Belemdetodasasepocas

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HISTÓRIA

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FOTOGRAFIA

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ARQUITETURA l DOCUMENTÁRIOS l CINEMA l CARTÕES POSTAIS

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INDÚSTRIA l ARTES VISUAIS Belém de Todas as Épocas 1



EDITORIAL

AMOR E MEMÓRIA

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JOSÉ OLIMPIO BASTOS - Superintendente Regional do SESI/PA.

SISTEMA FIEPA através do Serviço Social das Indústrias - SESI/PA ao integrar as festividades de comemoração de Belém 400 Anos, apresentou a Exposição Multimídia “Belém de Todas as Épocas” que incluiu a exibição de acervos históricos, painéis fotográficos e monitores digitais com arquivos de períodos distintos dos séculos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI com registros em audiovisuais, textos e imagens de Belém do Pará. A Exposição, dividida em quatro partes: “Colônia”, “Império”, “República”, “Belle Époque” e “Modernidade” foi uma retrospectiva de vários períodos de épocas da história de Belém, desde sua Fundação até os dias de hoje. As diversas imagens, incluindo gravuras, ilustrações, cartas, mapas, fotografias, cartões-postais, charges, partituras e outras obras raras, trouxemos para esta publicação. A história da cidade contada por meio da arte, do registro, da arquitetura e urbanismo, bem como da vida política, religiosa, cultural e política de seus habitantes é uma extensão do que pensamos. A decisão do Serviço Social das Indústrias – SESI/PA em integrar o conjunto de iniciativas culturais em torno do aniversário dos 400 anos de Belém do Pará partiu do reconhecimento da importância histó-

rica, econômica, social e cultural da cidade que abriga sua sede. Sem dúvida as parcerias estabelecidas com as entidades de pesquisa e ensino. Entre elas o Arquivo Público, Comissão Demarcadora de Limites, Prefeitura Municipal de Belém, Museu de Arte de Belém, Assembleia Legislativa, Instituto Histórico Geográfico do Pará – IHGP, Fundação Cultural do Pará – Seção de Obras Raras, Centro de Memória da Amazônia, Instituto Amazônia Brasil, Museu da UFPA, UFPA 2.0, Fórum Landi, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU, JUCEPA, REVISTAPZZ - ARTE, EDUCAÇÃO E CULTURA contribuíram para o projeto. Nosso objetivo é recontar nossa história, estimulando o sentimento de pertencimento e amor da população pelo patrimônio cultural e histórico da cidade através da valorização de iniciativas que deixaram suas marcas no tempo, na memória e no coração da cidade. Boa Leitura!


A CONQUISTA DO AMAZONAS PRIMEIROS HABITANTES COSTUMES DOS INDÍGENAS A CHEGADA A REVOLTA DOS TUPINAMBÁS A DOMINAÇÃO PORTUGUESA NO VALE AMAZÔNICO 1631: A CIDADE E O SENTIDO URBANÍSTICO DE SUA EVOLUÇÃO SANTA MARIA DE BELÉM DO GRÃO PARÁ - 1662 AS MISSÕES RELIGIOSAS Santo Alexandre, O Barroco e a presença dos Jesuítas em Belém Ordem dos Mercedários Ordem dos Franciscanos O Período Pombalino Landi - O novo traçado de Belém Landi - O Naturalista Landi - O Arquiteto Imprensa e Poder Igreja do Carmo Igreja de São João Batista Igreja de Santana Devoto de Santana Catedral da Sé

A Borracha e o início da expansão comercial em belém 1840-1920 FÁBRICA PALMEIRA FÁBRICA DE CERVEJA PARAENSE pavilhão da vesta THEATRO DA PAZ PRAÇA DA REPÚBLICA PARIS N’AMÉRICA FRANCISCO BOLONHA PALACETE BOLONHA MERCADO MUNICIPAL Fábricas de Gelo TRANWAYS DE BELÉM INSTITUTO LAURO SODRÉ ASYLO DA MENDICIDADE OS ZEPPELINS EM BELÉM O GRANDE HOTEL

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COLÔNIA 1616-1808

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Século XVI Antecedentes do Descobrimento do Brasil Iniciara-se o século XVI com a descoberta de um vastíssimo território que constituiu a maior e a mais esplendorosa joia da refulgente coroa portuguesa. E todo esse século celebrizou-se por audaciosas aventuras em torno da imensa costa dessa colônia riquíssima e de futuro grandioso. Os primeiros relatos vem da viagem de Vicente Yanez Pinson, em 1500, rumando de Pernambuco para o Norte, até o Amazonas, a que ele chamou de Santa Maria de la Mar Dulce, e que singrara rio acima 20 léguas, indo depois até o rio Oiapoque, costeando o Pará, denominando cabo de São Vicente o que posteriormente foi chamado de Orange, outro espanhol, Diego de Lepe navegou no rio das Amazonas, ainda naquele mesmo ano. Depois dos espanhóis, navegaram as águas paraenses, os portugueses João Coelho, em 1502, João de Lisboa, Diogo Ribeiro, Fernam Fróes, 8 Belém de Todas as Épocas

Francisco e Pero Corso. Com fins diversos, de 1503 a 1513, navegaram estes por vários pontos da imensa costa setentrional do Brasil. O cabo Raso, ou do Norte, fora batizado por Fernam Fróes com a designação de cabo Corso, apelido dos irmãos deste nome, seus companheiros de navegação. Depois os portugueses se afastaram do norte do Brasil; preocupados inultimente em impedir as inúmeras tentativas que dia a dia aumentavam de ousados traficantes, deixaram essa imensa parte da colônia entregue à ganância e ambição de estrangeiros. São os espanhóis do Peru, que em busca do El-Dourado, descem o rio das Amazonas, de conquista em conquista. É Gonçalo Pizarro, que fica em meio da viagem e manda Orellana continuar a conquista, retrocedendo ele desanimado e vencido. Orellana e seus audazes companheiros desceram o grande rio até à sua foz, indo ter a Espanha, de onde aquele voltou com o pomposo


A LENDA DAS AMAZONAS O ATAQUE DAS AMAZONAS

ANTONIO PARREIRAS: A Descoberta do Amazonas, 1908. Óleo sobre tela, 226 x 510 cm. Belém, Museu Histórico do Estado do Pará - MHEP. título de governador e general daquelas terras que ele julgara ter descoberto – as terras do Pará. Em 1539, Orelana, enganando-se de foz, entrou pelo rio Pará, estuário do rio Tocantins, e desnorteado em tal labirinto, consegue por fim voltar só, indo ter à ilha Margarida, onde terminou os seus dias. A ele se deve a denominação de Amazonas dada ao grande rio, pois que fora neste atacado com furiosa bravura por uma tribo de mulheres guerreiras quando descia, com a sua expedição, o rio-mar, segundo ele mesmo refere.

«Narrou Orellana que, em fins de junho de 1539, ao dobrar um ponta do rio, avistaram os exploradores uma grande villa indígena, tendo uma espaçosa praça á frente; e, como de costume, alguns soldados approximaram-se da terra em uma canoa, afim de entabolarem relações com os indios, para permuta de objectos de uso por maiitimentos.'' Qual não foi, porém, a surpreza geral ao verem a pequena embarcação acossada terrivelmente por uma legião de mulheres semi-núas, robustas e varonis, com os longos cabellos trançados ao redor da cabeça, que, recurvando grandes arcos, faziam chover mortíferas flechas sobre os míseros soldados. «Orellana, vendo cair cinco dos seus companheiros, ordenou que o bergantim se aproximasse da terra, protegendo a retirada das canoas. Esta manobra e a violência do ataque dos arcabuzes não demoveram as irritadas guerreiras das suas primitivas posições, sem que o numero de mortos e feridos lhes parecesse causar espanto. » « O audaz capitão hespanhol, que dera antes o seu nome ao rio, cuja correnteza o conduzia a tão extranhas aventuras, chamou-o então Rio das Amazonas, em lembrança da valente hoste, que tão denodadamente buscara tolher-lhe os passos.» Poucos auctores acreditam hoje na existência das Amazonas como agrupamento de um só sexo. Acreditam que se trata de mulheres que se batiam ao lado dos homens, o que parece mais natural e verídico. No entanto, não fica ahi a curiosa lenda dessas mulheres guerreiras. Viviam sós e só recebiam os homens de tribus visinhas uma vez no anno, dandolhes, por occasião da partida, como lembrança das passageiras nupcias, um amuleto, a muyrakitan, pedra esverdeada, verdadeiro jade, que diziam retirar do lago de Juciuaruá (espelho da lua). A existência das muyrakitans, encontradas de facto no Valle do Amazonas, provou aos archeologos que os indios da America são provenientes de povos asiáticos. O jade não existe absolutamente na America e é abundante nas regiões orientaes da Ásia, cujos filhos povoaram a America e perderam a civilização pátria nas tenebrosas sombras de suas mattas e através da successão modificadora dos séculos. Através do Amazonas, do Pará e do Maranhão pelos Drs. Victor Godinho e Adolpho Lindeberg

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COLÔNIA

AS

A CONQUISTA DO AMAZONAS Mais tarde, em 1560, nova tentativa de conquista do Amazonas, sempre em busca do El-Dorado, por Pedro Ursua, vindo do Peru, o qual no ano seguinte foi assassinado pouco abaixo da confluência do rio Napo, pelos companheiros amotinados da expedição. O chefe revoltoso, Lobo de Aguirre, proclamou D. Fernando de Gusmão, rei do novo império, emancipado da Espanha. E, rio abaixo, seguiu o reino ambulante, indo finalmente dissolver-se pelo assassinato de Aguirre, vítima de seus crimes. Depois desse desastre espaçaram-se as invasões aventurosas de estrangeiros às regiões amazônicas. A partir de então, os espanhóis, ingleses e flamengos buscaram o comércio no arquipélago da embocadura do grande rio. Não tardaram vir em seguida os franceses, e cada grupo a seu turno tranquilamente ia se acomodando, fixando estabelecimentos de comércio atrás de redutos entrincheirados. Em 1594 o francês Jacques Riffault, traficando nas costas do estuário amazônico, conseguiu fixarse na ilha da Trindade (São Luiz do Maranhão), e ao abandonar essa nova colônia, partindo para França, ali deixou Charles des Vaux entre os índios. Este, por sua vez, conseguindo chegar à França, ali moveu Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, a tentar a colonização das terras onde estivera, que eram dignas de tal tentativa. 10 Belém de Todas as Épocas

Na colonização da conquista do Pará encontraram os portugueses a vastíssima bacia amazônica completamente povoada de um sem número de tribos indígenas. Era a fertilidade do solo, a grande quantidade de peixes e quelônios dos rios e a caça abundante das matas que provocara essa densidade da população. Em 1612 desembarcaram os franceses capitaneados por La Touche, e não demorou que este, fazendo pazes com os índios, fundasse a cidade de São Luiz, nome dado em homenagem ao seu rei, Luiz XIII da França. Em 1613 Daniel de La Touche, o senhor de La Ravardière, tendo já fundado São Luiz do Maranhão, vem ao Pará, onde se demorou no aldeamento dos Caetés, região de Bragança e entrou depois nos estreitos do rio Pará que tinha às margens cheias de povoações de índios da tribo Tupinambá. Em breve mostraram estes boa amizade aos franceses, e La Touche, para retribuir tão propícia camaradagem, atacou os índios Camarapins, belicosos e inimigos odiados dos Tupinambás. Para aniquilarem aqueles, subiram estes e os franceses o rio Tocantins, entre a atual cidade de Cametá e a antiga Camutá Tapera, primitiva fundação daquela, até o aldeamento dos índios Pacajás e Parijós, entre a atual cidade de Cametá e a antiga Camutá Tapera, primitiva fundação daquela. E ali os atacantes derrotaram completamente os camarapins, índios desse rio. Insatisfeitos, La Touche ia tentar subir o rio Tocantins, em busca


de novas explorações, quando lhe chegou um aviso urgente do seu preposto no governo da colônia de São Luiz, o sr. De Pisieux, dando-lhe a assustadora notícia de que os portugueses atacavam a colônia, pondo-lhe assim em perigo a existência. Abandonando precipitadamente a exploração do rio Tocantins, La Touche parte de volta para o Maranhão. Avançava lentamente para o norte a muralha indestrutível da gente portuguesa, indo, metódica e firmemente, vencendo todos os obstáculos, todas as nações e em todos os lugares. Do Sul ao meio Norte do Brasil a conquista estava solidamente feita. Era agora a vez de tentá-la aqui no extremo norte do país. E assim, de 1584, com a conquista da Paraíba, a expansão geográfica e colonial portuguesa alargara-se, fechando no curto espaço de 31 anos o ciclo de seu poderio no âmbito das terras que o meridiano de Tordesilhas lhe marcara. Na colonização da conquista do Pará encontraram os portugueses a vastíssima bacia amazônica completamente povoada de um sem número de tribos indígenas. Era a fertilidade do solo, a grande quantidade de peixes e quelônios dos rios e a caça abundante das matas que provocara essa densidade da população. Todos os escritores estão de acordo em afirmar que foram os Tupinambás, emigrados do Sul, os indígenas que viviam em terras do Pará, ao tempo da descoberta. Entretanto, nativos daqui, podem-se hoje, com os estudos de sábios americanistas alemães, sobretudo Paul Ehrenreich e Von den Stein, enumerar indígenas como tupis puros, os tembés, do Acará e Capim; os pacajás, os jacundás, os tapirauás, da margem esquerda do Tocantins; os tecunapeuas, do Xingú; os maués, de entre o Xingú e o Tapajós; os anambés, do baixo Tocantins; e como tupis impuros os jurunas, do baixo Xingú, e os mundurucus, do baixo médio Tapajós. Na vasta ilha do Marajó estava a imensa tribo dos Aruans, subdividida e ramificada em todos os sentidos dessa ilha. Após quatro séculos de conquista, a raça dos nossos selvícolas foi dizimada das cidades, resiste em alguns pontos no interior da selva, não resistiu à degradação, à crueldade e ao massacre. Não varia a história das conquistas, ela é uma só. Variam apenas os pormenores do processo conquistador. Vencidos, escravizados e mortos, os nossos índios sempre receiaram o contato civilizador, rememorando, talvez, através do tempo e do espaço, por doloroso ataque ancestral subconsciente, a mortandade abominável e inútil praticada no tempo da primeira penetração imperialista do aventureiro europeu.

Após quatro séculos de conquista, a raça dos nossos selvícolas foi dizimada das cidades, resiste em alguns pontos no interior da selva, não resistiu à degradação, à crueldade e ao massacre. Não varia a história das conquistas, ela é uma só. Variam apenas os pormenores do processo conquistador. Vencidos, escravizados e mortos, os nossos índios sempre receiaram o contato civilizador, rememorando, talvez, através do tempo e do espaço, por doloroso ataque ancestral subconsciente, a mortandade abominável e inútil praticada no tempo da primeira penetração imperialista do aventureiro europeu.

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COLÔNIA

A índole pacífica dos índios do Pará e a sua adaptação ao ensino ministrado pelos missionários. Vago e difuso é o tema a estudar. A diversidade de tribos, cada qual com o seu caráter típico, com a sua índole e costumes peculiares, espalhadas por este vastíssimo vale Amazônico, não permitiu que sobre esse assunto algo de positivo se tivesse escrito. Entretanto, uma nota característica, um sinal geral e frisante é assinalado por todos os que dele se ocuparam. Será assim desnecessário indagar diretamente da índole pacífica dos nossos selvícolas, bastando conhecer sua cruel mortandade, praticada desde Caldeira de Castelo Branco, até o seu cativeiro criminoso mantido até muito depois da instituição pombalina da Companhia das Índias Ocidentais. Vítimas indefesas e submissas, as raças indígenas do Pará, fossem elas quais fossem, sujeitaram-se, sofredoras, aos conquistadores ávidos de fortuna a custa da vida desses pobres seres, mortos aos milhares.—Di-lo Andrés Pereira, em 1616, descrevendo a viagem de Caldeira, do Maranhão ao Pará, quando da fundação de Belém... «Fallando com o gentio que havia n'aquellas partes que facilmente com boa vontade asseitava nossa amisade, dizendo que nós hera-mos verdadeiros valentes». Continua Simão Estacio da Sylveira, em 1618, dizendo que «o gentio da 14 Belém de Todas as Épocas


terra he brioso, engenhoso e em alguns polido mais que outro do Brazil muito fácil e tratável, que deseja e procura nossa amisade e nos entregarão os filhos para os doutrinarmos com os quais se deve usar toda a justiça e caridade e lhes conquistar os, ânimos, porque nella estão cifradas todas as virtudes, e com ella mais que com as armas se conquista” . E foi assim que o índio, altivo mas ingênuos, mais tarde escravizado, começou por auxiliar com a força do seu braço e com o manejo de suas armas os conquistadores ávidos das riquezas fabulosas com que contavam. Da sua índole pacífica e passiva, o selvagem soldado, depois de auxiliar grandemente a expulsão de ingleses e flamengos, passou a ser remeiro, agricultor, pescador, caçador e servo, saindo assim de seus braços o sustento dos colonos, o transporte das mercadorias, a colheita das drogas e especiarias, o fabrico dos gêneros. Enfim todo o material necessário à vida da colônia e as aventuras dos colonizadores. Em frente a estes, erguia-se a figura simples na forma, e misteriosa no espírito, do jesuíta. Homens de profundo amor e abnegada dedicação à ordem que professavam, os jesuítas atraiam a si os índios, prometendo-lhes uma liberdade que, embora fictícia, era muito mais suportável que a escravidão brutal dos colonos. Inconteste, entretanto, é o facto de que se deve exclusivamente aos padres, não só a catequese religiosa, de que eles estavam incumbi-

dos, como também, é sobretudo, o ensino da língua portuguesa aos selvícolas paraenses. Internados pelo país adentro, os religiosos tinham a preocupação imediata de construção, embora tosca, de uma ermida onde, ao lado do ofício religioso, ministravam também a instrução, embora rudimentar e restrita ao indispensável, através das lições demoradas e profícuas do catecismo cristão. A docilidade do gentio não opunha a mais insignificante barreira a esse trabalho dos religiosos, e por isso não poucos foram aqueles que nascidos nas florestas amazônicas, recebendo de princípio os sãs ensinamentos, não tardassem a apaixonar-se pela realidade da vida nova, cujas doutrinas receberam, e de discípulos que foram, em começo, tornaram-se mestres; de catecúmenos que haviam sido, iam agora levar a palavra catequizadora ao seio de seus antigos companheiros, irmãos de sangue, consócios de aventuras, iguais no infortúnio e na ignorância de que principiavam a emancipar-se. No entanto nem sempre foi assim, os Tubinambás se revoltaram pela defesa de suas terras e em desforra a tantas perdas e crueldades dos conquistadores,. Por isso, promoveram um ataque de surpresa e com a violência natural das lutas indígenas e, muito especialmente, quando se tratava de uma reação nata, contra os colonizadores.

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COLÔNIA PRIMEIROS HABITANTES «Ao tempo da descoberta do Amazonas era a raça tupi que predominava nessas vastissimas regiões com o nome de tupinambá, certeza essa adquerida pelos varios vestigios archeologicos de louça, e muitos outros artefactos, vestigios de linguas etc. (8) D. F. V. Conto de Magalhães - Ensaio de antropologia. COSTUMES DOS INDÍGENAS Como todos os indigenas da costa, os Tupinambas se pintavam a pelle de preto azulado e de vermelho laranja, por meio de succo de genipapo e tintura de urucú. (58) Alem disso os nossos Brazileiros pintam algumas vezes o corpo com diversos desenhos e variadas cores mas sobretudo costumam empretecer tanto as coxas como as pernas com o succo de certo fructo chamado genipapo que ao vel-os assim de longe, julgar-se-ia estarem vestidos com calções de padres, e imprime-se tanto na carne essa tintura negra do fructo do genipapo que embora esses selvicolas mettam-se n’agua e lavem quanto quizerem, não a podem apagar durante 10 a 12 dias (59). GABRIEL DE SOUZA no seu Tratado descriptivo do Brazil em 1587 nos diz que «para se fazerem mais feios tingem-se todos de genipapo que parecem negros de Guiné e tingem os pés de uma tinta vermelha muito fina e as faces. Os homens e as mulheres desse paiz sao tao bem feitos como os do nosso, diz Hans Staden, (60) (1549), apenas o sol deu lhes cor mais escura,» e o mesmo nos diz Lery, que elles «não são maiores, nem mais grossos ou mais pequenos de estatura do que somos na Europa.» Quanto á sua cor natural attenta á região quente que habitam não são negros; são porem apenas morenos (basanés) como os Hespanhóes ou Provençaes. Os Tupinambás (61) sao homens de mediana estatura, côr baça, bem figurados, refeitos, semblante alegre, bem assombrados. com bons dentes, miudos e brancos, pés pequenos, cabellos curtos na cabeça

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(sendo esta a unica parte do corpo em que os conservam, arrancando todo o mais). pendente o labio inferior. Tambem abrem buracos nas faces e mettem pedras do mesmo modo, arredondam essas pedras esfregando-as. (68) Como ornatos do pescoço, os homens usam crescentes de mais de meio pe de comprimento feitos de ossos mui lizos tambem brancos aos quaes chamam jaci, nome da lua, e quando lhes apraz, os trazem pendentes ao

pescoço seguros por um cordel de algodão e batendo de chapa no peito. Depois fazem outros collares de pequeninas conchas, que furadas no centro por elles e arredondadas, são presas por um cordão e que enrolam no pescoço; outros collares sao de madeira preta, luzente como o azeviche, e os chamao de boré. As mulheres também usam esses borés, mas não pendentes e sim enrolados. (69) Os collares dos homens, como


LOCAL DE FUNDAÇÃO DA CIDADE DE NOSSA SENHORA DE BELÉM DO GRÃO-PARÁ 400 ANOS DEPOIS

dissemos, têm a forma de crescentes. Nas pernas e nos braços põem umas manilhas de pennas amarellas, e usão diadema das mesmas pennas na cabeça. (70) As mulheres fazem grandes braceletes compostos de varias peças de ossos brancos, cortados e talhados a maneira de escama de peixe, que sabem reunir umas ás outras com cera ou resina. Assim fabricam os braceletes de quasi de pé e meio de comprimento.

Ellas põem grandes ramaes de contas de toda a sorte ao pescoço e nos braços; e poem nas pernas por baixo do joelho umas tapacuras que sao do no de algodao, tinto de ver-melho, tecido de tal maneira que lh’as nao podem tirar, e que tern 3 dedos de largo. (71) Elles tingem os pés de uma tinta vermeIha muito fina, e as pernas de preto. (71) Lery resumindo o que escreveu sobre os detalhes do Tupinamba, diz o seguinte: «Si agora porém acompanhando esta

descripção, quereis figurar um selvagem, imaginae em vosso entendimento um homem mui bem conformado e proporcionado de membros, tendo arrancado todo o pello, que lhes cresce, trazendo tosquiados os cabellos da cabeça, do modo porque ja foi dito, apresentando labios e faces fendidas com ossos despontados ou pedras verdes, introduzidos nas aberturas, exibindo orelhas perfuradas- com arrecadas nos operculos, mostrando o corpo pintado e coxas e pernas ennegrecidas com tinta de genipapo e carregando pendentes ao pescoço, collares compostos de uma infinidade de pequenas peças de uma concha (vignol) que cahem até ao peito e então o vereis garboso com o seu arco ao lado e suas flechas na mão. E’ verdade que para completar este quadro devemos por junto a esses Tupinambás uma das suas mulheres a qual, na forma do seu costume, traz o filho em uma cinta de algodão e em compensação o filho conforme o modo porque o carregam abraça com as pernas as ilhargas da mãi. Fallando dos Tupinambás, Baena (72) diz que elles pintam o corpo com as duas tintas do genipapo e urucú e mais adiante sobre o seu modo de navegar, pelo menos em pequenas distancias, ou para a pesca nos diz «que no Pará, desdes os primitivos descobrimentos até o presente, ninguem ha visto os indigenas usarem senão de canôas e sobretudo de ubás, as quaes são uma casca de pau (Jutahy) de 3 braças de longo por 1/2 de largo atracadas ás extremidades com cipós em feição de popa e proa, deixando no meio uma concavidade bastante raza; estas ubas, nunca elles tem em seus portellos sem as guardarem de baixo d’agua e de mergulho; as vão desatar e fazer boiar quando dellas precisam. Servem bem essa embarcação em occasião de placida corrente. » Belem — Pará, 17 de Dezembro de 1908. Theodora Braga, Pintor brazileiro.

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COLÔNIA THEODORO BRAGA: A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, 1908. Óleo sobre tela, 226 x 510 cm. Belém, Museu de Arte - MABE. FUNDAÇÃO DA CIDADE DE NOSSA SENHORA DE BELÉM DO GRÃO-PARÁ No ano seguinte tentaram eles colonizar o Pará, onde estiveram por algum tempo. Não tardou, porém, que tal ousadia chegasse a ser sabida em Lisboa. Logo que foi conhecido o estabelecimento dos franceses no Maranhão, o governo da metrópole recomendou ao Governo Geral do Brasil a sua expulsão, seguindo-se a definitiva instalação dos portugueses nestas paragens. Para conseguir isso, Jeronimo de Albuquerque atacou-os, sendo logo depois auxiliado por Alexandre de Moura, chegado de Pernambuco, comandando uma expedição para esse fim; e a 2 de Novembro de 1615, La Touche cedeu entregando o forte, a cidade e tudo que podia comprometer a segurança da colônia. Retiraram-se depois os franceses para Europa. Essa vitória dos portugueses era, entretanto, incompleta. Estimulado por um lado pela narração de La Ravardière sobre as novas regiões do Amazonas, e por outro lado devendo expulsar os estrangeiros que sabia ali comerciarem e fixarem-se, Alexandre de Moura preparou uma expedição às terras do Pará e confiou-a a Francisco Caldeira de Castelo Branco, que com ele viera de Pernambuco, a fim de consolidar de modo definitivo o domínio da coroa portuguesa que nesta região se achava ameaçado. Em 22 de Dezembro de 1615, no forte de São Felipe, Alexandre de Moura, capitão mor da conquista do Maranhão, entregava o regimento à Francisco Caldeira de Castello Branco, a fim de que este fosse às terras do Pará para consolidar a colonização portuguesa na Amazônia e fundar um posto de vigilância e defesa contra a presença francesa, inglesa e holandesa e outros estrangeiros que estivem ocupando a Capitania do Grão Pará e de certa forma, fazer um novo descobrimento desde o grande rio das Amazonas; Pensada e preparada assim à expedição ao Pará, partiram para essa jornada de São Luís no dia 25 de dezembro de 1615, no dia de Natal, sendo escalado o piloto mor Antônio Vicente Cochado que navegava sempre à costa e dando fundo todas as noites. Continuando assim a sua rota, procuraram os marinheiros e gente do mar reconhecer e sondar o litoral, não só pela observação do aspecto geral, como também fazer anotações e roteiros, a fim de facilitarem novas viagens àquela que se fazia.

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DESCRIÇÃO DO QUADRO

“Dez horas da manhã. Sobre uma única paisagem panorâmica, desenrolam-se, duas cenas do grande fato histórico da Fundação da cidade de Belém do Pará. A direita do espectador vê-se a chegada das três embarcações (caravela, patacho e lanchão) que trazem a expedição civilizadora. Ainda não ancoradas, elas deixam-se ir ao sabor da corrente, sempre em observações como lhes fora recomendado. Em terra, os Tupinambás olhando com ódio a chegada dos seus mortais inimigos; não é com curiosidade nem com admiração o que eles veem, pois conhecem bem os portugueses, nas lutas, vindos desde o sul do Brasil e através do Rio, Bahia, Pernambuco, Maranhão e finalmente nas terras do Pará. O igarapé onde está o seu posto e o que mais tarde foi chamado o Ver-o-peso. Bordam o litoral lamacento dessa zona quantidades de mangues, aturiás, etc. enquanto que para o interior começam-se a distinguir arvores colossais das enormes matas paraenses. Para o igarapé chegam ainda outros índios retar-


datários de suas tabas situadas no interior enquanto que a margem do rio eles tem estabelecido, aqui e ali as suas atalaias de defesas, pontos de espreita. A’ esquerda do espectador é o trabalho dos portugueses senhores e conquistadores, como sempre o foram em todas as empresas, já em estado de adiantamento. Uma vez escolhido o lugar quase isolado e de boa altura defensável, deram mãos a obra. A pequenina igreja consagrada a Nossa Senhora de Belém, de taipa, coberta de palhas ainda não ressequidas e já pronta, como prontas já estão algumas palhoças e casebres, habitação dos novos colonos. O forte, com a sua frente de cestões entre os quais peças de artilharia - já estão assentadas começa a terminar-se; um muro com a sua guarita é construído e o resto avança rápido. Há o vaivém dos trabalhadores portugueses e indígenas. No primeiro plano, sob espessa sombra de grandes árvores Castello Branco, cercado de seu estado -maior, comandantes de embarcações pensa já em preparar a viagem de Pedro Teixeira ao Maranhão

afim de levar a nova da fundação da Cidade de Belém. Da vegetação que orna a paisagem notam-se o açaizeiro, a seringueira, a embaúba, cipós que enrolam-se à arvore colossal que representa a majestade grandiosa das nossas florestas tropicais, palmas e, a beira d’agua, o mururé e o típico aningal da terra belemense. Ao fundo, no horizonte, destaca-se a longa, fita arroxeada da verdejante ilha das Onças. O céu tranquilo e belo ajuda o grande empreendimento da fundação da gloriosa cidade equatorial enquanto que para o lado da embocadura do rio uma nuvem plúmbea lembra-nos as fortes bátegas da chuva benfazeja e quase diária. Sobre o horizonte pesadas nuvens branco-azuladas permanecem tranquilas nessa hora do dia. O rio barrento do Pará deixa quando em vez, por um arrepio da brisa, reproduzir a cor cerúlea do céu”.

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A CHEGADA E no dia 12 de Janeiro de 1616 chegou ao Pará, Francisco Caldeira de Castelo Branco, com a sua expedição na baía do Guajará para fixar o ponto de resistência e ataque aos invasores estrangeiros, como também plantar e estender a civilização portuguesa por essas terras, exploradas de forma de subsistência, apenas pelos índios. Entrando na foz do rio Pará, e sempre costeando terra, porque tal recomendava o Regimento que trazia para a Jornada, Castelo Branco não se enganara, trocando este pelo rio das Amazonas; trazia consigo na qualidade de introdutor junto aos índios, Charles des Vaux, prisioneiro francês ilustre que acompanhou La Touche na fundação de São Luís no Maranhão e em outras paragens. E com eles já entretivera relações, quando antes andara por estas terras. Agindo assim, escrupulosamente e sem precipitação, foi que Francisco Caldeira, após observações, não só do litoral, como dos canais do rio, encontrou um pontal de chão firme que julgou mais apropriado para a povoação que ia fundar. Era uma península formada à margem direita do rio Guamá, ao desembocar no Guajará. Esse ponto escolhido ficava a 6 léguas da barra do rio, cuja dificuldade de acesso era garantia de defesa para a nascente povoação; distava essa barra de um grau da Equinocial para o sul. A situação escolhida era, além de tudo, um tanto estratégica: alta e tendo duas faces para dois rios, colocada, como estava, no ângulo formado pela barra de um rio em outro. Nesse pontal de terra mais saliente, Caldeira, desembarcando o seu pessoal, militar e operário, deu começo logo a construção de um forte. Com Caldeira Castelo Branco também vieram dois religiosos de Santo Antônio: Frei Antônio da Marciana e Frei Christovão de São José. E assim começaram a construir o Forte do Pará que hoje é conhecido como Forte do Castelo. Embora pequeno de proporções, não deixava este, entretanto, de ser cuidadosamente edificado. Bem sabia ele que inimigos rondavam aquelas paragens. Estrangeiros auxiliados pelos selvícolas, como eles eram, para não ter surpresas desagradáveis, como aliás para logo experimentou, construiu um forte de forma quadrada, diz Jean de Laet, (1640), sobre um terreno rochoso, alto, de quatro a cinco braças acima do nível comum das terras. Do lado do rio era ele guarnecido de gabions, (cestões), entre os quais estavam colocadas as peças de artilharia trazidas do Maranhão e os outros lados do forte eram munidos de uma muralha de pedra de duas braças de altura, com um fosso seco. Passava ao Norte, não longe do forte, cerca de sessenta braças, um profundo e extenso igarapé que nascia no Lago do Pery (perto do 20 Belém de Todas as Épocas


Arsenal de Marinha) e vinha desembocar a pequena distancia da ponta (onde está hoje a doca do Ver-o -Peso). Sobre essa ponta foi que construiu Castelo Branco um forte que denominou Presépio. Permaneciam ali cerca de 300 portugueses, que se ocupavam, quando havia paz, em plantar tabaco, cultivar cana de açúcar e colher algodão. A instalação, digamos definitiva, não só do forte e sobretudo deste, como também da habitação dos soldados, durara cerca de dois meses, pois a 7 de março de 1616, Pedro Teixeira partira do novo forte construído, e por terra, em demanda de São Luiz do Maranhão, afim de levar a notícia auspiciosa da fundação da conquista a Jerônimo de Albuquerque. Pequeno era, entretanto, o espaço interior do forte para alojamento suportável de tanta gente. Naturalmente, a expansão forçava a construção de habitações fora do recinto fortificado, e assim se iniciou a construção de casas em torno do forte, dando desse modo começo a uma povoação que tendia pouco a pouco a aumentar. Ao mesmo tempo que construía a fortaleza, Castelo Branco fazia erigir em seu centro uma pequenina Igreja e lança assim os humildes cimentos de uma nova cidade, declarando a padroeira Nossa Senhora de Belém. O forte que Francisco construíra juntamente com a igreja de Nossa Senhora de Belém e alguns casebres formaram o conjunto do primeiro núcleo urbano da futura Cidade.

O Forte do Castelo e o Ver-o-Peso, formaram o conjunto do primeiro núcleo urbano da Cidade de Belém do Pará. Belém de Todas as Épocas 21


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LOCAL DE FUNDAÇÃO DA CIDADE DE NOSSA SENHORA DE BELÉM DO GRÃO-PARÁ 400 ANOS DEPOIS

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COLÔNIA A REVOLTA DOS TUPINAMBÁS Aproveitando uma situação desagradável e ocasião propícia para uma revolta contra os Portugueses que povoavam os arredores do forte, os Tupinambás, reunidos de varias tribos, em 7 de Janeiro de 1619 atacam ferozmente a povoação de Belém, forcando seus habitantes procurarem abrigo e proteção no interior do forte ali permanecendo ao lado dos soldados e de toda a tropa sediada que, heroicamente, se defendia daquele avanço brutal dos índios. Estes, lutando pela defesa de suas terras e em desforra a tantas perdas e crueldades dos conquistadores, promoviam um ataque de surpresa e com a violência natural das lutas indígenas e, muito especialmente, quando se tratava de uma reação nata, con-

Aproveitando uma situação desagradável e ocasião propícia para uma revolta contra os Portugueses que povoavam os arredores do forte, os Tupinambás, reunidos de varias tribos, em 7 de Janeiro de 1619 atacam ferozmente a povoação de Belém, forcando seus habitantes procurarem abrigo e proteção no interior do forte ali permanecendo ao lado dos soldados e de toda a tropa sediada que, heroicamente, se defendia daquele avanço brutal dos índios. tra os colonizadores. Os atacantes, em número muito superior aos que se defendiam, dominaram, por algum tempo, esse encontro guerreiro com seus flecheiros hábeis que mais e mais se aproximavam dos muros do forte, avançando, tentando escalá-los para uma dominação mais rápida da situação. Não fora um denodado esforço da guarnição portuguesa, coadjuvada por todos que podiam e sabiam lutar, colonos e índios amigos e mansos,

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a contenda jamais sorriria para as forças militares, em razão da brutalidade do assalto e da ferocidade com que os Tupinambás se batiam em todas as frentes. Em certo momento da batalha - a primeira que se realizava em torno do “presépio” e para a sua destruição - Gaspar Cardoso, embora ferido por uma flecha que, certeira, lhe atingira, com admirável e providencial pontaria conseguiu abater o “principal” dos atacantes, conhecido

pelo apelido de “Cabelo de Velha” prostrando-o ao solo. Com o horror dessa queda de seu chefe, os selvagens, como era de seu hábito nas guerras, fugiram apressadamente e abandonavam a luta garantindo a tranquilidade e a vitória para as tropas expedicionárias e de quantos se achavam sob a sua proteção e a de suas armas gloriosas. A habilidade e a perícia desse bravo soldado português, derrubando, fragorosamente, o principal


Os Tubinambás se revoltaram pela defesa de suas terras e em desforra a tantas perdas e crueldades dos conquistadores,. Por isso, promoveram um ataque de surpresa e com a violência natural das lutas indígenas e, muito especialmente, quando se tratava de uma reação nata, contra os colonizadores. coisas da colônia em nada poderiam garantir a sua estabilidade nas altas funções de capitão-mor do Grão-Pará. O governador D. Luiz de Sousa achava-se inteirado do que se passava em Belém e sentia a necessidade de sua influência para resolver os problemas da mais nova instalação portuguesa no norte do Brasil. As desordens internas provocadas por um mau governo contribuíram, em grande parte, para o atraso da colônia e a indicação de outro capitão-mor, para substituir ao que assumira com o afastamento de Caldeira de Castelo Branco, como já

Com a derrota imposta às tribos revoltosas, volta à Colônia à sua vida normal, com a recomposição da praça d’armas e do pequeno núcleo urbano que já se instalara nas proximidades da fortificação e dos prejuízos e danos causados no encontro com o silvícola. ra mais um acontecimento que a história registraria, exatamente na época em que a futura cidade de Belém completava três anos de existência. tupinambá, “vingando a todo aquele sangue derramado, segurou bem a nossa vitória no importante despojo da vida desse bárbaro”2. (BERREDO, Annaes do Maranhão), p. 199. Com a derrota imposta às tribos revoltosas, volta à Colônia à sua vida normal, com a recomposição da praça d’armas e do pequeno núcleo urbano que já se instalara nas proximidades da fortificação e dos

prejuízos e danos causados no encontro com o silvícola. Era mais um acontecimento que a história registraria, exatamente na época em que a futura cidade de Belém completava três anos de existência. O seu segundo dirigente e que havia sido aclamado pela população para governá-la, não procurava fazer jus a essa prova espontânea de confiança. Seus atos, sua conduta, sua maneira de conduzir as

expusemos. Assim corria a vida política e administrativa de Belém do Grão -Pará, nos seus primeiros anos. Ainda não tinham assentadas perfeitamente as bases de seu desenvolvimento e já contínuas mutações na administração se faziam frequentes pelos desregramentos, pelo absolutismo, pela tirania de seus responsáveis. Em abril de 1619, chega a colônia seu terceiro capitão-mor, Jeronimo Fragoso de Albuquerque

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COLÔNIA

A DOMINAÇÃO PORTUGUESA

NO VALE AMAZÔNICO om Francisco Caldeira, entre outros, o alferes Pedro Teixeira. Novo e valente, Pedro Teixeira não recusava nunca as mais perigosas comissões. Iniciou ele as suas conquistas, dando assim expansão ao seu gênio audaz e aventureiro, aceitando a incumbência de ir, capitaneando uma escolta de soldados e de índios, levar ao Maranhão a alvissareira notícia da feliz fundação da pequena povoação que Caldeira de Castelo Branco erigira sob o nome de Nossa Senhora de Belém do Grão Pará. A 17 de Março de 1616 partiu de Belém por terra, com a sua gente, seguindo a trilha dos selvagens. Não tardou, porém, em ser atacado pelos Tupinambás, habitantes do rio Caeté. Nesse rio havia, segundo Claude d’Abeville, 26 aldeias desses naturais. A luta foi renhida, mas o valor próprio e a sua extrema coragem fizeram-no vencedor, e reduzindo os índios a obediência, tomou posse imediata daquela vastíssima região. Após esta demora forçada, prosseguiu viagem e, sem mais atropelos, chegou ao Maranhão, onde, sendo recebido com demonstrações de júbilo e apreço, deu parte a Jerônimo de Albuquerque da fundação de Belém. Jerônimo d’AIbuquerque tinha ficado com o governo da Capitania do Maranhão, por mando de Alexandre de Moura, que se ausentara. Pedro Teixeira em breve regressou a Belém, trazendo novos auxílios de gente, de artilharia e outros petrechos bélicos. Vieram todos em um lanchão por mar. Com esse socorro 26 Belém de Todas as Épocas

Francisco Caldeira pode melhorar o estado da nascente povoação, pouco depois trabalhada por conflitos entre seus habitantes, na maioria soldados. Em setembro de 1618 uma sedição sacode fora do governo da capitania o seu fundador e capitão-mor Castello Branco, que foi metido a ferros e, preso, remetido para Lisboa. Sucederam-se no governo da colônia vários capitães-mores, até que no ano seguinte se formou um duumvirato, o qual passou depois a triumvirato com a entrada do capitão Pedro Teixeira, seguindo-se após a retirada de frei Antonio da

Pedro Teixeira não recusava nunca as mais perigosas comissões. Iniciou ele as suas conquistas, dando assim expansão ao seu gênio audaz e aventureiro, aceitando a incumbência de ir, capitaneando uma escolta de soldados e de índios, levar ao Maranhão a alvissareira notícia da feliz fundação da pequena povoação que Caldeira de Castelo Branco erigira sob o nome de Nossa Senhora de Belém do Grão Pará. Merceana, depois do que voltou a governar o duumvirato, que por sua vez pouco durou, ficando então só no governo da Capitania do Grão Pará o capitao-mor Pedro Teixeira, o qual assumiu a governação em maio de 1620. Terminada esta em 21 de Julho de 1621, sucedeulhe Bento Maciel Parente. Entretanto, enquanto em 1616, precisamente, Francisco Caldeira fundava a povoação de Belém, os holandeses construíam o terceiro forte, em Gurupá, mais próximo ainda do novo estabelecimento português.

PEDRO TEIXEIRA Os portugueses, então em luta com os índios, tiveram de tolerar por seis anos as invasões daquele povo essencialmente navegador. Todavia, Pedro Teixeira e mais uns vinte companheiros conseguira destruir deles um navio de guerra ancorado na boca do Amazonas, cuja preza da artilharia servira para guarnecer o forte do Pará. Desde junho de 1620 os ingleses, juntando-se aos holandeses, haviam-se estabelecido no braço oriental do rio. Infelizmente, porém, para, esses aventureiros, Bento Maciel Parente e Pedro Teixeira, conseguindo inspirar confiança aos indígenas, pela afeição ou pelo terror, fazem com que estes voltem suas armas contra aqueles. Só em 1623 é que se resolveram decididamente os portugueses a repelir e expulsar do território da capitania não poucos holandeses e ingleses, que sub-repticiamen-


Monumento erguido em homenagem à Pedro Teixeira em Belém do Pará te se fixavam em terras paraenses. Nesse ano, Bento Maciel, capitãomor do Pará, arrasou o forte holandês de Mariocay, levantando sobre suas ruínas uma fortaleza denominada de Santo Antônio de Gurupá, indo bater os inimigos na pequenina ilha de Sant’Anna dos Tucurujús, onde se refugiavam. Ali obteve ele vitória parcial, sem conseguir, todavia expulsá-los. Em 1625, porém, Pedro Teixeira, obstinado e destemido, destroça-os nesse mesmo lugar, prende dois chefes, Hosdam e Purcell, e toma ainda um navio que vinha em seu socorro. Este último chefe, enviado preso para Madrid, ali recupera a liberdade, volta novamente ao Amazonas, a fim de continuar a sua obra tão brusca e inesperadamente interrompida. Mas ainda desta vez foi mal sucedido, cabendo a Pedro Teixeira, em 1629, a sorte de um novo ataque vitorioso, que o fez apoderar-se do forte do Torrego ou Tauerege, bloqueando-o, o qual, com as suas oitenta praças, se rendeu, conjuntamente com seu chefe. Esse forte que se achava construído no rio Manacapuru, foi arrasado logo apos a vitória de Teixeira. Roger North tentou vingar este

desastre, atacando Pedro Teixeira em Gurupá. Vencedor em toda linha, Teixeira consegue ainda obrigá -lo a fugir com grandes perdas. Repelido de Gurupá, North levantou entre os rios Matapy e Anauerapucú um forte sólido e bem guarnecido, mas em 1631 os portugueses atacam-no e tomam-no, arrasando-o, como todos os outros. Esse forte foi chamado pelos portugueses de Philippe, no ato de investirem contra ele. Foi esse valoroso homem de guerra, Pedro Teixeira, o mais poderoso auxiliar no governo da colônia ao tempo do capitão-mor Bento Maciel Parente. Conhecendo-lhe as virtudes, este tratou de incitá-lo a atos de civismo e esforçou-se por conquistar-lhe a simpatia, como uma necessidade de ordem pública. Nesse intuito não lhe regateou a sua confiança. Pouco depois de assumir o governo, que recebeu das mãos de Pedro Teixeira, sem a menor relutância, Bento Maciel deu-lhe o comando de uma expedição contra os selvagens de novo rebelados, e em junho de 1622 o encarregou de abrir uma estrada de Belém ao Maranhão, a fim de facilitar o trânsito e o comércio entre as duas capita-

nias. Parecia, entretanto, que Bento Maciel tinha inveja da popularidade de Pedro Teixeira, afastando-o propositalmente, por isso do centro da colônia. Incumbia-o de comissões importantes, é certo, mas que só podiam ser desempenhadas em lugares ermos e distantes. Foi ainda a ele, que coube a glória de levar o pendão das quinas até Quito, capital do Peru, sendo também o “primeiro navegador que singrou, subindo, todo o extensíssimo rio das Amazonas. Com todas essas batalhas, sempre coroadas de triunfos rápidos e completos, as tentativas audaciosas do inimigo continuam efêmeras e raras. O Pará começa a tomar posição no mundo civilizado. Acentuam-se e fixam-se os seus limites, gramas as sucessivas conquistas de seus colonizadores definitivos. Do Oiapoque ao Gurupi, do Oceano a Tabatinga, seu imenso território incorpora-se no pleno domínio e posse dos ousados e invencíveis portugueses, cuja bravura e heroicidade consegue enriquecer com mais esta gema a Coroa das suas descobertas e colonização nas cinco partidas do mundo. Belém de Todas as Épocas 27


COLÔNIA

1631: A CIDADE E O SENTIDO URBANÍSTICO DE SUA EVOLUÇÃO eixáramos Belém se expandindo, quando da posse de seu terceiro governante. Daquela época aos últimos fatos que contribuíram à indicação de Feliciano Coelho, a cidade se dinamizara, recebendo substanciais impulsos em seu desenvolvimento urbano. No decorrer desse tempo, construções surgiram nos caminhos primitivos que, agora, se dirigiam para o interior, buscando maiores distancias na floresta. Nos fins da rua do Norte, os primeiros sinais do Convento Carmelita e de sua capela já contrastavam no verde colorido da densa mataria. Os colonos acatavam as ordens superiores, determinando o avanço da cidade para o interior e, assim, apareciam as novas estradas transversais ao rio, contribuindo à forma primitiva das quadras urbanas, em todas as direções do povoado. Além do largo central da matriz – fonte perene do berço de Belém – a capelinha de São João, que Bento Maciel erguera a sua própria custa, ali estava, silenciosa, dominando a paisagem nascente da colônia... Ao lado do forte, então reconstruído em proporções maiores, descia a ladeira aberta em direção do mangue; largo, argiloso, marginava a fortificação e, em seu aspec28 Belém de Todas as Épocas

to alagado, parecia envolver toda a área da cidade edificada a partir do Presépio. Primitivamente, os moradores julgavam que a colônia se assentara em uma ilha, tal era a gravidade dessas baixadas pantanosas que emolduravam a sede da capitania. Águas paradas, aves multicores, ambiente tranquilo e soberbo de verdejantes mururés, compunham o Piri que os nativos

No decorrer desse tempo, construções surgiram nos caminhos primitivos que, agora, se dirigiam para o interior, buscando maiores distancias na floresta. Nos fins da rua do Norte, os primeiros sinais do Convento Carmelita e de sua capela já contrastavam no verde colorido da densa mataria. denominavam baixios da Juçara, para caracterizar o igapó que originava a formação do “lago”, criando uma enorme bacia alagada no interior da urbe. Daí a impressão de ilhota atribuída, em nossos primeiros tempos, aos fundamentos de Belém. Partindo de sudoeste, o valado do Piri circundava uma área apreciável da cidade; no verão, secava a medida da maior ou menor força do estio. No inverno, atingiam suas águas mortas quase a cota de um metro, em toda a superfície perimetral represada, despejando, finalmente, sua corrente, no Guajará, a face oriental do Presépio. Dois séculos após, como

veremos, o Piri seria ainda um dos mais graves problemas de Belém, impedindo a expansão de seu traçado, dificultando seu ensecamento, sua drenagem e a urbanização de novos bairros. Os portugueses, na lida da caça, então um dos principais alimentos da população, logo ultrapassaram esse Piri e no delírio de penetração continental, percorreram suas margens debruçadas sob a mata. Marginando os barrancos, um caminho sinuoso partia do alagado, seguindo o litoral emaranhado de raízes e cipós; em toda parte, parasitas e gramíneas cresciam entre aguapés que floresciam na praia movediça de argilas e tronqueiras seculares. Levava a vereda litorânea às instalações dos capuchos de Santo Antonio, que começavam a edificar seu convento nos confins da cidade, transferidos do Una onde viviam desde sua chegada ao Grão-Pará, em 1617. Os frades, agora, poderiam desfrutar de um belo clima, lugar seco, alto, que deslumbrava os olhos com as belezas da paisagem da baía fronteira, de ilhas distantes que mergulhavam nas águas buliçosas do Marajó, o horizonte perdido da Baía do Sol e do Separará! Na colheita de especiarias, os colonizadores encontraram outro campo para o conhecimento do sertão. O povoado, assim, se expandia, nessa penetração constante, nessa ambição de conquista. Cada percurso novo, cada picada


REPRESENTAÇÃO ANTIGA DE BELÉM Desenho com a representação mais antiga da cidade de Belém, feito pelos holandeses provavelmente em 1640. Note-se que havia algum tipo de amurada nos limites da atual Cidade Velha, com uma única ‘porta’ de acesso à praça onde se situava o pelourinho, em frente à igreja de Nossa Senhora. No outro extremo, vê-se o convento de Santo Antônio, no atual bairro da Campina. Anônimo. 1640. Arquivo Nacional de Haia, Holanda, Nestor Goulart Reis, Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, EDUSP, 2000.

aberta na floresta solitária, cada trilha do caçador recolhendo sua fortuna, transformar-se-ia nas fontes onde a cidade encontraria a sua própria formação, embora rude e empírica. Nesse êxodo do centro urbano para o interior da selva, nessa fuga do rio para o continente desconhecido, Belém fixaria as suas primeiras artérias paralelas ou normais ao litoral; logradouros surgiriam desse processo dinâmico, sem perder sua poesia natural, suas tortuosidades topográficas, suas copas fechadas de árvores gigantescas, seu chão vermelho e cascalhudo que o colono conhecia e castigava em suas andanças e conquistas. E tomavam seus nomes, das raízes inesquecíveis da pátria. Também de suas características locais, suas cores, suas nuanças típicas. Cresciam, na es-

pontaneidade da voz popular, humilde, tentando fixar um aspecto novo da colônia, ou, talvez, um desejo humano de perpetuá-los na denominação dos varadouros, dos caminhos, dos becos que se tornariam travessas, ruas, avenidas da grande capital do Grão-Pará. Depois daquele arranco da clareira que avançara dando os rumos certos do traçado que o povoado ia incorporando a sua vida urbana, essa dilatação imposta pelo crescimento de Belém, daria à capital do Pará novas ruas de acesso à mata e aos seus arredores: rua do Aljube, da Alfama, rua Longa e já algumas transversais, igualmente indisciplinadas, de concepção primária onde prevaleciam, ainda, os motivos preponderantes do lugar: travessa da Residência, da Atalaya, da Água das Flores, da Barroca,

dos Ferreiros. Essa, a imagem que podemos sentir da cidade em sua plena formação no correr de seus primeiros tempos. Vivia a colônia já quinze anos na comunhão de portugueses e indígenas, de europeus e ameríndios que aqui deveriam fundar um novo império e uma nova raça. A população era constituída dos soldados da expedição e dos missionários que se entregavam a catequese dos nativos trazendo -os a fé cristã. Chegavam, vez por outra, imigrantes de outras capitanias, degredados, fugitivos, gente que vivia dispersa nas explorações, ingleses, franceses e holandeses que restavam, aprisionados ou vencidos nas lutas internas pela conquista da região. Como os indígenas, habitavam em pequenas palhoças espalhadas nas redondeBelém de Todas as Épocas 29


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PRIMEIRA ROTA Mapa da região entre São Luis e Belém, registrando o primeiro caminho de terra entre as duas cidades, atravessando a Província dos Tupinambás. Pequeno Atlas do Maranhão, João Teixeira Albernaz I, 1629. Biblioteca Nacional do Brasil.

zas do Presépio e, assim, uma co- heterogêneas de onde se gerou, letividade nascia para fortalecer a também, em seus fundamentos, vida social da povoação. Durante muito tempo o estaNa colheita de especiarias, os do do Maranhão foi destinado colonizadores encontraram outro ao degredo de toda espécie de campo para o conhecimento gente que a coroa bania e enviado sertão. O povoado, assim, va da Europa e se tornara hábito se expandia, nessa penetração dos governadores-gerais do Brasil constante, nessa ambição em adotar aqui o mesmo exemplo de conquista. Cada percurso da corte. E o Grão-Pará necessanovo, cada picada aberta na riamente recebia, também, uma floresta solitária, cada trilha do parcela desses degredados encaçador recolhendo sua fortuna, viados à sede da capitania. Destransformar-se-ia nas fontes onde sa forma, a população de Belém a cidade encontraria a sua própria era composta desse tipo de poformação, embora rude e empírica. voamento desordenado, oriundo de regiões diferentes e que, em conjunto com os silvícolas, origi- o povo brasileiro. naria esse caldeamento de raças No Pará Grande [Grão-Pará] 30 Belém de Todas as Épocas

achei Neerlandezes, Inglezes e pessoas de outras diferentes nações que alli se conservavão captivas, e que, havia muitos annos, tinhão sido aprisionadas no paiz das Amazonas, entre outros, um Jacob Heyns, de Flessinga, que alli estava, já havia 15 annos e outros Neerlandezes prisioneiros; trabalhando todos para o seu sustento e manutencão, com o risco de ficarem de tudo privados e morrerem de fome. Também vi no Pará Grande, e eu mesmo lhes falei, alguns dos onze marinheiros do navio, O Blaeuwen Haen, que tendo ido com sua chalupa em demanda de refrescos, foram attacados pelos Portugueses e apprhendidos. Vivem como prisioneiros no Pará Grande e são muito


nerais no novo mundo. O Estado do Maranhão, como parte dessas conquistas, também se ressentia do espírito resoluto do colono para os serviços mais importantes da capitania. Belém, como centro das regiões do Grão-Pará, igualmente, sofria das mesmas necessidades para o seu desenvolvimento, já que a sua evolução urbanística estava condicionada ao crescimento de sua população. Soldados, missionários e índios representavam o volume total dos moradores, habitantes primitivos da cidade que se fundara às margens do Guajará. Vem de 1621

BELÉM EM 1629 - Mapa da região do arquipélago do Marajó, na foz do rio Amazonas, onde já aparecem registradas a cidade de Belém e as fortalezas holandesas e inglesas. Pequeno Atlas do Maranhão, João Teixeira Albernaz I, 1629. Biblioteca Nacional do Brasil.

maltratados: nova prova de que o que disse acima he a verdade. São palavras de Maximiliano Schade em seu “Relatório” datado de 4 de novembro de 1644, conforme transcrição de Cândido Mendes de Almeida (Memórias do extinto estado do Maranhão, 1874, t. 2, p. 453-454). Confirmam essas expressões, de quem viu e assistiu o processamento de nossa colonização e tendo dela participado, a natureza do povoamento inicial da colônia, como vimos analisando. Mais tarde, o sangue do africano viria completar essa mistura sui generis, onde o negro deixaria na alma desse mesmo povo aquele sentido de nostalgia e de fixação à terra que, em boa parte, caracteri-

zam os nossos sentimentos. O problema da colonização se tornava, portanto, função direta do braço do indígena. Era do gentio que o colono recebia as primeiras experiências para a adaptação de sua vida à região do Grão-Pará. Ainda era do seu conhecimento e do seu apoio que dependeriam as conquistas da selva e a prosperidade da civilização que os portugueses desejavam implantar nestas vastidões da Amazônia imatura e deslumbrante. Portugal, pela sua escassa possibilidade populacional diante de seus domínios que se estendiam em todos os continentes, não poderia, sem dúvida, remeter colonos para reforçar os trabalhos de conquista de seus ge-

O problema da colonização se tornava, portanto, função direta do braço do indígena. Era do gentio que o colono recebia as primeiras experiências para a adaptação de sua vida à região do Grão-Pará. Ainda era do seu conhecimento e do seu apoio que dependeriam as conquistas da selva e a prosperidade da civilização que os portugueses desejavam implantar nestas vastidões da Amazônia imatura e deslumbrante. a chegada a Belém dos primeiros casais, vindos de Açores, como parte da remessa enviada ao Maranhão (Arthur Reis, Aspectos econômicos da dominação lusitana na Amazônia, p. 17). Localizados no interior da colônia como sesmeiros, em nada contribuíram para o aumento dos residentes na capital, e o braço do gentio continuava sendo a única fonte garantida e certa para os trabalhos, dos quais dependeria o futuro da colonização portuguesa entre nós. Não fora a sua inesgotável quantidade no litoral e nos sertões da planície, e os fundadores lusitanos jamais teriam a oportunidade de dominar a majestade dessas floBelém de Todas as Épocas 31


COLÔNIA

O colono escraviza, violenta, explora o braço do gentio. O missionário, ao contrário, em luta aberta pela liberdade desse mesmo gentio contém-lhe os ardores guerreiros, as impetuosidades marciais, conduz com habilidade as suas inclinações, exercita-o para uma vida menos selvagem, ensina-lhe as novidades da cultura da terra e da criação do gado.

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restas, a caudalosidade desses rios imensos e, expulsando intrusos, incorporar ao seu domínio colonial essa gigantesca Amazônia, como a maior contribuição da conquista lusitana realizada no século XVII. O trabalho do indígena e que conhecia a gleba em todos os seus segredos, tornava-se, portanto, a força decisiva para a prosperidade da colônia. Ele era explorado em todos os sentidos; na sua capacidade, nos seus conhecimentos da colheita de especiarias, como caçador, marinheiro e soldado emprestava com ardor todo o seu devotamento ao colono, ao “branco que era a cabeça pensante, e sobretudo o estômago insaciável, que digeria toda a substância do trabalho alheio” (João Lúcio de Azevedo, Estudos de História Paraense, p. 41).

