O Romantismo de Byron

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Ana Luísa Nogueira de Lima, Beatriz Moreira da Silva, Isabela Scarassati Vicentin & João Lucas Magalhães Moraes (Orgs.)

O Romantismo de Byron


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O mundo eu n찾o amei, Nem ele a mim; N찾o bajulei seu ar vicioso, nem dobrei Aos seus id처latras o joelho do sim. (Lord Byron)


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SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................................. 5 O Romantismo ......................................................................................................................... 7 Romantismo Brasileiro ........................................................................................................ 8 Primeira geração romântica ............................................................................................ 8 Segunda geração romântica........................................................................................... 9 Terceira geração romântica .......................................................................................... 10 Lord Byron............................................................................................................................... 12 O Byronismo ........................................................................................................................... 15 O Byronismo no Brasil ....................................................................................................... 16 À Inês (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ............................................................... 19 Eutanásia (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ........................................................ 20 Lara (Tibúrcio Antônio Craveiro trad.) ................................................................................ 21 Ode a Napoleão Bonaparte (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ......................... 22 Oh! Na Flor da beleza arrebatada (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ............... 26 Sol dos Insones (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) .............................................. 27 Adeus (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ............................................................... 28 A tempestade (Fernando Guimarães trad.) ....................................................................... 30 Encontro-me mais uma vez sobre as ondas (Fernando Guimarães trad.) .................. 32 Estâncias para Augusta (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ................................ 33 Soneto a Chillon (Fernando Guimarães trad.) .................................................................. 34 Waterloo (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) .......................................................... 35 Estâncias (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) ......................................................... 36 As ilhas da Grécia, as ilhas da Grécia! (Augusto de Campos trad.) ............................. 37 Neste dia completo meu trigésimo sexto aniversário (Fernando Guimarães trad.) .... 40 Referências Bibliográficas .................................................................................................... 41 Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro ................................................................. 42


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Introdução Tanto a obra quanto a personalidade romântica de Lord Byron foram capazes de impressionar inúmeras pessoas. Seu estilo e linguagem próprios renderam-lhe uma posição importantíssima no cenário da literatura romântica inglesa. Por conta disso, é possível encontrar, na atualidade, inúmeras antologias que tratam deste autor. Nossa antologia, que carrega o título O Romantismo de Byron, possui como objetivo algo que se assemelha a outras já feitas: reunir e analisar os principais escritos de Lord Byron. Contudo, a escolha de tais textos deu-se com o intuito de exemplificar as principais características do autor. Logo, ela não é simplesmente uma reunião de textos. Tal antologia possui o nada simples intuito de conseguir apresentar ao leitor toda a sensibilidade e elegância deste autor tão significativo para o cenário romântico do século XIX. A decisão por produzir uma antologia sobre Byron foi deveras simples. Todos os alunos envolvidos diretamente na produção deste trabalho possuem uma incrível admiração pelo autor. Por conseguinte, desde o principio, houve unanimidade quanto qual literato seria homenageado e lembrado por este singelo trabalho acadêmico. A estrutura da antologia apresenta, logo em seu início, uma breve biografia de Byron. Isto porque acreditamos que não há como estudar um determinado autor sem levar em consideração alguns aspectos importantes de sua vida. E, com Lord Byron, tal fato denota ainda mais importância, pois muitos críticos apontam sua obra como autobiográfica. Como tradutores dos poemas, temos quatro homens diferentes: Fernando Guimarães, Péricles Eugênio da Silva Ramos, Augusto de Campos e Tibúrcio Antônio Craveiro. Graças ao trabalho destes homens conseguimos ter acesso aos poemas de Byron, tendo-os escritos em nossa própria língua. Para uma análise mais objetiva e sistematizada dos poemas de Lord Byron, foi feita uma seleção de textos sob a perspectiva de alguns critérios que estipulamos. O primeiro critério baseia-se nas características técnicas e sentimentais do autor, como metalinguagem, digressões, ironia, melancolia, pessimismo e lirismo.


