Como produto final, a proposta conseguiu resgatar a volumetria e lógica construtiva originais do prédio, tão marcantes para o estilo arquitetônico proposto nele, e respeitando-o em sua formatação, volumetria, escala e implantação com a criação do bloco anexo. Por fim, é possível concluir que o presente trabalho buscou conhecer todo o conteúdo pertinente e necessário para desenvolvimento do mesmo, aprofundando questões ligadas Às teorias de restauro, cartas patrimoniais e estudos de caso que serviram como referencial para estratégias projetuais aplicadas,assim como todo o embasamento teórico acerca da origem e desenvolvimento deste tipo de arquitetura e uso. O Mercado de Casa Amarela é um importante patrimônio arquitetônico e funcional para sua área e toda a cidade, e, como mesmo, deve e merece ser valorizado e bem cuidado para a disseminação de sua vivência por ainda mais pessoas.
142
143
PERSPECTIVA 01: Visão externa
144
145
PERSPECTIVA 02: Vista interna, entrada principal do mercado
146
147
PERSPECTIVA 03: Vista interna, corredor do mercado
148
149
PERSPECTIVA 04: Vista externa, anexo
150
151
PERSPECTIVA 05: Vista externa, anexo
152
153
PERSPECTIVA 06: Vista externa
154
155
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
157
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