Como o objeto de maior valor dentro da floresta, pela sua fartura e pela sua insubstituível aplicação e necessidade, o nativo, o gentio que os desbravadores lusitanos aqui encontraram distribuídos nas várias tribos de que faziam parte, passou a ser aos colonizadores a razão maior para os seus empreendimentos, para os seus desejos de conquista e de enriquecimento. Uma razão econômica pesava naquela unidade humana servida na floresta que o português procurava dominar a qualquer preço e o missionário transformava em um elemento novo para a civilização e para a cristandade. O colono escraviza, violenta, explora o braço do gentio. O missionário, ao contrário, em luta aberta pela liberdade desse mesmo gentio contém-lhe os ardores


Após pesquisas da evolução urbana de Belém desde a sua fundação até o ano de 1631 concluímos pelo traçado que se vê neste desenho fixndo a cidade em seus primórdios. A "Planta de Belém de 1616-1631" esclarece a posição da urbe que surgia da mata, entre o rio e o Piri. (Pesquisa de extensão urbana). - DFesenho de Maÿr Sampaio Fortuna, 1967.

guerreiros, as impetuosidades marciais, conduz com habilidade as suas inclinações, exercita-o para uma vida menos selvagem, ensina-lhe as novidades da cultura da terra e da criação do gado. (Arthur Reis, Aspectos econômicos da dominação lusitana na Amazônia, p. 16). Sob outro aspecto, a presença dos aborígines, dos valentes Tupinambás que habitavam as margens do Guajará e o interior da capitania, significava a posição do orientador diante do desconhecido, do inexorável que deveria ser vencido e conquistado pelos recém-chegados e ignorados da região. Seria ele o guia indeclinável, o primeiro que acompanharia o próprio inimigo aos insondáveis mistérios da planície e que, depois, viria a ser escravizado pelo invasor

Seria ele o guia indeclinável, o primeiro que acompanharia o próprio inimigo aos insondáveis mistérios da planície e que, depois, viria a ser escravizado pelo invasor de suas próprias terras a quem, em boa fé, ajudara a adaptar-se com os ensinamentos e conselhos que trazia desde o berço, da formação de suas tribos nestas terras de deslumbrantes riquezas naturais e que lhes pertenciam, antes que as caravelas portuguesas debruçassem suas velas nos horizontes guajarinos e as suas âncoras vitoriosas se derramassem nas águas turvas do rio.”

de suas próprias terras a quem, em boa fé, ajudara a adaptar-se com os ensinamentos e conselhos que trazia desde o berço, da formação de suas tribos nestas terras de deslumbrantes riquezas naturais e que lhes pertenciam, antes que as caravelas portuguesas debruçassem suas velas nos horizontes guajarinos e as suas âncoras vitoriosas se derramassem nas águas turvas do rio.” * Trecho do livro Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará, capítulo II, pp. 104-107.

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Planta do Pará – Sem assinatura. Levantamento efetuado no começo do século XIX. Belém aparece mais desenvolvida e o sertão mostra os novos caminhos de penetração para o centro e laterais (Guamá e Guajará). Já aparece o “Campo de Exercícios Militares” ao lado, entre o Igarapé da Fábrica (planta de 1791) e o Igarapé das Almas. Ambos, aí, estão separados em suas bacias hidrográficas. E, desde então, a designação certa: Igarapé das Almas. Este desenho foi o primeiro feito no começo do século XIX. Esta é a planta que fixa os arredores da cidade, após o “campo da pólvora”, Nazareth, e em direção ao “Sitio de Queluz”, ainda existente nas artérias que lhe herdaram o nome. Pela face guamaense atinge o lugar “Pedreira” (hoje, início do Núcleo Pioneiro da Universidade do Pará) e pelo litoral guajará, alcança o Igarapé do Una. Na penetração, após o “largo” da pólvora, já há referência à “Memória” e “Nazareth”.

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- 1653 -

E

m 1653, 37 anos depois da fundação de Belém, esta apresentava um aspecto triste e desolador. Apesar de já dividida em dois bairros, suas ruas lamacentas, encharcadas pelas chuvas quotidianas, emprestavam a pobreza das casas mal cobertas de palha um aspecto deprimente e ridículo. Para o lado do sul iniciara-se o arruamento, ao longo da margem do rio, por quatro ruas, cortadas por outras tantas travessas; para o lado do norte duas outras ruas longas iam ter aos dois conventos: dos frades capuchos de Santo Antônio, fundado em 1626, e dos frades Mercedários, construído em 1640. Em torno da povoação e dela afastadas, ficavam as aldeias dos índios submetidos, nas quais se iam buscar os arcos para a guerra e braços para o serviço dos colonos. Assim, iniciada sob uma atmosfera belicosa, em defesa de terras conquistadas que a cada passo eram invadidas por aventureiros pouco escrupulosos, a cidade de Nossa Senhora de Belém do Grão Pará não podia preocupar-se com a sua primeira fundação, sendo única e exclusivamente nos meios fáceis e prontos, rápidos e eficazes de se defender de agressões possíveis, atacando, ao mesmo tempo, na legítima repulsa daquelas. Na colonização do Pará nada fez a metrópole de novo e de importante. Esmagado sob o peso do jugo espanhol, quando se tratou da fundação de Belém, Portugal assistia ao definhar do seu vasto poderio colonial e comercial, com os seus próprios recursos, que eram nulos, que a povoação se ia lentamente adensando e congregando para mais tarde extender-se em construções e habitantes, na permanente ocupação, operada com o intuito de uma organização definitiva.

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SANTA MARIA DE BELÉM

DO GRÃO PARÁ - 1662

A

cidade de Belém, capitania do Grão-Pará, está assentada sobre o famoso rio, que chamam Pará, vinte cinco léguas da barra, cercada com quatro rios, que por uma parte e outra a cingem; que são Guamá, Guajará, Capim, Mojú, que todos juntos desaguam no Grão-Pará. Seu assento é hum grão ao sul da linha equinocial. Seu clima algum tanto quente, não muito enfermo a quem tiver conta consigo e com sua saúde. É alegre e cheia de arvores frutíferas, como são laranjas, limões, limas, beribais. Esta cidade tem até quatrocentos vizinhos moradores, que os mais deles assistem em suas granjarias e roças. Tem quatro Conventos de Religiosos, S. Antonio, Carmo, Mercês e a Companhia de Jesus, Matriz, Misericórdia, N. Senhora do Rosário, S. João, que todas sustentam os moradores com suas esmolas.

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Tem esta cidade uma fortaleza sobre o porto, bastante defendida com três companhias de Infantaria, tem Capitão mor, Ouvidor, Provedor, Almoxarife, e Escrivão Real, que tudo se sustenta da fazenda de S. Majestade. Tem sete engenhos de fazer açúcar. Seus moradores fazem muito tabaco: é muito abundante de mantimentos da terra e frutas. A barra do oeste rio comumente chamam grande Pará; é perigosa pelas muitos baixas que tem, que bojam da baía do Maracanã vinte léguas ao mar, e da ponta do Jaguipuco (terra dos Ingaíbas, comumente chamada a ilha dos Joanes pelos índios que tem do próprio nome, que nela habitam) mas tem canal bastante para navios de muito porte, que trazem práticos do Maranhão e esperam o Piloto da barra para entrar pelo rio até chegarem a cidade, que está arriba vinte e cinco léguas pelo rio acima. Há nesta cidade muito algodão e muito cravo, que por ser silvestre não é como o da índia, por ser be-

neficiado, e se o for será o próprio; e S. Majestade terá nele grande proveito. Os Moradores beneficiam a casa das árvores a modo de canela, que é muito bom, e mandão muita quantidade para o reino, aonde é estimada. Há muitas madeiras e boas de todas as castas, grandes pimenteiras de urucus que é a espécie que se usa nos índios a que chamam achiote. Há muito cacau, mas os moradores não usam dele por não saberem beneficiar, que é o melhor contrato que há nas índias de Castella. Há ervas muito salutíferas, que levam os mercadores por contrato, como é Jalapa e Almisque, e outras semelhantes. São as terras do Pará firmes, e melhores que as de San Luiz, muito férteis em dar fruto, e todo o ano criam; porque todo o ano chove, suposto que no verão não é tanta a água. São capazes de grandes povoa-


Vista da cidade de Belém do Pará 1740 pela expedição de Spix e Von Martius

ções por serem terras larguíssimas, e de muitos índios, que quando foi povoada de Portugueses havia mais de 600 povoações e índios Tapinambás e Tapuias, que vendo que eram poucos os Portugueses, se levantaram contra eles, e matarão duzentos e vinte e dois, sendo seu Capitão mor Francisco Caldeira de Castello Branco; mas os que ficaram com muito valor, em que com muito trabalho, deram grandes guerras aos índios, e destruíram a nação Tupinambá, que dominava sobre a outra nação Tapuia. Morrerão muitos índios na guerra, e outros se retiraram pela terra dentro, e os que hoje assistem aos Portugueses, são quinze povos trabalhando em suas granjarias por preço de duas varas de pano de algodão por cada mês, que é o que corre em toda esta terra, além dos muitos escravos que resgatam nos sertões, com que fazem os roçados e tabacos.

Os Engenhos de Cachaça e Açucar. moviam a economia no período colonial.

Maurício de Heriarte - DESCRIPÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO, PARÁ, CORUPÁ E RIO DAS AMAZONAS. FEITA POR MAURICIO DE HERIARTE - 1662.

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MISSÕES RELIGIOSAS

AS MISSÕ ES R E LIG IO SAS As principais igrejas de Belém; conventos e ordens religiosas estabelecidas no Pará e sua influência na nossa civilização surgiram no primeiro período de Colonização do Pará.

P

recavido a muitos respeitos, Francisco Caldeira, o organizador da Jornada ao Pará premunira-se com o acompanhamento de sacerdotes, não só para o bom êxito da expedição, como também para a prática por eles, continuadamente, do serviço divino, na qual os conquistadores tinham a máxima confiança. Assim é que vieram com Francisco Caldeira de Castelo Branco dois frades capuchos de Santo Antonio: fr. Antonio da Merciana e fr. Christovão de São José. Não descuraram estes de erigir, a medida em que progredia a construção do forte, e dentro do seu recinto, uma pequena ermida, “sob a invocação de Nossa Senhora da Graça, sendo esta a primeira casa de Deus que surgiu em meio do novo povoado, sagrando a sua fundação. PRIMEIRO VIGÁRIO A providencia do primeiro vigário da Matriz de Nossa Senhora da Graça, removendo a ermida para além dos muros do Forte do Presépio, desejamos, atribuir, nas origens da cidade, sua medida fundamental, após a fundação de Belém. Sem o pressentir, o sacerdote lançava pelas mãos da igreja, os seus alicerces propriamente ditos, edificando na clareira aberta a primeira obra

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arquitetural essencialmente urbana, sem qualquer vinculação com a praça d’armas montada para o abrigo da tropa aquartelada. Inspirados nessa concepção lógica, poderemos assegurar que aquela construção para a nova ermida, marcaria para a posteridade, desde 1619, o centro de toda irradiação construtiva da arquitetura cidade de Belem.

Surgiam as raízes da futura sede da capitania do Grão-Pará. O braço forte da colonização portuguesa firmava os alicerces, os fundamentos, as bases sólidas de uma cidade que - na voz do profeta - não seria a menor de todas! Naquelas humildes vielas, naqueles becos estreitos e alongados, enlaçados pela majestade da floresta, se fixavam as pedras de um novo reino, nobre, rico, portentoso. Mas, deixemos de lado as arengas históricas continuemos a nossa Jornada por essa Belém que saltara as muralhas do fortim e cuidava já seus próprios destinos. Aberta a clareira fronteiriça ao lado sul do Presépio, o vigário marcou os fundamentos da nova

ermida. Os colonos batiam os primeiros caminhos paralelos ao rio, seguindo veredas e trilhas indígenas, pesquisando curiosamente o lugar onde o íncola fixara suas primitivas aldeias. Aos poucos, as penetrações foram se ampliando mata adentro transformando o avanço empírico em estradas mal tratadas, em líricas picadas, artérias do futuro que convergiam todas a clareira central. Esta, por si só, congregava esse reseau de caminhos tortuosos, sombrios, irregulares, verdadeiros túneis verdes dentro da mata espessa, recebendo luz e vida daquele largo, onde a capelinha da Senhora da Graça reinava soberanamente e a fortaleza garantia a segurança, a tranquilidade da colônia. Surgiam as raízes da futura sede da capitania do Grão-Pará. O braço forte da colonização portuguesa firmava os alicerces, os fundamentos, as bases sólidas de uma cidade que - na voz do profeta - não seria a menor de todas! Naquelas humildes vielas, naqueles becos estreitos e alongados, enlaçados pela majestade da floresta, se fixavam as pedras de um novo reino, nobre, rico, portentoso. Dir-se-ia que esse braço dominador deixara suas ombreiras engastadas nas praias do Maranhão, no Forte de S. Felipe, e dali se estendera pelo litoral em dire-


A Igreja de Santo Alexandre é um dos mais ricos templos do Pará, como atestam ainda hoje o seu altar mor, todo em madeira esculpida e o seu púlpito bem talhado, além dos retábulos e santos.

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A Igreja de Santo Alexandre é um dos mais ricos templos do Pará, como atestam ainda hoje o seu altar mor, todo em madeira esculpida e o seu púlpito bem talhado, além dos retábulos e santos.

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ção do extremo norte; nas encostas sinuosas e alagadas, encontraria mururés dormitando a sombra da mata aconchegante debruçada sobre o mar! Sangue e músculos vigorosos desse potencial geográfico afagariam, nas aguas doces do rio-mar, a Tigioca, a Barreta, o Separara, a Ilha do Sol, o Chapéu-Virado, a Ponta-do-Mel e as belas ribeiras guajarinas... Seus punhos férreos presos as terras do Mairy fixariam os elos entre irmãos, confraternizados sob a mesma bandeira da conquista ao sul do equador! Qual mitológicas figuras, da palma imensa, sairiam falanges como setas estelares, indicando seu porvir. O divino símbolo de Maria gravado na concha dirigida ao céu, como se fora uma flor silvestre, encantada, sob o manto leve da floresta virgem e acolhedora, marcaria o futuro do vale, naqueles raios de esperança, de sonhadora esperança, transformados em vias rústicas, ruas nascidas dos caminhos abertos no côncavo verde da mataria, as primitivas artérias de Belém que nascia: a rua do Norte, a rua do Espírito Santo, a rua dos Cavaleiros, a rua de São Joao...! Quatro pétalas se estendendo do eixo da matriz, pelas terras pardas dos barrancos, dilatando, expandindo seus próprios rumos, vencendo baixadas, matas e pirizais, transformando os fundamentos do Presépio no mais opulento centro de cultura e de progresso da Amazônia brasileira! Imaginamos, seria, assim, a perspectiva original da cidade de Belém que emergia do seio místico do vale no correr de 1619, sob os sinos da capelinha de Nossa Senhora da Graça, chamando, alegremente, os fiéis, ao seu doce e espiritual abrigo! Também, seria essa, a paisagem dominante do tratado descuidado das artérias que se irradiavam do largo da matriz, em direção dos rios e do sertão. Notem-se essas características definitivas que, em Belém, per-


durariam até nossos dias. A Praça da Matriz, involuntariamente, comandaria o primeiro traçado urbano de Belém; o marco, o ponto de arrancada a sua expansão natural. E ninguém poderia negar-lhe essa predominância, essa qualidade peculiar, na evolução do povoado primitivo, fundado por Francisco Caldeira. A fortificação fora o apoio, a lápide que representa a conquista militar e política, a posse das terras do parauassu. Porém, a clareira que gerou o largo da matriz, devemse, sem qualquer dúvida, a orientação, a marcha, o passo definitivo para a formação da cidade, sob a invocação de Nossa Senhora de Belém do Grão-Pará! As construções que se levantavam acompanhando o desenvolvimento da povoação, essencialmente humildes, erguiam-se de madeira, rústicas moradas, cobertas de palha de pindoba, ou ubuçu, chão batido, portadas em ripado leve, urupemas nos vãos de janelas e quase nenhuma penetração de luz no interior. Ausentes do lugar materiais especializados e carência absoluta de outros elementos construtivos, os colonos dispunham com habilidade os recursos da terra; seguiam a técnica dos nativos, com o emprego de argilas, varas, cipós, barro, palha etc., abundantes na região e de apreciável duração nas construções. A arquitetura colonial dessa época adaptava-se aos modelos rígidos do íncola, quando os Portugueses emprestavam aos Tupinambás a sua experiência ocidental e, deles, colhiam os conhecimentos locais para a efetivação de seus trabalhos na edificação da futura cidade. A pratica indígena, o clima, a natureza equatorial, as chuvas intensas, o sol e os parcos meios de que dispunham os colonizadores lusitanos em uma região ainda inexplorada pela civilização, foram os responsáveis por essa ordem arquitetônica original e pitoresca dos primeiros anos de crescimento de Belém. Entretanto, os sistemas que os índios aplicavam em

suas aldeias tornaram-se uma espécie de modulo, de exemplo, de inspiração para as casas inicialmente edificadas nos pequenos

A arquitetura colonial dessa época adaptava-se aos modelos rígidos do íncola, quando os Portugueses emprestavam aos Tupinambás a sua experiência ocidental e, deles, colhiam os conhecimentos locais para a efetivação de seus trabalhos na edificação da futura cidade. A pratica indígena, o clima, a natureza equatorial, as chuvas intensas, o sol e os parcos meios de que dispunham os colonizadores lusitanos em uma região ainda inexplorada pela civilização, foram os responsáveis por essa ordem arquitetônica original e pitoresca dos primeiros anos de crescimento de Belém. caminhos abertos na mata. Eram baixas, de madeira, barro ou palha, modestíssimas, com divisões precárias e poucas aberturas para o exterior. Construídas ao longo dessas veredas, certamente agrupadas, davam o aspecto de

um aldeamento regular, obedecendo já as normas desejadas, para o vilarejo que promissoramente nascia. A verdade é de que Belém, nessa altura, ainda não tinha nada que mostrar e, apenas pequenas choupanas de colonos ou índios deveriam existir fora da fortificação. O governo fizera instalar a tropa, a guarnição que viera de São Luís, em pavilhões idênticos, frágeis, sem acabamento e eretos com os mesmos materiais que a terra fornecia gratuitamente. A mão de obra embora comprometida com os trabalhos do forte, contudo, contavam os colonos com a ajuda permanente dos selvagens. Quando carinhosamente recebidos e tratados, eram de uma utilidade indispensável e garantia do elemento nativo capaz de fornecer todos os materiais que vinham da floresta e exigiam mãos conhecedoras do metier para sua seleção e melhor aproveitamento. Além disso, era de se contar com o transporte desses materiais, muitas vezes colhidos em lugares distantes do centro da colônia. Assim se caracterizavam os elementos primordiais da evolução urbana de Belém do Pará.

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santo alexandre, O BARROCO e a presença dos jesuítas em belém

VISTAS DO PARÁ POR HUBNER. FOTO: FIDANZA -1899

CARTÃO POSTAL POR VOLTA DE 1900

FOTO: ADRIANA LIMA - 2016

FOTO: HELLY PAMPLONA - 2015

OBRA DE LEON RIGHINI EM 1867

FOTO: PIERRE VERGER 1948

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FOTO: ADRIANA LIMA - 2016


O

Os Jesuítas instalaram-se, primeiramente, em 1653, na Campina em um terreno cedido pelos Mercedários. Mas logo abandonariam por ficarem afastados do núcleo populacional que se encontrava nas vizinhanças do Forte, e escolheram um terreno ao lado onde, hoje, encontra-se edificada a Igreja de Santo Alexandre. Aí construíram uma capelinha de taipa e telha inaugurada na semana santa de 1653. A primeira construção de taipa foi substituída por uma mais robusta por volta de 1700, ocorrendo sua consagração em 1719, que se chamava São Francisco Xavier. O papa Urbano VIII dera para os Jesuítas as relíquias de Santo Alexandre para que este se tornasse patrono do convento anexo à igreja. Com o tempo, por influência do colégio contíguo, a igreja passou a se chamar Santo Alexandre.

O BARROCO EM BELÉM O termo Barroco refere-se ao movimento artístico nascido na Europa, entre o século XVI e o XVIII, que se manifestou em quase todas as modalidades de expressão da arte: pintura, escultura, arquitetura, literatura, música. Na arquitetura, o estilo assume sua forma mais acabada na edificação das igrejas, com suas fachadas monumentais e interiores rebuscados, ornamentados, de grande força cenográfica, que tinha como finalidade envolver o fiel através dos sentidos e lhe proporcionar uma experiência mística de elevação ao paraíso. É também conhecida como a arte da contra-reforma, por ser uma reação à doutrinação religiosa de Lutero que abalou o poder da igreja no século XV. A arquitetura barroca se transforma, no Brasil recém-descoberto, em terreno fértil de adaptação do estilo, como laboratório tecnológico com vistas a edificação monumental, com seu aparato de ornamentação interior. O índio seria o artesãoconstrutor dos prédios e o escultor talhista dos altares. Podemos, em Belém, ver a exuberância de dois altares de madeira esculpidos pelos indígenas no período dos Jesuítas: um na igreja de Santo Alexandre, e o outro na nave principal da igreja do Carmo. No caso particular das igrejas aqui apresentadas, elas enquadram-se em dois polos de influências, a portuguesa (do período jesuítico) e a italiana (do pombalino), apresentando, algumas vezes, características bastante diferenciadas entre si, apesar de comporem um microcosmos do universo barroco-religioso europeu transplantado para esta região do extremo norte brasileiro. Aliás, dentre as regiões do Brasil onde o barroco se desenvolveu, o Pará se distingue de maneira notável refletindo essa característica estética diversificada. (Fonte de consulta, As Missões Religiosas e o Barroco na Pará. Maria de Lourdes Sampaio Sobral. Editora da UFPa)

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ordem dos mercedários

ÁLBUM DO PARÁ /FIDANZA -1902

Os interiores da Mercês decorado por Landi mostram o quanto o arquiteto soube trabalhar a espacialidade arquitetônica com lúcida consciência do valor estético do espaço e de sua influênda no espírito humano.

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Largo dsd Mercês por Leon Righini - 1867. vernador, foi instalada no convento abandonado, onde funciona a Alfândega até hoje, atrás da igreja. Amplo como da Igreja do Carmo, o átrio da Igreja das Merces é porem, mais caprichoso, composto de duas seções divididas, entre si, por clássica arcaria. Os arcos de volta inteira assentam em fortes pilares, de seção quadrada e capitéis dóricos, e o teto em abobada de aresta. Esse tratamento gera profunda movitnentação da espacialidade, o que transmite ao espírito sentimentos de grandeza e infinitude. AIiás, os interiores de Landi mostram o quanto o arquiteto soube trabalhar a espacialidade arquitetônica com lúcida consciência do valor estético do espaço e de sua influênda no espírito humano. (Fonte de consulta, As Missões Religiosas e o Barroco na Pará. Maria de Lourdes Sampaio Sobral. Editora da UFPa)

Fachada da Igreja das Mercês

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Igreja das Mercês, esse velho e formoso templo, de cornijas esborcinadas, de torres desertas, de campanários silenciosos é um prédio de tradições esquecidas. A edificação da Igreja das Mercês começou sua edificação em 1640 por freis Pedro de la Rua Cirne e João da Mercês, ambos companheiros do expedicionário colonial Pedro Teixeira, que voltava ao Pará de uma viagem a Quito, no Perú. Em 3 de outubro de 1640 fundou-se o primeiro convento mercedário de Belém. Em suas naves , outrora, reboaram os cânticos sacros, proclamando entre gemidos de órgão a glória excelsa de Deus; A igreja, de taipa, e inicialmente coberta de palha, durou mais de um século, sob constantes reformas e cuidados empreendidas pelos frades. Por volta de 1748, iniciava-se a construção de pedra e cal; essa construção foi interrompida, cabendo, novamente, ao Arquiteto Antônio José Landi, fazer o projeto do templo que até hoje perdura. Em 1794, um aviso datado de 24 de Março do mesmo ano autorizou o governo a confiscar os bens dos Mercedários, entre os quais se encontravam o convento e igreja de Nossa Senhora das Mercês. Esses religiosos retiraram-se para o Maranhão, e o seu templo ficou entregue a indiferença dos profanos. Despojados os Mercedários, o convento das Mercês passou a gestão da Irmandade do Senhor Santo Cristo. Em 1795 essa Irmandade entregava o prédio por uma ordem do governador Francisco de Sousa Coutinho, mandando depositar armas e munições no compartimento do convento das Mercês. Esse novo depósito de armas recebeu o nome de Parque e a repartição aduaneira, por ordem do mesmo go-

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ordem dos franciscanos

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C

omo primeiros religiosos a penetrarem na Amazônia para os trabalhos de catequese , os Franciscanos da Província de Santo Antônio de Lisboa chegaram em Santa Maria de Belém a 28 de julho de 1617 , quando a vila ainda era administrada por Caldeira Castelo Branco, e instalaram-se provisoriamente no Forte do Presépio, de onde passaram para o Una, local afastado meia légua do povoado. Aí edificaram casa e uma pequena capela, onde cresceria o futuro convento. O convento começou a ser construído em 13 de junho de 1736, cuja inauguração se efetuou a 13 de junho de 1743. Da primeira capela, erguida por volta de 1694, não há qualquer vestígio. A primeira pedra do templo atual foi lançada a 22 de outubro de 1748 e, a 1 de dezembro de 1754, ocorreu a inauguração.

Os únicos remanescentes intactos da antiga capela do Convento Santo Antônio são os painéis azulejados da capela-mor, em estilo rocaille. Esses painéis contém uma profusão de elementos simbólico-ornamentais emoldurando quadros da vida de São Francisco e Santo Antônio: golfinhos, conchas, folhas de acanto, volutas, guirlandas de rosas, vasos, ramalhetes, girassóis, anjos, palmas. Toda essa iconografia, deste século incorporada à arte cristã, é frequentemente utilizada pelo barroco com um delírio de composição em que as formas se misturam, surtindo um efeito plástico exuberante.

(Fonte de consulta, As Missões Religiosas e o Barroco na Pará. Maria de Lourdes Sampaio Sobral. Editora da UFPa)

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IMPÉRIO 1808-1889

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SÉCULO XVIII

O PERÍO D O P O MBAL I N O

F

oi durante o século XVIII que o Pará, sob o governo de ilustres administradores começou a levantar-se da mediocridade da colônia embrionária. Em 1750, D. José I foi aclamado rei de Portugal. Por meio de seu Secretário de Estado Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, aprofundou as mudanças iniciadas pelo pai. Centralizou o poder, reformou o exército, modernizou a administração e o ensino, incentivou o comércio por meio de companhias monopolistas, como a do Grão-Pará e Maranhão. O Brasil ocupou posição central na política ultramarina de D. João V, que estimulou a migração para a colônia, organizou viagens de exploração geográfica, ampliou os quadros administrativos locais

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militares e técnicos, incentivou a comércio, a agricultura e a indúsmineração e a cultura do açúcar. tria marcharam em escala proOs diferentes ramos das funções gressiva. TRATADO DE MADRI administrativas melhoraram conEntre 1707 e 1750, a Coroa porsideravelmente; os conhecimentuguesa fazia grandes investimenA presença de Mendonça Furtado tos na expansão e consolidação de na região foi fundamental para a seus domínios na América do Sul. aplicação dos planos traçados na Esse processo teve início com D. Corte, sobretudo: a reincorporação João V, rei de Portugal, que negociou tratados internacionais, dos das capitanias ao patrimônio quais podemos citar o Tratado de da Coroa; a expulsão das ordens Madri, e garantiu para Portugal a missionárias que desde o início posse das bacias dos rios Amazodo século anterior controlavam o nas, Paraguai e da Prata, disputaacesso à mão de obra indígena das, principalmente com a Espanha. e boa parte do comércio; e O Tratado de Madri, entre Portua transformação das missões gal e Espanha em 1750 foi o acordo religiosas, dos aldeamentos jesuítas, que representou um marco na exem vilas com administração pansão lusitana porque determinou a demarcação de toda a fronteira secular. do Brasil com as colônias situadas a tos geográficos cresceram; novas oeste, com significativa vantagem aldeias e vilas foram fundadas; o para Portugal.


D. JOSÉ I

MARQUES DE POMBAL

MENDONÇA FURTADO

PRIMEIRA COMISSÃO DE- 1755, percorrendo os rios Amazonas fortalezas. Após o fim da expedição, e Negro até a missão de Mariuá, ele- Landi permaneceu em Belém como o MARCADORA DE LIMITES

O tratado estipulava que a demarcação deveria ser realizada após o conhecimento do território, o que levou, em 1753, à formação de uma comissão de especialistas de várias nacionalidades, denominada Primeira Comissão Demarcadora de Limites, para estabelecer as posses de Portugal e Espanha na América do Sul, sob a direção do Capitão- Geral Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador do Estado e irmão do Marquês de Pombal. Nessa comissão estava o desenhador e arquiteto Antonio José Landi entre os convocados, juntamente com João André Schwebel, Henrique Antônio Galuzzi, Domingos Sambucetti, Filipe Sturm, Gaspar João Gerardo de Gronsfeld e outros. Sob o comando de Mendonça Furtado, o grupo partiu de Belém em

vada à capital da província de São principal arquiteto e construtor do goJosé do Rio Negro (atual estado do verno local. NOVA POLÍTICA DE PORAmazonas) com o nome de Barce-

O Brasil ocupou posição central na política ultramarina de D. João V, que estimulou a migração para a colônia, organizou viagens de exploração geográfica, ampliou os quadros administrativos locais militares e técnicos, incentivou a mineração e a cultura do açucar. Nas artes, seu reinado legou construções grandiosas ao país, dentre as quais a Catedral de Belém, iniciada em 1748 e concluída por Landi em 1771.

TUGAL NA AMAZÔNIA

Com a subida de D. José I ao trono de Portugal em 1750, e a nomeação para o cargo de ministro de negócios Estrangeiros do Marquês de Pombal, este estado de coisas começaria a mudar. O poderoso ministro, em pouco tempo, o verdadeiro mandatário português, impregnado pelos ideais iluministas e absolutista, combateria violentamente os problemas econômicos que surgiram diante do novo governo; o Estado português precisava acumular capitais, e, em função disso, Pombal pretendeu implantar na Amazônia uma economia de cunho los. A missão de Landi e seus cole- capitalista, mas grande parte da ecogas foi explorar o território, levantar nomia amazônica estava nas mãos mapas e desenhos, construir vilas e das ordens religiosas. Belém de Todas as Épocas 51


PROSPECTO DA CIDADE DE BELLEM Em 1750, com a assunção ao poder, ao lado de D. José I, o Marquês de Pombal envia ao Grão-Pará, como governador, seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Este desenho, um retrato da cidade vista desde o rio, foi feito provavelmente pouco tempo após a chegada à Belém, em 1753, do engenheiro militar alemão João André Schwebel. Ele fazia parte de um corpo de naturalistas, engenheiros e arquitetos que acompanhavam Mendonça Furtado, com o intuito de ajudá-lo nas tarefas das demarcações de limites entre Portugal e Espanha na Amazônia. Prospecto da Cidade de Bellem, do Estado do Gram Pará. João André Schwebel. 1756. Biblioteca Nacional do Brasil.

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COMPANHIA GERAL DO GRÃO PARÁ E MARANHÃO Essa política procurou promover o maior aproveitamento da região, explorando de maneira mais racional do que ela produzia. Buscava-se, assim, consolidar a dominação portuguesa na Amazônia, tendo como base a cidade de Belém. A partir da segunda metade do século XVIII, a constante penetração no rio Amazonas, o desbravamento de seus afluentes, a exploração de suas incontáveis riquezas e a ideia precisa da grande extensão territorial que a Coroa portuguesa mantinha sob o seu controle no norte do Brasil, levariam governantes e seus governados a admitirem que havia chegado uma época de grande prosperidade para a Capitania do Grão-Pará. D. José I também acelerou a expansão lusitana no Brasil, em direção oeste, comandada, principalmente, pelo irmão do Marques de Pombal, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, nomeado Capitão Geral do Estado do Grão-Pará e Maranhão, um homem de sua confiança, para governar o Grão

Pará a quem competiria aplicar a nova política para a Amazônia, que consistia basicamente em fazer influenciar o poder da Coroa Portuguesa diretamente sobre os territórios e a população da região, excluindo a intermediação dos missionários. Foi então criada a Companhia Geral do Grão Pará e Maranhão que incentivou a exportação da produção da Companhia, assistindo-se, assim, a uma cada vez maior coleta de especiarias amazônicas, e ao incentivo à agricultura, - mais notadamente a produção de arroz, café e cacau, e à pecuária do Marajó. GOVERNO DE FRANCISCO XAVIER DE MENDONÇA FURTADO No espaço de tempo que decorreu até o início do governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 1751, aumentaria consideravelmente a produção agrícola; ao algodão e ao arroz plantados em larga escala que juntara-se ao café transplantado, com feliz resultado, na Guyana Francesa. O Comércio, conseguintemente, avolumou-se; contribuindo também


para facilitá-lo a introdução de moedas correntes de ouro, prata e cobre, de cunhagem especial para o Brasil, prescrita pelo decreto de 12 de Junho de 1748 e que principiaram a circular no Pará em Maio de 1749. Precedentemente o comércio faziase por simples permuta e os empregados públicos eram pagos por meio de novelos de algodão. A indústria pastoril, por sua vez, patenteava elevado progredimento emanado da sábia ordem do Ministério de 27 de Outubro de 1702, determinando a concentração de todo gado vacum e cavalar da ilha do Marajó. A administração do governador Francisco Xavier Mendonça Furtado veio marcar para o progresso do Pará uma era nova. Desde 1751 a cidade de Belém passou a ser a capital da Província a qual foi alterada de Província do Maranhão e do Grão Pará para Província do Grão Pará e Maranhão. Belém foi a cidade núcleo de onde partiram as expedições para fundar numerosos núcleos coloniais

que ainda hoje existem, notando-se com especialidade Macapá. Tentugal e São José do Javary; inspecionou por várias vezes a Ilha do Marajó e as localidades do interior, praticando a lei de 06 de Junho de 1755 que facul-

A administração do governador Francisco Xavier Mendonça Furtado veio marcar para o progresso do Pará uma era nova. Desde 1751 a cidade de Belém passou a ser a capital da Província a qual foi alterada de Província do Maranhão e do Grão Pará para Província do Grão Pará e Maranhão. Belém foi a cidade núcleo de onde partiram as expedições para fundar numerosos núcleos coloniais tava-lhe o direito de elevar à categoria de vila as povoações que julgasse dignas de tal foro; serviu de principal comissário e plenipotenciário na demarcação dos limites com as possessões espanholas; guarneceu Macapá

e outros pontos com tropas regulares e bem dispostos e esforçou-se, finalmente, pelo progresso de Capitania. A presença de Mendonça Furtado na região foi fundamental para a aplicação dos planos traçados na Corte, sobretudo: a reincorporação das capitanias ao patrimônio da Coroa; a expulsão das ordens missionárias que desde o início do século anterior controlavam o acesso à mão de obra indígena e boa parte do comércio; e a transformação das missões religiosas, dos aldeamentos jesuítas, em vilas com administração secular. Foi ainda no governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado que foi estabelecida por Decreto de 11 de Julho de 1757 a Capitania de São José do Javari, compreendendo o Alto-Amazonas; que foi promulgada a bula pontifícia de 20 de Dezembro de 1741, sustentada pelas leis 6 e 7 de Junho de 1755, declarando livres os índios; que por Decreto régio de 3 de Julho de 1756 foram concedidas à cidade de Belém as mesmas regalias Belém de Todas as Épocas 53


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Planta Geométrica da Cidade de Bellem do Gram Pará – Tirada por Ordem de S. Excia. o Sr. Don Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Capitão General do mesmo Estado – no Anno de 1753. Autor: João André Schwebel – É a primeira planta em que a cidade aparece levantada geometricamente e assinala os pontos principais de Belém, àquela época do período Pombalino. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. Fonte: Márcio Meira

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Plano Geral da Cidade do Pará em 1791 tirado por Ordem do Ilmo. e Exmo. Sr. D. Francisco de Sousa Coutinho, Governador e Capitão-General dos Estados do Grão-Pará e Rio Negro levantado pelo Tenente-Coronel de Artilharia no exercício de Engenheiro Theodósio Constantino de Chermont. Não há dúvida de que o trabalho de Constantino é o mais perfeito levantamento da cidade no século XVIII. Esse profissional havia seguido para o Rio Negro – Comissário das Demarcações. Houve, naqueles serviços, um fato interno e relativo à participação militar de Theodósio junto aos castelhanos e contrariando interesses portugueses, resultando seu retorno a Belém. Dessa decisão, teve o engenheiro a oportunidade de executar essa primorosa planta de Belém, efetivamente, a melhor que poderíamos herdar daqueles tempos, em que estava na Amazônia o sábio naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira e em Belém, o arquiteto-régio Antonio José Landi. . Biblioteca Nacional do Brasil. Fonte do Livro: A Evolução Urbana de Belém. 2 edição. Autor: Augusto Meira Filho.

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A COMPANHIA GERAL DO GRÃO PARÁ E MARANHÃO foi instituída com o objetivo de “ocasionar e nutrir a fortuna individual dos moradores, e constituir caudais as vertentes do Estado. Para isso, à Companhia foi dado o Comércio exclusivo com o Pará e o Maranhão. Por volta de 1774, possuía em sua frota 31 navios, que, dentre outras atividades, destacaram-se no comércio de algodão, sal, arroz, madeira e de escravos negros. Em 1778, procedeu-se à sua liquidação como companhia monopolista, continuando, porém, a funcionar como sociedade particular e de fretes.

Estampa da Companhia Geral do Comércio (Frontaria e transversal) por Antonio Landi. Ao lado direito, a figura do Governador do Pará, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Fontes: Fórum Landi.

da cidade do Porto; que, por avisos de 5 de Fevereiro e 12 de Abril de 1758 foram chamados de religiosos da Piedade para Portugal e os da Beira e do Minho para o Maranhão. De 1759, ano em que Mendonça Furtado deixou o governo, até 1810 o Pará foi administrado por oito governadores e capitães gerais, sendo D. Francisco de Souza Coutinho, que governou treze anos, o de mais dilatada administração. Neste período continuou o Pará a progredir lisonjeiramente, tomando também grande impulso a Capitania do Alto Amazonas, especialmente sob a administração do Capitão Mor Manoel da Gama Lobo de Almeida. Os fatos de maior vulto na gestão de Mendonça Xavier foram: a expulsão dos jesuítas e sequestro de seus bens, em virtude da lei de 3 de Setembro de 1759; a ordem de recolherem-se os mercenários aos seus conventos do Maranhão, prescrita pelo aviso de 24 de Maio de 1794; o desligamento do Maranhão da obediência do governo do Pará, feito pelo Decreto de 20 de Agosto de 1772; a extinção da Companhia 56 Belém de Todas as Épocas

de Comércio do Maranhão e Grão Pará pela provisão régia de 25 de Fevereiro de 1778; a fixação dos limites com as possessões espanholas; a expedição filosófica de História Natural, autorizada por aviso de 29 de Agosto de 1783 e confiada ao sábio naturalista Dr. Alexandre Rodrigues

Foi ainda no governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado que foi estabelecida por Decreto de 11 de Julho de 1757 a Capitania de São José do Javari, compreendendo o Alto-Amazonas; que foi promulgada a bula pontifícia de 20 de Dezembro de 1741, sustentada pelas leis 6 e 7 de Junho de 1755, declarando livres os índios. Ferreira; e a tomada de Cayena e da Guayana Francesa em 14 de Janeiro de 1809 por um corpo de voluntários paraenses organizado pelo governador José Narciso de Magalhães de Menezes e comandado pelo tenente coronel Manoel Marques. A demarcação dos limites com as

possessões espanholas deu lugar a numerosas explorações de súbito valor comercial, entre elas as do rio Branco, Japurá, Negro, Madeira e outros. Por outro lado não eram descurados os melhoramentos a atender na Capital, de modo que não são poucas as erigidas nessa época, como sejam o Palácio do Governo (1766), o hospital militar (1761), o depósito da pólvora no Maurá (1791), as atuais igrejas do Carmo (1766), de Sant’Ana (1761), de São João Batista (1777), a Catedral da Sé (1771), a Ermida de Nossa Senhora de Nazaré (1802), a da Trindade (1802) e o hospital da Caridade (1787), obra do D. Frei Caetano Brandão, sexto bispo do Pará. Além disto, criou-se o Arsenal da Marinha e iniciaram as construções navais que muito progrediram; a Alfândega foi transferida para o Convento dos Mercedários onde ainda se acha; e a repartição dos Correios foi criada pelo alvará de 20 de Janeiro e provisão de 6 de Março de 1798.


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IGREJA DOS MERCEDÁRIOS Uma visão da Igreja dos Mercedários (Mercês) e o Convento. Observar os seis pavilhões para comércio e outras utilidades. Desenho da Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. À esquerda e ao fundo, a “praia”, os barcos e a Guajará com a Ilha das Onças no horizonte. Biblioteca Nacional do Brasil.

Em 1751, a sede do Governo do Estado do Pará e Maranhão foi transferida para Belém. Entretanto sua integração política formal ao restante do Brasil só ocorreu após 1823. A existência quase paralela da Amazônia e do Pará durante esse período, criou certas dificuldades para a reconstituição de sua história global, haja vista que muitas informações fundamentais são desconhecidas de nós brasileiros, pelo fato de que parte de sua documentação está fora do País ou destruída, quando não, omitidas por esses e outros motivos, por aqueles que sobre ela tem escrito. Apesar disso, uma sucessão de empreendimentos econômicos, políticos e sociais diversos orientaram sua História até os dias atuais. Do século XVII ao XIX, exploraram as “drogas do Sertão” (canela, cravo, plantas medicinais etc.), praticou-se a agricultura da cana-de-açúcar, cacau, café, arroz, algodão e de produtos de subsistência ao lado da pecuária, especialmente as criações do Marajó. E, paralelamente a essas atividades, desenvolveu-se uma manufatura artesanal de caráter familiar, de curtumes, engenhos, a produção de sabões, de farinha, entre outros. As formas sociais, através das quais foram sendo executados esses empreendimentos, envolveram os diversos setores sociais que aqui viviam — o proprietário rural, o clero, o comerciante luso ou já brasileiro, o nativo e o escravo africano — e que estabeleceram relações sociais de produção correspondentes as históricas relações de produção e político-econômico existentes na sociedade brasileira. O caráter fundamentalmente exportador desses empreendimentos foi, sem dúvida, o que permitiu ao Pará ingressar no século XIX, com relativo relacionamento comercial exterior, mas com uma estrutura e relações econômicas internas débeis. Até aproximadamente 1840 o Pará teve como atividades principais, predominantemente voltadas para o mercado interno, “a pesqueira para consumo, a pecuária, além de umas poucas culturas agrícolas e uma reduzida e rudimentar indústria” (SANTOS: 1980:23). 0 principal produto de exportação era o cacau, sujeito, entretanto, aos reveses do rudimentar extrativismo agrícola aqui praticado e da conjuntura internacional dos mercados consumidores (europeus principalmente) (SANTOS, 1980: 23-37). Belém de Todas as Épocas 59


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Pode-se afirmar que as primeiras iniciativas manufatureiras no Pará, sob o jugo colonial portugues, foram os engenhos de açúcar e aguardente, no período colonial (SÉCULOS XVII e XVIII). A descrição de Maurício de Heriarte, possivelmente de 16621667, sobre as condições de vida em Belém, informava que cerca de aproximadamente”... sete engenhos movimentavam a economia local, conjugados a plantaçãode algodão, tabaco, cravo e canela” (REIS, 1972:45). aP Em 1751, o Ouvidor da Província do Pará, Joao Antonio da Cruz Diniz Pinheiro, informava a metrópole portuguesa que existiam na Província do GrãoPará “24 engenhos reaes de fazer açúcar e 77 engenhocas de aguardente”, utilizando apreciável tecnologia oriunda da Europa (CRUZ, -10,73- 85-86). Ainda Século XIX, segundo alguns autores, o número de engenhos elevara-se para “128 engenhos reaes”, a saber: 75 engenhos produtores de aquardente, 39 de açucar moreno, 14 de rapadura e 21 pequenos engenhos que produziam açucar e mel ou rapadura e aguardente. Nessa época foi constatada, também, a produção local de artefatos de borracha, como sapatos rústicos e o revestimento de mochilas e certas peças de vestuário (CRUZ, 1974:86 e SANTOS, 1980:94-105). Belém de Todas as Épocas 61


landi o novo traçado de bel ém

A

inda era muito modesta a feição que Belém, como urbe, apresentava nos meados do século XVIII, até ser significativamente alterada com a presença das obras monumentais de Antonio Giuseppe Landi, figura mais significativa da arquitetura na região do Grão Pará, cujo legado constitui um importante monumento de uma época, a conformar o embrião da cidade de hoje. Instigante é, portanto, não se saber, ao certo, as razões que levaram Landi, um jovem italiano de 37 anos, bem nascido em Bolonha, membro de uma das mais renomadas escolas de arquitetura e de belas artes da Europa - a Academia Clementina de Bolonha -, notável gravador, discípulo destacado do eminente arquiteto e cenógrafo Ferdinando Bibiena, a abandonar tudo e vir para Belém, no norte do Brasil, contratado como desenhista da Comissão de Demarcação de 62 Belém de Todas as Épocas

Fronteiras entre Portugal e Espanha na América do Sul, instituída pelo rei de Portugal, D. Joao V, para aqui ser proprietário de engenho e olaria, casar-se e viver como cidadão belenense, até morrer, aos 78

A presença de Mendonça Furtado na região foi fundamental para a aplicação dos planos traçados na Corte, sobretudo: a reincorporação das capitanias ao patrimônio da Coroa; a expulsão das ordens missionárias que desde o início do século anterior controlavam o acesso à mão de obra indígena e boa parte do comércio; e a transformação das missões religiosas, dos aldeamentos jesuítas, em vilas com administração secular. anos, em 1791. E, apenas nos últimos anos de vida, por estar muito doente, deixa de trabalhar e produzir obras de arquitetura que influenciariam o desenho urbano e

obras eruditas posteriores. Apos sua chegada ao Pará, em julho de 1753, a integrar comitiva chefiada pelo governador Mendonça Furtado, Landi viaja por cidades e rios da Amazônia. De seus mapas elaborados nessas viagens e desenhos notáveis e inéditos, como naturalista, que registram as paisagens, a fauna e a flora da região, ficaram testemunhos em Portugal. Ainda, acabou por deixar marca distintiva de seu traço, registro documental de sua interferência, em pinturas e desenhos de igrejas no interior amazônico. Restam, de suas atividades rurais, as ruínas da Capela de Nossa Senhora da Conceição que construiu no Engenho do Murucutu, nos arredores de Belém. A Landi devemos também, de acordo com Alexandre Rodrigues Ferreira, citado por Isabel Mendonça em Amazônia Felsínea, a aclimatação de frutos exóticos, como a manga, cuja árvore hoje é um dos símbolos da capital paraense. A atuação de Landi mais signi-


ficativa na capital do Pará será na se- progresso (KETTLE, 2011). A construgunda metade do século XVIII, quando ção de uma historiografia que valoriprojetara importantes obras de arqui- za a figura de Landi -ressalvado certo tetura civil, institucional e religiosa, romantismo quanto a sua decisão em destacando-se as intervenções na Ca- permanecer em Belém -, conduz ao tedral da Sé, na Igrereconhecimento de ja das Mercês e do sua obra como senO Brasil ocupou posição central Carmo, bem como do de vanguarda, os projetos da Igreja na política ultramarina de D. João constatando caracde Santana e de São V, que estimulou a migração para terísticas de reperJoão Batista, do ana colônia, organizou viagens de tório classicizante tigo Hospital Militar exploração geográfica, ampliou os que precedem a (hoje denominado quadros administrativos locais chegada da Missão de Casa das Onze militares e técnicos, incentivou Artística Francesa Janelas) e do Palácio ao país. a mineração e a cultura do dos Governadores. Nesse sentiaçucar. Nas artes, seu reinado Diante desse ledo, a contribuição legou construções grandiosas ao gado arquitetônico, país, dentre as quais a Catedral possibilitada por sua importância foi pesquisas contemde Belém, iniciada em 1748 e resgatada por inteporâneas quanto a concluída por Landi em 1771. trajetória desse arlectuais na Amazônia, como Augusto quiteto, tem a ver Meira Filho (op. cit.), interessados em com a preservação de seus trabavalorizar uma história de Belém iden- lhos (desenhos naturalistas, projetos tificada com uma modernidade no sé- e obras) e a possibilidade de avaliar culo XVIII; demonstrando a identidade um passado colonial que comprova desse lugar por meio de transforma- uma trajetória ascendente da cidade ções em seu espago físico que indicam de Belém, assentada em episódios e

Visão da cidade de Belém tomada do rio, datada de 1784 – época da Miscelânea histórica do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Observe-se, à direita, as torres da Catedral e, mais distante as da Igreja do Carmo. Ao centro, as torres do Templo das Mercês e à esquerda, bem próximo, a cúpula de Sant’Anna sem as torres, isto é, tal qual a edificara Landi. À esquerda do desenho as instalações dos capuchos de Santo Antônio. A data exata dessa ilustração é 20 de maio de 1784. Também, entre as velas dos barcos, vê-se o Palácio do Governo, isolado, magnífico, novo, como Landi o entregara à cidade. Ainda não existia o edifício atual da PMB [MABE] e nem a Praça que hoje conhecemos, urbanização de Lemos, muito mais tarde.

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landi o D ES EN H A DOR O bolonhês Antonio José Landi, que, aos 37 anos, arquiteto consagrado e respeitado membro de uma das mais renomadas escolas de arquitetura da Europa, a Academia Clementina, abandona tudo e vem ao Brasil, contratado como desenhista da Comissão de Demarcação de Fronteiras entre Portugal e Espanha na América do Sul instituída pelo rei de Portugal, Dom João V. No Brasil, Landi, veio para registrar as paisagens, a fauna e a flora da Amazonia, além, é claro, de elaborar os mapas das regiões visitadas, acabou deixando seu traço em obras marcantes da capital do Pará, sem descuidar de suas funções junto a Corte. Aqui ele casou, por duas vezes, constituiu uma razoável fortuna, foi fazendeiro, proprietário de olaria, e viveu ate os 78 anos como um cidadão belenense. De suas atividades rurais restam as ruínas da capela que construiu no Engenho do Murutucu, nos arredores de Belém. De 64 Belém de Todas as Épocas

seus desenhos como naturalista e descrições da fauna e da flora feitos durante suas viagens pelos rios amazônicos ficaram testemunhos em Portugal, Segundo Alexandre Rodrigues Ferreira (apud MEN-

No Brasil, Landi, que veio para registrar as paisagens, a fauna e a flora da Amazonia, além, é claro, de elaborar os mapas das regiões visitadas, acabou deixando seu traço em obras marcantes da capital do Pará, sem descuidar de suas funções junto a Corte. DONQA, 2003), a Landi ainda devemos a aclimatação de frutos exóticos, como a jaca e a manga, sendo esta ultima um dos símbolos de Belém. Mas é andando por Belém que se percebe a presença marcante da obra de Landi. A Catedral Metropolitana, a Igreja do Carmo, a Igreja de São Joao, o Palácio dos Governadores (hoje Mu-

seu do Estado do Par6), todos tem o traço do arquiteto bolonhês. As igrejas da Sé (catedral) e do Carmo já estavam em construção quando Landi chegou em Belém, mas ele também deixou ali o testemunho de seu talento como arquiteto. A Igreja de Santo Alexandre e das Mercês também receberam contribuições do arquiteto e, ainda na praga da Sé, o Hospital Militar, hoje restaurado e renomeado Casa das Onze Janelas e outra obra de Landi. As duas únicas igrejas totalmente projetadas por ele, a Igreja de Santana e a Igreja de São João, são apontadas pelos estudiosos de sua obra como seus trabalhos preferidos. Devidamente restauradas, todas essas obras perpetuam a arte e o gênio do irrequieto arquiteto bolonhês que aqui fincou suas raízes.


Hospital Central Obra de Antonio Landi. Atualmente funciona a Casa das 11 Janelas ao lado do Forte do Castelo - Cidade Velha - Belém Fonte: Fórum Landi

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landi o A RQU IT ET O “A arquitetura de Landi resultou em significativa mudança na paisagem urbana da capital. Sua arquitetura trouxe modernidade ao traçado da cidade, imprimindo um jogo de contraste e surpresas, ao combinar ruas estreitas com largos e edificações monumentais. Sua arquitetura domina a paisagem e reflete o poder que a cidade tinha na época”. (Elna Trindade)

edificação e seu jardim. O palácio passou por inúmeras intervenções, as mais significativas foram realizadas na administração de Augusto Montenegro (1901-1909), quando deixa de ser a residência dos governadores para ser a sede do Governo Estadual. Elas descaracterizam os traços originais da fachada do edifício. A restauração feita no governo de Fernando Guilhon (1970-1975) devolve ao Palácio suas características originais e o aspecto que possuía no século XVIII, além da redescoberta da capela.

RESIDÊNCIA DOS GOVERNADORES

Neste mesmo governo, o palácio recebe o nome do republicano paraense Lauro Sodré e é tombado pela União em 20 de agosto de 1974. No mesmo ano, foi considerado monumento nacional integrando o acervo dos bens ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1994, o Palácio dos Governadores deixa de abrigar a sede administrativa do governo do Pará e passa a abrigar o Museu do Estado do Pará, criado pelo decreto Lei n. 4.953, de 18 de março de 1981. A partir de 2005, o prédio recebe intervenções restaurativas, adaptações para atender os portadores de necessidades especiais e adequações para abrigar acervos do Sistema Integrado de Museus e Memoriais (SIM) respeitando o traço original de Antonio Landi.

A construção do Palácio Lauro Sodré, hoje Museu Histórico do Estado do Pará, foi iniciada em 1768, sendo necessária a aquisição de três edifícios contíguos para dar espaço à edificação e seu jardim. A obra foi concluída em 1771, sendo ocupado somente no ano seguinte pelo sucessor de Athaide Teive, João Pereira Caldas. O palácio do Governadores, considerado a maior obra civil de Landi, criou um expressivo impacto urbanístico na cidade do século XVIII. Em 1793 foi instituída a organização do círio e os festejos de Nossa Senhora de Nazaré, sendo a capela do Palácio dos Governadores o ponto de partida da primeira procissão. (Elna Trindade) Em 1761, a construção do palácio é iniciada e exige a aquisição de três edifícios contíguos, para dar espaço a nova 66 Belém de Todas as Épocas


Desenhos de Antonio José Landi da fachada principal e interior do Palácio dos Governadores, onde atualmente funciona o Museu Histórico do Estado do Pará. Biblioteca Nacional de Portugal. Fonte: Fórum Landi.

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BELÉM - SALÃO DOS GOVERNADORES, PALÁCIO DO GOVERNO. ALBÚM DO PARÁ DE 1908

BELÉM - SALÃO DOS “PRESIDENTES”, PALÁCIO DO GOVERNO. ALBÚM DO PARÁ DE 1908

BELÉM - VESTÍBULO DO PALÁCIO DO GOVERNO. ALBÚM DO PARÁ DE 1908

BELÉM - SALÃO "POMPEIANO", PALÁCIO DO GOVERNO. ALBÚM DO PARÁ DE 1908

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O palácio do Governadores, considerado a maior obra civil de Landi, criou um expressivo impacto urbanístico na cidade do século XVIII. E hoje compõe o conjunto arquitetônico do patrimônio histórico de Belém. Belém de Todas as Épocas 69


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I GREJA DO

CARMO projeto Landi conOO projeto dede Landi conservou a fachada que servou a fachada que já já estava construída, incluindo estava construída, incluindo o pórtico com arcadas, o pórtico com arcadas, ee adicionou-lhe o novo corpo adicionou-lhe o novo corpo planta cruz latina, dede planta emem cruz latina, mantendo a capela-mor mantendo a capela-mor com o pé direito reduzido, com o pé direito reduzido, construção anterior, que dada construção anterior, que contrasta com o restante contrasta com o restante dada igreja. igreja. A igreja Carmo repete A igreja dodo Carmo repete uma tipologia comum uma tipologia comum àsàs igrejas conventos carigrejas dede conventos carmelitas e franciscanos, que melitas e franciscanos, que têm a fachada com o pórtitêm a fachada com o pórtico de arcada, enquadrada co de arcada, enquadrada por torres laterais. por torres laterais. conjunto capela-mor OO conjunto dada capela-mor Carmo e os púlpitos dodo Carmo e os púlpitos dada Igreja Santo Alexandre Igreja dede Santo Alexandre são os mais importantes são os mais importantes trabalhos talha barroca trabalhos dede talha barroca Pará. dodo Pará.

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Na biblioteca do Museu Nacional há três desenhos da Igreja do Carmo: planta baixa com indicação de cúpula hemisférica sobre a capelamor; corte longitudinal mostrando a cúpula e elevação da fachada; o corte transversal indicando a projeção de novo alta-mor. A cúpula projetada e o altarmor não foram construídos. O primitivo retábulo da capela-mor permaneceu e é um magnífico exemplar barroco joanino. A curiosa importação de uma fachada em pedra da metrópole é um exemplo raro no Brasil. Só se conhece outro caso no século XVIII, que é a Igreja da Conceição da Praia, em Salvador.

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LARGO DO CARMO O Largo do Carmo, segunda praça de Belém, surgiu em função da Igreja do Carmo. Em 1724 foram instalados arcos ornamentais, no limite da Rua Norte com o Largo do carmo, para cerimônias públicas, demonstrando a importância do largo para a vida da cidade. A pequenina igreja do Rosário (dos brancos), situada em meio a praça do Carmo, e em frente ao antigo convento carmelitano, depois de abandonada foi demolida.

Igreja do Carmo. Autor desconhecido. Fonte: IBGE. 19...

O

s carmelitas fixaram-se em Belém em 1629, para o que o Capitão-Mor Bento Maciel Parente fez doação, à Ordem, de seu terreno com casa de campo no final na Rua do Norte, depois denominada de Siqueira Mendes, onde encontra-se, atualmente, a igreja. A casa do Capitão-Mor se transformou em convento e, ao lado, os religiosos construíram uma capela de taipa. Em 1690 foi demolida a primeira construção, iniciando novas edificações de pedra e cal. Em 1696, a primitiva igreja e o convento estavam em ruínas. Nova construção foi providenciada, em taipa de pilão, no mesmo local. O templo foi reaberto em 1700, com grande festa. Uma fachada de pedra foi anexada à igreja, o que lhe causou sérios danos estruturais. Coube à Antônio Landi efetuar as obras, que a remodelou totalmente por dentro em estilo italiano, preservando apenas o altar-mor em madeira das primeiras construções. Landi finalizou a obra em 1784. A fachada da Igreja do Carmo, composta de cantaria e lancil (“As pedras, talhadas em Lisboa, vieram em caixotes, na companhia de dois canteiros Portugueses”. Tocantins, p. 178), apresenta perfil sóbrio, de um classicismo suavemente quebrado pelas ondulações do frontão e do relevo das torres. Embora Landi possa atestar, aqui, influencia de Borromini — o mestre das curvas e contracurvas — a sutil utilização que faz das linhas quebradas, curvas e ondulantes não permite obscurecer o caráter prismático dessa fachada, acentuado pela rítmica disposição dos elementos horizontais e verticais. Em sua parte inferior, três arcos de volta inteira dão acesso a amplo átrio que, por sua vez, se abre em três portas para a nave do templo. As torres cataventadas, de elegante simplicidade, contem coroamento discretamente bulboso com lanternas cilíndricas, coruchéus que Ilhes marcam as prumadas e vãos de desenho clássico. É peculiar ao talento de Landi tratar as fachadas dos seus edifícios como um tema arquitetural e não como uma superfície ornamentada.

Largo do Carmo por Leon Righini - 1867.


HELLY PAMPLONA - 2015 HAMILTON OLIVEIRA - 2012

ÁLBUM DEL PARÁ / FIDANZA -1899

DESENHO DE LANDI

CARTÃO POSTAL. 1900 / 1910

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IGREJAS

IG REJ A D e S Ã O J OÃ O batista

I

nicialmente uma capela de taipa coberta de palha, a Igreja de São João Batista em Belém do Pará foi reconstruída a partir do projeto do arquiteto italiano Antonio José Landi. O período de início de obra da então modesta construção, por ordem do capitão mor Bento Maciel Parente, provavelmente na metade do século XVII, coloca-a como uma das primeiras igrejas de Belém. A construção primitiva, erguida para satisfazer pedido dos colonos Portugueses saudosos da pátria, pretendia também reviver a festa de um dos seus santos populares, São João. Essa festividade, que ocorria no dia 24 de junho, coincidia com um dos costumes indígenas de celebrar, na lua deste mesmo mês, o fim do inverno. Assim os índios aderiram com entusiasmo a celebração do Santo, promovida pelos lusitanos, possibilitando a cristianização da festa pagã. Essa razão, entre outras, faz da igreja de São João Batista, assim como o sítio em que se insere, cenário com forte carga simbólica,

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importante no processo histórico da cidade. Na pequena igreja, em 1661, ficou preso o padre Antonio Vieira, devido à dedicação desse sacerdote a causa indígena, contra a escravidão dos índios pelos colo-

A construção primitiva, erguida para satisfazer pedido dos colonos Portugueses saudosos da pátria, pretendia também reviver a festa de um dos seus santos populares, São João. Essa festividade, que ocorria no dia 24 de junho, coincidia com um dos costumes indígenas de celebrar, na lua deste mesmo mês, o fim do inverno. nos. Em 1686, a primitiva capela foi demolida, em função do avançado estado de deterioração. Uma segunda igreja foi construída em seu lugar, também em taipa, e resistiu por quase um século. Apesar da simplicidade, a construção chegou a assumir as funções de matriz, em 1714, pela má conservação da Igre-

ja Paroquial de Nossa Senhora da Graça. Na pequena capela o Santíssimo Sacramento permaneceu quando a Catedral da Sé esteve em obra durante a primeira metade do século XVIII. Posteriormente, a Igreja de São João Batista foi agraciada com o título de catedral ou sede episcopal, com a criação do Bispado do Pará, após desvinculação do Maranhão, servindo de sede para os três primeiros bispos de Belém. Foi palco para a sagração do primeiro bispo da cidade, Frei Bartolomeu do Pilar. Nessa mesma igreja, ele foi sepultado, sendo seus restos mortais trasladados, em 1774, para a Catedral da Sé. Segundo Isabel Mendonça (2003, p. 475), uma Carta Régia de 1752 dirigida ao governador da época, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, abordava a necessidade de reconstrução da Capela de São João Batista e a sua transformação em igreja paroquial.