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O segundo critério leva em consideração as temáticas e a estrutura dos textos, como política, citações mitológicas, alegorias, sátiras e poesias narrativas. É importante observar que Lord Byron fora capaz de influenciar muitos outros autores de sua época, além de vários outros posteriores. Suas características de estilo ficaram tão famosas que foram capazes de criar uma tendência de escritos, também conhecida como Byronismo. Por isso, dedicamos uma parte especial para esse aspecto, indicando as influências que Byron efetuou sobre a literatura mundial. Vale ressaltar que o Brasil foi um país que sofreu diretamente a influência do Byronismo, que repercutiu intensamente na segunda fase do romantismo brasileiro. Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu são exemplos claros deste fato. Por isso, encontra-se nesta antologia, também, um conjunto de textos que exemplificam essa influência, com autores de nosso país. Seguiremos esta apresentação de acordo com a ordem cronológica de publicação dos poemas. Esperamos que você, caro leitor, possa sentir-se tocado por estes maravilhosos textos. Nosso objetivo, desde o início, foi tentar transmitir todo o nosso sentimento de alegria e admiração que nós, alunos, sentimos ao lê-los. Esperamos profundamente que tenhamos conquistado este ideal.


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O Romantismo Ocasionado pelas inúmeras mudanças sociais, culturais e econômicas motivadas pela Revolução Industrial na Europa do final do século XVIII, o Romantismo ascendeu após a Revolução da Imprensa e juntamente à popularização da tipografia, inventada pelo alemão Johannes Gutenberg, responsável pela abrangência dos romances de folhetim, que proporcionaram amplo alcance da literatura às camadas sociais mais baixas, pois os livros não eram mais considerados artigos de luxo. Os novos leitores, formados principalmente pelo proletariado, buscavam realismo, humor, emoção e novas ideias nas obras lidas. Considera-se o marco do Romantismo europeu a obra Os sofrimentos do jovem Werther, do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, publicada no ano de 1774. Historicamente, no entanto, um dos principais causadores da criação do movimento foi a Revolução Francesa, responsável pela disseminação do pensamento Iluminista na Europa. No entanto, os românticos não eram influenciados por essa doutrina, que privilegiava o racional e o objetivo; ao contrário, criticavam os iluministas ao buscarem o emocional e a subjetividade em suas obras. É possível notar grandes diferenças nos padrões estéticos ao compararmos o Romantismo e o Arcadismo, seu antecessor. O verso clássico, inspirado em obras greco-romanas, foi desvalorizado e deu lugar ao verso livre, onde não há métrica e entonação, e ao verso branco, que não apresenta rima. Além disso, sentimentos como o de nacionalidade (despertado pela independência francesa), expressado através da criação de heróis nacionais e no retorno ao passado, especialmente à época medieval. No movimento romântico, vemos uma hipervalorização dos sentimentos e emoções do poeta e quase sempre as obras têm como tema principal o amor e a paixão. É também no Romantismo em que a natureza torna-se mais presente nos poemas, passando a interagir com o eu-lírico; nos romances góticos, ao contrário, a natureza é responsável pelos momentos de tensão na trama. Dessa forma, as obras do Romantismo sempre têm presente o subjetivismo, individualismo, patriarcalismo, eurocentrismo e/ou o nacionalismo. Os principais nomes do movimento são Goethe e Shlegel (Alemanha); Madame de Stäel e Chateaubriand (França); William Wordsworth, Samuel Taylor


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Coleridge, William Blake, Lord Byron, Percy Bysshe Shelley e John Keats (Inglaterra). Romantismo Brasileiro O período de 1808 a 1836, considerado de transição na literatura brasileira, foi ocasionado pela mudança do poder monárquico de Portugal para o Brasil. Com a vinda da Família Real portuguesa, a Imprensa Régia, responsável pela popularização dos impressos em terras tupiniquins, tomou força e despertou nos brasileiros o sentimento de nacionalismo, pois além de extinguir a medida que tornava obrigatória a autorização de Portugal para a impressão e distribuição de livros no Brasil, criou uma elite verde e amarela que queria ter sua própria voz e não mais ser representada pela monarquia. A obra Suspiros Poéticos e Saudades, do escritor Gonçalves de Magalhães, é considerada o pontapé inicial para o Romantismo no Brasil, que se extinguiria em 1881, com a publicação machadiana de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Tal escola literária, no entanto, presenciou diversas fases, chamadas gerações. Primeira geração romântica A Primeira Geração Romântica, representada principalmente pelos poetas Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto-Alegre, trazia menções ao passado histórico, bem como a exaltação ao índio (considerado herói nacional) e sofreu forte influência do pensamento de Rousseau. Entre as obras de Gonçalves de Magalhães, destaca-se a poesia de dez cantos intitulada Confederação dos Tamoios, publicada em 1856, onde o autor aponta

