São Miguel do Gostoso/ RN – A Cidade
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
PAISAGEM E URBANIDADE Retratos de uma Cidade em Transformação
Trabalho Final de Graduação, relativo à disciplina de mesmo nome, ministrada pelo Profº José Jefferson de Souza, a ser apresentado no 10º Período do ano letivo de 2007.1 Como forma de obtenção do grau de Arquiteto e Urbanista.
Autora:
MARIA ISABEL COSTA MENEZES DA ROCHA
Orientador:
RUBENILSON BRAZÃO TEIXEIRA
Natal/RN 2007
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
PAISAGEM E URBANIDADE Retratos de uma Cidade em Transformação
Autora:
MARIA ISABEL COSTA MENEZES DA ROCHA
Orientador:
Banca Examinadora:
__________________________________________
RUBENILSON BRAZÃO TEIXEIRA
__________________________________________
DATA:
HORA:
LOCAL:
__________________________________________
Na transformação do casulo em borboleta há todo um processo de destruição da larva, à exceção de seu sistema nervoso. Este trabalho de autodestruição é, ao mesmo tempo, um trabalho de autocriação de onde emerge um novo ser, outro e entretanto, com a mesma identidade”. Edgar Morim
URBANIZAÇÃO Tudo o que vivêramos um dia fundiu-se com o que estava a ser vivido. Não na memória mas no puro espaço dos cinco sentidos. Havíamos estado no mundo, raso, um campo vazio de tojo seco. Depois, alguém urbanizou o vazio, e havia casas e habitantes sobre o tojo. E eu, que estivera sempre presente, vi a dupla configuração de um campo, ou a sós em silêncio ou narrando esse meu ver. Fiama Hasse
AGRADECIMENTOS Agradeço toda a força recebida. Foram muitas, vindas de muitas partes, mas que se uniram em uma só força. Agradeço não só pelo Trabalho Final de Graduação – este é apenas mais um de tantos que foram e outros tantos que virão – Agradeço a Deus por acreditar que virão. Agradeço às pessoas da minha vida por, de alguma forma, me ajudar a concluir os que foram. Agradeço e Agradeço.
RESUMO Este trabalho tem por objetivo o estudo da paisagem e sua transformação na sede do município de São Miguel do Gostoso, localizado na costa Norte do Rio Grande do Norte. A análise desta transformação se desenvolve com base em três eixos principais – os eixos sócioeconômico, físico-ambiental e político-administrativo – e busca diagnosticar e entender a participação dos principais atores sociais que promovem tanto a conformação quanto a transformação espacial da localidade. O trabalho tenta apontar que tipo de paisagem está sendo formada no município – e com base em que valores isto se dá – sabendo-se que tende a ser profundamente marcada pelo desenvolvimento da atividade turística, que se intensificou nos últimos dez anos, período definido para a presente pesquisa. O trabalho propõe, finalmente, diretrizes para um processo de transformação da paisagem que leve em conta as noções de urbanidade baseadas na qualidade de vida dos moradores locais, na preocupação com o meio ambiente e na valorização e manutenção de uma determinada identidade sócio-ambiental do espaço da Cidade.
LISTA DE FIGURAS FIGURAS
P.
Figura 1: Paisagem
16
Figura 2: Paisagem natural
17
Figura 3: Paisagem – unidades de paisagem natural
17
(primeiro plano) e urbana (segundo plano) Figura 4: Paisagem rural
18
Figura 5: Paisagem urbana
18
Figura 6: Paisagem de São Miguel do Gostoso
19
Figura 7: Paisagem urbana
19
Figura 8: Símbolo de turista
22
Figura 9: Escola Cel Zuza Torres
36
Figura 10: Escola, Igreja e Posto de Saúde no mapa
36
Figura 11: Mapa do Rio Grande do Norte destacando o
39
município de São Miguel do Gostoso Figura 12: Foto aérea com os limites geográficos
40
Figura 13: Evolução Urbana – mapas noli
42
Figura 14: Lotes originais atualmente
43
Figura 15: Abertura da Primeira Rua
44
Figura 16: Trecho da Avenida dos Arrecifes atualmente
44
Figura 17: Árvores em frente às casas
44
Figura 18: Convívio familiar em frente às casas
45
Figura 19: Pé-direito de residência
46
Figura 20: Casa de porta e janela com calçadinha
46
Figura 21: Prédio da Prefeitura
48
Figura 22: Poste de iluminação pública
50
Figura 23: Avenida alagada
50
Figura 22: Mapa dos ventos do Brasil
59
Figura 23: Placa em terminal turístico
60
Figura 24: Evolução urbana 2 – mapas noli
61
Figura 25: Visão da praia através dos coqueiros
63
Figura 26: Lote com horta na Avenida principal
64
Figura 27: Convivência familiar à margem da Av.
64
principal Figura 28: canteiro da Avenida dos Arrecifes
65
Figura 29: Bairro popular a Oeste
65
Figura 30: Bairro popular a Leste
65
Figura 31: Rua das Ostras como um elo entre o centro
66
e a periferia Figura 33: Concentração das casas de veraneio
66
Figura 34: Nova tipologia habitacional na Rua das
68
Ostras Figura 35: Nova tipologia habitacional em construção
68
Figura 36: Nova tipologia habitacional na Rua das
68
Ostras
FIGURAS
P.
Figura 37: Casa de Veraneio em construção
67
Figura 38: Chalé da Pousada do gostoso
69
Figura 39: Urbanização na orla – Terminal Turístico
69
Figura 40: Urbanização no centro - Calçadão
69
Figura 41: Pousada Casa de Taipa
70
Figura 42: Construção em taipa na avenida principal
70
Figura 43: Casa de porta e janela em alvenaria, em
70
bairro popular Figura 44: Casas padronizadas na Rua das Ostras
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Figura 45: Exemplo de implantação dos terminais
73
turísticos - Praia do Cardeiro Figura 46: Praça do Maceió
74
Figura 47: Calçadão
74
Figura 48: Largo do Cruzeiro
74
Figura 49: Área em frente às casas - Avenida dos
75
Arrecifes Figura 50: Outro Exemplo de Urbanização Turística
75
Figura 51: Localização das melhorias urbanas para o
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lazer turístico e da população Figura 52: Convívio dos pescadores
83
Figura 53: Comunidade religiosa
83
Figura 54: Residência de um morador recente
83
Figura 55: Casa de veraneio com área de lazer
84
Figura 56: "convívio" entre a rede de pesca e o material
84
do kite surf em meio urbano Figura 57: paisagem natural de
85
São Miguel do Gostoso – Lagoa do Sal Figura 58: material de kite surf na praia
85
Figura 59: gráfico do perfil dos turistas que visitam São
86
Miguel do Gostoso quanto a expectativa antes e a opinião após a chegada ao município Figura 60: Construção no quintal
88
Figura 61: Rua à margem da Avenida dos Arrecifes
89
Figura 62: Rua calçada - acesso ao ginásio e ao
89
cemitério Figura 63: Homem levando o boi na Rua Lírios do Mar
90
Figura 64: construções na região de tabuleiros
91
Figura 65: Tecer de redes na calçada
92
Figura 66: Crianças conversando na calçada
92
Figura 67: Panelas secam na cerca do quintal
92
Figura 68: Barraca no canteiro
94
Figura 69: Crianças brincando no canteiro
95
Figura 70: Crianças trafegam pela Avenida
95
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
11
FUNDAMENTAÇÃO INICIAL ..............................................................................................................
16
1.1
CONCEITUAÇÃO....................................................................................................................................
16
1.1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................................................................
25
2
A CIDADE DE OUTRORA: a descoberta de um potencial urbano ......................................................
32
2.1
A SOCIEDADE LOCAL .............................................................................................................................
34
2.2
CARACTERIZAÇÃO E CONFORMAÇÃO ESPACIAL ...........................................................................................
38
2.3
POLÍTICAS PÚBLICAS .............................................................................................................................
47
A CIDADE DE AGORA: a descoberta de um potencial turístico ........................................................
53
3.1
MUDANÇAS NA ESTRUTURA SÓCIO-ECONÔMICA: NOVOS ATORES SOCIAIS .......................................................
55
3.2
ADEQUAÇÃO E NOVAS CONFORMAÇÕES ESPACIAIS .....................................................................................
61
3.3
ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................................................
72
3
4
A CIDADE EM TRANSFORMAÇÃO: a Identidade sócio-cultural do espaço ........................................
79
4.1
POPULAÇÃO E IDENTIDADE SÓCIO-CULTURAL DO ESPAÇO ............................................................................
81
4.2
PERIODIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS TRANSFORMAÇÕES .................................................................................
88
4.3
O CÓDIGO DE OBRAS E O PLANO DIRETOR ...............................................................................................
94
DIRETRIZES: Considerações e Críticas ...........................................................................................
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................
104
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................
106
5
APÊNDICES 1. QUESTIONÁRIOS 2. MAPAS
PAISAGEM E URBANIDADE
11
INTRODUÇÃO
A experiência da graduação em Arquitetura e Urbanismo abre janelas para assuntos tão diversificados que acaba por deixar uma série de lacunas entre eles, onde o questionamento é inevitável. A escolha do tema para este Trabalho Final de Graduação surgiu após a descoberta de uma dessas lacunas, que gerou o seguinte questionamento: por que o estudo da paisagem é tão mais bem explorado pela Geografia, quando os arquitetos e urbanistas têm forte atuação na paisagem e na sua transformação? Agregando-se a isto, a proposta de desenvolver como Trabalho Final de Graduação, uma pesquisa sobre a paisagem de uma
urbano. Qual o entendimento de “paisagem urbana” para uma população anteriormente rural que passa por um processo de urbanização? Como ela se apropria desta paisagem e como esta se transforma para responder às visões que a população tem do urbano? Estas perguntas visam fomentar a discussão acerca do desenvolvimento de uma cidade de paisagem urbana singular, resultante das características do lugar e da atuação dos grupos sociais envolvidos na sua formação, que apresentam origens e interesses diversos, às vezes conflitantes. A paisagem em questão é o espelho da cidade e da sua população, pois revela o modo como o seu espaço é tratado e valorizado, implicando em questões ambientais que envolvem a interação entre grupos de indivíduos que atuam no espaço urbano. Estes grupos explicitam a formação de uma sociedade, que acaba por intervir constantemente no espaço físico da cidade a fim de promover o seu próprio desenvolvimento. A preocupação com o desenvolvimento de uma sociedade em equilíbrio com o seu meio ambiente e seus bens paisagísticos, por sua vez, sugere a idéia de urbanidade e nos leva a pensar uma forma de nortear o crescimento urbano, para que ele se dê de maneira sustentável, ou seja, em favor do indivíduo e em favor dos recursos naturais e econômicos provenientes do meio. Para o estudo destas e de outras questões, foi escolhida a sede municipal de São Miguel do Gostoso, localizada no litoral norte do Rio Grande do Norte. Uma cidade que vem passando por uma intensificação na transformação de sua paisagem nos últimos dez anos, principalmente em função da atividade turística, transformação que aponta uma série de problemas, mas também potenciais com relação àquela realidade, que envolvem a sociedade e a paisagem local.
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localidade, foi pensada observando-se as transformações pelas quais um espaço/ambiente/território sofre no sentido de se tornar
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Antes de tudo, é válido o esclarecimento sobre o real foco do trabalho. Trata-se de uma pesquisa multidisciplinar, envolvendo questões diversas sobre a cidade de São Miguel do Gostoso. Assim, várias questões se interpõem: de que modo a paisagem rural se transforma dando origem a uma paisagem ou localidade urbana? Que valores estão associados a essa transformação, segundo os atores que compõem a (agora) sociedade urbana? Que riscos para a comunidade original são observados neste processo, sejam eles de natureza sócio-cultural ou ambiental? As transformações paisagísticas, ambientais e morfológicas são adequadas à identidade sócio-cultural do espaço urbano? Se não, o que fazer para controlar e/ ou diminuir os seus impactos negativos? Desta forma, o trabalho visa compreender como o processo de urbanização de São Miguel do Gostoso transforma o ambiente natural/rural em ambiente construído/urbano, bem como modifica as formas de apreensão/valorização da sua paisagem
Dentro deste objetivo, cabe perceber os traços de ruralidade que persistem com a urbanização/ modernização; a influência da modernização urbana na formação do espaço da cidade de São Miguel do Gostoso e no modo de vida dos seus habitantes; relacionar os valores paisagísticos dos diferentes grupos que compõe a sociedade local; como esses valores podem modificar (ou têm modificado) a paisagem da cidade, atribuindo-lhe uma identidade sócio-ambiental. Além disso, e partir desta análise, pretende-se propor diretrizes para uma produção do espaço urbano que leve à preservação e valorização de uma determinada paisagem, considerando o menos impacto possível ao meio ambiente e a qualidade de vida local. A pesquisa lida fundamentalmente com os modos com que a população, através dos diferentes atores sociais, olha/ percebe/ transforma a natureza e a conformação espacial da sua cidade. O tema escolhido envolve uma série de noções conceituais utilizados por muitas áreas de conhecimento, por isso para um bom entendimento do restante do trabalho é preciso que haja uma fundamentação teórica que venha a explicitar os conceitos trabalhados na pesquisa, bem como relacionar as metodologias envolvidas e os demais procedimentos metodológicos cabíveis. Tal conteúdo é assunto do primeiro capítulo deste trabalho. A pesquisa é feita utilizando-se de definições gerais que podem ser aplicadas em muitas situações e localidades. Porém o presente trabalho é construído, com base em um espaço físico determinado, onde se observe uma transformação sócio-espacial evidente, apontando para a formação de uma realidade urbana relacionada intimamente com seus aspectos naturais e rurais. O universo de estudo é a sede municipal de São Miguel do Gostoso, um novo e pequeno município do litoral Norte do Rio Grande do
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pelos seus diferentes atores sociais.
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Norte, onde pretende-se perceber de que maneira o processo de urbanização – entendido pela população – tem transformado e tende a transformar a paisagem natural do lugar, bem como de que modo esta transformação se manifesta, é percebida ou expressa os valores dos diferentes grupos da sociedade diretamente envolvidos neste processo. Para tanto, sabendo-se que a melhor maneira de entender um processo é buscando as suas causas, em relação às cidades, a melhor maneira de se entender a transformação urbana é buscando explicações históricas para tal configuração e suas tendências. Então, o primeiro capítulo deste trabalho propõe o entendimento dos termos mais relevantes para tal, antes de partir para o conhecimento histórico do processo de formação da cidade, ou seja, o que levou a localidade de São Miguel do Gostoso, a ser elevada à categoria de município em 1993, recebendo o seu primeiro governante de fato em 1997. O recorte temporal da pesquisa de inicia em 1997, com o início das transformações mais significativas na morfologia e na
começa a despontar. A experiência de assessoria da UFRN em São Miguel do Gostoso em 1997, trabalho que resultou em um livro (não-publicado) de nome A Comunidade Constrói sua História também serviu para a definição deste ano como limite cronológico inicial da pesquisa. O segundo capítulo do presente Trabalho – A Cidade de Outrora – levará em conta aquela experiência para apresentar o modo com que o espaço urbano foi produzido até naquele ano (antes de uma gestão municipal) e o que foi identificado pela UFRN na assessoria; seus problemas, seus potenciais e suas projeções para um futuro breve. O terceiro capítulo – A Cidade de Agora – observará as transformações ocorridas a partir do ano de 1997 até o ano atual (2007), período em que o poder municipal já marca a sua atuação na Cidade e na vida dos seus habitantes, que adquirem uma certa “consciência urbana”. Além disso, percebe-se o reconhecimento da localidade enquanto rota do turismo brasileiro. Sabendose que esta atividade contribui para a diversificação formal e social da Cidade, cabe observar como a paisagem responde às novas necessidades sociais de equipamentos e infra-estrutura urbanas. Muito da sua modernização urbana se deve aos investimentos no ramo do turismo, tanto localmente, com intervenções físicas, quanto no sentido da propaganda nos veículos de informação (mídia). Em 2007, percebendo a crescente demanda destes investimentos, a Cidade preocupa-se com a elaboração do seu Plano Diretor, demonstrando assim, tanto a afirmação de sua condição urbana quanto a necessidade de controlar o processo intenso de transformações deste meio urbano.
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paisagem da Cidade – visto que foi neste ano que passou a contar com um Poder Público Municipal e que a atividade turística
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Quais os valores paisagísticos e qual noção de qualidade de vida é trazida à sociedade de São Miguel do Gostoso por meio do turismo e de que maneira isso tem influenciado na percepção e na produção do espaço urbano pela população são questões pertinentes. Como a administração pública deve atuar para que a Cidade se torne capaz de fornecer uma qualidade de vida tanto a sua população permanente quanto à temporária, é um assunto a ser tratado pelo quarto capítulo – A Cidade em Transformação. Este capítulo faz uma série de observações para um melhor tratamento morfológico e paisagístico de São Miguel do Gostoso, aplicáveis ao Plano Diretor, cuja elaboração está em andamento. Os capítulos que tratam da Cidade de Outrora, de Agora e em Transformação, se desenvolverão com base em três eixos: o social, o físico-ambiental e o político-administrativo, de modo a organizar e sistematizar o entendimento da Cidade como um todo. O eixo físico-ambiental, por ser onde mais se detém o objeto de estudo, será analisado com base na metodologia proposta, que
conformação, e posteriormente (quarto capítulo) a periodização e avaliação da transformação. No quinto capítulo – Diretrizes – serão apresentadas linhas para um crescimento físico e social ordenado, com vistas a valorizar a paisagem, levando em consideração os três eixos anteriormente expostos, pois acredita-se que a proposta de diretrizes que englobam os eixos social e físico-ambiental tem rebatimento direto no eixo político-administrativo – a quem cabe realizar tais diretrizes. Neste capítulo cabe ainda, com relação às políticas públicas urbanas, observar qual o partido que o município está tomando para a promoção do seu desenvolvimento; se tem como base as características locais – investindo na população permanente e promovendo a conformação de uma Cidade que valoriza os seus potenciais – ou se tem por base a imagem turística já conhecida do município – investindo na propaganda turística e nos equipamentos e infra-estrutura voltados para a prática (e intensificação) desta atividade. Além do texto e das ilustrações que compõem o corpo do trabalho, este conta ainda com os apêndices e a lista da bibliografia pesquisada de modo a esclarecer e complementar o seu conteúdo. Somando-se todos os aspectos que compõem esta pesquisa, a paisagem local é o elemento que a norteia. Ela é sempre reveladora dos processos que levaram a tal conformação espacial, como também pode indicar os caminhos a serem seguidos para que haja um crescimento social e uma expansão urbana sustentáveis, dentro de um contexto único de morfologia e cenário urbanos.
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envolve primeiramente (capítulos dois e três) caracterização e estrutura da paisagem e a participação dos moradores na sua
CAPÍTULO 1
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1. Fundamentação Inicial O desenvolvimento deste Trabalho Final de Graduação carece do esclarecimento de uma série de noções, seja dos termos a serem usados no decorrer do texto, seja do método através do qual se pretende chegar aos objetivos da pesquisa. Este capítulo visa fornecer todos estes dados, de forma a explicitar o modo com que o tema será trabalhado.
1.1 CONCEITOS Sabe-se da necessidade de uma conceituação dos termos integrantes do tema e dos
sem, no entanto se dar de maneira fixa, inflexível. É importante que a própria pesquisa molde as definições iniciais, com base em fontes bibliográficas diversas. Primeiramente, é interessante que se definam os conceitos abordados já no próprio título. Paisagem e Urbanidade são termos muito comumente usados em diversos campos científicos, sendo, portando de total relevância que se esclareça o significado adotado para este trabalho. O sentido de paisagem, é bastante abrangente. Na tentativa de definir o termo, Jean Paul Metzger, apresenta a etnologia da palavra paisagem desde a sua primeira citação: A primeira referência à palavra “paisagem” na literatura aparece no “Livro dos Salmos”, poemas líricos (...), de Jerusalém, com os templos, castelos e palacetes do Rei de Salomão. (...) Atualmente, na linguagem comum, a paisagem é definida como “um espaço de terreno que se abrange num lance de vista” (dicionário Aurélio). A palavra paisagem possui assim, conotações diversas em função do contexto e da pessoa que a usa. (...) Apesar da diversidade de conceitos, a noção de espaço aberto, espaço “vivenciado” ou de espaço de interrelação do homem com o seu ambiente está imbuída na maior parte dessas definições. (METZGER, 2001, p. 2)
Figura 1: Paisagem Fonte: www.espacoj.blogs.sapo.pt
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objetivos do trabalho. Tal conceituação deve embasar todo o desenvolvimento da pesquisa
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É facilmente percebido já nesta conceituação, que a paisagem pode ser vista como o resultado de uma série de processos que envolvem a ação antrópica. No entanto, este é um conceito que engloba a transdisciplinaridade, o que explicita a complexidade do tema estudado. No caso dos estudos urbanísticos, podemos encontrar nos manuais do Projeto Orla∗ – Fundamentos pra Gestão Integrada – uma conceituação de paisagem mais atual e condizente com a realização e objetivos deste trabalho, visto inclusive, se tratar de um projeto voltado para a zona costeira; onde se insere o Município de São Miguel do Gostoso.
Figura 2: Paisagem natural Fonte: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/
Um outro conceito que decorre da paisagem é o de paisagem natural. Enquanto o primeiro é mais abrangente, o segundo limita-se aos aspectos relacionados a espaços com pouca intervenção antrópica. Ou seja, é uma paisagem que se caracteriza pela presença predominante de elementos naturais, embora estejam em relação constante com a ação antrópica. É importante que se perceba a paisagem natural como recorte paisagístico integrante de um todo (figura 3). Pode-se considerar a paisagem natural uma unidade de paisagem, termo também utilizado pelo Projeto Orla quando se refere a um “trecho que apresenta uma homogeneidade de configuração, caracterizada pela disposição e dimensão similares dos elementos definidores da paisagem” (MMA, 2006, p.38)
∗
O Projeto Orla é uma proposta do Ministério do Meio Ambiente do Brasil que visa contribuir, em escala nacional, para a aplicação de diretrizes gerais de disciplinamento de uso e ocupação de um espaço que constitui a sustentação natural e econômica da zona costeira, a Orla Marítima.
Figura 3: Paisagem - unidades de paisagem natural (primeiro plano) e urbana (segundo) Fonte: acervo próprio
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Paisagem é a estrutura territorial, vista como resultado do processo de transformação do ambiente no decorrer do tempo, compondo uma unidade passível de interpretação e representação gráfica. Pode-se dizer que, a cada momento, os atributos da paisagem assumem uma configuração diversa, já que os processos de transformação (naturais e sociais) são dinâmicos. (MMA, 2006, p. 37)
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Outros recortes, que serão referidos como unidades de paisagem, são as paisagem rural e paisagem urbana (figuras 4 e 5). Sua conceituação aqui é emprestada da Geografia Humana, atualmente, muito referenciada como Geografia Urbana. Segundo o geógrafo Josué de Castro, é possível distinguir paisagem rural de paisagem urbana pela quantidade de elementos naturais e construídos presentes, enquanto na primeira “os motivos naturais predominam sobre os traços culturais”, na segunda “os produtos de elaboração humana atingem um máximo de concentração” (CASTRO, 1957). Desta forma, percebe-se que os termos paisagem rural e paisagem natural se aproximam, visto que em ambos se verifica o predomínio dos elementos naturais em
humana através das atividades produtivas, como a agricultura, a pecuária, a extração mineral ou vegetal, entre outras. Além disso, ela está normalmente associada ao interior,
Figura 4: Paisagem rural Fonte: acervo próprio
enquanto que a paisagem natural não necessariamente, podendo ser aplicada também a áreas costeiras. A paisagem natural bem conhecida e valorizada pelo turismo no Nordeste do Brasil é justamente aquela que explora as belezas da sua costa, onde é praticado o turismo litorâneo, denominado turismo de Sol e Mar. Quanto à paisagem urbana, é aquela caracterizada pela predominância do tipo de ação antrópica que gera alguma forma de urbanização, facilmente reconhecida pela presença de elementos construídos. Sabendo-se que a urbanização da civilização é sempre associada à modernização, o termo modernização é conceituado como ato ou efeito de modernizar-se, acompanhar a evolução e as tendências atuais, substituindo-se sistemas, métodos, equipamentos etc. antigos por outros modernos (HOUAISS, DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA). Sendo assim, modernização urbana se configura nas transformações pela quais o ambiente urbano passa no decorrer do seu desenvolvimento, como forma de adequar-se à sociedade que ele comporta. No decorrer do trabalho, este termo estará sempre associado à urbanização da
Figura 5: Paisagem urbana Fonte: www.cepolina.com/imagemgratis/vc
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relação aos construídos. No entanto, na paisagem rural pressupõe-se a participação
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cidade de São Miguel do Gostoso, que está em processo de transformação e aquisição de novos valores, particularmente urbanos (figura 6). Visto o processo de modernização pelo qual uma cidade em crescimento, como esta, vem passando, uma análise da paisagem da Cidade relacionando-a ao desenvolvimento da sociedade que ela comporta, bem como suas classes e sua economia, evidencia a transformação espacial. Segundo Capel:
Figura 6: Paisagem de São Miguel do Gostoso Fonte: Revista Preá/ Fundação José Augusto/ Jan-Fev 2006
Há ainda que delimitar o modo com que será referida a paisagem urbana (figura 7) neste trabalho. Jorge Baptisa de Azevedo aborda uma série de aspectos relevantes da distinção entre rural e urbano quando afirma que “o que conhecemos então como paisagem rural, muitas vezes, é apresentado como oposto à paisagem urbana. (...) Partes e todos podem, porém, estar juntos, misturados, pois, como cita MORIN (1988) é preciso saber distinguir sem separar”. Com esta citação, vale salientar que embora a paisagem geral possa caracterizar integralmente uma determinada realidade espacial, este estudo visa justamente perceber a diversidade de aspectos que podem ser encontrados em uma mesma localidade. Sendo assim, a paisagem, é aqui subdividida teoricamente em natural, rural e urbana – para que possa ser melhor entendida. Tendo em vista a abrangência do conceito de paisagem, que pode englobar não só aspectos físico-espaciais, mas também sociais, por exemplo, este trabalho se propõe a avaliar a transformação de uma determinada paisagem – a de São Miguel do Gostoso, no RN – considerando esta visão abrangente, que vai além da paisagem enquanto apenas imagem.
