INFILTRAÇÕES
entre patamares do vale
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TRABALHO DE GRADUAÇÃO INTEGRADO II
BEATRIZ PEREIRA MASIAS MARCOS
INSTITUTO DE ARQUITETURA E URBANISMO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO São Carlos, 2014
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à minha família pelo amparo e cuidado constantes, às amigas que fazem parte deste e tantos outros caminhos, à querida companhia de Tata, ao Renato, pela presença.
Este caderno é registro de um espaço de discussão situado ao final do curso de arquitetura e urbanismo. Fruto de interesses e questões delineados ao longo deste percurso, o trabalho é animado por experimentações que buscam para além de uma resposta, algumas perguntas.
10 INTRODUÇÃO 12 UNIVERSO PROJETUAL 14 HIPÓTESE 16 INQUIETAÇÕES 18 PONTO DE CONGESTÃO 32 O VALE 44 PATAMARES 60 CARTÃO-POSTAL 62 INTENÇÕES 66 PROPOSTA 84 PERCORRER O VALE 106 ICONOGRAFIA 107 BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
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O trabalho propõe um processo investigativo sobre a metrópole e a lógica pela qual ela se constitui. Pretende-se que a reflexão acerca de um território conformado através de sobreposições de patamares desconexos entre si se traduza no significado da implantação e espacialidade do objeto proposto posteriormente. Buscando definir um olhar em direção à densidade material e imaterial de um recorte do centro da cidade de São Paulo, o projeto incorpora a lógica da cidade ao mesmo tempo em que a coloca em discussão, tornando possível uma nova relação com a topografia do lugar e, consequentemente, uma nova experiência urbana em uma cidade em construção.
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sociedade > processos > condição contemporânea > lugar da arquitetura > questionamento
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O mito da piscina - Rem Koolhaas > artifício x natureza
Parc de la Villette - Bernard Tschumi Architects > sistema > eventos
Building Cuts, Gordon Matta Clark > desconstrução > lugar por subtração
UNIVERSO PROJETUAL
HIPÓTESE
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A metrópole cresce em ritmo acelerado. Mover, abastecer, escoar, comunicar, morar são algumas das ações para as quais ela deve dar suporte. Através de operações de supressão, sobreposição e acumulação o território deve reinventar-se a cada instante a fim de se atingir a velocidade de transformação requerida por uma metrópole. A cada supressão de cidade, nega-se, esquece-se, restam-se rastros, vestígios, ausências. A cada superposição, encobre-se, fragmenta-se, criam-se espaços entre, descaracterizados, descontínuos. A cada processo de acumulação, ignora-se, desconcilia-se, consome-se uma cidade já esgotada. Vejo fragmentos de distintas cidades coexistirem neste território. Um cenário que se apresenta como uma sucessão de descontinuidades urbanas. Percorrer tal densidade, a fim de se chegar a um destino, implica, muitas vezes, transpor barreiras. Neste veloz ir e vir, a percepção da paisagem se dissolve na medida em que rapidamente surge e desaparece como recortes de cenas distintas. A metrópole deseja fluir, sendo que as mesmas pretensões que lhe impulsiona, também a congestiona.
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INQUIETAÇÕES
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Diante da hipótese de espaço-tempo de interesse do trabalho, algumas inquietações surgem como possíveis ações de projeto, ainda que abstratas. Pensar uma cidade que cresce como seu negativo, em vetor oposto, recuperando espaços, estórias ou mesmo futuros abandonados. Um propor através de operações de subtração, configurando vazios, evidenciando camadas, níveis, reorientando fluxos. Um desejo de recuperar relações ou restabelecer a capacidade de apreensão da paisagem dissolvida em um território congestionado e ilegível. “Durante anos, meu amor pelas ruínas me levou ao ódio pela arquitetura. Eu queria ser um anarquiteto de desengenharias. Ainda hoje, quando vejo um belo caixote de vidro e cimento na Avenida Paulista, ainda me consola pensar: -Calma, calma, rapaz. Imagine que bela ruína isto vai dar um dia. Mas eu não sou desses que acreditam em ideias individuais. Tenho certeza que essa minha obsessão deve estar presente em muita gente, neste país onde projetos já nascem mortos, que é um projeto irrealizado senão uma ruína novinha em folha?” (Paulo Leminski, 1986).