Capela São João (longitudinal) A fachada principal é definida por dois pares de colunas dóricas, dispostos em cada lado da portada principal, ressaltadas de pilastras, assentes num mesmo pedestal, que atravessam a cimalha intermediária. Prolongam-se ate o frontão triangular do templo, sobre o qual estão dois obeliscos (pináculos) nos vértices inferiores, e no topo, a cruz.

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O PROJETO DE LANDI PARA A obeliscos (pináculos) nos vértices inIGREJA DE SÃO JOÃO BATISTA feriores, e no topo, a cruz. Quanto aos seus principais vãos, o de acesso A concepção do edifício que principal e guarnecido com portada abriga a igreja dedicada a São João em madeira entalhada e contornado Batista nesta terceira versão é do por molduras de massa, encimado arquiteto Antônio Jose Landi. ReA concepção do edifício que presentando um raro exemplar de abriga a igreja dedicada a arquitetura religiosa no BrasiI com São João Batista nesta terceira projeto oitocentista. versão é do arquiteto Antônio A planta é a mais distintiva característica desse projeto: resolvida Jose Landi. Representando um como dois quadrados que se coraro exemplar de arquitetura nectam, sendo o maior o da nave, religiosa no BrasiI com projeto inscrita internamente na forma de oitocentista. octógono irregular; e o menor, que corresponde a capela-mor, onde se localiza o altar principal, ladeada por por frontão constituído de contravoanexos. Nela o arquiteto introduziu lutas com o símbolo do Cordeiro de características barrocas, encimando Deus (Agnus Dei) ao centro. Acima a planta da nave com cúpula e a da da cimalha há uma luneta com escapela-mor com abóboda de berço. quadria de madeira e vidro, cujo vão A fachada principal é definida por também é emoldurado por massa. dois pares de colunas dóricas, dis- lnternamente, pilastras dóricas dupostos em cada lado da portada plas, partindo do piso em tijoleira, principal, ressaltadas de pilastras, prolongam-se até a cúpula - que assentes num mesmo pedestal, que segue a forma octogonal da nave atravessam a cimalha intermediária. -resultando em nervuras na abóboProlongam-se ate o frontão triangu- da, no sentido radial e concêntricas, lar do templo, sobre o qual estão dois em cujo entremeio foram projetadas quatro lunetas com arco abatido 76 Belém de Todas as Épocas

dispostas em intervalos alternados e guarnecidas com esquadrias de madeira e vidro. Em direção oposta a portada principal, abre-se um vão de dimensão semelhante em arco de meio ponto, que forma o arco cruzeiro e se constitui na entrada da capela-mor, cuja planta é coberta com abóboda de berço interceptada por outras quatro abóbodas menores, relativas a duas lunetas existentes pela direita e outras duas simétricas falsas, pintadas de forma ilusionista pelo lado esquerdo. Dois retábulos com altares estão instalados nas duas laterais da nave. Neles, assim como na parede de fundo da capela-mor, estão as maiores atrações dessa pequena construção religiosa: as pinturas parietais em trompe I’oiel. Trata-se de uma técnica artística de ilusão, que sugere realidade e volumetria às imagens projetadas por meio da perspectiva, que se estendem pelo ambiente em elementos tridimensionais como os altares e as cimalhas. Nos desenhos aparecem motivos característicos de Landi, denunciadores de sua ligação com a família


Bibiena, cenógrafos reconhecidos no panorama europeu oitocentista. Guirlandas, vasos de flores e volutas invertidas se aliam a um resplendor com simbologia do Espírito Santo, motivo encontrado em outros projetos do arquiteto. Os nichos e as janelas foram projetados para acentuar a ilusão de profundidade. Com o propósito de valorizar os efeitos cenográficos dessa pintura ilusionista, a iluminação natural foi cuidadosamente calculada. No altar principal e nos dois altares laterais foram preservadas as molduras que enquadrariam pinturas em tela, alusivas à vida de São João. Sendo que no centro do altar principal, posicionada a meia-altura, há apenas uma moldura da tela, já sem a pintura original, que seguiria a mesma temática das outras duas telas. A partir da capela-mor, dois vãos de portas, dispostos simetricamente nas paredes laterais, permitem acessos à sacristia e ao salão paroquial. Ambos apresentam plantas retangulares, com um vão de porta central e dois de janelas laterais voltados para o exterior. Acima do salão paro-

quial, existe um dormitório destina- sua proporção ser distinta do condo ao pároco, com acesso por esca- junto volumétrico da igreja. da helicoidal. A partir da sacristia, A cobertura principal do mooutra escada conduz a torre sineira, numento, sobre a cúpula da nave, constitui-se de telhamento com duas águas de inclinação, revestiOs nichos e as janelas foram do com telha de barro capa-canal, projetados para acentuar a cumeeira central e beirais. Em nível mais baixo e seguindo a cumeeira ilusão de profundidade. Com o da nave, tem-se um segundo telhapropósito de valorizar os efeitos mento cobrindo a capela-mor e o cenográficos dessa pintura aposento do pároco, também com ilusionista, a iluminação natural foi duas águas. Um terceiro, também cuidadosamente calculada. No altar inferior, recobre a sacristia e possui única agua de inclinação, igualprincipal e nos dois altares laterais uma mente revestida com telha cerâmiforam preservadas as molduras ca capa-canal. que enquadrariam pinturas em Os primeiros estudiosos da obra tela, alusivas à vida de São João. de Landi (Robert Smith, 1940, 1957; Germain Bazin, 1956; Augusto MeiSendo que no centro do altar ra Filho, 1967, 1972, 1974, 1976; principal, posicionada a meia-altura, Donato Mello Junior, 1973), devido há apenas uma moldura da tela, a utilização de repertorio clássico, exaltavam-na como precursora do já sem a pintura original, que neoclássico no país, cujo marco ofiseguiria a mesma temática das cial dessa linguagem artística seria outras duas telas. o ano de 1816, com a vinda para o que, curiosamente, não aparece nos Brasil da Missão Artística Francesa. desenhos originais - possivelmente Pesquisadores contemporâneos construída em período posterior a (Isabel Mendonça, 1993, 1999, 2003; construção original, considerando Myriam Ribeiro, 1999; Mario BaraBelém de Todas as Épocas 77


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ta, 1999), por sua vez, classificam a arquitetura de Landi como vinculada ao tardo barroco italiano, considerando, entre outras coisas, o uso de elementos classicizantes. Em 1959, a administração da igreja iniciou, irregularmente, a construção de um bloco anexo térreo, que abrigaria um novo salão paroquial. Anexado à fachada posterior, foi concluído em desacordo com a orientação do Iphan, que determinava primeiro sua demolição; e, posteriormente, recomendava a construção de um jardim separando o bem tombado da nova intervenção, o que foi ignorado pela Cúria Metropolitana e substituído por uma laje de concreto armado. Construída em pequeno formato, a secular Igreja de São João Batista ainda assim e suficientemente grandiosa para revelar a aventura amazônica na qual Landi, vindo das artes bolonhesas em espaços culturais tão diversos, participa nas suas múltiplas facetas - de desenhador, de arquiteto, de criador de retábulos. Um legado artístico que contribui para a compreensão da nossa cultura e para definir as formas e os ritmos do primeiro ciclo de ocupação da Amazônia. Tomando certa liberdade poética, diríamos que a Igreja de São João Batista é ‘pequena’ na dimensão física, se comparada a outros templos da fé católica na cidade, mas extremamente importante no significado cultural, arquitetônico e religioso para a comunidade.

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IG RE J A D e S A N TA N A

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ocalizada no bairro da Campina, atual bairro do Comércio, na cidade de Belém do Pará, a Igreja de Santana está inserida no perímetro delimitado e tombado por lei municipal, denominado Centro Histórico de Belém, cuja ocupação se consolidou ao longo dos séculos XVII, XVIII, XIX e XX. Projetada pelo arquiteto italiano Antonio Jose Landi, que concebeu outros monumentais edifícios públicos e religiosos para Belém ao longo do século XVIII, a Igreja dedicada a Santana teve sua construção iniciada em 1762, com o objetivo de sediar a paróquia do bairro da Campina, e ao mesmo tempo, receber a Irmandade do Santíssimo Sacramento, ate então abrigada na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (MENDONQA, 2003, p. 403). Alguns historiadores afirmam que Landi, morador do bairro da Campina, tinha uma especial devoção por Santana, mãe de Maria, tendo por isso projetado

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com esmero um templo religioso em sua homenagem. A igreja foi edificada com muitas dificuldades financeiras, apesar de reiterados pedidos de recursos a Corte de Portugal, que permaneceram sem res-

A construção primitiva, erguida para satisfazer pedido dos colonos Portugueses saudosos da pátria, pretendia também reviver a festa de um dos seus santos populares, São João. Essa festividade, que ocorria no dia 24 de junho, coincidia com um dos costumes indígenas de celebrar, na lua deste mesmo mês, o fim do inverno. posta. A construção foi custeada por varias arrecadações feitas entre os paroquianos, aportes do governo local e contribuições de particulares. O governador Mello e Castro e o próprio Landi teriam contribuído financeiramente para a obra da Igreja (MENDONÇA, 2003). A construção do templo foi executa-

da com essas contribuições de 1762 a 1767, sendo interrompida entre 1767 e 1772, por falta de recursos. As “esmolas regularmente entregues para a obra, 240.000 réis por ano, não eram suficientes”, o que levou a Irmandade do Santíssimo Sacramento a apelar ao Rei, por intermédio do governador da época, Fernando Ataíde Teive (MENDONÇA, 2003). Essa situação perdurou por 20 anos e a obra prosseguiu com o auxílio dos paroquianos, políticos e cidadãos mais abastados. Landi, além do projeto e das doações financeiras, foi o responsável pela construção. A Igreja foi inaugurada no dia 2 defevereirode1782. Dois anos depois de inaugurado, o edifício já apresentava problemas estruturais, conforme registrado por Rodrigues Ferreira (FERREIRA apud MENDONQA, 2003). Em 1839, foram-lhe acrescentadas duas torres nas laterais da fachada frontal que não constavam no projeto de Landi, sob a justificativa de serem estruturas indispensáveis


A fachada principal é definida por dois pares de colunas dóricas, dispostos em cada lado da portada principal, ressaltadas de pilastras, assentes num mesmo pedestal, que atravessam a cimalha intermediária. Prolongam-se ate o frontão triangular do templo, sobre o qual estão dois obeliscos (pináculos) nos vértices inferiores, e no topo, a cruz.

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a qualquer igreja matriz de tradição luso-brasileira (TOCANTINS, 1963, p. 197-201). Isso teria agravado os problemas referidos por Rodrigues Ferreira e, entre 1851 e 1855, o templo passou por varias reformas, as quais introduziram elementos de reforço estrutural como os tirantes e grampos metálicos que podem ser observados no desvão do telhado. As pinturas internas, marmorizadas, muito criticadas por Tocantins (1963) e Mendonça (2003), foram acrescentadas já no século XX. Concebida no estilo tardo barroco italiano, cujas formas clássicas e volumetria são valorizadas pelo jogo de luz e sombra, a Igreja apresenta no interior um conjunto de retábulos (altar-mor e laterais) executados em massa, com acabamento marmorizado em policromia, com predomínio dos tons rosa, cinza e verde. Os dois retábulos laterais são integrados por pinturas na técnica óleo sobre tela de autoria do pintor português Pedro Alexandrino, datadas de 1778, centralizadas, com molduras de madeira com douramento. O templo conta ainda com um conjunto de imagens esculpidas em madeira e gesso. No batistério, introduzido extemporaneamente, ha uma pia de lióz, encimada por quadro em relevo, em policromia, com acabamento em pintura a óleo, retratando o batismo de Jesus Cristo, cuja data não foi possível identificar. Sobre este, foi introduzida, em 82 Belém de Todas as Épocas

As pinturas internas, marmorizadas, muito criticadas por Tocantins (1963) e Mendonça (2003), foram acrescentadas já no século XX. Concebida no estilo tardo barroco italiano, cujas formas clássicas e volumetria são valorizadas pelo jogo de luz e sombra, a Igreja apresenta no interior um conjunto de retábulos (altar-mor e laterais) executados em massa, com acabamento marmorizado em policromia, com predomínio dos tons rosa, cinza e verde. data não identificada, uma pintura a óleo sobre tela, retratando a mesma cena, de autor desconhecido. Expressiva referência na paisagem da cidade, marcando de maneira singular seu centro histórico, este monumento representa mais um referencial da memória social, não apenas dos católicos e frequentadores do templo, mas de toda a cidade. No período do Império, essa igreja era a preferida para a realização de solenidades religiosas que antecediam a posse dos Presidentes da Província e, já no início do século XX, período em que se cultivavam belos jardins na cidade, o Largo de Santana também passou a ser bastante frequentado (CRUZ, 1974, p. 61; TOCANUNS, 19W.P201)


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devoto de S ANTA N A

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O projeto de Landi conservou a fachada que já estava construída, incluindo o pórtico com arcadas, e adicionou-lhe o novo corpo de planta em cruz latina, mantendo a capela-mor com o pé direito reduzido, da construção anterior, que contrasta com o restante da igreja. A igreja do Carmo repete uma tipologia comum às igrejas de conventos carmelitas e franciscanos, que têm a fachada com o pórtico de arcada, enquadrada por torres laterais. O conjunto da capela-mor do Carmo e os púlpitos da Igreja de Santo Alexandre são os mais importantes trabalhos de talha barroca do Pará. Belém de Todas as Épocas 85


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catedral

da sé

A

primeira igreja de Belém foi construída provisoriamente dentro do Forte do Presépio e já era dedicada a Nossa Senhora das Graças. Poucos anos depois foi transferida para o atual Largo da Sé, numa construção precária. No século seguinte, em 1719, a Diocese do Maranhão é dividida à pedido de D. João V e Belém passa a sediar a recém- criada Diocese do Pará, ganhando o direito a honras de Sé Episcopal a sua igreja matriz. As obras da atual edificação, construída no mesmo local da primitiva igreja, tiveram no inicio no ano de 1748. Data essa época a planta geral da igreja e os níveis inferiores da fachada, incluindo o portal principal, de feição barroca pombalina. Após algumas interrupções, a direção das obras foi assumida em 1755 por Antônio José Landi, arquiteto italiano chegado à Belém em 1753, que deixou ampla obra na região. Landi terminou a fachada, acrescentando as duas torres e o frontão. As torres, semelhantes às da igreja das Mercês de Belém, também projetadas por Landi, não tem paralelos no mundo luso- brasileiro e são inspiradas em modelos bolonheses, região de origem do arquiteto. O imponente frontão, ladeado por adornos em formato de cones e/ou piramidais, tem um perfil mais barroco- rococó e contém uma abertura com uma estátua de Nossa Senhora.

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No dia 8 de setembro de 1771 é que a construção da catedral foi dada como concluída. As obras duraram 23 anos. A construção foi totalmente concluída em 1782. O nome “Catedral” vem da palavra “cátedra” (nas catedrais se encontra a cadeira, cátedra do padre). Cada Bispo tem sua sede, por isso a Matriz é

A construção primitiva, erguida para satisfazer pedido dos colonos Portugueses saudosos da pátria, pretendia também reviver a festa de um dos seus santos populares, São João. Essa festividade, que ocorria no dia 24 de junho, coincidia com um dos costumes indígenas de celebrar, na lua deste mesmo mês, o fim do inverno. conhecida como Igreja da Sé. Então é repetitivo usar Catedral da Sé. O interior da igreja sofreu uma reforma radical em 1882, ordenada pelo Bispo Dom Antônio de Macedo Costa, quando a catedral passou por uma grande mudança. O retábulo original, de Landi era como do Rococó e tinha uma pintura de Nossa Senhora das Graças pintada pelo português Pedro Alexandrino de Carvalho. Tanto retá-

bulo quanto a pintura estão, hoje em dia, perdidos e são apenas conhecidos por desenhos antigos. O altar principal atual foi criado em Roma por Luca Carimini no século XIX, e as pinturas de dentro da igreja foram feitas pelos italianos Domenico de Angelis e Giusepe Capranesi. O órgão, feito pela oficina do francês Aristide Cavillé – Coll, instalado em 1882 e é o maior órgão da América Latina. Em 1906, a Catedral foi elevada a sede de arquidiocese. A Catedral é a parte mais importante no Círio de Nazaré, a maior procissão do mundo ocidental. Após uma missa na Catedral,a imagem de Nossa Senhora de Nazaré sai em procissão até a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, acompanhada por milhares de pessoas. Depois de vários anos sem medidas de conservação, a Catedral Metropolitana de Belém foi restaurada em 2005, e reaberta ao público no dia 1° de Setembro de 2009. Quando fundaram Belém em 1616, e construíram o Forte do Presépio (hoje do Castelo), dentro dessa fortificação ergueram a primeira igreja, dedicada a Nossa Senhora da Graça. Depois, em uma clareira aberta na mata, bem perto da fortaleza, construíram outra capela, em substituição à primeira. E ao longo dos anos, várias outras reconstruções e melhoramentos. No ano de 1723 o rei de Portugal D. João V atendendo às reivindicações da


Desenhos de Antonio José Landi Da Elevação de uma das Capelas Colaterais da Sé; Do Guardavento da Sé; Óculo que fica na parte interior da Igreja sobre a porta; Tarja que fica sobre os Arcos do Cruzeiro; Tarja que fica sobre o Arco da Capellamor.Janela interior do Cózo. Fonte: Fórum Landi Belém de Todas as Épocas 87


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Largo da Catedral da Sé por Leon Righini em 1867.

Desenho de Antonio José Landi - Retábulo do Santíssimo, Sé de Belém.Biblioteca Nacional do Brasil. Fonte: Fórum Landi

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Interior da Igreja da Sé de Belém. Foto: Adriana Lima - 2016.

Igreja do Pará, autorizou a construção da nova Catedral, ou Sé, em Belém. E talvez, para surpresa geral, determinou que a nova Igreja tivesse toda a grandiosidade possível. Em 3 de maio de 1748, houve a solenidade do lançamento da pedra fundamental da nova Sé, no mesmo local da antiga. A planta da Catedral de Belém é de autoria desconhecida. O nome do arquiteto Antônio José Landi é ligado a nossa Sé somente depois de cinco anos do início da construção, contribuindo principalmente para o acabamento e decoração do interior da Catedral. A reforma empreendida pelo Bispo D. Macedo Costa entre os anos de 1881 a 1892 foi total: foram colocados pisos de mármore de Carrara, novos altares, outras telas e afrescos. FACHADA DA CATEDRAL Ela tem características romanas com duas torres. As duas com lanternas fingidas, elas são meio que coroadas de zimbórios juntamente com essas lanternas. Lá tem uma imagem localizada dentro de uma abertura, conhecida como imagem de nicho, com mais ou menos 4 metros e 20. Ao entrar na igreja logo se vê uma imagem de Nossa Senhora Conceição e do Bom Jesus de Cana Verde. ALTARES LATERAIS Ao longo do corpo da igreja existem dez altares, cinco de cada lado. Todos eles são


Antonio Parreiras. 1908. Acervo MABE

Eliseu Dias / Agência Pará

Carlos Pará

Álbum del Pará. Foto: Fidanza -1899

Helly Pamplona

Catedral da Sé e visão panorâmica da Praça Frei Brandão. Album do Pará em 1908.

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SÉCULO XVIII de mármore e ostentam uma tela. ALTARES DO SAGRADO CORAÇÃO E NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS Ambos de fino mármore e de colinas trabalhadas a estilo romano em frente um do outro em duas grandes capelas laterais. PÚLPITOS Instalados durante a grande reforma do século passado todo trabalhado e folheado a ouro. Púlpitos de ferro. CANDELABROS DE FERRO Em estilo neoclássico, vieram de Roma como oferta do Papa Pio IX. ALTAR MOR Todo de mármore e de uma variedade muito branca e transparente de gesso, construído na Itália pelo escultor Luca Carimini e adquirido por D. Antônio de Macedo Costa (1871) com contribuições do Papa Pio IX e do Imperador Dom Pedro II. Fundo escuro, cores predominantes do barroco no Brasil (azul e vermelho). Presença grandiosa do teocentrismo, outra característica do barroco no Brasil. Arco com ornamentações acima da imagem da santa, estatuetas banhadas a ouro ao lado da imagem, pequena esculturas de mármore italiano ornamentando o local da imagem. Frente com duas torres, frontão com traços curvilíneos, sistema de três janelas na frente. Fonte : artebarrocabelem.blogspot.com.br

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Fotos: Adriana Lima

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IMPRENSA

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a imprensa

E PODER IMPRESA, IDÉIAS E PODER O surgimento da imprensa no Pará e a Eclosão da Cabanagem. por Geraldo Mártires Coelho

O

Pará seria uma das primeiras Províncias brasileiras a conhecer a imprensa, na forma do jornal O Paraense, cuja circulação começaria em 1822. Será este jornal, portanto, o ponto de partida da presença da imprensa no Pará e na Amazônia oitocentistas, um dado, repita-se, de grande significado político e de expressiva dimensão simbólica na contemporaneidade paraense. Como é do conhecimento de todos, a imprensa inexistiu no Brasil colônia. O estatuto colonial português proibia – e punia – qualquer forma de construção e de circulação formais do pensamento, tomado, sempre, como manifestação de uma dada heterodoxia em tese perniciosa e perigosa ao Estado e a sua hegemonia política nos espaços da colonização. Da mesma forma, era proibida a circulação de livros, salvo nos casos em que, submetidos à censura do Estado e a da Inquisição, era permitida a sua posse por magistrados, religiosos e burocratas. Via de regra, tratava-se de livros inócuos do ponto de vista político, ou seja, dispunham de conteúdos que, considerava a autoridade metropolitana, não colocavam em risco o sistema de poder e a presença do Estado na chamada América portuguesa.

Essas proibições ganharam maior intensidade no século XVIII por conta do pensamento liberal, manifestado no corpus das doutrinas filosóficas e políticas do Iluminismo. Mesmo durante o consulado do Marquês de Pombal, com um certo arejamento intelectual

O Pará seria uma das primeiras Províncias brasileiras a conhecer a imprensa, na forma do jornal O Paraense, cuja circulação começaria em 1822. Será este jornal, portanto, o ponto de partida da presença da imprensa no Pará e na Amazônia oitocentistas, um dado, repita-se, de grande significado político e de expressiva dimensão simbólica na contemporaneidade paraense. próprio do despotismo esclarecido pombalino, essas proibições não foram, mesmo que levemente, relaxadas, bastando, para tanto, lembrar que o pombalismo não alterou – antes, atualizou – a orgânica do Estado português. Posteriormente, com o impacto que a Revolução Francesa provocou nas mentalidades políticas europeias de algum modo integradas aos regimes monárquicos ou reflexivas das visões de mundo dominantes

no chamado Antigo Regime, mais duras ficaram ainda essas proibições. Durante a chamada Inconfidência Mineira de 1789, a biblioteca do cônego Luís Vieira da Silva, um iluminista cultor da História, foi usada como um dos principais elementos do libelo acusatório contra ele. Decididamente, ler no Brasil colonial era muito perigoso. A imprensa, pelo menos entendida pela relação jornal-leitor, começou no Brasil em 1808, com a chegada da Corte portuguesa no Rio de Janeiro. A presença da Corte em território brasileiro significava, do ponto de vista político, a transferência do corpus do Estado português (o regente, os ministros, os tribunais, a burocracia) para o Brasil, invertendo-se a lógica da ordenação e da condução do aparelho político lusitano. O Portugal plantado na Europa passava à condição de parte do organismo político português, mas não mais a de centro da existência histórica da monarquia. E o governo de D. João, pelas praxes da administração do Estado, precisava de um órgão que desse conhecimento e publicidade aos atos do governo: nascia, assim, a Gazeta do Rio de Janeiro, cujo nº.1 circulou a 1º de setembro de 1808. Editada pela Impressão Régia, censurada por editores e por ministros em seu primeiro ano, a Belém de Todas as Épocas 93


IMPRENSA Gazeta do Rio de Janeiro acabaria dilatando os limites de um diário oficial, passando a divulgar quadros do cotidiano da capital fluminense. Aos poucos o jornal passou a informativo, tratando da política e comentando os conflitos da Europa, ainda que de forma parcial, mas acenando para uma realidade que a colônia desconhecera ao longo da sua história: a informação circulando publicamente. E de forma moderna, pois havia espaços para anúncios, adotara-se a venda por assinaturas e também por exemplar avulso. A Gazeta do Rio de Janeiro circulou até 1822, cessando suas atividades com a Proclamação da Independência. Seu modelo de jornalismo, no entanto, serviria como um guia para os futuros jornais que dominaram o cenário do Brasil urbano e letrado do século XIX, revelando-se, nesse sentido, um elemento-chave na construção da sociedade brasileira instalada nas principais cidades do Império do Brasil. É preciso não perder de vista que no mesmo ano em que começou a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, em Londres, o brasileiro Hipólito da

Como é do conhecimento de todos, a imprensa inexistiu no Brasil colônia. O estatuto colonial português proibia – e punia – qualquer forma de construção e de circulação formais do pensamento, tomado, sempre, como manifestação de uma dada heterodoxia em tese perniciosa e perigosa ao Estado e a sua hegemonia política nos espaços da colonização. Da mesma forma, era proibida a circulação de livros, salvo nos casos em que, submetidos à censura do Estado e a da Inquisição, era permitida a sua posse por magistrados, religiosos e burocratas. Costa começava a publicar o Correio Brasiliense ou Armazém Literário. Fugido da Inquisição portuguesa, Hipólito da Costa deu à estampa uma publicação de elevado nível tratando-se do jornalismo da época, já que seu jornal, além de informativo, continha seções voltadas para as artes, ciências, literatura, política. O Correio Brasiliense, cuja circulação estendeu-se até 1822, foi evidentemente conhecido no Brasil e lido por cabeças pensantes das elites letradas dos centros urbanos brasileiros. Se não é possível rastrear com precisão as multiplicadas influências do jornal – quase um livro – de Hipólito da Costa sobre o pensamento econômico e político de um Brasil sede da monarquia portuguesa e aberto para o comércio mundial, certamente é possível inferir, haja vista concepção do pri94 Belém de Todas as Épocas


meiro jornalismo brasileiro, que o Correio Brasiliense foi uma das fontes, uma das matrizes da imprensa que então começava a ganhar forma no Brasil. A existência da imprensa no Brasil, em termos de um jornalismo condizente com o seu tempo, viria, em última análise, com a revolução constitucionalista de 1820 em Portugal e com o liberalismo vintista. Dito de outro modo, o nascimento da imprensa brasileira tout court estará atrelado à grande crise política e social do Antigo Regime em Portugal, ou mais especificamente, à ruptura do tecido institucional e ideológico do Estado absolutista português. Afinal, como será visto mais à frente, no curso inicial da revolução liberal de 1820, as Cortes Portuguesas promulgaram a lei da liberdade de imprensa em 4 de julho de 1821 e estenderam o seu alcance aos portugueses de ambos os hemisférios, vale dizer, os portugueses da Europa e os portugueses do Brasil, liberdade essa depois referendada pelo Artigo 7º da Constituição de 1822, a primeira do Portugal moderno. Os seculares mecanismos do edifício censório português, os da Inquisição e os do Estado, seriam atropelados pelas dinâmicas de 1820, com a imprensa brasileira firmando-se no vácuo produzido pelas novas dinâmicas metropolitanas. O Brasil vivia o anteato da sua Independência. A revolução de 1820 forçava a volta do agora D. João VI a Lisboa, e buscava redefinir as bases das relações da burguesia mercantil portuguesa com um Brasil que, desde 1808, vivia a realidade da abertura dos portos ao comércio internacional. No seu discurso de convencimento e legitimação da revolução começada no Porto em agosto de 1820, com a adesão de Lisboa em setembro seguinte, argumentavam os ideólogos do movimento, falando em nome de alguns dos princípios do Liberalismo clás-

Gravura representando a Tipografia de Jornal no Século XVIII sico, que era preciso regenerar Portugal, corrompido em séculos de sua história pelo despotismo e pela tirania daqueles que afrontavam a Constituição originária da monarquia portuguesa, vale dizer, a pactuação entre o soberano e seus súditos. E que um dos fundamentos dessa regeneração repousava na liberdade de pensamento, vale dizer, naquele contexto, na liberdade de expressão, na liberdade de imprensa. Assim proclamava um dos arautos do liberalismo vintista e ideólogo do movimento, Manuel Borges Carneiro, em sua obra Portugal Regenerado em 1820, dada à estampa

naquele mesmo ano. No ano seguinte, José Maria de Beja dava à circulação o seu Catecismo Constitucional, para servir a educação de todos os cidadãos. A primeira imprensa livre em Portugal funda-se, portanto, nas conquistas da revolução vintista, na forma dos diplomas e das práticas asseguradas sobretudo pelo texto constitucional. O discurso liberal vintista, o instituto da liberdade de imprensa e o jornal, na forma como apareceria em Lisboa, no Porto e em outras cidades portuguesas, está na origem da imprensa que nasceria na Belém do Pará de 1822, pelas páginas Belém de Todas as Épocas 95


IMPRENSA tudou em Coimbra entre 1816 e 1820, onde se diplomou em Leis e Cânones. Formou-se num tempo em que as reformas da Universidade, ocorridas em 1772 por conta do reformismo ilustrado pombalino, arejaram o mundo acadêmico coimbrão, em que pese, ressaltese, o forte controle do Estado e da Igreja sobre os corpos constitutivos do saber em Portugal. Antônio Verney, Ribeiro Sanches, José Anastácio da Cunha, leitores dos iluministas, não foram estranhos à formação de Filippe Patroni, sobretudo Anastácio da Cunha, leitor de Voltaire e condenado como “libertino” pela Inquisição portuguesa. O futuro criador de O Paraense possuía uma visão de mundo contingenciada pelos valores eleitos

Jornais como Astro da Lusitânia (1820-1823), Mnemosine Constitucional (1820-1821), O Indagador Constitucional (1821), O Português Constitucional (1820-1821), sem falar nos Diários das Cortes, eram periódicos dotados de marcante conteúdo político, uns pelas matérias que publicavam, outros, como os Diários das Côrtes, pela reprodução do discurso político dos pais do primeiro liberalismo português. do já referido O Paraense. Jornais como Astro da Lusitânia (18201823), Mnemosine Constitucional (1820-1821), O Indagador Constitucional (1821), O Português Constitucional (1820-1821), sem falar nos Diários das Cortes, eram periódicos dotados de marcante conteúdo político, uns pelas matérias que publicavam, outros, como os Diários das Côrtes, pela reprodução do discurso político dos pais do primeiro liberalismo português. Muitas dessas folhas circularam em Belém depois dos eventos de 1820, antes, 96 Belém de Todas as Épocas

portanto, do estabelecimento da imprensa no Pará, representando algumas das fontes onde bebeu Filippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, o responsável pelo estabelecimento fundador da imprensa no Pará e na Amazônia no começo do século XIX, ele mesmo um liberal à feição vintista. FILIPPE PATRONI Filippe Patroni, oriundo de família de comerciantes e proprietários rurais do Pará, es-

pelo liberalismo como inerentes ao homem civil e seus direitos naturais, daí o porquê de o projeto intelectual, mas também a estratégia política de Filippe Patroni no Pará, tenham sido reflexivos da sua condição de sujeito de um tempo de rupturas. Testemunha das primeiras horas da revolução constitucionalista de 1820, Filippe Patroni deixou Portugal no final daquele ano, aportando, então, em Belém. Trazia em sua bagagem intelectual e discurso político e o espelho ideológico dos promotores do movimento vintista, precisamente os elementos


com que arquitetaria seu projeto político no Pará. Segundo Antônio Baena em seu Compêndio das Eras da Província do Pará, Filippe Patroni chegou a Belém dia 10 de dezembro de 1820, a bordo da galera Nova Amazona a 1º. de janeiro de 1821, Patroni inspirou o pronunciamento com que os poderes militares e civis da Capitania reconheceram o estado de Cortes em Lisboa, vale dizer, proclamavam o movimento vintista e defendiam o estabelecimento da ordem constitucional em Portugal. Pouco depois, as Côrtes de Lisboa, reconhecendo que o Pará fora a primeira das Capitanias brasileiras a exaltar o constitucionalismo, a 5 de abril de 1821 o elevaram a condição de Província de Portugal. O projeto

A construção primitiva, erguida para satisfazer pedido dos colonos Portugueses saudosos da pátria, pretendia também reviver a festa de um dos seus santos populares, São João. Essa festividade, que ocorria no dia 24 de junho, coincidia com um dos costumes indígenas de celebrar, na lua deste mesmo mês, o fim do inverno. patroniano que levaria o seu artífice a criar O Paraense estava em movimento. Reconhecido o estado de Côrtes em Lisboa pelo poder militar e por representantes da sociedade civil do Pará, Filippe Patroni procuraria chegar às instâncias da administração provincial. Para o engenheiro e militar português Antônio Baena, em seu Compêndio das Eras da Província do Pará já referido, Filippe Patroni sempre revelara os “maus princípios reguladores de suas faculdades intelectuais”, o que poderia equivaler a um outro juízo. As idéias patronianas de liberdade, mérito, bem público, por exemplo, certamente conflitavam com o status quo do sistema de poder dominante no Pará ao longo de sua história colo-

nial. Nesse sentido, o filantrópico, ou seja, o maçônico Filippe Patroni encarnava uma revolução que poderia alterar as regras dominantes no mando e na organização do poder no Pará do começo do século XIX. Mandá-lo de volta a Portugal poderia significar afastá-lo do cenário de indefinições que a nova ordem das coisas produzira na já então Província do Pará. A Junta de Governo que ascendeu à administração da Capitania do Pará com o 1º. de janeiro de janeiro de 1821, não contava em seus quadros com homens como Filippe Patroni, Domingos Simões da Cunha e José Batista da Silva, os dois últimos sensíveis ao discurso patroniano e também co-respon-

sáveis pela futura instalação da imprensa no Pará. Já aquela altura, Patroni arguia o governo em nome dos méritos e dos talentos para a condução da coisa pública, e para o combate às formas históricas do despotismo e da tirania. Após lançar, a 5 de fevereiro de 1821, uma Proclamação em que denunciava aqueles que se diziam mais aptos para administrar o Pará, ao mesmo tempo que combatiam os que não eram simpatizantes de suas ideias liberais, tomados por eles como despreparados para ocupar funções e empregos públicos. Para a administração local, a ação política de Patroni beirava à licença e a anarquia. Não sem sentido, a 6 de feveBelém de Todas as Épocas 97


IMPRENSA

reiro de 1821, um dia após haver lançado a sua já referida Proclamação, a Junta de Governo, por conta de uma estratégia política, designou Fililipe Patroni para representar os interesses do Pará junto às Cortes de Lisboa, afastando-o, como foi lembrado acima, da cena política local. Entre março e dezembro de 1821, Patroni permaneceu em Lisboa, viveu no ambiente do congresso constituinte, militou na imprensa liberal lisboeta, participou do debate político sobre a ordem liberal e constitucional portuguesa. 98 Belém de Todas as Épocas

Em outras palavras, e mais do que nos anos em que permaneceu em Coimbra, o ano de 1821 foi fundamental para a modelagem do sujeito político e do ideólogo do liberalismo das Côrtes. Esse aprendizado, essas práxis política seria essencial para a sua decisão de trazer a imprensa para o Pará, considerando a importância do jornal na formação e na condução da opinião pública, a partir é claro, do trabalho de homens de méritos e de talentos para tal. Já em Lisboa, Filippe Patroni, mesmo não sendo um deputado

da Província do Pará nas Côrtes Portuguesas, conseguiu impressionar a Regência do Reino discursando sobre os acontecimentos de 1º. de janeiro de 1821, o que lhe valeria créditos para investir na economia política de seu projeto. O primeiro resultado concreto da prática política patroniana ganhou forma quando o jornal liberal Mnemosine Constitucional, em seu número 38, de 31 de março de 1821, publicou, com cercadura, um artigo intitulado Gazeta do Pará. Nessa matéria, Filippe Patroni trata da adesão do Pará à revolução vintista, bem como investe na necessidade de a ainda então Capitania ser governada por homens de mérito e de talento para o seu sucesso administrativo, a par da liberdade que sempre combatia o despotismo e a tirania. A publicação trata, ainda, do discurso que Patroni dirigiu à Regência do Reino e a saudação desta aos que trabalharam para levar o ideário da Regeneração vintista ao norte do Brasil. Essa mesma matéria seria pu -blicada por Filippe Patroni num folheto dado à estampa pela Imprensa Nacional de Lisboa. Neste caso, o título da publicação foi Papéis relativos aos acontecimentos do Pará, ao qual seu autor agregou o sub-título Gazeta do Pará. Parte dessa matéria, cuja publicação foi custeada pela Regência do Reino, havia saído no jornal O Português Constitucional, de 29 de março de 1821, o que mais uma vez reforça o trânsito que Filippe Patroni tinha entre o governo português, assim como em meio às tipografias de Lisboa. Remetidos para Belém, os papéis incendiários de Patroni provocavam espanto, na medida em que revelavam o lugar que ela havia alcançado junto às instâncias mais representativas da revolução vintista estabelecidas em Lisboa. Foi ainda escudado na Mnemosine Constitucional que Filipe Patroni publicou os artigos que intitulou como sendo os números 2 e 3 da Gazeta do Pará, saídos a 2 e 10 de abril de 1821. O discurso patro-


niano subia de tom relativamente às necessidades constitucionais do Pará, vale dizer, ao combate ao poder encastelado nas mãos dos herdeiros do despotismo e da tirania que a retórica vintista condenava. Significativo, nesse sentido, que Fillipe Patroni advogasse a pedagogia constitucional, a instrução dos cidadãos nas questões relativas aos direitos e aos deveres da cidadania, o que pressupunha, logicamente, a necessidade da imprensa no Pará, agora guindado à condição de Província de Portugal.

A Constituição, dizia Patroni, pressupõe não a vontade absoluta do indivíduo, caminho certo para a anarquia, mas, antes, o pacto que assegurava que todos deviam obediência à ordem constitucional. Por último, e a bem refletir o discurso vintista, ainda que projetada sobre uma realidade história distinta daquela dominante no Portugal metropolitano, Patroni apontava o peso dos impostos como sinal do peso do Estado sobre os cidadãos. A 10 de novembro de 1821 a Junta de Governo do Pará queixava-se a Lisboa acerca do desassossego que os papéis incendiários mandados por Fillipe Patroni causavam em meio à sociedade, inclusive entre os escravos. A Constituição, dizia Patroni, pressupõe não a vontade absoluta do indivíduo, caminho certo para a anarquia, mas, antes, o pacto que assegurava que todos deviam obediência à ordem constitucional. Por último, e a bem refletir o discurso vintista, ainda que projetada sobre uma realidade história distinta daquela dominante no Portugal metropolitano, Patroni apontava o peso dos impostos como sinal do peso do Estado sobre os cidadãos. Belém de Todas as Épocas 99


IMPRENSA A 10 de novembro de 1821 a Junta de Governo do Pará queixava-se a Lisboa acerca do desassossego que os papéis incendiários mandados por Fillipe Patroni causavam em meio à sociedade, inclusive entre os escravos. Associado a Daniel Garção de Melo, futuro tipógrafo de O Paraense, Patroni deu à estampa, pela Imprensa Nacional de Lisboa, a um opúsculo intitulado Peças interessantes relativas à revolução que se efetuou na Pará, a fim de se unir à sagrada causa da Regeneração Portuguesa. Além de recuperar, pela sua ótica, os processos que levaram o governo militar e civil do Pará a proclamar a ordem constitucional em Portugal, Patroni investe na semântica liberal vintista no tocante às razões do combate ao despotismo e à tirania. Dispensa relembrar que esse opúsculo, como as matérias por ele publicadas em jornais liberais de Lisboa no correr de 1821, e mais os artigos intitulados como sendo a Gazeta do Pará, foram dados a conhecer em Belém. Traduziam, repita-se, o espectro do projeto político de Patroni de chegar ao governo da Província. Natural, nesse sentido e nesse contexto, que pouco antes de voltar a Belém, em dezembro de 1821, Filippe Patroni houvesse solicitado à Regência do Reino a criação de uma Junta de Reforma e Melhoramento para administrar o Pará. Na semântica da época, melhoramentos apresentavam significado tanto político como ético, voltados para o bem comum, mas passíveis de serem atingidos quando os governos estavam entregues a homens de mérito e de talento. Somente uma visão ao mesmo tempo filosófica e pragmática do progresso, na forma como era trabalhada pela semântica do liberalismo de matiz iluminista, poderia responder pelo que Jeremy Bentham, pensador inglês tão caro aos liberais portuguses, advogava como 100 Belém de Todas as Épocas

sendo a felicidade do maior número. O discurso de Patroni, modelado pelas leituras em Coimbra e pela práxis liberal na Lisboa de 1821, assim estava constituído. O caminho em direção a O Paraense tornava-se cada vez mais curto. Provavelmente em julho de 1821, Filippe Patroni encaminhou a D. João VI uma longa Representação em que recupera, pela sua ótica, o estado das coisas dominantes na Província do Pará desde o governo dos últimos CapitãesGenerais da antiga Capitania. Recorrendo às categorias discursivas do liberalismo vintista, tratando

O mais importante documento produzido àquela altura por Fillipe Patroni em Lisboa, decorreu do discurso que ele fez perante D. João VI a 22 de novembro de 1821, discurso, aliás, que o próprio rei impediu que o orador o finalizasse. A íntegra do documento foi dado à estampa a 24 de novembro de 1821 pelo jornal Astro da Lusitânia, e seu texto não deixa de demarcar um avanço da retórica patroniana sobre as próprias categorias da semântica vintista. da Regeneração de Portugal, elevando os argumentos acerca do valor pactual da Constituição que as Cortes elaboravam, protestando pela necessidade do zelo com o bem público e com os cidadãos, Patroni investia na questão-chave de sua estratégia política: chegar ao governo do Pará. Mais do que nunca fez valer a sua condição de Bacharel em Leis e Cânones pela Universidade de Coimbra para sustentar, diante de D. João VI, que somente o mérito, o talento e as luzes do saber poderiam tirar o Pará da condição de a última e mais infeliz das Províncias brasileiras. Falta de governo, despo-

tismo e tirania elevavam-se aos céus da sua Província como ruinosa sobrevivência de um passado que as autoridades insistiam em não apagar. Essa Representação não foi publicada pelos jornais de Lisboa, mas Filippe Patroni certamente cuidou de fazê-la conhecida em Belém. O mais importante documento produzido àquela altura por Fillipe Patroni em Lisboa, decorreu do discurso que ele fez perante D. João VI a 22 de novembro de 1821, discurso, aliás, que o próprio rei impediu que o orador o finalizasse. A íntegra do documento foi dado à estampa a 24 de novembro de 1821 pelo jornal Astro da Lusitânia, e seu texto não deixa de demarcar um avanço da retórica patroniana sobre as próprias categorias da semântica vintista. De uma maneira geral, Filippe Patroni fazia saber a D. João VI que, pelo menos no Pará, os ministros do rei não agiam de modo a satisfazer as necessidades da Província, inclusive no tocante à necessidade de se nomear o Governador das Armas – sem falar do governo esclarecido para dirigir os seus rumos. Navios portugueses com destino ao Pará permaneciam surtos no Tejo, sem que providências fossem tomadas de modo a não sangrar os cofres públicos. O ponto mais dramático do discurso de Patroni é atingido quando o orador diz a D. João VI que se o Ministério do Reino seguir em seu descuido relativamente aos interesses do Pará, mas extensivo ao Brasil como um todo, tornando possível o triunfo do despotismo e da tirania em meio ao povo brasileiro, logo o Brasil promoveria a sua independência. A construção do discurso de Filippe Patroni, é preciso notar, tinha como alicerces o que ele considerava a incapacidade e a frouxidão dos ministros de D. João VI, vale dizer, a retórica patroniana transgredira a semântica liberal dos vintistas portugueses e atingira domínios


interditados, a saber, a lógica e a condução das razões de Estado pelo rei. Evocar a possibilidade política da independência brasileira significava, naquele contexto, tudo o que os promotores da revolução constitucionalista de 1820 não desejavam, o que significa dizer que o discurso de Filippe Patroni ficou à esquerda do ideário vintista. Esse discurso, considerando a conjuntura em que foi proferido, não alteraria as regras do jogo político de Lisboa em relação à Província do Pará, já que o status quo provincial não se alteraria, salvo pelo crescimento do poder dos quartéis, até 1823, quando ocorrer a adesão do Pará à Independência do Brasil. A exemplo do que foi referido anteriormente no tocante às matérias que Filippe Patroni publicava na imprensa de Lisboa, também o discurso patroniano serviria de moeda para o capital político do seu autor nos quadros da política provincial. Como será visto em outra oportunidade, o discurso de Filippe Patroni a D. João VI marcaria a fundo a vida de seu autor, quer do ponto de vista da sua trajetória jornalística, quer dos rumos que ele seguiria no domínio político de um Brasil que promovera a sua Independência no mesmo ano em que começara a circular O Paraense. Em muitas das matérias que publicou na imprensa liberal de Lisboa no correr de 1821, Fillipe Patroni referia-se à necessidade da imprensa para lutar pela liberdade e para educar os cidadãos nos preceitos da ordem constitucional. Em algumas oportunidades, como na Representação que publicou no Diário do Governo, em 18 de outubro de 1821, acusando a Junta de Governo do Pará de haver obstado a primeira tentativa de estabelecimento da imprensa na Província. A 12 de novembro de 1821 o tipógrafo Daniel Garção de Melo, em Representação dirigida a D. João VI relatando que

àquela altura estivera em Belém com o fim de instalar a imprensa na Província, mas que fora obrigado a sair do Pará pelo governo local, sendo, inclusive, ameaçado de morte provavelmente por membros do próprio governo. A história do Pará não acompanha, não registra esse acontecimento, antes tributa a João Francisco de Madureira Pará, como o faz Antônio Baena em seu Compêndio das eras da Província do Pará, a iniciativa de criação de um primeiro e rústico prelo na Belém de 1821. Em meados de dezembro de 1821, a bordo da galera “Efigê-

nia”, de onde escreveu uma última matéria dada à luz pelo Astro da Lusitânia, Fillipe Patroni deixou Lisboa com destino a Belém. Antes, a 27 de outubro e 18 de novembro de 1821, como registram os documentos da Imprensa Nacional, em Lisboa, adquiriu ele no estabelecimento tipográfico do governo, material gráfico e mais tipos usados com que daria forma à tipografia de onde sairia O Paraense. Na charrua “Gentil Americana”, àquela mesma altura, embarcaria o tipógrafo Daniel Garção de Melo, em cuja Representação a D. João VI já referida, Belém de Todas as Épocas 101


faz constar que a imprensa “vai nessa mesma ocasião levada pelo referido encarregado dos negócios daquela Província [do Pará], onde não há absolutamente um só oficial impressor”. A 25 de março de 1822, o Diário do Governo, ao publicar as “novidades” chegadas do Pará, faz constar o registro do comandante da galera “São José Diligente” dando conta da chegada de Fillipe Patroni a Belém. Diz o registro que Patroni, “desembarcando livremente, começara logo a escrever contra aquele governo”. Um outro registro, este do já conhecido engenheiro e militar português Antônio Baena em sua já citada obra, diz que “torna a aparecer no Pará vindo de Lisboa Fillipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente destituído do galardão e recompensa que esperava, tendo-se esforçado por enfeitar com as cores da moda (grifo nosso) o seu procedimento, a fim de inculcá-lo como produto do seu zelo exaltado pela causa da Regenera102 Belém de Todas as Épocas

ção Nacional, talvez persuadido de que a bondade dos fins basta para justificar a indignidade ou a malignidade dos meios”. A Belém que Fillipe Patroni en-

Fillipe Patroni deixou Lisboa com destino a Belém. Antes, a 27 de outubro e 18 de novembro de 1821, como registram os documentos da Imprensa Nacional, em Lisboa, adquiriu ele no estabelecimento tipográfico do governo, material gráfico e mais tipos usados com que daria forma à tipografia de onde sairia O Paraense. contraria quase um ano depois de permanência em Lisboa, estava marcada por divisões claras do ponto de vista político e ideológico. Se figuras como Batista Campos, Domingos Simões da Cunha e João Marques de Matos formavam ao lado de Patroni no tocan-

te à leitura e ao entendimento do que o constitucionalismo vintista poderia significar tratando-se de uma nova orgânica do poder, o mesmo não ocorria no espaço da Junta de Governo e muito menos no interior dos quartéis do Governador das Armas. O aparecimento e a circulação de O Paraense, como será tratado no correr deste artigo, seriam sempre contingenciados, para não dizer cerceados, pelo que o jornal significava enquanto veículo de uma outra e problemática leitura das relações de poder no Pará de 1822-1823. Note-se, nesse sentido, que o jornal de Fillipe Patroni deixará de circular antes mesmo que a Independência e o governo de D. Pedro I fossem reconhecidos na Província. Pouco se conhece das atividades que Fillipe Patroni desenvolveu em Belém entre a sua chegada à capital do Pará no início de 1822 e o aparecimento do nº. 1 de O Paraense, em 22 de maio de 1822. A documentação existente


no Arquivo Histórico Ultramarino é escassa nesse sentido, salvo nos autos da devassa que o Governador das Armas do Pará, brigadeiro José Maria de Moura tirou contra Batista Campos. Aqui, o documento lança mão do depoimento de uma testemunha não identificada que se refere a Fillipe Patroni, indicando que se tornara periodista, tornando-se também partidário da independência do Brasil. Mesmo o metódico Antônio Baena registra apenas o aparecimento de O Paraense, não anotando qualquer fato relativo às atividades que Patroni teria desenvolvido antes do jornal vir a público. É provável que as atividades que desenvolveu, juntamente com Daniel Garção de Melo, para montar o aparelhamento tipográfico para o seu jornal, possam haver afastado Fillipe Patroni, ainda que temporariamente, da cena pública da capital do Pará. O aparecimento de O Paraense em maio de 1822 foi, de fato, um acontecimento marcante

para a vida pública da Belém de então. A correspondência que os governos civil e militar do Pará dirigiram a Lisboa não deixa dúvidas quando ao impacto que o

O aparecimento de O Paraense em maio de 1822 foi, de fato, um acontecimento marcante para a vida pública da Belém de então. A correspondência que os governos civil e militar do Pará dirigiram a Lisboa não deixa dúvidas quando ao impacto que o começo da atividade da imprensa produziu na Província. começo da atividade da imprensa produziu na Província. De uma maneira geral, esses documentos vão relacionar a ação da imprensa à ideia de anarquia, inclusive por parte da população escrava, assim como atrelá-la ao espírito de dissidência que avançava no

Rio de Janeiro desde o Fico com que o regente D. Pedro reagiu às pressões de Lisboa para que retornasse a Portugal. E essa relação entre a imprensa e o exercício da sua liberdade seria, pelo menos do ponto de vista do governo militar do Pará, e assim fazia ver a Lisboa, um sério indício do crescimento do ideário independizante no Brasil. Fillipe Patroni ficou à frente de O Paraense até a circulação do seu número 6, saído a 7 de junho de 1822. Nessa altura, deixou a direção do jornal e seguiu preso para Lisboa onde enfrentaria processo pelo discurso que proferira perante D. João VI em 22 de novembro de 1821. A partir desses acontecimentos, Fillipe Patroni passaria longo tempo sem voltar ao Pará, já que a sua vida em Portugal, indultado ele pelo rei, seria voltada para a obtenção do grau em Direito Civil e Canônico. Ao voltar ao Brasil, fixou-se no Rio de Janeiro, onde exerceu a advocacia e a magistratura, tornando Belém de Todas as Épocas 103


a Belém somente em 1828, já em outro momento de sua vida pessoal e em outro contexto político. É possível sustentar que Fillipe Patroni, nos seis números de O Paraense que deu à estampa, praticou uma dada forma de pedagogia, tendo como objeto principal a constituição, a liberdade, e o combate as formas espúrias de poder, o despotismo e a tirania, traduzidas pelas categorias discursivas do liberalismo vintista. Nesse sentido, O Paraense vai se aproximar dos modelos de jornais com que Patroni conviveu durante a sua permanência em Lisboa, até porque a ação pedagógica do jornal era essencial para a afirmação e o triunfo das condições que deveriam orientar o pacto da Regeneração do Portugal de ambos os hemisférios. Fazer do jornal uma tribuna constitucional era a preocupação de Fillipe Patroni, e tribuna, aqui, não apenas no sentido figurado, mas também no sentido real. A exemplo do que ocorria em Por104 Belém de Todas as Épocas

tugal da revolução constitucionalista, mas observado também em outros países, como na França revolucionária, o jornal prestava-se não apenas para a leitura pessoal

Fillipe Patroni ficou à frente de O Paraense até a circulação do seu número 6, saído a 7 de junho de 1822. Nessa altura, deixou a direção do jornal e seguiu preso para Lisboa onde enfrentaria processo pelo discurso que proferira perante D. João VI em 22 de novembro de 1821. e silenciosa. Antes, o jornal, como linguagem e como formatação, era para ser lido em público, nos cafés, nas praças, a fim de que a sua mensagem pudesse chegar àqueles que, analfabetos ou com pouco domínio da leitura, pudessem ser atingidos pelo discurso subsumido ao jornal. Daí a razão pela qual o governo do Pará, à

época, associava a liberdade de imprensa à anarquia, inclusive em meio aos escravos urbanos de Belém. Já em seu número 1, e de forma bem significativa O Paraense estampava em suas páginas o Título I, Artigos de I a VII, da Lei da Liberdade de Imprensa de 4 de julho de 1821, e mais a recomendação das Cortes de Lisboa para que bispos e arcebispos preparassem pastorais acerca das vantagens da Constituição, instruindo ainda os cidadãos sobre a inexistência de qualquer conflito entre a ordem constitucional e a religião católica. Do ponto de vista político, Fillipe Patroni investia na eleição de uma nova Junta de Governo a fim de que o poder e a autoridade não mais desrespeitassem os “imprescritíveis direitos” dos paraenses, vítimas do “negro fado” do despotismo e da tirania. Afinal, como estampava o número 2 de O Paraense, de 25 de maio de 1822, “o magnânimo povo do Pará” fazia parte da “família


lusitana, em todas as épocas famosa, e credora do espanto e admiração do orbe inteiro, especialmente quando concebe grandes empresas”. Patroni, como melhor se verá a seguir, jamais propugnou pelo rompimento das relações entre Brasil e Portugal, vale dizer, pela independência brasileira. O que era preciso para o Pará era a existência de um governo voltado para “a iluminação pública”, segundo pregava a ética política das Luzes, a fim que a sociedade fosse atendida por uma administração que deveria “ter no coração (...) o princípio consagrado na teoria do famoso [Jeremy] Bentham: a maior felicidade do maior número”. No breve tempo em que ficou à frente de O Paraense, Fillipe Patroni marcou duas posições políticas claras: a primeira, observada anteriormente, dizia respeito à montagem de um novo e esclarecido governo no Pará. A segunda, foi construída no sentido de defender o Reino Unido, na forma

como foi arquitetado em 1815, o que significava proclamar a união do Brasil a Portugal. Assim, no número 3 de O Paraense, de 29 de maio de 1822, Patroni transcreve

Como sustentava Fillipe Patroni em seu jornal,“as Províncias ao norte do cabo de Santo Agostinho” mantinham uma mais rápida e constante comunicação com Lisboa do que com o Rio de Janeiro, e justamente com a metrópole mantinham suas relações comerciais duradouras e lucrativas. uma matéria saída no jornal Sentinela Constitucional Bahiense, em que o periódico baiano denuncia um movimento no Rio de Janeiro para fazer do regente D. Pedro o artífice da Independência do Brasil, com o que ele não concordava. Como sustentava Fillipe Patroni em seu jornal, “as Províncias ao norte do cabo de Santo Agos-

tinho” mantinham uma mais rápida e constante comunicação com Lisboa do que com o Rio de Janeiro, e justamente com a metrópole mantinham suas relações comerciais duradouras e lucrativas. Com efeito, em 1822, o Mapa Geral do Comércio de Importação e Exportação de Portugal, e seus domínios acusava maior exportação do que importação por parte dos paraenses em relação aos mercados portugueses, realidade que seria sempre utilizada pela autoridade colonial do Pará, principalmente pelo seu governo militar, para fazer saber a Lisboa que a ideia da independência do Brasil, como os áulicos do Rio de Janeiro alimentavam em sua imprensa, era uma quimera para os paraenses como um todo. Dessa forma, as denúncias mandadas de Belém para Lisboa, sobretudo pelo Governador das Armas da Província, sobre o papel de O Paraense na pregação da emancipação política brasileira, refletiam tão-somente o jogo de Belém de Todas as Épocas 105


forças da política e das relações de poder na Província sob as novas condições produzidas pelas projeções da revolução vintista no Norte do Brasil. O jornal, mesmo depois da fase em que esteve sob a direção de Patroni, passando à direção de Batista Campos, em seus números conhecidos não chegou a defender abertamente a ideia da independência futura do Brasil, ainda que desse à estampa matérias relacionadas às pressões e tensões no Rio de Janeiro já integrantes da dinâmica que levaria ao Grito do Ypiranga. BATISTA CAMPOS Sob a direção de Batista Campos, O Paraense circulou todo o ano de 1822, devendo ter paralisado suas atividades no começo de 1823. O jornal se afastaria da identidade essencialmente doutrinária e discursiva que lhe conferiu Filippe Patroni, e embora não se afastasse da semântica vintista, o fazia de modo a realçar a necessidade de uma nova orgânica política na 106 Belém de Todas as Épocas

Província. Voltando-se de forma mais radical contra as representações do despotismo e da tirania, o periódico revelava a prática política de um Batista Campos já com-

Em seu número 9, de 19 de junho de 1822, O Paraense, em nome da opinião pública, insurge-se contra o poder militar provincial, acusando o Governador das Armas de perseguir o cidadão e capitão Joaquim Antônio de Macedo por um descabido crime de liberdade de imprensa. batido pelo poder local, principalmente pela força dos quartéis. Essa segunda fase da história de O Paraense será marcada pela importância conferida pelo periódico à opinião pública, inclusive no tocante ao enfrentamento do poder do brigadeiro José Maria de Moura, Governador das Armas da Província. Em seu número 9, de 19

de junho de 1822, O Paraense, em nome da opinião pública, insurgese contra o poder militar provincial, acusando o Governador das Armas de perseguir o cidadão e capitão Joaquim Antônio de Macedo por um descabido crime de liberdade de imprensa. O capitão Macedo publicou no jornal um artigo argüindo o Governador das Armas sobre uma ordem de serviço que o oficial julgava prejudicial aos seus interesses. Apoiado em O Paraense, o capitão Macedo protestou contra o Governador das Armas, considerando que apenas exercera um direito amparado nas Bases da Constituição e na Lei da Liberdade de Imprensa, lembrando, para tanto, para o Tribunal de Jurados previsto pela mesma lei. O quadro de confronto com os quartéis fica evidente quando Batista Campos, pelas páginas de O Paraense observa: “já o Governador das Armas derroga leis; já é Congresso; já é mais que El-Rei; já constitui Tribunal de Jurados; já é Magistrado; já é Assembleia


Eleitoral; já conhece os delitos cometidos pela Imprensa; já indaga e faz inquirir por três oficiais, que publicou tal escrito...Os art, 1 e 22 da Lei de 4 de julho de 1821 já não valem aqui...A Exma. Junta compete proteger os Cidadãos, de maneira que em breve não se arrase a Casa da Imprensa”(grifo nosso). A partir dos acontecimentos envolvendo o capitão Macedo, o Governador das Armas voltava a comunicar a Lisboa que a imprensa e o exercício da sua liberdade no Pará, porque controlada por anarquistas e demagogos, era o caminho certo para prosperar o ideal da independência brasileira. E não era o caso. Os números de O Paraense da fase em que o jornal esteve sob a direção de Batista Campos indicam que seu redator, embora reconhecesse a existência do Reino Unido, mantinha um entendimento bem claro sobre os direitos das partes formativas do referido corpus político. Não se conhece, nesse sentido, uma matéria que Batista Campos

haja dado à estampa defendendo claramente a ideia da independência do Brasil, mesmo quando o jornal deu à estampa algumas Proclamações do príncipe D. Pedro.

