Beira 154

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Beira do Rio

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Abril e Maio, 2020

Entrevista

Zélia Amador de Deus

Zélia, a professora emérita Uma vida dedicada às políticas afirmativas   Walter Pinto

G

raduada em Letras, a professora Zélia Amador de Deus, em sua trajetória, rompeu com todas as regras da política de exclusão que dominaram, por muitos anos, as relações no Brasil – e insistem em voltar nos tempos atuais. Negra, pobre, nascida numa fazenda do Marajó, onde o avô era vaqueiro, ela foi criada na periferia de Belém. Tornou-se mestra em Teoria Literária e doutora em Antropologia, sempre estudando questões de etnia. Foi professora da UFPA, instituição da qual foi vice-reitora, além de coordenadora de colegiado, chefe de departamento, diretora do Centro de Letras e

Professora Emérita da UFPA Fiquei muito emocionada naquela quinta-feira, embora soubesse previamente que o Conselho Universitário havia aprovado meu nome para a concessão do diploma de Professora Emérita da UFPA. Mas a cerimônia de entrega do diploma foi tão tocante que eu ainda estou sob forte emoção. É uma emoção que vem do reconhecimento de todo um trabalho dedicado à construção de uma universidade plural, inclusiva, em que a arte tivesse, como tem hoje, um espaço dentro da Instituição. Todas as vezes em que estive na administração da Universidade, lutei para que a arte conquistasse esse espaço. E, hoje, eu posso afirmar que a arte é um campo consolidado de conhecimento dentro da UFPA. Paralelamente, continuo atuando no movimento negro, lutando, estudando e propondo políticas de ação afirmativa. Dedico-me à questão das políticas afirmativas desde 1996. De lá para cá, cada vez mais, fui me aprimorando. Passei um ano no Ministério de Desenvolvimento Agrário, trabalhando com políticas de ação afirmativa. Foi uma experiência muito rica, pois pude contribuir para a efetivação de alguns avanços significativos na minha área de atuação. Esse trabalho foi interrompido quando o ministro que havia me convidado teve que

Artes, diretora do Departamento Cultural da Pró-Reitoria de Extensão e coordenadora do Núcleo de Artes. Atualmente, é coordenadora da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social da UFPA. Há décadas, tem se dedicado à consolidação da política de ações afirmativas na Instituição, trabalho cujos resultados estão mudando, de forma efetiva, o perfil da UFPA. Em reconhecimento à sua dedicação, a Universidade lhe outorgou o diploma de Professora Emérita. Nesta entrevista, Zélia Amador de Deus conta um pouco do trabalho que desenvolve e dos resultados obtidos, ressaltando que nunca esteve só, sempre contou com a colaboração de grandes parceiros, por isso, afirma, o título que recebeu é também um título coletivo.

se desincompatibilizar para disputar a eleição. O espaço tornou-se, portanto, ruim para eu continuar trabalhando no Ministério. Então, voltei para Belém, com a missão de lutar para a implantação de políticas de ação afirmativa na Universidade Federal do Pará.

A implantação de cotas Não foi uma luta fácil. Criamos o Grupo de Estudos Afro-Amazônicos, que se mostrou um importante espaço de luta para enegrecer a Universidade, não só em relação às políticas de ações afirmativas mas também do ponto de vista da produção de estudos sobre negritude. Partiu do Grupo de Estudos Afro-Amazônicos a primeira proposta de ação afirmativa enviada ao Conselho Universitário da UFPA. Propusemos, em 2003, uma cota de 20% de vagas no processo seletivo para negros, indígenas e quilombolas. Mas a proposta demorou muito tempo nas gavetas. Somente em 2005 conseguimos que ela efetivamente fosse à apreciação do Conselho. Mesmo assim nos instruíram para retirar os indígenas da reserva de vaga, porque a questão estaria contemplada numa outra proposta a ser encaminhada ao Conselho. Porém o processo, até a aprovação da nossa proposta, demorou muito, porque as reuniões que iriam deliberar a questão não

tiveram quórum. Naquela ocasião, o reitor era contrário às políticas de ação afirmativa, mas não tinha uma proposta para contrapor a nossa. Houve uma grande discussão, no entanto a Reitoria não apresentou um argumento consistente. Mesmo assim, verificamos que perderíamos, pois tínhamos, em plenário, apenas cinco votos. Por fim, o representante da ADUFPA apresentou uma proposta muito parecida com uma do MEC, estabelecendo cota de 50% de vagas para estudantes da escola pública. E, desses 50%, 40% seriam destinados aos negros. Essa proposta foi aprovada e o Conselho nem chegou a avaliar a nossa, que estendia a cota para os quilombolas.

indígenas e quilombolas Em 2009, a professora Jane Beltrão e associações indígenas tiveram uma audiência com o reitor, e ele assentiu a proposta de vaga para indígenas da maneira como está agora: duas vagas para indígenas em cada curso da Universidade. A Reitoria era a favor da reserva de vagas para indígenas, mas não para negros, menos ainda para quilombolas. Isso nunca desestimulou a nossa luta em favor dos quilombolas. Por fim, houve a troca de reitor, o professor Carlos Maneschy assumiu, e ele era a favor das políticas de ação afirmativa. Voltamos a apre-


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