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São Paulo, metrópole congestionada. Os diagramas que seguem narram momentos da cidade. Através das camadas físicas extrai-se o tipo de relação que São Paulo estabeleceu com as condições geográficas naturais de seu sitio.
PONTO DE CONGESTテグ
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Os primeiros passos da cidade se deram dentro dos limites dados pela várzea do Tamanduateí e pelo ribeirão Anhangabaú, em um ponto estratégico já escolhido pelos índios. Neste primeiro momento os rios alimentavam, transportavam e serviam como defesa à vila que crescia em torno do triângulo formado pelas três ordens religiosas.
TOPOGRAFIA RIOS TRIÂNGULO HISTÓRICO
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Durante o século XIX a cidade teve que crescer para além dos desníveis os quais, neste momento, passam a ser entraves à dinâmica da cidade. Em 1790 é construída a ponte de Lorena, a primeira travessia para além daquele limite. A partir de então se inaugura o novo tipo de relação estabelecida com as cotas mais baixas, barreiras agora superadas.
TOPOGRAFIA RIOS TRIÂNGULO HISTÓRICO PRIMEIRAS TRANSPOSIÇÕES
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Em pouco tempo, pouco mais de um século, a cidade cresceu desenfreadamente e o solo urbano deveria suportar todas as ambições e desafios que a metrópole projetava. No entanto, as soluções urbanísticas para tal persistiram em uma atitude de negação frente às condições topográficas.
TOPOGRAFIA RIOS TRIÂNGULO HISTÓRICO PRIMEIRAS TRANSPOSIÇÕES TOPOGRAFIA RIOS
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Os rios, originalmente de meandros, passam por um intenso processo de adestramento. São desviados, retificados, canalizados. As edificações, muitas vezes, voltam-se para o interior dos patamares altos, dando as costas ao vale. A densidade e intensa verticalização acabam por sufocar o horizonte, deixando poucos vestígios do seu solo e paisagem originais. O mascaramento das condições geográficas foi, portanto, um dos principais aspetos fundantes da cultura construtiva de São Paulo (Bucci, 2003).
TOPOGRAFIA RIOS TRIÂNGULO HISTÓRICO PRIMEIRAS TRANSPOSIÇÕES TOPOGRAFIA RIOS EDIFICAÇÕES
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“[...] Para representar a cidade de São Paulo seria preciso ser um pintor. Para descrever São Paulo, um estatístico ou um economista. Seria preciso amontoar números e comparálos, copiar tabelas e tentar transcrever o crescimento em palavras, pois não é o passado ou o presente que tornam São Paulo uma cidade tão fascinante, e sim o seu crescimento e o seu porvir, a rapidez de sua transformação [...]. Nenhuma cidade do Brasil e poucas do mundo inteiro podem ser comparadas em impetuosidade à evolução dessa que é a cidade mais ambiciosa e mais dinâmica do país. [...]” (Stefan Zweig, 1881-1942)
Neste sentido, o talvegue de um rio que representa uma linha de força no desenho urbano de qualquer cidade, aqui, orienta o traçado de um gradiente de patamares de submersão urbana. Uma cidade dividida entre patamares altos e patamares submersos que pouco dialogam com a cidade.
TOPOGRAFIA RIOS TRIÂNGULO HISTÓRICO PRIMEIRAS TRANSPOSIÇÕES TOPOGRAFIA RIOS EDIFICAÇÕES REDE METROVIÁRIA
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O VALE O vale do Anhangabaú situa-se na área central de São Paulo, dividindo o Centro Velho do Centro Novo da cidade. As fotos traduzem a experiência direta com o lugar e como o vale se apresenta ao olhar de quem o percorre de maneira não cotidiana. não cotidiana.
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Que vale é este? Para além do aspecto topográfico que a palavra “vale” indica, busco entender sua especificidade no recorte dado. Em um primeiro momento, é analisado separadamente cada fragmento que compõe o lugar, situando-o em seu contexto e como patamar de cidade.
PATAMARES
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RIO Anhangobá’y, do tupi: anhangaba, diabo; obá, face e ‘y, água. “Água da face do diabo”, “rio do mau espírito”.
O ribeirão do Anhangabaú é alimentado pela confluência de outros três cursos, o Córrego do Saracura, Ribeirão do Itororó e Córrego do Bexiga. O ponto de encontro, antes um grande charco, situa-se hoje sob a Praça da Bandeira. Dessa origem, o ribeirão segue canalizado sob a avenida do corredor norte-sul no Vale e tem seu desague no Rio Tamanduateí, na altura do Mercado Municipal.
