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Zélia, a professora emérita
from Beira 154
Zélia, a professora emérita Uma vida dedicada às políticas afirmativas
Walter Pinto
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Graduada em Letras, a professora Zélia Amador de Deus, em sua trajetória, rompeu com todas as regras da política de exclusão que dominaram, por muitos anos, as relações no Brasil – e insistem em voltar nos tempos atuais. Negra, pobre, nascida numa fazenda do Marajó, onde o avô era vaqueiro, ela foi criada na periferia de Belém. Tornou-se mestra em Teoria Literária e doutora em Antropologia, sempre estudando questões de etnia. Foi professora da UFPA, instituição da qual foi vice- -reitora, além de coordenadora de colegiado, chefe de departamento, diretora do Centro de Letras e Artes, diretora do Departamento Cultural da Pró- -Reitoria de Extensão e coordenadora do Núcleo de Artes. Atualmente, é coordenadora da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social da UFPA. Há décadas, tem se dedicado à consolidação da política de ações afirmativas na Instituição, trabalho cujos resultados estão mudando, de forma efetiva, o perfil da UFPA. Em reconhecimento à sua dedicação, a Universidade lhe outorgou o diploma de Professora Emérita. Nesta entrevista, Zélia Amador de Deus conta um pouco do trabalho que desenvolve e dos resultados obtidos, ressaltando que nunca esteve só, sempre contou com a colaboração de grandes parceiros, por isso, afirma, o título que recebeu é também um título coletivo.
Professora Emérita da UFPA
Fiquei muito emocionada naquela quinta-feira, embora soubesse previamente que o Conselho Universitário havia aprovado meu nome para a concessão do diploma de Professora Emérita da UFPA. Mas a cerimônia de entrega do diploma foi tão tocante que eu ainda estou sob forte emoção. É uma emoção que vem do reconhecimento de todo um trabalho dedicado à construção de uma universidade plural, inclusiva, em que a arte tivesse, como tem hoje, um espaço dentro da Instituição. Todas as vezes em que estive na administração da Universidade, lutei para que a arte conquistasse esse espaço. E, hoje, eu posso afirmar que a arte é um campo consolidado de conhecimento dentro da UFPA. Paralelamente, continuo atuando no movimento negro, lutando, estudando e propondo políticas de ação afirmativa. Dedico-me à questão das políticas afirmativas desde 1996. De lá para cá, cada vez mais, fui me aprimorando. Passei um ano no Ministério de Desenvolvimento Agrário, trabalhando com políticas de ação afirmativa. Foi uma experiência muito rica, pois pude contribuir para a efetivação de alguns avanços significativos na minha área de atuação. Esse trabalho foi interrompido quando o ministro que havia me convidado teve que se desincompatibilizar para disputar a eleição. O espaço tornou-se, portanto, ruim para eu continuar trabalhando no Ministério. Então, voltei para Belém, com a missão de lutar para a implantação de políticas de ação afirmativa na Universidade Federal do Pará.
A implantação de cotas
Não foi uma luta fácil. Criamos o Grupo de Estudos Afro-Amazônicos, que se mostrou um importante espaço de luta para enegrecer a Universidade, não só em relação às políticas de ações afirmativas mas também do ponto de vista da produção de estudos sobre negritude. Partiu do Grupo de Estudos Afro- -Amazônicos a primeira proposta de ação afirmativa enviada ao Conselho Universitário da UFPA. Propusemos, em 2003, uma cota de 20% de vagas no processo seletivo para negros, indígenas e quilombolas. Mas a proposta demorou muito tempo nas gavetas. Somente em 2005 conseguimos que ela efetivamente fosse à apreciação do Conselho. Mesmo assim nos instruíram para retirar os indígenas da reserva de vaga, porque a questão estaria contemplada numa outra proposta a ser encaminhada ao Conselho. Porém o processo, até a aprovação da nossa proposta, demorou muito, porque as reuniões que iriam deliberar a questão não tiveram quórum. Naquela ocasião, o reitor era contrário às políticas de ação afirmativa, mas não tinha uma proposta para contrapor a nossa. Houve uma grande discussão, no entanto a Reitoria não apresentou um argumento consistente. Mesmo assim, verificamos que perderíamos, pois tínhamos, em plenário, apenas cinco votos. Por fim, o representante da ADUFPA apresentou uma proposta muito parecida com uma do MEC, estabelecendo cota de 50% de vagas para estudantes da escola pública. E, desses 50%, 40% seriam destinados aos negros. Essa proposta foi aprovada e o Conselho nem chegou a avaliar a nossa, que estendia a cota para os quilombolas.