Figura 7: Paisagem urbana Fonte: www.cepolina.com/imagemgratis
Re t r at o s de um a Ci d a de e m Tr a n sfor m aç ão
En algunas obras realizadas por historiadores en las últimas décadas y dedicadas al papel de las ciudades en el proceso de modernización, se pone énfasis en cuestiones como las siguientes: (…) la diversificación social; la aparición de una nueva sociedad de clases; (…) la aparición de nuevas formas de vida social y los cambios de mentalidad; (...) la expansión espacial; las transformaciones de la promoción inmobiliaria y de la construcción; los proyectos de reforma interior de las ciudades o el desarrollo de una ideología municipalista. (In: FERREIRA, 2006, p. 11)
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Tendo esclarecido o modo com que a paisagem será tratada neste trabalho, passamos então para expressar a sua relação com o conceito de urbanidade. Isso será feito a partir do questionamento acerca da sua real definição, visto que “há um grande número de municípios que não se pode dizer se é urbano ou rural. São municípios que estão no meio do caminho” (VEIGA, 2003). A definição da zona urbana é feita pela lei federal nº 5.172, a partir dos seguintes critérios: o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 02 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo poder público: I – meio fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotamento sanitário; IV – rede de iluminação pública com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. (BRASIL, Lei 5.172, 25 de outubro de 1966)
caracterizada por construções, arruamentos e intensa ocupação humana; áreas afetadas por ocupações decorrentes do desenvolvimento urbano, e aquelas reservadas à expansão urbana (IBGE, 1999). Estimando-se através desses critérios, o Brasil é quase totalmente urbano, enquanto se percebe – mesmo visualmente – que a realidade é outra. No contexto e que nos encontramos, as transformações serão observadas na sede municipal, portanto, em ambiente urbano, embora neste espaço estejam presentes as paisagens rural, natural e urbana. Entre tantos questionamentos acerca do real conceito de urbano, a urbanidade se mostra como matéria amorfa, baseada essencialmente no modo de vida urbano, extrapolando-se das definições de urbano enquanto simplesmente espaço. “A urbanidade poderia ser definida como saber fazer a cidade e saber viver na cidade; ele ultrapassa o conceito de urbanismo na medida em que procede de uma civilidade, favorece a emergência de um novo sentido cívico” (SOUZA, 1992,). O conceito de urbanidade poderia ser desdobrado até a sua etimologia, mas aqui cabe apenas dizer que semanticamente urbano e urbanidade tomaram rumos distintos. Urbano assumiu uma conotação mais próxima do concreto, do real, do físico. Assim, temos espaço urbano, leis urbanas, planejamento urbano, transportes urbanos e tantas outras expressões que aproximam o urbano do palpável, do material. A urbanidade tomou antes uma conotação abstrata, figurada, imaterial, a qualidade positiva de um tratamento digno, afável e prazeroso, próprio de quem habita a cidade, opondo-se aos modos rudes do habitante do campo. (KREBS, 2002, p. 24)
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Segundo o IBGE, é considerada área urbanizada toda área de vila ou de cidade legalmente definida como urbana e
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A pesquisa em questão, no entanto, busca um entendimento do processo de desenvolvimento urbano – tanto espacial quanto social – com base em uma expressão visual da morfologia da Cidade, encontrada claramente na paisagem local. Em vista disto, é fato reconhecer que se trata de um ambiente legalmente urbano, mas com traços rurais e grande expressão natural, onde se desenvolve uma sociedade fundamentada nos aspectos de urbanidade. Ainda que, historicamente, “tanto no caso da polis grega como da civitas romana o conceito de cidade não dizia respeito à dimensão espacial da cidade, mas à sua dimensão política” (KREBS, 2002, p.21), atualmente percebe-se que não há como separar a cidade social da cidade territorial. Alguns pesquisadores, como Frederico de Holanda, defendem “que sociedade e espaço são conceitos inseparáveis, porque ao falarmos de sociedade, necessariamente falamos na forma de sua realização, e quando falamos em espaço, tratamos de como ele é moldado para atender às demandas sociais” (2003). Isto inclusive justifica a proposta em se
conceito de urbanidade pressupõe uma realidade espacial, embora, não se refira a ela, mas ao campo abstrato das relações As questões de urbanidade referem-se ao espaço como uma dimensão social, bem como a emoções, casualidade e oportunidade, complexidade e diferença, irresolubilidade existencial de importantes contradições, e pensamento em cadeia versus pensamento linear e hierárquico. A urbanidade refere-se a átomos e a bits, a matéria e informação. Ela refere-se a relações e relações são difíceis de serem pensadas porque elas não estão nas coisas que elas relacionam e nem em qualquer ponto entre elas” (KREBS, 2002, p.28)
A urbanidade, aqui trabalhada é encontrada intrinsecamente no conceito de paisagem urbana. Ambas, embora certamente remetam à grande cidade e sejam tratadas quase sempre no sentido desta, podem ser encontradas nas cidades de pequeno porte – como São Miguel do Gostoso – ainda mais quando da evidência de intensa transformação dos usos e valores, aumento da diversidade tipológica e surgimento de novas classes sociais. A geógrafa Ana Fani Carlos salienta o caráter momentâneo da paisagem da cidade grande, que se transforma continuamente, bem como a possibilidade de apreensão da história a partir da imagem dos elementos que permanecem apesar das transformações urbanas. “A paisagem não é só produto da história como também reproduz a história. (...) Sob esta aparência estática se esconde todo o dinamismo do processo de existência da paisagem”. A autora revela ainda a presença dos diversos atores na produção da cidade e a segregação da paisagem urbana em decorrência da disparidade e desigualdade entre esses atores sociais.
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trabalhar com o estudo da paisagem com o intuito de fazer uma investigação histórico-social de uma territorialidade. O próprio
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A paisagem geográfica revela, assim, os antagonismos e as contradições inerentes ao processo de produção do espaço num determinado momento histórico. E a inter-relação entre os fatores físicos e os sociais será a expressão material da unidade contraditória de relações entre a sociedade e a natureza, seja esta primeira ou já transformada. (CARLOS, 1997)
Ao se pensar em sociedade, cabe agora definir as classes de atores sociais a serem trabalhadas na cidade estudada. Sabe-se que uma cidade também tem como característica a presença de grupos sociais que compõem a sociedade local – conselhos comunitários, pastorais religiosas, associações de moradores, administração pública – formados por agentes sociais que atuam no ambiente urbano de muitas formas. Inicialmente, pode-se perceber a existência dos seguintes tipos de agentes: os moradores nativos, os moradores temporários ou veranistas e os atores relacionados ao turismo – turistas e investidores. Embora algumas categorias clássicas estejam, de uma forma ou de outra, enquadradas em um desses quatro grupos. Para efeito deste trabalho, os moradores nativos são definidos como aqueles que nasceram no município e/ou têm lá sua
Dentro desta categoria são encontradas as pessoas envolvidas com associações de moradores, atividades pastorais, grupos de mães ou de jovens e até mesmo com a política local. Diferem dos veranistas principalmente por estes se estabelecerem na localidade apenas em algumas épocas do ano, geralmente no verão, para usufruírem uma realidade espacial alheia àquela com a qual são acostumados na cidade grande – onde têm sua residência fixa, seu trabalho e sua vizinhança. Eles têm em São Miguel do Gostoso a sua segunda moradia. Esta é a categoria com maior possibilidade de abranger pessoas com características de moradia bem diferentes; umas com longa permanência e até relações estáveis de vizinhança, outras com permanência curtíssima e alheias à sociedade local; mas isto se confirmará ou não no decorrer da pesquisa. Os turistas, por sua vez, não estão associados ao conceito de moradia, estão sempre de passagem – tanto que no próprio símbolo apresenta uma mochila (figura 8) – por um curto período (no máximo uma semana) e, geralmente não adquirem nenhum patrimônio imobiliário, utilizando-se do que é produzido exclusivamente para possibilitar a sua visita – hotéis, pousadas, restaurantes. A implantação de tais equipamentos turísticos envolve o quarto grupo de atores sociais, o dos investidores. Estes, muitas vezes são, inicialmente, turistas que, visam avaliar o potencial turístico de
Figura 8: Símbolo de turista Fonte: .wikipedia.org/wiki/Turismo
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residência fixa há um período superior a cinco anos, bem como o seu trabalho, estabelecendo relações duradouras de vizinhança.
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determinada localidade, para então passar a atuar/ investir no seu espaço com a implantação de algum equipamento. A atividade turística também está associada à procura por uma realidade espacial diferente da cotidiana. Segundo a revista eletrônica Turismo, “criou-se a necessidade de se abster de tal neurose urbana, a procura de uma ‘fuga’ do cotidiano caótico das cidades em busca de uma paisagem paradisíaca ou bucólica” (DUTRA, 2003). Como isto também diz respeito aos veranistas, a principal distinção entre esses dois grupos é o caráter de residência atribuído à casa-de-veraneio, bem como a probabilidade de retorno do veranista devido a existência desse bem, o que não ocorre com o turista. Uma definição mais técnica de turista: é aquele indivíduo que viaja para local diferente do qual more ou tenha propriedade, seja a passeio, negócio, religião o qualquer outra atividade que não a econômica, por um tempo inferior a 360 dias (DUTRA, 2003). No nosso caso, podemos reduzir este tempo ao inferior a 30 dias.
da cidade, podemos buscar conhecê-los a partir da sua forma de participar desta transformação, e da sua maneira de valorizar a paisagem em questão. A forma de apreensão e a valorização da paisagem de uma localidade, bem como a sua transformação por parte dos seus usuários varia também função da época em que ocorre. No que diz respeito à formação de uma cidade, se torna necessária uma delimitação cronológica. O recorte temporal mais adequado ao nosso caso é aquele que engloba os dez últimos anos – de 1997 a 2007, período em que a Cidade passou a apresentar uma consciência mais municipalista, em decorrência da própria emancipação, e uma certa preocupação com o seu crescimento e a possibilidade de investimentos turísticos se intensificarem na região. O que se pode observar desde já, inclusive com base na definição de atividade turística, é a valorização crescente das características próprias da paisagem de determinado lugar – uma espécie de identidade – por parte de uma visão alheia àquela realidade. Alheia à primeira vista, já que tal visão pertence a um grupo que não participou (diretamente) da formação da paisagem encontrada. Há de salientar aqui que um turista normalmente não viaja um sem-número de quilômetros para encontrar uma realidade que se assemelhe ao seu cotidiano. Segundo Lynch “uma cidade deve ter, ao mesmo tempo, uma estrutura óbvia, que possa ser imediatamente apreendida, e uma estrutura potencial, que nos permita criar, aos poucos, uma imagem mais complexa e abrangente.” (LYNCH, 1997, p.181-182). Podemos, para este Trabalho Final de Graduação, considerar esta “estrutura potencial” referida por Lynch, como a referida
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Tendo por base a conceituação desses quatro tipos de atores sociais que, direta ou indiretamente transformam a paisagem
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identidade da cidade; uma identidade sócio-ambiental do seu espaço/território/paisagem. Esta, aos poucos vai se tornando clara e identificável dentro do acervo de imagens encontrado no ponto de vista de cada grupo de agentes. A construção de uma identidade deve estar associada à percepção de uma imagem urbana do município, própria dos seus moradores e usuários. Deve-se levar em consideração que a identidade de uma localidade para um transeunte pode não se dar da mesma forma que para um morador. Pode haver, por exemplo de o turista construir a imagem da Cidade a partir da publicidade desta, o que muitas vezes acarreta na não confirmação das suas expectativas, ou mesmo um não entendimento dos processos sócio-econômicos que envolvem o espaço urbano. Ainda assim, esta imagem deve considerada se há a intenção de propostas urbanísticas, sejam elas físicas ou de diretrizes para a ocupação e uso do solo da cidade, mas que visem contribuir para a consolidação desta imagem.
como de suas inter-relações, será possível criar um ambiente capaz de satisfazer a todos” (LYNCH, 1997, p. 181). Sabe-se, porém, que a presença de certos grupos ou mesmo a sua força de atuação varia em cada momento histórico. Desta forma, o trabalho analisa o produto da atuação daqueles grupos, encontrado no momento presente, mas sempre levando em consideração os processos históricos, observando as constantes mudanças no cenário urbano, com vistas para as possíveis transformações futuras. Cabe agora citar o que Ana Fani (1997) descreveu em relação às transformações ocorridas nas cidades de médio porte, percebendo-se que se aplica, no entanto, ao município de São Miguel do Gostoso: O desenvolvimento das forças produtivas produz mudanças constantes e com elas, a modificação do espaço urbano. Estas mudanças são hoje cada vez mais rápidas e profundas, gerando novas formas e configurações espaciais, novo ritmo de vida, novo relacionamento entre as pessoas, novos valores. (CARLOS, 1997)
A paisagem é o resultado de diversos processos: sociais, físicos, ambientais, políticos, econômicos e outros, ela não é um produto fixo, e representa visualmente a história recente de uma determinada localidade, bem como a influência de idéias e valores que interferem na configuração espacial e no modo de vida “urbano”. Daí a proposta em se trabalhar com base em três eixos temáticos: social, físico-espacial e político-administrativo que serão levados em consideração na escolha e aplicação dos procedimentos metodológicos, notadamente o eixo físico-ambiental, tema mais explorado pela presente pesquisa.
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“As cidades são o habitat de muitos grupos, e só com uma compreensão diferenciada de imagens grupais e individuais, bem
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1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O próprio embasamento teórico já é parte dos procedimentos metodológicos para o desenvolvimento da pesquisa. Além deste, os demais procedimentos para alcançar os objetivos da pesquisa são bastante simples, embora bastante diversificados. Um procedimento bastante usual em se tratando de cidade e sociedade e a aplicação de entrevistas/ questionários. Assim, a pesquisa busca junto aos quatro atores sociais anteriormente descritos os seus valores paisagísticos, ainda que tais valores venham a apresentar-se de maneira subjetiva ou já tenham sido influenciados uns pelos outros. O número de entrevistados não obedece ao resultado de nenhum cálculo, portanto, não se constitui uma amostra, porque, infelizmente, teria sido difícil defini-la quantitativamente, visto a ausência de dados oficiais e, principalmente pela escassez de tempo disponível para esta pesquisa. As entrevistas são feitas informalmente com base em um questionário elaborado junto ao departamento de estatística (apêndice 1),
anseios/ sugestões com relação ao ambiente urbano – mas também como forma de iniciar uma conversa mais reveladora da realidade local. Isto pode ser complementado com a própria observação do modo como as pessoas produzem e utilizam o espaço do seu entorno imediato, ou seja, a sua própria residência e ambientes afins, como a rua que, em muitos casos, principalmente de cidades pequenas, é a extensão da casa. Para isto, foram feitas várias visitas à Cidade assim como foram feitos levantamentos fotográficos no local. Tal observação e análise caracterizam o estudo da morfologia urbana. O levantamento da história oral, como também o diagnóstico urbano de São Miguel do Gostoso foram feitos no ano de 1997 por uma equipe de estudantes pesquisadores em arquitetura e urbanismo coordenada pela professora Ângela Ferreira. O material coletado naquele ano, como já foi dito, resultou em um livro (não-publicado) de nome A Comunidade Constrói sua História: experiência de assessoria à comunidade de São Miguel do Gostoso. É neste diagnóstico que o trabalho se baseia, visto o período em que foi elaborado; ano da sua primeira regência municipal, poucos anos depois da emancipação política (1993), quando o turismo ainda não tinha a força e a expressão que passou a ter a partir de 2000, como veremos posteriormente. O livro foi o principal subsídio para que haja a comparação: São Miguel do Gostoso antes e durante o processo de transformação intensa da paisagem.
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mas não se detendo apenas às questões contidas nele – basicamente para avaliar o gosto pela paisagem, as insatisfações e os
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Além dele, a caracterização da cidade de outrora e as suas mudanças principais também podem ser encontradas em documentos que relatem ou retratem a conformação espacial da cidade em diversos momentos, assim, foram coletados documentos que vão desde certidões, escrituras, até mapas, fotografias e outros. Ao obter paralelamente tanto as impressões da população a respeito da paisagem quanto dados sobre a e morfologia urbana e sobre a história já registrada anteriormente pelo próprio município ou por órgão afins – institutos e universidades – é hora de relacionar dos dados coletados de modo a perceber a identidade sócio-ambiental do espaço que permanece e pode perdurar. Somente com base em um conhecimento profundo da realidade sócio-espacial de uma localidade é que se podem propor tanto diretrizes para a melhor forma de expansão do seu território, quanto a própria intervenção física no sentido de promover a qualidade de uma paisagem urbana diferenciada e identificável – enquanto espaço social – condizente com as diversas classes da
Uma cidade deve olhar a si mesma, descobrir sua morfologia, reconhecer a diversidade de seus bairros, perceber sua arquitetura e seus ambientes naturais. A cidade precisa, antes de tudo, descobrir sua identidade, para a partir daí definir o que pode ou não alterar sua paisagem urbana. (BASTOS, 2002, site)
Para o desenvolvimento sistemático do trabalho, também foram buscados técnicas e métodos junto a outras áreas de atuação, que não a arquitetura e urbanismo, além da conceituação anteriormente vista. Por tratar das paisagens rural, natural e urbana e sua transformação, o estudo engloba conceitos muitas vezes trabalhados pela geografia, biologia e sociologia. Um exemplo encontrado foi o de uma tese de doutorado em geografia de Ademir Fernando Morelli intitulada
Identificação e Transformação das
Unidades da Paisagem no Município de São José dos Campos (SP) De 1500 A 2000, que aborda temas muito semelhantes àqueles a serem trabalhados nesta pesquisa de conclusão de curso. Apesar deste autor também tratar de alguns aspectos conceituais importantes, ele está sendo tratado aqui por causa das considerações metodológicas que ele fez e que são relevantes para este Trabalho Final de Graduação. È interessante notar a Ecologia da Paisagem, um dos elementos norteadores da metodologia proposta para a tese de Morelli, que apesar de ser um instrumento de trabalho quase essencialmente da geografia e da ecologia, se faz muito útil a sua observação na pesquisa referente a este Trabalho final de Graduação, visto que a sua conceituação aborda a influência do homem sobre a paisagem e a gestão do território.
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população estudada, seu modo de vida e seus anseios.
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Um outro ponto que se assemelha à tese sobrescrita é a intenção em apresentar a paisagem enquanto um documento histórico e investigar a história da paisagem local. Inclusive as etapas encontradas naquela metodologia auxiliam na proposta mais adequada à pesquisa em questão. São elas: 1) a caracterização da estrutura da paisagem; 2) a avaliação da transformação e 3) a periodização e modelagem do processo de transformação. Percebe-se, portanto, que estes itens condizem com os objetivos deste trabalho, como tudo o que foi especificado até então. Eles serão levados em consideração também devido à necessidade de criação de etapas que delimitem o avanço do trabalho e proporcionem a organização esquemática e clareza na busca dos objetivos. No que diz respeito às Unidades de Paisagem, o mesmo termo foi encontrado na metodologia proposta pelo Projeto Orla. Tal metodologia se mostra bastante adequada ao estudo proposto, já que visa trabalhar não só com caracterização da paisagem, mas
Pelo fato do trabalho não tratar somente de áreas de orla propriamente dita, com característica de orla, unidades de paisagem deverão ser identificadas também como forma de salientar a diversidade de paisagens e morfologias próprias de realidades sócio-espaciais predeterminadas ou pré-conceituadas, como rural, litorânea-natural, litorânea-urbanizada, urbana, ou mesmo aquelas referentes aos grupos da população, as mais conhecidas de cada um. Associa-se às metodologias anteriores uma conceituação e uma proposta metodológica já conhecida e direcionada dos estudos da arquitetura e do urbanismo. Kevin Lynch apresenta uma metodologia que gira em torno da observação do ambiente urbano (LYNCH, 1997). Os conceitos e observações apresentados por Lynch serão levados em conta do início ao fim do trabalho, tomando por base a construção de uma imagem da cidade a partir da visão e dos usos atribuídos a diversos grupos. Essa observação deve avaliar as seguintes qualidades: legibilidade, a imagem construída (percepção e assimilação da imagem), estrutura e identidade, e imaginabilidade. Unindo-se os procedimentos metodológicos citados acima, podemos adequar as qualidades consideradas por Lynch às etapas utilizadas por Morelli, de uma maneira condizente com os objetivos da pesquisa. Este método de análise será explorado no tocante ao eixo temático que trata dos aspectos físico-ambientais; o eixo mais relevante do trabalho. Primeiramente, nos capítulos dois e três – A Cidade de Outrora e A Cidade de Agora, respectivamente – os aspectos físico-ambientais serão analisados a partir das seguintes etapas:
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também de modo a fornecer subsídios e conclusões para a gestão das futuras transformações do espaço urbano.