01|Rastros do c贸rrego Anhangaba煤
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VIADUTO A construção do Viaduto do Chá inaugurou o modo de vivenciar o território que se tornaria característico de São Paulo. O viaduto transpõe o espaço que pouco importava em relação às duas áreas que este conectava, caracterizado, no momento de sua implantação, como quintal das propriedades que o continha. Neste sentido, a cidade se resolve saltando de colina em colina frente à geografia do sitio que, nas palavras de Ab’Saber constitui-se por um mosaico de colinas, terraços fluviais e planícies de inundação.
“Façamos o seguinte: de colina a colina, de um pico a outro, vamos implantar uma via horizontal de 45 quilômetros e em seguida uma segunda via, formando mais ou menos um ângulo reto, para servir os demais pontos cardeais. Estas vias retas são autoestradas de grande penetração na cidade e, na realidade, realizam uma grande travessia. Os senhores não sobrevoarão a cidade com seus automóveis, mas a ‘sobre-correrão’. Essas auto-estradas que proponho são viadutos imensos. Não construam arcos onerosos para sustentar os viadutos, mas sustentem-nos por meio de estruturas de concreto armado que constituirão escritórios no centro da cidade e moradias na periferia. A área desses escritórios e moradias será imensa e a valorização, magnífica. Um projeto preciso, um decreto. Operação já descrita.” (LE CORBUSIER, 2004)
01|Croqui de Le Corbusier do seu “plano” para São Paulo.
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AVENIDAS
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O Plano de Avenidas de 1930, idealizado e colocado em prática por Prestes Maia, foi a política de reestruturação viária adotada a fim de ampliar os limites do centro de São Paulo e descongestionar suas vias. Através de um “perímetro de irradiação”, eram previstas novas avenidas que seguiriam a lógica de um sistema rádio-concêntrico identificado na configuração da estrutura já existente. Tais intervenções representaram o modo como o urbanismo em São Paulo passou a ser conduzido a partir da segunda metade da década de 1920, em uma política que concedia prioridade ao transporte rodado e situava importantes eixos viários sobre os vales. Buscava-se, desta maneira, a nova configuração de cidade que pudesse responder à mudança de São Paulo como capital do café para uma metrópole industrial. Para o vale do Anhangabaú, a proposta se manifestava a duas escalas distintas. Previa-se uma via que estruturaria o eixo norte-sul do sistema, através do chamado sistema “Y” e a configuração de um recinto monumental, a fim de ser a nova “sala de visitas” da cidade. No entanto, do projeto inicial para o implantado pouco se fundamentou.
Na concepção de Prestes Maia, a maior parte das viagens se daria das radiais para o centro e o fluxo de travessia ou de passagem neste eixo seria secundário. Tal suposição estava equivocada, uma vez que para atravessar o centro em direção a outras regiões o caminho mais fácil seria através das avenidas do “Y”, nos fundos de vale, do que ingressar no perímetro de irradiação, na cota alta, contornando todo o centro. O sistema iria comportarse, portanto, como diametral e não radial. Esta contradição eliminou a possibilidade de se implantar a espacialidade pretendida para o eixo monumental tal qual o desenho inicial expressava: com rotatórias e jardins que diluíam a avenida no fundo do vale, edificações e viadutos que compunham um espaço cívico monumental. Como resultado, o que vemos é a construção de largas e agressivas avenidas que dotam o lugar de função única de passagem.
01|Esquema do Plano de Avenidas de Prestres Maia para o núcleo central. 02|O Parque Anhangabaú segundo ideação inicial de Prestes Maia.
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METRÔ
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A política rodoviarista inaugurada com o Plano de Avenidas adiou consideravelmente a ideação de um sistema metropolitano na cidade. A estação do Anhangabaú foi inaugurada em 1983, como parte integrante da linha vermelha Leste-Oeste, segunda linha implantada na cidade. A criação das estações Anhangabaú e São Bento no vale, surtiram grandes expectativas quanto a possibilidade de reestruturar de maneira positiva a área, interessando projetos mais abrangentes. Porém, as estações tal como foram definidas não exploraram as possibilidades de qualificação urbana, não conseguindo “assumir o papel de ‘porta’ do Anhangabaú como se imaginava.” “Na construção da estação, a grande chance perdida foi a de criar uma ligação pública, com desenho e escala adequados, entre a Praça da Bandeira, a estação e os dois lados do vale, apesar dos diversos estudos e projetos que caminhavam nesse sentido. O estabelecimento dessa conexão teria evitado a profusão desastrosa de passarelas que tomou conta do espaço aéreo daquele setor do Anhangabaú.” (Hereñu, 2007)
01e02|Projeto inicial da Estação de metrô Anhangabaú. Prevendo ligação subterrânea entre as bordas do vale e o Terminal Bandeira.