os índios como bravos soldados defensores

de suas terras e,

consequentemente, como heróis nacionais.1 José de Alencar criticou fortemente a obra de Magalhães, dando origem ao livro Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, que viria influenciar o autor na publicação de seus romances indianistas. Já Gonçalves Dias, nascido em 1823, tem Canção do Exílio como poema mais famoso 2 , onde é possível perceber as características mais marcantes do Romantismo, como nacionalismo, saudosismo, visão idealizada da pátria, exaltação da natureza e religiosidade. Além de Canção do Exílio, escreveu também o poema 1 2

Ver Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro Ver Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro


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indianista I-Juca Pirama, o qual narra a história de um guerreiro tupi capturado por uma tribo inimiga e implora por liberdade pelo fato de o pai estar doente. Composta de dez cantos, a obra tem o ritmo que se assemelha aos tambores. Araújo Porto Alegre, considerado o principal autor da primeira geração romântica, também era pintor e cartunista. Ao falecer, o poeta deixou mais de 150 obras, como poesias, peças de teatro e traduções. Suas principais publicações são o livro de poesias Brasilianas (1863), o poema épico Colombo (1866), e a peça de teatro Angélica e Firmino (1845). Para conhecer um trecho do poema Colombo, veja o Anexo 1 deste volume. Segunda geração romântica A segunda geração romântica é também conhecida como mal-do-século, por conta das inúmeras mortes por tuberculose; seus integrantes foram amplamente inspirados pelos poetas europeus Lord Byron, Goethe, Chateaubriand e Alfred de Musset (todos byronianos). As principais características da segunda geração são o individualismo, egocentrismo, desilusão, tédio, negativismo, dúvida e fuga da realidade, formando a poesia ultra-romântica. Além disso, a idealização da infância e das mulheres virgens, bem como a exaltação da morte são temas muito presentes nas poesias dessa geração. No Brasil, os principais poetas foram Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Junqueira Freire. Álvares de Azevedo, falecido aos 21 anos em 1852 por conta da tuberculose, era considerado um “poeta romântico por excelência”. Publicou postumamente um livro de poesias, Lira dos Vinte Anos, que evidenciam um poeta extremamente sensível e imaginativo. Suas obras geralmente tem como principal característica o gótico e apresentam-se com demasiada frustração, amenizada apenas pela lembrança da mãe e da irmã, e a morte é encarada como algo reconfortante, como se percebe em Se eu morresse amanhã!3. Álvares de Azevedo também escreveu uma peça de teatro (Macário, 1852) após sonhar com o diabo, e um romance intitulado Noite na Taverna, narrado por cinco homens diferentes.

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Ver Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro


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Já Casimiro de Abreu escreveu a maior parte de suas obras em Portugal, para onde se mudou aos quatorze anos de idade e também faleceu de tuberculose aos vinte e um anos, em 1860. O poeta, dono de uma das linguagens mais simples do movimento, mostra preocupar-se apenas em transmitir seus sentimentos saudosistas da pátria e da infância e, em suas obras, nos deparamos com um ritmo modesto e rima pobre e repetitiva. O livro As primaveras (1859) reúne suas obras, sendo a mais famosa Meus oito anos 4 , um dos mais populares da literatura brasileira. Junqueira Freire foi um monge beneditino, além de poeta e sacerdote. A principal marca de suas obras é a tensão da vida religiosa, numa linguagem que varia entre o espiritual, o religioso e o material. Seu poema mais conhecido, Louco5, está presente na obra Inspiração do claustro, publicada em 1855. Fagundes Varela, ao contrário de seus companheiros de escola romântica, casou-se aos vinte e um e teve um filho, o qual faleceu aos três meses de idade. Abalado pelo óbito do primogênito, escreveu Cântico do calvário 6 (1863/1864); atribui-se a esse fato sua entrega ao alcoolismo e à vida boêmia. Para a morte, perdeu também a esposa e mais um filho prematuramente. Sua obra oscila entre o patriotismo, a exaltação da natureza, do mal-do-século, da morte, do abolicionismo e da religiosidade. Faleceu aos trinta e três anos de idade. Terceira geração romântica A terceira geração foi influenciada pela obra político-social de Victor Hugo (geração hugoana ou condoeira, por conta da ave condor, que representa a liberdade). Ao contrário das outras gerações, há uma preocupação maior com a situação dos escravos no Brasil e com uma poesia voltada para o social, além dos ideais de justiça, liberdade e igualdade. Castro Alves, um dos principais poetas não só do Romantismo, mas da literatura brasileira de modo mais geral, faleceu aos vinte e quatro anos em decorrência da tuberculose e de uma infecção. Começou a escrever ainda jovem e, aos dezessete anos, muitas de suas obras já eram reconhecidas. É possível 4