indígenas e quilombolas
Em 2009, a professora Jane Beltrão e associações indígenas tiveram uma audiência com o reitor, e ele assentiu a proposta de vaga para indígenas da maneira como está agora: duas vagas para indígenas em cada curso da Universidade. A Reitoria era a favor da reserva de vagas para indígenas, mas não para negros, menos ainda para quilombolas. Isso nunca desestimulou a nossa luta em favor dos quilombolas. Por fim, houve a troca de reitor, o professor Carlos Maneschy assumiu, e ele era a favor das políticas de ação afirmativa. Voltamos a apre-
ALEXANDRE DE MORAES
sentar a proposta, finalmente votada no Conselho em 2012, quando, então, conseguimos aprovar a reserva de vaga para os quilombolas. Penso que, agora, a reserva de vaga está consolidada. Mas, há que se zelar por ela. Isso passa também pela responsabilidade das associações dos povos indígenas e das populações quilombolas. Venho chamando a atenção das pessoas que estão à frente dessas entidades para que tenham responsabilidades na assinatura da declaração de pertencimento. É necessário ter todo o cuidado, porque, às vezes, chegam ao nosso conhecimento denúncias de que alguns presidentes de associações estão dando declaração de pertencimento falsa para quem não é quilombola ou indígena. Todo ano, fazemos um seminário para organizar o edital para indígenas e quilombolas, aberto à participação da Administração Superior, dos indígenas, dos quilombolas e dos presidentes das associações. O que a gente discute nesse seminário é a construção de um edital que dê segurança e possibilidade de fortalecer o processo cada vez mais.
Imigrantes e refugiados
A realização do seminário é muito importante, pois nele a gente decide as regras com os sujeitos que irão participar do jogo. Ele é um instrumento de grande importância. Estamos, agora, com a resolução que chamamos de MIGRE, destinada à reserva de vaga para imigrantes e refugiados. O CEPS já botou no ar a resolução para a entrada de refugiados e pessoas traficadas. Nela constam o número de vagas e as regras sobre quem pode participar do processo seletivo. É mais um avanço da política de ação afirmativa na UFPA, fruto do trabalho da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social, criada na atual gestão do reitor Emmanuel Tourinho. Trabalham comigo na ADIS as professoras Izabel Cabral, Milene Veloso e Luiza Canali, além do corpo técnico, a quem agradeço muito a colaboração, assim como agradeço a todas as pessoas com quem trabalhei na Universidade. O título que recebi é também de todos esses parceiros.
Mudanças na UFPA
Não tenho dúvida de que as políticas de ação afirmativa mudaram o perfil da UFPA. Aliás, não sou eu quem diz isso, é uma pesquisa realizada pela Andifes. O perfil da UFPA, durante muito tempo, foi o mesmo: só os brancos e a classe média a frequentavam. Então, um negro que entrava na Universidade apenas justificava a regra de exclusão. A partir da década de 1980, a UFPA começou a mudar o perfil por meio dos campi no interior. Os pobres, que não tinham condições de mandar seus filhos para estudar na cidade, começaram a acessar a universidade no interior. A interiorização, hoje, está em uma nova etapa. Iniciaram com as licenciaturas exatamente para fortalecer a Educação Básica nos municípios. Hoje, já há bacharelados e, em alguns lugares, foram implantados cursos como Medicina, Engenharia e Direito. A pós-graduação já chegou a alguns campi também. Depois, vieram as políticas de ação afirmativa. Em audiência pública para avaliação da reserva de vaga, concluiu-se que, se a cota não tivesse sido implementada desde 2008, cursos como Comunicação Social, Odontologia e Arquitetura não teriam nenhum aluno negro. A partir de 2012, as cotas viraram lei, garantindo vaga para preto, pardo, indígena e pessoa com deficiência. Hoje, posso dizer: a Universidade mudou, no campo e na cidade. Estamos formando indígena em Medicina e Odontologia; quilombolas em Direito, Pedagogia e Serviço Social, por exemplo. Isso está mudando o perfil não só da Universidade mas também da própria sociedade na Amazônia. Essa é a nossa meta.