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TERMINAL BANDEIRA
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Criada por lei, em 1971, a EMURB Empresa Municipal de Urbanização - teve como um de seus principais temas de trabalho o Vale do Anhangabaú. A instituição foi responsável por uma serie de estudos e projetos para o lugar, com foco na ideação da Praça da Bandeira e no conflito entre pedestres e automóveis do cruzamento entre Anhangabaú e a São João. Ao longo de sua primeira década de existência a instituição foi responsável por um intenso processo de estudos e projetos para a área que só se encerraria com a realização do concurso público para a área em 1981. Ponto de confluência de rios, antigo ponto de encontro para trocas de mercadorias, chegada e partida de tropas, ponto de encontro de avenidas, no final dos anos 70 a Praça da Bandeira abrigava um enorme estacionamento. Neste período de idealizações, vemos o surgimento de inúmeras versões para um projeto de reformulação da área. Uma delas, idealizada pelo escritório de arquitetura Croce, Aflalo & Gasperini, associado ao Escritório Técnico J. C. de Figueiredo Ferraz, previa a implantação de estacionamento, um grande
teatro público e uma praça. Superada tal oportunidade, hoje o vemos com uso restrito à terminal de ônibus, compreendido em um espaço confinado entre as avenidas. Dentre as possibilidades de acessos delineadas, percursos subterrâneos ou aéreos, optou-se pela segunda. Neste sentido, para se chegar a este patamar é necessário transpor o solo urbano, sobrevoando-o através de passarelas. O que restou à Praça da Bandeira foi o canteiro central triangular que divide as Avenidas 23 de maio, 9 de julho e uma via do terminal, uma “praça” inacessível ao pedestre.
01|Projeto do Terminal Bandeira. PLURIC.
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PARQUE
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Então em 1981, é lançado concurso público de proposta para o vale, o qual solicitava a elaboração de uma proposta de caráter abrangente, envolvendo circulação viária e de pedestres, uso dos espaços públicos, equipamentos locais e metropolitanos, regulamentação do uso do solo e valorização e preservação de bens tombados. Todos os projetos apresentaram o mesmo partido: segregação dos fluxos de automóveis e pedestres por meio do rebaixamento da avenida e criação de um parque em sua cobertura. Ultrapassando questões relativas às diferenças entre o projeto ganhador e projeto construído, cabe ressaltar dois aspectos sobre o parque que temos hoje: o isolamento da laje em relação ao cotidiano da cidade e a anulação das dimensões metropolitana e local características do Vale.
“(...) o espaço do exercício da cidadania é a cidade em todas as suas manifestações, inclusive, ou principalmente, aquelas vitais ao seu funcionamento e à produção (...). Considerando isso, há uma contradição imensa no Anhangabaú atual. A ‘praça para eventos e manifestações públicas’ é um espaço especializado e isolado da ‘vida’ da cidade. Pois a avenida rebaixada em ‘túnel’ e o patamar onde estão implantados o ‘Centro Velho’ e o ‘Centro Novo’ não tomam conhecimento do que se passa na laje que tampa o rio de automóveis lá embaixo. Nessas condições, tornou-se o espaço da obediência e não da contestação, ou o espaço do isolamento e não da manifestação.” (BUCCI, 1998). “As duas dimensões (...) são interdependentes. Ele ganha escala metropolitana na mesma medida em que existe como local reconhecível para a metrópole. Dessa relação (...) advém o seu caráter simbólico, o ‘cartão postal’ de São Paulo, como elemento que lhe confere identidade. No Anhangabaú atual essas duas dimensões se interferem destrutivamente e se anulam. Isso decorre da opção pelo ‘túnel’, que rouba da metrópole a (sua) percepção (...) e, inversamente, rouba dele a dimensão metropolitana. Por isso, com a implantação desse projeto, a dimensão simbólica metropolitana do Anhangabaú deixou de existir por completo.” (BUCCI, 1998).