As condições históricas que tornaram possível a ação de O Paraense, deixarão de existir progressivamente na Província, à medida que o Governador das Armas, apoiado no sprit de corps dos quartéis, aprofundava seu entendimento a respeito da ação da imprensa e de sua relação com a anarquia e com a demagogia dos partidários da independência do Brasil. Aliás, fazia saber O Paraense aos seus leitores que os documentos do regente do Brasil Reino Unido o governava segundo os princípios do constitucionalismo vintista, e com completo reconhecimento e fidelidade à Casa de Bragança,

vale dizer, ao governo de seu pai, o rei D. João VI. É possível que O Paraense tenha circulado até novembro de 1822, mantendo seu corpo principal e mais os seus suplementos. Sua linha de ação seguiu sendo o combate ao governo militar do Pará, à Junta de Governo, de certa forma conivente com o status quo do que Patroni considerava ser a sobrevivência do despotismo e da tirania no Pará mesmo após o constitucionalismo de 1820. As condições históricas que tornaram possível a ação de O Paraense, deixarão de existir progressivamente na Província, à medida que o Governador das Armas, apoiado no sprit de corps dos quartéis, aprofundava seu entendimento a respeito da ação da imprensa e de sua relação com a anarquia e com a demagogia dos partidários da independência do Brasil. Para o brigadeiro José Maria de Moura, a ação do jornal, desde o tempo de Patroni e pela ação do mesmo, chegou a acenar com a represenBelém de Todas as Épocas 107


IMPRENSA tação de escravos nos processos eleitorais, o que, para a autoridade colonial, era inaceitável A Junta de Governo cedia à pressão dos quartéis e O Paraense vai aos poucos saindo da cena pública da Belém, deixando de circular provavelmente em fevereiro de 1823. O ponto culminante do processo de enfrentamento entre a opinião pública e os quartéis na Belém de então deu-se a 1º. de março de 1822 quando os militares promoveram um putsch, dissolvendo a Junta de Governo e a Câmara, esta recém-eleita e formada exclusivamente por brasileiros. Nas instâncias do governo civil estavam homens absolutamente inas-

Batista Campos, no tempo em que ficou à frente de O Paraense, alargou o espectro sua luta pela redefinição dos espaços do poder no Pará de 1822. Combatia e condenava os que chamava de portugueses degenerados, tivessem nascido em Portugal ou fossem naturais do Pará, posto que a sua degeneração não implicava condição de nascimento, mas afronta à sociedade, apego ao poder, descaso com a administração e desrespeito à opinião pública. similáveis pelos quartéis, todos, segundo a lógica militar, acusados de crime de independência. A publicação, por Batista Campos, de um Manifesto do príncipe D. Pedro aos habitantes do Rio de Janeiro, valeu-lhe a acusação, por parte dos militares, de crime de liberdade de imprensa. A sua absolvição pelos Juízes levou a população às ruas. Criaram-se as condições para que os militares realizassem o putsch de 1º. de março de 1823. Uma nova Junta de Governo foi instalada pelos militares no poder, e restaurada a antiga Câmara. Os membros da antiga Junta de Governo foram presos e deportados 108 Belém de Todas as Épocas

para vários pontos do Pará, e mais dezesseis outros partidários do grupo de Batista Campos e seus seguidores no enfrentamento político com os portugueses degenerados que controlavam a política na Província. O próprio Batista Campos não foi preso e deportado porque fugiu a tempo, escondendo-se nas matas existentes nas cercanias de Belém. Para Lisboa, o Governador das Armas e a Junta de Governo remeteram copiosa documentação, narrando e justificando o putsch em nome da indissolubilidade da Nação Portuguesa.

Foi nesse contexto que ganhou as ruas de Belém o jornal O Luso Paraense, servindo a causa do novo governo e estampando um discurso colonial e colonizador. Anulavam-se, portanto, no Pará, as conquistas saídas de dois grandes diplomas das Cortes de Lisboa: a lei da liberdade de imprensa de 1821 e a própria Constituição de 1822, no tocante aos direitos que asseguravam aos portugueses de ambos os hemisférios quanto ao uso legal da liberdade de pensamento e da liberdade de expressão. Ironicamente, a tipografia de onde sairia


O Luso Paraense, a agora denominada Imprensa Constitucional de Daniel Garção de Mello, era a mesma organizada por Filippe Patroni com os tipos e o material gráfico que adquirira em Lisboa ao final de 1821. Batista Campos, no tempo em que ficou à frente de O Paraense, alargou o espectro sua luta pela redefinição dos espaços do poder no Pará de 1822. Combatia e condenava os que chamava de portugueses degenerados, tivessem nascido em Portugal ou fossem naturais do Pará, posto que a sua degeneração não implicava condição de nascimento, mas afronta à sociedade, apego ao poder, descaso com a administração e desrespeito à opinião pública. A prática política de Batista Campos à frente de O Paraense, nos anos mais duros da vida do primeiro jornal do Norte do Brasil, levou o grande cônego a esgrimir a questão do papel da opinião pública no processo político de enfrentamento ao poder estabelecido no Pará. Como bem observa Vicente Salles em seu Memorial da Cabanagem, ainda às vésperas da Cabanagem e pouco antes de sua morte, Batista Campos enfrentava o governo e os moderados por meio de jornais como O Publicador Amazoniense (1832) e o Orpheo Paraense (1834). Decididamente, a imprensa, o jornal, a palavra esgrimida, combatente e combativa haviam se instalado na contemporaneidade do Pará. A Cabanagem tem raízes plantadas no solo profundo e fértil da liberdade de pensamento, na forma como historicamente pode ser reconhecida, vale dizer, no giro dramático da engrenagem que realizava a dura superação do passado colonial amazônico.

Jornal Folha do Norte, um dos maiores e mais importantes jornais que tiveram na história da imprensa. Belém de Todas as Épocas 109


IMPRENSA IMPRENSA No Pará é o jornalismo a mais intensa manifestação intelectual e sem dúvida pelo seu adiantamento traduz o grau de cultura mental do Estado a que pertence hoje inconstetavelmente a hegemonia do norte do Brasil. Uma pena competente, tratando da história do jornalismo paraense, coordenou-a em nove períodos: 1º Independência, 2º Reação contra o elemento português, 3º A Cabanagem, 4º Restabelecimento da legalidade, 5º Questão religiosa, 6º Última fase da reação anti-portuguesa, 7º Propaganda Abolicionista, 8º Propaganda republicana, 9º Período Republicano – Atualidade. O Paraense, o primeiro órgão que se publicou na Amazônia, em Março de 1822, iniciou o primeiro período ao qual pertencem: O Luzo-Paraense, O Verdadeiro Independente, Voz das Amazonas, O Sagitário, O Correio do Amazonas e A Opinião, entrando pelo segundo período Ao terceiro correspondem: Publicador Amazonense, O Desmascarador, A Luz da Verdade, Correio Oficial Paraense, O Cabano da Praia Grande, O Vigilante, Sentinella Maranhense na Guarita do Pará. Ao quarto estão ligados: - O Paraense, Folha Comercial, Treze de Maio, Sinopse Eclesiástica, O Téo-Téo, O Planeta, O Marchista Paraense, periódicos aos quais estão ligados o Diário do Grão – Pará, o Jornal Amazonas, o Jornal do Pará, O Diário de Belém e o Liberal do Pará, folhas cotidianas que pela sua importância assina110 Belém de Todas as Épocas

lam o começo da vida jornalística, propriamente dita, na província. O quinto período compreende: A Inquisição, O Santo Ofício, O Pelicano, A Boa Nova, A Regeneração, O Futuro, O Filho da Viúva, A Flamingueira, A União Católica, A Luz da Verdade, O Tacape, e Regenaração. A Tribuna, que venha desse, marca o sexto período. Representam o sétimo período: - O Abolicionista, A Liberdade, O Amigo do Povo, Abolicionista Paraense e A Jangada. A propaganda republicana, oitavo período, abrange O Comércio

Batista Campos, no tempo em que ficou à frente de O Paraense, alargou o espectro sua luta pela redefinição dos espaços do poder no Pará de 1822. Combatia e condenava os que chamava de portugueses degenerados, tivessem nascido em Portugal ou fossem naturais do Pará, posto que a sua degeneração não implicava condição de nascimento, mas afronta à sociedade, apego ao poder, descaso com a administração e desrespeito à opinião pública. do Pará e A Republica. Quando se estabeleceu no Brasil o regime democrático em 1889, existiam em Belém, os seguintes jornais: - Diário do Grão Pará( fundado em 1856), Diário de Belém (1868), O Liberal do Pará (1869), A Província do Pará (1876), Diário de Notícias (1880) e O Comercio do Pará (1887). Todas as folhas desapareceram pouco a pouco, sobrevivendo, apenas A Província do Pará.

Mais tarde, em pleno período republicano, surgiram o Diário Oficial, o Diário do Congresso, O Democrata, A Folha do Norte, O Jornal, O Pará, a Gazeta de Belém, o República e o Jornal do Comércio. Por sua vês, estes desapareceram, com exceção d’A Província, Diários Oficial e do Congresso e Folha, aparecendo então O Notícias, que foi substituído pelo Jornal do Comércio. Atualmente a imprensa diária de Belém, compõem-se dos seguintes órgãos: Diário Oficial, fundado pelo governo do estado em 11 de Junho de 1891 e dirigido pelo Coronel Hyggino Amanajás; Diário do Congresso, fundado também pelo governo do estado em 10 de Fevereiro de 1900 e dirigido pelo Major Raymundo Fraga de Castro; Folha do Norte, fundada em 1 de janeiro de 1896 pelo Dr. Enéas Martins e por João de Deus Rego. São seus redatores: - Dr. Cypriano Santos, diretor, Paulo Maranhão, secretário, Luiz Santos, Eustachio de Azevedo e Ildefonso Tavares; O Jornal, fundado em 5 de Fevereiro de 1905, por Antonio Lemos, Elyseu Cesar e Miguel de Barros. São seus redatores: Dr. Elyseu Cesar, redator –Chefe; Miguel de Barros, diretor efetivo, atualmente licenciado e substituído interinamente pelo major Licínio Silva; redatores; Dr. Enéas Pinheiro e Agostinho Vianna, José Chaves, Benjamim Souza e Ildefonso Marinho. Revisores: Antonio Fabiano, chefe; Joaquim Teixeira Filho, José Freire, Antonio Sampaio e Odon Araújo. Repórteres: Antônio C. Filho, Alvaro de Oliveira e Miguel


Schelley. Gerente: Coronel José Francisco Soares Sobrinho. Administrador técnico: Raymundo Pinto Vasconcellos. Chefe da impressão: José Franco. A Província do Pará, fundada em 25 de março de 1876, pelo Dr. Joaquim José de Assis, por Antonio José de Lemos e por Francisco de Souza Cerqueira. São seus redatores: Senador Antonio Lemos, redator- chefe; João Marques de Carvalho, diretor efetivo, atualmente licenciado e substituído pelo Major Fraga de Castro; Dr. Tito Franco, Alves de Souza, Ludovico Lins, Romeu Mariz, Martinho Pinho, Raymundo Trindade e Armando Paiva. Revisores: Dr. Alvaro Norat, chefe: Ozéas Sabóia, Augusto Meira, Antonio Genú, Paschoal Rebello e Augusto Toscano. Repórteres Raymundo Tavares, Chefe; Manoel Azevedo, Plínio Bandeira, Antonio Campos, João Souza, Franklin Palmeira e Rossard de Lemos, gerente; Capitão Joaquim Maia, licenciado e substituído por Gama e Silva. Administrador técnico: José Joaquim de Oliveira. Chefe da impressão Simon Lecca. Sendo como é A Província o primeiro jornal do Norte do Brasil e um dos primeiros da imprensa brasileira, que poderia com vantagem figurar e sem desdouro em qualquer parte do mundo, merece bem as seguintes palavras que sobre ela escreveu há oito anos um dos vultos mais ilustres das bellas -letras na Amazônia. A alma d’ A Província, desde os primeiros tempos, foi Antonio Lemos. O ponto principal não era dispor de um hábil escritor político, ou de um homem experiente

e ativo na direção econômica da empresa. Desses elementos dispunham outros que não se livraram do insucesso. A verdade é que a imprensa paraense chegava ao momento em que um largo passo avante a quem desse com segurança esse passo. Antonio Lemos com a sua proverbial clarividência, compreendeu a situação e frequentou ousadamente o espaço que separava a imprensa antiga da imprensa moderna. A morte de Francisco Cerqueira deixou-o só, pois, ao Dr. Assis, o seu estado de saúde e

Batista Campos, no tempo em que ficou à frente de O Paraense, alargou o espectro sua luta pela redefinição dos espaços do poder no Pará de 1822. Combatia e condenava os que chamava de portugueses degenerados, tivessem nascido em Portugal ou fossem naturais do Pará, posto que a sua degeneração não implicava condição de nascimento, mas afronta à sociedade, apego ao poder, descaso com a administração e desrespeito à opinião pública. os seus negócios particulares não permitiam dispensar a empresa mais que a sua proteção valiosa, o prestígio do seu nome, e um ou outro artigo de fundo sobre os mais importantes casos ocorrentes. Isso que se chama o “trabalho de um jornal”, do qual só podem fazer ideia os que já uma vez se viram premidos nesse torculo terrível – a redação, a revisão, a administração, a direção técnica, a fiscalização dos vários serviços – toda essa tarefa gigantesca des-

cansava unicamente sobre os ombros de Antonio Lemos. Outro qualquer teria sucumbido; ele aceitou serenamente a luta no terreno em que as eventualidades a colocavam. A sua labuta começava as 4 horas da madrugada e terminava a hora em que começava a impressão, quando não passava a noite toda em claro. Não havendo pessoal preparado para o que ele queria fazer, era preciso presidir a tudo, desde o noticiário até a parte comercial. A imprensa vivera então escorada aos partidos ou a cortejar as boas graças do comercio. Era preciso acabar com isso, criar elementos de vida próprios no seio da opinião pública, tornar-se finalmente uma “força” e para tanto fazia-se mister que se tornasse uma “necessidade”. Em pouco tempo A Província tinha iniciado a venda avulsa pelas ruas, até então considerada ruinosa, que contavam com uma única classe de consumidores, os “assinanantes” obtidos a peso de empenhos e pedidos. Quando a atitude de uma folha não agradava a algum podendo, este empregava a sua influencia em obter que se “riscassem” grande número de assinantes e a pobre gazeta ficava ferida de morte. Não havia, com este sistema, independência possível. A Província formou um corpo de colaboradores “pagos”, coisa até então inaudita, mas que lhe permitia escolher o melhor do melhor, e exigir serviços em vez de os pedir; organizou a sua seção telegráfica que desde então se tem mantido com êxito crescente. Outros jornais haviam em vão Belém de Todas as Épocas 111


IMPRENSA tentando adaptar esse grande melhoramento. A Província criou o serviço das notícias noturnas. Até então os acontecimentos ocorridos depois das 7 ou 8 horas da noite só eram publicados pela imprensa 36 horas depois! A Província procurou e encontrou colaboradores competentes para a seção mercantil, que se tornou desde logo um repositório de informações precisas e fidedignas para os leitores do comercio. O que os outros jornais tinham feito e continuavam a fazer nesse sentido era simplesmente irrisório. Acrescente-se uma revisão cuidadosa, uma feliz disposição dos assuntos, a elegância do trabalho técnico e o incontestável bom gosto que se revelava nas menores particularidades. Dentro em poucos anos o “desideratum” estava conseguido: A Província do Pará tornará-se “indispensável” e dessa data em diante a sua existência tem sido uma série ininterrupta de triunfos jornalísticos. Em 1975 a tiragem das mais importantes folhas cotidianas não passava de 500 exemplares. Em 1877 já a edição da A Província era considerável e hoje as suas poderosas machinas rotativas de Marinoni tiram nunca menos de 15.000 exemplares diariamente. É A Província incontestavelmente o primeiro jornal do Norte da República e a sua importância vai sempre em argumento. Agora mesmo as suas oficinas e os seus serviços estão passando por uma grande reforma. A sua boa estrela tem permitido que até hoje não cessasse 112 Belém de Todas as Épocas

um momento de presidir aos seus destinos Antonio Lemos, o criador da imprensa moderna no Pará, o primeiro vulto do nosso jornalismo contemporâneo. Era isso escrito em 1900. Depois dessa época a população paraense ofereceu à A Província do Pará um belo palacete à praça da República, ficando ali admiravelmente instalado o brilhante órgão, que então recebeu do povo uma das mais extraordinárias manifestações de que ma memória, verdadeira apoteose

Batista Campos, no tempo em que ficou à frente de O Paraense, alargou o espectro sua luta pela redefinição dos espaços do poder no Pará de 1822. Combatia e condenava os que chamava de portugueses degenerados, tivessem nascido em Portugal ou fossem naturais do Pará, posto que a sua degeneração não implicava condição de nascimento, mas afronta à sociedade, apego ao poder, descaso com a administração e desrespeito à opinião pública. que lhe consagrou para sempre o merecimento inabalável e indestrutível. Era preciso visitar o Pará atual com o espírito livre de prevenções e o critério armado da necessária imparcialidade, para bem avaliar o importante papel que representa na União esse próspero e futuroso Estado. De ordinário, os que ali aportam, levam a imaginação carregada de fantasias e quimeras, principalmente quanto à facilidade de adquirir rápida fortuna, em um meio pressuposto de ex-

ploradores como propalam em geral os que de lá voltam desiludidos ou mesmo enriquecidos pela proteção de distintos paraenses a quem não lhes apraz confessar o que devem. Se há, entretanto, nestas terras brasileiras, um canto cheio de riquezas e luz, onde o forasteiro encontre hospitalidade franca, sem preconceitos de bairrismos, suaves facilidades de vida honesta e compensadoras retribuições à proba atividade – essa região abençoada é o Pará. A sociedade belenense, culta, educada, já bastante fina e exigente nos seus meios de existência, tem um grande defeito sob o ponto de vista do progresso das cidades modernas , o defeito de todas as sociedades ainda não atingidas pela depravação e egoísmo das capitais adiantadas, confia facilmente, com excessos de bondade, no prestígio literário, artístico ou social de que se faz cercar a maioria dos forasteiros que ao Pará vão, à cata de extraordinários resultados para obras muitas vezes insignificantes. Jornalista que ali chega é, desde logo, cercado pelo carinho de toda a imprensa e recebido, onde se apresente, com a mais elevada estima. É certo que nem todos podem colher igual remuneração aos seus esforços, mormente quando ocasiões há em que se sucedem, sem dar tempo aos amigos dos chefes e pessoas gradas, que os protegem afetuosamente, a se refazerem dos sacrifícios anteriores. Os artistas de merecimento encontram sempre facilidade única, sem que possam apresentar similar em qualquer outro Estado, para a boa colocação dos seus trabalhos. Os industriais e comerciantes, desde que não se deixem seduzir pela rapidez de processos menos


dignos e honestos de obter fortuna, que os há por toda a parte, ainda que em menor escala do que na capital da República, encontram o amparo dos bons e vivem cercados da consideração geral. Para que não se pense que está a fantasiar, quem dos hospitaleiros paraenses acaba de receber inolvidáveis e cativantes provas de apreço, citaremos exemplos sem sair de fatos recentes e de homens que, por sua posição e nomeada, terão prazer, estamos certos, de confirmar nossas asserções. Juvenal Pacheco, Raphael Pinheiro, Ozório Duque Estrada, Sebastião Sampaio, visitantes recentes e os demais jornalistas que acompanharam o atual Presidente da Republica , em sua excursão pelo norte, devem conservar do Pará, da sua sociedade que os cercou de valiosa estima, dos chefes políticos que os acumularam de afabilidades, as mais gratas recordações. Só a intensidade da vida carioca e os muitos afazeres das suas profissões os tem, de certo, afastado, com exceção de Ozório Duque Estrada, do dever de corrigir lealmente invenções e calúnias, gratuitamente assacadas, que eles devem intimamente conhecer. Arthur Napoleão, culto espírito de fino artista, que já nos habituamos a considerar nosso, Cernicchiaro o exímio violinista que o acompanhou em sua ultima viagem ao Norte, educados no fino trato da melhor sociedade brasileira, não se cansam de apregoar a admiração, respeito e carinho com que os recebeu a sociedade belenense e o amparo, distinto e delicado, dos seus mais grados membros.

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ADA REVOLTA CABANAGEM

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REPÚBLICA

A

repercussão das ideias liberais defendidas na Europa por conta dos avanços indústrias e comerciais que pregavam a liberdade individual, o igualitarismo e outros direitos civis que asseguravam o avanço da nova ordem econômica, o capitalismo, atravessaram o oceano e chegaram na província do Grão -Pará ainda sob a regência do Império do Brasil onde predominava uma sociedade escravista, autoritária e censuradora. No início do século XIX Belém ainda era marcada por um cenário de extrema pobreza, fome, doenças e muitos conflitos devido ao desequilíbrio social, a soberba e a intransigência política dos portugueses. Em consequência disso surgiu a Cabanagem, uma revolta social popular considerada um dos maiores conflitos já ocorridos na história do país. Nos antecedentes da revolta, havia uma mobilização da província do Grão-Pará para expulsar forças reacionárias que desejavam manter a região como colônia portuguesa. Muitos líderes locais da elite fazendeira, ressentidos pela falta de participação política nas decisões do governo brasileiro centralizador, também contribuíam com o clima de insatisfação após a instalação do governo provincial. A revolta teve início em 6 de janeiro de 1835 quando o quartel e o palácio do governo de Belém foram tomados por tapuias, cabanos, negros e índios liderados por Antônio Vinagre. O então governador Bernardo Lobo de Souza foi assassinado e seu corpo rolado nas escadarias do Palácio. A aspiração da liberdade que poucos anos depois do começo do século XIX constituiu um sentimento nacional no Brasil, teve no Pará 116 Belém de Todas as Épocas

sinceros e valentes adeptos. A revolução portuguesa de 1820 teve no paraense Filippe Alberto Patroni Maciel Parente o seu mais fervoroso pregador, e nos coronéis João Pereira Vilaça e José Rodrigues Barata os mais fortes adeptos. Tomando vulto a propaganda levaram os patriotas a efeito um movimento militar em 1 de Janeiro de 1821, sendo aceita e jurada neste dia a Constituição portuguesa. Vitoriosa a revolução na metrópole, foi sustentada a adesão do Pará.

Nos antecedentes da revolta, havia uma mobilização da província do Grão-Pará para expulsar forças reacionárias que desejavam manter a região como colônia portuguesa. Muitos líderes locais da elite fazendeira, ressentidos pela falta de participação política nas decisões do governo brasileiro centralizador, também contribuíam com o clima de insatisfação após a instalação do governo provincial. Quando D. Pedro I alcançou o grito da emancipação política do Brasil, já esta ideia libertadora tinha no Pará fervorosos trabalhadores, entre os quais destacaram-se Patroni, o cônego João Baptista Gonçalves Campos, João Balbi, Oliveira Bello, José Pio, Domiciano Cardoso, Boaventura da Silva, Domingos Marreiros e outros. Entretanto o Pará só veio a aderir ao novo sistema político em 15 de Agosto de 1823, porque a perseguição movida aos patriotas impediu a vitória das ideias. Os sectários da Independência levaram a efeito um levantamento militar no dia 14 de Abril de 1823 que foi sufocado e teve como resultado a remessa de 271 cidadãos para Lis-

boa, condenados todos à morte por acordão de uma junta de justiça. Esmagada esta tentativa, José Pedro de Azevedo, tendo como auxiliares João Pocidônio, João Pereira da Cunha e outros paraenses que haviam escapado à prisão, proclamou no dia 28 de Maio do mesmo ano, na Vila de Muaná, a Independência do Pará. Este movimento foi ainda sufocado depois de um renhido e sanguinolento combate de quatro horas. Finalmente, em 15 de Agosto, apresentando-se como emissário de uma esquadra comandada por Lord Cochrane, o capitão John Pascoe Greenfell conseguiu fazer impor-se a ideia amadurecida e sem resistência proclamar a Independência. O espírito pacífico que presidiu a esta transformação política não foi todavia o que veio dominar os atos posteriores de Greenfell que bem em contrário salientou-se por feitos desordenados e cruéis. Também no Pará ecoou a célebre ideia da Confederação do Equador. José Baptista da Silva, Marcos Rodrigues Martins e outros, conseguindo associar às ideias republicanas Feliz Antonio Clemente Malcher e o Dr. Antonio Corrêa de Lacerda, membros do governo provisório que administrava então o Pará, haviam combinado para o dia 1º de Março de 1824 um movimento revolucionário naquele sentido; frustou-se-lhes, porém, o plano com a chegada, em 30 de Abril, do primeiro Presidente, nomeado para o Pará, o Coronel José de Araujo Roso. Nos anos subsequentes o Pará foi teatro de horríveis motins, entre os quais avultam o de 7 de Agosto de 1831, o de 16 de Abril de 1833, e finalmente os memoráveis morticínios de 1835 - a cabanagem, revolta dos pretos e caboclos contra os brancos das cidades e dos cam-


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RETRATO DO PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DO PARÁ: EDUARDO ANGELIM (18351836). AUTOR: JOSÉ VEIGA SANTOS ACERVO: MUSEU HISTÓRIO DO ESTADO DO PARÁ - MEHP

pos. Exacerbado o povo com os motins anteriores e pelas lutas violentas e desabridas dos partidos, lançouse com autoridades civis e religiosas na voragem da anarquia. Esta implantou-se definitiva quando os Cabanos, assassinando barbaramente o presidente Bernardo Lobo de Souza e o Comandante das armas Joaquim José da Silva Santiago, na madrugada de 7 de Janeiro de 1835, apossaram-se do governo da província. Seguiram-se lutas terríveis entre os revoltosos, morticínios covardes e horrorosos; o Pará inteiro foi presa dos facínoras; apenas Cametá resistiu briosamente e , sob a direção do padre Prudêncio José das Mercês Tavares, tornou-se o baluarte da legalidade. Aclamado pelos rebeldes presidente da Província o Tenente Coronel Felix Antonio Clemente 118 Belém de Todas as Épocas

Malcher, e comandante das armas Francisco Pedro Vinagre, desavieram-se pouco depois estes dois funcionários e a facção de Vinagre derrotando a facção de Malcher, foi o presidente preso e assassinado quando o transportavam para a Barra. O Governo Imperial nomeou então para presidente o Marechal Manoel Jorge Rodrigues que, deixando-se ludibriar por Vinagre, foi por este coagido a acolher a ilha do Tatuoca onde permaneceu até Abril de 1836 quando o brigadeiro Francisco José Soares de Andréa empunhou as rédeas do governo civil e militar. Este oficial auxiliado pelas forças de mar do Capitão de mar e guerra Frederico Mariath, apossou-se da cidade a 13 de Maio de 1836 e castigou severamente os cabanos, restabelecendo a tranquilidade

pública. As sucessivas revoltas ocorridas haviam reduzido o Pará a um triste estado de decadência; mas, sob o influxo da paz, reviveram os germens da prosperidade. A província entrou em uma fase de vida política mais calma, desenvolveram-se os diferentes ramos dos serviços públicos, avolumaram-se as rendas, o comércio cresceu consideravelmente. Depois do brigadeiro Soares Andrea (1839) até a deposição do Dr. Silvino CAvalvante de Albuquerque em 16 de Novembro de 1889, pelos republicanos, foi o Pará administrado por noventa e dois presidentes, dentre os quais salientaram-se, pelas medidas adotadas com o fim de tornar conhecidas as riquezas naturais da província, os Drs. Francisco CArlos de Araújo Brasque, e José Vieira Couto de Magalhães, tendo o primeiro governado de 23 de Junho de 1861 a 26 de Janeiro de 1864 e o último de 29 de Junho de 1864 a 7 de Maio de 1866. Entre aquele número de presidentes muitos paraenses contam-se, convindo especializar: o Dr. Angelo Custódio Corrêa, que ocupou quatro vezes a cadeira presidencial e faleceu vítima de sua dedicação na epidemia do colera morbus em 1855; Bernardo de Souza Franco, cujos dotes de orador e parlamentar distinto o recomendaram como um dos eminentes estadistas do Império; o Dr. José da Gama Malcher que empunhou três vezes as rédeas do poder e prestou relevantes serviços, que neste cargo, quer no de presidente da Assembleia Legislativa provincial ou no de presidente da CÂmera Municipal, onde se impôs à pública be-


A MORTE DO BRIGUE PALHAÇO AUTOR: ROMEU MARIZ ACERVO: MUSEU DE ARTE DE BELÉM MABE.

nemerencia: o Dr. José de Araújo Roso Danin, caráter de rija tempera, que no espaço de seis anos administrou quatro vezes a província; o Dr. Domingos Antonio Raiol, barão de Guajará que foi também presidente das províncias de Alagoas e São PAulo, e cujo talento se revela na sua importante obra histórica “Motins Políticos”; o Dr. José Coelho da Gama e Abreu, BArão de Marajó, que soube marcar a sua administração pelos melhoramentos materiais de que dotou a Capital, e o Cônego MAnuel JOsé da Siqueira Mendes que na qualidade de 1º Vice-presidente assumiu três vezes o poder, preferindo, todavia, às eminências da administração, a posição que por tempo prolongado soube manter, de chefe poderoso de um dos partidos políticos mais fortes. Nesse longo intervalo foram criados o Lyceu Paraense, a Escola Normal, o Instituto de Educandos, o Colégio do Amparo, o Museu, a Biblioteca Pública, a Companhia de Navegação do Amazonas, as do Araguay, Tocantins e outros rios; o Corpo de Bombeiros, as Companhias de Iluminação a gás e do abastecimento d’água ; construiram-se o Theatro da Paz, o Palácio das Repartições Públicas, O Arsenal da MArinha, o Cais do Porto, as pontes do litoral, os cemitérios de Santa Isabel e da Soledade, edifícios públicos diversos, quer na capital, como no interior; iniciou-se a via férrea de Bregança, deu-se largo desenvolvimento a viação terrestre e fluvial; realizouse, enfim, grande soma de melhoramentos de que gozava o Estado. Constituem dessa época datas importantes para a história Amazônica, a de 5 de Setembro de 1850,

em que foi promulgada a lei nº 582 que desligou o Pará, e constituiu a província do Amazonas que só em 1º de Janeiro veio a ser instalada, e a de 7 de Setembro do ano interior , foram franqueadas as águas do Amazonas, do Tocantins, do Tapajós e do Madeira à navegação mercante de todas as nações, fato grandioso que poderosamente devia intuir, como intuito, sobre o desenvolvimento da Amazônia. O Pará não foi indiferente às grandes causas que agitaram o Brazil durante o período Monarquico. Quando, para sufocar a tirania que, pesando lúgubre sobre o PAraguay, transformava esta República em recanto tenebroso da América do Sul, teve o Brasil de apelar para o patriotismo de seus filhos, souberam distinguir-se os paraenses na defeza da honra nacional, e muitos, entre eles o valente General Hilário MAximiano Antunes Gurjão, deram a vida em desafronta da pátria. Também a causa patriótica da abolição da escravatura encontrou no PArá fervorosos adeptos, e quando a lei de 13 de Maio de 1888 declarou livres cidadãos todos, quantos pisavam o solo brasi-

Nos antecedentes da revolta, havia uma mobilização da província do Grão-Pará para expulsar forças reacionárias que desejavam manter a região como colônia portuguesa. Muitos líderes locais da elite fazendeira, ressentidos pela falta de participação política nas decisões do governo brasileiro centralizador, também contribuíam com o clima de insatisfação após a instalação do governo provincial.

leiro, já em Belém e outros pontos da provinia estave quase extinta a escravidão, contra a qual de dia a dia aumentava a propaganda e ação das sociedades emancipadoras, a cuja frente se achava a LIga Redemptora, presidida pelos Drs. Joaquim José de Assis, Conselheiro Tito Franco de Almeida e José Henriques Cordeiro de Castro. Foi o Pará uma das provincias, onde menos sentiu-se qualquer abalo que pudera gerar a abolição da escravatura. A propaganda republicana que nesse fato buscou origem em outros pontos do Brasil, em nada dependeu dele no Belém de Todas as Épocas 119


RETRATO DO PRESIDENTE DA PROVINCIA DO PARÁ FRANCISCO JOSÉ DE SOUZA SOARES DE ANDRÉA (1836-1839) AUTOR: JOSÉ VEIGA SANTOS ACERVO: MUSEU HISTÓRIO DO ESTADO DO PARÁ - MEHP

PArá, onde já se fazia desde 1886, quando foi instituído o Clube Republicano que aliás foi um dos grandes trabalhadores pela grande causa, como o foram as sociedades maçonicas, tendo à frente a Loja Firmeza e Humanidade. Quer em conferências públicas, quer pela imprensa, promovia o Club o doutrinamento de seus princípios políticos, constitutindose lidador pertinaz contra amabos os partidos monarquicos, em cujas fileiras ia conseguindo abrir claros. Entre os seus sócios, alem do Dr. Lauro SOdré, o diretor doutrinário, a quem era confiada a elaboração dos manifestos ao país, notavamse os Drs. José Paes de Carvalho, Justo Chermont, Manoel de Mello CArdoso Barata, Gentil A. Moraes Bittencourt, José Teixeira da MAtta Bacellar, Henrique A. Santa Rosa, Basilio Magno de Araújo, Alexandre Vaz Tavares, Antonio J. 120 Belém de Todas as Épocas

da Silva Rosado, José Ferreira Teixeira, Hidelbrando Barjona de Miranda, o poeta MArcellino Barata, Júlio Cezar Antunes, Luiz Demétrio Juvenal Tavares, Estephanio Barroso, e muitos outros, todos eles trabalhadores constantes da causa republicana que a passos largos ia ganhando tereno, até tornar-se vencedora em 15 de Novembro de 1889. Transmitida para o Pará a notícia do movimento no Rio de Janeiro, não vacilaram os republicanos em segui-lo desde logo, e reunidos no dia seguinte a oficiais do exército e da armada, depuseram o presidente Silvino Cavalcanti de Albuquerque e proclamaram a adesão à República em nome do Estado do Pará. Foi então aclamada uma junta governativa provisória, composta do Dr. Justo Chermont, do inspetor do Arsenal de Marinha , o Capitão

de fragata José Maria do Nascimento, e do comandante das armas, Coronel Bento Fernandes. Pouco mais de um mês governou esta junta, entretanto, somente em 24 de Junho de 1891 foi iniciado o governo constitucional do Estado pela eleição unanime do Dr. Lauro Sodré. De Dezembro de 1889. até aquela data, presidiram o Estado, por nomeação do Governo Provisório da República, o Dr. Justo Chermont, e o Capitão tenente Duarte Huet Bacellar Pinto Guedes, durando o governo deste apenas mezes. Ao Governo do Dr. LAuro Sodré que fundou em Fevereiro de 1897, sucedeu o do atual Governador, Doutor José Paes de CArvalho. Nesse bosqueio histórico não nos é dado analisar a ação destes governadores republicanos na implantação dos principios estabelecidos pelo novo regime e na adoção de sucessivas medidas tendentes a assegurar o futuro do Estado. Mais do que poderíamos dizer, falam bem alto, os resultados benéficos que já se acentuam em os diversos ramos administrativos, e os melhoramentos extraordinários, de que tem sido dotados não só a Capital, como grande número de localidades do interior; melhor indicam-no patentemente as estatísticas das rendas crescentes do Estado, dos Municípios, e da União; de modo indiscutível atesta-o o juízo insuspeito dos que tem visitando ultimamente o Estado, os quais maravilhados ante o seu rápido progredir, proclamaram a Amazônia como sonhado El-Dorado das fantasias de Raleigh.


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BRIGUE PALHAÇO Greenfell amontoou, nos porões do brigue Diligente (depois alcunhado Palhaço), 256 cidadãos acusados de excessos e os deixou perecer em alucinante tortura, sobrando apenas um para levar uma vida desgraçada, nas lembranças e no corpo martirizado.

A TRAGÉDIA DO BRIGUE PALHAÇO 122 Belém de Todas as Épocas


“Ahi, em um dos dias de maior calor neste clima, forão lançados no porão ou em um espaço de trinta palmos de comprido, vinte de largura e doze de alto, fechando- se as escotilhas e deixando-se apenas aberta uma pequena fresta para entrada do ar. Encerrados assim ou atochados em tão estreito recinto, esses infelizes, que pertencião á diversos partidos e cores, que convinha extremar, romperam logo em gritos e lamentos, exasperados pelo calor e falta de ar que experimentavão; e no meio dessa terrivel vozeria, ouviram se algumas ameaças contra a guarnição de bordo as quaes se devião considerar como impotentes efeitos da desesperação. “Pela narração de um dos quatro que poderam sobreviver á matança soube se que os infelizes presos forão instantaneamente accommettidos de violentas dores de cabeça e suor copioso sobrevindo lhes uma sede insuportavel e afinal grandes dores de peito. Bradaram diversas vezes por agua para saciar a sede, que os devorava, e agua do rio, salgada e turva, lhes foi lançada em uma grande tina, que havia no porão; á ella se arrojaram tumultuariamente, bebendo a com as mãos, com os chapéos, e de bruços, procurando cada um ser o primeiro neste mister, amontoando se com violencia uns sobre os outros, e tudo na maior sofreguidão e desordem. Alguns cahiram sem sentidos, logo depois de beberem a agua, e á outros exacerbaram se as dores, os lamentos os gritos e as vociferações. “ Diversos forão os meios, á que recorreram para mitigar o estado em que se abrasavão, depois que certificaramse, que nada havia, que podesse mover aos seus ferozes guardas, estando elles decididos a vel-os morrer. Pozeram se nús; agitaram o ar com os chapéos e roupas; lançaram se á tina d’agua; atiraram se ao costado do navio no intento de achar alguma humidade, e no meio desta violenta desordem e frenesi muitos cahiram desfalecidos e inanidos de forças, e alguns delles acabaram espesinhados e comprimidos pelos seus companheiros de infortúnio. Acabando se a agua da tina que logo se tornou imunda, pediram nova; deu se lhes; porém armando-se uma furiosa contenda sobre quem primeiro beberia, os mais fracos foram derribados e succumbiram pouco depois. A

agua ainda não poude matar a sede dos que a poderam beber; devorava-os uma febre ardente que crescia com espantosa rapidez. Após della seguio-se um violento frenesi, succedido logo por accessos de raiva e furor, que os levou a lançaremse uns contra os outros a darem se reciprocamente punhadas e a se dilacerarem com as unhas e com os dentes, entre gritos, ameaças e horriveis vociferações. “ A barbara guarnição do navio, que presenciava tudo isto, e que com um sorriso infernal comprazia-se de ver aquella horrorosa scena de desesperação e furor, dirigio alguns tiros de fuzil para o porão e derramou dentro uma grande porção de cal, cerrando-se logo a escotilha e ficando o porão hermeticamente fechado, á pretexto de que por este meio atroz se aplacaria o motim, e os presos ficarião sossegados. Por espaço de duas horas ainda se ouvio um rumor surdo e agonisante, que se foi extinguindo aos poucos, e ás tres horas de encerramento completo que foi ao escurecer, reinou no porão o silencio dos túmulos! “ Erão sete horas da manhan do dia 22, quando se correo a escotilha do navio em presença do comandante... E o que vio ele?... Um montão de duzentos e cincoenta e dous corpos, mortos, lívidos, cobertos de sangue, dilacerados, rasgadas as carnes com horrivel catadura e signaes de que tinhão expirado na mais longa e penosa agonia. “Arrojados os corpos na lancha do navio, forão levados para a margem do rio, no sitio chamado Penacova e ahi sepultados em uma grande valla que para isso se abrio: e passando se a recorrer de novo o porão, encontraram se entre as cavernas quatro corpos, que ainda respiravão, os quaes, sendo expostos ao ar livre em poucos momentos recobraram a vida, tres deles, para succumbirem dentro em poucas horas no hospital, e o quarto, para passar uma existencia molesta e definhada, tornando se valetudinario na idade de vinte anos. De proposito não nos servimos da propria penna na descripção deste lugubre acontecimento, recêosos de não podermos dar as verdadeiras côres á semelhante quadro de horror, ou de darmol as mais carregadas do que convinha. Recorremos á penna estranha, sem duvida menos suspeita que a nossa, descreven-

do com mais imparcialidade esta scena barbara e dolorosa da terra, que nos vio nascer. Não faltará quem deseje saber porque o conego Baptista Campos, sendo um dos mais dedicados defensores da independência, fôra tambem prezo no dia 17 por ordem de Greenfell? A resposta é obvia. Quem mandou espingardear em uma praça publica a cinco infelizes sem culpa formada; quem autorizou consentio ou observou impassivel os horrores do Palhaço não era para admirar que tivesse mandado prender a um dos homens que mais pugnaram pela independencia do imperio e que por certo não poderia aconselhar os roubos e violencias que acabavão de ter lugar! E demais o brigadeiro Moura esteve prezo com o coronel Villaça á bordo do brigue Maranhão até o dia 26 de agosto, em que passaram para bordo da galera Tamega, que os transportou para Lisbôa, sendo ambos inimigos rancorosos do conego Baptista Campos. E era natural, que eles se insinuassem no animo de Greenfell demaneira a convencel-o, de que aquelle era não só agente principal do motim como cumplice dos arrombamentos de portas e dos excessos commettidos nos calamitosos dias de outubro! Que o conego Baptista Campos não concorreo para semelhantes attentados foi facto de que só duvidaram seos inimigos pessoaes. Outros, porém lhe fizerão inteirajustiça. E que motivos poderia elle ter para instigar a tropa eo povo a commetter taes violências? Infelizmente aos homens proeminentes dos partidos politicos se attribue quase sempre a culpa e responsabilidade das occorrencias do dia. Seos adversarios são implacaveis e no intuito de tirar lhes a influencia aproveitão tudo para desprestigial-os, imputando lhes a maldade de todos os acontecimentos com negação calculada de terem concorrido para os actos, que não podem ser contrariados sem revoltar a propria consciência. Trecho do Livro: Motins Políticos. Coleção de 03 Volumes escrito por Domingos Antononio Raiol.

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DOMINGOS ANTONIO RAIOL

DOMINGOS ANTÔNIO RAIOL

(Vigia, 30.03.1830 - Belém, 29.10.1913),aos cinco anos, teve o pai, vereador Pedro Raiol, mor¬to em combate contra os cabanos, no Trem de Guerra da Vigia, fato que o escritor relataria numa página emocionante dos Motins Políticos. Estudou no Liceu Paraense, formouse em Direito na Faculda¬de de Olinda e, durante dois anos, exerceu a advocacia no Rio, no escritório do Visconde de Souza Franco. Em Belém, ocupou os cargos de Promotor Público e Procura¬dor Fiscal da Fazenda Nacional. Deputado à Assembléia Provincial do Pará mais de uma vez, em 1864 representou seu Estado na Assembléia Geral, fazendo parte da primeira Comissão de Orçamento, e ali lutou pela abertura do rio Amazonas à livre navegação e comércio. Governou várias províncias brasileiras (hoje, Estados): Pará, Alagoas, Ceará e São Paulo, sendo agraciado como o título de Barão de Guajará pelo imperador Pedro II, em 1883. Integrou o Partido Liberal do Pará até à proclamação da Re¬pública, momento em que, fiel aos seus princípios, abandonou a política e se dedicou exclusivamente à Literatura. Um dos fundadores da Academia Para-

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ense de Letras e do Ins¬tituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Pará, foi o primeiro presidente de ambas as entidades, a partir de 3 de maio de 1900. Publicou: Motins Políticos (ou História dos Principais Aconte¬cimentos Políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835), em cinco volumes, editados no Rio, em São Luís e Belém, de 1865 a 1890); - Brasil Político (1858), Abertura do Amazonas (1867), Capítulo da História Colonial do Pará (1894), Juízo Crítico sobre as Obras Literárias de Filipe Patroni (1900), e Visões do Cre-púsculo (1898). Sobre ele escreveu o historiador e acadêmico Ernesto Cruz: “Tarefa árdua se considerarmos a deficiência da documentação existente nos arquivos públicos, do que já se queixava Antônio Ladislau Monteiro Baena, nos primórdios do seu monumental “Ensaio Corográfico”, mais árdua, ainda, porque Raiol escrevia sobre fatos latentes na memória dos seus contemporâneos, sujeitos por isso mes¬mo às apreciações mais diferentes, ao sabor das paixões partidárias da época; contudo conseguiu impor-se à crítica do seu tempo. (...) Outros juízos críticos surgiram na corte e nas províncias. Sinal de que o trabalho de Raiol havia obtido a' repercussão necessária a uma obra de tamanho alcance.”

E Artur César Ferreira Reis, historiador do Amazonas: “Perdeu muito do que reunia para fixar fatos, nomes, datas e chegar a conclusões. Quem compulsar os textos da obra e for ainda aos documentos que a ilustram, há de convencerse do estupendo trabalhador intelectual, pesquisador admirável que ele se revelou, com a paixão da verdade, da minúcia, da conclusão que pudesse ser estimada devidamente como fruto de sua inteligência aguda acerca do que acontecera na Amazônia entre 1821 e 1840. Ninguém, nesse particular, se lhe avantajou. Não conheço mesmo historiador brasileiro da época que possa compararse-lhe na grandiosidade, no volume, na extensão e na pormenorização de um período com a temporalidade do que ele estudou.” (...) A obra de Raiol, se não é intocável, significa muito, imenso. Raiol, com ela, assegurou-se numa função pioneira, construindo a glória de ter sido a maior fi-gura de sua geração.” Seu título foi aposto ao Grupo Escolar mais tradicional da Vigia (situado à Rua Visconde de Souza Franco): o Grupo Escolar “Barão de Guajará” e à avenida principal da cidade.


A HISTÓRICA TRÁGICA DA CABANAGEM OCORRIDA EM VIGIA Segundo relatos do Livro Motins Políticos de Domingos Antônio Raiol (o Barão de Guajará), no dia (23 de Julho) Por motivo de vingança a prisão de Bento Ferrão, um grupo de Cabanos que se organizaram na Vila de porto Salvo, cerca de mais de 500, atacam a vila de Vigia e executam 70 autoridades locais e alguns proprietários do Comércio vigiense descendentes de portugueses, entre as vítimas estava Pedro Antônio Raiol (pai do Barão de Guajará, Domingos Antônio Raiol, o principal historiógrafo da Cabanagem), havia mais de 80 corpos espalhados dentro e fora do prédio, o vigário foi obrigado a abrir a Matriz de Vigia e abençoar a vitória cabana, no qual deram tiros de canhão em comemoração. No dia 27 de Julho em retaliação a barbárie ocorrida em Vigia, que quase dizimou a população local, se salvando apenas aqueles que fugiram para as matas e rios, ou fingiram-se de morto. O presidente Jorge Rodrigues ordena a prisão imediata de todos os líderes Cabanos, que estivessem na Capital. Francisco Vinagre é preso e levado à bordo da corveta “Defensora”, o matadouro de Cabanos. - (29 de Julho) A notícia das prisões ecoou por todo o Amazonas, ativando forte mobilização Cabana: - Da vila de Conde, Eduardo Angelim lançou uma Proclamação Revolucionária, o povo armou-se com as poucas armas que não foram entregues aos legalistas, com armas quase imprestáveis, com suas ferramentas de trabalho agrícola e instrumentos de cozinha. - (02 de Agosto) Da vila do Acará, Antônio Vinagre envia para o Presidente Jorge Rodrigues uma Carta – ultimatum. O ultimato: se os Cabanos não fossem postos em liberdade o restante entraria em Belém e nas palavras do próprio Antônio Vinagre “não restará pedra sobre pedra”. - (14 de Agosto) Era madrugada os Cabanos acampados no sítio Murutucu ouviram a famosa Proclamação de 14 de Agosto, em seguida marcharam em direção à Belém. - (9:00 h) No alto da localidade de Nazaré, onde aguardariam a resposta do ultimato, os Cabanos foram atacados por um destacamento da Força Mercenária Alemã, composta por 200 soldados.

- Inicia a Novena de Fogo sob Belém. - (15:00) Morre o Líder Cabano Antônio Vinagre. “Encarou a morte sem dar um passo à retaguarda; caiu de peito sobre a culatra de uma peça (canhão), quando fazia pontaria e disparava um tiro! Uma bala varou-lhe o crânio, morreu pela pátria e pela liberdade! - Eduardo Angelim, dando a notícia em proclamação”. - (15 de Agosto) Ataque Cabano ao Arsenal de Guerra. - (22 de Agosto) Os Cabanos decidem aplicar no Arsenal de Guerra a mesma estratégia que estava sendo utilizada contra o Palácio do Governo, a guerra de guerrilhas. - (23 de Agosto) Após 9 dias interruptos de fogo, os legalistas retiram-se para abordo de seus navios de guerra. Os Cabanos reconquistam a Capital. Inicia-se o bloqueio naval legalista. - (26 de Agosto) Aos 21 anos de idade, Eduardo Angelim é aclamado pelo povo e pelo Clero o 3º Presidente Cabano, o mais jovem presidente do Brasil. - (15 de Dezembro) Instalado na ilha de Tatuoca, Jorge Rodrigues começa a receber grande contigente de reforço militar, de lá ele controla o arquipélago do Marajó e o bloqueio à Belém. 1836 - (09 de Abril) Chega à ilha de Tatuoca, o novo Presidente nomeado pela regência, um velho conhecido dos paraense, trata-se de José de Souza Soares Andréa. - (12 de Maio) Os Cabanos iniciam a evasão de Belém, pelo Rio Guamá. - (13 de Maio) 9:00 – Um grupo de Cabanos em retirada é avistado por um navio de guerra, que operava o bloqueio, e então abrem fogo contra a embarcação, que responde fogo contra os Cabanos. - (15:00) Retirada em massa dos Cabanos, rompendo o bloqueio naval. - As autoridades Legalistas entram em Belém. - A Revolução Cabana permuta - se em luta de resistência. - José Soares Andréa, assume na capital, a presidência da Província e o Comando de Armas, o mesmo cargo que ocupou em 1830. Para aniquilar os Cabanos, Soares Andréa instalou uma tirania como nunca houve na Amazônia; implantou severo Regime Militar, submetendo toda a população à Lei Marcial (recrutou criminosos das cadeias do Rio de Janeiro, impôs censura de imprensa, alistamento mili-

tar obrigatório para homens de 15 à 50 anos e de mulheres que "perturbassem o sossego das localidades". Promovendo a perseguição e execução sumária dos Cabanos). - (30 de Junho) A 1º Expedição de Caça à Eduardo Angelim encontra-o nas proximidades do Acará. Mesmo ferido na perna direita, Angelim recebe ajuda e consegue escapar da emboscada letal. - (Outubro) Eram os últimos dias deste mês, quando a 2º Expedição (desta vez formada por 8 navios de Guerra e 1.130 soldados!), obteve êxito na captura de Eduardo Angelim. Após o sucesso da Expedição muitas outras foram realizadas com o caráter de Guerra de Extermínio do povo cabano, que resistiu bravamente por cerca de quatro anos com armas em punho por toda a região amazônica. - (08 de Abril de 1839) Soares Andréa é exonerado da Presidência e do Comando de Armas. Acaba o regime de Lei Marcial deixando um triste saldo de mais de 30.000 mortos (leve em conta que toda a população da região amazônica era estimada em 100 mil habitantes). Assumiu como novo Presidente o paraense Bernardo de Souza Franco. - (04 de Novembro de 1839) Concedida a Anistia (perdão) Excepcional para a Província do Pará. - (15 de Agosto de 1840) Assume o novo Presidente do Pará, João Antônio Miranda. - (22 de Agosto de 1840) Decretada a Anistia Geral* • Eduardo Angelim e Francisco Vinagre são obrigados a residir por 10 anos na Província do Rio de Janeiro. Foram enviados para lá no início de 1841. • No Rio de Janeiro foram novamente postos em cárcere, talvez representarem “perigo a ordem”. Transferidos posteriormente para o presídio de Fernando de Noronha. - (05 de Maio de 1851) Eduardo Angelim retorna ao Pará. Na mesma época retorna também Francisco Vinagre. - (02 de Novembro de 1873) Morre Francisco Vinagre. - (11 de julho de 1882) Morre Eduardo Angelim.

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REPÚBLICA 1889-1920

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Em a legítima expressão do ideal democrático que simboliza esse monumento de bronze, que se ergue sumptuoso e solene na Praça da República. Representa um vulto de mulher belicosa como Palas, altiva e majestosa na sua simplicidade heroica, que lhe ressalta da feição docemente enérgica, talhada nos moldes clássicos da estatuaria grega. Um bosque de mangueiras circunda a área vastíssima que essa estátua domina, de pé, fitando os espaços no seu pedestal de granito e mármore. Desperta uma emoção respeitosa o deparar-se aquela deusa imóvel, como que docemente embevecida nas miragens augustas da liberdade, tão solitária e tão imprevista naquele sombrio remanso de árvores, que se alinham em renque, como rumorosas vedetas, protegendo-a do pó e da curiosidade das ruas. Esse precioso monumento, consagrado ao regime democrático que sucedeu a Monarquia, foi principiado sob os auspícios do Barão de Marajó, então intendente desta capital, a 15 de Novembro de 1890. A modelação e fundição respectiva fizeram-se na Europa, em face do croquis anteriormente aprovado. Ao Dr. Antonio Joaquin da Silva Rosado, sucessor do Barão de Marajó na suprema gestão dos negócios municipais, coube o encargo de concluir e inaugurar o monumento à República...

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a borracha

e o início da expansão comercial em belém

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A BORRACHA

NA AMAZÔNIA e o início da expansão comercial em belém

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ntre 1840 e 1920, a economia paraense foi marcada pelo extrativismo e exportação do látex para a fabricação da borracha, face às exigências da indústria internacional. As constantes inovações tecnológicas, como o uso regular da roda pneumática para bicicletas e automóveis, entre outras, ocorridas na Europa e Estados Unidos da América, ampliaram em grande escala a demanda dessa matéria-prima e obrigaram a economia extrativa da Amazônia e do Pará a operar quase exclusivamente a seu serviço. A borracha, extraída da seringueira (helvea brasilenis) tornouse a principal fonte de riqueza de oligarquias, aviadores e o elemento principal do progresso que manifestava o Estado do Pará pelo desenvolvimento crescente do seu comércio. É nessa época que Belém, sua capital, adquire contornos definidos de um centro distribuidor local, além de ser o principal centro regional de exportações. Embora o desenvolvimento industrial no Estado não acompanhasse a marcha rápida e importante do desenvolvimento comercial do Pará, todavia não era pequeno o progresso que ia-se operando nas diferentes indústrias do país. Antes do grande desenvolvimento da indústria extrativa da borracha, as nossas indústrias manufatureiras pareciam querer tomar lugar proeminente nos recursos do Estado. Assim é que até 1850, o Pará, mesmo com o seu produto, a borracha, manufaturava diversos artigos impermeáveis, tais como

sapatos, botas de montar, mochilas para soldados e outros muitos objetos que os europeus vieram aprender a fazer entre nós e mesmo entre nós estabeleceram importantes fábricas. E’ incontestável que foi o índio brasileiro que ensinou ao europeu, em remotas épocas, certas aplicações da goma da seringa, porquanto até 1820, só esta era empregada na Europa para apagar traços de lápis, nas escolas e no desenho, apesar de que La Condamine, em 1735, já havia ensinado a seus compatriotas diversas propriedades da borracha da América, da qual em 1736, enviou amostras a Academia

A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador dessas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se. Os “senhores da borracha” importaram alguns padrões e comodidades da Europa, como o telégrafo, o uso regular da energia elétrica, os bondes, os teatros, a música erudita, moda. de Ciências de Paris, acompanhando um memorial em que dizia : « Eles (os índios) fazem uso dessa goma elástica para o fabrico de tochas que ardem ao ar livre, sem ter necessidade de mechas, e dela fazem igualmente uma massa ou unto que passam sobre suas vestimentas e sapatos para torna-los impermeáveis. Sabem também fazer com essa substância uma espécie de garrafa, em forma de peras, as quais adaptam um tubo de madeira. Basta exercer com a palma da mão uma pressão sobre o aparelho para que o líquido que esteja dentro escape-se com força. »

De 1850 para 1908 foram abandonadas- as fabricas de artefatos de borracha, e o Pará passou unicamente à função de fornecedor da matéria prima. O extrativismo, além de ser a atividade econômica predominante nessa época, contribuiu para o processo de conquista, de desbravamento e povoação de parcela do território que hoje constitui os Estados do Norte do Brasil. Propiciou, também, condições para o surgimento de várias atividades terciárias, como o comércio exportador e o importador, o sistema financeiro, e, em menor escala, o surgimento e manutenção do setor manufatureiro. Foi na atividade extrativa que mais intensamente se aplicaram capitais durante bom tempo em nossa região, fato esse decorrente da noção de que, naquelas condições de produção, havia menor risco e rápido retorno desses capitais as mãos de seus investidores. É nesse período que se desenvolve a exploração econômica da castanha com finalidade de exportação. A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador dessas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se. Os “senhores da borracha” importaram alguns padrões e comodidades da Europa, como o telégrafo, o uso regular da energia elétrica, os bondes, os teatros, a música erudita, moda. O processo de urbanização e embelezamento de Belém se registrou através de praças e monumentos que até hoje são testemunhos e expressão materializada da euforia econômica ocorrida no Pará entre o final do século XlX e inicio do século XX, financiada principalmente com os lucros obtidos da exportação do látex. Belém de Todas as Épocas 139


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ntre 1840 e 1920, a economia paraense foi marcada pelo extrativismo e exportação do látex para a fabricação da borracha, face às exigências da indústria internacional. As constantes inovações tecnológicas, como o uso regular da roda pneumática para bicicletas e automóveis, entre outras, ocorridas na Europa e Estados Unidos da América, ampliaram em grande escala a demanda dessa matéria-prima e obrigaram a economia extrativa da Amazônia e do Pará a operar quase exclusivamente a seu serviço. A borracha, extraída da seringueira (helvea brasilenis) tornouse a principal fonte de riqueza de oligarquias, aviadores e o elemento principal do progresso que manifestava o Estado do Pará pelo

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desenvolvimento crescente do seu comércio. É nessa época que Belém, sua capital, adquire contornos definidos de um centro distribuidor local, além de ser o principal centro regional de exportações. Embora o desenvolvimento industrial no Estado não acom-

A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador dessas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração panhasse a marcha rápida e importante do desenvolvimento comercial do Pará, todavia não era pequeno o progresso que ia-se operando nas diferentes indústrias do país. Antes do grande desenvolvi-

mento da indústria extrativa da borracha, as nossas indústrias manufatureiras pareciam querer tomar lugar proeminente nos recursos do Estado. Assim é que até 1850, o Pará, mesmo com o seu produto, a borracha, manufaturava diversos artigos impermeáveis, tais como sapatos, botas de montar, mochilas para soldados e outros muitos objetos que os europeus vieram aprender a fazer entre nós e mesmo entre nós estabeleceram importantes fábricas. E’ incontestável que foi o índio brasileiro que ensinou ao europeu, em remotas épocas, certas aplicações da goma da seringa, porquanto até 1820, só esta era empregada na Europa para apagar traços de lápis, nas escolas e no desenho, apesar de que La Condamine, em


1735, já havia ensinado a seus compatriotas diversas propriedades da borracha da América, da qual em 1736, enviou amostras a Academia de Ciências de Paris, acompanhando um memorial em que dizia : « Eles (os índios) fazem uso dessa goma elástica para o fabrico de tochas que ardem ao ar livre, sem ter necessidade de mechas, e dela fazem igualmente uma massa ou unto que passam sobre suas vestimentas e sapatos para torna-los impermeáveis. Sabem também fazer com essa substância uma espécie de garrafa, em forma de peras, as quais adaptam um tubo de madeira. Basta exercer com a palma da mão uma pressão sobre o aparelho para que o líquido que esteja dentro escape-se com força. » De 1850 para 1908 foram aban-

donadas- as fabricas de artefatos de borracha, e o Pará passou unicamente à função de fornecedor da matéria prima. O extrativismo, além de ser a atividade econômica predominante nessa época, contribuiu para o processo de conquista, de desbravamento e povoação de parcela do território que hoje constitui os Estados do Norte do Brasil. Propiciou, também, condições para o surgimento de várias atividades terciárias, como o comércio exportador e o importador, o sistema financeiro, e, em menor escala, o surgimento e manutenção do setor manufatureiro. Foi na atividade extrativa que mais intensamente se aplicaram capitais durante bom tempo em nossa região, fato esse decorrente da noção de que, naquelas condições de produção, havia me-

nor risco e rápido retorno desses capitais as mãos de seus investidores. É nesse período que se desenvolve a exploração econômica da castanha com finalidade de exportação. A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador dessas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se. Os “senhores da borracha” importaram alguns padrões e comodidades da Europa, como o telégrafo, o uso regular da energia elétrica, os bondes, os teatros, a música erudita, moda. O processo de urbanização e embelezamento de Belém se registrou através de praças e monumentos que até hoje são testemunhos e expressão materializada da euforia econômica ocorrida no Pará entre o final do século XlX Belém de Todas as Épocas 141


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O INÍCIO DA CRISE Se neste período, por um lado observou-se um dinamismo social. Por outro registrou-se uma descontinuidade do processo econômico, na medida em que o extrativismo de baixa produtividade – face a mínima aplicação de tecnologia, sempre ameaçado pela concorrência internacional, foi incapaz de se sustentar por longo tempo. O modelo primário, a instabilidade de rendimento e uso não inteiramente produtivo dos excedentes econômicos dele oriundos foram atingidos pela crise econômica que enfrentou este setor entre 1911 e 1914. A conjuntura internacional também concorreu para o surgimento de condições para o seu descenso. A concorrência da produção asiática do látex promoveu o desaceleramento gradativo da importância extrativa do látex na Amazônia. Os preparativos para a Primeira Grande Guerra limitaram as necessidades do mercado importador internacional, em especial o da Europa, o qual se voltou principalmente para o desenvolvimento da indústria bélica. As inovações tecnológicas, que permitiram a substituição do látex na produção de inúmeras mercadorias por derivados de 142 Belém de Todas as Épocas

petróleo e outros produtos, nos grandes centros manufatureiros do mundo, foram fatores que também concorreram para o declínio da extração e da exportação do látex amazônico. No período de 1870 a 1910, de euforia econômica baseada na comercialização da borracha, e mais durante a crise, ocorreu uma certa orientação de aplicações de recursos (rendas e capitais) em outros setores extrativos, na agricultura e em alguns ramos fabris. A partir da década de 1920, a cultura de certos produtos (juta, pimenta, cacau e algodão) foi intensificada e destinada a exportação. Impulsionaram-se algumas fábricas já existentes como a de alimentos, calçados, fumo, sabões, velas, perfumaria, artefatos de borracha, aniagem, entre outras.