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1) a caracterização da estrutura da paisagem engloba dois aspectos importantes: a legibilidade, que está diretamente associada às unidades de Paisagem a serem delimitadas; e a imagem construída; que pode se traduzir ainda no reconhecimento do objeto tanto por parte do pesquisador quanto dos agentes sociais – a construção da imagem se dá através da produção visual (fotografias, croquis e mapas) e do contato com os moradores. 2) a percepção e participação dos moradores (um item a mais), associa-se à imaginabilidade e tem por objetivo ressaltar as características paisagísticas da Cidade que predominam na imaginação e no gosto da população, bem como observar o modo com que os atores sociais produzem e utilizam o espaço urbano, com ênfase para a edificação e o seu entorno. Posteriormente, o capítulo cinco – A Cidade em Transformação – apresenta a transformação em si e, por isto retoma as situações relatadas e analisas nos capítulos anteriores, de uma forma comparativa. Então, a análise do eixo físico-ambiental para
3) a periodização e modelagem do processo de transformação são as considerações a respeito das causas e conseqüências da transformação, a divisão por períodos com base no tipo de transformação ocorrida e dos atores sociais encontrados, em que área ocorreu ou ocorre com mais intensidade e a que se devem estes fatos; 4) a avaliação da transformação está relacionada ao item estrutura e identidade proposto por Lynch, onde se observa de um modo geral quais transformações ocorrem e/ou intensificaram-se no decorrer da história e a sua relação com a realidade local encontrada – em que sentido a cidade se desenvolveu e como isto resultou na construção de uma identidade sócio-cultural do espaço ou identidade sócio-ambiental da Cidade. O diagnóstico, que resulta desta análises, é importante quando se discute acerca de uma possível organização do crescimento urbano de São Miguel do Gostoso, de modo que esta se configure em “uma cidade altamente ‘imaginável’ (...), bem formada, distinta, digna de nota; convidaria o olho e o ouvido a uma atenção e participação maiores”, segundo o próprio Lynch. Ele também afirma que A constante reconstrução da cidade traz consigo um problema afim: o ajustamento da imagem à transformação exterior. À medida que o nosso habitat fica mais fluido e mutável, torna-se crucial saber como manter a continuidade da imagem (identidade) através dessas perturbações. (LYNCH, 1997)
Tendo visto o modo com que o processo de urbanização vem atuando na construção de uma identidade sócio-cultural do espaço, bem como no modo de vida da população de São Miguel do Gostoso (a questão problema), a pesquisa alcançará uma outra
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este capítulo se desenvolverá unindo-se mais duas etapas:
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questão: de que maneira toda esta análise é ou pode ser levada em consideração quando da atuação do Poder Público, com ênfase para a elaboração do Plano Diretor (em andamento). No entanto, neste primeiro capítulo, não cabem análises, apenas subsídios para que o trabalho se desenvolva de maneira coerente e organizada. Para tanto, as técnicas de trabalho para este TFG são: 1. PESQUISA BIBLIOGRÁFICA: Conceituação dos assuntos afins; com base em uma busca bibliográfica que venha a somar e esclarecer os termos usados no texto, bem como o uso dos métodos previstos. 2. LEVANTAMENTO DE DADOS E IMAGENS: a) Contextualização da paisagem a ser estudada; Levantamento de dados que contextualize o município em questão tanto
surgimento e evolução de São Miguel do Gostoso; dados sociais atuais (população residente e temporária; locais e hábitos de moradia; padrões sócio-econômicos e culturais dos diferentes atores; suas formas de apreensão do espaço da localidade); dados econômicos (principais atividades econômicas do município); dados físico-espaciais sobre a cidade (mapas da cidade em diversas épocas, tipologias e características das construções, em particular da habitação, zoneamento urbano “espontâneo”). b) Aplicação de questionários junto aos quatro atores sociais pertinentes ao estudo, de modo a se obter dados intrínsecos a cada uma (preferências por paisagens, anseios/ necessidades espaciais, participação na configuração urbana física e social, etc.) b) Leitura e levantamento fotográfico das unidades de paisagem observadas; baseando-se nos dados levantados na bibliografia, buscar as imagens que auxiliem na compreensão e constatação dos assuntos estudados. A escolha dessas imagens deve ser feita levando em consideração as indicações e preferências dos moradores e/ou usuários locais. 3. ANÁLISE E CRUZAMENTO DOS DADOS COLETADOS: a) Análise integrada dos dados levantados; Analisar os dados coletados comparando-os entre si, discutindo com o orientador e tentando compreendê-los à luz da problemática e dos objetivos propostos. Analisar as transformações pelas quais a cidade passou, aquelas que estão acontecendo no momento atual, e o que isto implicará futuramente. b) Pertinência de propostas urbanísticas, sejam elas físicas ou teóricas (no sentido da ordenação do crescimento), do pondo de vista da percepção (usuários) e da manutenção da paisagem;
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historicamente quanto geograficamente, de maneira a explicitar o processo de conformação da paisagem atual: dados históricos:
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4. REDAÇÃO FINAL DO TRABALHO. a) Conteúdo integrado contendo o resultado final das análises; considerações finais a respeito do tema e dos objetivos; c) Diagnóstico de uma eventual identidade sócio-ambiental da Cidade de São Miguel do Gostoso em paralelo com o Poder Público,
enquanto
variável
interveniente
que
poderá
atuar
de
maneira
a
afirmar
e
valorizar
tal
identidade.
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CAPÍTULO 2
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2. A Cidade de Outrora A DESCOBERTA DE UM POTENCIAL URBANO No final do séc XIX, época que corresponde ao início do processo de modernização das cidades, a cidade passa a ser vista como o melhor lugar para se viver, ainda que as primeiras cidades fossem apenas pólos onde prevalecia a lógica mercantil e o Brasil rural fosse considerado o verdadeiro Brasil, onde a sociedade vivia e se desenvolvia. Já havia nesta época a busca por uma identidade cultural puramente brasileira e “a verdadeira identidade cultural era vista como vinda do campo, forjada ali onde o cosmopolitismo e as idéias exógenas não haviam ainda conspurcado a alma nacional” (PECHMAN, 1996, p. 342). Desde então, percebe-se que a modernização das cidades é feita por agentes dominantes, que acabam por se constituírem
associação é ainda mais salientada com o advento da industrialização, que tornou os centros urbanos locais ainda mais atrativos, tendo em vista a promessa de emprego e acesso a uma vida socialmente favorecida. As formas de modernização que tanto atraíam a população rural para o ambiente urbano, iniciadas de modo incipiente ainda em meados do século XIX, eram aquelas propostas pelas classes dominantes, em benefício próprio. Neste período, se pensava em atrair investimentos para a cidade, no sentido de torná-la em si, objeto de lucro. Para tanto, era necessário estimular a formação de empresas que trabalhassem com infra-estrutura urbana (água, luz, transporte, esgoto, etc.) possibilitando, assim o permanente funcionamento da cidade, atraindo capitais os mais longínquos. Nesses núcleos, a elite comerciante já atuava fortemente na transformação da paisagem em detrimento dos aspectos naturais, para sobressaltar a cidade edificada. Este processo de transformações é bastante condizente com o entendimento de modernização visto anteriormente, o qual vale a pena retomar, segundo a definição de Horacio Capel, onde Modernización tiene que ver evidentemente, com modernidad y, sobre todo, com moderno, algo a su vez íntimamente ligado a la Idea de progresso. “Moderno” expresa la aceptación de que la sociedad puede mejorar y superarse, siempre respecto a otro estadio anterior que se considera de menor perfección. (…) En la versión más común de la sociología norteamericana, la modernización se ha entendido como “el proceso de cambio social por el cual las sociedades menos desarrolladas adquieren características comunes a las más desarrolladas”. (In: FERREIRA, 2006, p.9)
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nas elites urbanas. A partir daí, passou-se a relacionar o ambiente rural ao trabalho escravo e, portanto, à pobreza. Essa
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Esse processo, ao qual se refere Capel, pressupõe a transformação do espaço dito “menos desenvolvido” afim que de este adquira cada vez mais aspectos de urbanidade (tanto física quanto social), para que tal espaço possa dar suporte à nova sociedade dita “mais desenvolvida”, de modo a promover a sua ascensão. O processo de formação das grandes cidades de hoje é quase que reproduzido nas cidades de menor porte; agora aquelas são os modelos a serem seguidos por estas. Trata-se de uma influência cultural, social e econômica que acaba por refletir-se na nova organização do espaço das pequenas cidades, que adotam os padrões qualitativos da cidade grande e incorporam elementos estruturais particulares a ela, embora apareçam em menor porte e de maneira simplificada. Tal necessidade de urbanização é mais bem entendida quando estudamos as mudanças pelas quais o ambiente natural e rural está passando a nível nacional, sempre em relação ao ambiente urbano. O novo conceito do rural tem sido objeto de estudo
(...) nos principais centros urbanos do país vive-se uma situação de crise, marcada por um forte aumento da violência e do desemprego, além das péssimas condições de saúde, educação e habitação enfrentadas por grande parte de seus moradores. O intenso processo de êxodo rural verificado na segunda metade do século XX, responsável pelo alto grau de urbanização alcançado por nossa população, encontra-se hoje em fase de desaceleração, tornando-se cada vez mais significativa a migração entre pequenos municípios rurais e o movimento cidade-campo. (MARQUES, 2002, p. 96-97)
O próprio movimento cidade-campo, ao qual se refere a autora, ocasiona no “transporte” de novos valores e novas necessidades para as cidades de menor porte ou mesmo para o meio rural. Este, por sua vez tende a adaptar-se à nova realidade e à nova população. Empiricamente, observam-se no contexto das cidades do interior do Nordeste, especialmente do Rio Grande do Norte, que a distinção entre o rural e o urbano, principalmente no que diz respeito à paisagem, não se dá de maneira clara. Tal distinção só acontece claramente quando comparados ambientes com características extremas; como uma fazenda e um espaço tipicamente urbano – aquele que já se afastou o suficiente do modo de vida rural a ponto de “desacostumar-se” das suas tradições e paisagens. A dificuldade de distinguir o que é “urbano” do que é “rural” é comum, especialmente no espaço urbano das pequenas localidades, uma vez que nelas há a permanência da paisagem rural e dos seus valores através, por exemplo, da presença de atividades tipicamente rurais como a agricultura e a pecuária.
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de diversas áreas das ciências sociais. Entre diversas considerações, a geógrafa Marta Inez Medeiros Marques salienta que:
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Este processo é observado em algumas cidades potiguares. No caso da pequena cidade litorânea de São Miguel do Gostoso, percebe-se o reconhecimento de uma identidade sócio-ambiental por parte dos habitantes locais, da qual não somente eles têm plena consciência, mas, e sobretudo, é do gosto destes. Por outro lado, a mídia nacional vem fazendo com que a cidade seja cada vez mais procurada pelos turistas que buscam natureza e tranqüilidade. Não só por visitantes, mas também por algumas pessoas que conhecem o município e acabam por mudar-se para lá, abrindo um negócio ou, no mínimo adquirindo uma casa de veraneio, uma tipologia própria de moradia que tem aspectos diferentes da original, relativa à população permanente. Baseando-se em Ana Fani Carlos, que afirma que “a vida das pessoas se modifica com a mesma rapidez com que se reproduz a cidade” (CARLOS, 1997, p. 24), este trabalho estuda o modo com que a paisagem e o modo de vida da população de São Miguel do Gostoso se modificam em função da sua urbanização, em particular as transformações urbanas ocorridas no espaço da
Transversalmente a estes sub-temas está a formação da consciência de urbano na sociedade local. Já que o estudo trata de um processo, cabe apresentar o intervalo cronológico no qual ele se deterá: está compreendido entre dois momentos, o primeiro marca o início das grandes transformações urbanas na localidade, com a sua primeira gestão municipal, em 1997; e o outro é o período da elaboração do Plano Diretor Municipal, ou seja, o ano atual – 2007 – quando as transformações estão acontecendo ainda mais rapidamente, motivadas principalmente pelo desenvolvimento da atividade turística. Este capítulo dedicado ao ano inicial da pesquisa, 1997. No seguinte, serão analisadas as transformações envolvidas nos dez anos de gestão, até o momento atual.
2.1 A SOCIEDADE LOCAL De acordo com o que foi dito, cabe notar que tal objeto de estudo só se apresenta inteiramente a partir do momento em que é observada a intensificação das transformações urbanas na Cidade. A implantação da primeira pousada – A Pousada do Gostoso – se deu no ano de 1990, quando a cidade ainda era um distrito pertencente ao município vizinho de Touros. Até o ano inicial da nossa pesquisa, 1997, a Cidade ainda era um local muito pacato, sem um fluxo intenso de pessoas oriundas de outras localidades, seja para se estabelecer de forma permanente, seja apenas para visitá-la.
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cidade a partir do advento de novos valores – trazidos por novos habitantes – e da intensificação da atividade turística.
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Segundo Ferreira (1997) o motivo pelo qual se iniciou o assentamento de famílias na localidade foi a necessidade de um lugar ideal para o desenvolvimento da prática da pesca; a riqueza do local logo atraiu mais e mais trabalhadores, tornando o que antes era inabitado, agora uma vila de pescadores. Neste momento vê-se que não há uma intenção formal de aglomeração de pessoas nem uma estrutura capaz de atrair indivíduos ou possibilitar novas relações com o lugar. Construía-se para o abrigo e no local, de modo mais conveniente à realização das atividades pesqueiras. Talvez daí origine essa disposição das casas voltadas para o interior da costa, sem nenhum apelo estético com a paisagem: o mar era o local de trabalho e o quintal das casas voltado para ele facilitava o manuseio dos materiais de pesca. (FERREIRA, 1997, p.27).
Segundo o livro supracitado, o nome do município foi dado antes de ser considerado povoado de fato. Fala-se da existência de um certo mascate, contador de causos, que sempre aparecia pela vila e causava um certo “rebuliço” com as suas anedotas,
referiam ao local onde ele se instalava como sendo “lá em seu Gostoso”. Como aquela região da orla ainda não tinha recebido uma denominação própria, passou a ser a praia do gostoso. A adoção de um padroeiro para a comunidade ocasionou no seu nome oficial, que instituiu a criação do povoado. Ele foi dado em 29 de setembro de 1884, dia de São Miguel, quando o frei João do Amor Divino batizou o lugar de São Miguel do Gostoso, com a fixação de um cruzeiro para marcar a data. Exatamente 15 anos mais tarde, o Sr. Miguel Félix inaugurou a capela de São Miguel, o santo padroeiro do povoado, reafirmando o nome do mesmo. De fato, “a Praia do Gostoso é Brasil e, dentro da cultura brasileira, a religiosidade extravasa o peito e canta alto; o povo de fé imensa necessita da proteção de um santo, de um padroeiro”.(FERREIRA, 1997, p.18). Embora a implantação da igreja, em 1899, tenha impulsionado a conformação da cidade atual, até meados do século XX o povoado se desenvolvia sem contar sequer com um comércio local permanente. Com a implantação de um pequeno mercado, no começo desse século, a população passou a ter mais segurança em se instalar na localidade. Somente a partir da segunda metade desse século, impulsionado pela migração de agricultores do interior para o litoral, em busca de uma nova alternativa econômica, em decorrência da seca, e da conseqüente necessidade de equipamentos urbanos na localidade, é que o povoado começa a adquirir traços de cidade. Dentre esses equipamentos, a escola é o primeiro indício da formação de uma sociedade que pretende crescer no local.
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estórias e seu jeito extrovertido de contá-las. Por ser conhecido pelo apelido de “Seu Gostoso”, as pessoas da redondeza sempre se
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A primeira escola – Escola Municipal Coronel Zuza Torres – foi fundada em 1973, mas a sua estrutura não contava com nada mais além de uma sala com quadro negro e cadeiras. Somente em 1978, a cidade teve um prédio construído para este fim na Avenida dos Arrecifes (figura 9). Com o crescimento da população, houve a necessidade de ampliação desta estrutura e em 1987, São Miguel do Gostoso teve a sua primeira escola de primeiro grau completo. (ARAGÃO, 2001). Outro prédio institucional notável implantado na Cidade nesta mesma década, mais precisamente em 1983, foi o Posto de Saúde, com três salas e um banheiro. Ele
Dourados e, portanto muito próximo das outras duas instituições: a Escola e a Igreja
Figura 9: Escola Cel. Zuza Torres Fonte: FERREIRA, 1997.
(figura 10). Em 1997, ano do levantamento, o uso institucional se mostrava bastante deficiente. Dos prédios destinados a este uso, apenas duas escolas (uma estadual, outra municipal), sem espaço para os alunos cursarem o 2º grau; uma creche; um posto da TELERN; um posto de saúde; um cemitério e a Igreja católica foram construídos especificamente para tais funções. As demais instituições presentes na Cidade, notadamente a própria administração municipal, funcionavam em edificações adaptadas, além de uma casa voltada para o pagamento de contas de água e outras casas que se transformaram em igrejas evangélicas. Diante da ocorrência de algumas brigas nos bares da Cidade e do boato de um estupro, os moradores se reuniram para reivindicar a construção de uma delegacia de Polícia em São Miguel do Gostoso, embora fosse uma cidade pequena e sem muitas ocorrências de crimes maiores.
Figura 10: Escola, Igreja e Posto de Saúde no mapa Fonte: Elaboração própria
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também se localiza na Avenida dos Arrecifes, muito próximo ao cruzamento com a rua do
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A comunidade local, numa demonstração de união tão característica do lugar, se reuniu e resolveu que junta poderia, em forma de mutirão, e com a doação de uma pequena parte do material por parte dos comerciantes, dar início à construção do prédio que todos almejavam. (ARAGÃO, 2001, p.64)
Além de estrutura física, o uso institucional carecia de pessoal qualificado, como professores e enfermeiros, no caso da escola e do posto de saúde respectivamente. Isto ocasionou na chegada de pessoas interessadas em outro tipo de trabalho, o institucional. Nesta época, a administração pública realizou muitos contratos de pessoas que pudessem contribuir para o desenvolvimento social do Município, inclusive no tocante ao próprio planejamento urbano, como ocorreu com André Luiz Gomes, um aluno que participou da Assessoria prestada em 1997 e veio a trabalhar no Departamento de Obras e Urbanismo da Cidade. entre tantos outros, especialmente da área da Saúde e Educação. Além do uso institucional, é válido observar os usos empregados às edificações que compunham o espaço urbano de São
edificações de usos bastante simples. A maior parte delas ainda se constituía de residências, e grande parte destas de pescadores, onde também se notava a atividade intensa do tecer das redes de pesca. Com o tempo, percebe-se que as possibilidades de se viver naquele local envolvem outras atividades, acabando por dividir a população que não parava de crescer. Isto demonstra que o modo de vida e a economia daquela população tendia a diversificar-se. O turismo já é salientado em 1997, neste ponto, por abrir um leque de novas possibilidades de uso do solo. Já se percebia o surgimento de edificações voltadas para o comércio e os serviços. No primeiro caso, o mais característico era a ampliação da residência para a abertura de pequenas mercearias – onde se vende de tudo um pouco – o que caracteriza o uso misto, possibilitando que ficassem sempre entre outras residências. O uso misto também é encontrado conciliando-se serviços com moradia, no caso de bares, lanchonetes, serviço de cabeleireiros, etc. sempre na parte da frente da casa. Apesar de não haver, uma zona urbana destinada exclusivamente às atividades de comércio e/ou serviço. Estes eram encontrados em vários pontos da Cidade. Havia, portanto, uma grande variedade de comércios e serviços que utilizavam a edificação apenas para fins comerciais: (...) mercearias, bares, barbearia, lanchonete, fotografia, armazém, farmácia, padaria, supermercado (ainda não inaugurado), mercadinhos, curso de datilografia, armazém de gás BUTANO, oficina mecânica, frigorífico, loja de material de construção, bar-clube, casa de farinha e lojas de móveis. (...) edificações que são usadas para ensaios de bandas musicais e outras usadas como escritórios de advocacia. (FERREIRA, 1997, p.46)
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Miguel do Gostoso como um todo, de acordo com o trabalho de 1997. Atribuiu-se à recém fundação do município a presença de
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Os dados demográficos referentes à zona urbana do município só se configuram a partir do censo de 2000 (IBGE), quando a população urbana era de 2.902, ou seja, 38,28% da população total igual a 7.580. Segundo o IDEMA, a cidade apresentou um crescimento populacional de 6,72% no período entre os anos de 1996 e 2000, com base nisto, tem-se que em 1996 a população total era de 7.103 habitantes. Aplicando esta variável igualmente para a população urbana e a rural, obtém-se, para 1996 uma população urbana de aproximadamente 2720 e uma rural de 4380. Portanto, pode-se considerar este número como o aproximado também para a população urbana de 1997, talvez um pouco mais – em torno de 2750. Havia uma certa homogeneidade dentro da população urbana. A maioria das pessoas era de moradores e apresentava as mesmas condições de vida e trabalho, sobrevivendo, basicamente, da atividade pesqueira e da agricultura de subsistência. A presença dos outros atores sociais considerados neste trabalho – os veranistas, os turistas e os investidores no turismo – não era
tinha força (até mesmo pela ausência do marketing do município), sendo representado apenas por uma pousada, também afastada do centro. A paisagem urbana da época refletia, portanto esta presença marcante do morador, e menor dos demais. Com isso, no centro urbano municipal de outrora, notava-se a presença de uma verdadeira comunidade, mais ou menos homogênea. Esta já se organizava em defesa dos seus interesses através do Clube de Mães, fundada em 1983, única entidade formal então registrada. Foi a primeira organização a tomar iniciativas com vistas à emancipação municipal. Além dela, havia a Colônia de Pescadores – a classe mais representativa na comunidade – fundada em 1995, e a Associação Comunitária, criada com o primeiro mandato e a mais atuante junto à Prefeitura.
2.2 CARACTERIZAÇÃO E CONFORMAÇÃO ESPACIAL Gostoso, como é chamado pelos moradores, é um município de aproximadamente 345Km2 que se localiza na esquina do continente sul-americano, limitando-se a leste e a sul com o município de Touros, do qual foi desmembrado em 1993, com os municípios Pedra Grande e Parazinho a Oeste e com o Oceano Atlântico ao Norte. Seu litoral está alinhado quase paralelamente à linha do Equador (figura 11). A região em que se encontra é conhecida como Ponta do Calcanhar, marco zero da BR-101, que começa no Rio Grande do Norte e vai até o Rio Grande do Sul.
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significativa. Eram muito poucas as casas de veraneio e se localizavam bem afastadas do centro da Cidade. O turismo ainda não
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Figura 51: Mapa do Rio Grande do Norte destacando o município de São Miguel do Gostoso Fonte: Elaboração com base em IDEMA, 2000
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Em 1997, os limites
da
zona
urbana
(sede
municipal)
eram
os
seguintes: uma área de
culturas
temporárias
e
permanentes a leste por, no limite com o
a oeste, tinha-se uma região
de
caatinga
banhada por rios e manguezais; a sul, a Rua
dos
Dourados
avança por uma área passível
de
ser
adensada até o limite de
uma
região
de
caatinga
permeada
por
e
rios
áreas
alagadas; e a norte, tem-se o mar, antes dele, porém, temos os coqueirais tão famosos que protegem a sede municipal. (figura 12).
Figura 12: Foto aérea com os limites geográficos Fonte: Elaboração com base na foto aérea fornecida pelo PRODETUR/ 2006
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município de Touros;
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Com a definição desses limites tem-se também o diagnóstico prévio das áreas passíveis de proteção ambiental; basicamente onde são encontrados rios e mangues – leste e sul – e no contorno da costa, a região dos coqueirais. Como exposto no capítulo primeiro, o trabalho, que se desenvolve sobre três eixos temáticos – social, físico-ambiental e político-administrativo – tem para o eixo físico-ambiental duas categorias de análise: a Caracterização e Estrutura da Paisagem – onde será exposta, de uma forma geral, a morfologia urbana de São Miguel do Gostoso – e Percepção e Participação dos moradores – que abordará os aspectos sociais relativos à percepção e à produção espacial por parte dos moradores, enfocando-se tipologias das habitações.
Caracterização da Estrutura da Paisagem espaciais bem próprias. Além disso, apresenta um grande potencial para desenvolver-se em equilíbrio com o ecossistema e a natureza local. Ter áreas ideais para o adensamento urbano e a identificação prévia das áreas onde é interessante que haja a preservação são fatos fundamentais para nortear o crescimento. Dentre estas qualidades, percebeu-se que as principais ruas da cidade foram abertas com dimensões pouco usuais até mesmo para avenidas de grandes centros urbanos. A primeira rua da cidade, a Avenida dos Arrecifes, até hoje, apresenta-se, em alguns trechos com uma largura de 30 metros. Isto se deve ao modo da via ter sido formada: a partir do posicionamento das casas. Os primeiros moradores, por serem pescadores, tinham apenas a preocupação em se localizarem próximo ao mar, então passaram a alinhar-se paralelamente à costa, com suas casas inicialmente bem afastadas umas das outras.