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FUTUROS ABANDONADOS
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O ANHANGABAÚ DE ARTIGAS Uma das atuações da EMURB/COGEP da década de 70 foi a contratação de João Batista Vilanova Artigas para elaborar um plano para o Vale que, no entanto, não foi implantado. Amarrando propostas para o automóvel, o pedestre e para o sistema de ônibus, o projeto de Artigas obteve, como nenhum outro no momento, uma abrangência que tratou do lugar com a escala de cidade que merecia. “(...) pareceu-nos necessário reconquistar para o pedestre e só para ele, as vias laterais de tráfego que estão nas encostas do Vale. Organizar dois largos passeios interligados por passarelas e associados a mobiliário de lazer a programar”. (Vilanova Artigas, Memorial de projeto.)
O ANHANGABAÚ DE LINA “Um enorme gramado, como um campo de futebol, percorrido por caminhos ‘naturais’, isto é, aqueles escolhidos pelos transeuntes como mais rápidos e orgânicos, chegará até os grandes prédios, sombras de árvores frondosas: tipuanas, seringueiras ... palmeiras (...) nada de paisagismo abstrato (...). Bancos de pedra debaixo das árvores e muitos vendedores: pipocas, sorvetes, churrasquinhos, livros velhos e jornais novos, cata-ventos, brinquedos caseiros... Será permitido pisar na grama.” (Lina Bo Bardi, Memorial de projeto.)
01|Propostas para o pedestre. do projeto de Artigas para o AnhangabaĂş. 02|Modelo tridimensional do projeto de Artigas para o AnhangabaĂş. 03|Croqui de Lina Bo Bardi para o projeto apresentado ao concurso para projeto no AnhangabaĂş.
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CARTÃO POSTAL “A construção do primeiro Viaduto do Chá destruiu uma barreira histórica; a construção do “Parque Anhangabaú” apagou, ou pelo menos pretendeu apagar, a imagem de uma cidade atrasada e provinciana; a construção da avenida destruiu o silêncio do parque e destruiu o modo como, até então, o paulistano se relacionava com aquele espaço; a construção do Anhangabaú atual destruiu o sentido geográfico característico daquele território e a relação do recinto com a metrópole.” (Hereñú, 2007)
Em uma visão ampliada, tendo o vale agora como uma unidade, podemos distinguir diferentes papéis exercidos durante sua historia. Em um século, o vale foi parque, uma avenida com elegantes lojas, um espaço residual e, por fim, a praça e túnel. Foi barreira, lugar, passagem. Tido como conflito, ao mesmo tempo como oportunidade. O sentido de permanência aqui não existiu, porém este ponto geográfico nunca deixou de ser a mirada de um dos cartões-postais de São Paulo. Talvez, então, o único que se manteve nos postais seja a presença de uma ausência.
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Dado o primeiro momento de reflexão, o trabalho agora busca uma possível atuação na cidade como uma forma de tradução material advinda do entendimento do lugar. Atentando-me às características do vale, busco ressaltá-las não por otimismo, mas pela possibilidade de revelação. Falar sobre o vale implica tratar da própria lógica da cidade de São Paulo. Partindo dos mesmos processos de constituição da metrópole, a proposta se articula através de duas ações, uma operação de subtração e, outra, de sobreposição. Dois novos patamares inseridos. Duas horizontais reorientam o fluxo, desenhando um percurso para pedestres, em uma inserção que segue o sentido da linha do talvegue, habitando o vale. Procuro, neste sentido, pensar uma infraestrutura urbana cuja função seja revelar e percorrer o vale, estabelecendo relação mais direta e legível entre patamares submersos de maneira que se faça possível uma nova relação com a topografia do lugar. Proponho, assim, um contínuo sobre fragmentos desconexos de cidade onde, antes, era fluxo de água.
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INTENÇÕES
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O projeto é pensado a partir de duas estruturas de conexão horizontais, passarela-túnel, havendo em suas extremidades desdobramentos a outros níveis. Em cada um destes instantes, de subir-descer, é situado um nó de conexão vertical e visual. Três torres, então, demarcam tais pontos. A primeira torre promove a conexão entre o viaduto e o parque. A segunda torre, entre passarela e túnel, consiste no momento de infiltrar-se em solo urbano, ultrapassando as avenidas e ocorrendo um entrelaçamento com a galeria do córrego do Anhangabaú que, neste ponto, emerge à superfície da cidade, embora não seja notado. Por último, a terceira torre demarca o nó de encontro entre os fluxos do Terminal Bandeira e do metrô e a “Praça” da Bandeira. Descrevo, portanto, um percurso das cotas altas às baixas, da escala local representada pelo Viaduto do Chá e Parque à escala metropolitana dada pela estação e terminal de ônibus.
