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4.13 – Considerações sobre este capítulo

Vila Isabel

Mitos e histórias entrelaçadas pelos fios de cabelos Unidos do Anil Sonhos Porto da Pedra O sonho sempre vem pra quem sonhar Significações difusas

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Religiosidade (Cristã) Significações difusas

2012 Acadêmicos de Vigário Geral Abdias Nascimento: Uma vida de lutas Abdias Nascimento

Grande Rio Eu acredito em você! E você? Significações difusas Alegria da Zona Sul Os saltimbancos Significações difusas Beija-Flor São Luís? O poema encantado do Escravidão Maranhão Estácio de Sá Luma de Oliveira: coração de um país em festa! Imperatriz Leopoldinense Jorge, amado Jorge Império Serrano Dona Ivone Lara, Enredo do meu samba Carnaval

Jorge Amado Carnaval (Dona Ivone Lara)

Renascer de Jacarepaguá O artista da alegria dá o tom da folia Artes (cores) Viradouro A Vida como ela é, Bonitinha, mas Nelson Rodrigues ordinária... assim falou Nelson Rodrigues Vizinha Faladeira A essência da vida... o progresso social sob a liberdade e a igualdade Significações difusas

2013 Em Cima da Hora Além do espelho, João Nogueira de todos os sambas. Carnaval (João Nogueira)

Inocentes de Belford Roxo As sete confluências do Rio Han Significações difusas

Mocidade Independente de Padre Miguel Eu vou de Mocidade com samba e rock in Rio – por um mundo melhor Significações difusas

União do Parque Curicica Quando o samba era samba África Unidos do Cabuçu O Mestre-sala dos mares Significações difusas Unidos do Viradouro Diego Nicolau Escravidão

4.13 – CONSIDERAÇÕES SOBRE ESTE CAPÍTULO

A escrita deste capítulo permitiu-nos verificar que durante o período Democrático a abrangência da inscrição da liberdade, nos sambas-enredos cariocas, foi notadamente mais ampla que naqueles períodos anteriores, quando havia um forte controle do Estado sobre o modo de produção. A palavra liberdade não poderia ser aplicada ao tempo presente da escrita. Há que se considerar aqui que, semelhante aos períodos anteriores, nesse ciclo, os autores dos sambas-enredos igualmente realizaram uma reescrita daqueles versos do Hino da Independência “Já raiou a liberdade/ Já raiou a

liberdade, no horizonte do Brasil”, em nove composições. Seguem, respectivamente ano, escola, excerto e título do samba-enredo: 1988 – Mangueira: “Será.../ Que já raiou a liberdade/ Ou se foi tudo ilusão”, em Cem anos de liberdade, realidade e ilusão. 1988 – Beija-Flor “Liberdade raiou, mas igualdade ainda não, não, não”, em Sou negro, do Egito à liberdade. 1989 – Vila Isabel: “Liberdade ainda não raiou/ Queremos o direito de igualdade”, em Direito é direito. 1990 – Unidos do Cabuçu: “O sol da liberdade/ No horizonte enfim raiou”, em Será que votei certo para presidente? 1991 – Foliões de Botafogo: “Liberdade raiou/ A princesa Isabel a Lei Áurea assinou”, em África, Palmares e festa. 1993 – Unidos de Lucas: “Que Dionísio o criador/ Fez raiar a liberdade”, em O galo cantou e Lucas Saboreou. 2002 – Foliões de Botafogo: “Brilhou no horizonte a liberdade”, em Deus ajuda a quem cedo madruga. 2003 – Paraíso da Alvorada: “Enfim raiou o sol da liberdade/ E assim surgiu o Quilombo de Palmares”, em Revoluções e revoltas no Brasil de Palmares. 2007 – Beija Flor: “Obatalá anunciou/ Já raiou o sol da liberdade”, em Áfricas: Do berço real à corte brasiliana. Versos do Hino Nacional Brasileiro, especialmente aqueles que aludem ao sol “E o sol da liberdade em raios fúlgidos/ Brilhou no céu da pátria nesse instante”, são também utilizados como parte de uma estratégia intertextual, dialógica, com a música oficial do nosso país, evidentemente, com novos desdobramentos e significações de outras liberdades. Vejamos os três exemplos: 1994 – São Clemente: “Fomos às lutas e ganhamos a parada/ Brilhou o sol da liberdade”, em Onde vai a corda vai a caçamba ou uma andorinha só não faz verão. 2002 – Unidos da Tijuca: “O sol da liberdade vai raiar/ Anunciando um novo dia”, em De Minas para o Brasil – Tancredo Neves, o mártir da nova República. 2012 – Vizinha Faladeira: “Raiou o sol da liberdade tão sonhada/ Iluminando o caminho de quem buscou nova morada”, em A essência da vida... o progresso social sob a liberdade e igualdade. Como um prolongamento, nesse ciclo também permanece a escrita da liberdade atribuída a um grito, um eco, um brado, certamente pelo fato de os escritores saberem que