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A Cidade apresenta-se em uma paisagem fortemente imagética, no sentido de possuir elementos e físicos e conformações
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Este
afastamento,
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inicialmente
válido
para
as
casas
dispostas
lateralmente, também foi seguido por aquelas que se implantaram de frente para as primeiras e, definiam assim a abertura da rua. O primeiro mercado da cidade intensificou a sua ocupação, diminuindo as distâncias laterais. As casas passaram a avizinhar-se, ainda mais com a abertura da estrada que corta São Miguel do Gostoso – a partir da Av. dos Arrecifes – ligando a sede, então povoado, a uma parte da área rural. A partir da década de 1950, com a intensificação do fluxo migratório do
embora sempre paralelas à costa – começavam a ser implantadas de modo a configurar a abertura da segunda rua da cidade – a “rua de trás” – também em função da localização da capela. Esta rua, perpendicular à primeira impulsionou o crescimento da cidade para o interior do continente de modo a aproximar-se da região de agricultura, chamada “baixa de fora”, na zona rural, de onde migrava a maior parte dos que ali se instalavam. A formação deste segundo eixo duplicou a área ocupada em pouco tempo – aproximadamente 15 anos – (figura 13), com ele Cidade, passou a apresentar o desenho de um “T”, fortemente marcado até os dias de hoje, formado pelas atuais Avenida dos Arrecifes e Rua dos Dourados – respectivamente primeira e segunda ruas. A segunda grande rua da Cidade era o principal acesso à região de tabuleiro, no mais, o acesso às casas que estavam nessa região era dado através dos quintais das que estavam à margem da Avenida dos Arrecifes e a grande distância entre as poucas vias abertas ocasionavam na formação de grandes quadras com grandes áreas livres no seu interior.(figura 14)
Figura 13: Evolução urbana – mapas noli Fonte: Elaboração com base em FERREIRA, 1997
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interior para o litoral, as casas – que já se organizaram nos arredores da capela,
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Com tudo isto, a Cidade se apresentava bastante legível ao transeunte. Sabendo-se da importância do mar para aquela comunidade, percebe-se que as unidades de paisagem são dispostas paralelamente (até certo ponto) acompanhando a linha da costa, nesta seqüência: tem-se o mar, a faixa de areia (na orla), a faixa de coqueiros, a faixa construída e então a região de tabuleiro costeiro – cortada, bem ao centro da cidade, pela rua dos Dourados. Esta conformação urbana se dava com um número aproximado de 560 edificações em 1995, incluindo-se todos os usos do meio urbano (ETFERN, 1996, mapa). Estas eram as edificações que formavam o desenho da Cidade marcado até os dias atuais – um “T”.
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Figura 14: Lotes originais atualmente Fonte: Elaboração própria
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Dentro da morfologia urbana, vale salientar ainda que, como as primeiras ruas foram abertas a partir do posicionamento das casas (figura 15), e estas foram implantadas sem se preocupar com o seu alinhamento, em alguns trechos a rua principal apresenta 11 (onze) metros de largura, em outros, chega a apresentar 30 (trinta) (figura 16). Isto chega a ser um desafio para as propostas de ordenamento viário. Ao mesmo tempo em que, tendose uma cidade de basicamente duas (longas) ruas, a diferenciação de larguras é uma quebra na monotonia.
Figura 15: Abertura da primeira rua Fonte: FERREIRA, 1997
Somando-se a isto, tem-se que a definição dos lotes no limite com a via se dava com as árvores que acompanhavam a disposição das casas. Notava-se, desde então, que a locação de árvores em frente às casas parecia estabelecer um limite entre o público e o privado, formando um espaço de extensão da habitação (figura 17). Isto é uma característica bem marcante da paisagem urbana local, e também meio de identificação das residências. Começava a surgir uma preocupação quanto à definição dos lotes, já que alguns se estendiam, desde a limitação com a rua, por continente adentro, o que dificultava inclusive a abertura de ruas na região de tabuleiros. Alguns proprietários passaram a
Figura 17: Árvores em frente às casas Fonte: Acervo próprio
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Figura 16: Trecho da Avenida dos Arrecifes atualmente Fonte: Elaboração própria
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cercar uma certa área (não oficial) no entorno do espaço construído destinado à unidade habitacional como forma se obter maior proteção e privacidade. Isto acabava dificultando também a abertura de ruas que cortassem as principais vias da Cidade, onde eles estavam localizados, pois se não eram as próprias edificações que acabavam geminando-se, eram as cercas que dividiam os lotes, culminando em questões de ordem econômica (valorização da terra cercada) e de mobilidade urbana. Com isto, a prefeitura passou a intervir de modo a legalizar tais propriedades, bem como fomentar a idéia de público e privado, própria do espaço urbano.
Como já vimos, as próprias casas definiram a rua, de forma que, em se tratando de lotes, a edificação ficava sempre no seu limite frontal, com a porta principal dando acesso ao “passeio publico” – isto era o que ocorria mais comumente na Cidade de 1997 (figura 18). Desta forma, a edificação e os seus habitantes se relacionavam intimamente com o espaço público e com a paisagem da Cidade. Partindo para a caracterização das tipologias construtivas, à época daquele levantamento os estudantes se depararam com uma nova realidade que estava se tornando evidente: Têm-se, por um lado, uma tipologia típica das pequenas cidades do interior da região nordeste, formada em sua maioria por casas simples de porta e janela, feitas em taipa; são casas encontradas na parte central da Cidade, oriundas da sua formação e erguidas basicamente dentro da tradição dos pescadores. Por outro lado, já se vê o resultado do novo potencial crescente na cidade; a atividade turística: esta tendência está presente nas construções erguidas na beira-mar da Cidade, são amplas casas de veraneio, com amplas varandas e que refletem um padrão de vida diferente do restante da cidade. Exatamente por isso o nosso estudo tipológico concentrou-se na avenida central. É nela que encontramos as características mais incisivas da realidade do lugar e é sobre ela que irão incidir as mudanças – ou consolidações – que poderão fazer crescer uma cidade melhor. (FERREIRA, 1997, p. 37-38)
Figura 18: Convívio familiar em frente às casas de porta e janela Fonte: FERREIRA, 1997
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Percepção e Participação dos Moradores
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Como se vê, a tipologia que melhor identificava a Cidade é a sua original, embora já se perceba o surgimento de edificações com “um ar mais urbano”, segundo os próprios moradores, que seriam aquelas com uma platibanda na fachada frontal, de modo a esconder o telhado. Já nesta época, um decreto da prefeitura baniu as construções em taipa e as casas em alvenaria começam a aparecer em quantidade significativa, principalmente no centro da Cidade, no cruzamento das duas ruas principais. A maior parte das habitações eram constituídas por basicamente três cômodos internos – sala, quarto e copa/cozinha – mais um quintal com um banheiro (“casinha”). Tinham o pé-direito muito baixo, por volta de 2,10m (figura 19). O revestimento era
cores bem diversificadas, como forma até de identificar as edificações, de tão semelhantes
Figura 19: pé-direito de residência Fonte: FERREIRA, 1997
em sua forma. Um outro elemento comum é uma pequena calçada que acompanhava o limite da fachada (figura 20); é uma forma de expandir a casa ao espaço público, sem a intenção em torná-la uma via de fluxo de pessoas. Nesse momento, a Avenida principal não apresentava nenhum tipo de pavimentação, tornando assim indistinguível a via destinada aos veículos do passeio de pedestres. Há dez anos foi percebido que uma nova consciência do “ser citadino”, entendido aqui como uma noção de urbanidade, já aflorava na comunidade de São Miguel do Gostoso, explicitando-se na tipologia urbana que se formava, nas suas transformações, na metamorfose da paisagem – a cidade já adquiria novos valores estéticos e um novo conceito de qualidade de vida. A imagem que os próprios moradores faziam da sua cidade era decorrente da necessidade que se via em se promover um desenvolvimento social com base na estruturação urbana – implantação de equipamentos de educação, saúde, lazer e infra-estrutura básica – com vistas para as demais potencialidades que a paisagem natural parecia apresentar.
Figura 20: Casa de porta e janela com calçadinha Fonte: FERREIRA, 1997
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bastante simples, apenas reboco pintado e, geralmente as fachadas se apresentavam de
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Percebeu-se ainda, em 1997, um certo questionamento acerca de até que ponto é viável manter as características morfológicas da Cidade, sabendo da sua carência e necessidade de infra-estrutura básica, bem como da carência econômica da sociedade que a compõe. Se as mudanças retratam uma melhoria na qualidade de vida da população, que elas ocorram também de modo a respeitar a história e reconhecer os potenciais de desenvolvimento do espaço da Cidade, apresentados nitidamente naquele trabalho. Além de possibilitar a construção ou afirmação de uma identidade sócio-cultural e paisagística do espaço urbano, ou seja, uma cidade altamente imaginável, como diria Lynch.
2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS A consciência da municipalidade leva a população, até então rural, à condição de urbana e, embora seja um município
o poder público atuou até 1997 e que aspectos foram observados para tal atuação. O modo como é – e com que é – tratado e ocupado o território urbano é percebido na sua paisagem e evidencia não só as necessidades da população, mas também de que maneira está se investindo no espaço da Cidade e no desenvolvimento da sociedade. Antes mesmo de ser município, as necessidades que surgiam com o crescimento populacional eram supridas na medida do possível pela Prefeitura de Touros, município do qual era distrito. No que diz respeito aos equipamentos urbanos de uso público, como já foi dito, antes de se tornar cidade apresentava poucas edificações voltadas para este fim, como as escolas, a igreja e o posto de saúde. Já se sentia que tais equipamentos não supriam de todo a demanda populacional; não tinha, por exemplo, uma escola que oferecesse ensino médio. É dito, nos livros que contam a sua história, que as melhorias foram significativas com a “chegada” da Prefeitura em São Miguel do Gostoso. O processo, no entanto, foi demorado. Em 1991, foi realizada a primeira reunião com os principais segmentos da sociedade, onde foram colocados os procedimentos exigidos para a emancipação – basicamente um levantamento de todos os dados (sociais, culturais, econômicos, ambientais) de São Miguel. A sua emancipação ocorreu somente no dia 16 de julho de 1993, quando pela Lei nº 6.452, desmembrou-se de Touros e passou a ser o Município de São Miguel de Touros. Nesta data, portanto, a população ainda tinha dúvidas quanto à continuidade
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muito recente, cabe fazer um levantamento das benfeitorias públicas, em outras palavras, da efetiva urbanização. Em que sentido
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do processo de criação do município, visto que não foi nomeado nenhum interventor urbano. Sabe-se, portanto, que as melhorias iniciais diziam respeito à organização administrativa. Como município, passou a dispor diretamente de recursos oriundos de impostos federais, o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) que, atualmente, é uma das únicas fontes de renda existentes. Mas, como município, a Cidade também pode recolher os seus tributos, o IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana), ISS (Imposto Sobre Serviços) e o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) e IVV (Imposto sobre Venda a Varejo de combustíveis líquidos) são imposto de competência municipal. A Cidade ainda não instituiu o seu Código Tributário, mas ao fazê-lo irá aumentar consideravelmente a arrecadação. (FERREIRA, 1997, p. 24).
Wilson Teixeira Néri. O município de São Miguel de Touros só passou a ser regido, de fato a 1º de janeiro de 1997, a partir da primeira sessão na Câmara Municipal (ARAGÃO, 2001, p.31). Não havia, portanto, nenhuma estrutura física onde pudesse funcionar a Prefeitura; o ato de posse foi realizado na Igreja católica com a presença de toda a comunidade local. No segundo dia do ano, a escola estadual – localizada na Av do Arrecifes – passou a sediar as atividades de prefeito e seus secretários. Pouco tempo depois, foi necessário o aluguel de uma outra edificação para tornar-se sede da prefeitura. É aí onde funciona até hoje (2007) (figura 21). A área que parecia ser mais bem tratada da sede municipal era a localizada próximo ao mar, onde eram implantados os bares mais bem cuidados, as casas de veraneio e a única pousada de então, “uma mostra do crescimento turístico que a cidade suscita” (FERREIRA, 1997, p.47). Este cenário demonstra um maior cuidado com um potencial paisagístico já forte por natureza – a orla – por outro lado, a região mais construída da sede municipal, não parecia merecer tanta atenção do poder público.
Figura 21: Prédio da Prefeitura Fonte: ARAGÃO, 2001.
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Apenas nas eleições de 1996 foi nomeado o primeiro prefeito da Cidade, o Sr. João
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Um ponto preocupante na análise do uso do solo é justamente essa desigualdade de tratamento que começava a surgir entre determinadas regiões “urbanas”, baseando-se nas atividades que se desenvolviam em cada uma delas. Como conseqüência disto, vê-se o surgimento e a acentuação da desigualdade entre as camadas da população envolvidas em cada caso. Enquanto já se percebe uma preocupação quanto à qualidade dos equipamentos voltados ao turismo, nota-se a ausência de áreas públicas voltadas para o lazer da população permanente, muitos deles de responsabilidade municipal, como praças, quadras de esportes e outras áreas de lazer. Em 1997 foram observados de pontos de convergência para atividades sócio-culturais próximo a certos bares e à Igreja católica, portanto, bem ao centro do grande “T” que sintetiza a cidade. É no centro também, na avenida principal, que funcionava a feira-livre municipal, sempre às segundas-feiras. Um local bastante inconveniente, visto o grande fluxo de pessoas, veículos e mercadorias. Porém, já naquele ano, a Prefeitura afirmava
Percebe-se, com isso, que as principais carências da comunidade de São Miguel do Gostoso – locais destinados ao lazer público e ao comércio – são alguns dos equipamentos fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. É dito, que “há potencial físico e empenho da população para que isso aconteça”, ao mesmo tempo em que se vê uma população muito pobre, bem como a falta de recursos da própria Prefeitura. Com o crescimento do povoado, o lixo se tornou um grave problema de saúde pública já que não havia coleta nem destinação final; era de responsabilidade da própria população. A instituição do governo municipal veio melhorar este quadro, implantando um sistema de coleta de lixo (três vezes por semana). Porém, a sua destinação não era adequada, já que era apenas levado para longe do centro da cidade sem receber nenhum tratamento, nem sequer ser selecionado. Uma outra necessidade – ainda mais relevante em vista do seu crescimento – é a implantação de infra-estrutura adequada ao bom e saudável funcionamento e do município. A grande preocupação, nesse sentido, é o alto custo das obras de infraestrutura básica. Além disso, ao mesmo tempo em que São Miguel do Gostoso apresenta uma estrutura de vias longas e lineares que facilitam a implantação, não há uma concentração de edificações, fazendo com que se tenha de vencer longas distâncias para atender toda a população enquanto fornece os mesmos serviços urbanos – rede elétrica, tubulações de água e esgoto, drenagem e telefonia – para espaços ociosos, oferecendo a infra-estrutura e valorizando estes terrenos.
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compartilhar da reivindicação da população para a implantação de um local adequado ao comércio local.
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A situação da cidade em relação a estes serviços, em 1997, não era muito satisfatória. Quanto ao fornecimento de energia elétrica, por um lado, foi encontrada uma solução no sistema de pau amarelo. Onde “cada edificação tem direito a um bico de luz e uma tomada. Não há medidor de energia, a COSERN faz a ligação da rua para o edifício e o morador se encarrega da fiação interna da casa” (FERREIRA, 1997, p.65). Por outro lado, a iluminação pública carecia de manutenção por nem a Prefeitura nem a COSERN arcarem com a responsabilidade (figura 22). A situação mais preocupante em relação aos serviços básicos, era o esgotamento sanitário. Apesar de 88% das unidades habitacionais terem um banheiro, a maior parte Figura 22: Poste de iluminação pública Fonte: FERREIRA, 1997
adequado para a destinação dos dejetos, comprometendo o lençol freático. Por falar em lençol freático, o sistema de abastecimento de água era feito a partir de três poços cartesianos que distribuíam a água diretamente para as casas. O tratamento era feito com cloro, no próprio poço, mas estudos realizados na época indicaram que a água é de boa qualidade, só devendo haver um cuidado maior com as áreas próximas dos poços – não permitir o depósito de lixo e o despejo de fossas. Além dos serviços básicos, foram observados outros aspectos da estrutura local como a pavimentação e qualidade das vias: todas a vias maiores são recapeadas anualmente (no verão) com piçarro (barro, areia e pedra), um composto bastante frágil às intempéries que tornam as vias ainda mais irregulares – facilitando o acúmulo de água em poças e dificultando o deslocamento de veículos (figura 23). Diz-se que esta era uma das principais preocupações da administração pública; pavimentar especialmente a Avenida dos Arrecifes, a via que dá acesso à sede e grande parte do interior municipal. Contudo, não existiam vias para pedestres e nem se falava e propostas neste sentido: as calçadas são individuais e não têm a função de via (passagem) e sim de local de permanência, o que leva o pedestre a disputar o mesmo espaço com os veículos.
Figura 23: Avenida alagada Fonte: FERREIRA, 1997
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destes era a típica “casinha”; sem a mínima condição de salubridade e sem o tratamento
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A qualidade das vias também implica na qualidade do funcionamento do transporte público. Acredita-se que se deve a isto a falta de empresas que destinem seus veículos à Cidade. A ligação com Natal era feita diariamente – na madrugada e com o amanhecer – e a ligação com Touros e com os distritos era feita com carros de particulares, geralmente caminhões. A maior parte dos usuários destes últimos eram os estudantes que se deslocavam dos distritos à sede ou da sede a Touros, no caso dos secundaristas. Por se tratar do primeiro ano de gestão municipal, é compreensível que as ações do poder público ainda não fossem significativas. Ao menos de percebe a intenção de resolver os problemas mais urgentes. Como a saúde era o que mais preocupava, o Posto de Saúde teve atenção especial. Logo em 1993, o Posto passou por uma pequena reforma e ganhou novos equipamentos. Nessa época, o Conselho Comunitário Local interveio para que o Posto recebesse
período, “a construção de quatro banheiros públicos e quatro bombas manuais para o cacimbão da sede do município, facilitando assim, o acesso à água para as necessidades domésticas”. (ARAGÃO, 2001, p.51) Posteriormente, com a Prefeitura, foi criada a Secretaria Municipal de Saúde, que teve como secretária a funcionária anteriormente contratada; Francisca Gomes Pinheiro. Por ser de caráter urgente, as ações do Poder Público voltaram-se inicialmente para a saúde, contudo, observa-se que a Cidade de São Miguel do Gostoso, em 1997, merecia atenção em muitos aspectos. O modo como se desenvolveu a sede municipal a partir do prisma da gestão municipal nos dez anos seguintes é o assunto a ser tratado no próximo capítulo. De uma maneira geral, a Paisagem e Urbanidade da Cidade em 1997 eram marcadas pela presença do morador local como ator social de maior relevância. A sua presença se refletia nos aspectos físico-ambientais através da produção de uma tipologia habitacional baseada em padrões e técnicas construtivas. As edificações, por sua vez, formavam o espaço da Cidade relacionandose intimamente com ele como um todo, a exemplo da população. As políticas públicas se voltavam também inteiramente para aqueles atores, porém de maneira insuficiente e muito limitada, uma vez que se tratava, naquele ano, da primeira administração local do Município. No capítulo que se segue, será visto como esse quadro geral se transformou ao longo de uma década, também baseando-se nos três eixos temáticos, com vistas para a paisagem e conformação espacial, encontrados no ano atual – 2007.
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visitas regulares do Médico José Alves. Em 1996, houve uma outra reforma e a contratação de mais uma funcionária. No mesmo
CAPÍTULO 3
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3. A Cidade de Agora A DESCOBERTA DE UM POTENCIAL TURÍSTICO A história do turismo é de origem bem remota. Alguns aspectos sociais já eram associados ao turismo desde a idade antiga. Mas o turismo como atividade capaz de movimentar não só pessoas, mas também economias, culturas, modificar espaços e paisagens, nasceu no século XIX. No caso do Brasil, por ser um país tropical que apresenta um litoral extenso, a atividade turística é bastante associada ao binômio sol e mar – o que remete fortemente à paisagem da costa, uma das matérias-primas deste tipo de turismo. Na década de 1960, o Brasil passou a dar maior atenção à promoção do seu turismo. Em 1966, foi fundada a EMBRATUR –
do Turismo. “As primeiras medidas realmente significativas para o desenvolvimento do turismo brasileiro consistem nos investimentos da EMBRATUR na publicidade do produto turístico do Brasil”. (MATOS, 2006, p.17). Percebe-se, com isto o surgimento de uma prática cada vez mais intensa no país – a propaganda turística. Esta prática veio antes mesmo da implantação de uma Política Nacional do Turismo, que só vem acontecer na década de 1990, mais precisamente em 1996. Mas foi depois desta política que a EMBRATUR passou a investir mais recursos ao marketing turístico (em 1998 o valor foi quase seis vezes maior que em 1995). As campanhas para promover o turismo interno também se intensificaram nessa época chegando a elevar por volta de 60% o fluxo do turismo doméstico (Mensagem ao Congresso Nacional, 1999). A intensificação do turismo interno também marca a chagada de mais investimentos em São Miguel do Gostoso, notadamente no começo do século XXI, exigindo que a Cidade se adeqüe à nova demanda de pessoas interessadas na promoção do lazer – próprio ou de terceiros, no caso dos empreendedores. Além dos esforços de propaganda do turismo, a Política Nacional de Turismo sustenta-se em outras quatro macroestratégias, entre elas, a implantação de infra-estrutura básica e turística, ou seja, a adaptação do espaço (urbano ou não) para o recebimento do turismo. É a partir desta macroestratégia que vamos analisar os efeitos do turismo na paisagem e na ocupação da cidade de São Miguel do Gostoso.
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Instituto Brasileiro de Turismo – mas, só na década de 1980 esta empresa passou a investir na formação de uma Política Nacional
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Segundo Macedo e Pellegrino, existem basicamente dois tipos de ocupação de zonas litorâneas que geram os padrões paisagísticos valorizados pelos turistas e, por conseguinte, pela indústria imobiliária e turística. Em um deles podemos enquadrar São Miguel do Gostoso. São os “pequenos núcleos urbanos de formação centenária que, situados em meio a um ambiente ainda rústico e de difícil acesso, são aparelhados para receber contingentes moderados de turistas ‘ávidos do contato com a natureza’” (In: YÁZIGI, 1999, p. 158). A rusticidade do lugar parece ser consoante à vontade de experimentá-lo e, antes que esta vontade se torna comum a um número muito grande de pessoas, não mais moderado, é que a atividade turística deve ser repensada, especialmente do ponto de vista de suas conseqüências para o meio urbano. No momento em que se passa a dotar o espaço municipal de infra-estrutura turística, cabe observar que maneira fazê-lo,
localidade e ocasionando na perda do interesse turístico. Este capítulo pretende analisar de que modo o processo de urbanização, boa parte desenvolvido em função do incremento da atividade turística no município tem transformado a paisagem da Cidade em estudo. De que maneira o reconhecimento de um potencial paisagístico tem norteado o crescimento urbano e desenvolvimento de atividades diversas – especialmente o turismo. No caso de São Miguel do Gostoso a comunidade certamente percebeu o potencial turístico da Cidade quando da implantação da sua primeira pousada, em 1990. O investimento partiu de Leonardo Godoy, quando a cidade ainda não tinha sequer infra-estrutura urbana, quanto mais turística. O motivo: em um passeio de buggy, Leonardo “encantou-se com a enseada”. Diante de tal escolha, percebe-se o poder da paisagem do lugar. O interesse em se implantar mais pousadas e demais equipamentos destinados ao turismo só adquiriu nova força no final da década de 1990. No trabalho apresentado em 1997, já se previa a transformação do município em uma Cidade Turística. A cidade também começa a olhar com mais otimismo para os seus potenciais, como a beleza das suas praias e a possibilidade de fomentar turismo na região; é verdade que ainda não possui infra-estrutura adequada a essa atividade, mas a condição de município torna essa empreitada mais viável. (FERREIRA, 1997, p. 24)
Acredita-se que foi esta escassez em infra-estrutura que fez com que, no ano de 1998, fossem inauguradas duas pousadas nos limites municipais – com Touros e com Pedra Grande – e não no próprio município. Elas certamente iniciaram suas obras no
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para que a noção de urbanização não venha a degradar a matéria-prima citada anteriormente – a paisagem – descaracterizando a
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mesmo ano da primeira gestão municipal de São Miguel, percebendo o potencial turístico que surgia com o município. Ainda que não fossem na sede da cidade em foco (universo de estudo) estas pousadas já contribuíram para impulsionar o turismo na região. Somente a partir de 2000, a sede municipal passou a ser o principal atrativo para a implantação de pousadas. Os itens que se seguem pretendem demonstrar as transformações e impactos paisagísticos que ocorreram na Cidade nos últimos dez anos, até o momento atual, decorrentes principalmente da intensificação desta prática. As transformações em questão serão analisadas respeitando os três eixos propostos na introdução e já utilizados no capítulo anterior, que se dedicou à análise da Cidade de São Miguel do Gostoso em 1997. Eles são os eixos sócio-econômico, o físico-ambiental e o político-administrativo. Pretende-se, neste capítulo, tecer considerações a respeito das transformações ocorridas no período compreendido entre o início da primeira administração do município, 1997, e o momento atual, 2007 – dois anos-chave que definem o recorte temporal da presente
2.1 MUDANÇAS NA ESTRUTURA SÓCIO-ECONÔMICA LOCAL: NOVOS ATORES SOCIAIS Percebe-se já a principal diferença entre o ano inicial da análise, 1997 e o momento atual, 2007: inicialmente a sociedade era local, formada por pessoas, senão naturais do lugar, advindas de locais próximos, em sua grande maioria em busca de trabalho e melhores condições de vida – ou mesmo sobrevivência – na pesca. Atualmente, a sociedade de São Miguel do Gostoso conta com uma maior diversidade de moradores e visitantes, originários de locais os mais longínquos, trazendo consigo, além dos seus interesses, uma cultura própria. Com isto, a principal mudança se deve notadamente à chegada de novos atores sociais que escolheram a localidade por perceberem o seu potencial de desenvolvimento urbano e/ou turístico, ou simplesmente com vistas para uma vida mais tranqüila em contato com a natureza. Não se sabe ao certo o número dessas pessoas, porém, nota-se que a quase totalidade das que imigravam para São Miguel do Gostoso, até 1997, tinham por motivo a busca por uma alternativa econômica que assegurasse o seu sustento. Nos últimos anos, as imigrações vêm acontecendo por uma variedade maior de motivos, onde o que mais se destaca é a busca por uma qualidade de vida, longe do caos urbano. No processo atual de crescimento demográfico da Cidade atuam tanto a população rural (do município ou não), que busca por um pouco de urbanização, quanto outras pessoas de todo o Brasil e do mundo que procuram um local mais tranqüilo para viver, com menor índice de urbanização – em 2000, a Cidade apresentava uma
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pesquisa.