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A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador dessas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se. Os “senhores da borracha” importaram alguns padrões e comodidades da Europa, como o telégrafo, o uso regular da energia elétrica, os bondes, os teatros, a música erudita, moda.

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a belle epoque e o EMBELEZAMENTO URBANO DE belém

1840-1920

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ANTONIO LEMOS a construção do mito

O

trabalho de um historiador é uma empresa difícil, sobretudo quando ele incursiona pela biografia. Para escapar das armadilhas ao revisitar um mito é que fui obrigada a olhar para trás, acompanhar a trajetória pública do personagem Antonio José de Lemos e deixar que os interlocutores descobrissem as evidências de um tempo histórico infinito, lacunar e multifacetado. A relembrança é uma reconstrução orientada pela vida atual, pelo lugar social e pelas necessidades do presente e, neste momento, relampejam insistentemente a história e as memórias de uma cidade que caminha em direção aos seus 400 anos. Reunidos aqui, rememorando a figura do Intendente Antonio Lemos, especialmente no dia de seu aniversário de nascimento (lá se vão 170 anos) e no ano do centenário de sua morte, parece um ajuste de contas depois de um século de história da repú-

blica paraense. Trata-se de um ajuste de contas com o tempo e para com o indivíduo que se reencontrou com a vida, no dizer do emocionante discurso proferido pelo escritor paraense Corrêa Pinto, diante do túmu-

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. lo do Intendente na cidade do Rio de Janeiro, por ocasião do traslado dos restos mortais para a cidade de Belém, no dia 15 de dezembro de 1973: “Com a vida que foi madrasta, nos últimos dias da tua existência, e que agora te é maternal, no reconheci-

mento de teus méritos, na glorificação de teus feitos, na reabilitação de teu nome”. Não esquecera o escritor de quanto este indivíduo foi maltratado em vida, lembrando que “a multidão que o levou ao triunfo, o levou igualmente ao opróbrio [...] esse povo que o cobriu de ultrajes [...] acabou por enxotá-lo como um réprobo”. Na cerimônia fúnebre, o escritor assumira o papel de redentor de uma memória que ao longo das décadas fora relembrada apenas como uma alma penada que assombrava as noites escuras de Belém. Havia chegado o momento da cidade se preparar para o erguimento de um panteão em sua memória: Antonio Lemos deixaria de ser “a criatura funesta, como chamavam os seus inimigos”, para ficar eternizado como o administrador da cidade que a memória teima em não esquecer. De certa forma, a morte recupera o seu caráter público, condição que ela teve na Idade Média

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e, neste caso, a relembrança do morto também tinha este sentido. Todas as honras militares lhe foram prestadas. As bandeiras do Maranhão, do Pará e de Belém cobriam a urna exposta no saguão do aeroporto militar, guardada solenemente pelos soldados da Aeronáutica. Uma multidão que se misturava com as representações religiosas, civis, militares, de sindicatos e de colégios aguardava o cortejo que se realizaria no dia 17 de dezembro. Todos estavam curiosos, afinal quem era aquele homem que todos conheciam pelo “ouvi contar”? A vinda honrosa dos restos mortais do Intendente para Belém faz-nos lembrar do que teria registrado Humberto de Campos em relação ao espírito vaidoso de Lemos. O traço curioso, segundo Campos, é que o político temia que a sua memória fosse enterrada com o seu corpo. Disfarçava esse temor dizendo: “Eu não dispenso as homenagens a que tenho direito no dia da minha morte. Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. As honras, as homenagens, o barulho se concretizaram, não na ocasião pensada pelo político, mas naquele dia de dezembro de 1973, quando retornaram à cidade os restos mortais envolvidos na forma triunfal de sua memória. No dia seguinte, o jornal A Província do Pará transcreveu o depoimento de um morador da cidade que, aos 80 anos, teria dito: Eu o conheci pessoalmente e assisti queimarem “A Província” e a casa dele. Não foi o povo que expulsou o senador Antonio Lemos de Belém. Foi uma meia dúzia. O povo mesmo o amava e continua amando, como a gente pode ver [...]. O depoimento, as lembranças, o ritual de glorificação do ilustre morto se espalhará pela cidade e repousará no palácio e, naquela lápide ficará marcado o triunfo de uma memória que lançará fachos de luz sempre que a cidade for ameaçada em sua história. E, são nesses fachos de luz que buscarei a figura do Intendente Lemos para trazê-la à cena, mais uma vez, neste dezembro do ano de 2013. No ano de 1904, auge da administração lemista, o jornalista Carlos Fernandes torna pública uma biografia do Intendente, em que a figura do homem no seu gestual, no seu modo de vestir, nas tarefas cotidianas, constitui-se em elementos

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de composição de uma personagem trabalhadora, refinada e exigente: São três horas da madrugada, Antônio Lemos vai principiar a sua faina. Assenta-se à mesa de trabalho, diante da vela acesa e começa a leitura da correspondência da época [...] quando termina essa tarefa exaustiva, já reluz por trás das venezianas um pálido e esquivo raio de sol [...] segue-se o arranjo simples e distinto de sua toilette. Colarinho decotado, um laço preto, horizontal, preso ao botão por um elástico, às vezes à moda do Príncipe de Gales, alindado com um alfinete de pérola ou diamante. Calça de casimira de cor e sobrecasaca ne-

gra, em cuja boutonniére há sempre uma flor colhida de fresco. Botinas de pelica também negras, bem polidas, com a sola sempre limpa e o tacão sempre perfeito [...] Agora é somente por a cartola bem anediada e tomar uma de suas artísticas bengalas, saltar para a sua elegante e lustrosa vitória e trotar pelo distrito e ver e examinar o estado das obras municipais, a conservação dos jardins, o asseio das sarjetas, o calçamento das ruas, a segurança da higiene e todo esse mundo de coisas, que fornecem o assunto do Detalhe da Intendência.

Nesse tom de embevecimento pela figura do Intendente, Carlos Fernandes vai construindo a imagem do homem elegante e distinto. Mesmo que registrasse que o seu vestuário fosse simples, não deixou de construir a imagem do homem público de vestes finas e elegantes, afinal botina de pelica, cartola, sobrecasaca e alfinete de pérola ou diamante são apenas alguns símbolos que tornaram Antonio Lemos a marca da distinção e da elegância. O trajar de Lemos destacado por Fernandes, no entanto, será ridicularizado por outro biógrafo, Valente de Andrade, que considerava o vestuário do

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No final do século XIX e início do XX, a sociedade paraense passava por profundas e modernas transformações na sua economia, nos seus espaços públicos, nos modos de vida, na transmissão de uma ideologia e a instauração de uma nova infraestrutura urbanística. A moda, a arquitetura, os teatros, cafés, cinemas, a eletricidade urbana, os bondes, as ferrovias, as máquinas imprimiam um novo cenário na antiga cidade de Belém retratando uma época áurea que foi denominada de Belle Époque. A modernização da cidade de Belém advinda principalmente da comercialização da borracha e da inserção da Amazônia no sistema capitalista mundial em 1840 quando se beneficiava, investindo de forma intensa no seu aspecto urbano com criação do porto do Pará, praças, prédios públicos de grande porte arquitetônico, palacetes, casarões, monumentos, chalés de ferro, teatros e outros.

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O novo modelo urbanístico vindo da Europa, essencialmente da França, teve o seu apogeu em Belém na gestão do intendente Antônio José de Lemos (1897/1910), quando observa-se a construção de boulevards, praças, bosques, mercados de ferro do Ver-o-Peso, o Mercado de Carne, quiosques, calçamento, alargamento de ruas, iluminação elétrica, asilos e um investimento rigoroso dentro de uma política higienista. Uma verdadeira reforma e embelezamento urbano que transformou estruturalmente e esteticamente, principalmente o centro da cidade. Para às periferias de Belém foram remanejados aqueles que não tinham condição de usufruir das novas benesses e se igualar ao padrão de consumo e de comportamento imposto.

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BELLE ÉPOQUE

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Belém ganhava ares europeus graças à nova ordem econômica, a qual compunha uma elite que modelava a cidade à cópia dos padrões franceses, reproduzindo o brilho e o glamour dentro do estilo Art Nouveau expressão artística da Belle Époque.

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BELLE ÉPOQUE

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“Todas as obras de Lemos foram realizadas com verbas municipais, notadamente através de taxas e tributos recolhidos direta ou indiretamente de lucros auferidos com a produção, transporte, financiamento, venda e exportação da borracha de látex, produto extraído da seringueira (Hevea brasiliensis)”.

Chafariz da Sereia (Foto: Felipe Fidanza - Vista do Pará em 1899). Belém de Todas as Épocas 161


avivação da memória lemista. Nesse ano do traslado dos restos mortais do Intendente para Belém, o jornalista Carlos Rocque publicou o livro Antonio Lemos e sua Época, obra encomendada pelo prefeito Nélio Lobato, para fazer parte dos eventos de retorno das cinzas de Antonio Lemos. Rocque propôs-se a fazer uma “análise fria” para que “o leitor sinta com mais crueza ou mais realismo”. Compartilhando com autores que escreveram no início do século XX, ele deu ênfase aos embates político-partidários e às vozes dos biógrafos lemistas, desprezando um olhar social que pudesse trazer à cena os indivíduos anônimos, os trabalhadores da cidade, a gente simples que circulava nas ruas, atores dessa história construída em fragmentos. O autor, ao mesmo tempo em que tenta justificar a neutralidade de sua

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. análise, enfatiza que não saberia dizer em que Lemos foi mais perfeito, visto que: Como político, criou a maior oligarquia que já houve no Pará, enfrentando os mais respeitáveis nomes do republicanismo local; como jornalista, fez de “A Província do Pará” o melhor jornal de todo o Norte, e sem qualquer exagero, um dos maiores do Brasil; como administrador transformou a pequena Belém em uma das mais modernas metrópoles do país. Trata-se de uma análise fragmentada muito comum nos escritos biográficos de então, lembrando que Carlos Fernandes, um dos primeiros biógrafos de Lemos, também havia pensado a sua obra compartimentando as ações do Intendente, no homem, no político, no jornalista e no administrador. Aliás, esta mesma compreensão tinha Romeu Mariz, como se o indivíduo a cada momento tivesse que desempenhar um papel que lhe era atribuído. É sabido que o contexto econômico

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da época favoreceu a execução de um audacioso projeto de urbanização da cidade, assim como a qualificada equipe de jornalista de A Província do Pará deu-lhe condições para tornar-se chefe de um dos melhores jornais do país, assim como a própria conjuntura política lhe favorecera a sua ascensão política. Isto não quer dizer que não possamos reconhecer a competência do urbanizador e o seu compromisso com a cidade que lhe acolhera, tanto que é possível afirmar que as obras de urbanização sobreviveram ao seu desaparecimento, funcionando como testemunhos de um passado que deverá ser sempre lembrado. Nesse mesmo ano de 1973, dedicado ao sesquicentenário da Adesão do Pará à Independência do Brasil, o his-

toriador Ernesto Cruz, com o patrocínio da Universidade Federal do Pará, publicou um livro em dois volumes, intitulado História de Belém, no qual dedica um dos capítulos a Antonio

Faço questão de barulho, de descargas militares e, se possível, de estrondo de artilharia. Eu tenho medo de ser enterrado vivo [...]”. Lemos. Nesta obra, o historiador fez questão de ressaltar apenas as obras urbanísticas realizadas na cidade que se transformou em “um ninho de cultura e de beleza [...], por isso não


PEIXE COM FARINHA A charge publicada na época que representa os comerciante contra a taxação de imposto sobre o preço da farinha e do pescado na cidade de Belém.

era [...] possível calar, a admiração profunda e respeitosa pelo esteta que soube fazer de uma cidade despretensiosa, a mais bela capital do Norte”. Como herdeiro de uma tradição positivista, Ernesto Cruz procurou inserir a cidade de Belém no modelo de civilização, a partir da compreensão dos fatos, e ao consolidar a imagem de Lemos como “um verdadeiro urbanista, um artista primoroso, plasmando com o cinzel de sua imaginação a cidade que amava com o enternecimento de um poeta”. Em 1978 surge uma publicação intitulada Antônio José de Lemos, o plasmador de Belém: em defesa de um nome, de autoria de Augusto Meira Filho, engenheiro, político, historiador, em resposta ao ataque à figura do Intendente, feito por Emanuel

Sodré em uma entrevista concedida a Carlos Rocque. Sodré teve a pachorra de chamar o ilustre Intendente de “jardineiro”. Em desagravo à memória de Antonio Lemos, o vereador Meira Filho fez mais: utilizou a tribuna da Câmara Municipal e proferiu um contundente discurso em resposta “ao terrível e grande veneno de intrigas e ódios” destilado pelo filho de Lauro Sodré. Lembrava o orador que a memória de Lemos estava sendo deturpada da mesma maneira que enxovalharam a memória dos cabanos, que por muito tempo foram considerados sanguinários, bárbaros, por isso, era preciso combater esta associação da imagem do político a da destruição. Afinal, dizia Meira em tom pedagógico, que era preciso que a mocidade paraense “tomasse conhecimento de exemplos do passado, conhecer a vida política do Estado, nos albores do século para dignificá-la”. Ainda ressaltava que esta era uma vida de um homem com “um cabedal de inteligência insuperável”, que conseguiu superar até mesmo a sua própria condição humana. Enfatizava que os seus “filhos iriam tomar conhecimento e reconhecer no maranhense de nascimento o notável paraense de coração”. Percebe-ae que há uma tensão na memória do “político de fora”. Osvaldo Orico registra que Lauro Sodré levava vantagem sobre Lemos, por ser “paraense nato, caboclo da terra – à qual estava unido por vínculos de sangue e sentimento”. Portanto, esse entrelaçamento dos lugares de Lemos reflete uma necessidade de enraizar não só o indivíduo, mas também a sua própria memória. No lugar do Maranhão, Antonio Lemos teria a sua memória assentada definitivamente no solo paraense. Todas as obras conhecidas até a década de 1970 procuraram ligar a figu-

ra de Antonio Lemos ao de o maior urbanizador da cidade. Os guardiões da memória não o vincularam a seu poder de mando político. Ele se constituiu no mais competente urbanizador da cidade, e suas obras devem sempre ser relembradas, pois é este o passado que continua dando à cidade o estatuto de civilização. Há um intenso trabalho de enquadramento dessa memória e ela fez-se necessária para firmar um passado cuja imagem deveria manter os referenciais do grupo social que ajudou a construir o mito da belle époque. Ainda penso que a recuperação do tempo de Lemos ainda é necessária, é a utopia, é “o sonho que nós ainda podemos sonhar”, como escreveu um anônimo, é a esperança que paira sobre a cidade e que busca preencher uma lacuna que ainda perdura. Ao longo deste texto, procurei apresentar os fragmentos das memórias do idealizador da belle époque, percorrer os rastros de um mito e, como os mitos não podem ser simplesmente destruídos, aqui está a história de um deles, talvez o mais poderoso, o mais revisitado, o mais emblemático da história republicana paraense.

Maria de Nazaré Sarges possui graduação em História pela Universidade Federal do Pará (1968), mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1990),doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1998) e pós-doutorado pela Universitat de Barcelona/ES (2011). Atualmente é professora associada da Universidade Federal do Pará. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil Império, atuando principalmente nos seguintes temas: Belém, cidade, Amazônia, mi-

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O processo de urbanização e embelezamento de Belém se registrou através de praças e monumentos que até hoje são testemunhos e expressão materializada da euforia econômica ocorrida no Pará entre o final do século XlX e início do século XX, foi financiada principalmente com os lucros obtidos da exportação do látex. (Postais de Belém do Pará em 1907).

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O processo de urbanização e embelezamento de Belém se registrou através de praças e monumentos que até hoje são testemunhos e expressão materializada da euforia econômica ocorrida no Pará entre o final do século XlX e inicio do século XX, financiada principalmente com os lucros obtidos da exportação do látex. (Postais de Belém do Pará em 1908).

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Entre 1840 e 1920, a a cidade de Belém adquire contornos definidos de um centro distribuidor local, além de ser o principal centro regional de exportações, atuando como entreposto polarizador de diversas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais da região Norte e um dos maiores da América do Sul, cresceu e transformou-se. O comércio varejista modernizou-se. Novas casas comerciais, e mesmo, lojas de departamentos foram instaladas em Belém. Tudo isso por conta da economia paraense ser estimulada principalmente pelo extrativismo e exportação do látex para a fabricação da borracha, face as exigências da indústria internacional. A Revolução Industrial e as constantes inovações tecnológicas, ampliaram em grande escala a demanda dessa matéria-prima . A borracha era a principal fonte de riqueza pública e o elemento fecundo do incomparável progresso que manifestava o Estado pelo desenvolvimento crescente do seu comércio. Nessa época o comércio do Pará exportava-se também o cacau, castanhas, cumarú, couros, grude de peixe, óleo de copaíba, urucú, guaraná, plumas de garça, madeiras e outros produtos do Estado;

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O Valor de guardar relíquias históricas que na sua mudez estática, nos fazem saber tanta verdade ignorada e desperta as reminiscências daquilo que passou é uma forma que encontramos para incentivar o amor e a memória à cidade. Colecionar cartões postais é ver em uma pequena janela o passado desconhecido da nossa terra. Uma coleção sem dúvida, embora modesta, para guardá-los e exibi-los, como lição muda e todavia eloquente. Quem, por acaso, desconhece a emoção que sentimos ao ouvir alguém falar do pequeno canto da terra que nos viu nascer? Com que ternura se liga ao nosso coração um velho papel que serviu de testemunha, que se prendeu a um fato grandioso ou não, da história íntima de uma pessoa ou da época áurea de uma cidade, singela da pátria, nobre sentimento, puro amor ao terrão natal e à sua história, em que se vão agrupando lentamente todos os fragmentos do passado, cheio de tantas lembranças, fixando datas heroicas, conservando feitos dignos, guardando enfim, tangíveis e constantes, os episódios da historia que se vão concatenando e acumulando um a um, como ensino e estimulo aos pósteros, para manter, sempre vivo e ardente, esse amor por Belém do Pará Habib Frahia - Médico, Colecionador de Moedas e Postais Antigos. Belém de Todas as Épocas 173


PRAÇA BATISTA CAMPOS 174 Belém de Todas as Épocas


SOBRE A PRAÇA BATISTA CAMPOS

L

ocalizada nas adjacências do centro tradicional de Belém, a Praça Batista Campos está situada próxima ao Cemitério de Nossa Senhora da Soledade (já desativado) e a Praça Milton Trindade (antigo Horto Municipal). E limitada pelas Ruas dos Mundurucus e dos Tamoios, Travessa Padre Euti’quio e a Avenida Serzedelo Correa, no bairro de Batista Campos. Uma das principais metas da administração do Intendente Antonio Lemos, conforme visto anteriormente foi a construção dessa Praça. Antes da intendência de Lemos, o terreno onde a Praça se localiza era de propriedade particular e pertencia a Dona Maria Manoela de Felgueiras e Salvaterra. Com o decorrer dos anos e com o crescimento da cidade, finalizando com a morte de Dona Manuela, as terras passaram para a Câmara de Belém e passaram a ser conhecidas na época como O Largo de Salvaterra (figura 03). Durante a administração de Lemos, o terreno, que logo depois ficou conhecido como Largo do Sergipe, em homenagem a recém criada província, desmembrada da jurisdição baiana passou a ser denominado, oficialmente de Praca Batista Campos, uma homenagem de Lemos ao então Cônego Joao Batista Goncalves Campos 33, o qual foi uma figura em destaque no cenário histórico e político do Estado do Para’. ROCQUE (1996) comenta que em 1874 a área da Praça Batista Campos era apenas um grande matagal pantanoso e, em 1884, uma savana de capim. Revela ainda que a área que ali se estabelecia, chamada então de Largo do Sergipe, não passava de um inexpressivo largo, com muitas mangueiras e um canteiro central. Neste período, somente a área da Travessa Padre Eutiquio era ajardinada. A partir de 1900, pela administração de Lemos, a área começa a passar por intervenções de ajardinamento e é desenvolvido um plano de urbanização para transformá-la em um local de atração para a população. Em 1904, a praça foi inaugurada (figura 04) e seu projeto teve e ate’ hoje mantém características do paisagismo inspirado no romantismo inglês, que foi seguido no Brasil a partir da segunda metade do século XIX, quando o naturalismo caracterizava o pensamento da época e influenciava as construções voltadas a natureza e a sua imitação (ROCQUE, 1996; SOARES, 2009). Joao Batista Goncalves Campos foi um importante ativista politico do Estado do Para’. Era cônego, jorBelém de Todas as Épocas 175


nalista e advogado e teve destaque durante as lutas partidárias que culminaram com a explosão do movimento da Cabanagem (1835-1840). Foi autor intelectual do movimento da Cabanagem, alimentando a resistência do povo contra o governador da província Bernardo Lobo de Sousa (ROCQUE, 1996). O cenário naturalista da Praça remete a tradição contemplativa dos jardins públicos dos séculos XVIII e XIX (figura 05) e sua composição arquitetônica tem características do estilo eclético, contendo “plantas ornamentais, córregos, pontes, bancos, caramanchões, pavilhão acústico e coretos de ferro”, tudo em acordo com a típica flora amazônica (SOARES, 2009, pg. 150). Seu tratamento paisagístico conta com um projeto que reúne duas vertentes do estilo eclético, misturando o traçado em cruz das escolas clássicas francesas, com a sinuosidade do desenho romântico do paisagismo inglês. O lago sinuoso, cortado por eixos ortogonais que conduzem ao estar central, representa de forma emblemática o ecletismo. Nesta praça, encontram-se diversos elementos que caracterizam a arquitetura romântica, como pontes em madeira ou alvenaria, de formas planas e curvas, com corrimãos feitos de travessas de madeira, enroladas por arcos de ferro e rebocadas de cimento, imitando a madeira natural; como o lago que se divide em quatro partes separado por paredes de pedras de concrete formando pequenos rochedos e como a torre do castelo em ruinas para disfarçar os reservatórios de agua, os caramanchões e os coretos de ferro. Os coretos são um dos símbolos românticos do período favorecido pela riqueza gerada durante a economia da borracha. Era época da chamada arquitetura metalúrgica, segundo Soares (2009), onde os governos municipais escolhiam os modelos em ferro nos catálogos vindos da Europa, a maioria da Grã-Bretanha, Alemanha, França e Bélgica. Esses modelos eram encomendados para compor os espaços públicos dos mu176 Belém de Todas as Épocas


nicípios que implantavam uma politica de embelezamento, como por exemplo, o município de Belém, que trouxe para a cidade “parte da cultura urbanística e paisagística dos maiores centros europeus” (SOARES, 2009, p. 83). Esses coretos eram também chamados de pavilhões harmônicos, destinavam-se a apresentações de bandas musicais, a encontros de namorados e ao lazer infantil. Os coretos vindos para Belém também integravam os projetos de ajardinamento das Praças principais da cidade, eram de estilo art nouveau, todos em ferro assentados sobre alicerces de alvenaria, em geral com planta octogonal e piso de ladrilho hidráulico (SOARES, 2009). Na Praça Batista Campos foram implantados cinco coretos em ferro importados da Alemanha, segundo Soares (2009), um montado no centro da Praça (figura 06) - o Pavilhão 1° de Dezembro, o maior deles 34- e os outros, menores, instalados em posições assimétricas, o que atribui a área uma paisagem romântica. A composição estética do Pavilhão 1° de Dezembro e’ de uma estrutura em ferro com pilares duplos trabalhados, assentados em embasamento de alvenaria elevado a um metro do solo. Sua planta possui doze lados e os gradis circundantes, superiores e inferiores, são compostos por desenhos em arabescos (SOARES, 2009, p. 98-99). O coreto principal desta praça tem em seu nome uma referenda ao dia da coroação de Dom Pedro I como imperador do Brasil - 1° de dezembro de 1822 (SOARES, 2009, pg. 100). Os outros quatro coretos tem características mais simples, se assemelham por serem da mesma época, 1903, e pelo adorno existente em forma de flor nos pilares, uma característica do art nouveau, segundo Soares (2009). Dois deles tem planta com forma de polígono de doze lados, outro tem planta octogonal e o Belém de Todas as Épocas 177


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outro com planta de dezesseis lados (figura 07). Com mais de vinte e oito mil metros quadrados (28.000 m2) de área, a Praça Batista Campos obedece, em parte, ao modelo de ajardinamento das demais praças de Belém realizado durante a administração do Intendente Lemos, correspondendo ao piano de jardins sem grades, que segundo Soares (2009), foi colocado em pratica no Brasil, pela primeira vez, através da intendência de Belém. A administração de Antônio Lemos, anos seguintes a inauguração da Praça Batista Campos, prestava manutenção e fazia pequenos reparos, mas, após essa administração a Praça passou por um período de abandono, segundo Rocque (1996). Contudo, a partir da década de 1960 teve incorporado alguns equipamentos e usos devido a expansão e ao aumento da população residente do seu entorno, como por exemplo, foram incorporadas novas atividades sociais e espaciais, além do uso contemplativo que remete a sua origem, somou-se a pratica de esportes e o lazer infantil, através da implantação de equipamentos de ginastica e de playground. O que se nota com o relato sobre a formação e a história da Praça Batista Campos e’ que ela própria pode ser considerada como um atributo físico-espacial, bem como o seu lago, o coreto central, os coretos menores, Belém de Todas as Épocas 179


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A MODERNIDADE E O MODERNISMO

EM BELÉM

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ARTE / HISTÓRIA

Rosa Arraes

ANTONIO parreiras A Cidade de Belém retratada por Antônio Parreiras

O

ano de 1905 veio trazer reiras inaugurou na administração mupara a cidade de Belém nicipal a fase das grandes encomendas grandes mestres da pin- de pinturas, consolidando a imagem tura nacional, e as ex- do intendente Lemos como mecenas posições tiveram um lo- e apreciador do requintado universo cal solene para serem apresentadas, artístico. justamente o foyer do Teatro da Paz, Antônio Parreiras desde o inicio de sua radicalmente restaurado naquele ano, carreira se identificou muito como pine que, entre outras funções, abrigaria tor de paisagens. E seus primeiros anos as exposições em seu interior. Segun- como paisagista são ainda totalmente do o Relatório de 1905 apresentado dominados pelas pinturas da paisagem ao conselho municipal de Belém pelo pitoresca, com seus planos: distâncias, intendente Antônio Lemos, O pintor texturas, caminhos e a presença de Antônio Diogo Parreiras veio para uma figura humana solitária de costas. Belém fazendo parTambém pinta a fúria te de uma “tournée” da natureza com céus organizada por ele árvores curPode-se afirmar que Antônio escuros, mesmo, que já vinha vadas pelo vento, e Parreiras inaugurou na de Salvador. Os a presença da figura seus quadros ultifeminina, e seus nus administração municipal a mamente expostos Na obra “Entrada do foram classificados fase das grandes encomendas Bosque Municipal” o pela crítica como se declara tode pinturas, consolidando a pintor magníficos, e altalmente envolvido cançaram sucesso imagem do intendente Lemos pela paisagem natuna capital federal, como mecenas e apreciador do ral ao ponto que ele recebendo elogios suprime de vez a figude toda a imprensa requintado universo artístico. ra humana desta sua carioca. obra e pinta apenas São muitas as matérias escritas pelos a floresta, uma floresta densa onde jornalistas sobre a expectativa do pú- são retratadas uma variedade muiblico em relação a exposição de Parrei- to grande de espécies de vegetação ras,e ele sentia-se lisonjeado, afirman- amazônica do em entrevista que nunca foi tratado O Bosque Rodrigues Alves sem dúvicom tantas gentilezas como na capital da é um dos recantos mais agradáveis do Pará. Após Antônio Lemos visitar a da cidade de Belém, qualquer artista exposição e adquirir algumas de suas teria sentido uma verdadeira atração obras, ele receberia o artista em seu para pintá-lo. Pois todos os visitantes gabinete, pedindo-lhe que fizesse al- de Belém durante o século dezenove gumas pinturas sobre Belém. Pode-se louvam as árvores da cidade com exafirmar, desse modo, que Antônio Par- pressões das mais amáveis e apaixona

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OBRA: “Praça da República” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 65 x54,4cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/ MABE

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das sobre este pedaço da floresta amazônica: “vultos de árvores” e suas “sombras deliciosas”, a terra com o “frescor juvenil dos ramos e folhas, orvalhados de gotas brilhantes”. Há os “jardins particulares que bem merecem ser visitados”, as “estradas com as manchas de verde do arvoredo, há um tempo belo e majestoso”, as “largas copas escuras de frondosas mangueiras entre as habitações, rodeadas de laranjeiras em flor, limoeiros e muitas árvores frutíferas”, o “esguio açaizeiro crescendo em pequenas touceiras de quatro ou cinco”, as “soberbas bananeiras”. Tudo criando “maravilhosas formar de vegetação”. O Bosque Rodrigues Alves é uma reserva florestal, pertencente ao Município de Belém, criada em 1883. “Com duzentas braças, para divertimento da população de Belém”, esclarecem os arquivos da Câmara

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Municipal. Mas a verdade e que com está atitude preservava-se em plena Belém, uma paisagem da autêntica floresta que a cidade ia destruindo para se expandir. Segundo Leandro Tocantins a sugestão de criá-lo partiu do paraense José Coelho da Gama e Abreu, Barão do Marajó, um geógrafo da Amazônia, Presidente da Província (1879-1881) e Intendente de Belém (1891-1894). O Barão impressionara-se com o Bois de Boulogne, projetando para Belém uma réplica tropical do logradouro parisiense. O “Velho” Lemos, tão amigo das plantas, desvelou-se em cuidados pelo Bosque, durante a sua administração. Ele foi o Intendente que transformou o simples conglomerado de árvores em atração popular. Diz ele em seu Relatório de 1905: “Escrever condignamente sobre esse esplêndido

Na obra “Entrada do Bosque Municipal” o pintor se declara totalmente envolvido pela paisagem natural ao ponto que ele suprime de vez a figura humana desta sua obra e pinta apenas a floresta, uma floresta densa onde são retratadas uma variedade muito grande de espécies de vegetação amazônica


OBRA: “Entrada do Bosque Municipal” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 50,5x91cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/ MABE

logradouro seria mister saber medular a perdida lira grega, poder com arte soprar a flauta dos antigos poetas de Roma pagã, para tratar do assunto numa colorida e fresca bucólica, onde fosse decantado aquele célebre respiradouro público, ricamente oxigenado, hoje aberto como ponto de descanso às fadigas de uma população da zona tórrida!”. A grande área do Bosque é inteiramente tomada pela soberba vegetação. Rasgam-lhe avenidas que são túneis verdes. Caminhos de mato conduzem a igarapés murmurantes ou a tranqüilos lagos artificiais. A estética e a poesia do “Velho Lemos” inseriu nele alguns lugares pitorescos: a cabana de Peri e Ceci a gruta encantada, a cabana de Paulo e Virgínia, o

quiosque chinês, a barraca de Rombinson Crusoé o pavilhão de Diana, a grande “cascata”, a “montanha”, com duzentos e quarenta metros de circunferência. A Vegetação é de terra firme se destacam as árvores de grande portes, inclusive as de madeira de lei, é possível observar árvores com aspecto de seringueiras e andiroba, compondo a pintura de uma verticalidade que nos leva a entender cada vez mais a dimensão que ele observava para pintar a natureza, revelada em suas paisagens pela monumentalidade da mata, reservando para as árvores uma escala surpreendente, como se as mesmas tivessem a capacidade de serem infinitas. Nesta obra Parreiras imprime principalmente um ar mis-

terioso no pórtico de entrada, na tentativa de mistificar um pouco o ambiente interno transformando em uma viagem de aventura por uma selva mística cheia de fantasias habitada pelos famosos moradores da floresta. Talvez o artista tenha se influenciado pelas duas estátuas de pedras que encontram-se na entrada da avenida principal representando o Curupira e o Mapinguari, génios da mitologia indígena, protetores da floresta e dos animais. São uns monstrinhos danados encrenqueiros que vivem aprontando “artes” mas só fazem suas traquinagens quando alguém maltrata uma árvore ou um bicho, Parreiras certamente quando concebeu este pórtico deixou claro que este imenso templo verde tinha dentro uma profusão de elementos que não era possível enumerar. A representação da urbanidade nesta obra está retratada pelo desenho construtivo do seu Pórtico de entrada dividindo-o em dois mundos paralelos um conhecido, visível com possibilidades palpáveis e outro mágico embrenhado e entrelaçado por cipós e árvores monumentais, onde internamente habitam seres encantados e místicos, confirmando ao observador a grandiosidade da mata que invade e transborda de verdes todos os recantos, deixando o portal totalmente envolvido, revelando que a natureza na Amazônia é inexorável, e tem um poder legítimo e espera que todos solicitem permissão para entrar. Parreira usa pinceladas rápidas muito próprias de suas paisagens, entretanto as cores de sua paleta são de uma tonalidades de verdes distinta e muito característica nas paisagens de Belém, ele utiliza para isso, uma grande diversidade de tons verdes luminosos, que se graduam e sombreiam aqui é acolá e que nos fazem pensar que a floresta é impenetrável, devido a aparente densidade de vegetação. A luz desta tela é uma luz pontual focada em primeiro plano na terra, se prolongando mais forte para o portal e estabelece com o céu azul que recorta a parte superior da obra, um contraponto que serve de fundo para a vegetação, possibilitando sempre a invasão da luz muito característico também de suas pinturas. Existem muito mais atrativos no Bosque: um orquidário, a estátua da República, viveiros com aves amazônicas, animais da fauna regional enjaulados. Ao observarmos obras de arte vamos perceber a postura romântica, adotada pelos pintores da época, que eram voltada para os sentimentos e emoções e a veneração da natureza; o historicismo voltava-se para as raízes do povo como forma de alcançar e definir a identidade.

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A Vegetação é de terra firme se destacam as árvores de grande portes, inclusive as de madeira de lei, é possível observar árvores com aspecto de seringueiras e andiroba, compondo a pintura de uma verticalidade que nos leva a entender cada vez mais a dimensão que ele observava para pintar a natureza, revelada em suas paisagens pela monumentalidade da mata, reservando para as árvores uma escala surpreendente, como se as mesmas tivessem a capacidade de serem infinitas.

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OBRA: “Clareira no Bosque” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela ACERVO: Museu de Arte de Belém /MABE

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OBRA: “Avenida São Jerônimo” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 65,4x54cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0020

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“A luz desta tela é uma luz misteriosa e pontual, realizada com muita ênfase, pois são os raios de um sol tropical, quente e forte que ao invadirem através das frestas das espessas folhagens das mangueiras, demonstra à intensidade do sol de uma cidade próxima a linha do equador, e ao contrastarem com os ocres da vegetação apresentam uma melancolia dourada de um final de dia ensolarado.”

demonstram o movimento tranqüilo de pessoas caminhando. Observa-se a imagem de um casal passeando pela rua, além de mais outras duas figuras atrás, é um cenário de muita naturalidade onde é possível de compreender claramente a rotina diária dos transeuntes da cidade. O pintor dá um tratamento quase de silhueta às figuras humanas. Os personagens estão distantes e a escala em relação à vegetação é muito inferior, mesmo assim ele utiliza uma técnica adequada e consegue representá-las com a serenidade de um livre passeio pela avenida. Não é difícil perceber que as primeiras figuras humanas, as que estão mais visíveis no plano principal, são de um casal elegantemente vestidos que desfilam sem pressa alguma por debaixo do túnel das mangueiras. Um recorte histórico importante na leitura desta obra é o calçamento da avenida, em primeiro plano, sem dúvida esta representação estabelece Belém como uma cidade moderna e urbanizada, onde o progresso está presente, apesar de estarmos em uma floresta e no início do séc. XX. Identificamos também globos de lâmpadas entre as mangueiras, o que fica claro que havia iluminação pública nas ruas de Belém. Ainda em primeiro plano podemos observar o trilho de trem, na realidade do bonde, transporte moderno, rápido e econômico, implantado em outubro de 1868, antes do de Nova York, de 1870. A empresa concessionária pertencia ao industrial James Bond, cônsul dos Estados Unidos da América no Pará. O seu sobrenome, segundo alguns historiadores locais, origina a palavra aportuguesada

“bonde”, para designar tais veículos. A linha de bondes a vapor de Belém foi das primeiras no Brasil, ligando o Largo da Sé ao Largo do Nazaré, usando três locomotivas e dois carros de passageiros. Portanto os primeiros bondes elétricos trafegavam por esta avenida representada na obra de Parreiras. A luz desta tela é uma luz misteriosa e pontual, realizada com muita ênfase, pois são os raios de um sol tropical, quente e forte que ao invadirem através das frestas das espessas folhagens das mangueiras, demonstra à intensidade do sol de uma cidade próxima a linha do equador, e ao contrastarem com os ocres da vegetação apresentam uma melancolia dourada de um final de dia ensolarado. Parreiras usa pinceladas rápidas e as cores que ele usa nesta obra são característica nas paisagens de Belém, ele utiliza para isso, uma grande diversidade de tons ocres e verdes: escuros e luminosos, que se graduam sombreiam e nos fazem pensar que a rua é uma floresta infinita. A“ Estrada de São Jerônimo” em 1905, proporciona muita emoção aos cidadãos de Belém pois é um registro poético que transborda de significados e ainda estabelece esta obra de arte não apenas como um reflexo do real, mas um processo criativo de imagens, sons e movimento no qual participam além dos elementos iconográficos, o mundo dos sentimentos, o pensamentos do criador e o contexto sócio cultural do qual também fazemos parte e ainda nos possibilita uma leitura romântica deste túnel de mangueiras, símbolo incontestável desta cidade, reg-

istrados na memória de todos que aqui vivem, viveram, ou por aqui passaram. As mangueiras de Belém não são nativas daqui vieram da Índia para Amazônia. Entretanto encontraram um lugar perfeito para se desenvolveram e até hoje nos dão, além da característica paisagem de Belém, uma agradável sensação de frescor e de perfume de planta. PASSEIO PELA AVENIDA DA REPÚBLICA O Passeio da Avenida da República é uma obra que qualquer morador de Belém de hoje reconhece, visto que é um dos logradouros mais freqüentados pelos moradores da cidade. Localizado na Praça da República, este passeio fora totalmente urbanizado pelo então intendente Antônio Lemos em 1905. Situada no centro da cidade de Belém, a Praça da República tem um significativo valor histórico. Foi construída no início século XVIII, e era um dos limites de Belém, na direção da freguesia da campina . O largo da Campina era o ponto extremo que limitava a raia da cidade. A denominação desse largo não tinha razão plausível de ser, desde que era antes uma clareira na floresta, com um cemitério dos suplicados, dos católicos e dos indigentes falecidos de varíola. Os grandiosos jardins estavam sendo implantados por Lemos, era o ponto principal da metamorfose de Lemos o alargamento das ruas, a construção das largas avenidas e as suntuosas praças, marcos simbólicos da modernidade. Apesar desta praça já ter sido inaugurada antes da administração do intendente, ele imporá nela

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OBRA: “Passeio da Avenida da República” (Calçada do Largo da Pólvora). AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela ACERVO: Museu de Arte de Belém/ MABE

uma nova ordenação espacial e estética; fa- tas, mostrando uma organização simétrica, zendo dela um dos marcos na imagem que tal como poderia ser comparada as interprojetava para cidade. venções do intendente. As mangueiras ain Ele havia escolhido esta praça para da pequenas apresentam-se enfileirada, impor a sua mentalidade moderna, e vai disposta uma atrás da outra demonstrando demonstrar com veemência através da im- a organização que estava sendo imposta na prensa a sua intenção de modificar e ampliar cidade. seus passeios, pois ele tinha a necessidade O Empaste de tinta nas folhagens das de compor o centro da cidade com praças árvores é de um verde muito forte, mas que suntuosas, a exemplo das praças européias, apresenta várias nuanças de luzes sobre as e esta seria sem dúvida um novo símbo- folhas, misturando oticamente os matizlo da ordem social. Tanto que vai fazer um es do verde forte vemos uma quantidade confronto pessoal com os moradores que de claros escuros, que permitem o volume constroem suas casas ao redor da praça, abundante das copas das árvores, que sefazendo lamentos públicos a falta de gosto qüenciadas em fila abrem um espaço fabda construção e ornamentação dos prédi- uloso, entre estas duas fileiras de árvores, os de proprietários. E pedia de forma a ser onde é possível ver o calçamento largo e atendido que “quem não tiver dinheiro para bem cuidado, convidando o povo para um edificar dignamente passeio no final da tarque venda os seus terEm primeiro Plano Ele havia escolhido esta praça para de. renos”. vê-se um poste de enEsse comporta- impor a sua mentalidade moderna, ergia elétrica que é um mento do intendente acessório da arquitetutraduzia, o pensam- e vai demonstrar com veemência ra urbana moderna, ento da classe que pode se observar que através da imprensa a sua precisava sair para de ferro trabalhado intenção de modificar e ampliar édelicadamente passear em público, e fundiexigia que os espaços seus passeios, pois ele tinha a do, fazendo parte despor elas freqüentamodernidade estão necessidade de compor o centro ta dos fossem também também luminárias os indicadores de sua da cidade com praças suntuosas, penduradas, são gloposição social. de vidro, modera exemplo das praças européias, bos A Praça lugar nos transparentes e público onde todos e esta seria sem dúvida um novo visíveis, numa demonquerem ir para serem stração clara que a cisímbolo da ordem social. vistos. Ser visto é o dade tinha iluminação hobby da nova elite. pública e era elétrica, A praça onde com o vestuário se identifica a certamente um dos maiores símbolos do que classe cada um pertence. Como percebe progresso e da prosperidade. muito bem Braudel, há uma “ânsia de asAo lado do passeio uma avenida censão em dignidade ou o desejo de usar larga e muita bem pavimentada, lembraroupas que são o sinal, no ocidente, da mais va os Boulevard parisienses, pois também insignificante promoção social”. É como se a avenida possui além do seu calçamento distinguem burgueses de gente do povo. uma bela arborização que também está Uma das características inovadoras organizada cartesianamente, demonstrandas praças e jardins belenenses era de não do claramente o moderno plano civilizador serem cercadas por barreiras interpostas dos jardins e passeios públicos , onde a popque os isolavam do âmbito público: uma ulação teria que ter disciplina para freqüenatitude assumida pela Intendência . Os jar- tar, pois era absolutamente proibido pelo dins não tinham “portas” mas “entradas” código de Postura do Município de Belém arquitetonicamente definidas , obedecendo no final do Sec.XIX, sentar-se ou deitar-se aos “moderno plano civilizador dos jardins no chão, ou sobre os bancos ou objetos sem grade, concebido e posto em prática no Brasil, pela intendência de Belém” No passeio da Avenida da República, Parreiras demonstrou uma cidade transformada em uma grande metrópole. A linha abordada neste passeio é uma linha que parte em uma perspectiva infinita. Apresenta um traço que organiza em linhas re-

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destinados ao uso público. Nestes recintos “não era permitido pessoas ébrias” ou “se trajando indecentemente””sentar-se ou deitar-se no chão”. Também era proibido em geral “estragar as plantas e flores; tirá-las ou deitar-lhes a mão: atirar pedras ou quaisquer outros projéteis”.Também é possível observar a vegetação rasteira entre as árvores fazendo parte do imenso jardim interno da Praça da República um monumento de proporções gigantescas, bem ao modelo das grandes praças das cidades européias. No centro do passeio em um plano bem mais longe e inferior, ele desenha as pessoas, com um traço totalmente esquemático, ele desenha várias pessoas andando no passeio e na rua, onde narra o movimento cotidiano e rotineiro dos que caminham pela praça da República. Faz parte também desta coleção outra tela que tem a Praça da República como cenário, e que acredito ser uma das mais diferentes obras do Parreiras. Ela tem o Teatro da Paz no fundo, e apresenta em primeiro Plano o monumento a Republica, acredito que nesta obra também Parreiras se influenciou pelo Álbum de Belém de 1902, conforme se pode observar na foto .

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Antes de ser Praça da República chamava-se de Pça D. Pedro II, entretanto com a proclamação da República o conselho Municipal deliberou que a Pça D. Pedro II, passasse e se chamar República e para triunfo da renomeação daquele espaço, representante do ideal democrático, foi instalado um monumento, que é uma escultura em Bronze, representando o vulto de uma de mulher , majestosa como Palas, e altiva na sua simplicidade heróica , talhada nos moldes clássicos da estatuária grega, e construída para transmitir a posteridade a memória da República. PRAÇA DA REPÚBLICA Parreiras registrou com seus pincéis esse importante local da cidade denominando esta obra de Praça da República. Com o intuito de representar a monumentalidade deste obelisco, em primeiro plano o artista usou em sua perspectiva o Teatro da Paz, um monumento também de grandes proporções e que aqui permite ao observador imaginar a grandiosidade espacial que ele se propunha em representar a escultura à República. A Construção deste símbolo consagra-

do à democracia, foi iniciada pelo Barão de Marajó, intendente da capital em 15 de novembro de 1890. Sua modelação e respectiva fundição foram feitas na Europa, com croquis e maquete anteriormente aprovada. Para que o artista possa pintá-la apresentando toda a sua altura em primeiro plano, ele fará uma escala muita distinta entre a estátua da República e o Teatro da Paz que ele colocará no fundo da tela em sua perspectiva final. Ele demonstra através das tintas a importância da república no cenário governamental, pintando-a em primeiro plano, apresenta-a como uma deusa imóvel em seu pedestal de granito e mármore, no cume da sua soberania desperta aos que a observam uma emoção respeitosa. É o símbolo de um novo regime que representa a liberdade do povo. Ao redor da estátua ele pinta também em uma escala bem menor um bosque de mangueiras que a circunda, em diversos tons de verde eles se encontram muito tranqüilas, não existe movimento entre elas, estão completamente sossegadas, seus tons verdes já conhecidos representa a tranqüilidade vivida naquele momento pelo povo. Ao fundo vimos quase esque-


gasômetro nas imediações da praça . Outro exemplo da modernidade desta praça era o seu calçamento especial, pois após a proclamação da República, foi feita um calçamento especial para os seus arredores, foram os famosos paralelepípedos betuminosos, que em sua composição era colocado o látex, para que pudesse impedir o ruído ocasionado pelo atrito das carruagens, e assim prejudicar o desempenho dos que se apresentavam naquela casa de espetáculos. A antiga Praça Sergipe, hoje conhecida como Praça Batista Campos, começou a ser urbanizada por Antônio Lemos em 1901. Sua inauguração aconteceu em 14 de fevereiro de 1904, depois de três anos de muito trabalho e dedicação. A paisagem da Praça é uma das mais bonitas que compõem a “Cidade das Mangueiras”. O ajardinamento obedece ao plano de jardins sem grades, modelo colocado em prática no Brasil pela Intendência de Belém. beleza da praça se intensifica por uma composição eclética de vários estilos arquitetônicos: plantas ornamentais,

OBRA: “Praça Batista Campos I” AUTOR: Antonio PARREIRAS ÉPOCA: 1905 TÉCNICA: óleo/tela DIMENSÕES: 54,5 x65,5cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/ MABE

máticos o desenho daquele que sem dúvida é um dos maiores símbolos da arte e da cultura da cidade, o Teatro da Paz, mas nesta obra deixado totalmente em segundo plano, diante da importância que está estátua representa como poder. Mas ele não poderia deixar de apresentar o Teatro onde ele havia feito a sua primeira exposição em Belém, em que logo em seguida faria a segunda. Sabia que era um privilégio ter apresentado seu trabalho em um clássico teatro de ópera, sóbrio e imponente, tendo sido restaurado a poucos meses, era também um símbolo. Construído com mármore e ferro, evocava a modernidade imprimida pelos governantes á cidade, pois além dos materiais que foram empregados ele apresentava modernas funções como a sua iluminação, que não era feita com a tradicional azeite de andiroba, mas á gás, que era encanado de um

Parreiras ao pintar suas telas em Belém, afasta-se completamente do Realismo. Os pintores realistas têm a ambição de representar a natureza tal qual ela é, tal qual ela existe. Isto se justificava em um momento em que se vivia o positivismo. Mas o momento agora é outro e ele como pintor sensível desenvolverá uma abordagem da paisagem que significa, sem dúvida, a menos idealizada e a de maior comunhão com a natureza, se comparada àquela até então praticada na arte brasileira.

diariamente por um público diversificado e alegre; por turistas de todo o mundo que visitam a cidade. Parreiras ao pintar suas telas em Belém, afasta-se completamente do Realismo. Os pintores realistas têm a ambição de representar a natureza tal qual ela é, tal qual ela existe. Isto se justificava em um momento em que se vivia o positivismo. Mas o momento agora é outro e ele como pintor sensível desenvolverá uma abordagem da paisagem que significa, sem dúvida, a menos idealizada e a de maior comunhão com a natureza, se comparada àquela até então praticada na arte brasileira. Trata-se de tomadas de dentro da floresta, focalizando um recorte seu específico, limitado, descontextualizado de todos os outros elementos da natureza presentes no entorno e na distân¬cia infinita (céu, água, montanhas), é um close natural numa abordagem completamente inovadora no contexto da arte brasileira, tanto no sentido temático quanto composicional, e que só poderia resultar de um olhar em busca, e de uma mente armada para captar da natureza as suas particularidades, em sua diversidade, numa ótica intimista e parcial, pri¬mando pelo abandono das visões “gerais”, totalizantes e abrangentes das paisagens clássicas, idealizadas. Parreiras mostra-se aí um ho¬mem sensível ao espírito anticlássico de seu tempo, marcado pela influência da ciência moderna na arte, de seus métodos empíricos que tanto contribuíram para o despertar de uma sensibilidade ao particular, à diversidade a natureza, à singularidade de cada elemento. As obras de Parreiras que registram a cidade de Belém oferecem aos espectadores não somente um sentimento especial da floresta tropical urbana, mas também algo deles mesmos: o seu contexto. Nesse tipo de pintura, a tela torna-se um registro da sociedade, refletindo o ambiente mais do que simplesmente retratando-o, mas também configurando a obra de arte como uma criação permanente onde a mensagem estética contida nela não possui uma significação unívoca, isto é, nunca pode ter para os receptores um só significado. O artista não se limita a reproduzir a natureza por mais figurativa e realista que seja a sua obra “Compreender, em arte, é ir em busca da humanidade, ao mesmo tempo seja singular e circunstancial, para lhe descobrir a universalidade e a eternidade. O ato criador deve ser reencontrado e renovado pelo contemplador. Reconhecer a beleza é também, de algum modo produzi-la.

córregos, pontes, bancos, caramanchões, pavilhão acústico e coretos de ferro. Tudo em perfeita harmonia com plantas ornamentais e árvores típicas da região amazônica. A pequena cabana rústica e as pontes de madeira contrastam com a arquiteura em concreto das demais pontes, bancos e piso.Os calçadões que rodeiam a Batista Campos são revestidos em pedras portuguesas com motivos marajoaras, característica marcante de muitas praças e outras construções históricas de Belém. A importância da Batista Campos, cujo * Rosa Arraes: Restauradora e Conservanome é homenagem a um dos principais dora do Museu de Arte de Belém. líderes do movimento da Cabanagem, é muito grande. É um espaço frequentado

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ARTE / HISTÓRIA

Aldrin Moura Figueiredo

AS CORES DE BELÉM

cultor da aquarela wambach vem de uma antiga tradição da arte flamenca destaca cenários de belém destacando colorido e luminosidade

E

m 1939, cerca de quatro anos a pintar paisagens, tema que será uma depois de chegar ao Brasil, constante em sua obra até o fim da vida o pintor Georges Wambach e onde o autor irá revelar uma impres(1902-1965) pintou uma série sionante competência técnica. Suas de aquarelas sobre a pais- primeiras paisagens surgem ainda na agem de Belém que hoje fazem parte Bélgica, em 1932. Três anos mais tarde, do acervo do Museu de Arte de Belém, Wambach viaja para o Brasil, fugindo constituindo uma das obras mestras de de uma Europa em crise, já fortemente sua coleção. Wambach era desenhista e dominada pelo espírito do fascismo e pintor autodidata. Nasceu em Antuérpia do nazismo. Hoje revendo suas obras numa família de artistas. é notável o repuO pai era Emile Xavier dio do artista ao Wambach, violinista, Além dos retratos, Wambach conteúdo Wamorganista, compositor foi um culcomeçou a pintar paisagens, bach e regente de orquestra. tor da diferença, A mãe era a aquarelista tema que será uma constante do colorido, da Marie de Duve famo- em sua obra até o fim da vida luminosidade. O sa nos círculos da arte e, em espee onde o autor irá revelar uma Brasil flamenga dos fins do cial a Amazônia, impressionante competência foi então o paraíséculo XIX. Jovem ainda, Wambach se inicia so de liberdade técnica. nas artes – por volta de e o cenário de 1920 –, com 18 anos de idade, data de exuberância que iria compor a marca suas mais antigas obras conhecidas. de sua obra. Assim como em Belém, o Dessa época são alguns retratos, hoje pintor também esteve em Fernando de bastante raros, de atrizes e cantoras de Noronha, Ouro Preto, Olinda, Fortaleza, teatro das noites de Antuérpia e Brux- Rio de Janeiro, Manaus e muitos outros elas, com quem o pintor convivia nos locais. Para ganhar a vida, também tracírculos boêmios belgas. balhou desenhando rótulos de remédio, Além dos retratos, Wambach começou cartões postais e colaborou com ilus-

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trações para importantes revistas nacionais de sua época, como A Revista da Semana e Dom Casmurro. Em 1938, volta a Europa e expõe em Bruxelas na Galerie da la Toison D’Or, com grande sucesso de venda. Na volta ao Brasil, visita Belém e pinta a coleção que hoje está no MABE. Entre as obras, vale destacar um Theatro da Paz multicolorido, antiacadêmico, contrastante do real e com uma rara qualidade de desenho. Nessa composição o artista recria a realidade observada, delimitando o prédio do teatro a partir de novas texturas, incorporando dégradés e matizados, gerados pela gradação de tons de azul, vermelho e amarelo. Há que se notar no entorno da obra, duas escalas cromáticas marcantes: o céu carregado em cinza, retomando um tema mais do que recorrente nas representações


pictóricas de Belém, e o uma escala de verde representando a flora local – especialmente nas mangueiras, na palmeiras e nos benjaminzeiros (Ficus benjamina), que assim como a mangueira também é uma planta originária da Índia e largamente utilizada na arborização de Belém desde o século XIX. Seria interessante mais um comentário sobre o céu cinza de Wambach. Wambach era cultor da aquarela e de uma antiga tradição da arte flamenga que vinha de sua mãe Maria De Duve. O método era antigo e faz parte há desde pelo menos o século XVI do repertório cognitivo dos artistas de Flandres e depois amplamente empregado em Florença e Veneza. Mas a aquarela só pode resistir ao tempo com a obra de Albrecht Dürer, que deixou pelo menos 120 obras suas. No verão de 1520, o dese-

jo de Dürer por um novo mecenas, após dor Carlos V. Sua viagem pelo Rio Reno a morte do Imperador Maximiliano, e o até Colônia e então para Antuérpia, onde aparecimento de doenças contagiosas foi bem recebido, produzindo inúmeros desenhos em várias técnicas. Até chegar Wambach era cultor da aquarela a Aachen para a coroação, excursionou a e de uma antiga tradição da arte Bruxelas, Bruges, Gante, Zeeland e Nijmegen. Retornou finalmente para casa em julflamenga que vinha de sua mãe ho de 1521, tendo contraído uma doença indeterminada que o afligiu pelo resto da Maria De Duve. O método era Mas o trabalho estava imortalizado – antigo e faz parte há desde pelo vida. inclusive o desenho que fascinaria o jovem menos o século XVI do repertório Wambach no início do século XX. cognitivo dos artistas de Flandres Retomando a tradição de Dürer, Wambach viu em Belém o conhecido cinza de Bruxe depois amplamente empregado elas de modo a acentuar ao mesmo tempo em Florença e Veneza. a chuva cotidiana da cidade e ao mesmo tempo o contraste colorista do teatro. Há em Nuremberg, ocasionaram sua últi- como uma oposição binária tristeza em ma viagem. Junto com a esposa viajou cinza e alegria multicor. Assim também é para os Países Baixos em julho para estar possível associar mais profundamente a presente na coroação do novo impera- simbologia do cinza no imaginário infan

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Wambach retoma o colorido nebuloso dos arquiconhecidos William Blake, John S. Cotman, Peter de Wint e John Constable, porém valeria destacar o traço de um William Turner, aquele que melhor soube explorar suas possibilidades da aquarela.