Ver Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro Ver Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro 6 Ver Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro 5


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perceber que Castro Alves era um autor preocupado com a história do Brasil e que tinha paixão em viver. As principais características das publicações de Castro Alves são a eloquência, hipérboles, metáforas, antíteses e outras figuras de linguagem; além disso, demonstra-se preocupado com o sentimento de nacionalidade brasileiro e com os problemas sociais de sua época. Podemos dividir Castro Alves em duas fases: a lírico-amorosa, cujos poemas mais famosos estão reunidos na obra Espumas Flutuantes, de 1870; e a poesia social, onde denuncia as desigualdades do país em publicações como Vozes D’África: Navio Negreiro (1869), A Cachoeira de Paulo Afonso (1876) e Os Escravos (1883). Um dos cantos de Navio Negreiro pode ser lido no Anexo 1 desta antologia. Tais obras demonstram que a transição entre Romantismo e Realismo começava a tomar forma. Além de Castro Alves, Sousândrade foi outro importante autor da terceira geração romântica. Responsável por escrever obras como Guesa Errante (18581888), composto por treze cantos responsáveis por denunciar a exploração dos índios pelos europeus. O poeta apresenta obras originais, com uso de palavras em inglês, por exemplo, que o diferenciam de outros escritores brasileiros; além disso, sua poesia possui sonoridade, o que chamou a atenção da crítica literária. É importante frisar que escritores como Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha, 1844), Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias, 1852) e José de Alencar (Senhora, 1875; Iracema, 1865; Til, 1872; Guerra dos Mascates, 1873) tiveram participação expressiva no gênero prosa do Romantismo brasileiro. No teatro, o principal nome está em Martins Pena, autor de O juiz de paz na roça (1842), Casadas solteiras (1845) e Os dois ou o inglês maquinista (1871).


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Lord Byron George Gordon Byron, mais conhecido como Lord Byron, nasceu em Londres em 22 de janeiro de 1788. Filho do capitão John Byron e de Catherine Gordon de Gight, tinha uma meia-irmã, Augusta, fruto do primeiro casamento de seu pai. Lord Byron passou a infância na Escócia, onde frequentou a escola infantil de Mr. Bowers em Aberdeen (1792) e sofreu forte influência calvinista. Aos 10 anos de idade, devido à ausência de herdeiros, ascendeu ao título de Lorde, herdado de seu tio-avô. Na mesma época, mudou-se com a mãe para Nottingham, onde, um ano depois, em 1799, entrou para a escola do Dr. Glennie, em Dulwich. Foi em 1800 que Lord Byron teve a sua primeira experiência com a poesia, dedicada à prima Margaret Parker, citada no poema como “uma das mais belas criaturas evanescentes”. Em 1804 ingressou na Universidade de Trinity College, em Cabridge, aonde três anos depois viria a publicar seu livro de estreia, Hours of Idleness, que levava a inscrição “por Geogre Gordon, Lord Byron, menor” na página de título. A obra teve duas edições, mas foi duramente criticada pela Edinburgh Review, em 1808, em um texto escrito por Brougham. Enfurecido com a crítica recebida, Lord Byron escreveu uma sátira como resposta dois anos depois, intitulada English Bards and Scotch Reviewers. Já no ano de 1809, o poeta viajou ao Oriente. Nascia assim, com esse Byron viajante, o Child Burun e Harold, posteriormente descrito no poema Childe Harold’s Pilgrimage, I, II. Através dessas personagens, Byron se fantasiava quando predominavam os elementos românticos de sua natureza. Em 1812 passou a residir em Newstead, onde estabeleceu duradoura amizade com o poeta Thomas Moore, já popular com sua poesia lírica na sociedade britânica. No mesmo ano, foram publicados os dois primeiros cantos de Child Harold, com imenso êxito; mais de dez mil exemplares foram pedidos no mesmo dia. Segundo Vulliamy, biógrafo do autor


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Em 1812 um poema narrativo romanesco era quase tão popular, senão tão popular, como um romance do mesmo caráter; e um poema por um lorde romanesco tinha, por certo, um interesse adicional.

