Reportagem - Marco Civil da Internet

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junho de 2014

2 / marco civil da internet

Lei começa a valer no dia 23, mas as polêmicas continuam Assim como a elaboração do projeto, a regulamentação da lei também vai contar com a participação popular Beatriz Santos

A

partir da próxima segunda-feira, sessenta dias depois de aprovada pela presidente Dilma Rousseff, a Lei 12.965 vai começar a ser aplicada. Conhecida como o Marco Civil da Internet, a lei causou uma mudança de paradigma ao ser construída de forma colaborativa, por meio da internet e provocou polêmicas e desconfianças ao propor uma Constituição para a rede, que garantiria que a internet continuasse a funcionar como hoje. Apesar de muitos de seus pontos serem autoaplicáveis, alguns ainda precisam ser regulamentados. A presidente já anunciou que, nessa fase, serão feitas consultas públicas, por meio de um site criado especificamente para o processo, assim como foi feito na etapa de produção do texto.

As exceções à lei serão avaliadas pelo órgão responsável, de acordo com Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.Br.). “Se for na área de telecomunicações, por exemplo, pode ser um problema da Anatel. Se for em outras áreas pode ser da alçada do Procon ou outros órgãos”, explica. Como um dos órgãos a ser ouvidos na fase da regulamentação, o CGI.Br pretende esclarecer os pontos da lei que gerarem confusão. Para Getschko, “o que é importante no Marco Civil é uma leitura adequada do que está escrito. (...) A gente já viu leituras bem atravessadas nesse processo por pessoas que, ou tem dificuldade de enxergar esse universo todo de onde veio essa ideia da lei, ou às vezes fazem uma leitura distorcida de maneira proposital”.

O texto da lei estabelece que as exceções serão definidas por decreto, ouvidos o CGI.Br e a Anatel, o que é aplaudido por alguns especialistas. A professora Vera Kerr, da Faculdade de Direito do Mackenzie Campinas, por exemplo, considera muito importante a regulamentação da neutralidade. Ela explica que, como o texto não discorre sobre a neutralidade, o conceito e sua aplicação terão que ser construídos, por meio da regulamentação. “O CGI é fundamental, porque é neutro. A Anatel é importante porque todo o suporte de internet depende do serviço de telecomunicações”, diz. Para Vera, o Marco é muito especial no sentido de proteger a neutralidade da rede. “A neutralidade é o mais importante de tudo, é uma base de discussão para dizer que inter-

Foto: Beatriz Santos

André Bordignon, a favor do Marco, desde que sem o artigo 15

net queremos pro país e que futuro queremos do ponto de vista da tecnologia”, diz. É o que pensa, também, André Bordignon, presidente do Comitê para Democratização da Internet (CDI-Campinas), ONG que realiza trabalhos de inclusão digital na cidade,

o caminho para que a ideia virasse lei 2011 2009 O CGI.Br lança o documento “Princípios para governança e uso da internet” que inspira a criação de um projeto de constituição para a rede.

O PL-2126/11, primeiro projeto de lei feito de forma colaborativa, por meio da própria internet, chega ao Congresso Nacional.

2011-2014 O PL-2126/11 começa a debatido pelos parlamentares. Nesse período várias alterações foram propostas, inclusive a que previa a exigência dos servidores estrangeiros abrirem data centers no Brasil. A proposta, feita pela presidente surgiu quando da descoberta da espionagem internacional pelos EUA, mas foi barrada.

2009 - 2010 São feitas consultas à sociedade civil, por meio do site culturadigital.br . Além disso, debates, seminários e 7 audiências públicas em 4 regiões do país (não houve audiência no Norte por incompatibilidade de agendas, mas houve debates em eventos e pela internet).

23/04/2014 O Marco Civil da Internet, Lei 12.965, é sancionado pela presidente Dilma Rousseff, para entrar em vigor 60 dias depois, com alguns pontos ainda aguardando regulamentação.

há 14 anos. Ele concorda que o Marco é um avanço, principalmente enquanto lei construída de forma colaborativa, mas discorda do artigo 15, que estabelece a guarda dos logs (registros de acessos dos usuários) pelos provedores. Para ele, esse artigo, na verdade, estabelece uma inversão do princípio da presunção de inocência. Muitos ativistas concordam com Bordignon, como a jornalista Deborah Moreira, integrante do coletivo Ciranda Cultural e uma das administradoras da página “Marco Civil Já”, que conta com mais de 12.000 curtidores. Ela considera que o artigo 15 “viola a privacidade e coloca todos os brasileiros na condição de suspeitos”. Eles esperam que com a regulamentação, as questões relativas à neutralidade e à privacidade sejam esclarecidas de maneira a preservar e proteger o internauta. “Só estamos esperando esse processo ser aberto de uma maneira mais clara pra que a gente possa participar desse debate, dessa discussão e dessas proposições de regulamentação”, diz Bordignon. Nessa última etapa do Marco Civil, o governo vai criar um novo site para a participação da sociedade, seguindo os moldes lançados no período de construção do texto da lei. A ideia é que a regulamentação esteja definida até o fim de 2014, mas ainda não existe previsão para que o processo tenha início.


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