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OBRA: “Praia do Ariramba” AUTOR: Georges WAMBACH ÉPOCA: 1939 TÉCNICA: aquarela DIMENSÕES: 38x65,7cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0060

til quando aglomerações de nuvens em épocas de chuva costumam enclausurar a maioria das crianças em suas casas, impedido-as de sair e brincar. A cor do céu paraense em Wambach, ao invés de ganhar uma simples associação à reminiscência desagradável, de solidão e felicidade impedida, acaba de servir como contorno e moldura para a luz e para a cor. O cinza deixa assim fixidez da imagem da melancolia ou da morte. A segunda obra de destaque é a Praia do Ariramba, na ilha de Mosqueiro. Nessa aquarela Wambach exercita o melhor de sua técnica e de seu preparo descritivo. Novamente, vem a tona uma tradição dos países baixos do Sul – a velha Flandres. Tanto a pintura flamenga como a pintura holandesa do século XVII trataram as cenas de paisagem com profundo realismo, geralmente com um fundo de altas nuvens num céu cinzento. Enquanto na França, o mar era visto como coisa do diabo, encarnação do Leviatã, o monstro bíblico que mora no mar – nos países baixos predominam cenas do mar e de enseadas tranqüilas, profundamente reais. Importante ressaltar também que os progressos da oceanografia na Inglaterra, na Holanda e em Flandres, entre 1660 e 1675, começam a arrefecer os mistérios do oceano. A partir de 1750, transparecem os reflexos de uma mudança de comportamento. Perturbada com a presença de novas ansiedades, o medo das águas tornou-se um mal menor. Os médicos começaram a elevar as vantagens da água fria do mar para a saúde do homem. A luta contra a melancolia enobrece o papel do mar, agora menos como vilão e mais como um colaborador. O homem passa, e então, a enfrentar a violência das águas, porém sem correr riscos, receber as ondas sem perder a vida. O banhista auxiliar é recomendado pelos médicos para acompanhar as pessoas em mergulhos. Há um desejo incontido de visitar as praias. As cenas de praia mostradas em pinturas do século XVIII levam os turistas a desejar mergulhar no mundo convidativo do

mar, das baías e das praias desertas. Os relatos românticos de escritores também perseguem o mesmo fio condutor. Penso que aqui Wambach retoma o colorido nebuloso dos arquiconhecidos William Blake, John S. Cotman, Peter de Wint e John Constable, porém valeria destacar o traço de um William Turner, aquele que melhor soube explorar suas possibilidades da aquarela. Não me parece sem sentido ver na imagem do rio-mar de Ariramba o bela escala de amarelo, ocre e laranja de S. Giorgio Maggiore: Early Morning, de 1844, pertencente ao acervo da Tate Galery, em Londres. Antes de parecer um despropósito a muitos, é bom lembrar que Turner produziu cerca de 19.000 aquarelas, o que lhe valeria de antemão o título de maior aquarelista de todos os tempos. Afora isto, é de se notar ainda a influência de Turner sobre muitos

A invenção das praias como lugar onde o homem encontra paz de espírito e se livra da depressão foi mais um passo no sentido da valorização as águas. pintores impressionistas. O interessante que há quem diga a aquarela exerceu tamanha influência sobre Turner a ponto dele experimentar na pintura a óleo as mesmas possibilidades cromáticas, por meio da aplicação de camadas muito finas e sobrepostas, com grande luminosidade. Wambach, que também registraria paisagens a óleo, faria o mesmo com suas praias e panoramas brasileiros. O certo é que, mais do que uma encarnação mitológica do bem ou do mal, o mar que gerava medo e repulsa passou também a apaixonar os turistas. A invenção das praias como lugar onde o homem encontra paz de espírito e se livra da depressão foi mais um passo no sentido da valorização as águas.

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ARTE / HISTÓRIA

Wambach revisita toda essa história colo- se valeria dos borrões para dar o efeito de cando uma personagem feminina sendo antigo, de ruína, na descrição do patrimôacariciada pela brisa da baía do Guajará. nio histórico das cidades que visitava. A obra com escalas de verde, cinza, am- Na imagem da estrada urbana de arelo e ocre. O rio-mar é pintado em sua Belém, o artista centraliza o belo túnel cor barrenta compondo com o cenário de mangueiras, com o bonde elétrico na florístico das praias do Pará – coqueiros e linha esquerda se aproximando de dois ajirus (chysobalanus icaco L), aqui repre- homens passeando entre a sombra das sentado como arbusto de caule ereto en- árvores. Ladeando a estrada, do lado cimado por uma copa que, via de regra, dá esquerdo o parque botânico do Museu frutos carnosos, vermelhos e comestíveis. Emilio Goeldi, com da construção em A terceira obra é a Avenida Independ- azul no estilo das rocinhas belenenses, de ência. Novamente Wambach revolve a modo a caracterizar a morada campestre tradição da aquarela. típica das redondezas Se o assunto era a nada capital do Pará do tureza equatorial, não Wambach seria apontado século XIX e primeiras é sem razão o diálogo décadas do século XX. por alguns críticos como Do lado direito, as cacom John White, artista que em 1550 participou sas de testada pequena o ultimo grande pintor da expedição de Sir viajante europeu a visitar com duas ou três portas Walter Releigth, regisque serviam de coméro Brasil e também o trando a vida, o ambicio a portugueses e liente e os costumes do mais dedicado no registro baneses ou mesmo de Novo Mundo, sendo à classe média da natureza da terra. O moradia mesmo considerado da época. No registro pitoresco da paisagem por alguns como o pai mais profundo dessa da aquarela. Na mesma urbana de Belém, como obra, Wambach dá conlinha, Wambach seria ta que a aquarela esteve no entorno do Museu apontado por alguns longe de representar a Goeldi, retratado na obra simples futilidade, ou críticos como o ultimo grande pintor viajante somente a feminilidade em questão, retomaria europeu a visitar o Braespontânea que havia também outra linhagem lançado inúmeros presil e também o mais dedicado no registro do apuramento técnico da conceitos em relação da natureza da terra. O a essa tradição na viaquarela. pitoresco da paisagem rada do século XIX. Ao urbana de Belém, como mesmo tempo, olhanno entorno do Museu Goeldi, retratado na do essas obras pelo ângulo do presente, obra em questão, retomaria também out- também há que se romper com a pecha ra linhagem do apuramento técnico da de método escolar que os aquarelistas aquarela. Refiro-me aqui ao inglês Alex- ganharam no Brasil. A excelente coleção ander Cozens que, no século XVIII, ajudou que o Museu de Arte de Belém possui da a estabelecer o registro de aquarela como obra de Georges Wambach revela uma um método autônomo e independente, aquarela que deve ser compreendida por difundido em toda a Europa e, por muitos, suas qualidades intrínsecas, como técnireconhecido como a “arte inglesa”. Coz- ca em si mesma, registro de uma época, ens é conhecido como o primeiro grande marca de pintor e arte de todos os tempaisagista inglês. Sua técnica artística, de pos. criar borrões no papel que depois poderiam ser desenvolvidos em paisagens, o coloca para alguns como um precursor do expressionismo abstrato. Wambach

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OBRA: “Avenida Independência” AUTOR: Georges WAMBACH ÉPOCA: 1939 TÉCNICA: aquarela DIMENSÕES:36x62cm ACERVO: Museu de Arte de Belém/MABE TOMBO: 95/1.1/0059

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ARTE / HISTÓRIA

Lúcia Hussak

A VENDEDORA

DE TACACÁ U m quadro exposto no Museu de Arte de Belém, pintado por Antonieta Santos Feio em 1937 e intitulado «Vendedora de Tacacá», mostra uma tacacazeira sentada atrás de uma bancada improvisada, no momento em que acrescenta molho de pimenta ao tacacá. A cozinheira é mestiça, cabocla, e traja uma blusa branca, larga e decorada com rendas, sobre a qual pendem longos colares vermelhos e dourados. Esta vestimenta evoca as roupas do século XIX e o indispensável aparato das conhecidas baianas. Até a década de 1960, o traje das tacacazeiras era semelhante ao das baianas, mas subsiste, hoje, apenas de forma simplificada, nas cidades da ilha de Marajó, próxima à Belém. Na época, os ustensílios e os alimentos já estavam colocados sobre uma mesa que se imagina disposta para os clientes, e em um lugar público, a rua, assinalando que se trata de uma banca, um ponto de venda semipermanente, ou mesmo permanente. No quadro de Santos Feio é possível ver que a tacacazeira se serve de uma comprida bandeja, recoberta de toalhas brancas, para dispor os recipientes que contém os ingredientes, os quais, misturados no momento de servir, permitem a confecção e a apresentação do tacacá: duas grandes panelas de argila, igualmente envoltas por panos brancos e recobertas com pratos de latão, uma contém o tucupi, a outra a goma; uma panelinha para o molho de pimenta; uma grande cuia decorada para acondicionar o sal e pequenas cuias pretas para servir o tacacá. No chão está um cesto para guardar as cuias e uma bacia que serve para lavá -las. Enfim, uma moringa ou talha de argila, para manter a água fresca está depositada no parapeito do muro.

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RELIGIOSIDADE

IMAGENS

DE BELÉM A HISTÓRIA EM IMAGENS DE BELÉM - O ACERVO MODERNISTA DO MABE, FAZ UM RECORTE NA HISTÓRIA DE BELÉM E REVELA uma visão da produção MODERNISTAS de artistas visuais paraenses.

A

s obras destes artistas tem em comum o abandono do academicismo e o gosto pela representação fotografica do mundo que nos rodeia, para ser substitufdo por obras ricas em criatividade, onde a personalidade do artista e refletida com intensidade. Estes artistas, possuem hoje, importancia relevante na Historia da Arte do Pará e suas produces, apresentadas nesta mostra, enriquecem o visitante cognitivamente e propiciam agradáveis momentos de prazer.

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BOLONHA

FRANCISCO BOLONHA

“O arquiteto que revolucionou Belém com elegância e requinte, deixou “ad perpetuam” imagens símbolos da cidade de Belém do Pará”

O

arquiteto que revolucionou Belém com elegância e requinte, deixou “ad perpetuam” a imagem símbolo da cidade que prazerosamente vemos nos cartões postais, onde o perfil do Mercado de Ferro do Peixe, no Ver-o-Peso, serve de moldura para as canoas multicoloridas de nossos caboclos. O Mercado de Ferro do Peixe edificado por Francisco Bolonha era de sua propriedade particular, e a ele devemos a urbanização doVer-o-Peso, que antes era uma doca inexpressiva. Ao regressar da Europa, Bolonha solicitou do governo aquela área, que era um grande lodaçal. Como técnico em hidráulica, drenou o igarapé, urbanizou a área e edificou o mercado, cujas peças foram pré-moldadas em placas de ferro na Inglaterra. Foi então que agitou a cidade com a construção de uma fábrica de gelo na rua Gaspar Viana. Assim introduziu a indústria do frio no Pará. Fornecia gelo aos Pescadores e deles comprava o peixe que revendia ao povo em perfeitas condições. Levou o conforto do gelo a todos os lares, vendendo-o em carrocinhas elegantes puxadas por cavalo, onde se via a inscrição “Gelo Bolonha”. Por onde passavam iam tocando alegremente um pequeno sino, que anunciava o frio saudável, nos dias quentes de nossa cidade.

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Luiz Gastão Castro Lima Bolonha possuía uma posição de real importância em sua classe e na sociedade paraense. Conduzia-se com extrema elegância e seu requinte causavam impacto nas reuniões que promovia em seu Palacete na estrada de São Jeronimo. Aos domingos reunia as crianças, e costumava presenteá-las com brinquedos caros, pois sempre teve muita ternura pela infância. Gostava de mágica, e tinha muitos aparatos e livros estrangeiros sobre esse assunto. Talvez

O Mercado de Ferro do Peixe edificado por Francisco Bolonha era de sua propriedade particular, e a ele devemos a urbanização do Ver-o-Peso, que antes era uma doca inexpressiva. isso Ihe fosse um lenitivo pelo fato de não ter filhos. Construiu também uma “montanha russa” a Trav. Piedade, que ia quase a Praça da República, ganhando muito dinheiro, e divertindo o povo. Bolonha gostava de vestir-se de branco, aliás era moda naquele tempo, e costumava andar de bonde, apesar de ter comprado automóvel, assim que estes chegaram a Belém. O carro era para sua esposa, e tinha motorista como também a senhora Bolonha

dispunha em casa de modista exclusiva para a confecção de seus vestidos. Dona AliceTem-Brinck, a esposa, era pianista de raros méritos, reunindo em seus concertos, a elite de Belém. INFÂNCIA EVIDA O arquiteto Francisco Bolonha viveu sua infância na estrada de Nazaré, esquina com a Rua Assis de Vasconcelos, onde hoje funcionou o Grupo Escolar “Floriano Peixoto” e atualmente funciona a Casa da Linguagem. Lá era a residência de seus pais, Coronel Francisco Bolonha e D. Henriqueta Bolonha. Perdeu a mãe muito cedo, tragicamente, a bordo de um transatlântico em uma das muitas viagens que fez a Europa. Seu pai contraiu segundas núpcias com D. Augusta de Paiva, de ilustre família paraense, que Ihe deu mais dois irmãos: Julieta e Benjamim. De D. Julieta veio a sobrinha que tanto amou, D. Elza de Campos Soares, sua filha adotiva, para quem legou a maior parte de sua herança. (Criou ainda uma menina chamada Nair, que tinha 13 anos por ocasião de sua morte, e mereceu dele um dote de 3 casas naVila Bolonha). Foi no Colégio Americano, do Professor José Verissimo que Francisco Bolonha estudou as primeiras letras, aplicando-se especialmente às ciências. Muito cedo revelou seu interesse pelas coisas de bom gosto, especialmente as


artes, mostrando a extraordinária inteligência que mais tarde deixaria em Belém a marca indelével de sua passagem. Continuou seus estudos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro onde diplomou-se e granjeou a admiração e o respeito de colegas e mestres, tornando-se um dos grandes vultos da engenharia nacional. Viajou para Paris, onde visitou a grande exposição de 1900, deslumbrando-se com a revolução industrial e a vista da torre queGeorge Eiffel construiu para a mesma, e dele tornando-se amigo, abeberando-se de novas técnicas, empolgando-se com cristais e metais que traria para enriquecer os palacetes que construiu em Belém do Pará. Ao retornar a Belém trazia a esposa, a carioca Alice Tem-Brink, para quem construiu o famoso Palacete Bolonha, que é um hino de amor à notável pianis-

Viajou para Paris, onde visitou a grande exposição de 1900, deslumbrando-se com a revolução industrial e a vista da torre que George Eiffel construiu para a mesma, e dele tornando-se amigo, abeberando-se de novas técnicas, empolgando-se com cristais e metais que traria para enriquecer os palacetes que construiu em Belém do Pará ta que desposou. O GovernadorAugusto Montenegro chamou-o para construir dois mercados, sendo o de Ferro da Carne no Ver -o-Peso, e o de São Brás, ornado com colunas laterais que dão ao conjunto agradável aspecto e elegância. O Mercado de Ferro da Carne é uma obra preciosa com art-noveau bem marcado em seus magníficos gradis de ferro fundido e azulejos feitos na Inglaterra. Foi um dos grandes animadores da Escola de Engenharia do Pará onde devotou-se ao magistério superior, legando a mesma toda a sua preciosa biblioteca e uma escultura em bronze de grande valor. Belém de Todas as Épocas 219


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“O arquiteto que revolucionou Belém com elegância e requinte, deixou “ad perpetuam” imagens símbolos da cidade de Belém do Pará”. Todos os que visitam o Ver-o -Peso contemplam o espírito arrojado de Bolonha materializado no lindo Mercado de Ferro do Peixe que um dia fora uma de suas fontes de renda, desapropriado na 1ª Interventoria de Magalhaes Barata.

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arquiteto que revolucionou Belém com elegância e requinte, deixou “ad perpetuam” a imagem símbolo da cidade que prazerosamente vemos nos cartões postais, onde o perfil do Mercado de Ferro do Peixe, no Ver-o -Peso, serve de moldura para as canoas multicoloridas de nossos caboclos. O Mercado de Ferro do Peixe edificado por Francisco Bolonha era de sua propriedade particular, e a ele devemos a urbanização do Ver-o-Peso, que antes era uma doca inexpressiva. Ao regressar da Europa, Bolonha solicitou do governo aquela área, que era um grande lodaçal. Como técnico em hidráulica, drenou o igarapé, urbanizou a área e edificou o mercado, cujas peças foram pré-moldadas em placas de ferro na Inglaterra. Foi então que agitou a cidade com a construção de uma fábrica de gelo na rua Gaspar Viana. Assim introduziu a indústria do frio no Pará. Fornecia gelo aos Pescadores e deles comprava o peixe que revendia ao povo em perfeitas condições. Levou o conforto do gelo a todos os lares, vendendo-o em carrocinhas elegantes puxadas por cavalo, onde se via a inscrição “Gelo Bolonha”. Por onde passavam iam tocando alegremente um pequeno sino, que anunciava o frio saudável, nos dias quentes de nossa cidade. Bolonha possuía uma posição de real importância em sua classe e na sociedade paraense. Conduzia-se com extrema elegância e seu requinte causavam impacto nas reuniões que promovia em seu Palacete na estrada de São Jeronimo. Aos domingos reunia as crianças, e costumava presenteá-las com brinquedos caros, pois sempre teve muita ternura pela infância. Gostava de mágica, e tinha muitos aparatos e livros estrangeiros sobre esse assunto. Talvez isso Ihe fosse um lenitivo pelo fato de não ter filhos. Construiu também uma “montanha russa” a Trav. Piedade, que ia quase a Praça da República, ganhando muito dinheiro, e divertindo o povo.

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Bolonha gostava de vestir-se de branco, aliás era moda naquele tempo, e costumava andar de bonde, apesar de ter comprado automóvel, assim que estes chegaram a Belém. O carro era para sua esposa, e tinha motorista como também a senhora Bolonha dispunha em casa de modista exclusiva para a confecção de seus vestidos. DonaAliceTem-Brinck, a esposa, era pianista de raros méritos, reunindo em seus concertos, a elite de Belém. INFÂNCIA EVIDA O arquiteto Francisco Bolonha viveu sua infância na estrada de Nazaré, esquina com a Rua Assis de Vasconcelos, onde hoje funcionou o Grupo Escolar “Floriano Peixoto” e atualmente funciona a Casa da Linguagem. Lá era a residência de seus pais, Coronel Francisco Bolonha e D. Henriqueta Bolonha. Perdeu a mãe muito cedo, tragicamente, a bordo de um transatlântico em uma das muitas viagens que fez a Europa. Seu pai contraiu segundas núpcias com D. Augusta de Paiva, de ilustre família paraense, que Ihe deu mais dois irmãos: Julieta e Benjamim. De D. Julieta veio a sobrinha que tanto amou, D. Elza de Campos Soares, sua filha adotiva, para quem legou a maior parte de sua herança. (Criou ainda uma menina chamada Nair, que tinha 13 anos por ocasião de sua morte, e mereceu dele um dote de 3 casas na Vila Bolonha).

Bolonha dedicou a sua terra natal toda uma vida de trabalhos profícuos. Ele que tivera tantas oportunidades de vencer facilmente no exterior e no sul do país — preferiu aqui plantar suas raízes, e deixar para a posteridade, todo o testemunho de seu amor ao Pará e a cidade onde nasceu.


Entre os anos de 1903 e 1904 Francisco Bolonha edificou para o Sr. José Júlio de Andrade, na esquina da Av. São Jeronimo, hoje Av. Gov. Jose Malcher, com a Joaquim Nabuco, um rico palacete, que se caracteriza pelas linhas verticais de extraordinária elegância. Belém de Todas as Épocas 223


BOLONHA

PALACETE BOLONHA

Ao retornar a Belém, Francisco Bolonha trazia a esposa, a carioca Alice Tem-Brink, para quem construiu o famoso Palacete Bolonha que é um hino de amor à notável pianista.

A

o retornar a Belém trazia a esposa, a carioca Alice Tem-Brink, para quem construiu o famoso Palacete Bolonha, que é um hino de amor à notável pianista que desposou. O Palacete é cheio de intenções, as mais adoráveis possíveis, e surpreende sempre a cada compartimento que se olhe, desde a concha acústica, o magnífico piso da sala de música, as mansardas enriquecidas com metais e ardósias coloridas. Ao Palacete segue-se a vila que vai desde a rua Dr. Morais projetando-se em suave declive que se abre em Y, saindo o lado direito para a travessa Benjamin Constant, dando continuidade a rua Boaventura da Silva (o Palacete da esquina, onde funcionou outrora a SPVEA, foi demolido, e em seu lugar surge nova construção, prejudicando a harmonia do conjunto arquitetônico que é esplêndido) e pelo lado esquerdo, iria ter com a Tv. Piedade, porém o seu plano não chegou a ser concluído. As casas da Vila lembram muito o estilo das construções inglesas, e são tão ricas em seus detalhes quanto ao Palacete Bolonha. O calçamento em paralelepípedos em espinhas de peixe ainda perdura. A vila Bolonha é o único lugar 224 Belém de Todas as Épocas

de Belém que possui o nome do ilustre arquiteto e algumas de suas casas são habitadas pelos descendentes, e pessoas que mereceram a estima de Bolonha. O aspecto visual externo do Palacete Bolonha é interessante porque ele é, na realidade, um palacete francês fortemente influenciado pela época das grandes exposições industrias europeias. O período eclético da arquitetura francesa faz-se notar especialmente na mistura que se vê do barroco puxado ao rococó largamente aplicado nos exteriores do prédio. O decorativismo do Palacete Bolonha é bastante pesado, bastante grande, intenso, e tem uma cobertura à la Mansard com telhas pintadas propositadamente para dar um jogo visual à distância. O colorido vermelho e marrom nas ardósias cinzentas lembra muito os palácios franceses, as construções dos boulevards mais antigos de Paris, embora as agulhas do teto sejam características do fim do século que teve uma influência gótica. Alguns arquitetos franceses adotaram o gótico como arquitetura de libertação, de verdade de forma, espiritual, ascendente ao mesmo tempo com um deco-


rativismo misto, eclético onde se nota elementos neoclássicos e elementos artnouveau. Francisco Bolonha não se preocupou em seguir um estilo ao edificar seu palacete; ele aplicou o ecletismo que aprendeu na Europa, evidentemente adequando-o às suas necessidades. O porão e as grades são bastante artnoveau, como também o é o revestimento floral exteriores e os portais do 1.° piso embora com elementos ecléticos, neoclássicos que se nota em todas as estruturas decorativas. O Palacete Bolonha é um “Kitsch” de

bom gosto. O “Kitsch” obedece a vários princípios sendo o principal deles o da inadequação. A medida que vão passando os períodos históricos o acúmulo de conhecimentos faz com que de um determinado período para diante comece a haver mistura de conceitos e ideias. Surgem então as edificações misturando elementos decorativos diferentes. Notamos uma estrutura de inadequação quando acontece a conjunção de elementos de épocas diferentes. Belém de Todas as Épocas 225


Bolonha foi capaz de fugir de um padrão. Embora tivesse o barroco português na sua frente ele não se preocupou em seguir esse estilo. Ele aplicou o ecletismo que aprendeu na Europa e evidentemente adaptou o palacete às suas necessidades de trabalho.

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Fotos: Adriana Lima

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o retornar a Belém trazia a esposa, a carioca Alice Tem-Brink, para quem construiu o famoso Palacete Bolonha, que é um hino de amor à notável pianista que desposou. O Palacete é cheio de intenções, as mais adoráveis possíveis, e surpreende sempre a cada compartimento que se olhe, desde a concha acústica, o magnífico piso da sala de música, as mansardas enriquecidas com metais e ardósias coloridas. Ao Palacete segue-se a vila que vai desde a rua Dr. Morais projetando-se em suave declive que se abre em Y, saindo o lado direito para a travessa Benjamin Constant, dando continuidade a rua Boaventura da Silva (o Palacete da esquina, onde funcionou 228 Belém de Todas as Épocas

outrora a SPVEA, foi demolido, e em seu lugar surge nova construção, prejudicando a harmonia do conjunto arquitetônico que é esplêndido) e pelo lado esquerdo, iria ter com a Tv. Piedade, porém o seu plano não chegou a ser concluído. As casas da Vila lembram muito o estilo das construções inglesas, e são tão ricas em seus detalhes quanto ao Palacete Bolonha. O calçamento em paralelepípedos em espinhas de peixe ainda perdura. A vila Bolonha é o único lugar de Belém que possui o nome do ilustre arquiteto e algumas de suas casas são habitadas pelos descendentes, e pessoas que mereceram a estima de Bolonha. O aspecto visual externo do Palacete Bolonha é interessante porque ele é, na realidade, um palacete fran-

cês fortemente influenciado pela época das grandes exposições industrias europeias. O período eclético da arquitetura francesa faz-se notar especialmente na mistura que se vê do barroco puxado ao rococó largamente aplicado nos exteriores do prédio. O decorativismo do Palacete Bolonha é bastante pesado, bastante grande, intenso, e tem uma cobertura à la Mansard com telhas pintadas propositadamente para dar um jogo visual à distância. O colorido vermelho e marrom nas ardósias cinzentas lembra muito os palácios franceses, as construções dos boulevards mais antigos de Paris, embora as agulhas do teto sejam características do fim do século


que teve uma influência gótica. Alguns arquitetos franceses adotaram o gótico como arquitetura de libertação, de verdade de forma, espiritual, ascendente ao mesmo tempo com um decorativismo misto, eclético onde se nota elementos neoclássicos e elementos art-nouveau. Francisco Bolonha não se preocupou em seguir um estilo ao edificar seu palacete; ele aplicou o ecletismo que aprendeu na Europa, evidentemente adequando-o às suas necessidades. O porão e as grades são bastante art-noveau, como também o é o revestimento floral exteriores e os portais do 1.° piso embora com elementos ecléticos, neoclássicos que se nota em todas as estruturas decora-

tivas. O Palacete Bolonha é um “Kitsch” de bom gosto. O “Kitsch” obedece a vários princípios sendo o principal deles o da inadequação. A medida que vão passando os períodos históricos o acúmulo de conhecimentos faz com que de um determinado período para diante comece a haver mistura de conceitos e ideias. Surgem então as edificações misturando elementos decorativos diferentes. Notamos uma estrutura de inadequação quando acontece a conjunção de elementos de épocas diferentes. Essa inadequação no Palacete Bolonha é extremamente alegre, des-

contraída e criativa. Bolonha foi capaz de fugir de um padrão. Embora tivesse o barroco português na sua frente ele não se preocupou em seguir esse estilo. Ele aplicou como já foi dito o ecletismo que aprendeu na Europa e evidentemente adaptou o palacete às suas necessidades de trabalho. O sistema de ventilação do palacete é fantasticamente bem feito, com a escada em espiral que é uma verdadeira chaminé de ventilação. O Palacete Bolonha tem aspecto estruturais e arquitetônicos que são muito verdadeiros, muito válidos, e seriam válidos em qualquer Belém de Todas as Épocas 229


BOLONHA

No 2.° piso do Palacete Bolonha encontra-se o banheiro principal, que tem ferragens inglesas magnificas, uma banheira linda, que ele enclausurou num bloco de mármore neo-classico fazendo um box de chuveiro e ducha, como se fosse até uma capelinha. Então todas aquelas louças e ferragens ficam escondidas inadequadamente numa colocação que é bastante clássica. O box foi um conceito válido. Ele percebeu que o box deveria ser fechado para não molhar o banheiro. Claro que Bolonha não poderia ainda ter sentido essa revelação, essa nova proposta formal que da a civilização industrial. Em outras casas as duchas circulares são expostas, então a agua espaIha-se pelo banheiro e molha tudo. Não existia ralo, e a água nesse tempo tinha que ser retirada na base do rodo e do pano molhado. No Palacete Bolonha o arquiteto conciliou duas coisas inconciliáveis: O sistema mecânico já da era industrial com o sistema pré-industrial de mármores decorados. O banheiro de Bolonha, com seu piso de mármore branco e preto, e muito elegante. Alias o arquiteto foi variando os pisos no Palacete usando pastilhas azul e branco, rosa e branco, e só usou madeira acapu e pau amarelo nos aposentos de dormir do 3.° piso. No 2.° piso esta situado a sala de costura de Bolonha, que e bem eclética, e não tem características definidas. Ela faz jogo com o hall de entrada, menos art-noveau que este, no entanto. Chama a atenção o fato de a decoração ir se tornando mais leve, medida que se vai subindo no Palacete, o que mostra o quanto Francisco Bolonha era um homem simples. Ainda no 2.° piso ha uma salinha com a mesma decoração lin230 Belém de Todas as Épocas

díssima da sala de costura, um amplo aposento de frente (que foi outrora quarto de hospedes) bem neoclássico em seu aspecto e ainda contigua a este uma saleta que faz vista para a Governador Jose Malcher. Ai no 2.° piso terminava a magnifica escada de marmore com leões que vinha desde o térreo (Hoje não existe. Resta somente o acabamento superior que ficava no 2.° andar, colocado a cada lado do balcão da sala de banquete).

O banheiro principal, tem ferragens inglesas magnificas, uma banheira linda, que ele enclausurou num bloco de mármore neo-classico fazendo um box de chuveiro e ducha, como se fosse até uma capelinha.


Fotos: Adriana Lima

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Fotos: Adriana Lima

O Palacete é cheio de intenções, as mais adoráveis possíveis, e surpreende sempre a cada compartimento que se olhe, desde a concha acústica, o magnífico piso da sala de música, as mansardas enriquecidas com metais e ardósias coloridas.

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época. Na fachada tem estátuas nichadas (que se encontra no neoclássico e no art-nouveau) com motivos de flores locais. O hall de entrada que é eclético no sentido de misturar coisas, combina a decoração floreal com elementos neoclássicos tais como medalhões, molduras e capiteis. Ve-se a mistura de folha de acanto com flora local. Nos compartimentos do 1.° piso sente-se as duas influencias: a do art-nouveau e a do neo-clássico. Na sala de música por exemplo tem motivos alegóricos que representam a música, de características bastante acentuadas do fim do século XX, meio acadêmicas com capiteis coríntios e acabamento bem pesado que lembra muito o rococó, molduras, capiteis, e moldura de forro francês. Vê-se também medalhões, folhas de acanto com flora local. 234 Belém de Todas as Épocas

Dai, passados para a sala de banquete que tem uma severidade absoluta com um carregamento rebuscado de decoração neoclássica. A sala de jantar tem características de art-noveau no piso e algum sistema decorativo. É um aposento bem característico de um aspecto singelo da casa. A casa tem aspectos mais singelos e mais complexos. Este aposento e de uma singeleza muito grande. Todo branco com iniciais FB, em ouro nos azulejos da parede. E o aposento mais adequado, (ele não é “Kitsch”. “Kitsch” é o conjunto do prédio) e tem influencia bastante grande do art-noveau no piso com aqueles ladrilhos em motivos de campanulas e no teto com motivos floreais em ouro nos desenhos que Francisco Bolonha mandou executar na Europa. Ai tem também molduras de influência grega. No primeiro piso fica ainda o “lavabo” totalmente revestido de azulejos magníficos onde Bolonha

usou como motivo as famosas rosas de-todo-ano do Pará (que dão felicidade) e o piso antiderrapante de cristal. (Hoje esta desfigurado com uma escada de madeira grotesca que substitui a linda escada de ferro batido que tinha as iniciais em ouro de Francisco Bolonha). Ainda no 1.° piso esta situado o banheiro social, com louca e torneiras inglesas, mas com azulejos de flora local, com figurações de água pés, libélulas e gaivotas da Amazônia. É muito criativo e adequado usar flor de água no banheiro. Aí Bolonha mantem ainda o piso artnoveau. Como ilustração vale dizer que o banheiro é sempre uma peça complicada, porque só no século XIX passou para o interior da casa. Antes existiam nos exteriores por causa das instalações de agua e esgoto. Só com o advento da industrialização o banheiro foi incorporado a casa, como a cozinha também. Nota-se nos banheiros


Fotos: Adriana Lima

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BOLONHA

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MERCADO MUNICIPAL

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m dos cenários da “Belle Époque” de Belém, o Mercado Municipal Francisco Bolonha, construído ainda na intendência de Antônio Lemos, em 1908. O prédio de estilo neoclássico, dentro de uma área de mais de cinco mil metros quadrados, ganhou seus ares de Art Noveau em sua primeira reforma, iniciada em março de 1904 pelo engenheiro Francisco Bolonha que também investiu recursos próprios na obra, ganhando o direito de exploração comercial do espaço por um período de trinta anos.Em 17 de dezembro de 1908, a reforma foi concluída e o prédio foi entregue ao público, adaptado ao formato eclético. Para justificar a primeira reforma, a intendência de Lemos registra em seus relatórios anuais que o mercado não atendia às necessidades da população e não correspondia às expectativas de uma cidade como Belém, que se modernizava rapidamente e ganhava ares de metrópole ao molde europeu. Por isso a necessidade da ampliação e adequação do mercado, imprimindo-lhe um ar moderno, harmonioso e adequado aos padrões de higiene e arquitetônicos vigentes na época. A história do Mercado Bolonha resgata um pouco da história de Belém, em especial dos componentes da arquitetura que marcaram a Belém do rico Ciclo da Borracha, que tentava reproduzir cenários europeus em terras amazônicas.

Album do Pará Illustrado - 1910

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BOLONHA

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Fotos: Adriana Lima

A história do Mercado Bolonha resgata um pouco da história de Belém, em especial dos componentes da arquitetura que marcaram a Belém do rico Ciclo da Borracha que tentava reproduzir cenários europeus em terras amazônicas.

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BOLONHA

1899

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O COMEÇO

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A história do Mercado de Carne tem início bem antes de sua própria construção, em meados do século XVIII. Quando a cidade passa pelo primeiro grande surto de desenvolvimento sob a égide do Primeiro-Ministro português, Marquês de Pombal, e seu irmão Mendonça Furtado, Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, na segunda metade do século XVIII. A política pombalina buscava aumentar o controle e a racionalização da exploração da mão-de-obra indígena, da terra e do comércio. Antes de ser Mercado Municipal de Carne, existiu, nos primórdios da cidade, um largo, uma porção de terra que avançava em direção ao Rio Pará, que se localizava entre a Fortaleza de São Pedro Nolasco e o Forte do Presépio. Neste local era o Pelourinho da cidade. Praticamente um século mais tarde, toda esta área de orla passou novamente por profundas transformações que mudaram sua paisagem, principalmente os aterramentos na orla e áreas alagadiças, permitindo o crescimento da cidade de forma mais coesa. É justamente nesta área com vocação comercial, que o Mercado de Municipal será erguido no século seguinte, em 1867. O abastecimento de carne na região sempre foi uma preocupação dos gestores de Belém. Seja no período do Brasil Colônia (1616 – 1808), da Corte no Brasil (18081822), no Império (1822-1889) ou da República (a partir de 1889). As queixas dos moradores, notícias de jornal ou relatórios de governos sempre chamaram a atenção para a falta de abastecimento do mercado local com o gênero alimentício, que piorava com as enchentes da região. Belém de Todas as Épocas 241


BOLONHA

Desenho da “Praça do Pelourinho” – Observar o barraqueamento destinado às vendas de frutas, hortaliças, legumes etc.. Neste lugar, hoje, está o Mercado Municipal de Belém [Conhecido como Mercado de Carne]. Veja-se o “pelourinho” ao centro e a visão paisagística do desenho, mostrando pedestres, militares, sacerdotes, a praia e o rio com suas embarcações. Desenho da Coleção Alexandre Rodrigues Ferreira. Biblioteca Nacional do Brasil.

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MERCADO MUNICIPAL No final do século XIX, com o agra- dão ao conjunto agradável aspecto vamento da crise no abastecimento e elegância. de carne gerada pelo crescimento O Mercado de Ferro da Carne é populacional e do espaço urbauma obra preciosa com art-noveau no da cidade de Belém, o poder bem marcado em seus magníficos público se vê diante do desafio de azulejos e gradis de ferro fundido sistematizar, regularizar e admifeitos na Inglaterra fabricados pela nistrar o consumo de carne dando empresa M. MACFARLANE & C. como solução a ampliação e mo- GLASGOW, a mesma empresa que dernização do Mercado Municipal fabricou as peças do Mercado de e a construção do Matadouro do Ferro do Peixe, do Relógio da PraMaguari. ça, do Paris N’América e outros. O Mercado Municipal contava apenas com o andar térreo, abrigando uma variedade de empórios. O Mercado de Ferro ainda não existia. Apenas o prédio conhecido por Solar da Beira, antigo prédio da Recebedoria de Rendas. O Governador Augusto Montenegro chamou-o para construir dois mercados, sendo o de Ferro da Carne no Ver-o-Peso, e o de S. Braz, ornado com colunas laterais que Belém de Todas as Épocas 243


BOLONHA

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Duas fábricas de gelo, abasteciam a cidade e os navios. Uma delas, a dos Snrs. Bolonha e Cia, produzia mais de cinco toneladas por dia.

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Em dezembro de 1904, já na administração do Dr. Augusto Montenegro, começaram os trabalhos preliminares da montagem do reservatório “Paes de Carvalho’ (este era o nome da Caixa d’agua) e dele dizia em 1908 o governador paraense em sua mensagem dirigida ao Congresso Legislativo : “Tem a forma esbelta dos altos pilares preconizados por George Eiffel na construção dos grandes viadutos e na edificação da sua célebre torre de 300 metros de altura. “Coube ao engenheiro Inocêncio Holanda de Lima a organização do orçamento e planos de construção, ficando o Dr. Francisco Bolonha na direção do serviço de acordo com o determinado na portaria nº 1.047, de 25 de outubro de 1904: porém, somente a 30 de julho de 1912 foi o reservatório inaugurado porque apresentava “alguma falha de fundição”. Apesar de todos os esforços empregados para o eficiente funcionamento do Reservatório “Paes de Carvalho”, nem sempre foi possível colher resultados satisfatórios. “Algumas das principais peças de encanamento vieram da Europa, tendo o Dr. Montenegro encomendado aos fabricantes Walter Macfarlane & Cia., da Inglaterra, um gradil com um portão monumental — o que daria ao conjunto aspecto mais atraente e grandioso”. (Hoje o portão e gradil estão no palacete residencial do Governador, a Av. Independência. As dificuldades causadas pela 1ª Guerra relegaram o reservatório “Paes de Carvalho” a segundo plano. Durante muito tempo ficou abandonado ate que as “condições gerais do reservatório ficaram muito precárias”. Constatara-se que em mais de 1700 pontes a estrutura do suporte, desde a base, do solo ate a plataforma principal, estava oxidada sendo que centenas daqueles pontos representavam deterioração extensa (of. Nº 72 do Dr. Augusto Meira Filho, Diretor do Serviço de Água ao Interventor Federal no Estado). E por tudo isso a velha e memorável caixa d’agua foi demolida, desaparecendo mais um aspecto do perfil de Belém que Bolonha traçara.

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pavilhão da vesta

Em comemoração aos 400 Anos de Belém, o site Cultura Pará resolveu fazer uma homenagem à cidade com textos poéticos de 22 escritores que fazem parte atualmente do projeto, em uma publicação virtual e posteriormente em uma edição impressa, intitulada “Belém 400 Anos”

N

o período imperial foi construído no centro do Largo de Nazaré o Pavilhão da Flora, onde eram exibidos grupos artísticos nos festejos nazarenos, e por causa de uma dessas exibições, surgiu uma desavença entre a Igreja e a diretoria da festa e como consequência disso, nos anos de 1878 e 1879 ocorreram dois círios civis, sem a participação da festa. No governo de José Coelho da Gama e Abreu foi mandado edificar no lugar do Pavilhão da Flora, um outro Pavilhão, o da Vesta. Durante a administração de Antonio Lemos, foram erguidos nos quatro cantos do largo, quatro coretos, destinado às saudosas retretas. No coreto da praça também eram desenvolvidas várias programações como luta, circo, e bandas de música antiga que tocavam para animar o povo paraense. No final dos anos 60 o Pavilhão da Vesta tombou e no início dos anos 70 o prefeito da época, Mauro Porto, decidiu fazer modificações na praça e dentro do projete determinou que os coretos fossem demolidos. LARGOS, CORETOS E PRAÇAS DE BELÉM publicado no VI FIPED via FAU/ufpa

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Largo de Nazaré em 1899. Fotografia: Felipe Fidanza. Belém de Todas as Épocas 253


PRAÇAS

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Balões levitando a infância presa nas pontas dos dedos, girando nos cavalinhos girando a roda gigante girândolas cataventos samaumeiras altivas zelando a quadra festiva: flocos nos rumos dos ventos. Na Barraca Soberano, gente com mesa cativa. Mudobim com chocolate e doce de gergelim no clipper, prédio feioso nos tempos do zepelim.

LARGO DE NAZARÉ

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Dos coretos confeitados à luz viva do arraial nas festas da padroeira. Do carrossel, dos brinquedos feitos à mão, de madeira e alegria artesanal.

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NO ARRAIAL DE NAZARÉ

Carrossel da memória: o largo-outrora rouco motor a lenha e o canto arfado pisam no adulto o corpo do menino entre as ferragens recriando a infância. Era negro o cavalo que eu montava entre leões e zebras rodopiando. Hoje é ternura- o sêmen da saudadetatuagem na pele que ainda queima. Este sino que tange me antardece e me faz respirar os velhos dias: a procissão, a roupa nova, os fogos e o infante que sequer advinhava que iria cavalgar nos anos vindos um centauro de fogo e solidão.

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PRAÇA DA REPÚBLICA

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Entre os anos de 1903 e 1904 Francisco Bolonha edificou para o Sr. José Júlio de Andrade, na esquina da Av. São Jeronimo, hoje Av. Gov. Jose Malcher, com a Joaquim Nabuco, um rico palacete, que se caracteriza pelas linhas verticais de extraordinária elegância.

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TRANSWAYS

THEATRO DA PAZ

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Após a remodelação feita em 1905, no governo de Augusto Montenegro, além de outras modificações, o teatro teve a frontaria recuada, deixando a terrasse descoberta. Também reduziu-se para seis o número de colunas que ficaram sobrepostas à fachada.

O

Serviço de Tramway em Belém era muito bem feito e por tração elétrica. Carros espaçosos e grandes, de construção americana, eram eles divididos em 1ª e 2 ª classe e bagageiros – A passagem era cobrada por seções cujo preço de cada uma era de 120 réis em 1ª e 100 réis em 2ª classe e bagageiro. Os tramways, conhecidos como bondes ou bondinhos, percorriam as seguintes linhas: São Matheus (atual Padre Eutíquio), Bagé, Serzedello Corrêa, Jurunas, percorrendo apenas uma seção. Estrada de Nazaré, São Jerônimo (José Malcher), Ruy Barbosa e Curro duas seções; São Brás, Santa Izabel e Usina de Cremação, três seções. Circular (interno) e Circular (externo), quatro seções. Souza, cinco seções. Todos esses nomes estavam escritos nas respectivas taboletas dos tramways indicando o destino de cada um deles. Os tramways só paravam para receber ou deixar passageiros nos lugares marcados por postes pintados de vermelho: não era permitido embarcar ou desembarcar na entrelinha. O uniforme dos motorneiros e condutores e a atitude destes empregados dos tramways ofereciam aos passageiros um aspecto de urbanidade e correção. O serviço era bem feito, repetimos porque havia grande quantidade de veículos, cuja rapidez não permitia perderse tempo. Belém de Todas as Épocas 261


O GRANDE

HOTEL 262 Belém de Todas as Épocas


“Imagine-se agora, na rua do lado ocidental do Theatro da Paz, no mesmo Largo da Pólvora (Praça da Repúlica), um edifício de quatro andares, o piso inferior abrindo-se em portas envidraçadas, os balcões da janelas superiores em ordenação clássica, culminando, de ambos os lados de um frontão central, em mansardas semelhantes às dos prédios da Rue de Tivoli, em Paris, ponhamse-lhe em sua calçada fronteira, com as respectivas cadeiras portáteis, mais de uma dezena de mesinhas de tampo circular de pedra, cada qual cercado por aro protetor de metal amarelo, e teremos o Grande Hotel e sua terrace, quarto ícone urbano, construído no fim do século, e que, ainda sólido e em condições de funcionamento, na mesma década de 1970, quando o arraial de Nazaré acabou, a especulação imobiliária suprimiu da paisagem urbana”. Benedito Nunes & Milton Hatoum – Crônica de duas cidades (2004) Imagem e texto retirados do site Fragmentos de Belém via Blog da FAU. Belém de Todas as Épocas 263


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TRANSWAYS

INSTITUTO

LAURO SODRÉ

O

Instituto Lauro Sodré foi fundado ha 33 annos pelo conselheiro João Alfredo, e já no primeiro anuo de funccionamento, pelo excesso da renda sobre a despeza (sendo a primeira de 15 contos e a segunda de 7 contos de réis), o Instituto demonstrava a sua utilidade e valor pratico. Tendo passado por diversas modificações, e sempre a progredir, foi elle installado na administração do Dr. Paes de Carvalho em um soberbo edifício, que actualménte se levanta 110 Marco da Légua, tendo recebido o nome do político paraense, que ainda conserva. O Instituto Lauro Sodré E’ um instituto profissional destinado a trezentos alumnos, comprehendendo, além do indispensável cultivo intellectual e physico, ministrado em aulas primarias, o estudo de desenho, musica, gymnastica, chimica e physica, e o ensino profissional dado nas officinas de sapateiro, funileiro, marceneiro, alfaiate, ferreiro, typographo e encadernador. Sabiamente administrado, o Instituto é hoje fonte de renda para o Estado. Lá se fazem todas as roupas para os próprios aluirmos, para os presos da cadeia, fardamentos para o regimento policial e ainda roupas para particulares. Todas as encadernações e muitas impressões do Estado são lá feitas, além do mobiliário para as escolas e obras diversas, de enco-

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Entre os anos de 1903 e 1904 Francisco Bolonha edificou para o Sr. José Júlio de Andrade, na esquina da Av. São Jeronimo, hoje Av. Gov. Jose Malcher, com a Joaquim Nabuco, um rico palacete, que se caracteriza pelas linhas verticais de extraordinária elegância.

menda, para particulares, calçado para o colégio e regimento, e obras de ferreiro e serralheiro para os diversos estabelecimentos mantidos pelo governo, etc. As oficinas possuem 93, maquinas auxiliares, ultimamente instaladas por ordem do Dr. Montenegro, governador, que parece conservar a tradição paraense de amor á prosperidade daquela instituição. O diretor do Instituto não se achava então presente, mas o seu substituto, o Sr. Lima Guedes, guiou-nos nessa visita, dando-nos oportunidade de admirar o grande interesse que toma pela casa, para cujo engrandecimento muito tem concorrido. E’ uma instituição muito digna de ser imitada no sul do Brasil, onde o ensino profissional vai sendo avassalado pelos salesianos. Temos no Rio, na Bahia e em São Paulo lyceus de artes e oficios, mas os dos salesianos estão se multiplicando muito mais do que os de iniciativa dos governos e não de leigos. Pode-se dizer que o serviço profissional no sul está quase todo em mãos de estrangeiros, pelo menos em S. Paulo.

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TRANSWAYS

ASYLO DA

MENDICIDADE

O

Asylo de Mendicidade estava situado na Av. Tito Franco, hoje Almirante Barroso, perto de uma das primeiras estações da estrada de ferro de Bragança, em meio de uma zona agreste, que indicava o bom gosto de quem fez a escolha do local pois era destinado para os inválidos da sociedade. A construção era simples como convém a um estabelecimento desta natureza, mas a divisão interna é comoda e consta de três grandes secções longitudinais. Nas duas laterais ficam os asilados, e na central a capela, a farmácia e as dependências da administração. Ha certo luxo, contrastando com seus fins, na escolha da mobília, e um asseio rigoroso, que dá boa nota da sua administração. Todos os corredores e passadiços são ladrilhados, todo o edifício iluminado a luz elétrica. Anexas ao asilo existem diferentes oficinas destinadas a dar trabalho aos recolhidos. Fica a um lado a residência principesca do capelão, num elegante chalet e, junto deste, projeta-se um outro chalet para residência do medico. O asilo é um dos motivos de orgulho da administração Lemos, na intendência municipal. Com efeito, o Asylo de Mendicidade do Pará é incontestavelmente o melhor do Brazil. Lá não é grande desgraça ser mendigo, -porque o mais que pode acon268 Belém de Todas as Épocas


Entre os anos de 1903 e 1904 Francisco Bolonha edificou para o Sr. José Júlio de Andrade, na esquina da Av. São Jeronimo, hoje Av. Gov. Jose Malcher, com a Joaquim Nabuco, um rico palacete, que se caracteriza pelas linhas verticais de extraordinária elegância.

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REPÚBLICA

Abertura dos Portos

NAVEGAÇÃO A VAPOR

É necessário ressaltar que um dos fatores que permitiu a dinamização da extração e exportação do látex foi a navegação a vapor implantada no rio Amazonas pelo Barão de Mauá (concessão feita pelo governo federal), em 1853, aliada a imigração da mão-de-obra, particularmente a nordestina, que foi oficialmente incentivada diante dos resultados da seca de 1877, ocorrida no Nordeste. A histórica “escassez” populacional da região, a imensa selva a penetrar para a coleta do látex e outros produtos, bem assim o ritmo da demanda 270 Belém de Todas as Épocas

daquele produto, tornam-se motivos para a vinda de levas consecutivas de migrantes, algumas espontâneas, outras organizadas pelo governo local, estadual e federal, para a Amazônia (SANTOS, 1980:41). No Pará existiam seis linhas de navegação marítima. Fazem as viagens entre este porto e os do sul da República, da Europa e New-York. As Bed Cross e As Both Line, que durante muitos anos fizerem o serviço de transporte dos passageiros e exportadores, foram combatidas em parte pela Ligure Brasiliana, que faz o trajeto do Mediterrâneo. Os vapo-

É necessário ressaltar que um dos fatores que permitiu a dinamização da extração e exportação do látex foi a navegação a vapor implantada no rio Amazonas pelo Barão de Mauá (concessão feita pelo governo federal), em 1853, aliada a imigração da mão-de-obra, particularmente a nordestina, que foi oficialmente incentivada diante dos resultados da seca de 1877, ocorrida no Nordeste.


res desta conceituada companhia são preferidos por todos quantos se destinam a Lisboa, Barcelona, Marselha e Genova. O Lloyd Brasileiro faz as travessias da costa, desde o Rio Janeiro ate Manaus. Há mais duas outras linhas que se empregam neste serviço, não passando todavia do Recife. Contam-se ainda carreiras de propriedade particular. A navegação fluvial, a mais importante do Brasil, é feita por cerca de cem vapores, pertencentes a Companhia do Amazonas e a diversos particulares. Fazem transportes ao interior do Estado, a Manaus, aos rios Madeira,

Solimões, Javary, Juruá, Tocantins, a Iquitos, as fronteiras do Peru e da Bolívia. No desenvolvimento da navegação como em tudo quanto respeita aos interesses do comércio paraense, tem tornado uma parte salientíssima o considerado senador José Marques Braga, presidente da Praça do Comércio e da Junta Comercial, diretor do Banco de Belém do Pará e da Companhia de seguros Marítima e terrestre Confiança, e membro da firma Marques Braga & Cia — Um dos homens de mais prestígio do meio paraense.

VISTA PANORAMICA DA FRENTE DA CIDADE DE BELÉM DO PARÁ: (1835). AUTOR: J. LEON RIGHINI ACERVO: MUSEU HISTÓRIO DO ESTADO DO PARÁ - MEHP

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REPÚBLICA

O Porto de Belém

A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador das atividades extrativistas da borracha, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se principalmente a partir da construção do seu porto

D

urante a primeira metade do século XIX, o movimento comercial de Belém era grande: exportava-se grandes quantidades de cacau, café, algodão, cravo, couro e madeira. Porém, por volta de 1839, a cidade reclamava a construção de um porto que atendesse às suas necessidades, pois até aquele momento só havia um pequeno cais de pedra situado na Baía de Guajará, entre o convento de Santo Antonio e a Travesssa das Gaivotas, hoje 1º de Março e uma rampa, conhecida popularmente como "Ponte de Pedras" localizada entre a mesma travessa e o Ver-o-Peso. O problema enfrentado pela falta de um porto moderno que atendiam às companhias de navegação em atuação na Amazônia. O desenvolvimento comercial do Pará e na Amazônia pronunciou-se com maior intensidade desde a abertura do grande rio ao comércio do mundo - 1867. Conquanto a navegação a vapor por empresas nacionais viesse desde 1852, era insuficiente, como ainda hoje, para dar vasão à produção do vale amazônico. Numerosos navios ingleses faziam o serviço da nossa exportação e importação entre as praças do extremo norte - a Europa e América. Também concorreu para a construção de um novo porto em Belém o fato de terem sido ampliadas as viagens fluviais para o interior do Estado, iniciadas em 11 de janeiro de 1853, com a primeira viagem de um vapor da Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, com destino a São José do Rio Negro, hoje Manaus. Esse tipo de viagem abria perspectivas completamente novas para o comércio de Belém, já que favorecia o aparecimento de inúmeras companhias comerciais, como a Companhia Fluvial do Alto Amazonas (1866) e a

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Também concorreu para a construção de um novo porto em Belém o fato de terem sido ampliadas as viagens fluviais para o interior do Estado, iniciadas em 11 de janeiro de 1853, com a primeira viagem de um vapor da Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, com destino a São José do Rio Negro, hoje Manaus


Companhia Fluvial Paraense (1867). Com as viagens para o interior e o aparecimento de companhias, o movimento comercial do porto de Belém triplicou e em 1840, ancoraram 78 navios com toneladas registrada em 11.252; já em 1880, ancoraram 292 navios, cuja tonelada alcançou 258.115. Mas o impulso determinante para a construção de um novo porto foi dado pelas exportações de borracha que por volta do final do século XIX, já atingiam níveis bastante elevados . Em 1897, o Governo Federal encomendou ao engenheiro Domingos Sérgio de Sabóia e Silva um estudo visando à construção de um novo porto. Ao concluir seu relatório, o engenheiro preconizava regularização do litoral da cidade junto à baía de Guajará. Além

disso o relatório sugeria ainda uma dragagem da baía a fim de aumentar sua profundidade, facilitando assim a navegação de navios de grande porte e a substituição total dos trapiches próximos ao (Forte do Castelo) que acham-se de tal forma aconchegados que se embaraçam mutuamente na atracação de navios de comprimento superior a 40 m2. Segundo Sabóia e Silva, estas reformas dariam a Belém um moderno Porto capaz de arcar com as necessidades em que se encontrava naquele momento às crescentes exportações de borracha e ás aplicações da ligação da cidade com os mais diversos pontos do interior do Estado, do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa.

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REPÚBLICA

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Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

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REPÚBLICA

Port

of Pará

A

partir do relatório do engenheiro Domingos Sérgio de Sabóia e Silva, o Governo Federal abriu concorrência pública para a execução das obras do novo porto de Belém, vencida por João Augusto Cavallero e Freederico Bender, em 15 de novembro de 1902. Quando as obras estavam para ser iniciadas, a concessão foi detectada sem efeito., haja visto os contratantes não terem assinado o contrato no prazo estipulado. Assim em 18 de abril de 1906, foi aberta nova concorrência , que desta vez foi vencida pelo Norte Americano Percival Farquar. Farquar " teria de construir o porto, desde a foz do rio Oriboca, no Guamá, até a ponta de Mosqueiro , sendo que o primeiro trecho da 1ª seção teria 1.500 m de cais acostável, a partir da Doca do Ver -o-Peso, com os respectivos bolevards, arganéos (peças de ferro para atracação de navios) e escadas, e devidamente aparelhado com guindastes elétricos, linhas férreas e de iluminação. Farquar deveria ainda proceder à dragagem da baía, a aterros, à abertura de uma rua de 30 metros de largura paralela ao cais, à construção de armazéns, à colocação de boias de sinalização e à constru-

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ção dos edifícios necessários à administração e fiscalização do porto. Em troca, receberia uma renda líquida correspondente a 6% do capital empregado nas obras, o direito de exploração do primeiro trecho das obras até 1973 e a do segundo trecho até 1996, isenção de impostos para importar os materiais necessários à construção, entre outras facilidades. Para levar a cabo o projeto, Farquar organizou a Companhia Port of Pará, nos escritórios da Corporation Trust Cº, em Portland, Estados Unidos, em 7 de setembro de 1906. O interesse do governo brasileiro na execução da obra, as garantias oferecidas para sua visibilidade e ainda o fato de Farquar ter obtido aprovação de seu projeto pela renomada firma S. Persons, responsável pela construção dos portos de Liverpool, Londres, garantiam a participação de inúmeros investidores e o capital necessários para a execução do ambicioso projeto.