o som penetrante emitido pelas vozes do passado e do presente seria uma forma de estabelecer a sua liberdade, porque sensibilizaria o outro. O grito teria a força necessária para extravasar as dores da opressão, sem tempo, além do tempo, porque ainda permaneciam como cicatrizes não curadas. O grito na escrita teria a função não apenas plástica, estética, mas demasiadamente ideológica, porque poderia ser instrumento de resistência, de demarcação de lugares. Dessa forma, passemos a expor os quinze exemplos em que os autores empregaram esse substantivo e o relacionaram à liberdade: 1986 – Acadêmicos do Engenho da Rainha: “No grito de liberdade/ Do quilombo de Palmares”, em Ganga Zumba, raiz da liberdade. 1989 – Unidos da Tijuca: “Ecoou, ecoou/ Um grito forte: Liberdade”, em De Portugal à bienal no país do carnaval. 1991 – Unidos do Jacarezinho: “Surgiu um grito forte/ Na aldeia ecoou liberdade”, em Sou negro, sou raça, sou gente. 1998 – Império Serrano: Meu grito é um cantar de liberdade, em Sou ouro negro da mãe África. 2001 – Acadêmicos do Engenho da Rainha: “Sou grito de liberdade/ Ecoando pela cidade”, em 51 anos, uma boa ideia. 2003 – Mangueira: “Um grito forte de liberdade/ Na estação primeira ecoou!”, em Os dez mandamentos: o samba da paz canta a saga da liberdade. 2003 – Alegria da Zona Sul: “Liberdade, um grito forte ecoou.../ De um povo guerreiro”, em Festa no quilombo, na coroação de um rei negro. 2003 – Inocentes da Baixada: “Meu grito ecoa de verdade.../ Liberdade”, em O gênio da Inocentes e a lâmpada maravilhosa. 2004 – Porto da Pedra: “Num grito forte anunciei a liberdade do Brasil”, em Sou Tigre, sou Porto da Pedra, da pedra à internet? Mensageiro da história do leva e traz”. 2004 –Acadêmicos do Grande Rio:“Num grito de liberdade/Saúde e vigor quero ter pra ver”, em Vamos vestir a camisinha meu amor! 2004 – Difícil é o Nome: “Ecoando a voz da liberdade”, em Vinte anos de glória da LIESA.

2005 – Em Cima da Hora: “A liberdade um dia ecoou”, em Mãe baiana, signo da africanidade carioca. 2007 – Acadêmicos do Engenho da Rainha: “No grito de liberdade/ Do quilombo de Palmares”, em Ganga Zumba, raiz da liberdade.

2007 – Mocidade Independente de Inhaúma: “Um grito de liberdade/ Se tornou realidade”, em A negritude está em festa! Um rei negro é coroado no quilombo da mocidade.