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população urbana correspondente a 38,28% (IDEMA), ou seja, era um município predominantemente rural, comparando-se com o Brasil de um modo geral, que no mesmo ano, apresentava uma população urbana igual a 81,2% (IBGE). Percebe-se, com isto, que a qualidade de vida buscada nos grandes centros urbanos “mudou de lugar”. Hoje, é a paisagem natural e a tranqüilidade que atrai a população, principalmente das maiores cidades, para as de menor porte; aquelas que oferecem apenas urbanidade suficiente para se viver bem, não mais que isso. A Cidade de São Miguel do Gostoso está em pleno crescimento demográfico, que pôde ser constatado desde o período de 1996 a 2000, quando apresentou uma taxa de crescimento populacional de 6,72% (IDEMA). Em 2000, tinha uma população urbana de 2.902 habitantes, contra 4.678 habitantes rurais, totalizando 7.580. Em 2005 o município tinha uma população total estimada em 8.680 habitantes – 1.100 a mais. Ainda que o crescimento demográfico tenha ocorrido apenas na sede do município,
último ano, integrante da população rural. Nos últimos anos, nota-se a participação de pessoas advindas de cidades maiores neste crescimento demográfico, que cada vez mais procuram um ambiente mais aprazível, menos caótico. Portanto, elas não têm intenção de modificar o espaço da cidade no sentido de torná-la mais urbana, mais artificial. Mesmo porque a propaganda que se faz da Cidade de São Miguel do Gostoso nos veículos de comunicação é sempre de forma a exaltar as belezas naturais e a tranqüilidade do local. A publicidade vem se tornando excessiva. A praia-cidade já foi citada em jornais e revistas nacionais, em matérias com títulos como “O lado mais gostoso do Nordeste” (Estado de São Paulo, 26 de dezembro de 2006) ao lado de destinos nacionais e internacionais, integrando uma lista dos dez “para se descobrir em 2007”. O mesmo jornal salientou que “São Miguel do Gostoso é simplesmente gostoso por que ainda é pouco explorada, diferente das agitadas e manjadas Pipa e Genipabu”. Esta, entre outras mídias – Guia 4 Rodas, Folha de São Paulo, Diário de Natal, Estado de São Paulo, Rede Record de televisão, site Terra – publicaram nos últimos anos o perfil do Município com um forte apelo turístico, afirmando a crescente procura por tranqüilidade como um “novo e disputado perfil de opções turísticas” (www.praiadogostoso.com.br). Ao mesmo tempo em que há uma supervalorização das áreas de orla e da paisagem natural, a população local permanente, principalmente a que é natural do lugar, parece mais atraída pelo ambiente urbano e sente a necessidade dessa urbanização. A implantação de estrutura urbana, certamente, vem suprir os costumes citadinos daqueles que “chegaram depois” (novos atores sociais que chegaram a partir da municipalização) e, mesmo valorizando o rústico, o natural, estes sempre buscam o apoio de uma
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fazendo com que sua população chegasse a 4.000 habitantes, boa parte desta população (entre 50% e 55%) ainda era, nesse
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cidade mais “civilizada”. Os exemplos aqui citados são apenas algumas das manifestações do aparente conflito entre o crescimento da sede, notadamente em função do turismo, e as formas de apreensão, valorização e transformação da paisagem natural e urbana do lugar pelos diversos grupos sociais que atuam na Cidade. A maneira como interagem os diferentes modos de vida na localidade, e que termina por produzir um determinado tipo de espaço urbano é o principal aspecto a investigar na paisagem em questão. O que está ocorrendo hoje nos países do Primeiro Mundo é que o espaço rural tende a ser cada vez mais valorizado por tudo o que ele opõe ao artificialismo das cidades: paisagens silvestres ou cultivadas, água limpa, ar puro e silêncio. (VEIGA, 2002, p. 95)
A citação acima é exatamente o que se percebe no município de São Miguel do Gostoso. Tanto in loco quanto através da
A citação também se confirma, quando constatamos a presença cada vez mais constante de europeus, principalmente italianos, mas também pessoas vindas das maiores cidades do país – São Paulo, Belo Horizonte, Brasília – na cidade. Estes, além de alegarem uma busca pela qualidade de vida, muitas vezes estão interessados em investir nessa nova valorização do espaço natural/ rural, e implantar equipamentos relacionados ao turismo no local, como pousadas e restaurantes. Os dados referentes aos números desta parcela da população também não se encontram disponíveis, visto que a pesquisa foi feita com base em entrevistas informais, portanto não se trata de um levantamento estatístico. Quanto aos comerciantes e prestadores de serviços voltados para o turismo que se instalaram em São Miguel do Gostoso a partir da década de 1970, segundo Juliana Matos (2006), tem-se que 66,7% correspondem aos que chegaram na década atual, ou seja, depois do ano 2000. Da totalidade desta amostra, aproximadamente 58% afirmam ter buscado por qualidade de vida, enquanto os outros 42% já tinham uma perspectiva do crescimento do turismo. O interesse em se investir na Cidade – e a própria identificação com ela – acaba por transformar muitos veranistas em moradores permanentes. Pessoas que freqüentavam a cidade para o lazer algumas vezes ao ano e passam a residir permanentemente o local, quando não implantam novos equipamentos destinados ao turismo decidem investir de alguma forma na consolidação da cultura e no crescimento da cidade. São artesãos de todo o nordeste, como a enfermeira que virou “ministra do
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mídia, pode-se constatar que a cidade está sendo apresentada como um local para aqueles que buscam natureza e tranqüilidade.
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lixo da ordem praieira” (CLEMENTE, 2006, p.84), ou o economista que investe em agricultura de exportação, entre outras profissões que vão se moldando à realidade local. Os veranistas já se apresentavam em São Miguel do Gostoso em 1997. Como foi visto no capítulo anterior, esta era uma categoria da população que não se mostrava envolvida com a realidade local, até por constituir um número pouco significativo. No decorrer dos anos, com a chegada de muitos imigrantes na localidade, percebe-se um aumento também no número de casas de veraneio. Alguns veranistas adquirem uma casa e, não tarde, se mudam definitivamente para lá, acabando por fazer parte da população, compartilhando, não só da tranqüilidade, mas do modo de vida e dos problemas locais. Outros, conhecem a Cidade por intermédio de algum parente residente no lugar; vai “passar o verão” e passa um ano, dois, três... e para sua subsistência encontram, geralmente a implantação de algum serviço ligado ao turismo.
conheceram Gostoso e ficaram hospedados na primeira pousada da Cidade. Percebendo o interesse e a identificação do casal com o local, o então proprietário – e primeiro investidor no turismo da região – Leonardo Godoy propôs a venda de sua pousada aos então turistas. Entre a oferta e a mudança definitiva para a Cidade, passaram-se apenas 20 dias. Perguntada sobre o porquê da mudança, a proprietária afirma ter sido “paixão à primeira vista pelo lugar (...) isso que nos trouxe pra cá; um desejo por uma vida tranqüila num lugar bonito”. Contudo, ela também ressalta a dificuldade em se manter uma pousada em uma localidade onde a estrutura urbana deixa a desejar. Apesar disto, a Cidade de São Miguel do Gostoso é bastante divulgada na mídia – excepcionalmente a Internet – onde se percebe que o que mais exerce atração sobre o turista é a paisagem, ainda “natural”, relacionada ao binômio sol e mar, além da vida tranqüila e pacata do lugar, sendo estes, portanto, os elementos mais explorados através do marketing local e nacional. Deve-se acrescentar ainda que São Miguel do Gostoso oferece condições ideais para a prática de esportes de “mar e vento” – kite e wind surf – com incidência de ventilação abundantes no sentido Leste-Oeste (figura 22). Foram encontrados praticantes destes esportes que freqüentam São Miguel há dez anos, e a presença de esportistas estrangeiros só tem aumentado. Com isto, percebe-se que há um tipo de turista que freqüenta a Cidade que, mais do que “equipamentos turísticos” procura condições ambientais – físicas e climáticas – ideais para a prática de esportes. Algumas pessoas da população local têm se envolvido, até certo ponto, com a prática destes esportes, procurando aprender tais modalidades para montar escolinhas que auxiliem o turista em busca de novidade.
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Há casos semelhantes que também ocorrem com turistas. Aconteceu com um casal de turistas gaúchos que há oito anos
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Algumas pousadas também já se preocupam em disponibilizar a estrutura necessária para a guarda de equipamentos e a própria permanência dos esportistas próximo ao mar – local do esporte. A temporada para a prática começa em meados de setembro e se estende até abril, segundo os donos de pousadas, mas é possível encontrar os surfistas em diversas épocas do ano, principalmente nos feriados, ainda que em menor quantidade, visto que não há uma estação de inverno intenso na região. Quanto aos demais tipos de turistas, eles se apresentam em maior número entre os meses de novembro e março, a chamada alta estação, ou seja, no verão e adjacências, quando a Cidade, a exemplo do sol, “pega fogo”. Isto, à primeira vista também seria
(veranear = passar o Verão alhures). No entanto, os chamados veranistas não usufruem do espaço da Cidade apenas no Verão, mas podem ser encontrados lá em muitos finais de semana, principalmente os prolongados pela presença de algum feriado, independente da estação do ano. Ainda assim, é no Verão que se nota presença mais significativa de pessoas itinerantes, sejam turistas ou veranistas. O turismo é uma atividade que está intimamente relacionada com infra-estrutura urbana e densidade demográfica. Tanto, que há casos de cidades turísticas que multiplicam (em muitas vezes) a sua população residente em épocas de alta estação. Tendo, portanto de estar preparada estruturalmente para absorver tal quantidade de visitantes sem prejudicar a qualidade de vida da população permanente local. Quanto ao número de turistas, pode-se estipular – com base no número de pousadas e no número máximo de pessoas que cada uma comporta – que a Cidade tem capacidade para receber formalmente entre 250-280 turistas hospedados. São 10 as pousadas encontradas em funcionamento em 2007. Elas, no entanto, têm capacidades máximas de hospedagem bastante diferentes, indo de 10 até 70 hóspedes, dependendo do estabelecimento.
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aplicado aos veranistas que, como o próprio nome já sugere, são aqueles que veraneiam
Figura 22: Mapa dos ventos do Brasil Fonte: http://br.weather.com/maps/intlventos
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Já no tocante às casas de veraneio, nota-se, em meio urbano, uma concentração desta tipologia que conta com aproximadamente 30 edificações (PRODETUR, 2006 – foto aérea). Considerando-se 6 pessoas por casa de veraneio, tem-se um número de 180 veranistas no local. Mas, além desta concentração, certamente existem outras casas consideradas de veraneio em outras áreas da Cidade, sem se ter, no entanto, um número exato destas de moradores permanentes de São Miguel receberam seus familiares em casa, também não só no período dito de veraneio, mas nos demais fins de semana e feriados do ano. Tudo isto, de alguma forma sobrecarrega a infra-estrutura implantada inicialmente
estrutura tem respondido – se tem acompanhado ou não – o crescimento do turismo na região. Nos primeiros anos de município, notava-se um certo receio em se investir na implantação de equipamentos turísticos, principalmente os de alojamento, visto a carência em infra-estrutura e o fornecimento de serviços, como o abastecimento de água, deficientes. Este é feito através de poços com captação direta, um sistema eficiente no tocante à população local, mas que provoca insegurança quando do investimento em equipamento turístico como uma pousada, principalmente por não se saber ao certo a quantidade existente no subsolo nem a sua qualidade para o consumo. Alguns proprietários de pousadas na sede municipal consideraram insuficiente também a oferta de serviços básicos que não dependem do poder público, como panificação, o que os fizeram ponderar quando da implantação do seu empreendimento. Ainda hoje se percebe que há uma sobrecarga nas poucas panificadoras locais. Além disto, hoje a maior reclamação, não só das pessoas ligadas ao turismo formal, mas de todos os visitantes, de um modo geral é a falta de serviço de comunicação, como torres de celular – de qualquer operadora – (figura 23) e uma Internet eficiente; embora o sistema de telefonia fixa funcione perfeitamente.
Figura 23: Placa em terminal turístico Fonte: Acervo da autora
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apenas para a população permanente. Cabe, a este respeito, verificar como esta infra-
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Sabe-se, no entanto, que algumas melhorias urbanas já fornecem uma certa segurança para se investir no turismo, prova disto é o aumento considerável de pousadas na região – nove pousadas foram abertas em São Miguel do Gostoso a partir de 2000. Existem ainda outras tantas melhorias urbanas a serem implementadas que podem otimizar o usufruto social e ambientalmente adequado da própria paisagem local como, por exemplo, a adoção de equipamentos e infra-estrutura; maior eficiência na prestação de serviços; o cuidado com o desenho urbano e a programação visual da sede; o aperfeiçoamento da comunicação e outros. Tudo isso tem em direta relação tanto com a população local quanto com a atividade turística, mas têm deixado a desejar, não
atividade sem o devido acompanhamento das melhorias sócio-ambientais do lugar, podem levar, num futuro próximo, à degradação da paisagem, tão valorizada atualmente, e, conseqüentemente, à diminuição da atividade turística na região.
2.2 ADEQUAÇÃO E NOVAS CONFORMAÇÕES ESPACIAIS Sobre este aspecto, foi visto como a Cidade se apresentava em 1997 e quais processos originaram a sua conformação espacial, de modo a formar a paisagem de outrora. Agora, passaremos a analisar o crescimento urbano no sentido da sua morfologia e da transformação da paisagem a partir daquele ano. Para de ter uma idéia do crescimento urbano, basta acompanhar a evolução apresentada com os mapas noli ao lado (figura 24), onde se observa que em um período de 5 anos (de 1995 a 2000) a Cidade cresce mais do que no período compreendido entre 1965 e 1995, ou seja, 30 anos. O Crescimento, com a emancipação do Município só se intensificou, o que é percebido também a partir de uma grande diferença em relação
Figura 24: Evolução urbana - mapas noli Fonte: Elaboração com base em FERREIRA, 1997
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acompanhando a demanda turística que só aumenta ano a ano. O desenvolvimento desta
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aos anos de 2000 e 2006. Neste período, a ocupação nas áreas mais próximas da orla é evidente, e esta é uma das transformações mais significativas. A transformação urbana é explicitada inclusive através de números, visto que a quantidade de edificações mais do que duplicou em onze anos: em 1995, a Cidade tinha aproximadamente 560 edificações (ETFERN), incluindo-se todos os usos; em 2006 este número passou a 1128, segundo levantamento feito pela equipe do Plano Diretor Participativo, que está em andamento. Dentre estas edificações, 992 são usadas como residência, 123 como comércio e 83 como serviços diversos, incluindo-se nestes últimos, as dez pousadas existentes na Cidade. Atualmente, a sede municipal apresenta em torno de 900ha, com base na foto aérea fornecida pelo PRODETUR (Programa de Desenvolvimento do Turismo), e uma orla de aproximadamente 6,50Km (seis quilômetros e meio), que constitui o seu maior lado, se
elemento ser valorizado economicamente mudou. Anteriormente, era basicamente explorado pela pesca, atualmente (ou de uns tempos pra cá) o mar é explorado por integrar uma paisagem muito vendida pelo turismo brasileiro – a orla e seus elementos. Sabe-se, portanto, que alguns componentes apresentados anteriormente simplesmente não mudaram, como os limites administrativos do município e os limites da área urbana, ainda que estes últimos não sejam oficiais∗. Porém, já se percebe uma aproximação da mancha urbana com estes limites. Além disto, cabe aqui confirmar (ou não) o desenvolvimento dos eixos de crescimento outrora observados, bem como o surgimento de novos eixos. Como no capítulo anterior, num primeiro momento, a análise será em função das transformações macro, ou seja, no traçado das vias, na distribuição das quadras, na morfologia urbana. Posteriormente, a análise se deterá ao lote, à unidade edilícia, notadamente às habitações e suas tipologias construtivas, passando para uma escala micro, mais pontual. Novas tipologias e tendências arquitetônicas surgiram ou intensificaram a sua ocupação desde 1997, as quais estão sempre associadas ao surgimento de novos atores sociais, notadamente o veranista e os atores relacionados ao turismo, como visto no item anterior. Sendo assim, passaremos a apresentar uma São Miguel do Gostoso tentando se adequar a uma nova demanda de pessoas e interesses. Isto será feito, como no capítulo anterior, baseando-se nos conceitos de legibilidade, imagem construída e
∗
Os limites oficiais da sede municipal devem ser definidos pelo Plano Diretor, que está nas etapas inicias, quando ocorrem as oficinas junto à população.
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enquadrada em um retângulo. Isto, em si, já explicita a importância do mar para aquela localidade, mas até mesmo o modo deste
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imaginabilidade, propostos por Kevin Lynch e utilizados nas etapas de análise referentes à Caracterização e Estrutura da Paisagem e Percepção e Participação dos Moradores, respectivamente macro e micro escalas, apresentadas nos procedimentos metodológicos. Para uma maior clareza do posteriormente descrito, tem-se um mapa da conformação espacial atual e outro com zoneamento da Cidade atual – elaborado a partir nas análises (apêndice 2). Que servirá como base para um melhor entendimento de todo o exposto deste capítulo em diante, principalmente no que se refere ao eixo físico-ambiental. Nos mapas, percebe-se que a Cidade conserva a sua forma original, de um “T”, porém merece destaque a formação de zonas decorrentes do processo de crescimento e
eixos de ocupação do território urbano já consolidados e aqueles identificados como potenciais para uma ocupação futura. Sem esquecer, no entanto dos elementos naturais tão presentes na paisagem da Cidade – o mar, os coqueirais e as áreas alagadas.
Caracterização da Estrutura da Paisagem Apesar do crescimento populacional na sede do município, exposto no item 2.1 deste capítulo, a Cidade ainda apresenta forte indício de ruralidade, assemelhando-se a muitas outras pequenas cidades do interior do Nordeste. Muito disto se deve ao fato de seus primeiros moradores, ao construírem suas casas, voltarem as costas para o mar – como foi dito anteriormente, ao se tratar das primeiras ocupações – fazendo a cidade adquirir um aspecto de interior, encobrindo o litoral. Um outro fator que contribui para essa sensação e a faixa de coqueiros entre a costa e a Cidade edificada. Esta disposição, de certa forma, assegura a manutenção de determinadas características peculiares à Cidade, como a separação entre a paisagem urbana e a paisagem natural mais conhecida
Figura 25: Visão da praia através dos coqueiros Fonte: Acervo da autora
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transformação da Cidade e sua sociedade nos últimos dez anos, bem como os principais
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da cidade, a orla; a proteção que os coqueirais oferecem ao meio urbano quanto à maresia e aos ventos fortes vindos do leste. (figura 25) Além dista divisão, os traços de ruralidade são salientados pela adoção de culturas de subsistência, como pequenas hortas e criação de galinhas, dentro dos lotes destinados às habitações na cidade. Algumas vezes são utilizados para este fim lotes inteiros (figura 26), mas o mais comum é que se mantenha a criação de animais e gêneros alimentícios no próprio quintal. Outro fator observado outrora que também caracteriza fortemente a paisagem urbana da Cidade é a dimensão (largura) das ruas principais. Hoje a faixa destinada aos
generosas que dão identidade às vias – principalmente a Avenida dos Arrecifes – e acabam por caracterizar a Cidade de um modo geral. A pavimentação também não comprometeu a
Figura 26: Lote com horta na Avenida principal Fonte: Acervo da autora
utilização da área frontal à casa como uma extensão da mesma – fato que persiste até os dias de hoje (figura 27) – e. Isto ainda é bastante forte na Avenida dos Arrecifes, na Rua dos Dourados – onde estas áreas ainda são bem generosas em muitos pontos – e nos “bairros” onde mora a população mais carente. Nos dois primeiros casos, as vias apresentam dimensões que possibilitam um uso mais confortável da área, sem comprometer o fluxo de pessoas e/ ou veículos. Nelas, ainda que não seja delimitada a via para pedestres, o canteiro geralmente comporta as duas funções – permanência/ convívio familiar e o fluxo de pessoas (figura 28). Quanto às localidades onde há uma maior concentração da população menos favorecida, percebe-se uma tendência à abertura de vias entre as edificações, formando pequenas quadras cortadas por pequenas vias (figuras 29 e 30). A abertura destas vias é decorrente de um processo de subdivisão dos terrenos – vão-se construindo nos quintais as novas residências, para onde o acesso é inevitavelmente restrito. Conseqüentemente estas são mais estreitas, ainda assim, há o uso intenso do logradouro para o convívio
Figura 27: Convivência familiar à margem da Av. principal Fonte: Acervo da autora
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veículos já apresenta pavimentação, mas tal feito não comprometeu as dimensões
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familiar e público – reuniões em frente às casas, jogos de dominó, baralho, muitas crianças brincado – além do acesso a automóveis e animais.
Figura 29: Bairro popular a Oeste (acesso pela Rua das Ostras) Fonte: Elaboração Própria
Os moradores permanentes, em geral, tendem a se localizar mais distante da orla, por esta área estar sendo cada vez mais valorizada, o que acarreta no aumento do preço dos terrenos. No entanto, já se pode perceber a divisão espacial com base nas classes sociais. Daí o indício da formação de bairros, ainda que extra-oficialmente, nos quais se percebe uma homogeneidade tanto no traçado das vias quanto nas tipologias edilícias, o que veremos posteriormente. Diferentes das vias abertas nos bairros mais pobres, as Ruas Lírios do Mar e Rua das Ostras – via que onde há o predomínio de novas edificações de moradores permanentes – bem como algumas vias do seu entorno, são abertas com dimensões generosas (apêndice 2). A primeira já apresenta calçamento como pavimentação, enquanto que a segunda é revestida com piçarro – por ter sido aberta mais recentemente, ainda não
Figura 28: canteiro da Avenida dos Arrecifes Fonte: Acervo da autora
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Figura 30: Bairro popular a Leste (acesso pela Rua Lírios do Mar) Fonte: Elaboração Própria
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recebeu pavimentação adequada. Ambas conectam o eixo da Rua dos Dourados a outras duas áreas bastante adensadas da sede municipal.
Atualmente, a Rua das Ostras é o eixo de expansão urbana mais significativo da Cidade, por apresentar boas condições de adensamento. Até 2006 ela simplesmente ainda não tinha fim, hoje ela é praticamente uma avenida e a conexão entre duas zonas mais adensadas da Cidade: o centro e um “bairro popular”. (figura 31). Este centro urbano mais adensado – porém ainda bastante adensável – concentra as edificações referentes à população local; seja as habitações, serviços, comércios ou os órgãos públicos. Os novos agente sociais, em contrapartida, notadamente veranistas e turistas, se localizam o mais próximo possível da faixa litorânea. Figura 32: Concentração das casas de veraneio Fonte: Elaboração Própria
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Figura 31: Rua das Ostras como um elo entre o centro e a periferia Fonte: Elaboração Própria
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Percebe-se uma concentração de casas de veraneio muito próximo ao principal “cartão postal” da Cidade – a Ponta de Santo Cristo (figura 32). É lá também onde ocorre mais intensamente a prática dos esportes de “mar e vento”. As vias que levam a estas casas estão dispostas paralelamente e são relativamente estreitas, porém, os recuos das edificações – por sua dimensão e pela vegetação que mantêm – proporcionam um contato com a natureza que chega a abstrair a idéia de rua. Mas este é um assunto a ser tratado pelo próxima etapa de análise.