A CONCESSÃO

A concessão feita para as obras do “Porto do Pará”, dada ao engenheiro Percival Farquhar, que para esse fim organizou uma companhia, tem a data de 18 de abril de 1906 e o Decreto do Governo do Brasil autorizando esse grande

O interesse do governo brasileiro na execução da obra, as garantias oferecidas para sua visibilidade e ainda o fato de Farquar ter obtido aprovação de seu projeto pela renomada firma S. Persons, responsável pela construção dos portos de Liverpool, Londres, garantiam a participação de inúmeros investidores e o capital necessários para a execução do ambicioso projeto. melhoramento, tem o Nº 5978. É fácil de se conhecer da importância dos trabalhos do Porto, lançando um olhar sobre a carta do Brasil, onde se vê que o Pará está às proximidades da desembocadura do Amazonas, esse rio colossal em extensão e volume d’água que recebe inúmeros afluentes também gigantescos, cujas nascentes vem das Guianas, da Venezuela, do Equador, da Colômbia, do Peru, da Bolívia e de vários Estados da Federação Brasileira. Como bem diz, o ilustre engenheiro civil, M. Elmer L. Corthell, no seu interessante trabalho publicado em 1907, existem acima


Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

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REPÚBLICA

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de Iquitos, no Peru, a 2.000 milhas distantes do Oceano, isto é da foz do Amazonas, muitos rios navegáveis, numa extensão talvez de cerca de 2.000 milhas e na Bolívia igualmente a quase totalidade de seu território é cortado por considerável número de rios importantes tais como o Beni, o Mamoré, e outros, cada qual com o seu maior número de afluentes. Os rios da Bolívia e do Mato Grosso no Brasil, uma vez construída a Estrada de Ferro Madeira e Mamoré, formam um conjunto de cerca de 20.000 kilometros de rios navegáveis, e todos despejam no grande rio Madeira, no território brasileiro. Transcrevemos com prazer o que diz a respeito o Sr. Corthel: “A Bolívia por um tratado recentemente concluído com o Brasil é diretamente interesssada por todos os trabalhos que tem por objetivo facilitar a penetração dos grandes navios de alto bordo no Estado do Pará. “O Brasil por sua parte está colaborando poderosamente para a prosperidade da Bolívia, fazendo comunicar o grande vale do rio Madeira com o mundo exterior, por meio da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré, margeando o rio na sua região de cachoeiras, as quais até hoje tem impedido o acesso à navegação. “Do que ficou exposto acima conclui-se que o Pará é o centro onde um sem número de grandes e pequenos navios que navegam pelo grande rio, forçosamente tem que fazer seu ponto de chegada ou de partida. Essas imensas vantagens ficarão mais patentes ainda, quando o novo porto, com 9m 24 de profundidade, junto ao cais ao longo da cidade e quando dispuser dos meios modernos que facilitam a carga e descarga das avulBelém de Todas as Épocas 279


tadas mercadorias vindas pelo Oceano ou dos diversos pontos do Amazonas e seus afluentes” A concessão do Porto do Pará determinou a construção do cais e mais obras necessárias, na zona compreendida entre o ponto de confluência do rio “Oriboca” com o Guamá e a ponta do Mosqueiro, dividida em duas seções: a primeira a partir do Castelo descendo o rio e a segunda desse mesmo ponto subindo o rio. Cada seção se divide em trechos, cuja construção vai se fazendo de acordo com o governo da República. O primeiro trecho compreende 1.500 metros de cais, partindo da doca do “ Ver-o-Peso” rio abaixo. O segundo trecho em prolongação ao primeiro, a partir da sua extremidade Norte, terá 1.000 metros de cais. O canal em fren280 Belém de Todas as Épocas

te a este cais terá 10 metros de profundidade. A Companhia executora das obras do porto terá também que construir um grande boulevard paralelo ao cais, com 30m de largura, armazéns para depósitos de mercadorias, os edifícios para a Alfandega, para os Correios e Telégrafos nacionais, para a Administração e Fiscalização das Docas, guindastes para 30 toneladas, e todos os maquinismos e linhas férreas elétricas para o bom funcionamento do serviço de carga e descarga das Docas. As obras do primeiro trecho ficaram prontas em dezembro de 1913. O periódico “Le Brésil”, antigo e conceituado jornal que se publicava em Paris, no seu número de 10 de maio de 1908, escreveu as seguintes informações sobre o porto

do Pará: “Os trabalhos de construção do porto do Pará prosseguem com atividade e receberão dentro em pouco um impulso ainda maior. Assegura-se com efeito que dentro de 3 meses o grande guindaste destinado à colocação dos blocos de argamassa hidráulica de 5 a 10 toneladas, estará pronto a funcionar e é de prever que, pela boa marcha dos trabalhos, antes do fim do ano, fiquem completamente terminados 250 metros de Cais. A Companhia do Porto do Pará encomendou em Londres, duas grandes docas flutuantes de tipo essencialmente novo e construídas com os últimos aperfeiçoamentos. Essas docas flutuantes receberam os vapores, que em número de 130, subiam o Amazonas. O movimento da navegação do


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A Companhia executora das obras do porto terá também que construir um grande boulevard paralelo ao cais, com 30m de largura, armazéns para depósitos de mercadorias, os edifícios para a Alfandega, para os Correios e Telégrafos nacionais, para a Administração e Fiscalização das Docas, guindastes para 30 toneladas, e todos os maquinismos e linhas férreas elétricas para o bom funcionamento do serviço de carga e descarga das Docas. porto do Pará adquiria cada dia uma importância mais considerável, que não tardará a ser favorecida pelas obras atualmente em execução, as quais juntas às construções das novas vias mais considerável, que não tardara a ser favorecida pelos obras atualmente em execução, as quais juntas as construções das novas vias férreas, como a Estrada de Ferro de Bragança, recentemente inaugurada, contribuirão eficazmente para o desenvolvimento comercial d’esse rico Estado brasileiro. « Durante o mês de Março ultimo, 265 embarcações arqueado 87.005 toneladas entraram no porto. Nesse numero haviam 85 vapores, dos quais 39 nacionais, arqueando 22.951 toneladas, e 26 estrangeiros, arqueando 52.783 toneladas e mais 180 embarcações a vela, arqueado 1.271 toneladas. « Durante esse mesmo mês, as saídas elevaram-se a 292 navios arqueando 74.636 toneladas, compreendo 88 vapores nacionais, 23 estrangeiros e 181 embarcações a vela. » O aumento da nossa produção e do comércio, auxiliados poderosamente pelas crescentes facilidades de comunicações com o exterior e com o inte-

rior do Estado, sobretudo quando os navios de grande calado puderem atracar ao cais da cidade, para carga e descarga, com menos despesas e economia de tempo, dará ao Pará notável destaque entre os países de maior importância comercial. Os trabalhos de melhoramento dos portos trazem considerável desenvolvimento ao comércio e aumento de receitas aos países onde eles são feitos; haja em vista os resultados extraordinários que se observam nos portos de Santos e do Rio de Janeiro, no Brasil, e no porto de Buenos-Aires, na Argentina. Neste último porto o movimento da carga em 1885, quando começaram as obras, era de 650 mil toneladas e em 1905, quando inaugurado o novo porto, esse movimento subiu a 12.000.000 de toneladas. Fácil é, pois, calcular a cifra enorme a que atingirá o movimento comercial dentro de poucos anos. A Companhia « Porto do Pará » tinha a sua sede em New-York, mas tem igualmente escritórios em Paris e Londres. O seu capital e de 17.500:000 dólares, dos quais 7.500 : 000 em ações preferenciais de 100 dólares cada uma, juros fixos de 6 % e 10.000 : 000 dólares em ações ordinárias. A duração da concessão era de 50 anos ia até 31- de Dezembro de 1996, passando dessa data em diante, quer as docas quer o material e edifícios, a pertencer ao Governo da União, sem nenhuma indenização. Desde que os lucros líquidos da companhia produzam mais de 12 %, o Governo tem o direito de reformar as tarifas do que cobra a companhia pelo serviço das docas, carga, descarga, armazenagens, etc.

Percival Farquhar (Iorque, 1864 — Nova Iorque, 4 de agosto de 1953) foi um empresário estadunidense. Nascido numa abastada família quacre da Pensilvânia, completou seus estudos na Universidade de Yale, um dos centros da elite estadunidense, onde se formou em Engenharia. Foi vice-presidente da Atlantic Coast Electric Railway Co. e da Staten Island Electric Railway Co., que controlavam o serviço de bondes em Nova Iorque e sócio e diretor da Companhia de Electricidade de Cuba, além da vice-presidente da Guatemala Railway. Explorou negócios em Cuba e na América Central. Teve ferrovias e minas na Rússia e negociou pessoalmente com Lenin. No Brasil, explorou diversos empreendimentos ferroviários, principalmente no sul do país, além de construir o porto de Belém. Sua mais espetacular obra brasileira foi a impossível Ferrovia Madeira Mamoré, no atual Estado de Rondônia. A história de Percival Farquhar foi retratada por vários autores que divergem entre si, uns fazendo-lhe louvações, outros tecendo-lhe críticas as mais severas. Em 2011, o Governo do Estado de Rondônia condecorou in memoriam com a comenda Marechal Rondon, Percival Faquhar e os 876 americanos que comandaram a construção da ferrovia.

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A Construção do Porto

F

arquar e W. Pearson, o engenheiro responsável pela obra, decidiram começar a construir a amurada do porto, colocando grandes blocos de concreto pré-fabricado que seriam assentados na margem e interligados entre si, enquanto dragas escavavam o fundo da baía de Guajará e aterravam a área onde seriam construídos os armazéns e a grandes avenida. Em 2 de dezembro de 1909 foi inaugurada a primeira fase do porto, um lance de cais com 120 metros de comprimento e um armazém. As obras do novo porto continuaram num ritmo acelerado: em 1904, estavam construídos 1869 metros de cais; a dragagem movimentou 5.665.913 m3 de areia e lama, que se constituiu o aterro do futuro Boulevard Castilho França; foram construídos 13 armazéns de estrutura metálica, fornecidos pela firma francesa Schineider e Cº, de Creusot que perfaziam uma área total de 27.700m2; foram construídos

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6.500 metros de vias férreas; para carga e descarga do porto, foram instalados 11 guindastes elétricos. O Cais era iluminado por um total de 2.200 lâmpadas elétricas; o canal de acesso do porto era sinalizado por 30 boias. Porém, a partir de 1914, a desvalorização da borracha ocorrida com o decréscimo sofrido nas importações com a 1ª Guerra Mundial e a retração do capital estrangeiro ocorrida após a Guerra, fizeram a Port of Pará entrar em crise e procurar o Governo Federal a fim de chegar a um novo acordo sobre o andamento das obras. As da segunda seção do cais ficaram adiadas até que às necessidades do tráfego exigissem sua conclusão, e mais algumas da primeira seção, como a construção do edifício da Alfândega e dos Correios e Telégrafos. A Crise aumentou no período compreendido entre 1914 e 1920, quando a Port of Pará teve um aumento nas suas despesas na casa de 100%, todas cobertas pelo Governo Federal

que passou a ser o seu maior credor. A crise chegou a tal ponto que os acionistas da Companhia apelaram à côrte de justiça do estado-norte-americano do Maine, onde funcionava a sede da empresa, e conseguiram colocá-la sob intervenção de uma comissão em 26 de março de 1915. Em 1921, o Governo brasileiro suspendeu o pagamento das garantias da Companhia. A crise persistiria até 1940, quando a Companhia foi obrigada por decreto a restituir mais de 350 mil contos de réis ao Governo Federal referentes as taxas de cais cobradas acima dos 6% a que tinha direito pela concessão. “Como o total recebido indiretamente atingisse a 354.934:381$000 e a avaliação de todas as obras e instalações da Companhia correspondesse a 307.013:948$000, estas deveriam servir de garantia ao pagamento da dívida. Dessa forma, em 1940, Companhia Port of Pará passou a ser controlada pelo Governo Federal Brasileiro.


Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

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Em 1897, o Governo Federal encomendou ao engenheiro Domingos sérgio de Sabóia e Silva um estudo visando à construção de um novo porto. Ao concluir seu relatório, o engenheiro preconizava regularização do litoral da cidade junto à baía de guajará. Além disso o relatorio sugeria ainda uma dragagem da baía a fim de aumentar sua profundidade, facilitando assim a navegação de navios de grande porte e a substituição total dos trapiches próximos ao (Forte do Castelo) que acham-se de tal forma aconchegados que se embaraçam mutuamente na atracação de navios de comprimento superior a 40 m2. Segundo Sabóia e Silva, estas reformas dariam a Belém um moderno Porto capaz de arcar com as necessidades em se encontrava naquele momento as crescentes exportações de borracha e as aplicações da ligação da cidade com os mais diversos pontos do interior do Estado, do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa.

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A Navegação

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navegação para o exterior era regularmente feita por quatro importantes companhias de navegação a vapor : O Lloyd Brasileiro tinha magníficos paquetes para a América do Norte: Booth Line Hamburg Amerika Linie. Südamerikanische Dampfschiffahrts Gesellschaft. Estas duas últimas fazem o serviço combinadamente sob a denominação de « vapores alemães ». O Lloyd Brasileiro tinha um paquete mensalmente para New -York e carregava por todos os seus vapores mercadorias do Pará, para os portos de Montevideo, Buenos-Aires e Valparaiso. 288 Belém de Todas as Épocas

A Booth Line, importante companhia inglesa, que desde 1866 estabeleceu a carreira entre o Pará e o velho Continente. Em 1869 inaugurou também a sua navegação para a Amazônia a Red Cross Line, cujo serviço foi sempre feito de combinação com a Booth. Em 1882 esta companhia começou a navegação do Pará, para New-York. Em 1900, essas duas companhias fundiram-se em uma só com a denominação de Booth Steam Ship C° Ltd, e as suas linhas estendem-se até o porto de Iquitos, no Peru, pelo Amazonas, isto é, mais de 2.000 milhas inglesas, rio acima, desde a embocadura do Amazonas até Iquitos. A conceituada Companhia « Booth Line » tem na navegação do Pará, 36 vapores com a lotação

total de 112.300 toneladas, tendo ainda no porto de Belém, 5 lanchas a vapor (rebocadores) e 43 alvarengas (batelões) para carga e descarga dos seus navios. Desses vapores 17 são bons paquetes portadores du Mala Real, conforme acordo feito com o ministério dos correios do Inglaterra. Os 10 maiores vapores da Companhia são: « Hilary » (começou a navegar este ano) « Lanfranc » e « Antony » de 6.400 toneladas cada um ; «Anselm » de 5.500 toneladas, « Ambroze » de 4.600, «Augustine» 3.600, 8 Clement » 3.500, « Jerome » 3.100, « Madeirense » 2.900, «Obidense » 2.400 toneladas. Os outros 7 vapores são mistos e de lotação entre 1.800 et 2.000


toneladas. Os demais eram vapores de carga, cuja lotação variava entre 3.600 toneladas como o « Cuthbert », «Boniface», «Justin » e 2.000, como o « Gregory », que era o menor. Para cargas vinham 2 vapores por mês ao Pará, da Europa, e 1 de New-York. A « Booth line » tinha 3 viagens regulares, por mês, para os portos da Europa : Madeira, Lisboa, Porto, Vigo, Havre ou Cherbourg e Liverpool, e três viagens também por mês para New-York com escala por Barbados, nas Antilhas. Para bem avaliar-se o rápido desenvolvimento da Companhia Booth basta dizer que o seu primeiro e melhor vapor em 1866, que se chamava « Augustine », era de 1.100 toneladas, com 213 pés de comprido e 29 % de largo e marcha de 9 a 10 milhas por hora, com acomodações para 25 passageiros de 1ª classe e 50 de proa. Em pouco mais de 40 anos de existência tinha a Booth, navios expendidos como o «Lanfranc», « Antony » e « Hilary », de 435 pés de cumprimento, 52 pés de largura, com magníficas acomodações, confortáveis e higiênicas para 200 passageiros de 1ª classe e 350 de 3ª — e mais 2 camarotes de luxo, nos quais o passageiro usufruía de luxuoso conforto, vastos salões de jantar, de música, de fumar, etc., etc. Isso prova evidentemente que a Booth Line tinha acompanhado passo a passo a marcha progressiva do Pará, não poupando esforços para bem servir ao comércio e a população de todo o vale amazônico. A « Booth Line » transportou em seus vapores, em 1907, do Pará para a Europa : 7.445 toneladas de Borracha; 448 t de Castanha

e 255 de outros produtos num total de 8.548 toneladas. Para New-York exportou 8.254 toneladas de Borracha; 2150 toneladas de Castanha e 937 toneladas de outros produtos num total de 11.341 toneladas. Dando esses algarismos uma carga total, que transportou do Pará para o exterior, de 19.889 toneladas. Não nos foi possível obter os documentos relativos a carga que a « Booth Line »transportou da Europa para o Pará e Amazônia em geral, mas se deduzirmos da carga total que entrou no Pará, que foi transportada pelos vapores alemães e um ou outro navio carvoeiro e mais um ou outro vapor de Buenos-Aires, pode-se dizer que a « Booth Line » trouxe da Europa para os portos amazônicos mais de 150.000 toneladas de mercadorias e 100 mil toneladas de carvão.

TRANSPORTE DE PASSAGEIROS O numero de passageiros que ela transportou em seus paquetes durante o ano de 1907 : Perfazendo, pois, um total de 7.738 passageiros que viajaram nos vapores da « Booth », entre Para e o exterior, no ano de 1907. Enquanto que os vapores alemães faziam 2 viagens mensais entre Pará, e Hamburgo, com escalas na ida, por Madeira, Lisboa, Porto, Vigo e Havre, e na volta por Anvers ou Boulogne-sur-Mer, Vigo, Porto, Lisboa e Madeira. As duas Companhias alemães tinha na linha do Pará os seguintes vapores com a força de 2.100 cavalos cada um: Rio Grande e Rio Negro com a capacidade de 4.500 toneladas cada um; O Antonina e o La Plata de 4.010 toneladas cada. Os três primeiros pertenciam a « Südamerikanische » e os dois últimos à Hamburg Amerika Linie.

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Eram igualmente magníficos vapores, com excelentes acomodações, vastos camarotes, salões, etc., para 70 passageiros de 1" classe e 300 de 3ª. O tratamento abordo dos desses paquetes, sobretudo nos 3 da « Südamerikanische » nada deixa a desejar. O Agente dos vapores alemães, no Pará, era a importante casa Schrader, Gruner e Cª, que possue para o serviço desses vapores, 2 grandes rebocadores e diversas alvarengas (batelões). Os preços das passagens e dos fretes eram os mesmos da «Booth Line », por acordo firmado entre as companhias, e as passagens de ida e volta eram válidas para os vapores de qualquer das companhias. O passageiro podia ir no paquete inglês e voltar no alemão e viceversa.

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Durante a primeira metade do século XIX, o movimento comercial de Belém era grande: exportava-se grandes quantidades de cacau, café, algodão, cravo, couro e madeira. Porém, por volta de 1839, a cidade reclamava a construção de um porto que atendesse às suas necessidades, pois até aquele momento só havia um pequeno cais de pedra situado na Baía de Guajará, entre o convento de Santo Antonio e a Travesssa das Gaivotas, hoje 1º de Março e uma rampa, conhecida popularmente como “Ponte de Pedras” localizada entre a mesma travessa e o Ver-o-Peso. O problema enfrentado pela falta de um porto moderno que atendiam às companhias de navegação em atuação na Amazônia. O desenvolvimento comercial do Pará e na Amazônia pronunciou-se com maior intensidade desde a abertura do grande rio ao comércio do mundo - 1867. Conquanto a navegação a vapor por empresas nacionais viesse desde 1852, era insuficiente, como ainda hoje, para dar vasão à produção do vale amazônico. Numerosos navios ingleses e alemães faziam o serviço da nossa exportação e importação entre

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A navegação para o exterior era regularmente feita por quatro importantes companhias de navegação a vapor : Entre elas o Lloyd Brasileiro tinha magníficos paquetes para a América do Norte e para a Europa.

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Transporte de Cargas REPÚBLICA

A navegação para o exterior era regularmente feita por quatro importantes companhias de navegação a vapor : Entre elas o Lloyd Brasileiro tinha magníficos paquetes para a América do Norte e para a

Europa.

O

s vapores alemães transportaram, em 1907: Da Europa para o Pará, 43.150 Toneladas. Do Pará, para a Europa 4.861 toneladas, num movimento total 48.011 toneladas. E da Europa para o Pará transportaram 1.624 passageiros, sendo 455 passageiros na primeira classe e os demais nas outras categorias. Do Pará para a Europa, 1.498 passageiros, sendo 568 na 1ª classe. Perfazendo assim, portanto, um movimento total de 3.122 passageiros que viajaram nos navios alemães. Juntando estes números aos dos viajantes da « Booth » o movimento total de passageiros para o exterior, em 1907, no porto do Pará, foi de 7.738 passageiros da « Booth » e dos alemães 3122 perfazendo o total de 10.860 passageiros. Por estes simples números acima grupados vê-se que mais de 1 % da população do Para, anual-

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mente, viajava a Europa, o que constituía uma porcentagem atingida unicamente talvez pelas grandes capitais, New-York, Rio de Janeiro e Buenos-Aires na época.

LLOYD BRASILEIRO

O « Lloyd Brasileiro », contava com esplêndidos vapores de 4 a 6 mil toneladas cada um, fazia 5 a 6 viagens mensalmente entre o Rio de Janeiro, capital da República, e o porto do Pará. Duas viagens mensais faz ele, com vapores rápidos, nos quais gastam apenas de 8 a 9 vias, quando as demais se fazem em 12 a 13 dias, tocando em todos os portos, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Maceió, Bahia, Vitória e Rio. O « Lloyd Brasileiro », tinha belos paquetes como o « S. Paulo », « Rio de Janeiro » « MinasGerais» « Acre », o « Pará », o « Ceará. », que viajam entre Rio de Janeiro e New-York, com escalas por Bahia, Pernambu-

co, Para, e Barbados, em cujos navios o passageiro acha igual conforto ao que encontra abordo dos melhores transatlânticos. Era o «Lloyd Brasileiro » que fazia o mais regular serviço entre os portos do rio da Prata e o Pará. Essa importante Companhia contava com 62 vapores para todos as suas linhas em 1907, com um total de 108.000 toneladas de lotação, mas no ano de 1908, com os seus vapores recém-vindos da Inglaterra, devia ela ter 72 vapores com a lotação de 140.000 toneladas. Para o sul da República, existiam ainda outros vapores que trafegavam, entre eles os da « Companhia de Comercio e Navegação », com regulares navios de carga e passageiros, como o « Tijuca », o «Parahyba », o «Mossoro », o « S. Luiz » de 6.000 toneladas, o « Guariba » Para a navegação do rio Amazonas e seus afluentes contava na praça do Pará, 154 vapores e mais uns 40 pertencentes a co-


nhecida Companhia « The Amazon Steam Navigation C° Ltd. » Esses 40 vapores tinham capacidade para conduzir 254.000 volumes de mercadorias, e muitos tinham a marcha de 13 milhas por hora. Os seus vapores iam do Pará a todos os pontos da bacia do Amazonas, cujos portos principais, eram Manaus, Maués, Santo Antonio (Rio Madeira), Itaituba (rio Tapajós), Mazagão, Rio Purús, Iquitos (Peru), Calçoene (rio Oiapoque), Soure, Mosqueiro e Icoaraci. Amazon Steam Navigation A Amazon Steam Navigation Company Limited » que tinha sua sede em Londres, tinha uma subvenção do Governo Federal do Brasil e com que o Governo

do Estado do Pará que subvencionava a navegação para os portos de Calçoene, Montenegro e outros no rio Oyapok. Tinha seu serviço no interior do Pará dividido em 6 grandes linhas : 1ª linha : Pará a Manaus, tocando nos seguintes pontos : Breves, Gurupá, Porto de Moz, Prainha, Monte-Alegre, Santarém, Alemquer, Óbidos, Parintins, Uricurituba e Itocoatiara. Linha de Itaituba (no rio Tapajós) tocando em Breves, BomJardin, Sto-Antonio, Pucuruhy, Gurupa, Prainha, Monte-Alegre, Cacoal Grande, TaparaMiry, St-Anna do Tapara, Alenquer, Santarém, Boim, Aveiros, Uricurituba, Brazilia Legal, Barreiros, Santarensinho, Itaituba

A navegação para o exterior era regularmente feita por quatro importantes companhias de navegação a vapor : Entre elas o Lloyd Brasileiro tinha magníficos paquetes para a América do Norte e para a Europa.

e Goiana. Linha de Sta- Júlia, tocando em Breves, Gurupá, Villarinho do Monte, Tapara, Porto de Moz, Almeirim, Prainha, Monte-Alegre, Santarém, Alenquer, Óbidos, Oriximiná, Faro, Boca do Cuminá, Tafocal, Boca do Lago, Arapecu, Lago do Jacaré, Boca do Igarapé dos Currões. Linha das Ilhas : tocando em Muaná, Boa Vista, Oeiras, Breves, Macacos, Mapuá, Anajás, Afuá, Macapá, e Mazagão.

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REPÚBLICA Linha de Baião : tocando em Abaeté, Trapiche Hipólito, Cametá, Mocajuba e Baião. Linha do Oyapoque: tocando em Chaves, Bailique, Amapá, Calçoene, Oiapoque e Montenegro. Tinha mais 2 vapores por semana para Soure, um outro diariamente para Mosqueiro e Pinheiro. As demais linhas, servidas pela companhia, eram: Linha do Madeira, do Purús, de Iquitos, do Rio Negro, do Jutahy, Japurá e Içá Os aviadores e outros particulares possuem vapores especiais para a navegação da bacia Amazônica, os quais englobadamente prefazem um total de 154 vapores. Entre esses vapores não poucos, contavamse quase iguais aos da Companhia do Amazonas com capacidade de carregar 10 a 12 mil volumes cada um ; a « Companhia do Amazonas », porém, possuía diversos vapores que carregam até 16 mil volumes cada um, como o « Campos Salles » e outros. No ano de 1907, segundo uma estatística publicada em Junho do corrente ano, pelo « Süd und Mittel-Amerika », de Berlin, entraram no Pará 36.026 pessoas, das quais saíram 24.436 ; ficando portanto no Pará 11.590 pessoas. Esses dados acima registrados, embora resumidamente expostos, são suficientes para por em evidência a importância sempre progressiva do nosso comércio quer com o interior do Estado, quer com os vizinhos Estados, quer com o exterior da República.

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Também concorreu para a construção de um novo porto em Belém o fato de terem sido ampliadas as viagens fluviais para o interior do Estado, iniciadas em 11 de janeiro de 1853, com a primeira viagem de um vapor da Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, com destino a São José do Rio Negro, hoje Manaus

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Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

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O Comércio A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador das atividades extrativistas da borracha, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se principalmente a partir da construção do seu porto

O

comércio é a possante alavanca do progresso das nações. Nada valera, todavia, se a agricultura e a indústria viverem apáticas. Estes são os elementos motores daquele. Abandonem o tamanho do solo, despresem as manufaturas e o comércio será um mito imprestável e ridículo. Ora o Pará, cujo governo dispensa prêmios a lavoura, projetando fazer empréstimos aos lavradores, criando ate associações propagandistas da agricultura, tem-se deixado levar pelos europeus da indústria extrativa e pouco há cuidado no desenvolvimento das suas forças agrícolas e correlativas artes. Verdade é que a borracha, colhida em avultada quantidade, favorecera sempre o tesouro estadual — e nunca será nociva a economia da região se o europeu afluir, como deve, as terras do Pará. Esse mister ficará para os imigrantes nacionais, porque os estrangeiros jamais suportaram o clima dos pântanos em que se exerce essa lucrativa ex302 Belém de Todas as Épocas

ploração. O comércio ganhara, por isso, extraordinariamente, com a vinda imediata desses aprestados colonizadores, que cortarão em grande parte a enorme carência de vias de comunicação. As margens dos

A cidade de Belém, atuando como entreposto polarizador dessas atividades, tornou-se o local de maior captação e concentração de rendas e capitais, cresceu e transformou-se. Os “senhores da borracha” importaram alguns padrões e comodidades da Europa, como o telégrafo, o uso regular da energia elétrica, os bondes, os teatros, a música erudita, moda. rios Tapajós e Xingu, ambas elas fertilíssimas, vivem num lamentável ostracismo. O comércio, penetrando por aqueles caminhos, internando-se em Mato-Grosso, onde vegetam mais de três mil cabeças de gado, que viriam resolver o grave problema da alimentação paraense, segundo refere o Dr. Paes de Carvalho. As bordas des-

ses caudalosos afluentes do Amazonas, além de possuírem virgens seringais, adaptam-se as mais variadas culturas. Povoadas com a imigração europeia, iniciada há três anos apenas, instituídos nesses lugares bancos rurais, em lugar de se fazerem os planeados empréstimos governamentais, o comércio do Pará estender-se-ia enormamente, assentando a sua base na firmeza indestrutível, dos produtos reais e periódicos da terra, pois esta provado que a borracha consome anos a formar-se. Estes serviços Colonização e agricultura reclamam uma vigilância especialíssima, a bem da estabilidade comercial paraense. E o lllm0 Dr. Paes de Carvalho, fundando a Inspetoria Geral de Colonização e Agricultura, assim o compreendeu, justificando a previdente determinação com estes assisados conceitos: « Sem possuirmos este centro administrativo, bem constituído e organizado, que superintenda e fiscalize convenientemente aqueles importantíssimos departamentos da administração, não


Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

conseguiremos o nosso desideratum, isto é, reorganizar e melhorar os atuais núcleos coloniais, fundar pequenos centros agrícolas nas vizinhangas da capital e das cidades importantes do interior, preparar dois núcleos modelos a margem da Estrada de Bragança e reduzir ao mínimo as despesas, que, se não forem rigorosamente fiscalizadas, crescerão dia a dia, obrigando-nos talvez a triste contingência de reduzir temporariamente a imigração europeia subsidiada. » O comércio do Pará, que ainda a pouco se fez representar condignamente, na Exposição de Philadelphia, pelo ilustre e ativo Snr Joao Moreira da Costa, incansável secretario da Praça do Comércio, não para no seu estupendo e maravilhoso desenvolvimento. As suas transações internas e externas crescem de dia para dia, sustentando ativas relações com os

centros comerciais do país, da Europa e dos Estados Unidos da América do Norte, não esquecendo também as Repúblicas da Argentina, do Peru e da Bolivia. A sua importação aumenta continuamente e, segundo as estatísticas, a renda proveniente dos direitos de importação, arrecadados pela Alfândega, sobe a vinte e dois mil contos por ano. A principal fonte de receita do Estado é constituída pelos impostos de exportação, que recaem sobre a borracha, o cacau, os couros, a castanha, as madeiras, etc. Com tais recursos, cada vez mais crescentes, não é difícil ao Dr. Paes de Carvalho implantar o padrão ouro nas transações comerciais do Estado, como propôs na sua eloquente mensagem de 7 de abril de 1898. Os outros Estados seguirlhe-ão o exemplo e a União, particularmente depois das recentes combinações financeiras, feitas

pelo Ilustre estadista Dr. Campos Sales (atual presidente da República Brasileira), não trepidara em regularizar o cambio da moeda nacional, extinguindo o voraz cancro, que se chama papel moeda inconvertível. O distinto governador do Pará deu o primeiro passo para essa radical reforma, contando com a prosperidade da região que administra superiormente, e o Governo Federal deve providenciar, quanto antes, acerca do seu lastimoso descalabro financeiro. O comércio do Pará nunca faltará com o seu apoio a iniciativa estadual. Os seus membros, todos muito respeitáveis, tendo a frente o venerando Visconde de São Domingos, seu decano, coadjuvarão eficazmente a patriótica ação governamental.

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Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

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Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.

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Também concorreu para a construção de um novo porto em Belém o fato de terem sido ampliadas as viagens fluviais para o interior do Estado, iniciadas em 11 de janeiro de 1853, com a primeira viagem de um vapor da Companhia de Comércio e Navegação do Amazonas, com destino a São José do Rio Negro, hoje Manaus

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IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO O comércio do Pará esta dividido em 4 classes, que são — exportadores, importadores, retalhistas e aviadores. Os primeiros compram aos aviadores, e exportam para a Europa e para a América, borracha, cacau, castanhas, cumarú, couros, grude de peixe, óleo de copaíba, urucú, guaraná, plumas de garça e outros produtos do Estado; os segundos importam do sul da República carne seca, café, açúcar, cereais, charutos, tecidos de algodão, roupas, drogas, chapéus de lã e perfumarias; e do estrangeiro, peixes, carnes e frutas em conservas, vinhos, cervejas e outras bebidas, farinha de trigo, petróleo, óleos, banha, verniz, breu, alcatrão, cimento, ferragens e maquinismos, louças, vidros, cristais, porcelanas, drogas e medicamentos, fazendas, calçados e chapéus de todas as qualidades, perfumarias, artigos de enfeite e de armarinho e tudo que de modas e novidades produzem a Europa e a América do Norte; os terceiros compram, por grosso, essas mercadorias aos importadores para as venderem a retalho ao povo; os quartos negociam com os comerciantes do interior e com os proprietários de seringais, comprando na praça aos importadores as mercadorias que lhes são pedidas pelos seus aviados, os quais durante a safra Ihes vão remetendo a borracha e os produtos que vão colhendo, com o que saldam ou amortizam as suas contas no fim do ano. O Comércio do Pará é suficientemente sólido e um do Brasil que mais crédito goza no estrangeiro, tendo atravessado a terrível crise de 1884-86, motivada pela baixa da borracha, durante a qual perdeu cerca de vinte mil contos com as falências de algumas casas aviadoras, sem, todavia, prejudicar o exterior com 5%, ao menos, dos prejuízos que internamente sofreu. A capital da Pará essencialmente comercial possui, um bom número de estabelecimentos industriais e comerciais. A enumeração, que atrás deixamos, e extraída do relatório que o Sr Jãao Moreira da Costa apresentou, em 4 de Junho de 1897, a Diretoria do Museu de Philadelphia. Resume, em poucas palavras, o movimento importador e exportador do Estado do Pará, que melhor se pode verificar, quanto a exportação, no seguinte mapa comparativo dos três principais gêneros paraenses, no quinquênio de 1893 a 1897.

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Através do resultado fotográfico de seu olhar atento ele conseguiu abrir janelas e portas, fazendo com que este Brasil em eterna construção, apenas 60 anos após a abolição oficial da escravidão, se conhecesse e enxergasse um pouco mais.


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LOJAS

PARIS

N’AMÉRICA

N

a tradicional rua comercial, rua Santo Antônio,nº 132, localizada no centro de Belém, sobrevive um dos mais antigos prédios de Bel ém: o Paris N’América, que foi outrora casa de moda francesa. Entre as casas comerciais da Belle Époque em Belém destacamos apenas a Paris N'América, por ser a única que sobreviveu como edificação, conservando interna e externamente quase toda a antiga estrutura e expressando as características espirituais do início do século. O primeiro proprietário do Paris N'América, o próspero comerciante português Francisco de Castro, importou de Paris o projeto dessa imponente casa, de ocupação comercial e aos mesmo tempo residencial. Essa loja foi uma das responsáveis pelo refinado gosto europeu presente na elegância de damas e cavalheiros paraenses no alvorecer do século XX. A loja era considerada "magasins de nouveauté", boutiques que reuniam diversos tipos de mercadorias.Em Paris N'América podia se encontrar desde tecidos à objetos de luxo, armarinhos, luvas, peças confeccionadas em outros lugares do mundo. Com a diversidade de materiais ofertados à sociedade da época, observa-se uma diversificação dos estoques, aumentando a variedade de produtos, incluindo tecidos finos e importados,ampliando a loja para uma loja de departamentos. A loja apresentava prateleiras e armários apropriados para guardar os tecidos, rendas e aviamentos e protegê-los da exposição e 314 Belém de Todas as Épocas


poeiras,haviam monstruários, onde os clientes escolhiam as peças e só depois de escolhido os produtos, os vendedores desembrulhavam a peça para o corte. A loja anunciava seus produtos em jornais e revistas da epoca, divulgando os seus produtos em alto estilo. ARQUITETURA DO PRÉDIO No interior da loja, o ornamento de maior destaque é uma monumental escada art nouveau confeccionada em ferro fundido na França. Para montá-la no outro lado do Atlântico, Francisco Pereira da Silva Castro e seu sócio Jeronymo Cardozo Botelho fizeram vir um técnico europeu especializado no assunto. A decoração do requintado estabelecimento comercial, até

Paris N’América foi o primeiro estabelecimento comercial a obter registro na Junta comercail do Pará, no ano de 1877, mas o magnífico solar que lhe serviria de sede só seria construído anos mais tarde.

alemão; os azulejos e as pedras são portugueses, estas procedentes de Lioz. Da Amazônia estão presentes no Paris N'América apenas as esquadrias, confeccionadas em acapu e os pisos da sobreloja e da residência, feitos de acapu e pau amarelo. A loja teve sua venda anunciada em 1994, no Jornal Província do Pará, pertencente a filha de Francisco de Castro, Anna Margarida de Castro.O prédio já era cotado para o tombamento. A loja teve suas atividades encerradas no último dia do ano 1993. Durante todo esse período o prédio foi mantido pela família com o objetivo de preservação do patrimônio e presrvação da história familiar que tiveram no espaço por quatro gerações.

hoje é motivo de atração artística e turística, exibe ainda, vindos diretamente da Europa, diversos materiais e objetos. Paris N'América foi o primeiro estabelecimento comercial a obter registro na Junta comercail do Pará, no ano de 1877, mas o magnífico solar que lhe serviria de sede só seria construído anos mais tarde. Entre 1906 e 1909, as obras se fariam sob o comando do engenheiro Raimundo Viana, um dos estetas da época, e dos mestres-de-obras Salvador e Mesquita.Sua estrutura é inteiramente de aço, este proveniente da Escócia, o piso é de cerâmica alemã; o telhado, de barro plano, proveniente da região da Ardósia; os azulejos são portugueses; a louça é inglesa; os vidros, os espelhos, o lustre com 44 lâmpada, além da escada, são franceses; o relógio é Belém de Todas as Épocas 315


LOJAS

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“Essa loja foi uma das responsáveis pelo refinado gosto europeu presente na elegância de damas e cavalheiros paraenses no alvorecer do século XX. A loja era considerada “magasins de nouveauté”, boutiques que reuniam diversos tipos de mercadorias.Em Paris N’América podia se encontrar desde tecidos à objetos de luxo, armarinhos, luvas, peças confeccionadas em outros lugares do mundo”. Célia Bassalo em Art Noveau em Belém

Interior da Loja Paris N’América situada na Rua Santo Antonio em Belém do Pará Belém de Todas as Épocas 317


LOJAS

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Entre as casas comerciais da Belle Époque em Belém destacamos apenas a Paris N’América, por ser a única que sobreviveu como edificação, conservando interna e externamente quase toda a antiga estrutura e expressando as características espirituais do início do século.

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MODERNIDADE

FÁBRICA

PALMEIRA

A

Real Fábrica Palmeira fundou-se na cidade de Belém, à rua dr. Paes de Carvalho, ns. 6 a 14, no ano de 1892. O seu início obedeceu a uma pequena escala. Depois foi aos poucos estendendo as suas transações comerciais desenvolvendo a manufatura de seus produtos, alargando seu magnífico prédio, abrindo casas filiais, importando mecanismos modernos e aperfeiçoados e na época era muito conceituada e tida como a primeira, neste gênero, em Belém. Teve como fundadores os Srs. Manoel Francisco de Pinho Jorge, Ig320 Belém de Todas as Épocas

nacio Marques da Cunha e Antonio José Corrêa. Hoje é de propriedade dos Srs. Jorge Corrêa & Cª. E fazem parte desta firma os Srs. Comendadores João Jorge Corrêa, Alfredo Marques de Carvalho Dias e o Sr. Augusto de Oliveira Jorge. O seu capital elevava-se à importância de 600 contos, sem nestas cifras estar incluindo o valor do prédio, calculado em 400 contos. As suas edificações abrangiam uma área de 202 metros quadrados e dispõe das seguintes seções: Confeitaria – Biscoutaria – Chocolateria – Moagem e Torração – Refinação – Massas Alimentícias – Padaria – Funilaria – Carpintaria

– Embalagem e Vendas a retalho. Na última seção das vendas a retalho estava instalado o escritório. Dois motores ingleses de Ruston Proctor & Cª, com 30 e 24 cavalos, ou total de 54 cavalos, movimentavam 35 máquinas, às quais auxiliavam 54 operários. Destas eram: cinco destinadas a confeitaria, nove a biscoutaria, cinco a moagem e torrefação, três a refinação, cinco a massas alimentícias e três a carpintaria. Além destas movidas a vapor, a seção de funilaria possuía mais seis máquinas manuais, para a fabricação de latas empregadas no acondicionamento dos produtos da fábrica.


LIVRO de ouro: comemorativo ao Centenário da Independência do Brasil. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert, 1923. p. 551.

Entre as numerosas espécies de produtos manufaturados na Palmeira destacavam-se mais de 40 qualidades de biscoitos, quase outras tantas de confeitos, bolachas, doces, chocolate, pão e farinha de arroz, milho e araruta e ainda café e açúcar. A produção anual deste estabelecimento elevava-se à importância de 1.000 contos. Para o vizinho Estado do Amazonas, compreendendo os rios Acre, Juruá, Purús e Madeira, diversas casas aviadoras desta praça remetiam anualmente cerca de 400 contos destes produtos. Toda a farinha de trigo empregada no serviço da fábrica era importada diretamente dos mercados de New York e Buenos Aires. O açúcar, cuja refinação era feita com esmero, foi importado em bruto dos Estados de Pernambuco e Bahia. O café era importado do mercado do Rio de Janeiro e o cacau do baixo Amazonas. O serviço de transportes de produtos e mercadorias era feito por três veículos de tração animal construídos de acordo com as suas funções. Além da casa matriz, a fábrica Palmeira possuía três casas filiais edificadas nos seguintes bairros da capital: uma à rua Vinte oito de Setembro n. 196 – Reduto – outra à Avenida Independência. Nº 12 – Nazaré – e a última na avenida Dezesseis de Novembro, n. 3 – Ver-o -Peso.

A fábrica produzia, em larga escala, os mais conceituados artigos de panificação, confeitaria, refinação de açúcar, biscoutaria, massas alimentícias e chocolates, torração de café e trituração e armazenagem de cereais, com diversos produtos registrados, na forma da lei.

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MODERNIDADE

Interior da fábrica Palmeira

Filial da fábrica Palmeira no Ver-o-Peso

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máquinas da seção de massas alimentícias da fábrica Palmeira

máquinas da seção de caramelos da fábrica Palmeira

Seção de vendas a varejo da fábrica Palmeira

Fábrica Palmeira, que infelizmente não existe mais como empresa, mas realizou um trabalho absolutamente admirável, sobretudo, para a época em que foi feito. Desde a escolha de um belo corte gráfi co das palmas dessa árvore como marca, até sua integração a um logotipo, com tipologia forte e elegante num círculo impecável, em que há espaço para o nome da fi rma, Jorge Corrêa & C.ia, o endereço – Rua do Dr. Paes de Carvalho, 6 a 16 (e aí está o antigo nome da Manoel Barata) – e a expressão “marca registrada”. Tudo muito bem arrumado num leiaute da maior competência. As embalagens da Palmeira eram lindas, entre elas os pacotes de “Vermicelles aux oeufs”, assim mesmo, em francês, e, para que não haja dúvidas sobre esse suspeito “vermicelles”, esclareço que o produto era apenas um delicioso tipo de macarrão com ovos. Delicioso também, grafi camente delicioso, era o Catálogo da Seção de Bolachas e Biscoitos. Direção de arte de primeira ordem numa época em que não havia “diretores de arte”, mas simplesmente artistas. Ainda tive a ventura, a boaventura da silva e de conhecer a loja da Palmeira, provavelmente a padaria e confeitaria mais ampla e mais bonita em que já entrei, pelo menos no Brasil. Depois, já nos idos de 1970, um empresário teve a maldita ideia de demolir aquele prédio para em seu lugar construir um edifício e ganhar muito dinheiro. Não teve competência nem para uma coisa nem para outra e, aí, deixou-nos um buraco, o famoso Buraco da Palmeira, e a cidade mais pobre. (Pedro Galvão) Belém de Todas as Épocas 323


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FÁBRICA

FÁBRICA DE CERVEJA

PARAENSE

A

Fábrica de Cerveja era constituída por uma sociedade anônima. A primeira reunião de seus acionistas realizou-se no dia 14 de setembro de 1899, sendo nessa ocasião, eleitos para os cargos de diretores os srs. Coronel José Casemiro Brazil Mentenegro, Otto Fuerth e João Moreira da Costa. No dia 1 de janeiro de 1900 foi colocada a primeira pedra deste estabelecimento, nomeando-se então o francês Claudio Solanes, vindo naquela data do Rio de Janeiro, engenheiro-chefe dos trabalhos de edificação. Cinco anos depois da data em que foi lançada a primeira pedra, isto é, em 1 de Janeiro de 1907 ficaram concluídos os trabalhos de edificação e instalação das numerosas máquinas deste estabelecimento fabril. A Fábrica de Cerveja Paraense possuía uma área de 9.900 metros quadrados de sólida edificação, cuja altura máxima era de 23 metros, a exceção da chaminé que só de tubo media 30 metros de altura. O terreno ocupado hoje por este magnífico estabelecimento industrial pertenceu a D. Maria de Ponte e Souza, de quem fora adquirido no ano de 1889 pela 328 Belém de Todas as Épocas

importância de 65 contos de réis. A posição topográfica ocupada pelas usinas era a melhor possível. Pela avenida Independência era servida pelos veículos elétricos da The Pará Eletric Railways and Lighting Company, Limited; e pela avenida Gentil Bittencourt, pela linha da E. F. de Bragança. Esta vasta edificação possuía cinco andares, ficando instalada no 1º corpo a morada do pessoal inferior da fábrica. À frente do edifício foi construído um grande poço que fornecia diariamente aos amplos reservatórios 1.000.000 litros d’água. Os mais modernos maquinismos achavam-se aplicados ali à indústria da cerveja nacional. Por intermédio desses aparelhos, esta fábrica produzia 2.000.000 de litros de cerveja anualmente. As suas máquinas principais eram: duas caldeiras, sistema Cornwall, com 80 metros quadrados de aquecimento cada uma; três bombas Worthington; e dois injetores para a alimentação das mesmas. As duas caldeiras forneciam a energia suficiente para duas máquinas motoras da fábrica de máquinas Germania Soc. Anonyme, em Chemaritz, Alemanha,


uma com a capacidade para 80 cavalos, outra para 150 ou um total de 230 cavalos. Estes grandes motores tangiam os seguintes maquinismos: diversos aparelhos e duas grandes máquinas aplicadas à fabricação do gelo com água destilada, uma com o efeito de 100.000 calorias por hora, e a última com 200.000 ou as duas com a capacidade de fabricar 15.000 quilos de gelo no espaço de 12 horas; uma completa instalação elétrica para a iluminação de toda a fábrica, interna e externamente, movendo ainda cinco motores elétricos, máquinas e aparelhos duplos destinados ao cozimento do mosto; aparelhos e máquinas empregados na filtração do ar esterelizado e resfriamento do mosto, depois da ação do cozimento; aparelhos e máquinas empregados na lavagem de barris, garrafas, massas de filtro e pastorização da cerveja engarrafada; bactérias e aparelhos para encher barris e garrafas isobarometricamente; e

diversas máquinas instaladas na seção de tornearia e carpintaria. A Fábrica de Cerveja conta nove vastas adegas, sendo: três destinadas a fermentação de cerveja com 35 tinas, dispondo de aptidão para 4.000 litros deste precioso líquido,

na época devida. No terceiro andar estava instalado o seu laboratório, onde eram efetuados todos os exames e análises necessários. Esta fábrica tinha seu serviço 80 operários entre nacionais e estrangeiros, bem como um elevador a Esta fábrica tinha seu serviço vapor que parte do primeiro para o 80 operários entre nacionais quinto andar. A sua matéria prima era impore estrangeiros, bem como um tada da Bohemia e Alemanha, com elevador a vapor que parte do exceção das madeiras empregaprimeiro para o quinto andar. das na confecção de caixas que são A sua matéria prima era brasileiras. A sua diretoria era composta importada da Bohemia e Alemanha, dos srs. Visconde de Monte Recom exceção das madeiras dondo, José Fernandes Antunes, empregadas na confecção de caixas dr. Lucio Freitas do Amaral, tendo que são brasileiras. como gerente técnico do Sr. Emilio Hoffmam. O escritório central achava-se e seis para a conservação do mes- instalado o Boulevard República mo. Nestas últimas adegas encon- 44. Texto de Jacques Ourique publicado travam-se 180 tonéis com a capacidade de 3.000 a 4.000 litros de no Almanaque O ESTADO DO PARÁ NA cerveja ou numa média de 600.000 EXPOSIÇÃO NACIONAL DO RIO DE JAlitros, os quais dali eram retirados NEIRO - 1908 Belém de Todas as Épocas 329


FÁBRICA

A cabeça de índio ornada de plumas era o símbolo da Fábrica de Cerveja Paraense. A Fábrica de Cerveja Paraense não produz somente cerveja. produzia diariamente, centenas de dúzias de garrafas de outros produtos, tais como “GUARANÁ”, KOLA-CHAMPAGNE, QUINA-TONICA, ÁGUA GASOSA e outros.

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UM GRANDE EMPÓRIO INDUSTRIAL A Fábrica de Cerveja Paraense é um dos modelares estabelecimentos que fazem honra ao Brasil.

Vinte um annos de incessante e constructivo labor

A

Fábrica de Cerveja Paraense entrou no dia 11 de julho último no 21º aniversário de sua fundação. É um facto que merece referencia especial na vida econômica do Estado, cujas indústrias têm desenvolvimento notável, podendo-se considerar como um dos paradgmas essa importante empresa que faz honra não só ao Pará como ao paiz inteiro. Constitui-se a Fábrica de Cerveja por uma sociedade anonyma, cuja primeira reunião de accionistas se effectuou a 15 de setembro de 1890. No dia 1º de janeiro de 1900 foi collocada a pedra fundamental do edificio da fábrica, que começou a funccionar em igual data de 1905. Os productos foram expostos à venda pela primeira vez a 24 de junho do mesmo anno. A Fábrica occupa uma área de 3.375 metros quadrados toda ella edificada, medindo o terreno pertecente ao estabelecimento 29.760 metros quadrados. Os mais modernos e aperfeiçoados machismos acham-se

ali applicados à indústria da cerveja, podendo elles produzir até 5.000.000 litros por anno. Actualmente, porém, devido às condições da praça de Belém, a producção attinge somente à 2.500.000 litros. Occorre dizer, entretanto, que a Fábrica de Cerveja Paraense não produz somente cerveja. Saem dos muros massiços daquele grande empório industrial, diariamente, centenas de dúzias de garrafas de outros productos, taes como "GUARANÁ", KOLA-CHAMPAGNE, QUINA-TONICA, etc.., que obtiveram, desde logo, a preferencia do publico, pela excellencia de seu preparo, ganhando logar de destaque no mercado. Em todas as exposições a que tem concorrido, as melhores recompensas lhe são conferidas. Assim foi na de Turim, nas duas Nacional do Rio de Janeiro, nas de Bruxellas e de Londres. Para melhor corresponder às sympathias e à preferência do público, os seus incansaveis directores acabam de dotar a fábrica de novos melhoramentos, cuja inauguração se fez em 11 de julho, ce-

lebrando o 21º aniversário de sua fundação. Esses melhoramentos constam de seis motores e dois dynamos para reforçar a capacidade productora do estabelecimento, sendo feitas tambem novas instalações electricas. Como se vê, a Fábrica de Cerveja Paraense representa um patrimonio de valor inestimavel na vida industrial do Pará, tendo alxcançado não só no paiz, onde os seus productos sãoaceitos em varios mercados, como no estrangeiro, o renome que a intelligencia e o labor incessante de seus dirigentes lhe deram. O PAIZ registra, com aprazimento, esse acontecimento, congratulando-se calorosamente com os seus actuaes e operosos directores, Srs. ANTONIO FACIOLA. EDUARDO TAVARES CARDOSO E MENASSES BENSIMON. O PAIZ (RJ) 12SET1926

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Especial Pilsen. [...] no centro do alto do rótulo, um escudo das armas do Estado do Pará encimado por uma águia com asas abertas desenhadas em tinta preta. No centro do rótulo, em letras bastardas, os dizeres - Especial Pilsen -, em desenho dourado com sombreado preto, e entre essas duas palavras, a palavra Typo em tinta preta. A margem esquerda, um pequeno desenho em tinta preta de um ramo de cevada, tendo por baixo flores de lúpulo; embaixo à margem esquerda do rótulo, a desenho em dourado das medalhas do Grande Prêmio na Exposição Nacional de 1908 e à margem direita, idêntico desenho das medalhas do Grande Prêmio da Exposição de Turim em 1911 [...]. Pará, 27 de outubro de 1915.

A CERVEJA PARAENSE NA EXPOSIÇÃO Producto da importante fábrica de Belém, a Cerveja Paraense, pela sua excellente qualidade, alcançou deslocar dos mercados do extremo norte da República, as boas marcas de cerveja nacionaes e estrangeiras que alli tinham grande acceitação. No intuito de fazer legítima e muito natural propaganda do seu apreciado producto, mandaram seus directores construir um bello pavilhão, cujas photographias reproduzimos, sob projeto e direcção do pintor paraense Theodoro Braga, para figurar na Exposição Nacional e servir de ponto onde fosse feita a venda de cerveja. Na impossibilidade de fazel-o directamente na Exposição, ficará às moscas no custosos pavilhão, devendo ser a cerveja entregue ao mercado abaixo do custo por toda a parte onde for possível fazel-o.

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Fonte: Livro Marcas do Tempo editado pela SECULT/PA e JUCEPA.

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“Quando se despediu do Zito, que partia para o Rio, ai que assustado adeus foi, ao pé do muro do 26, atrás da Basílica, andando sobre o grosso bueiro que servia também de passagem aos moradores da Vila Alegre enterrada na baixa ao pé da Fábrica de Cerveja, o renque de palhoças só dum lado, a única lâmpada no meio, piscando, queima-não-queima”. Dalcídio Jurandir - Trecho do romance Belém do Grão Pará

teatro, ao lado da Fábrica de Cerveja Paraense, na Avenida Independência, ponto terminal da passagem da 2º seção de vários tramways. É um teatrinho de variedades, onde são levadas ligeiras comedias e na ausência de companhias são desenroladas fitas cinematográficas. Há um serviço completo de buvette. O preço da entrada era 1$000. Dali entra ele na bela, vasta e extensa Avenida da Independência, e logo no começo destacamos à esquerda, dentro de seu gracioso e florido jardim, o imponente edifício de educação de meninas órfãs e desvalidas, denominado Instituto Gentil Bittencourt e em frente o theatrinho Bar Paraense. Esse lugar é bastante movimentado: além de ser ponto de passagens de Bond, e final das linhas de tramways de Nazaré, há o dito theatrinho, com uma confeitaria-bar, e junto, a grande Fábrica de Cerveja Paraense. (Theodoro Braga - Guia do Estado Pará (1916)

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VILA ALEGRE

Bar Paraense – Pequenino

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BAR PARAENSE

Matéria realizada em parceria com o Blog da FAU:

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FÁBRICA

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Dos muitos estabelecimentos industriais que existiam em Belém do Pará, faremos apenas menção dos mais importantes, cujo desenvolvimento se acentuava no início do século XX. A « Fábrica de Cerveja Paraense » não só produzia excelente cerveja para o consumo de todo o Pará, como ainda exportava para todos os pontos do vale Amazônico e para outros Estados brasileiros. Duas fábricas de gelo, abasteciam a cidade e os navios. Uma delas, a dos Snrs. Bolonha e Cia, produzia mais de cinco toneladas por dia. Fábricas de chocolate e biscoitos ; Fábricas de massas alimentícias e refinações de açúcar; Fábricas de aniagem e cordoalha; Fábricas de pregos de ferro e latão; Fábricas de camisas, ceroulas e roupas grossas; Fábricas de sabão ; Fábricas de velas de cêra, etc; Fábricas de águas gasosas e refrigerantes ; Fábricas de doces em conserva; Fábricas de móveis. Serralheiros e ferrarias, marcenarias, oficinas de construções de embarcações, pequenos estaleiros, lavanderias a vapor, fábrica de obras de mármore, tipografias, encadernadores. litografias e tantos outras pequenos industrias, forneciam excelentes produtos, comparáveis aos melhores que possam vir dos estrangeiro. O estabelecimento de artes gráficas do Sr. Carlos Wiegant, pela perfeição artística com que trabalhava, rivalizava com as mais acreditadas litografias da Europa. A importante «Fábrica Palmeira » trabalhava em refinação de açúcar produzindo 9.006 quilos por semana; torrava 1.200 a 1.500 quilos de café diariamente; preparava 2.500 quilos de cacau por semana, e fabricava 88 qualidades diferentes de biscoitos. A fabrica de sabão denominada « Consumo », além dos sabonetes finos, produz anualmente 50.000 caixas de sabão (640.000 quilos) que fornece aos dois Estados Pará e Amazonas. O progresso que se nota em diversas indústrias no Pará, constitui uma garantia de que elas vão contribuindo também para a prosperidade do Estado.

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TRANSWAYS

TRANWAYS DE BELÉM

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O

Serviço de Tramway em Belém era muito bem feito e por tração elétrica. Carros espaçosos e grandes, de construção americana, eram eles divididos em 1ª e 2 ª classe e bagageiros – A passagem era cobrada por seções cujo preço de cada uma era de 120 réis em 1ª e 100 réis em 2ª classe e bagageiro. Os tramways, conhecidos como bondes ou bondinhos, percorriam as seguintes linhas: São Matheus (atual Padre Eutíquio), Bagé, Serzedello Corrêa, Jurunas, percorrendo apenas uma seção. Estrada de Nazaré, São Jerônimo (José Malcher), Ruy Barbosa e Curro duas seções; São Brás, Santa Izabel e Usina de Cremação, três seções. Circular (interno) e Circular (externo), quatro seções. Souza, cinco seções. Todos esses nomes estavam escritos nas respectivas taboletas dos tramways indicando o destino de cada um deles. Os tramways só paravam para receber ou deixar passageiros nos lugares marcados por postes pintados de vermelho: não era permitido embarcar ou desembarcar na entrelinha. O uniforme dos motorneiros e condutores e a atitude destes empregados dos tramways ofereciam aos passageiros um aspecto de urbanidade e correção. O serviço era bem feito, repetimos porque havia grande quantidade de veículos, cuja rapidez não permitia perderse tempo. Os tramways denominados bagageiros serviam para transporte de volumes de carga de um certo peso e volume, tendo para isso um local separado, mediante tarifa especial. Belém de Todas as Épocas 339


TRANSWAYS

BONDE DE PASSAGEIROS E BAGAGE

INTERIOR DO CARRO DE LUXO

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CARRO FECHADO

INTERIOR DE CARRO


BONDE ABERTO

FECHADO

CARRO DE LUXO

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TRANSWAYS

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A história do Mercado Bolonha resgata um pouco da história de Belém, em especial dos componentes da arquitetura que marcaram a Belém do rico Ciclo da Borracha que tentava reproduzir cenários europeus em terras amazônicas.

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SERVIÇO DE TRÁFEGO O tipo de carro foi melhorado em 1931 com a construção, nas oficinas da Companhia, de um bonde de oito rodas, com lotação para quarenta e quatro passageiros. As madeiras empregadas eram paraenses, estando, também, a sua confecção a cargo de operários locais. Até 1939, 41 carros, de 8 rodas cada um, foram construídos, nos quais foram instroduzidos, em cada ano, novo melhoramento. Pela fotografia do carro nº 27, modelo R. F. 1938, aqui estampada, verifica-se que esforços foram envidados, de acordo com a prática moderna, para se fazer os lados obliquos (tipo aerodinâmico). Neste novo tipo de bonde foi adotado o sistema de campainhas elétricas. EXTENSÃO TOTAL DAS LINHAS 64 Quilometros, em 15 linhas. carros: Grandes, com lotação para 44 passageiros - 42 Pequenos, com lotação para 28 passageiros - 60 Reboques - 19 Passageiros transportados durante o ano de 1938: 28.725.881

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A inauguração do serviço de viação público deu-se a 15 de agosto de 1907, na antiga estação da Independência, com a presença do Intendente Antonio Lemos, do Governador Augusto Montenegro, do se. G.L. Andrews, gerente da Pará Eletric Railway and Lighting Companhy, firma inglesa subidiária dos serviços de viação pública e iluminação da cidade a qual dava energia aos bondes.

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o desembarcar de bordo de um transatlântico que encosta ao cais do porto, podemos lançar sobre este ligeiro golpe de vista. Construído pela Companhia inglesa Porto of Pará, o cais do porto estende-se num comprimento de perto de um kilometro e meio, completamente calçado e sobre cais, a uma distancia de cerca de 25 metros, estão edificados 8 grandes armazéns para depósitos de mercadorias, e por trás desses armazéns, um belo boulevard magnífico para passeios de automóvel. A avenida 15 de agosto, atual Presidente Vargas, foi construída para bonds, conhecidos como transway e automóveis. Deixemos o passeio de automóvel para depois. Logo ali perto há uma parada de Bond, assinalada pelo poste pintado de vermelho com uma larga faixa em branco. 348 Belém de Todas as Épocas

Enquanto ele não chega, admiremos o magestoso edifício dos escritórios da companhia Port of Pará e o pequeno monumento que lhe é fronteiriço, elevado em 1914 em memória do feito glorioso de 11 de junho de 1865, vitória naval alcançada pelo Almirante Barroso, na guerra contra o Paraguai. Convém admirar a bela e vasta esplanada entre os armazéns da Porto of Pará e as construções do boulevard da República. Chega o Bond da linha Circular externa. Tomemo-lo. Ele se dirige para o ponto de partida de todas as linhas da viação urbana, a Praça da Independência (Ver-o-Peso). Em seguida à partida do tramway vemos o vetustoso edifício da Alfândega, e em frente a espaçosa estação dos vapores que vão regularmente à Vila de Mosqueiro, aprazível localidade, e à cidade de Soure, na Ilha do Marajó. Mais adiante e à esquerda , várias sedes de consulados aqui acredita-

dos e os principais armazéns dos grandes comerciantes exportadores de borracha Em seguida à direita, o velho edifício onde funciona a Recebedoria das rendas do Estado, no qual também é instalada a Junta Comercial. Em frente a estes dois edifícios à esquerda, fica o mercado público municipal e em face deste o chamado Mercado de Ferro. Logo em seguida o Bond faz a curva no cais da doca do Ver-o -peso, pitoresco local onde vem fazer comércio milhares de canoas vindas do interior, trazendo os seus produtos. Um momento mais, e chegamos ao lugar de onde partem todos os carros elétricos para as suas linhas de condução de pessageiros e pequenas cargas ou bagagens.


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PONTO DOS BONDES Rua Conselheiro João Alfredo, principal artéria elegante do comércio a retalho: começa ela nesse largo, vasta praça graciosamente arborizada, antes denominada da Independência, atualmente Parque Afonso Pena.

PASSEIO DE BONDE

Desse ponto avistamos a rua Conselheiro João Alfredo, principal artéria elegante do comércio a retalho: começa ela nesse largo, vasta praça graciosamente arborizada, antes denominada da Independência, atualmente Parque Afonso Pena. Vamos agora iniciar nosso passeio em torno da cidade, como que pelo seu boulevard exterior, circular externa, como é denominada esta linha. Contornamos a sua face oriental, e antes de fazer uma pequena curva, a fim de entrar na avenida 16 de novembro, avistamos à esquerda o gabinete Fisioterápico, sob a direção dos Drs. Silva Rosado e J. A. Magalhães, e à direita dois grandes pesados e suntuosos edifícios: o mais próximo o Palacete municipal e o outro, mais afastado, o Palácio dos Governo, ambos com a frente para o vasto Parque Afonso Pena, (Praça da Independência). Feita a pequena curva ao lado do pri-

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meiro dos dois edifícios acima mencionados, entra o transway na Av. 16 de Novembro, bela e longa artéria em linha reta, elegantemente arborizada de palmeiras reais, indo terminar na vasta praça de São José. Logo que deixamos, à direita, o palacete municipal, vemos atrás deste, um largo e nele gracioso jardim denominado de Prudente de Moraes. Continuando, vemos à direita a estação inicial da Estrada de Ferro de Bragança, e em frente, à esquerda, uma largo aindapor ser preparado, mas que nos deixa avistar as grandes oficinas de construção e ofícios auxiliares da firmas Manoel Pedro & Cª. E Bernardino da unha Mendes & Cª.