PROPOSTA
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Desenhado os possíveis deslocamentos e a intensidade sobre a qual ocorrem na área, sobreponho a intenção de projeto. Aliado ao vetor proposto há o resgate e incorporação da ligação subterrânea e pública entre as bordas do vale, o metrô, a Avenida 23 de Maio e o Terminal Bandeira contida no projeto inicial para a estação do Anhangabaú, porém não implantada. Neste projeto em parte não realizado, tais conexões se dava por uma alça localizada sob a Praça da Bandeira. Desta maneira, o terceiro ponto ganha complexidade enquanto nó de encontro e, portanto, como praça efetivamente.
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PLANTA COTA 742 - PASSARELA esc. 1:750
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S
PLANTA COTA 729 - TÚNEL esc. 1:750
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AVENIDA 23 DE MAIO
AVENIDA 9 DE JULHO
AVENIDA 23 DE MAIO
VIADUTO DR. EUSÉBIO STEVAUX
AVENIDA 9 DE JULHO
CORTE CC - esc. 1:250
esc. 1:250
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PLANTA COTA 724 - PRAÇA DA BANDEIRA esc. 1:750
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A passarela é estruturada a partir de sistema de vigas mistas entre aço e concreto, apoiada em três pontos distantes 35 metros entre si. Em suas extremidades balanços de 20 metros configuram mirantes orientados para o vale. O método construtivo escolhido para o túnel consiste em uma solução mista entre o chamado NATM (escavação mineira) com o cover-and-cut (escavação invertida). Pela condição de mezanino próximo a superfície e sob vias de tráfego é necessário o uso de sistemas auxiliares –pré-suportes- como as enfilagens horizontais, que impedem a interferência na superfície. Para além de patamar físico adicionado, placas de aço patinável inseridas na estrutura do túnel configuram um espaço expositivo que possa também tratar dos patamares de memória do recinto em questão.
DETALHE PASSARELA esc. 1:75
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DETALHE TÚNEL esc. 1:75
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PERCORRER O VALE
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pág13| im01. website: http://vuotoattivo.tumblr.com/, acesso em 15/06/14 im02. website: www.tschumi.com/, acesso em 15/06/14 im03. website: http://www.plataformaarquitectura.cl/, acesso em 15/06/14 pág48-58|HEREÑÚ, Pablo Emilio Robert. Sentidos do Anhangabaú. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. pág62-63|Fotomontagem sobre fotografia de Nelson Kon.
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ICONOGRAFIA
PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. Senac, São Paulo, 1996. BUCCI, Angelo. Pedra e arvoredo. Arquitextos, São Paulo, 04.041, Vitruvius, oct 2003 <http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/04.041/644>. ÁBALOS, Iñaki. Naturaleza y artificio: el ideal pintoresco en la arquitectura y el paisajismo contemporáneos. Editorial Gustavo Gili, SL, Barcelona, 2009. BARTALINI , Vladimir. Os córregos ocultos e a rede de espaços públicos urbanos. Arquitextos, São Paulo, 09.106, Vitruvius, mar 2009 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.106/64>. MEYER, Regina Maria Prosperi; GROSTEIN, Marta Dora. A leste do centro: territórios do urbanismo. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2010. ___. Gordon Matta-Clark: desfazer o espaço. Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, 2010. WISNIK, Guilherme. Dentro do nevoeiro: diálogos cruzados entre arte e arquitetura contemporânea. 2012. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16133/tde-03072012142241/>. Acesso em: 2013-06-10. ___. Topografías operativas = Operative topographies. Quaderns d’ Arquitectura i Urbanisme nº 220. Collegi d’Arquitectes de Catalunya, Barcelona, ___. HEREÑÚ, Pablo Emilio Robert. Sentidos do Anhangabaú. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007. PASSOS, Maria Lúcia Perrone; EMÍDIO, Teresa. Desenhando São Paulo: mapas e literatura 1877-1954. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2009.
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BIBLIOGRAFIA
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