Percepção Participação dos Moradores O advento de grupos sociais cada vez mais diferentes gera, além da formação de uma zona “urbana” específica, também a produção edificações com tipologias diversas. Enquanto outrora se dizia que as características mais incisivas da realidade do lugar
por casas simples de porta e janela” (FERREIRA, 1997, p. 37), atualmente, percebe-se uma diversidade de tipologias habitacionais que refletem as origens e as influências, além da classe social, dos novos atores. No espaço urbano de agora, nota-se que as edificações – e grupos – com características comuns se concentram de modo a formar zonas com uma mesma tipologia. O crescimento do “bairro” mais popular, por exemplo, é fortemente impulsionado pela imigração de pessoas vindas de localidades menores e da zona rural – para juntar-se aos seus familiares e/ ou conhecidos – ou mesmo pelo crescimento das famílias anteriormente estabelecidas. Isto ocasiona na subdivisão dos lotes e na construção de edificações com dimensões limitadas, portanto, de modelo mais simples. As ocupações dos moradores permanentes, de um modo geral, tendem a se localizar mais ao interior, como foi dito anteriormente, mas estes por se apresentarem divididos em classes, se concentram em áreas diferentes e divergem também na forma da edificação.
Figura 36: Casa de Veraneio em construção Fonte: acervo da autora
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diziam respeito à presença de “uma tipologia típica das pequenas cidades do interior da região nordeste, formada em sua maioria
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Com o surgimento de novas formas de produção do espaço da Cidade, atualmente, já se percebe uma certa segregação espacial: áreas urbanas onde as tipologias habitacionais já não são as originais, receberam claramente influência dos valores trazidos com a urbanização (figuras 33, 34 e 35). Estas são as novas residências dos antigos moradores que venderam a parte do seu terreno original – mais próxima à praia – e construíram novamente numa área mais distante da orla, portanto, menos valorizada. Os moradores mais antigos, ao construir novas casas ou reformar as antigas, tentam acompanhar as novidades vindas de fora, encontradas principalmente nas casas
Figura 33: Nova tipologia na Rua das Ostras Fonte: acervo da autora
de veraneio, como a adoção de um muro alto e de recuos frontais dentro do muro,
disso, nota-se a adoção de uma arquitetura mais elaborada, uma edificação maior e o uso de materiais diferentes dos comumente utilizados na Cidade, como o vidro. As casas de veraneio, por sua vez se localizam mais próximo ao mar e, com raras exceções, se concentram em uma mesma zona – próxima à Ponta de Santo Cristo. Estas casas parecem se relacionar muito bem com a natureza local, sem ter a intenção de integrar-se socialmente, não só por sua localização, descrita anterior-mente, mas também por seus recuos e acessos (figura 36).
Figura 34: Nova tipologia h. em construção Fonte: acervo da autora
Isto também se aplica às pousadas, que se localizam de modo a usufruir a paisagem litorânea. Elas também vêm contrastar com as habitações dos moradores nativos seja nos seus materiais e formas, seja na disposição ou implantação no lote. Neste caso, as edificações voltam-se para o mar, integrando-se com a paisagem da orla e valorizando cada vez mais as áreas próximas a ela. São essas áreas que se apresentam ao turista, através de diversos sites da Internet, como um “lugar limpo, bem acima da média das cidades praianas nordestinas, tranqüilo, charmoso e seguro. Ideal para descansar e fugir do estresse urbano” (Folha on Line,
Figura 35: Nova tipologia na Rua das Ostras Fonte: acervo da autora
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isolando-se ao máximo do ambiente da rua – bem diferente do que se dava outrora. Além
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06/04/2006). As pousadas também são apresentadas através da Internet com vistas para as belezas naturais da Cidade. Sabe-se que a primeira pousada foi implantada no ano de 1990, mas foi somente na década seguinte que os equipamentos urbanos voltados para o turismo começaram a surgir. Já na concepção daquela pousada, percebia-se o gosto não só pela paisagem natural, mas também pela tipologia das habitações originais.(figura 37) Isto pode ser comprovado quando no seu site descreve seus chalés como “construídos à moda dos pescadores locais, são simples e consoantes com o ambiente”
Figura 37: Chalé da Pousada do gostoso Fonte: www.pousadadogostoso.com.br
(www.pousadadogostoso.com.br)
observada quando da implantação dos equipamentos públicos urbanos voltados ou não para o turismo, como as praças e demais “melhoramentos urbanos” (figuras 38 e 39). Eles acabam impondo-se à paisagem natural tanto do centro quanto da orla, implantando padrões de urbanização que muitas vezes não são valorizados pelo próprio turista – como vimos, o maior atrativo para o turismo é a natureza do lugar. Daí a valorização das áreas de orla, que têm permanecido com uma paisagem natural, visando manter a imagem da Cidade, que o turista constrói através do sites, condizente com aquela realidade.
Figura 38: Urbanização na orla – Terminal Tur Fonte: acervo da autora
A valorização da paisagem das áreas mais próximas ao mar por parte dos empreendedores do turismo local acarreta na elevação dos preços imobiliários nesta faixa de terreno. Da mesma forma acontece ao longo da Avenida dos Arrecifes – pelo seu fácil acesso e uma maior infra-estrutura urbana. Isto tem impossibilitado a aquisição por parte de alguns segmentos sociais, limitando as novas ocupações às pessoas de classes mais
Figura 39: Urbanização no centro – Calçadão Fonte: acervo da autora
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Esta identificação com o ambiente natural e com as tipologias originais não é
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elevadas e, portanto, gerando uma nova forma de segregação espacial, bem diferente da encontrada na Cidade de Outrora.
∗
Algumas destas “pessoas comuns” inclusive tiveram o interesse em implantar uma pousada, com enfoque também no modo de vida simples da pequena Cidade. Não achando justo o preço cobrado naquelas áreas, buscaram uma outra opção na região de tabuleiro – mais no interior – onde encontraram um valor cabível e o cenário ideal para a sua proposta estética (figura 40). Este foi o caso dos proprietários da Pousada Casa de Taipa; implantada no final de 2006, optando por valorizar a tão conhecida casa de taipa do
Figura 40: Pousada Casa de Taipa Fonte: acervo da autora
homem do sertão.
de construções em taipa (figuras 42), visto que a campanha para a sua erradicação começou com primeira gestão municipal, ou seja, há dez anos. Em 2001, apresentava cerca de 45% de edificações em taipa (revestida ou não). Hoje, embora não se tenha o número exato delas certo, é visível que esta quantidade diminuiu muito. A implantação da Pousada Casa de Taipa, de certa forma, preocupa o poder público que condena este tipo de construção. O fato de estar sendo valorizada pelos investidores torna difícil
Figura 42: Casa em taipa na Av. principal Fonte: acervo da autora
conscientizar a população para erradicá-la. Mesmo com a diminuição das construções em taipa, a tipologia predominante ainda é a de “porta e janela” – agora em alvenaria – tão marcante na paisagem urbana de outrora, permanece, nas duas ruas principais (principalmente na Rua dos Dourados) e nos bairros onde habita a população menos favorecida.(figura 43)
∗
A localização das pousadas pode ser vista no apêndice 2, onde nota-se a preferências pelas áreas próximas à orla e à Avenida do Arrecifes, com poucas exceções.
Figura 43: Casa de porta e janela em alvenaria, em bairro popular Fonte: acervo da autora
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É interessante notar aqui que a Cidade ainda apresenta um número considerável
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Apesar da presença de uma tipologia marcante, alguns contrastes já aparecem em solo urbano: foi visto o surgimento de uma nova tipologia habitacional, mais elaborada, e uma nova forma de abertura de vias, agora mais curtas e estreitas. O que se percebe, comparando-se os dois fatos, é que os moradores mais favorecidos – pela venda da sua antiga residência ou parte do seu terreno mais próximo à praia – constroem novamente numa área mais distante da orla, portanto, de preço mais acessível. Ou propor a sua nova habitação, buscam uma edificação mais íntima, “que a porta não dê para a rua” e se beneficiam da abertura de vias largas e contínuas (compridas) como as primeiras ruas da Cidade. Enquanto que os moradores menos
O primeiro caso é muito comum à Rua das Ostras, onde se percebe uma maior concentração de edificações com formas diversas, a ponto de uma casa de porta e janela ser a exceção. Quando existe a proposta em manter a tradição de “porta e janela”, percebe-se um cuidado arquitetônico maior mesmo nesta tipologia (figura 44) e a necessidade de se isolar do espaço da rua – o que não se percebia outrora, algo muito pouco freqüente quando das primeiras ocupações. As casas (edificações) definiam o limite frontal do lote com a rua, a qual era bastante utilizada pela população para o convívio social. Agora, a residência adquiriu um caráter mais íntimo, salientando o limite entre o público e o privado, e tende desta forma a se isolar do espaço público. Observa-se,
portanto
que
a
chegada
da
urbanização,
do
turismo
e,
conseqüentemente, de uma diversidade maior de atores sociais ocasiona na transformação inevitável dos valores e da paisagem de uma Cidade. De fato, os diversos atores sociais influenciam-se mutuamente, mas não é possível saber até onde esta influência é adequada para o desenvolvimento de uma cidade singular, com raízes bem visíveis, visto que o crescimento da Cidade acarreta na chegada de ainda mais grupos de pessoas com interesses os mais variados.
Figura 44: Casas padronizadas na Rua das Ostras Fonte: acervo da autora
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favorecidos habitam em edificações de “porta e janela” e abrem vias estreitas, quase becos.
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2.3 ADMINISTRAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS Com a instituição do município, foi providenciada uma série de melhorias urbanas, a população relata que a Prefeitura “calçou parte da Avenida dos Arrecifes, que é a avenida principal da cidade, fez uma pracinha em frente à Igreja, uma quadra de jogos para os jovens praticarem o lazer, conseguiu junto ao governo do Estado 40 casas para pessoas carentes do município, (...) conseguiu a construção de uma Escola de 2º grau (...)” (ARAGÃO, 2001). Através do ano em que foi exposta a sentença acima, já se pode perceber que, em um primeiro mandato, o município parece ter agradado bastante a sua população. As primeiras providências do Poder Público municipal, foram em relação à qualidade de vida da população existente, que carecia de infra-estrutura e equipamentos urbanos básicos, como a própria unidade habitacional. Além do relatado, sabe-se que o município atuou bastante na sua zona rural, com melhorias de infra-estrutura, construções de casas de farinha, aquisição de
Mas, além das intervenções físicas, é interessante destacar aqui que a assessoria realizada outrora pela Universidade – 1997 – resultou na elaboração do Código de Obras municipal, algo de extrema importância em qualquer cidade, independente do seu porte. Esta assessoria foi solicitada pela própria população, em vista da condição de município recém adquirida. Percebendo-se a preocupação em promover um desenvolvimento urbano, cabe agora observar em que suscitou as considerações acerca do norteamento da expansão que foram colocadas naquela ocasião. Segundo André Luís Gomes – um daqueles estudantes que trabalharam em 1997 e, posteriormente, se envolveu com a proposta do Código e com a gestão municipal, no sentido de acompanhar o crescimento de São Miguel e auxiliar no seu desenvolvimento urbano – as considerações feitas pela equipe na Universidade foram “transformadas” no Código de Obras e a sociedade envolvida na conformação espacial do município não apresentou nenhuma dificuldade em seguir as recomendações da norma. Quanto às intervenções físicas no espaço da Cidade, a administração observou a carência da população de áreas de lazer e procurou conciliar com a necessidade de equipamentos turísticos. O resultado disto foi a implantação de praças à beira-mar, sem levar em consideração os locais que naturalmente concentravam mais pessoas da população local, próximos às áreas residenciais.
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equipamentos rurais e de pesca, construção de quadras, etc.
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Elas foram as primeiras praças significativas da sede municipal, visto as pequenas dimensões da pracinha em frente à Igreja, anteriormente citada. Implantadas nos primeiros anos do século XXI – segundo a fiscalização da Caixa* e conversas com moradores antigos – receberem a denominação de terminais turísticos por se localizarem na orla (figura 45) e não no centro, como à tradição das pequenas cidades. Isto demonstra a grande importância atribuída ao desenvolvimento do turismo pelo próprio Poder Público.
*
A Caixa fiscaliza todos os investimentos públicos da ordem de melhoria urbana no município desde a sua criação. Os dados são publicados no site do órgão com acesso ilimitado.
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Figura 45: Exemplo de implantação dos terminais turísticos - Praia do Cardeiro
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O primeiro terminal turístico foi implantado na Praia da Xepa, finalizado do ano de 2003, é o mais central dos três existentes – mais próximo à Igreja. Os outros dois – Praia do Maceió e Praia do Cardeiro – foram executados simultaneamente à Praça do Maceió (figura 46) e à implantação de calçadões em duas frações da Avenida dos Arrecifes; um localizado próximo à Igreja (figura 47) e o outro, denominado Largo do Cruzeiro, localizado próximo à Praia do Maceió (figura 48). Estas obras – exceto a Praia da Xêpa – integravam o mesmo projeto de Melhoria de Infra Estrutura Urbana do Município e Urbanização da Praia do Gostoso de 2001 e tiveram suas obras concluídas, segundo a Caixa, em 30 de
Figura 46: Praça do Maceió Fonte: acervo da autora
maio de 2004.
bastante utilizados pelos moradores. Estes são bastante arborizados, diferente dos terminais turísticos, embora apresentem poucas áreas verdes e estejam, hoje em dia, mal conservados. Notou-se que, nas demais frações à margem da Avenida dos Arrecifes – sem meio-fio e calçada – a população ainda utiliza assiduamente o espaço em frente às casas (figura 49) À primeira vista, é de praxe pensar que tal comportamento remete a uma qualificação dessas localidades para que haja tanto uma maior segurança no trajeto dos
Figura 47: Calçadão Fonte: acervo da autora
pedestres, quanto à promoção da qualidade de vida urbana baseada em questões culturais. Isto seria ideal se à margem da Avenida dos Arrecifes (principalmente) houvesse o predomínio de residências e demais usos voltados para a população local, como há atualmente, também futuramente. No entanto, com a valorização das casas e dos terrenos localizados nesta avenida, é possível que tal área seja utilizada, futuramente, por aqueles que visam o lucro através da implantação de algum estabelecimento de turismo. Se isso vier a acontecer, o tratamento dessas áreas livres será de forma a atender as necessidades dos novos estabelecimentos e, conseqüentemente, dos turistas. Para isto, aplicar-se-ia a urbanização turística (figura 50), ou seja, o “o processo de reestruturação do espaço
Figura 48: Largo do Cruzeiro Fonte: acervo da autora
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No geral, todas estas áreas desempenham funções de praça, inclusive os calçadões,
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PAISAGEM E URBANIDADE
urbano ou de produção de novas áreas urbanas decorrentes da refuncionalização turística” (CRUZ, 1998). São vários os projetos do setor turístico que atuam no município, inclusive para promover aquele tipo de urbanização. Um exemplo é o projeto Pólo Costa das Dunas, que juntamente com o Governo do Estado concluiu o projeto de asfaltamento da RN-221, que liga a BR-101 a São Miguel do Gostoso, facilitando o acesso. Gostoso
é
um
município
beneficiado
pelo
PNMT
(Programa
Nacional
de
Municipalização do Turismo) e também pelo PRODETUR- II (Programa de Desenvolvimento do Turismo). Este último foi o responsável juntamente com a EMBRATUR (Instituto
do Gostoso. Com isto se percebe que há um grande incentivo para que sejam dadas condições urbanas que atendam e beneficiem o turista e o turismo, enquanto que as melhorias urbanas voltadas para a população local tem de partir de recursos (mais escassos) da Prefeitura. Ainda assim, como ocorreu em São Miguel do Gostoso, alguns projetos voltados para o turismo podem incluir demais melhorias urbanas e, desta forma, possibilitar a sua execução a partir dos recursos destinados à urbanização turística – este foi o caso do financiamento do PROINTUR (Programa Nacional de Infra-estrutura Turística), que promoveu a construção dos terminais turísticos da Praia do Cardeiro, da Praia do Maceió, mas também das demais obras urbanas na Avenida dos Arrecifes: Praça do Maceió, Largo do Cruzeiro e Calçadão (figura 51).
Figura 50: Outro Exemplo de Urbanização Turística Fonte: acervo da autora
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Brasileiro de Turismo) pela implementação do projeto do Terminal Turístico de São Miguel
Figura 49: Área em frente às casas Avenida dos Arrecifes Fonte: acervo da autora
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A urbanização turística, como se percebe, inclui tanto obras de infra-estrutura como abertura de estradas, quanto estrutura urbana de praças, locais de lazer e apoio e obras de embelezamento, favorecendo e atraindo o turismo. Além das melhorias físicas, estão surgindo alguns programas como o Programa Nacional de Municipalização do Turismo – PNMT – que busca atuar nas áreas onde se observam potenciais turísticos como forma de conscientização, estímulo e capacitação da sociedade local para que, reconhecendo a importância da atividade turística, possam atuar de modo a conciliá-la com a preservação ambiental e histórico-cultural no seu município.
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Figura 51: Localização das melhorias urbanas para o lazer turístico e da população.
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O PNMT é um programa de governo que nasceu há oito anos. Sua proposta é despontar novos destinos turísticos neste País, mas que esses novos destinos apresentem qualidade, responsabilidade e estejam prontos no que tange à capacitação, à infraestrutura, no sentido de que possam disseminar mais o mercado turístico nacional.(...) O PNMT tem feito essa provocação. Não é um programa que repassa recursos — nem um real para o Município — mas conhecimentos e informações. (LACERDA, Ney Aires. In: IV Congresso Brasileiro da Atividade Turística, 2002).
Diante de todo o exposto – do Outrora e do Agora – cabe agora aliar a necessidade de resolução para os problemas urbanos, que crescem junto com o Município de São Miguel do Gostoso, principalmente em razão da a atividade turística, de modo a salientar a paisagem de uma cidade tão original e singular. Para isto, é necessário reconhecer a identidade (ou identidades) sócio-ambiental do espaço da Cidade a partir dos seus agentes sociais, agora, inteiramente presentes no nosso universo de estudo e a partir disto, propor diretrizes condizentes com a realidade municipal. Re t r at o s de um a Ci d a de e m Tr a n sfor m aç ão
CAPÍTULO 4
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4. A Cidade em Transformação A IDENTIDADE SÓCIO-CULTURAL DO ESPAÇO A partir da análise exposta nos dois capítulos anteriores, é possível agora, apresentar um diagnóstco das transformações da paisagem urbana de São Miguel do Gostoso entre 1997 e 2007. Durante estes dez anos, houve a implantação de uma certa infra-estrutura; um mínimo necessário à permanência dos moradores no local. Logo os benefícios passaram a abranger também um outro interesse: a propagação do turismo. A partir daí, as obras urbanísticas passaram a levar em conta também o potencial turístico que a Cidade apresentava. Com este impulso, a Cidade adquiriu condições de receber mais pessoas de origens e culturas diversas, interessadas, não só em usufruir da natureza da
relacionado com as belezas litorâneas, as condições de vento e com uma série de características que compõem a paisagem local, sejam naturais ou construídas, como é o caso das palhoças na praia ou a tipologia própria das casas dos primeiros moradores. Ainda assim, nota-se que os elementos que compõem a paisagem mais imagética de São Miguel do Gostoso tendem a ser alvo da urbanização e da ânsia por fomentar um fluxo turístico intenso na região. Um indício disto é a velocidade com que a Cidade está sendo ocupada por pessoas que produzem tipologias diversas das originais, mesmo que estas pessoas sejam os moradores mais antigos. Há, portanto, uma clara influência de valores estéticos que determinam as transformações paisagísticas do lugar. O que se deve observar neste capítulo é de que modo estas transformações tendem a descaracterizar a paisagem de uma localidade fortemente marcada por sua natureza e conformação espacial, onde se percebe aspectos rurais e urbanos. A transformação urbana está associada tanto aos materiais, à adoção de tipologias edilícias diferentes, à pavimentação das ruas, quanto à relação do indivíduo com o espaço que ele escolheu para se instalar. Feita a escolha, o indivíduo passa a fazer parte da paisagem do lugar, seja com sua produção espacial – habitação, plantação – ou simplesmente com a sua passagem e/ou permanência na localidade – o percurso que faz todos os dias (ou vez ou outra), a sombra da árvore onde estaciona o carro, o barulho do mar (ou do vento) que ouve freqüentemente, ou que ouviu uma vez....
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Cidade, mas também em investir nesse potencial turístico que passava a ser mais valorizado. Este potencial está intimamente
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A identidade atribuída à Cidade é pessoal, visto que cada indivíduo constrói a sua imagem do lugar com base no seu ponto de vista ou das suas fontes visuais. A partir disto, associa-se o lugar a determinada característica dele, algo que lhe marca e que não necessariamente marcaria o outro. Há, no entanto, referências que se fazem ao lugar que são intrínsecas do lugar e não do indivíduo. Estas, apesar de neutras (de certa forma) – por que não variam de acordo com a imagem construída por cada indivíduo – estão compondo a idéia e a história do lugar. São elas, portanto, com as quais pode-se descrever um espaço de modo a distingui-lo e esta descrição é feita por este ou aquele indivíduo de modo que se reconheça o mesmo lugar. Este é um assunto que merece bastante atenção, atualmente, visto a possibilidade de se usar as mais diversas técnicas construtivas em qualquer que seja a localidade, bem como da aplicação de teorias urbanas que são respeitadas em todos os lugares. E isto está acontecendo freqüentemente, ocasionando na produção de cidades em larga escala e na perda das
“A legibilidade da paisagem das cidades era relacionada à imaginabilidade, à capacidade de evocar uma imagem forte no observador.” (OPENHEIN, 1968) Com a intensificação das transformações urbanas de uma localidade, esta imagem tende a ficar mais tênue. Isto se dá, principalmente, por haver uma aculturação da população local, uma facilidade de deixar-se influenciar por outras culturas que chegam através de novos atores sociais, quando este processo deveria ocorrer inversamente – os novos moradores ou usuários se adaptarem à cultura local. Por se tratar, principalmente, das transformações físicas de um espaço urbano, neste caso, as influências são traduzidas na aplicação de outras técnicas construtivas, outras formas de se produzir e organizar o espaço, com base em outras noções de Cidade e paisagem urbana. A Cidade é que se amolda aos novos atores sociais, à nova sociedade. “Cada sociedade, em função de suas características, desconstrói o espaço à sua maneira” (FRANCISCO, 2004). Em se tratando de uma Cidade e uma sociedade já firmadas em determinado espaço, neste processo de desconstrução, deve haver algum respeito à sua conformação original. Este respeito, por sua vez, está diretamente associado à identificação, por parte do indivíduo, com a localidade. A preocupação em promover o crescimento ordenado do Município é uma marca da identificação que a sociedade de São Miguel do Gostoso tem com a sua Cidade. Isto foi uma constante em todas as propostas em se trabalhar com aquela sociedade, tanto no ano de 1997 (ano inicial da pesquisa e primeira gestão municipal) quanto em 2007 – na elaboração do Plano Diretor. Neste capítulo, portanto, serão apresentadas, inicialmente as percepções dos diferentes atores e o que mudou na sociedade de outrora de modo a formar a sociedade de agora. Que classes foram acrescidas àquela sociedade e o que levou à sua chegada.
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características que se constituem a identidade de cada uma.
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Posteriormente, nos próximos itens, será apresentada a relação destes grupos com a produção do espaço urbano; como eles intervêm e utilizam o espaço de Cidade, o que mudou em termos de moradia – tudo ligado ao eixo físico-ambiental. Em um outro eixo (político-administrativo), a relação com a população será no sentido das suas exigências quanto à participação do poder público, quais são as principais necessidades e anseios no tocante ao desenvolvimento do Município.