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No verão de 1813, o poeta passou a ter relações mais íntimas e tidas como incestuosas com sua meia-irmã, Augusta. Por essa ocasião, Byron publicou suas sombrias narrativas orientais, como O Corsário, que vendeu, no dia de sua publicação, catorze mil exemplares. Sua obra Lara foi lançada na mesma época. No ano de 1815, propôs Annabella Millbanke, moça aristocrática e a “princesa dos paralelogramas”, em casamento pela segunda vez e foi aceito. Há rumores de que tenha se envolvido com Augusta novamente e, por esse motivo, Annabella separou-se do Lorde. Graças ao rompimento do matrimônio, a sociedade londrina não mais o aceitava. Achando-se deslocado, Byron ingressou em uma segunda viagem ao estrangeiro, da qual não voltaria com vida. Na companhia de amigos, Byron visitou Waterloo, o Reno e, por fim, a Suíça. Lá, passou a residir na Villa Diodati, perto de Genebra e às margens do lago Leman. Foi nessa cidade em que terminou o terceiro canto do Child Harold, vindo a lume em 18 de novembro de 1816, o qual foi responsável pela ascensão de sua reputação literária em direção ao mais alto nível em sua terra natal. Depois da Suíça, o poeta rumou para a Itália, estabelecendo-se primeiro em Veneza e depois em Roma. À mesma época, 1817, compôs o poema Beppo, que antecipa Don Juan, e é hoje considerado obra de suma importância em sua carreira, devido à força, hilaridade e facilidade do poema, mesmo em oitava rima. Foi em 1818 que Byron começou a redação do poema Don Juan, hoje considerado obra prima na terra da rainha. A obra satírica, faceta, divagadora, mas sempre vária e viva, inicialmente não foi aceita na Inglaterra, pois ia contra o que Byron manifestava, a hipocrisia; formalmente, no entanto, era condenado por sua indecência, perversidade e vício.

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RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Poesias de Lorde Byron. São Paulo: Art, 1989. p. 11


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Dois anos depois, o poeta seguiu para Ravena, local em que, no mês de dezembro, viria a publicar Caim, causador de extrema agitação, especialmente no clero. Em 1821, publicou Heaven and Earth, 22 Werner e The Vision of Judgement. Em 1824, ao completar trinta e seis anos, o poeta escreveu aquele que seria seu último poema, Neste dia completo meu trigésimo sexto aniversário. Depois de enfrentar uma grande tempestade, chegou em casa queixando-se de dores e febre e, dois dias depois, adoeceu. Mesmo com tratamento médico, não resistiu e morreu em 19 de abril de 1824. Seu óbito colaborou ainda mais para o mito, dando-se pela libertação de uma terra oprimida, a Grécia, lugar onde permaneceu até a morte. No Brasil, houve quem o chamasse de poeta-século.


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O Byronismo Lord Byron foi uma grande inspiração para muitos poetas. Afirma-se que ele conseguiu

traduzir

em

poemas

todo

o

sentimento

do

século

XIX,

predominantemente marcado pela chamada Segunda Geração do Romantismo, ou o ultrarromantismo. Byron foi o único poeta com um capítulo em seu nome no livro História da Filosofia Ocidental, de Bertrand Russel, fato que nos mostra o quão importante ele foi para sua época. Byronismo é um nome dado à tendência de seguir o estilo predominante nos poemas de Lord Byron, conhecido por alguns como o Rei do Romantismo. As principais características de sua obra são o individualismo e sentimentos como a melancolia, o tédio e o pessimismo. Além destas, podemos mencionar momentos bem distribuídos de lirismo e retórica, bem como um grande poder narrativo e descritivo,

ação variada e

uso do suspense.