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Entre os anos de 1903 e 1904 Francisco Bolonha edificou para o Sr. José Júlio de Andrade, na esquina da Av. São Jeronimo, hoje Av. Gov. Jose Malcher, com a Joaquim Nabuco, um rico palacete, que se caracteriza pelas linhas verticais de extraordinária elegância.


PONTO DOS BONDES Rua Conselheiro João Alfredo, principal artéria elegante do comércio a retalho: começa ela nesse largo, vasta praça graciosamente arborizada, antes denominada da Independência, atualmente Parque Afonso Pena.

PONTO DOS BONDES Rua Conselheiro João Alfredo, principal artéria elegante do comércio a retalho: começa ela nesse largo, vasta praça graciosamente arborizada, antes denominada da Independência, atualmente Parque Afonso Pena.

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ontinuemos nosso passeio sempre pela mesma avenida; atravessamos a pequenina praça circular denominada Redondo, e logo adiante atingimos o largo de São José, porque em tempos houve ali um hospício com esse nome, dos frades capuchos da Piedade, o qual serve hoje de cadeia pública. O largo assas vasto, ainda não tem a sua arborização regularizada. Nele descreve o transway uma curva, procurando entrar na extensa e quebrada avenida Conselheiro Furtado, mas antes disso vemos à direita a usina e escritórios da Companhia de Gás Paraense. Pela avenida acima cortamos a ex354 Belém de Todas as Épocas

tensa avenida Padre Eutíquio, outrora travessa São Matheus, (por onde não tardaremos em outro nosso passeio), e vamos passar pela frente do antigo cemitério da Soledade, (onde há muito tempo não sepultam mais cadáveres), tendo já deixado a avenida, e passando para outra, a Gentil Bitencourt, vemos à direita o quartel do 2º corpo de infantaria da polícia do Estado; e mais adiante vamos encontrar a Estrada de Ferro de Bragança.

PONTO DOS BONDES Rua Conselheiro João Alfredo, principal artéria elegante do comércio a retalho: começa ela nesse largo, vasta praça graciosamente arborizada, antes denominada da Independência, atualmente Parque Afonso Pena.


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ntra-se noutra bela avenida, longa e arborizada, denominada Generalissimo Deodoro, onde encontramos, logo à esquerda, o edifício do Grupo Escolar – Barão do Rio Branco, e mais um pouco adiante o afamado Largo de Nazaré (antes Largo Justo Chermont) e ao fundo a igreja de Nazaré que tem de ser demolida quando a basílica do mesmo nome que se constrói ao lado estiver completamente terminada. Esse largo é o ponto terminal de uma seção de passagens dos bonds. Continuamos pela Avenidade Generalissimo Deodoro: cortamos as avenidas de Nazaré e São Jerônimo (atualmente Av. José Malcher) passamos em frente ao hospital D. Luiz I e Gabinete Hidroterápico à esquerda, ambos pertencentes à Sociedade Portuguesa Beneficiente e mais adiante, no fim da avenida, um pequeno largo, de Santa Luzia, onde estão, à esquerda, o edifício do 5º grupo Escolar e à direita o vasto hospital Santa Casa de Misericórdia.

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PONTO DOS BONDES Rua Conselheiro João Alfredo, principal artéria elegante do comércio a retalho: começa ela nesse largo, vasta praça graciosamente arborizada, antes denominada da Independência, atualmente Parque Afonso Pena.


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nosso tramway vira para a esquerda pela rua D. Pedro, encontramos à direita, o qurtel do esquadrão de cavalaria do Estado, amplo r acomodando perto de 200 animais. Em frente ao quartel uma vasta praça ainda sem melhoramento, intitulada – Chefe de Esquadra Pedro da Cunha, servindo, entretanto para ali ser formado o esquadrão em suas saídas. Antes do tramway voltar à esquerda para a avenida São João, podemos ver daqui a antena no telégrafo sem fio, à direita e ao longe. Descemos a referida avenida São João e não longe, à esquerda, está a fábrica de obras de cimento, mais abaixo, a pequena ponte sobre o igarapé das Almas, formando em sua foz a futura doca de Souza Franco que tem de ser construída 358 Belém de Todas as Épocas

para o ancoradouro das pequenas embarcações pela Port of Pará. Entramos na rua 28 de Setembro, artéria principal do bairro menos abastado, cheio de povo e pequenos comerciantes, sobretudo de nacionalidade síria. Ponto de parada obrigatória dos

tramways, na antiga doca do Reduto, hoje aterrada pelas obras da Port Fo Pará. Aqui, termo final da 2ª seção para pagamento de passagem nos transways. Pouco antes de chegarmos à antiga doca do Reduto, vemos as usinas fornecedoras de energia


elétrica da The Pará Elétric Railway and Lighting Cº. , encarregada da iluminação e tração urbana, por meio de eletricidade; perto delas estão as fábricas de gelo e cordas, de pregos, de construção e móveis Freitas Dias, Grande armazém de ferragens Reductoense, tomando todo um quarteirão. Continuando o nosso passeio, alguns tramways voltam para a esquerda, devendo seguir a rua Paes de Carvalho. Mas como o nosso Bond é Circular temos que voltar à direita e ao fazer a curva, à esquerda, para a rua da Indústria, (hoje Dr. Gaspar Vianna), vemos o depósito da casa edificadora Salvador Mesquita & Cª, a fábrica a vapor de cigarros Girafa, à direita, e à esquerda o quartel do 1º Corpo de Infantaria de Polícia do Estado. Continuando, encontramos, à direita, o velho e soterrado casarão

que serviu para as oficinas e estaleiros da antiga companhia de navegação do Amazonas. Do Bond podemos ver ainda bastante alto, o cais primitivo da cidade neste ponto e o que a companhia Porto of Pará ganhou do mar, aterrando terrenos , gastando neste espaço 1.269.473 metros cúbicos, e os armazéns de que já falamos anteriormente. À esquerda, e em face do velho casarão, está o antigo convento de Santo Antonio, hoje ocupado pelo Asilo desse nome, casa de educação a cargo das irmãs religiosas de Santa Dorothéa. Em frente ao convento há um largo pequeno onde estão o mesmo convento com a sua igreja da ordem 3ª de São Francisco e o hospital da mesma ordem. No ângulo da praça, entre as ruas e travessa Santo Antonio, está a Chefatura de Polícia. Continuando o nosso passeio, vol-

tamos à direita, descendo uma rampa, início da magnífica Avenida 15 de Agosto, em via de construção, e chegamos assim ao ponto de nossa partida. Aqui podemos descer, tendo feito um passeio circular em torno da cidade. Marchemos um pouco no mesmo sentido do tramway, e subamos, à esquerda, a primeira rua; no edifício à direita, cujo lado ocupa todo o quarteirão, estão as oficinas do jornal diário atualmente o mais antigo de Belém , a Folha do Norte. Continuando a mesma rua que é chamada de 1º de Março, passamos à rua Gaspar Vianna, (Antes Rua da Indústria), e vamos ter à rua Santo Antonio; aqui podemos esperar outro tramway para outro passeio longo e muito agradável; tornando o Bond com o dístico Belém de Todas as Épocas 359


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para o Souza. Ele segue por esta rua, até voltar à direita para a avenida 15 de Agosto, ainda em trabalhos de construção, devendo ser de futuro a mais bela e magestosa avenida urbana, porque liga o desembarcadouro, no cais, à vasta e formosa Praça da República, com 30 metros de largura. O tramway sobe até essa praça contornada por belíssimos jardim tendo ao centro o monumento de bronze e mármore à República. Ao chegar o Bond ao ponto da parada, podemos ver à esquerda o monumental Theatro da Paz, ladeado por graciosos jardins, à direita, e bem em frente à parada a Pharmácia Dermol, a mais bela e importante da cidade, a elegante casa de modas, de mm Rosseau, o cinematógrafo Rio Branco e o Café da Paz. Continuando o nosso itinerário, encontramos logo, e ainda à direita, o Grande Hotel, suntuoso edifício ocupando todo um quarteirão, guarnecido de ampla e belíssima terrasse, e em seguida o Cinematógrafo Olymppia, a mais bella e confortável casa de seu gênero e o High life, clube de diversões. O tramway sobe até essa praça contornada por belíssimos jardim tendo ao centro o monumento de bronze e mármore à República. Ao chegar o Bond ao ponto da parada, podemos ver à esquerda o monumental Theatro da Paz,

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tramway atravessa a praça da República em meio de um jardim que se prolonga até voltar e entrar na Avenida Nazaré, e nessa volta vê-se o belo edifício que foi do jornal diário A Província do Pará, em ruínas de um incêndio, e em seguida a casa de saúde do Dr. Pereira de Barros, já na mesma avenida: mais adiante o Instituto Amazônia, casa de educação. A perspectiva dessa avenida é majestosa, toda sombreada, por altas mangueiras, cujas copas unidades e espessas dão um grande lenitivo nas horas de forte calor. Logo ao chegar ao largo da Memória, (de um obelisco que ali existiu), à direita, em um belo edifício, acham-se os escritórios da Pará Eletric Railway and Lighting Cº Ld.; mais adiante e antes de passar por ela vamos ao fundo da praça, o quartel do 47º regimento de caçadores do exército. Dali entra ele na bela, vasta e extensa Avenida da Independência, e logo no começo destacamos à esquerda, dentro de seu gracioso e florido jardim, o imponente edifício de educação de meninas órfãs e desvalidas, denominado Instituto Gentil Bittencourt e em frente o theatrinho Bar Paraense. Esse lugar é bastante movimentado: além de ser ponto de passagens de Bond, e final das linhas de tramways de Nazaré, há o dito theatrinho, com uma confeitaria-bar, e junto, a grande Fábrica de Cerveja Paraense.

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JORNAL A PROVÍNCIA DO PARÁ

Bondes passando em frente do escritório da Pará Eletric Railway and Lighting Cº Ld


COLÉGIO GENTIL BITTENCOURT

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Continuando o nosso passeio, vemos a direita o Museu Goeldi, de história natural e etnografia, sucedendo-se após vivendas alegres e graciosas, em meio de jardins, de um lado e de outro, notando entre eles, um quase em face do outro, desses grandes prédios de construção moderna e elegante, sendo o da esquerda dos engenheiros Maximino e Antonio Corrêa, e o da direita residência do S. Ex. o Sr. Dr. Governador do Estado. Chegamos depois à vastíssima praça Floriano Peixoto, antigo largo de São Brás; neste largo e no eixo da Avenida da Independência eleva-se o belo edifício do Mercado, servindo toda essa zona urbana, que se acha muito afastada do mercado municipal. O tramway volta-se para a esquerda , contornando-se a praça, tendo deixado à esquerda, no ângulo, o grande reservatório d’água potável. Esta vasta praça ainda está sendo devidamente tratada; fica ela próxima do bairro de Canudos, habitado por trabalhadores. O tramway sobe até essa praça contornada por belíssimos jardim tendo ao centro o monumento de bronze e mármore à República. Ao chegar o Bond ao ponto da parada, podemos ver à esquerda o monumental Theatro da Paz, 364 Belém de Todas as Épocas


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Ao deixar a praça, vamos entrar na extensa e belíssima avenida Tito Franco; antes, porém, podemos admirar a Estação Central da Estrada de Ferro de Bragança. A avenida Tito Franco, a partir dali é uma linha reta, cuja perspectiva é grandiosa, pois que é ainda bordada de árvores da mata próxima, e o seu fim perde-se ao fundo da floresta apenas esbatida. Aqui vemos também vivendas alegres, contornáveis, arejadas, em meio de pomares e jardins e após 15 minutos ou mais de rodar o tramway, vê-se, à esquerda, o Bosque Municipal, ocupando todo um vasto quadrilátero, e logo em seguida, do mesmo lado, o Asylo de Alienados, com a sua igrejinha, entregues aos cuidados das Irmãs religiosas de Sant’ana. Não longe, novo ponto de passagem do tramway, continuando, quase em seguida, vemos à esquerda, o majestoso edifício do instituto profissional para meninos órfãos e desvalidos, denominado Instituto Lauro Sodré, e em frente à sua fachada, à direita, o caminho que vai ter ao Utinga, lugar de mananciais e captação da água potável fornecida à cidade, que está cuidadosa e escrupulosamente vigiada por pessoal da confiança do Governo do Estado, não sendo permitida a visita senão com ordem expressa do mesmo Governo. Cntinuamos aindo o nosso passeio saudável e pitoresco ambos os lados, achando vivendas que se destacam no fundo verde das matas e afinal chegamos 366 Belém de Todas as Épocas


1- Estação Central do Trem de Bragança. 2- Avenida Tito Franco (Almirante Barroso). 3. Asilo Dom Macedo Costa (Almirante Barroso). 4- Instituto Lauro Sodré.

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O tramway sobe até essa praça contornada por belíssimos jardim tendo ao centro o monumento de bronze e mármore à República. Ao chegar o Bond ao ponto da parada, podemos ver à esquerda o monumental Theatro da Paz,

ao término da nossa digressão; podemos saltar e dessedentarmosnos n’um pitoresco pavilhão, buvette e Buffet, ao mesmo tempo. Em frente, eleva-se o severo e grande edifício do Asilo da Mendicidade, mantido pela Municipalidade de Belém, tendo além do edifício um posto médico, um posto policial e um presbitério. Regressando à cidade, fazemos o mesmo trajeto até a avenida 15 de Agosto, após a praça da República. Em meio a esta avenida, o 368 Belém de Todas as Épocas

tramway volta para a esquerda e entra na rua Paes de Carvalho, descendo novamente para o Ver-o -Peso, ponto da partida e tronco da tração dos tramways. Antes, porém, ainda nessa rua, vemos à esquerda a massa colossal, simultaneamente grandiosa e bela de uma espécie de torre de ferro, suportando 3 enormes cubas cilíndricas, tendo entre elas um torreão, donde se descortina um esplêndido panorama da cidade em todas as direções. Essas três

cubas estão sempre cheias d’água potável para o abastecimento da cidade. Mais adiante um pouco, a grande fábrica alimentícia e de panificação Palmeira, e à direita e em frente da Igreja de Nossa Senhora de Sant’Anna, voltada para o pequeno largo de seu nome; para ele está voltado também o Central Hotel com bem cuidado restaurante. A partir daí a rua toma o nome de Manuel Barata, antiga Nova de Sant’Anna; à esquina desta com a travessa Frutuoso Guimarães, está


O tramway sobe até essa praça contornada por belíssimos jardim tendo ao centro o monumento de bronze e mármore à República. Ao chegar o Bond ao ponto da parada, podemos ver à esquerda o monumental Theatro da Paz,

em edifício próprio o Grêmio Literário e Comercial Português, onde funciona o consulado da República Portuguesa e no andar térreo, a casa Sport, especialista em frutas europeias. À esquerda, e mais adiante, a fábrica de molduras e espelhos; descendo sempre, encontra-se à direita, a chapelaria Braga, depósito e oficina de concertos de chapéus de Chile, a Delegacia Fiscal do Tesouro Nacional no Pará, e nela a Caixa Econômica . Mais adiante encon-

tram-se vários gabinetes dentários, e entre eles o do Dr. Alberto Pereira, à esquerda. O tramway vai passar ao lado do Palacete Azul e dali chega logo ao Ver-o-Peso, ponto terminal de sua viagem. Daqui poderemos fazer outra digressão, rumo do fidalgo bairro de Batista Campos. Depois de passarmos os dois largos já vistos no primeiro passeio, (da Independência ou de Palácio, e o Prudente de Moraes, na Avenida 16 de novembro), o Bond volta-se

para a esquerda, entrando entre dois edifícios, um fronteiro ao outro: o da esquerda é a repartição da 4ª Seção de Agricultura do Estado, no pavilhão Pedro Toledo, assim denominado pelo atual Governador, em homenagem ao antigo ministro da agricultura, que ora representa o Brasil na corte da Itália, e o da direita o quartel do Corpo Municipal de Bombeiros. Um pouco mais adiante, o tramway passa ao lado da grande praça Saldanha Marinho, ainda Belém de Todas as Épocas 369


O Dirigível Pérola, foi o primeiro Zeppelin a Circular em Belém em 1948.

OS ZEPPELINS EM BELÉM

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mecânico paraense Osvaldino, montou sobre o chassi de um caminhão, um novo transporte urbano que começou a circular no ano de 1948, um pequeno ônibus que pela forma se assemelhava ao famoso dirigível alemão projetado pelo Conde Zeppelin, denominação logo assimilada e adotada pela população de Belém. Blog: FAU/UFPA

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Os ônibus Zepelim da Viação Triunfo fotografados no Ver-o-Peso e em São Brás pelo ucraniano Dmitri Kessel em abril de 1957 para a revista estadunidense LIFE. Blog: FAU/UFPA

Os clippers eram onde os Zeppelins paravam para embarcar os passageiros

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Leôncio Siqueira

TRILHOS: O CAMINHO DOS SONHOS O PESQUISADOR E ESCRITOR LEÔNCIO SIQUEIRA LANÇA NOVA EDIÇÃO DE LIVRO. UM MEMORIAL DA ESTRADA DE FERRO DE BELÉM - BRAGANÇA E COLABORA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA PARA O TURISMO TRILHOS: O CAMINHO DOS SONHOS do com os conflitos da Adesão do Pará à (Memorial da Estrada de Ferro de Bra- Independência e em seguida à Revolta gança), é uma trilha, percorrida minu- da Cabanagem. ciosamente pelo pesquisador e escritor No momento em que o embrião Leôncio Siqueira, um caminho de ferro da Belle Époque aflora no solo da Provínque transportou por cinco gerações o cia do Grão Pará, a Colonização Paraense desenvolvimento sócio econômico e cul- se en¬contra totalmente esfacelada; não tural de toda uma região, que plantou o havia comida para tantos que chegavam diferencial miscigenado de tantas raças à caça da seringueira, a “Árvore da Fortuali instaladas, que na”. interagiu, entre os O audacioso po¬vos distribuídos O audacioso projeto foi colocado projeto foi colocado em todo o percurem prática: Transformar a área em prática: transso, en¬trelaçando a área geogeográfica central do Nordeste formar famílias, aproxigráfica central do do Pará em um grande celeiro Nordeste do Pará mando-os cada vez mais, germinando a em um grande ceagrícola. semente da paz. leiro agrícola; cons Foi o “Caminho de Ferro” que truir uma estrada de ferro, possibilitando permitiu o escoamento de toda a produ- o deslocamento das pessoas e o escoação agrícola e pecuária do Nordeste do mento da produção e interligar a linha Pará, transformado-o no “Celeiro Eco- férrea às localidades litorâneas através nô¬mico do Estado”. de vicinais rodoviárias. “A FUMAÇA E AS MARCAS Hoje, para alcançar esta históDOS TRILHOS NO CHÃO”. Difusas lem- ria, você tem que seguir “Os Trilhos” desbranças, dilapidadas pela amnésia do se caminho e conhecer em detalhes um tempo. O retrato da transposição de período de maior relevância da “História uma época em que a colonização, desen- de Nosso Estado”. volvida inicialmente pelos jesuítas, é aniquilada por determinação do Ministro de Portugal, Marques de Pombal, culminan-

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No céu a fumaça e as marcas dos trilhos no Chão...

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DOCUMENTÁRIO

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Prédio da antiga Estação Ferroviária de São Brás, demolida em 1972.

ma grande solenidade marcou o começo da realização de um sonho, conforme o relato de Ernesto Cruz em A História dos Municípios Paraenses: “Às 8h30m chegaram ao lugar designado para a cerimônia, onde hoje está localizada a Estação Rodoviária de São Brás, numerosas pessoas, especialmente convidadas, conduzidas em 12 bondes da Companhia Urbana Paraense, puxados à tração animal”. No primeiro veículo iam S. Excia. Revdma. Dom Antônio de Macedo Costa e o Sr. Bernardo Caymari, da empresa concessionária. Nos demais, o que Belém possuía de mais representativo nos diferentes círculos: social, econômico e político. Era um acontecimento digno das alegrias que todos deixavam transparecer. Reunidos o Visconde de Maracajú e as principais autoridades da Província, foi iniciada a cerimônia de colocação dos primeiros trilhos, feita pelos engenhei¬ros Batista Weawer e Moura de Campos, sobre dois dormentes de mármore. Neles estavam gravados os seguintes dizeres: “Estrada de Ferro de Bragança” – Primeira estrada de ferro construída na Província do Pará, inaugurada em 24 de junho de 1883, sendo Presidente o Exmo. sr. General Visconde de Maracajú– Estrada de Ferro de Bragança – Organizada e construída por B. Cayma¬ri, sendo Engenheiro Chefe M. B. Batista; Primeiro Engenheiro H. E. Weawer; Engenheiro Ignácio B. de Moura, A. O. R. da Costa Martin, F. Martin; Auxiliar H. Sholl; Contador Elkin Hime Júnior; Diretores Barão de Mamoré, Otto Simon e Michel Calógeras”.

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O assentamento do primeiro trilho, fixado com oito pregos de bronze prateado, cada um deles cravado por uma autoridade, dava início à construção da tão esperada ferrovia. A mãe natureza abria seus braços para aqueles que a agrediam, rasgando suas entranhas, derruban¬do suas árvores seculares. Assim seguiam os cassa¬cos, como foram chamados os desbravadores, com seus terçados, machados, picaretas e serras, abrindo picadas para o assentamento dos dormentes e dos trilhos. Paralelamente eram colocados os postes da rede telegráfica, responsável pela comunicação entre as estações. Dentre as muitas alterações, acontecidas durante a construção da ferrovia, a primeira delas foi a mudança do lugar onde seria construída a estação de Belém, saindo da Av. Tito Franco (atual Av. Almte. Barroso) com o Boulevard da Câmara (atual Dr. Freitas), para o Largo de São Brás (atual Praça Floriano Peixoto). Poucos são os que ainda lembram com detalhes a história de nossa ferrovia, quando muito, sabem apenas que havia uma estrada, que se interpunha entre Belém e Bragança, por aonde um trem ia e vinha. A história foi relegada, o delicado momento de sua extin¬ção em 1964, início de um governo ditatorial, diretamente interessado na consumação desse fato, favoreceu ainda mais que a amnésia do tempo acelerasse o processo de esquecimento. Os trilhos foram arrancados; as magníficas estações, construídas ao longo de todo o percurso, símbolos arquitetônicos da cultura moderna, que fazia parte da revolução mecânica, foram covardemente demolidas e devastadas pela força insensata e irresponsável de outra revo-


PRIMEIRA ESTAÇÃO Trem partindo pela Avenida Tito Franco, atual Almirante. Barroso, em frente ao antigo Inst. Agronômico do Norte (demolido).

lução. O abandono irresponsável de um incalculável patrimônio da Rede Ferroviária Federal, que somente a partir de 2007, começou a ser levantado pelo IPHAN, ou seja, quarenta e seis anos depois do acometimento dessa insanidade já seria suficiente, entretanto, a desarticulação da agricultura, responsável pela economia de todo o nordeste do Pará, o abandono do povo e suas lavouras que se perderam sem ter como escoar, as cidades e vilarejos que eram tocados única e exclusivamente pelo trem e que tiveram que rasgar caminho até alcançar a rodovia que passava a quilômetros de seus centros, transformaram-se em cicatrizes perenes. A região estacionou no tempo por quase trinta anos, transformando a realidade, que parecia um sonho, em pesadelo. Apenas a fumaça paira teimosamente no céu, confundindo-se com as nuvens, avistada pelos sonhadores, que ainda veem e escutam o trem e seu apito.

INAUGURAÇÃO DO PRIMEIRO TRECHO

Ferroviários em frente à Estação de São Brás.

Em 09 de novembro de 1884, aconteceu a viagem inau¬gural do primeiro trecho, um percurso de 33 quilômetros entre as estações de Belém e Benevides, com o tempo de 10h8min. Nesse mesmo trecho foram construídas as paradas e as estações ferroviárias de Entroncamento e de Ananindeua. Era uma bela manhã de domingo. O primeiro trem saiu exatamente às 8h00 da manhã e o segundo as 14h00, conduzindo autoridades e convidados das esferas política, social e administrativa, dentre eles o Presidente da Província Conselheiro João Silvestre de Sousa, o Bispo Dom Antônio de Macedo Costa, Corpo Diplomático residente em Belém, os engenheiros Weawer, Moura de Campos, entre outros, e as classes: empresarial e social, como um todo. Coube ao Engenheiro Pinto Braga, diretor da colônia, organizar todo o cerimonial da festa e receber os convidados. O destaque da festa coube ao Engenheiro Bernardo Caymari que, apesar de não estar presente naquele grande acontecimento, por motivo de doença, encaminhou, através do Conselheiro Tito Franco, Presidente do Clube Amazônia, ao seu representante Domingos Olímpio, as cartas de alforria, concedendo liberdade a vinte escravos residentes na região, comungando com os acontecimentos de 30 de março de 1884, quando foram libertados seis escravos, em uma solenidade presidida pelo Presidente da Província Visconde de Maracajú, gerando uma conotação com repercussão nacional, facultando à Benevides o honroso título de “A Terra da Liberdade”, traduzindo o espírito fraternal e humano dos quais os responsáveis por tão grande obra estavam revestidos. Para se imaginar o grande passo que havia sido dado, basta comparar o tempo de oito horas que se gastava através de rio e mata, única forma de acesso, até então, para se chegar à Benevides, com o tempo do trem.

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DOCUMENTÁRIO

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o retorno à capital, às proximidades do quilômetro 14, entre Marituba e Ananindeua, por volta das 17h30m, aconteceu o primeiro descarrilamento na Estrada de Ferro de Bragança. O acidente foi provocado devido a uma chave da agulha do desvio, que funcionava nesse local, achar-se meio aberta, provavelmente devido à ignorância de algum transeunte. O acidente provocou o recurvamento de dez metros de trilhos e dormentes, obrigando os passageiros a retornarem à Benevides, e outros prosseguirem a pé até Belém, numa estafante viagem de 5h. Quatro meses depois da inauguração do primeiro trecho, os trilhos chegaram à Santa Izabel, sendo, em 16 de março de 1885, aberta ao público. No final do mesmo ano, chegou ao Apeú. O gigantesco passo era apenas o começo de uma grande realização, que ficou estacionado durante dez anos na Estação Ferroviária do Apeú, período

O audacioso projeto foi colocado em prática: Transformar a área geográfica central do Nordeste do Pará em um grande celeiro agrícola. em que o Governo Pro¬vincial acelerou o processo de colonização, iniciado em 13 de junho de 1875, quando da inauguração da Colônia de Benevides, vanguarda no processo de colonização da “Zona Bragantina”. Novas iniciativas foram tomadas: a primeira foi a encampação da estrada de ferro pelo Governo Provincial, a segunda foi a construção da Estação Central, localizada na Rua de São José Liberto, atual 16 de Novembro, esquina da Rua Almirante Tamandaré; interligada a S. Brás por um ramal de 3.500 quilômetros e, por último, a extinção da colônia de imigrantes de Benevides em 1877, sendo criada em sua área uma nova colônia de emigrantes nacionais, flagelados da seca do nordeste, denominada Colônia de Nossa Senhora do Carmo de Benevides. O tempo se encarregou das alterações. Assim, em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República. O primeiro governo Republicano tomou posse com Lauro Nina Sodré e Silva, substituído em 1897 por José de Paes de Carvalho. Em relação à estrada de

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ferro, esses dois go¬vernos investiram na abertura de novos núcleos coloniais e na imigração, para a ocupação dos mesmos. O Governador Paes de Carvalho iniciou a construção da Estrada de Ferro de Benjamin Constant em 1900, interligando Bragança à colônia do mesmo nome, sendo esta concluída no governo de Augusto Montenegro. Finalmente, em 1º de fevereiro de 1901, o Dr. Augusto Montenegro assume o Governo do Estado e, em duas memoráveis administrações, conclui a estrada que, em 18 anos de administrações que o precederam, construíram apenas 118 quilômetros, encontrando-se em Igarapé-Açú, metade da linha principal a ser concluída, sem incluir nesse cálculo a extensão dos ramais que, somados a linha principal, totalizaram 293 quilômetros. No espaço geográfico entre Santa Izabel e Igarapé-Açú foram criadas, do final do período provincial ao final do governo de Paes de Carvalho, várias colônias agrícolas: Araripe e Ferreira Pena (Vila de Americano), Apéu, Castanhal, Marapanim (São Francisco do Pará), José de Alencar, Anita Garibaldi, Ianetama, Inhangapi, Jambu-Açú (Igarapé -Açú) e Santa Rosa, na Estrada da Vigia.


CASSACOS Os cassacos, como foram chamados os desbravadores, com seus terçados, machados, picaretas e serras, abrindo picadas para o assentamento dos dormentes e dos trilhos.

GOVERNO DE AUGUSTO MONTENEGRO

MARITUBA 22 de junho de 1907 - Fundação da Vila Operária de Marituba. Busto erigido na Praça Augusto Montenegro em homenagem ao Governador.

Via permanente — O tráfego da estrada estava aberto desde 31 de dezembro de 1900, até à Estação de Igarapé-Açú, no quilômetro 118. Segundo o relatório do chefe interino da 3ª secção, apresentado ao Diretor Geral dos Trabalhos Públicos, a linha achava-se em péssimas condições de conservação, tornando-se necessária uma substituição quase geral dos dormentes. Os acidentes causados pelo seu mau estado sucediam-se, com uma frequência assustadora. As condições em que Augusto Montenegro recebeu a E. F. B, eram realmente lastimáveis, o retrato do descaso administrativo na manutenção do trecho construído era um sinal de descrédito na conclusão da obra. Foi necessária muita determinação para que a obra, colocada como plano de meta de seu governo se concretizasse. As estações, em geral construídas sem arte, mal suportavam reparos. As obras de arte não possuíam a devida segurança; enfim, o aspecto geral da estrada gerava má impressão, tanto ao público como ao governo, e urgia providenciar, em primeiro lugar, relativamente, a segurança da linha. Apesar de a Província do Pará viver o período fausto da borracha, o caixa do Tesouro Provincial estava descoberto, não havia reservas para cobrir os gastos, que se multiplicavam na reconstrução da ferrovia, no prolongamento da estrada e na cobertura de todas as outras despesas, ineren¬tes ao governo. Um empréstimo de 650.000 Libras esterlinas, feito na Inglaterra, permitiu que as obras fossem conduzidas de forma célere, conforme o planejado: • Foram executadas todas as obras de recuperação da estrada: trocas dos dormentes, nivelamento da pista, diminuição das curvas, reconstrução de pontes e bueiros. • Recuperação da estrada. • Reconstrução das estações.

AUGUSTO MONTENEGRO Finalmente em 1º de fevereiro de 1901, o Dr. Augusto Montenegro assume o governo do Estado e em duas memoráveis administrações, conclui a estrada que em 18 anos de administrações que o precederam, construíram apenas 118 Quilômetros. uma extensão de 80 quilômetros, diminuindo consideravelmente a extensão e o custo da obra; e autorizar a construção do Ramal de Pinheiro (Icoaraci), das Oficinas de Marituba e consequentemente a Vila Operária de Marituba.

MARITUBA - Na língua Nhengatu significa: lugar abundante de “Mari ou Marís”. Árvore da família das icacináceas de excelente fruto comestível; ”tuba” significa abundante. A fusão dos termos deu origem ao topônimo do lugar. Inserida na gleba cedida pelo Governo Imperial para ser loteada pelo Governo Provincial, Marituba caracterizava-se como mais uma extensão do Núcleo Colonial de Benevides. A antiga fábrica de papel destruída por um incêndio em 1898, localizada em Marituba, foi entregue ao governo para pagamento de seu débito, no valor de 142 contos de réis. Depois, em 18 de setembro de 1903, foi repassada à Estrada de Ferro de Bragança, para que fossem construídas as oficinas mecânicas, que até então funcionavam precariamente na estação de São Brás. A área possuía 1.580 hectares, às quais foram anexados mais 200 de mata virgem. ALTERAÇÕES DO PROJETO ORIGINAL O projeto para a construção das oficinas Augusto Montenegro resolveu cance- em Marituba foi aprovado em dezembro lar a construção do Ramal de Salinas, com de 1903, sendo elaborados os trabalhos pre

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DOCUMENTÁRIO paratórios: roçado, desmatamento, nivelamento do terreno, assentamento de desvio para as novas oficinas, um poço para o fornecimento de água e assentamento do girador, que ficou concluído em fins de 1904. Em seguida, iniciou-se a edificação da casa da caldeira, com o teto construído com trilhos Decouville; forno de fundição, prédio para serraria e carpintaria com três hangares, ligados por 10 metros de vão cada um, com 75 metros de comprimento sobre colunas de aço forjado. Sobre o igarapé, perto do pontilhão, às margens da linha, a casa da bomba, reservatório d’água em alvenaria, com 12 metros de altura para conservar 32.000 litros de água e mais seis grupos de barracas para moradia provisória para 12 famílias, enquanto durava a construção da vila, sendo, mais tarde, pintadas e rebocadas para os aprendizes. Em 1905, estava todo o pessoal operário instalado em Marituba. Os mecanismos foram desmontados e transportados anteriormente, pouco a pouco, para Marituba, onde os instalou o mecânico Ezequiel Monteiro do Sacramento. Os mecanismos de carpintaria foram instalados pelos próprios operários. No ano de 1905, o assentamento dos trilhos corria célere em direção à Capanema. O então Governador Augusto Montenegro autorizou a construção da vila e da estação ferroviária. A estação do tipo 3ª classe, de madeira e tijolos, com beirais longos, coberta de fibrocimento, para abrigar as plataformas, sendo a estação locada entre duas linhas e entregue ao público, em 1º de fevereiro de 1907. A vila foi inaugurada em 22 de junho de 1907, em cerimônia presidida pelo diretor da estrada de ferro, Dr. Schindler. Com a presença de outras autoridades e futuros moradores da vila, teve início o Povoado de Marituba. A vila foi construída com toda a infraestrutura necessária: 17 grupos de duas casas, cada um para moradia dos operários, um grupo para escola, residência dos professores e farmácia, outro para armazém de comestíveis e moradia do pessoal do armazém, uma casa para o chefe das oficinas e outra para o posto policial.

Vila Operária de Marituba . Caixa D’agua para esfriar os motores

Oficinas da EFB

Estação Ferroviária de Pinheiro (hoje Icoaraci)

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Antiga Estação Ferroviária da Vila Pinheiro Em 1869, o local onde hoje se encontra Icoaraci foi registrado e loteado ainda com o nome de Vila Pinheiro. Só em 1943, o nome Icoaraci foi oficializado, depois de a vila ter se tornado Distrito de Belém no ano de 1938. O edifício foi inaugurado em 1906, para servir de estação principal do Ramal de Pinheiro e está situado no quilômetro 22, a partir da Estação do Entroncamento. Depois de desativada em 1964, o prédio da estação serviu para abrigar um mercado municipal, até 1978. Hoje, funciona como um centro de vendas de artesanato e se encontra em péssimas condições, precisando ser restaurado. Antiga Caixa D’água da Ferrovia e Oficinas - MARITUBA A área onde hoje se situa o Município de Marituba nasceu como Vila Operária da Estrada de Ferro. Possui diversas edificações que, de alguma forma, estão relacionadas à antiga Estrada de Ferro de Bragança, como: caixa d’água, oficinas, casas dos operários, garagem de locomotivas e marco. A caixa d’água é uma edificação que, juntamente com as construções citadas anteriormente, forma um conjun-to arquitetônico e situa-se à margem da Avenida Fernando Guilhon, sendo ladeada por praças, residências e comércios. Representa um dos principais símbolos do município. Os prédios, onde funcionavam as oficinas da antiga Estrada de Ferro de Bragança, estão situados à margem da Rodovia BR-316 e, juntos, compõem um conjunto arquitetônico, que contava também com o edifício garagem das locomotivas e, estendendo-se ao outro lado da rodovia, o conjunto de casas da Vila Operária e a caixa d’água. É uma importante representação da história local. Antiga Estação ferroviária de Benevides A primeira Estação Ferroviária de Benevides foi inaugurada com a chegada da estrada de ferro em 09 de novembro de 1884, sendo a primeira estação e o primeiro trecho inaugurados na ferrovia. Em 1953, foi substituída, sendo uma das poucas ainda existentes. Poucos anos depois do fim da estrada de ferro, a estação se tornou Seminário de Igreja Protestante Norte Americana, o Seminário Bíblico Batista Equatorial. Oito anos depois passou a ser administrada pelo município, com a função de Biblioteca e Secretaria de Educação. Atualmente está incorporada ao patrimônio municipal, funcionando como “Casa do Cidadão”. A construção tem um estilo eclético simplificado, de planta retangular e volumetria constituída de apenas um pavimento,

Ruínas da 2ª estação de Santa Izabel. com aproximadamente 7,00 metros de altura, do solo até à cumeeira. Ruínas da Antiga Estação ferroviária de Moema Uma das obras arquitetônicas mais importantes, construída no final do século XIX, pelo então Intendente Municipal Antônio José de Lemos, dentro da área geográfica disponibilizada para a instalação da Colônia de Benevides, permanece teimosamente erguida, aguardando o reconhecimento de sua importância e quiçá o seu tombamento. Dentre tantas obras, construídas em seu governo, esta foi com certeza, a mais importante, construída com o coração e lapidada com a alma, na plenitude de sua emoção. Seu filho Tibiriçá contraíra a “Lepra”, na época incurável, provocada por um bacilo que penetra no organismo, provocando a necrose do lugar onde se aloja. No inicio do século, o único local adequado para receber os pacientes era o Leprosário do Tucunduba, de onde nenhum paciente saía com vida. Assim, buscando preservar a dignidade do filho, construiu o retiro, que o acolheu até à morte. Ainda hoje, pode ser observado o requinte do complexo arquitetônico, com os seus “chalets”, casarios coloniais, igreja em estilo gótico e praça alinhavada de postes ingleses. Praças que lembram em tudo a Praça Batista Campos, construída na sua administração. Uma obra de arte, que caracterizou o mais alto grau do acabamento aristocrático, na suntuosidade de uma Belém da “Belle Époque”. As ruínas, observadas às margens da

Br. 316, são restos da parada rodoviária, surgida juntamente com a rodovia. A ferrovia passava por detrás, saindo da localidade de Cupuaçú, até alcançar o Colégio Antônio Lemos, na entrada de Santa Izabel. Antiga Estação Ferroviária de Santa Izabel Em Santa Izabel, foram inauguradas três estações, a primeira delas com a chegada da estrada de ferro, em 1885, construída em taipa, substituída em 1907 por uma totalmente importada da Inglaterra. Na década de 1950, por falta de manutenção, foi demolida e a nova estação foi construída em outro endereço. A estação já foi sede do Rotary Club, junto com o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto), posteriormente Casa da Amizade e Biblioteca e, atualmente, abriga uma escola de ensino infantil. Antiga Estação Ferroviária de Americano Inaugurada no ano de 1885, a Estação de Americano está implantada em um terreno plano, elevada em relação ao nível da rua, na esquina do cruzamento de duas vias, sendo a principal no local por onde passavam os trilhos da antiga estrada de ferro e a segunda sendo responsável pela ligação do distrito com a BR-316. Antiga Estação ferroviária do Apeú O edifício da antiga estação ferroviária foi inaugurado em 1885, como ponta de trilhos da estrada de ferro, até então com 61 km. É uma edificação isolada, que se situa à margem da Avenida Barão do Rio Branco, sendo ladeada por praças e residências. Está implantada no terreno com sua maior

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DOCUMENTÁRIO

dimensão na fachada frontal, voltada para a praça, e a fachada posterior voltada para a Avenida Barão do Rio Branco. Esta avenida, originalmente, advém da estrada de ferro, portanto sua atual configuração mostra o percurso do trem e o seu desvio. A estação foi o motivo do crescimento do comércio, configurando-se como núcleo da vila. Locomotiva e Vagões A locomotiva de nome Castanhal, assim como o vagão que se encontra atrelado a ela, percorreu os caminhos da antiga Estrada de Ferro de Bragança, mas hoje repousa no Município de Castanhal, sob uma gare que não é a original e sim uma réplica, construída na Praça do Estrela, já que a estação original ficava situada onde hoje é a Avenida Barão do Rio Branco. A locomotiva ali se encontra por esforço do Prefeito Pedro Mota, que lutou para que ela permanecesse na cidade após o término da ferrovia. A locomotiva e o vagão são os únicos objetos no entorno, que se relacionam diretamente à estrada de ferro, e atuam como elementos decorativos na praça. A locomotiva é toda em ferro, sendo composta basicamente de três partes principais: a base, onde estão as rodas; a caldeira, onde estão afixadas as peças que fazem parte do sistema de funcionamento a vapor; e a cabine do maquinista.

cisco do Pará, iniciou-se com a chegada da estrada de ferro, possivelmente em 1897, ano em que foi aberto o trecho Apeú/Jambu-Açú. Em 1963, o município passou a se cha¬mar São Francisco do Pará; porém, já em 1944, era considerado município. Hoje o que resta da ponte é apenas o embasamento em pedra, de ambas as margens do igarapé. As medidas das bases são 4,80m x 5,40m, com uma altura de 4 metros.

Antiga ponte de ferro sobre o Rio Jambu -Açú A Vila de Jambu-Açú, que deu origem ao Município de Igarapé-Açú, era também um ponto de parada das locomotivas. A vila, que existe até hoje, situa-se ao longo da PA-320, tendo fim no igarapé onde está localizada a ponte; esta, por sua vez, é um elemento isolado, implantado paralelamente à PA-320, no local onde, obviamente, seguia a antiga Estrada de Ferro de Bragança. Em seu entorno encontra-se a vila, no sentido Bragança-Belém, e áreas descampadas no sentido oposto. O aterro que dá sustentação ao seu embasamento, em pedra, está parcialmente desterrado, deixando à mostra parte da estrutura metálica da fundação. A ponte apresenta uma composição rítmica, com simetria rígida, em decorrência da padronização das peças de sua estrutura. Sustentando-a em meio ao igarapé, encon-tram-se duas estruturas Ruínas de Ponte sobre o Rio Marapanim em concreto, que, em suas faces frontais, O Município de Anhangá, hoje São Fran- formam triângulos vazados. Quatro vigas em

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ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE CASTANHAL A Estação Ferroviária de Castanhal era imponente, destacando-se no centro da Avenida Barão do Rio Branco (antiga Augusto Montenegro), entre as transversais Maximino Porpino e Magalhães Barata. As duas plataformas de embarque e desembarque totalmente cobertas davam a impressão de o trem estar entrando em um túnel. ferro formam a base, onde se sustentavam os trilhos, essas bases são interligadas por peças metálicas que se cruzam em forma de “X”, tanto horizontal quando verticalmente, garantindo a estabilidade da estrutura. Mercado Municipal de Igarapé-Açú No ano de 1932, o Governador Barata visitou a Cidade de Igarapé-Açú, deu ordem ao Intendente Coronel La Roque para demolir o mercado municipal, construído no ano de 1919, em paredes de tábuas, já que este prédio encontrava-se em péssimas condições de uso. Em Igarapé-Açú, havia uma estação do trem, com um grande número de pessoas que ali passavam em viagem e, por isso, não poderia ter um mercado municipal na situação precária em que se encontrava. O Coronel La Roque achou por bem entregar ao Engenheiro da Secretaria de Obras do Estado


Antiga Estação Ferroviária de Nova Timboteua do Pará, o suíço Schumandek, uma foto de um prédio, que ele mesmo fotografou, em uma das suas visitas à Suíça, para ser o modelo do novo Mercado Municipal. Realizadas as devidas adaptações na confecção da planta, o engenheiro Schumandek deu inicio à construção do mercado. No ano de 1934, La Roque deixa o prédio em paredes levantadas e cobertas. Só em 1939 é retomada a obra de construção do prédio. Após oito anos, ou melhor, em 08 de junho de 1940, o Prefeito José Germano de Melo inaugura o novo Mercado Municipal de Igarapé-Açú. Antiga Caixa D´água Ferroviária - Livramento O Distrito de Livramento, localizado no Município de Igarapé-Açú/PA, tem esse nome devido ao rio que corta o local; entretanto, o rio que outrora foi conhecido pelo nome de Livramento, hoje é denominado Maracanã. A estrada de ferro chegou à localidade no ano de 1906, logo, pressupõe-se que a caixa d’água data da mesma época. A caixa d’água está situada à margem esquerda do Rio Maracanã, junto à ponte e, com esta, formava o conjunto de equipamentos necessários para a continuação das viagens, já que a água que armazenava servia para encher as caldeiras das locomotivas. Seu partido arquitetônico é simétrico, sua volumetria corresponde a pédireito duplo com 7,15 metros. A estrutura é formada por quatro pilares delgados, de seção retangular, travados por um vigamento quadrado, que a partir do solo

seguem em direção ao centro da caixa, sendo interrompidos por um vigamento circular, que sustenta a base da caixa d’água propriamente dita, também circular. Toda a estrutura é em concreto armado. O tubo de queda está localizado em uma das extremidades e na outra, existe uma escada de acesso ao reservatório. A caixa d’água apresenta um estado de conservação ruim, com trechos faltantes e alguns quebrados. Antiga Ponte da Estrada de Ferro sobre o Rio Livramento A ponte está situada sobre o Rio Maracanã, que alaga as suas margens nos primeiros meses do ano. Forma conjunto com a caixa d’água em concreto armado, que está situada em uma de suas cabeceiras. Seu partido é retangular, apresentando simetria formal rígida. Sua volumetria corresponde a uma altura de 4,50 metros em sua parte mais alta, os pilares em concreto. Sua estrutura de embasamento é em pedra e concreto. Nas margens do rio, encontram-se estruturas de sustentação em concreto armado, de onde saem os pilares, também em concreto, que demarcam o ponto onde a ponte já não está mais em contato com o solo e atravessa o rio. Entre essas duas estruturas, nas margens, estão localizadas as vigas longitudinais em ferro, que dão sustentação à toda a estrutura superior de fechamento lateral da ponte. Essa estrutura de fechamento lateral é de peças metálicas, que se cruzam e formam desenho geométrico constante e padronizado, de

acordo com o tamanho e a disposição das peças. As peças, que sobem verticalmente, sem inclinação, dão origem aos pórticos, que se repetem por toda a ponte, de forma rítmica e simétrica. Os pórticos são cobertos por vigas treliçadas. O seu piso é formado por entabuamento, que repousa sobre as vigas metálicas de sustentação; esse piso é estreito, possibilitando a passagem de apenas um veículo por vez. A estrutura metálica está pintada com tinta esmalte sintética na cor preta, sendo que algumas peças diagonais da estrutura de fechamento lateral apresentam-se pintadas na cor amarela. Os pilares e a estrutura de sustentação de concreto estão pintados com tinta à base de água na cor branca, estando essa pintura bastante desgastada, principalmente na base. Antiga Estação Ferroviária de Nova Timboteua Em 1888, Serafim dos Anjos Costa requereu, junto ao governo provincial, a área de ter¬ras onde hoje se localiza a sede municipal de Nova Timboteua. O local atraiu novos moradores e, em 1892, o núcleo já estava instalado. O Povoado de Timboteua foi reconhecido em 1895, porém, a população entrou em decadência e o povoado acabou se extinguindo em 1906, em função da construção da Estrada de Ferro de Bragança, que passava a alguns quilômetros dali. Com a estação ali erigida, surgiu um núcleo às margens da estrada de ferro, que foi denominado de Tabuleta, por causa da existência de um marco

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Prédio da da antiga Estação Ferroviária de Bragança demolido após a extinção da E.F.B. da quilometragem da via férrea. A estação, no entanto, já se chamava Timboteua, desde a inauguração. Era essa, aliás, a estação com a localização mais alta da rede bragantina, estava a 50 metros de altitude. Em 1915, devido ao progresso, Tabuleta atingiu a condição de povoado. Essa denominação não perdurou, optando os moradores pela nomenclatura de Nova Timboteua, para diferenciar da “velha” Timboteua. O Município de NovaTimboteua foi criado em 1943. A estação é uma edificação isolada, que se situa à margem da Avenida Barão do Rio Branco, sendo ladeada por praças, residências e pontos comerciais. Está implantada no terreno, de forma a ter a sua maior dimensão na fachada frontal, voltada à Avenida Barão do Rio Branco. Antiga Estação Ferroviária de Peixe Boi A Estação Ferroviária de Peixe-Boi foi inaugurada em 1° de março de 1907, no quilômetro 163. Era do tipo 3ª classe, constituída por um triângulo de reversão, desvio de 150 graus. A edificação está implantada num terreno levemente inclinado, que aumenta asua cota em direção ao rio e ao Norte. A construção fica na esquina da Rodovia PA242 (Avenida Marechal de Ferro), com a Travessa Plácido de Castro. Essa é atualmente usada como centro comercial municipal e Sindicato dos Trabalhadores Rurais, no qual também funcionou um gabinete odontoló-

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gico, inaugurado no ano de 1998. O estado de conservação geral da antiga estação é bom, apesar das modificações adotadas para a adaptação aos novos usos. Antiga Estação Ferroviária de Tauari A primeira estação de Tauari foi inaugurada no dia 1° de janeiro de 1908, no km 191. Sendo o conjunto ferroviário composto ainda, por um desvio e duas casas geminadas para funcionários da estação. O prédio da antiga estação existente, hoje substituiu a edificação anterior e possui estilo de características do ecletismo simplificado. Tauarí tem seu nome originário do grande número de árvores de tauarizeiros, no início da ocupação da vila, que em 1906, possuía somente quatro moradores caboclos. Os nordestinos foram os primeiros imigrantes a chegarem, ainda na primeira década. Com a implantação e o advento da ferrovia, a economia mostrou mudanças, com a instalação das primeiras casas comerciais, junto com a facilidade de transporte para escoar a produção de arroz, algodão, milho e feijão. Assim também era a facilidade de acesso à região, quando, na década de 1920, chegam os estrangeiros, advindos principalmente do Líbano, Turquia, Portugal e Espanha. O fim da Estrada de Ferro de Bragança levou embora a oportunidade de desenvolvimento da região.

tratava de uma vila bastante pequena, com moradores basicamente advindos do nordeste e de algumas tribos indígenas. A estrada de ferro chegou naquela localidade no ano de 1908, ano em que foi construído o edifício que serviu de estação; apresentava volumetria constituída por um único pavimento, com pé direito de aproximadamente 5,45m (hoje não possui mais o forro). O seu partido é regular, e originalmente a planta era simétrica. Hoje, pelas alterações sofridas devido às reformas, a planta não apresenta essa simetria, apesar de volumetricamente ainda manter essa característica. A edificação é eclética, com pequena influência “art decò”, perceptível em seu sobressalto na volumetria central e sua marquise em concreto.

Antiga Estação Ferroviária de Tracuateua A antiga estação ferroviária do Município de Tracuateua foi inaugurada em 1908, no qui¬lômetro 211; era do tipo 3ª classe, constituída de um desvio de 150 metros. A edificação tem estilo eclético simples e rústico, com características predominantes na simetria e na hierarquização dos espaços internos. A antiga estação situa-se no centro da cidade, às margens da PA-253. Nas suas imediações, encontramos uma pequena praça arborizada, comércio de pequeno a médio porte e prédios institucionais. As construções do tipo alvenaria não passam de dois pavimentos, na maioria de apenas um, Antiga Estação Ferroviária de Mirasselvas com pouco afastamento ou nenhum na fachaO Distrito de Mirasselvas, antes da che- da frontal, assim como nas laterais. gada da estrada de ferro já existia, porém se


ESTAÇÃO DE BRAGANÇA Prédio da da antiga Estação Ferroviária de Bragança. No detalhe a Marujada desfilando em dia de Festa ao lado da estação.

Antiga Caixa D’água da Ferrovia - Bragança A estrada de ferro chegou à Bragança no ano de 1908, com a conclusão das obras dos trilhos e da Estação da Estrada de Ferro de Bragança. A caixa d’água está situada às margens da antiga ferrovia, hoje área urbana de Bragança no Bairro do Taíra, sendo ali elemento isolado, não formando conjunto com nenhum outro equipamento da estrada de ferro. A água que armazenava, servia para encher as caldeiras das locomotivas, que passavam por ali rumo à estação, que hoje não mais existe. Seu partido é simétrico, sua volumetria corresponde a pé-direito duplo, com 7,15 metros. A estrutura é formada por quatro pilares delgados, de seção retangular, travados por um vigamento quadrado, que a partir do solo seguem em direção ao centro da caixa, sendo interrompidos por um vigamento circular, que sustenta a base da caixa d’água, também circular. Toda a estrutura é em concreto armado. O tubo de queda está localizado em uma das extremidades, e na outra existia uma escada de acesso ao reservatório. BRAGANÇA — Sobrenome de origem geográfica e transposição toponímica de Portugal. Origina-se do latim “Brigantia”, por intermédio de “Bregança”, forma lusitana de um nome céltico de povoação fundada por Brigo, significando Castelo, Fortaleza; Dinastia reinante em Portugal e Algarves, de 1640 a 1910. Debruçada à margem esquerda do Rio Caeté, “Mato Bom”, na língua tupi, Bragança

conserva até hoje o cheiro nativo de cidade do interior. Ao retornar às origens através dos relatos de Armando Bordallo da Silva, encontramos Diogo Leite e Baltazar Gonçalves realizando as primeiras explorações na região, onde mais tarde surgiria a Pérola do Caeté. Cronge da Silveira, entretanto, afirma que os franceses, liderados por Daniel de La Touche, Senhor De La Ravardière, foram os primeiros a explorar a região bragantina. No dia 02 de outubro de 1854, através da Resolução nº-252, sancionada pelo Presidente da Província, Conselheiro Sebastião do Rego Barros, foi elevada à categoria de cidade, com o nome de origem portuguesa Bragança. Inauguração de E. F. B., em 03 de abril de 1908 - (Relato). “Às 23 horas do dia 02 de abril de 1908, o Senhor Governador Augusto Montenegro partiu em comboio especial, de uma parada na Gentil Bittencourt com a 22 de junho, com destino à Bragança, acompanhado de sua comitiva. Às 6 horas e 45 minutos, o trem se aproximou de Bragança. Antes mesmo de entrar na cidade, o povo se aglomerava às margens da estrada, saudando o governador, que, postado na plataforma, agradecia com efusivos gestos.” “Todos reunidos, no final da linha férrea, o Senhor Comendador José Barbosa dos Santos Sobrinho, pela firma Pereira e Barbosa & Cia., falou, dirigindo-se ao Governador Augusto Montenegro: “Como acabais de verificar, a firma Pereira

e Barbosa & Cia. chegou com os trilhos da Estrada de Ferro de Bragança até seu ponto terminal. Deixou ela de colocar o último grampo para que seja colocado porV. Exª., para cujo ato vos convido, felicitando-vos por ter sido no governo deV. Exª. que esta grande obra teve fim.” Numa salva de prata, o Visconde de Monte Redondo ofereceu ao governador um grampo e um martelo de prata, colocando o Dr. Augusto Montenegro o grampo no dormente. Feito isso, o Desembargador Santos Sobrinho retirou o grampo do dormente para em seguida colocá-lo em um estojo de madeira, sobre cuja tampa se lia os seguintes dizeres: *Conclusão da Estrada de Ferro de Bragança, saudações dos construtores do último trecho, Pereira Barbosa & Cia., ao Exmo. Sr. Governador do Pará Dr. Augusto Montenegro*. Terminado esse ato, o Governador Augusto Montenegro falou que era com o mais vivo prazer que realizava naquele momento o último ato de assentamento dos trilhos da Estrada do Ferro de Bragança. Acrescentou que, desde 1875, se cuidava levar aquelas duas fitas de aço até a importante e rica Cidade de Bragança. Agradeceu o auxílio prestado pela firma construtora e os esforços do Dr. Inocêncio Hollanda, engenheiro chefe de obras. Terminou o seu discurso brindando o povo. Encerrada a sessão, foram erguidas vivas ao Governador e ao Senador Antônio Lemos.

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A construção da ferrovia que ligou Belém a cidade de Bragança, na região nordeste do Pará veio da necessidade de repensar a economia e finanças do Estado até então concentradas no extrativismo e na exportação do látex da seringueira. Preocupado com uma crise futura na economia por conta da queda de preços da borracha e pela perda de mercado para os países da Ásia, o governo do Estado do Pará começou a investir maciçamente em novos setores da economia como a agricultura e a pecuária. Para isso era necessário investir na fundação de pequenos centros agrícolas nas vizinhanças da capital e das cidades importantes do interior, além de preparar dois núcleos modelos na margem da Estrada de Ferro Belém-Bragança, desenvolvendo uma espantosa corrente imigratória, a qual impulsionara muitíssimo as produções agrícolas e sua escoação. Em contrapartida o Pará garantia aos imigrantes brasileiros e estrangeiros um bem-estar inefável, provendo-os de tudo quanto carece para iniciar as suas plantações. Enquanto isso, Belém nesse período ainda era um centro administrativo e comercial bem constituído e organizado que se beneficiava com mais um modal de transporte.

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BELLE ÉPOQUE

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A Estrada de Ferro Belém-Bragança, cujos trilhos chegaram até o centro da cidade, embalaram o sonho de milhares de seres humanos que se instalaram e construíram suas vidas ao longo do seu percurso. O “Progresso” de mãos dadas com a agricultura, a colonização, a imigração e a emigração, deslizavam por sobre as fitas de aço, penetrando no coração da floresta, escoando a produção agrícola, base do desenvolvimento de todos os lugares, que como as sementes ali plantadas, germinaram, transformando-se hoje nas belas cidades do nordeste paraense.

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O Ver-o-peso tem mil faces, eu considero o maior cartão postal do Pará. Cada dia que vou lá, ele está diferente. A luz, a arrumação dos barcos, a maré, o céu, as nuvens. Às vezes está com chuva, outras vezes, um sol escaldante. O Ver-o-peso é imprevisível, permanente em suas transições de cor e de cenário. De repente o tempo se transforma e propicia fotos maravilhosas, um encanto constante. Eu sei que já fizeram milhares de fotos do lugar mas eu tenho uma coisa comigo que é de fazer uma foto diferente de tudo o que já fizeram e que tenham feito. E quando eu aporto no Ver-o-Peso, onde foi que começou toda a história de Belém, vejo a nossa cultura, uma coisa muito forte, muito rica, fico maravilhado. Quem consome o açaí, o peixe, as frutas, a farinha, a maniva, o tucupi, o artesanato, as ervas e cheiros e tudo que se vende por lá. Não tem a noção de onde e como vem, de todo o processo da origem ao consumo, da dedicação e do esforço daqueles que vivem em sua labuta diária, muitos de geração a geração, trabalhando de sol a sol, de chuva a chuva no mercado do Ver-o-Peso. Eu amo o veropa”. Helly Pamplona - Fotógrafo Belém de Todas as Épocas 389


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As formas sociais, através das quais foram sendo executados esses empreendimentos, envolveram os diversos setores sociais que aqui viviam — o proprietário rural, o clero, o comerciante luso ou já brasileiro, o nativo e o escravo africano — e que estabeleceram relações sociais de produção correspondentes as históricas relações de produção e político-econômico existentes na sociedade brasileira.

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A Estrada de Ferro Belém-Bragança, cujos trilhos chegaram até o centro da cidade, embalaram o sonho de milhares de seres humanos que se instalaram e construíram suas vidas ao longo do seu percurso. O “Progresso” de mãos dadas com a agricultura, a colonização, a imigração e a emigração, deslizavam por sobre as fitas de aço, penetrando no coração da floresta, escoando a produção agrícola, base do desenvolvimento de todos os lugares, que como as sementes ali plantadas, germinaram, transformando-se hoje nas belas cidades do nordeste paraense.

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