4.1 SOCIEDADE E IDENTIDADE As preocupações anteriormente percebidas são de altíssima importância na proposta de desenvolvimento urbano e social de uma localidade, e são particularmente interessantes por partirem da própria comunidade. Há 10 anos, uma avaliação dos
torno da proposta de um Plano Diretor para o município – estamos em meio ao processo do Plano Diretor Participativo (MMA, 2004) – onde já se ressalta a importância em se envolver a comunidade nas propostas de normas que deverão ser seguidas (e fiscalizadas) por ela. As ações foram iniciadas em um primeiro momento em relação ao desenvolvimento urbano, depois se partiu para agregar a este o desenvolvimento turístico. O Plano Diretor, agora em foco, deve englobar as duas vertentes e nortear a ocupação do território, mas isto deve ser feito de maneira condizente com a realidade sócio-ambiental do município. Cabe agora salientar a existência desta terceira vertente: a identidade sócio-cultural do espaço urbano – aquela imagem construída a partir da percepção dos diversos grupos que compõem a sociedade e que comporta elementos característicos da paisagem local. Neste ponto, é válido considerar as observações feitas – nas entrevistas – tanto por moradores (incluindo o poder público), quanto por veranistas, turistas e investidores no turismo. Mas também cabe fazer observações próprias, principalmente no que diz respeito à morfologia da Cidade e suas peculiaridades. Estas informações, como já foi dito, foram obtidas junto à própria população. No entanto, as entrevistas não obedeceram a um número pré-determinado, sendo assim, não se constitui uma amostra. A maior preocupação foi entrevistar segmentos sociais os mais diversificados possíveis, impreterivelmente em relação aos moradores – categoria que envolve donas-de-casa, pescadores, estudantes, comerciantes, agentes comunitários, representantes religiosos, representantes do poder público, entre tantos outros.
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potenciais das tendências de São Miguel do Gostoso gerou a elaboração do seu Código de Obras. Hoje, as discussões giram em
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Morador Os moradores de São Miguel do Gostoso podem ser pessoas que nasceram lá, mas também pessoas que vivem lá há pelo menos cinco anos. Nesta definição, podem se encontrar indivíduos de qualquer origem, ou seja, de influências diversas. Primeiramente, é válido considerar a percepção dos moradores sobre a Cidade, no que diz respeito ao reconhecimento dos seus problemas e potenciais e do seu reconhecimento enquanto cidade. De acordo com as conversas junto aos moradores, é explícita a identificação da praia, de um modo geral, como elemento-chave na paisagem de São Miguel do Gostoso, além disso, é comum o interesse em preservá-la o mais selvagem possível, mantê-la vasta e deserta. No entanto, na aplicação do questionário (apêndice 1), notava-se maior entusiasmo quando era vista a imagem (fotografia) da paisagem urbana da Cidade, o reconhecimento desta e daquela casa e da área fotografada. Ainda que preferissem a paisagem da praia do Gostoso, a identificação dos moradores
A praia deserta é associada à tranqüilidade, tanto pelos moradores mais recentes quanto pelos mais antigos – com mais de vinte anos de residência – ainda que estes tivessem no mar o seu trabalho (figura 52). Apesar dos anseios por urbanização, principalmente por estes últimos, há sempre o receio de que a urbanização e o turismo venham a quebrar essa tranqüilidade. De uma maneira geral, os moradores acompanharam a intensificação das transformações – pois residem na Cidade há pelo menos cinco anos – e consideram que tal processo só tem melhorado o espaço da Cidade. De fato, neste período de dez anos, a sede municipal se “adaptou” à nova condição de meio urbano implantando a infra-estrutura da qual carecia aquela sociedade anteriormente rural, fornecendo condições para que esta se desenvolva em tal meio. Estas condições, no entanto se estenderam aos visitantes e alguns deles tornaram-se moradores após ter passado férias na Cidade; isto inclui pessoas do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil, mas também de alguns países europeus, principalmente a Itália. No caso destes últimos, o mais comum é que apresente o interesse em investir de alguma forma no turismo local, seja com uma pousada, ou com uma creperia, uma lan house. Mas este interesse, embora menos comum, também parte de alguns brasileiros. Neste caso, além de pousadas eles abrem tapiocaria, restaurante, loja de artesanato e outros, de modo a valorizar o produto local – que muitas vezes se confunde com o tipicamente brasileiro, sem apresentar uma especificidade maior. Acima de tudo, os moradores que chegaram durante estes últimos dez anos e os originados das cidades maiores em geral, alegam justamente a busca por tranqüilidade como sendo o principal motivo da sua vinda.
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foi mais marcante com o ambiente urbano.
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Os demais moradores que chegaram neste período, que não tiveram a tranqüilidade local como atrativo, embora saibam valorizá-la, vieram em busca de trabalho, mas não mais o trabalho buscado outrora, referente à pesca. Com a instituição do município e o crescimento populacional, houve a necessidade de pessoas qualificadas para trabalhar no serviço público, seja nas escolas, no Posto de Saúde, ou nas secretarias municipais. Dentre estes, o que se destaca é a educação que carece sempre de professores. A maioria destes veio de Municípios vizinhos como Touros. Segundo Aragão (2001), grande parte (senão todos) dos funcionários que trabalham com a saúde da Cidade é de profissionais vindos de
Figura 52: Convívio dos pescadores Fonte: Acervo d autora
outras cidades, neste caso, muitos de Natal.
do Gostoso acaba por necessitar do apoio de uma população mais preparada que trabalhe para o desenvolvimento e mesmo para capacitação da população local. Desta forma, os novos moradores não são alheios àquela realidade, ao contrário, participam ativamente das atividades da Cidade nos seus diversos segmentos (figura 53). Os moradores, portanto, chegaram ao Município por motivos diversos e têm também necessidades urbanas distintas, uns enfocam a necessidade de preservação do lugar, tanto sua natureza quanto seu modo de vida, ambos relacionados à tranqüilidade
Figura 53: Comunidade religiosa Fonte: Acervo da autora
local. Outros sentem falta de uma vida social mais ativa, notadamente em função da carência de locais para o lazer tanto público quanto privado. Há também divergências sobre o espaço público e o privado, quando uns prezam por sua privacidade (figura 54), enquanto outros fazem da rua o prolongamento da casa. Neste sentido, os primeiros se assemelham bastante aos veranistas, próximo grupo de atores a ser analisado.
Figura 54: Residência de um morador recente Fonte: Acervo da autora
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O que se percebe com isto, é que por ser um município de pouca idade, São Miguel
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Veranista Os veranistas de São Miguel do Gostoso tendem a se localizar em uma região própria, onde não há residências de moradores permanentes, porém, também foram considerados veranistas aquelas pessoas que freqüentam a casa de parentes que moram no local, como forma de lazer e descanso. É importante relembrar que não há, neste trabalho um número exato destes atores, principalmente destes últimos, que não se concentram em um local específico. Quanto àqueles, estipula-se um número de 180 pessoas, como foi visto no capítulo anterior. A diferença entre estes dois tipos de veranistas não está só na localização e
Os primeiros estão mais alheios à realidade de São Miguel do Gostoso enquanto Cidade de
Figura 55: Casa de veraneio com área de lazer Fonte: acervo da autora
fato. Até mesmo devido à localização das suas casas, estão voltados (quase) exclusivamente para o deleite da paisagem e do clima da orla. Associam São Miguel a um “mar imenso, deserto, primitivo” onde podem estar em contato com a natureza e só com ela; desligados da cidade e da sociedade urbana. Os locais mais freqüentados por eles são a praia e a própria casa (figura 55). Não se relacionam com a população local nem com o meio urbano, a não ser quando da necessidade de compra. Tem-se, portanto, um segmento social sem uma maior identificação com a Cidade como um todo, apenas com uma determinada área em função das suas características, acima de tudo, paisagísticas. O segundo tipo de veranista, já se apresenta mais integrado com as atividades e com o espaço do Município, de uma maneira geral (figura 56). Isto se deve, claramente, à sua relação familiar com pessoas da comunidade local. Estes veranistas usufruem do cartão postal mais conhecido da Cidade – a sua orla – mas também conhecem as suas demais áreas – ou unidades de paisagem – e estabelecem algum tipo de inserção social. As
Figura 56: "convívio" entre a rede de pesca e o material do kite surf em meio urbano Fonte: acervo da autora
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propriedade das casas, mas também nas formas de lazer e usufruto do espaço da Cidade.
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atividades
praticadas
por
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seus
familiares
locais
acabam
abrindo
um
leque
de
possibilidades visuais e de lazer, fazendo com que a sua associação ao município se dê de maneira mais diversa, pois conhecem uma São Miguel que vai além da paisagem litorânea, muitas vezes chegando ao interior e suas fazendas – o que os faz ter uma identificação maior com a paisagem que remete ao campo, quando perguntados sobre isto nas entrevistas (questionário). De uma maneira geral, de acordo com as entrevistas realizadas e as observações feitas in loco, os veranistas são um grupo freqüentemente presente no espaço da cidade, não fazendo parte dele somente no verão, mas esporadicamente durante todo o ano. Uma
enquanto um elemento-chave da paisagem da Cidade, seja esta litorânea ou rural (figura
Figura 57: paisagem natural de São Miguel do Gostoso – Lagoa do Sal Fonte: acervo da autora
57).
Turista Este é o grupo mais homogêneo dentre os demais considerados neste trabalho. Os turistas são aqueles que se hospedam nas pousadas encontradas na localidade para usufruírem uma realidade alheia a sua e voltam à cidade de origem, sem a previsão de retorno ao local do turismo em um outro momento. Ainda que haja uma afinidade com a Cidade, até mesmo uma utilização mais ampla do seu território, os turistas não apresentam nenhum elo que garanta o seu retorno, como é o caso dos veranistas, a não ser (se for o caso) um desejo neste sentido. De um modo geral, os turistas associam São Miguel do Gostoso à paisagem da praia. O entanto, por alguns terem o mar como local da prática dos esportes de mar vento (figura 58) – kite e wind surf – as condições físicas que os levaram até lá não dizem respeito diretamente à paisagem, mas à localização geográfica, que oferece os elementos necessários
Figura 58: material de kite surf na praia Fonte: acervo da autora
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característica comum entre os dois tipos de veranistas é a identificação da natureza
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para tal atividade: o mar, o vento e o calor (indispensável visto a longa permanência na água, segundo os próprios surfistas). Alguns dos turistas que não praticam aqueles esportes também os associam à Cidade, visto à grande publicidade do local enfatizando esta atividade. Este marketing é feito pelos próprios surfistas, por grupos e empresas relacionadas ao esporte. São Miguel é muito citada em sites como www.kitesurfmania.com.br através dos quais muitos acabam se interessando por conhecer o local. Estes veículos de divulgação muitas vezes acabam por criar uma expectativa em relação ao local que pode comprometer a percepção do turista quando chega à Cidade. Eles acabam por promover uma “romantização e idealização da imagem do local turístico por meio do marketing, com o intuito da comercialização da paisagem natural” (MATOS, 2006, p.14). Em 2001, isto já podia ser observado, tanto que inventário turístico daquele ano apresentou o gráfico ao lodo, explicitando uma diferenciação na
Isto demonstra que “quando a produção de espaços turísticos não valorizam as características da identidade do local, acabam por se formarem
50
Bom
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50
35 30 25
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Regular
38
32
20
‘cenários fictícios’”. (MATOS, 2006) que podem não condizer com a realidade, ou
Insatisfatório
15 10
com grande parte dela. Este é um aspecto a ser investigado entre aqueles que
5
0
12
12
6
0
investem no turismo local e, por isso, são os principais interessados em atrair os consumidores do seu “produto” para a localidade.
Investidor
Expectativa
Opnião
Figura 59: gráfico do perfil dos turistas que visitam São Miguel do Gostoso quanto a expectativa antes e a opinião após a chegada ao município Fonte: Alunos de turismo 2000.3 – UFRN
Trata-se aqui do investidor no turismo, especificamente. Este é um dos atores sociais que merecem muita atenção, pois é ele que acredita no desenvolvimento da Cidade com base no turismo. E é a partir da intensificação desta atividade que ele garantirá o aumento do seu lucro. Em São Miguel do Gostoso, a possibilidade de sobreviver apenas de um empreendimento como uma pousada ou um restaurante é comum. Foram realizadas entrevistas junto aos donos de sete das dez pousadas locais e, segundo eles, esta é a principal fonte de renda familiar. Quando não o próprio serviço de alojamento, o restaurante do estabelecimento é aberto ao público e oferece a possibilidade de uma renda extra sem, contudo, sair do ramo turístico.
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“imagem do município” formada antes e depois de conhecê-lo.
Excelente
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Os relatos revelaram também a dificuldade de se investir em um turismo de temporada, quando há altas e baixas estações, principalmente pela falta de opções de lazer na cidade, resumindo-se à praia (e a prática de esportes) e à própria pousada. Mas não se percebeu neles o desejo de fomentar uma atividade noturna intensa na Cidade – como ocorre em outras cidades litorâneas – que venha a promover uma movimentação turística por um período maior. Do contrário, eles prezam pela tranqüilidade, tão conhecida lugar. Isto afirma o fato de que o principal motivo pelo qual estas pessoas são levadas a investir no turismo da Cidade é o seu próprio gosto pela paisagem e pelo modo de vida de lá, e a conseqüente vontade de permanecer – visto que a grande maioria dos investidores são (ou se tornaram) moradores locais. Percebeu-se também, uma preocupação em se preservar uma unidade paisagística, tanto natural quanto construída, e que os elementos que compõem aquela paisagem – vegetação, mar, lagoas, palhoças, casas simples – são, sobretudo, do gosto deles.
com a comunidade local, o que possibilita uma troca de informações e influências e o conseqüente reconhecimento daquela identidade como um outro potencial turístico. Isso gera a necessidade de repensar e propor uma urbanização que leve em conta o ordenamento espacial baseado nos elementos encontrados na paisagem original. Os empreendedores devem ter a responsabilidade de não transformar o seu negócio em um produto da indústria do lazer, que (...) transforma tudo o que toca em artificial, cria um mundo fictício e mistificado de lazer, ilusório, onde o espaço se transforma em cenário para o “espetáculo” para uma multidão amorfa mediante a criação de uma série de atividades que conduzem a passividade, produzindo apenas ilusão da evasão, e desse modo, o real é metamorfoseado, transfigurado, para seduzir e fascinar. Aqui o sujeito se entrega às manipulações desfrutando a própria alienação e a dos outros (...) (CARLOS, 1999, p.26)
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Isto é um ponto saudável no que diz respeito à valorização da identidade local. Alia-se a isto a integração destes empreendedores
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4.2 PERIODIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS TRANSFORMAÇÕES É importante perceber que, ao término do período avaliado – entre 1997 e 2007 – o Município ainda se apresenta com muito das suas características originais, obtidas a partir de uma produção do espaço bastante homogênea.
As vias principais com grandes
dimensões, formadas por casas em sua maioria de porta e janela ainda é um componente marcante na configuração urbana de São Miguel. No entanto, o surgimento de novas tendências arquitetônicas e urbanísticas tem ocorrido desde a emancipação do município, como foi visto anteriormente, com a chegada de uma nova noção do “ser citadino”, e isto tem-se intensificado de modo a refletir claramente na paisagem urbana, em especial a
Até o período da emancipação – década de 1990 – pode-se dizer que a transformação “urbana” mais marcante, foi a abertura da “rua de trás”, a atual Rua dos Dourados, porém, já se podia prever a intensificação de outras transformações, sempre no sentido de admitir a chegada de outros grupos de atores sociais, como os veranistas, turistas, ou mesmo novos moradores, como os próprios investidores. A Rua dos Dourados veio quebrar com a linearidade da ocupação (apêndice 3). Isto se deu porque, diferente dos primeiros moradores – totalmente voltados para a atividade de pesca – os imigrantes que chegavam a partir da década de 1950 tinham a origem no campo e não pretendiam distanciar-se dele, daí o interesse em adentrar no continente. Esta era a única divisão espacial marcante de outrora. Uma questão que vem sendo tratada desde a data inicial desta pesquisa – 1997 – é quanto à abertura de vias e os acessos aos lotes. Pode-se relatar o modo como esta prática tem configurado o espaço da Cidade da seguinte forma: primeiramente, foi visto a falta de ruas que cortassem a Avenida dos Arrecifes e dessem acesso às áreas mais distantes da costa, na região de tabuleiro (apêndice 2). Muitas casas eram construídas nos quintais das
Figura 60: Construção no quintal Fonte: acervo da autora
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partir do ano 2000.
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que estavam à margem da Avenida, de modo que o acesso era restrito, pois não se dava através de uma via pública (figura 60). Hoje em dia, a prática de subdividir lotes e construir nos quintais persiste, principalmente nos bairros mais pobres. A abertura de vias se tornou mais freqüente na avenida principal ainda que estas vias secundárias, às vezes, sejam pouco identificáveis (figura 61). A Rua dos Dourados, por sua vez, até hoje apresenta poucas interrupções, duas destas se constituem nas vias recentes mais importantes da Cidade – a Rua Lírios do Mar e a Rua das Ostras, respectivamente a rua da Escola Olímpia Teixeira e o principal eixo de crescimento urbano, como visto no capítulo anterior.
bastante irregulares e delimitadas por vias de larguras e tratamentos diversos. As vias mais
Figura 61: Rua à margem da Avenida dos Arrecifes Fonte: acervo da autora
largas foram abertas pelo poder público devido à instalação de algum equipamento urbano, como escola, ginásio poliesportivo ou cemitério, exceto as ruas principais, que se formaram espontaneamente. São poucas as ruas com calçamento, já que são calçadas apenas aquelas que dão acesso a alguma obra pública (figura 62), bem como as ruas principais – Avenida dos Arrecifes, Rua dos Dourados, Travessa dos Dourados, Rua Lírios do Mar, Rua Pedra da Baleia, Rua Estrela do Mar e Rua doa Guajás. Além destas, as ruas que dão acesso aos terminais turísticos também receberam este tipo de pavimentação. (apêndice 2). Desde 1997, é bastante ressaltado que as possibilidades de ordenamento e manutenção dos aspectos positivos da morfologia urbana são inesgotáveis, sabendo-se da institucionalização ainda recente do município e da ausência de qualquer estrutura urbana consolidada que se imponha à expansão e à definição de novos traçados que possam qualificar o amoldamento da Cidade (FERREIRA, 1997). No entanto, as propostas de aberturas de ruas e definição de quadras não partiram, de uma forma geral, do poder público, mas aconteceram de maneira espontânea e também com base nos lotes definidos outrora. Dos lotes originais, muitos se constituíam verdadeiras glebas, por apresentarem
Figura 62: Rua calçada - acesso ao ginásio e ao cemitério Fonte: acervo da autora
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No geral, as quadras da Cidade foram formadas de modo espontâneo, por isso, são
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cerca de uma légua de comprimento, adentrando no continente. Este foi um fator que dificultou a abertura das ruas. Embora houvesse um Plano Geral de Parcelamento, elaborado na primeira gestão municipal – segundo o chefe do Departamento de Obras e Urbanismo de então, André Luis Gomes – o seu cumprimento dependia dos lotes já estabelecidos. O traçado das vias da Cidade é uma das suas marcas que podem ser reconsideradas ou mais bem trabalhadas. As Diretrizes deverão apresentar alguma proposta neste sentido. A diferenciação e hierarquia das vias também são fundamentais, visto que a mesma via comporta o fluxo de carros, bicicletas, pessoas e animais (figura 63).
urbanas ocorrem em muitos sentidos e, ultimamente, muito rapidamente, tornando a conformação espacial altamente fluida. Para se entender melhor a questão temporal das transformações, cabe apresentar quais foram as principais ações transformadoras que atuaram em dez anos de município. Inicialmente – primeiro mandato municipal – a Cidade não oferecia nenhuma segurança, no sentido de suportes físicos, para a chegada de novos atores sociais. Nesse momento, as primeiras transformações urbanas diziam respeito à implantação de uma estrutura que possibilitasse a permanência e o desenvolvimento da sociedade local. Isto, inevitavelmente, possibilitou
também
a
implantação
de
equipamentos
urbanos
com
enfoque
no
desenvolvimento do turismo local – um potencial já percebido outrora quando, porém, a Cidade precisava focalizar suas atenções para nortear o desenvolvimento da própria sociedade. O advento de novos atores sociais foi o maior impulso para que ocorressem as maiores transformações tanto no espaço quanto no modo de vida local. A sua chegada acarretou na segregação espacial própria do ambiente urbano, onde vivem, trabalham, se desenvolvem ou simplesmente passam diversos atores sociais, produzindo e modificando
Figura 63: Homem levando o boi na Rua Lírios do Mar Fonte: acervo da autora
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Mas esta é uma discussão para se levar adiante, e deve-se observar que as transformações
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espaços, sempre com o intuito de adaptar-se, adequar-se a uma realidade ambiental e cultural. Para ter uma noção do crescimento da Cidade, cabe lembrar que a quantidade de edificações mais do que duplicou entre 1995 e 2006, como foi visto no capítulo anterior. Em 2006, existiam 1128 edificações e 8 pousadas. Somente em 2007 foram inauguradas duas pousadas que continuaram a construir mais apartamentos. Não só estas, mas as pousadas mais antigas, a cada ano constroem mais chalés – como são mais comumente chamados os quartos de hóspedes na Cidade. Além destas, nota-se no espaço urbano a presença constante de construções, principalmente no entorno próximo à Rua das Ostras
Foi visto também que a sede municipal apresenta em torno de 900ha, com base na foto aérea fornecida pelo PRODETUR, e é bastante marcada pela presença de uma orla de aproximadamente 6,50Km (seis quilômetros e meio), que constitui o seu maior potencial paisagístico e turístico. No caso de São Miguel do Gostoso, além dos elementos que compõem a orla, estão os demais elementos que compõem a paisagem da Cidade, notadamente, o seu espaço construído. Estes, por sua vez, refletem muito mais do que uma obra da natureza; refletem uma sociedade atuando num espaço físico de modo a proporcionar a sua própria existência. Mas a construção humana, especialmente a arquitetura, ultrapassa a sobrevivência e procura superar a função, dotando-se da identidade do indivíduo. Esta é expressa pela arquitetura através das suas formas, que lhe são concebidas de acordo com o gosto de quem as concebe. As transformações macro que ocorrem na Cidade são, em geral, decorrentes de uma série de fatores externos ao próprio cidadão, enquanto indivíduo, como limites físicos, condicionantes de conforto, economia e suas alternativas, interesses de uma maioria, entre outras forças que atuam. No entanto, a paisagem não é formada apenas a partir dessas
Figura 64: construções na região de tabuleiros Fonte: acervo da autora
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(figura 64).
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forças, é a partir da menor escala (arquitetônica) que se chega ao todo (urbano). Em vista disto, cabe observar como se refletiram aqueles condicionantes externos na ação de cada grupo de atores sociais anteriormente expostos, de modo a formar e transformar a paisagem em questão. A arquitetura primeiramente “praticada” na Cidade de São Miguel do Gostoso era a da residência de tipologia a mais simples possível, mas ideal para suprir as funções que lhe cabiam, quando a área externa à edificação era a mais utilizada por aqueles habitantes, seja para trabalhar (pesca, agricultura, tecer das redes), seja para o convívio (crianças brincarem, mães conversarem) e mesmo para alguns afazeres domésticos (lavava-se roupa
Figura 65: Tecer de redes na calçada Fonte: acervo da autora
Com a emancipação do município, os ideais mudaram e outros valores foram trazidos para aquela população, entre eles o da urbanização, onde está implícita a nãonaturalidade e o culto ao construído. Com o tempo, a platibanda veio esconder o telhado e, depois, o muro veio esconder a casa. Enquanto isso, a Cidade foi “descoberta” por sua natureza e por seu “estilo” de morar, e as pessoas se interessavam por isso. Agora, além daquelas pessoas que buscavam um trabalho braçal, começavam a surgir pessoas interessadas em um trabalho social, e mais ainda, pessoas com interesse em dar condições
Figura 66: Crianças conversando na calçada Fonte: acervo da autora
para que outras pessoas viessem participar (ver) o que “encontraram”. Estas últimas são as responsáveis por boa parte das transformações, não só pela própria produção do seu espaço, mas por movimentar o fluxo de diversos grupos de indivíduos – e motivar outros tantos – que percebem e participam e influem de alguma forma na conformação espacial da Cidade. As influencias externas resultam em uma nova paisagem e organização espacial onde a habitação é um elemento-chave, mas por ser um município recente, muito do original convive com o novo. Portanto, algumas mudanças foram percebidas no tocante à habitação, como a clara diferenciação entre o público e o privado e uma maior preocupação
Figura 67: Panelas secam da cerca do quintal Fonte: acervo da autora
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e louça no quintal). Tudo isto ainda pode ser observado nos dias de hoje (figuras ao lado).