2013 – Unidos do Cabuçu: “Ecoou... Um grito para liberdade/ Florescendo a igualdade”, em O mestre de sala dos mares. Com efeito, a inscrição da liberdade nos sambas-enredos cariocas também foi inspirada naquela liberdade guiando o povo, famoso quadro de Eugène Delacroix, de 1830, em que uma mulher empunha a bandeira da Revolução Francesa. Observemos dois exemplos de intertextualidade em que a liberdade personifica-se na imagem feminina: 1986 – Império Serrano “Cessou a tempestade, é tempo de bonança/ Dona liberdade chegou junto com a esperança”, em Eu quero. 1996 – Vila Isabel “Brilha no ar a senhora liberdade/ E no Rincão um canto de felicidade”, em A heroica cavalgada de um povo. Percebemos os elementos estrangeiros, trazidos para os temas nacionais, com o objetivo de universalizá-los e adaptá-los a novos contextos, potencializando a palavra para a nossa realidade e reconhecendo que a liberdade está para além das fronteiras geográficas que nos separam. Finalmente, há aquela composição elaborada pela Imperatriz Leopoldinense que tem um lugar especial em nossa memória coletiva, principalmente ao se referir à palavra liberdade nos sambas-enredos, com estes versos:

Liberdade, liberdade Abre as asas sobre nós E que a voz da igualdade Seja sempre a nossa voz (Anexo 52)

Essa estrofe dialoga diretamente com um trecho do Hino à Proclamação da República “Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós/ Das lutas na tempestade/ Dá que ouçamos tua voz”, letra de Medeiros e Albuquerque, 1890. Assim, ao comemorar o Centenário da República, em 1989, a Imperatriz Leopoldinense elaborou uma nova estrutura, uma nova escala, um novo significado no imaginário coletivo, inserindo um complementopara a liberdade, uma outra reivindicação– a igualdade. Igualdade,“sempre a nossa voz”. Denunciando que, mesmo livres, ainda somos desiguais. Mais uma vez, podemos pensar nas reflexões de T.S. Eliot acerca da poesia, que aqui comparamos com o samba-enredo. A poesia, segundo o poeta inglês, não pode ser definida pelos seus usos, ela pode perfeitamente comemorar uma ocasião pública, celebrar um festival, um rito religioso, divertir uma multidão, efetuando revoluções,

periodicamente necessáriasàsensibilidade, fazer-nos perceber o mundo de outramaneira, ou alguma parte dele: “Pode nos tornar, de tempos em tempos, mais conscientes dos sentimentos mais profundos e inominados que formam o substrato do nosso ser, no qual raramente penetramos, pois nossas vidas são, em sua maior parte, uma constante evasão de nós mesmos, e uma evasão do mundo visível e invisível”. (ELIOT, 2012, p. 156) E foi dessa forma que aqueles autores dos sambas-enredos se comportaram, reescrevendo parte de uma história que para eles tem fundamental importância – a história do Brasil por outra via, um olhar popular, periférico, deslocado dos grandes centros. Significativo recordarque Paul Riccœur,em 08 de março de 2003, em Budapeste, na conferência internacional “Haunting Memories? History in Europe after Authoritarianism”, afirmou que a noção de dever de memória deve ser unida às de trabalho da memória e de luto, noções puramente psicológicas: “A vantagem dessa aproximação é que ela permite incluir a dimensão crítica do conhecimento histórico no seio do trabalho de memória e de luto. Mas a última palavra deve ser do conceito moral de dever de memória, que se dirige, como se disse, à noção de justiça devida às vítimas.40” E é essa noção de justiça que percebemos nesses escritos, por eles serem, de certa forma, de autoriade muitos descendentes de escravizados,ou mesmo de pessoas de outras etnias, que são solidários com o outro e também com a nossa história e identidade brasileiras. Encerrando as considerações deste último capítulo, apresentamos a Tabela 7, em querelacionamos 70 Escolas de Samba em cada período,separadamente, e o número total de sambas-enredos que empregaram a palavra liberdade, coletados por nós. Nota-se que a Portela obteve o maior número de composições durante todos os ciclos, totalizando 11 sambas, dos quais 4 foram do período de 1943-1964, 3 de 1965-1985 e 4 de 1986-2013. As escolas Beija-Flor e Salgueiro ocuparam a segunda posição com 10 sambas-enredos, a Vila Isabel e a Império Serrano na terceira posição, com nove composições. Ressaltamos que essas produções foram resultado da pesquisa de 232 sambas-enredos, por nós coletados, e que foram produzidos nesse espaço de 70 anos.

Tabela 7: Número de sambas-enredos das Escolas de Samba

Escolas de Samba 1943-1964 1965-1985 1986-2013 Total

Acadêmicos da Barra da Tijuca - - 1 1 Acadêmicos da Rocinha - - 4 4 Acadêmicos de Santa Cruz - 1 4 5 Acadêmicos de Vigário Geral - - 1 1

40 Disponível em: http://www.uc.pt/fluc/lif/publicacoes/textos_disponiveis_online/pdf/memoria_historia.

Acadêmicos do Cubango

- - 6 6 Acadêmicos do Dendê - - 3 3 Acadêmicos do Engenho da Rainha - 1 4 5 Alegria da Zona Sul - - 4 4 Arame de Ricardo - - 1 1 Arranco - 1 5 6 Arrastão de Cascadura - - 2 2 Arrastão de São João - - 1 1 Beija-Flor - - 10 10 Boêmios de Inhaúma - - 1 1 Boi da Ilha do Governador - - 3 3 Canários das Laranjeiras - 1 1 2 Caprichosos de Pilares - - 4 4 Difícil é o nome - - 2 2 Em Cima da Hora - 1 3 4 Estácio de Sá - - 1 1 Foliões de Botafogo - - 4 4 Gato de Bonsucesso - - 1 1 Grande Rio - - 8 8 Imperatriz Leopoldinense - 2 6 8 Império da Tijuca - 1 3 4 Império do Marangá - - 1 1 Império Serrano 1 1 7 9 Independentes da Praça da Bandeira - - 1 1 Independentes de Cordovil - - 1 1 Inocentes da Baixada - - 1 1 Inocentes de Belford Roxo - - 1 1 Leão de Nova Iguaçu - - 1 1 Lins Imperial - - 2 2 Mangueira 1 1 6 8 Mocidade de Vicente de Carvalho - - 2 2 Mocidade Independente de Inhaúma - - 3 3 Mocidade Independente de Padre Miguel - - 7 7 Paraíso da Alvorada - - 2 2 Paraíso do Tuiuti - 1 1 2 Portela 4 3 4 11 Porto da Pedra - - 6 6 Renascer de Jacarepaguá - - 3 3 Salgueiro 3 1 6 10 São Clemente - 1 6 7 Tradição - - 4 4 Tupy de Brás de Pina 1 - - 1 União da Ilha - 1 2 3 União de Jacarepaguá - - 2 2 União do Parque Curicica - - 1 1 Unidos da Ponte - - 2 2 Unidos da Tijuca - 1 4 5 Unidos da Vila Kennedy - - 1 1

Unidos de Bangu Unidos de Cabuçu Unidos de Cosmos Unidos de Jacarezinho Unidos de Lucas Unidos de São Carlos Unidos de Vila Rica Unidos de Vila Santa Tereza Unidos do Anil Unidos do Cabral Unidos do Cabuçu Unidos do Jacarezinho Unidos do Porto da Pedra Unidos do Uraiti Unidos do Viradouro Vila Isabel Viradouro Vizinha Faladeira TOTAL - - 1 1 - 1 - 1 - - 1 1 - - 1 1 - 2 2 4 - 2 - 2 - - 1 1 - - 2 2 - - 1 1 - - 1 1 - 1 4 5 - 1 1 2 - - 1 1 - - 1 1 - - 2 2 - 1 8 9 - 1 7 8 - - 1 1 10 27 195 232

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