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em se preservar o privado, o íntimo. Isto se reflete na forma de recuos murados que impossibilitam o convívio social. Esta foi a solução encontrada para a falta de privacidade alegada, agora, pelos moradores, notadamente os moradores mais recentes ou com melhores condições econômicas. Estes também são os que utilizam materiais e formas arquitetônicas mais diversificadas, fazendo com que suas residências assumam uma tipologia que pode ser encontrada em qualquer parte do Brasil, senão do Planeta. O aumento do valor dos terrenos próximos à praia e à margem da Avenida dos Arrecifes, de alguma forma, proporciona a execução daquelas novas moradias na Cidade. É por causa da sua venda que os moradores antigos – aqueles que tinham suas casas construídas em verdadeiras glebas – estão construindo suas novas casas, num local mais afastado do litoral, às vezes em uma parte do seu terreno original, senão, em um terreno mais barato localizado na região de tabuleiros. Nesta região, no entanto, não se nota grandes investimentos do poder público. Com relação ao meio urbano, ele tem atuado
neste item, observar o modo com que esses elementos construtivos se relacionam com o meio ambiente em questão. Da mesma forma que as novas residências, a urbanização da orla de São Miguel do Gostoso está sendo feita como poderia ser em qualquer orla; sem levar em consideração os materiais mais facilmente encontrados na Cidade, ou a integração com a paisagem. Ainda assim, a paisagem litorânea de São Miguel se sobressai, pois a sua faixa de areia e vegetação natural ocupa uma área muito maior do que qualquer terminal turístico. A providência do Código de Obras em manter estas dimensões foi primordial para que as construções não chegassem ao mar, como se vê comumente em muitas praias do Brasil. A ação do poder público municipal é o assunto a ser tratado no item que se segue, Portanto, no presente item, foi visto que as transformações urbanas ocorreram de modo a marcar e definir um determinado período. Inicialmente – antes da emancipação – a grande mudança que ocorreu na morfologia da sede de São Miguel foi a abertura da região de tabuleiros pela Rua dos Dourados, a partir de então a ocupação desta região só tem se intensificado e tende a intensificar-se cada vez mais. Com a chegada do município, notadamente na primeira gestão – de 1997 a 2000 – a Cidade passou por um processo de adaptação à nova condição, quando se percebia o interesse da sociedade em se afirmar como cidadão integrante da zona urbana municipal. A partir daí – 2000 a 2004/2005 – as atenções da população e do poder público voltam-se para a transformação espacial propriamente dita, dotando a Cidade de uma paisagem urbana, decorrente da implantação da infra-estrutura e dos equipamentos urbanos necessários. É também neste momento que se percebe mais claramente o potencial turístico de São Miguel do Gostoso, como a chegada, cada vez mais freqüente dos novos atores sociais. Com isto, tem-se o pontapé inicial para se intensificarem as transformações na paisagem
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nas áreas mais próximas à costa com a implantação de equipamentos para o turismo, portanto, com interesses evidentes. Mas cabe
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da cidade, que tem um forte poder de atração para o turismo. No momento atual, portanto (a partir de 2005), o turismo – e o grande fluxo de pessoas, de um modo geral – é o que mais tem marcado a Cidade, tanto no processo de ocupação urbana e produção do espaço, quanto na troca de valores estéticos e de modos de vida.
4.3 ASPECTOS POLÍTICO INSTITUCIONAIS Notadamente a partir do segundo mandato as obras de incentivo ao turismo passaram a ser uma constante no orçamento municipal. A administração tem conduzido
uma boa utilização por parte dos moradores. O que se percebe nas obras de melhorias urbanas é a marca de um conceito equivocado de urbanização, ainda que seja o mais usual, no qual se prega a artificialização do ambiente, para que este adquira um “ar” de cidade, quando a urbanização deveria ser compatível com uma determinada noção de urbanidade que explorasse, sobretudo os aspectos ambientais e paisagísticos locais, ao invés de se procurar adensar e transformar a Cidade em um ambiente intensamente urbano.
O que se percebe junto aos moradores – quando perguntados o que mudariam em São Miguel do Gostoso – é o desejo de mais urbanização, entendida por eles como organização urbana e afirmação do lugar enquanto cidade. Os maiores anseios destes atores sociais são no tocante à infra-estrutura urbana: muitos se referem ao abastecimento de água, ao alinhamento e pavimentação das ruas, à construção de equipamentos urbanos. Neste último caso, merece destaque a necessidade de um local para o comércio municipal, muito citado principalmente pela população mais antiga da Cidade. A carência deste local pode ser notada cotidianamente, quando alguns produtores montam suas
Figura 68: Barraca no canteiro Fonte: acervo da autora
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este orçamento de modo que as obras não sejam de uso exclusivo do turista, apresentando
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barracas em qualquer ponto do canteiro, principalmente da avenida principal (figura 68), ainda que esta não seja uma prática muito intensa. Um outro equipamento bastante citado nesta questão foi um local para o lazer, enfocando-se o lazer infantil, visto que os locais mais utilizados pelas crianças, são os canteiros à margem das ruas (figura 69). Inclusive as próprias ruas são utilizadas para o fluxo de pedestres, incluindo as crianças, que muitas vezes trafegam sozinhas (figura 70). Percebe-se com isto, que a população local é ciente da necessidade de urbanização, principalmente porque ela está chegando de alguma forma, mas a Cidade não está acompanhando esta chegada com um ordenamento espacial adequado, que proporcione
Figura 69: Crianças brincando no canteiro Fonte: acervo da autora
localizam onde normalmente a comunidade local está ou passa maior parte do seu tempo, por isso, tem de se deslocar até eles. No caso da Praça do Maceió, a única praça em meio urbano, não se percebe uma utilização assídua da população do entorno – acredita-se que isto se deve à pouca arborização que, numa Cidade com tantos dias de sol intenso, é fundamental. A falta de água também foi mencionada pela população local, que não tem alternativa para o próprio abastecimento. Já os empreendedores do turismo, notadamente os donos das maiores pousadas, por também não sentirem segurança em relação ao sistema de poços público, cavaram seu próprio poço. Eles esperam por um abastecimento de qualidade, através de adutoras, por se preocuparem com a contaminação do lençol freático. Segundo o proprietário da pousada Casa de Taipa, o lençol freático que abastece a Cidade é muito superficial – está entre seis e dezoito metros de profundidade – e não há uma capacitação dos profissionais da construção civil local, que constroem as fossam sépticas, para que isto se dê da maneira mais segura possível. Este é outro fator citado pelos empreendedores, a necessidade de saneamento básico, uma obra pública muitas vezes esquecida da população – por não estar à vista.
Figura 70: Crianças trafegam pela Avenida Fonte: acervo da autora
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bem estar a todas as camadas da população. Os equipamentos de lazer implantados não se
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O problema do abastecimento da água também é uma preocupação constante dos veranistas. As exigências destes em relação à atuação do poder público são muito parecidas com as da população permanente; citam a necessidade de ordenamento viário, arborização, mas não sentem falta de locais públicos de lazer e sim de locais como bares, restaurantes e outros serviços de lazer privados. Neste ponto, o grupo dos veranistas se assemelha ao grupo de turistas; boa parte destes anseia por diversão noturna – de característica urbana – e também como os primeiros, sentem falta de serviços de comunicação como celular e Internet. Além dos anseios e preocupações dos principais grupos de atores sociais considerados neste trabalho, é importante lembrar e associar a eles a questão da segregação urbana muito decorrente do incremento da atividade turística, quando esta acaba por valorizar demasiadamente as áreas procuradas pelos investidores. A seguir, o relato de um dos proprietários da Pousada Casa de Taipa:
Há benefícios causados pelo turismo – a implantação de infra-estrutura urbana, aquecimento da economia local, valorização da cultura e paisagem locais – e também impactos negativos decorrentes dele, como o comprometimento dos sistemas de água e esgoto, as influencias arquitetônicas e urbanísticas (que podem causar rupturas na paisagem local), a diminuição da qualidade de vida dos habitantes permanentes (que acabam por perder atenção para os “habitantes temporários”)... No entanto, para Fonseca (2005) a especulação imobiliária, é o principal responsável pelo desequilíbrio das áreas e Cidades com interesse turístico devido à precária infra-estrutura dos órgãos públicos municipais e estaduais para a fiscalização; a impunidade dos infratores; o desconhecimento e despreparo de alguns empresários para a obtenção de informações referentes ao funcionamento de seu negócio; uma certa omissão e conivência dos poderes públicos, especialmente o poder municipal, em relação às irregularidades apresentadas pelos empreendimentos e construções (FONSECA, 2005, p.42).
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Quando chegamos aqui, se tivéssemos capital suficiente para comprar um terreno próximo do mar, a gente teria feito. Mas, não dispúnhamos de capital para fazer esse investimento, porque os terrenos na orla já estavam inflacionados. Então buscamos uma alternativa que se encaixasse no perfil da nossa construção, que seria, a taipa... mais pro campo, mais para dentro da Cidade. E estamos muito satisfeitos com a Pousada. Quanto à especulação, esse terreno aqui onde a gente está (região de tabuleiro), há dois anos ele era negociado a uns 700 reais, hoje está entre 7.000 e 10.000 reais. Isto se deve muito à valorização que a Pousada proporcionou. Dizem que São Miguel do Gostoso tem um dos metros quadrados mais caros do Rio Grande do Norte. MAZUREK, Ruy Rubens (Pousada Casa de Taipa), 2007.
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O instrumento público que pode amenizar o impacto da especulação imobiliária, bem como de outros problemas urbanos, é o Plano Diretor Municipal. A proposta do Plano para São Miguel do Gostoso está sendo estudada desde o ano passado, quando foi cobrada a obrigatoriedade, instituída pelo Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001, que entrou em vigor no dia 10 de outubro de 2001 – segundo o qual, o Plano Diretor é obrigatório para os municípios: •com mais de 20.000 habitantes; •pertencentes a regiões metropolitanas e aglomerados urbanos; •em áreas de especial interesse turístico; •em áreas de influência de empreendimentos com significativo impacto ambiental; •onde o Poder Público pretenda utilizar os instrumentos previstos no parágrafo 4o do art. 182 da Constituição Federal.
Diretores apenas para as cidades integrantes dos dois primeiros grupos supracitados, sem, no entanto, dispensar a obrigatoriedade para as demais. São Miguel do Gostoso é uma delas e está nas primeiras etapas para a elaboração do seu plano: a aplicação de oficinas junto à comunidade local, de forma a capacitá-la a participar da elaboração. Tem-se observado, que a sociedade está amplamente interessada na proposta de um Plano Diretor Municipal. Sendo representada, nas oficinas, principalmente pelos moradores e investidores locais – dentre os atores sociais trabalhados – embora os veranistas também tenham uma participação direta na produção do espaço da Cidade e deveriam estar mais envolvidos como a população e o poder público local. Sabendo da responsabilidade que cabe ao Poder Público Municipal no sentido de manter o equilíbrio físico e social da sua Cidade, o próximo capítulo vem fazer considerações e críticas na forma de diretrizes que assegurem e valorizem a identidade sócioambiental do espaço urbano no decorrer das suas transformações.
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Tendo visto o número elevado de municípios que se enquadram nestas definições, em 2006 foram cobrados os Planos
CAPÍTULO 5
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5. Diretrizes CONSIDERAÇÕES E CRÍTICAS Segundo Milton Santos, cada lugar ao ser reconhecido por suas peculiaridades físicas e culturais deve ressaltar “suas virtudes por meio de seus símbolos herdados ou recentemente elaborados, de modo a utilizar a imagem do lugar como ímã” (SANTOS, 1996, p.214), principalmente se o reconhecimento de uma identidade física e cultural do espaço partir (também) da própria população. A atividade turística está diretamente associada ao espaço municipal e, por isto, seu desenvolvimento deve estar enquadrado no planejamento municipal, de modo a cumprir as regras/ normas estabelecidas por este. Cabe então, na elaboração
Para Jean Marie Miossec o espaço turístico “é antes de tudo, uma imagem, formada pelos organizadores de viagens” “(...) imagem complexa, mistificada, refletida pelos posters, pelos guias, pelos catálogos, pelas pinturas, pelos livros, pelos filmes...” (PIRES, 1999, p. 162)
Atualmente e no caso do Brasil, poderíamos complementar com a atuação também a Internet e das novelas. Priorizando o desenvolvimento social no Município, o planejamento urbano deve se basear também na formação ou afirmação de uma imagem que reflita a identidade física e cultural (ou sócio-ambiental) do espaço da Cidade, observando-se seus potenciais paisagísticos e suas peculiaridades morfológicas. Há quem diga que é cabível, para preservar uma unidade tipológica das edificações da Cidade, a adoção de um critério construtivo, onde só se permitam construir ou reformar quando o produto final não comprometer esta unidade. É interessante considerar a presença de uma tipologia edilícia como um elemento-chave da paisagem de São Miguel do Gostoso. A manutenção de uma unidade tipológica pode ser fomentada em algumas áreas urbanas, notadamente as duas ruas principais – Avenida dos Arrecifes e Rua dos Dourados, onde há o predomínio de edificações originais, as primeiras da Cidade. Porém, o investimento turístico nos terrenos à margem da Avenida dos Arrecifes, além se aumentar o valor destes, acaba por descaracterizar a predominância daquela tipologia, que é especialmente residencial.
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de um planejamento, levar em consideração a promoção de uma imagem turística.
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A presença de residências à margem da avenida principal, faz com que a sua paisagem seja sempre ocupada pelos moradores – atores do convívio social nos canteiros daquela avenida – por isso, deve-se buscar junto a eles a real necessidade em se manter esta paisagem, que envolve tanto a arquitetura quanto a população da Cidade. Paralelamente a isto, deve-se provocar a indagação quanto à verdadeira necessidade da adoção de padrões urbanísticos globalizados na localidade, no que diz respeito à estética e aos materiais utilizados nas obras urbanas e nas novas edificações. A própria Prefeitura pode fazer um levantamento dos materiais mais adequados àquela realidade, das alternativas encontradas naturalmente pela população, as soluções estéticas que causem o menor impacto possível na paisagem da Cidade. A partir disso, executar obras de urbanização que envolvessem tanto o saber fazer local como os materiais disponíveis ali e, além disso, levando em consideração as noções de urbanidade anteriormente propostas, onde o que prevalece é a civilidade e o bem viver urbano e não o artificialismo ou a imposição de um protótipo, que acarreta em uma quebra da paisagem ou, segundo José Francisco em uma
A arquitetura e o urbanismo precisam ser entendidos a partir de práticas de desconstrução mínima, na direção de uma renaturalização espacial, para o deleite dos nossos olhos, da manutenção das paisagens e da plasticidade do lugar. Por um meio ambiente minimamente desconstruído e socialmente engajado. (FRANCISCO, 2004)
A relevância da citação acima está na promoção de um mínimo em impacto ambiental e, conseqüentemente paisagístico, o que se enquadra perfeitamente nos objetivos das diretrizes para ocupação de São Miguel do Gostoso. Estas devem ser propostas para que o crescimento e a inevitável transformação urbana ocorra causando o mínimo em perturbações nos elementos de referência da paisagem e da sociedade local. É fato considerar os anseios de uma população que acredita na possibilidade de ordenamento urbano e intensificação do turismo. Portanto, tendo um turismo impulsionado pelas características naturais do lugar, aquela urbanização deve se dar de modo a afirmar a identidade sócio-ambiental do espaço. O próprio turismo, e os recursos que acompanham à sua prática, podem ser estimulados quando há a possibilidade de integração da comunidade a uma nova realidade que se mostra com a chegada de novos investidores na paisagem local – conhecida pelas belezas naturais e almejada por tantas pessoas que vivem nas grandes cidades – de modo que os investidores é que sejam incentivados a compartilhar da cultura, do modo de vida simples, da preservação ambiental e da promoção e manutenção da paisagem típica da Cidade.
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desconstrução.
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Neste sentido, o Poder Público deve ter o domínio da situação não só com a instituição de normas a serem seguidas, mas, e principalmente, investindo na infra-estrutura que garanta a qualidade de vida dos diversos atores sociais e o permanente interesse em se investir no Município. Quanto a isto, o saneamento básico merece a atenção inicial, bem como o tratamento adequado da água para o consumo doméstico. No tocante à paisagem, que no caso de São Miguel do Gostoso é intimamente relacionada ao modo de vida da população e à conformação espacial local, é válido considerar as seguintes diretrizes. Embora a análise da paisagem tenha sido feita segundo três eixos – sócio-econômico, físico-ambiental e político-administrativo – tais diretrizes são propostas, em sua maioria, limitando-se basicamente ao eixo físico-ambiental; campo de atuação mais direto do arquiteto e urbanista. São elas:
Fazer o levantamento integral das principais ruas da Cidade – Avenida dos Arrecifes e Rua dos Dourados – com medições lineares e topográficas, possibilitando o entendimento na íntegra da sua conformação histórica, e como
de árvores e arbustos encontradas.
Observar quais os usos viáveis para as áreas mais largas dos canteiros daquelas avenidas e associando aos moradores e demais proprietários com o intuito de manter viva estas áreas, seja quanto à sua função ou quanto à manutenção.
De acordo com os usos encontrados e com o interesse dos investidores em implantar as suas construções nessas vias, estabelecer normas quanto à harmonia paisagística, principalmente no que diz respeito aos recuos, arborização, materiais utilizados e integração com as demais construções.
Propor junto aos empreendedores uma forma de participação social que estimule a troca de conhecimentos acerca da realidade local, que possibilite a integração e a identificação mútua, bem como uma maior valorização da paisagem urbana, que engloba a tipologia construtiva e o tratamento paisagístico do seu entorno.
Fazer o levantamento das demais vias abertas espontaneamente para que possam ser dimensionadas, receber pavimentação, diferenciação de fluxos e tratamento paisagístico adequadamente.
Observar e propor a abertura prévia de novas vias de modo a garantir uma boa dimensão destas e alinhamento das quadras.
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forma de documentar as variações nos canteiros, a implantação das edificações, os usos predominantes, as espécies
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Propor a oficialização e tratamento adequado de vias clandestinas que dão acesso à orla, visto a pouca quantidade de acessos neste sentido. Observando sempre o modo menos impactante à paisagem e natureza local – principalmente por estar na região dos coqueirais.
Incentivar a manutenção do coqueiral com plantações de mais coqueiros e punição para a degradação.
Reafirmar o limite de construção e de gabarito na orla, previsto com o Código de Obras, de modo que assegure a largura generosa da faixa de areia e, com isto, seja proporcionada uma sensação de amplitude, onde, ainda que haja uma quantidade de pessoas, seja difícil ocupar toda aquela faixa.
Buscar junto às alternativas construtivas dos diversos atores sociais expostos – moradores, veranistas, turistas e investidores – os materiais e métodos mais comuns à realidade local (que esteja presente na sua natureza e na história) e mais viáveis economicamente para aplicar na construção das obras públicas. Levar em consideração os meios de transporte mais utilizados pela população – o caminhar e o pedalar – e propor ciclovias e passeios públicos integrados a rede viária existente, principalmente quando se trata de uma via de grande fluxo, ou com tendência a um grande fluxo – as vias mais largas comportam as ciclovias à margem da via destinada aos veículos e ainda passeios públicos paralelas a estas.
Considerar o desafio da criação de vias para pedestres nas ruas principais, já que nelas, as edificações foram implantadas sem se preocupar com o seu alinhamento. Contudo, esta diferenciação na dimensão da rua pode ser um ponto positivo, em se tratando de promover a imaginabilidade da Cidade, que deve ser muito bem explorado quanto aos usos das áreas mais largas e ao tratamento paisagístico da avenida como um todo.
Avaliar a proposta de redefinição dos lotes – principalmente dos moradores antigos e dos mais carentes (que subdividem seus lotes) – e de abertura de vias, tendo em vista o melhoramento do traçado viário e dos acessos aos lotes.
Encaminhar um projeto de sociabilização dos terminais turísticos, de modo que sejam capazes de atrair tanto a população permanente quanto a população intermitente, sem que haja diferenciação espacial – tampouco a degradação da paisagem natural.
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Considerar a construção de um centro comercial para a população local em uma área central e com tendência à valorização imobiliária, de modo a estimular a permanência dos moradores no centro e o convívio deles com os demais atores sociais.
Estimular na população o questionamento acerca do aumento dos valores dos terrenos localizados em determinadas áreas, de modo que haja a cobrança da função social da propriedade por parte desta população – moradores.
Considerar ainda que a identificação por parte dos moradores com a paisagem urbana, relaciona-se ao fato de eles reconhecerem naquela de paisagem um espaço próprio, de modo que a “expulsão branca” tende a afetar tal reconhecimento e identificação.
Considerar a necessidade de se incentivar o uso permanente (ou com uma freqüência determinada) dos equipamentos voltados para o turismo, como restaurantes, bares e pizzarias – que estão localizados em uma área
Estimular a promoção de outros tipos de turismo, que envolvam atividades diversas das do trinômio sol/ mar e vento e que atraiam a visitação à Cidade durante todo o ano. Ex.: turismo ecológico.
Promover o usufruto da Cidade – e da paisagem da Cidade – por todos os agentes sociais igualmente. Unindo as suas diferentes percepções em uma só identidade. “A praia vazia é a cara de São Miguel do Gostoso” Domínio público
É importante lembrar que tais atitudes por parte do Poder Público devem estar previstas na proposta do Plano Diretor da Cidade, como a criação de Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS – que venham garantir a permanência dos moradores locais – principalmente os de renda mais baixa – em certas áreas da cidade, e não estimular sua expulsão para as periferias. Ampliar as noções de urbanidade encontradas em uma sociedade globalizada como a nossa, que atribui ao artificial, ao construído (ou urbano) o poder de melhorar o mundo – e nisto estão embutidas questões de ordem econômica, de qualidade de vida e de políticas públicas – é uma atitude que também pode ser tomada pelo Poder Público, de forma a se preservar e valorizar a paisagem e o modo de vida próprios do lugar. Tem-se, portanto, a relevância do estudo da urbanidade; para que haja coerência quando da necessidade de ordenação espacial, bem como da proposta de intervenção física no espaço social.
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valorizada, porém só funcionam na alta estação.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Por se tratar da análise de um processo de transformação que está ocorrendo no momento presente, é, no mínimo, contraditório encerrá-la com Considerações Finais. Os objetivos do trabalho em si, já revelam que tal pesquisa visa fornecer diretrizes para que as transformações urbanas na Cidade de São Miguel do Gostoso continuem a ocorrer, porém de uma maneira sensata, de modo a promover a qualidade de vida da população, a preservação ambiental e a manutenção e valorização de uma paisagem urbana singular – que integra o natural e o construído – que se configura na identidade da Cidade. Foi visto que o período escolhido para a análise, de fato, contém momentos cruciais de transformação urbana, e esta ocorre nos três eixos estudados – sócio-econômico, físico-ambiental e político-administrativo – de modo a formar a paisagem da Cidade. Quanto ao primeiro eixo, a mudança mais significativa foi a admissão de novos atores sociais (veranistas, turistas e investidores)
emancipação veio marcar o início das transformações mais significativas, pois com um poder público municipal, a Cidade pode responder por si e por seus interesses. Entre eles está o turismo: bastante estimulado na região, passou a ter um foco especial na natureza de São Miguel do Gostoso. Estes dois eixos, no entanto, convergem para o eixo central, onde toda a mudança é expressada de modo a tornar possível um entendimento da realidade local com base na paisagem e na conformação espacial. Todo o estudo foi desenvolvido observando-se o modo com que os diversos atores sociais – e isto inclui o poder público – intervêm no espaço de uma localidade. As conclusões a respeito desta observação são no sentido de fomentar a discussão a respeito da real necessidade de urbanização e da relação desta com as noções de urbanidade trabalhadas. Por ser um meio bastante heterogêneo, principalmente, no tocante aos atores sociais, percebe-se a presença de visões bastante diversas quanto se trata da necessidade de urbanização, porém o anseio por qualidade de vida, tranqüilidade, respeito e equilíbrio com a natureza vem uni-los, pois apresentam uma noção de urbanidade comum. Esta urbanidade deve ser considerada no momento da proposta de intervenções para o espaço da Cidade, notadamente pelo poder público e pelos investidores no turismo (por apresentarem tanto interesse na paisagem local), observando-se sempre que tais intervenções refletem na paisagem – o elemento-chave tanto para atrair investimentos e promover o desenvolvimento da Cidade, quanto para afirmar a presença de uma identidade sócio-cultural do lugar
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que vieram se relacionar tanto com o espaço do município quanto com a sociedade já existente (moradores). No terceiro eixo, a
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