É

possível

notarmos tais

particularidades em seus longos poemas narrativos, como contos metrificados, que contam histórias geralmente de suspense com personagens marcantes em ambientes exóticos, batizadas por Byron de tales. Byron não revolucionou apenas a literatura inglesa da época, mas também as artes plásticas, a música, a moda, além da psicologia e da sociologia. É possível perceber resquícios do pensamento byroniano em como nos comportamos até hoje, bem como suas influências em diversos poetas brasileiros, como Augusto dos Anjos e Casimiro de Abreu. Alguns críticos ingleses, como T. S. Elliot e Hugh Skykes Davies, diziam que os poemas de Byron eram escritos de forma muito artificial no que concerne a escolha de palavras, o que, segundo eles, mostrava uma falta de sensibilidade linguística do poeta. Porém, com o tempo, Lord Byron passou a compor de forma mais fluída, fazendo uso do inglês cotidiano; tal mudança foi percebida por Sir Herbert Grierson e é possível vê-la ao compararmos os poemas Lara e Don Juan. Também é importante ressaltar que era comum na época dizer que Byron representava o personagem principal de sua obra, pois viam a personalidade e as vivências do poeta refletidas em seus protagonistas, como Don Juan e Harold. Atualmente, no entanto, há um grande esforço por parte dos pesquisadores para realizar uma análise da obra de Lord Byron sem levar em consideração a biografia.


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O Byronismo no Brasil Assim como sofreu reflexos das literaturas europeias, principalmente da francesa, no período romântico, a literatura brasileira não poderia fugir à influência do byronismo. Entre 1903 e 1905, Dr. Pires Almeida publicou no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, artigos sob o título Escola Byroniana no Brasil, obra memorialista que se apega principalmente aos aspectos e manifestações exteriores do fenômeno. Entretanto, o trabalho de Pires Almeida contribuiu muito para a propagação de algumas lendas que existem com relação ao byronismo brasileiro, e, em particular, paulista. É possível inferir, a partir dos artigos de Pires de Almeida, que o autor procura descrever o ambiente de São Paulo de sua época ao mesmo tempo em que tenta reconstruir os tempos da geração dos byronianos de 1850. A escola byroniana de Pires de Almeida é repleta de cemitérios, cadáveres e ossos de toda a espécie. Álvares de Azevedo foi o maior exemplo da influência exercida por Byron sobre o romantismo brasileiro. Em uma entrevista realizada por Almeida à cozinheira de Álvares de Azevedo, Chica Prosa, ela descreve os aposentos do patrão como “um completo museu mortuário”: as paredes e o teto eram “forrados de preto”, o divã em “forma de tumba” e, sobre a mesa de trabalho, “alguns crânios de feto serviam-lhe de guarda-penas”. Chica Prosa também descreveu a Pires de Almeida as sessões macabras dos byronianos acadêmicos de 1850 nos cemitérios de São Paulo. Os jovens vestiam-se de preto, “com grandes capas à espanhola, da mesma cor”. Suas amantes apresentavam-se de branco. Embriagavam-se, e, nos intervalos, prosseguiam à profanação das sepulturas e dos cadáveres. Pires de Almeida se refere a esses profanadores de cemitérios como “apóstolos do byronismo”, “imitadores conscientes de Byron”, “byronianos”, etc. Dessa forma, o autor traz um byronismo essencialmente macabro e hórrido contribuindo, assim, para aumentar o pessimismo de outros autores, como Paulo Padro, que se refere a São Paulo como um “dos focos de infecção romântica”. Um dos aspectos mais característicos do Romantismo paulista foi esse lutuoso gosto da morte, não simplesmente a abstrata, mas a morte concreta, diretamente associada a cemitérios, túmulos e cadáveres. Essa “estética dos horrores” ficou, no Brasil, ligada ao nome de Lord Byron. Como exemplo mais


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famoso, tem-se A Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo, seguida por inúmeras outras com a mesma influência. A tendência para o macabro e o horrível, foi geral no Romantismo. O romance gótico, com histórias de terror, foi uma subliteratura que floresceu e ganhou imensa popularidade. Há, dessa maneira, vestígios da influência desse tipo de literatura na obra de Byron, existindo o mesmo parentesco entre o herói byroniano e os heróis daqueles romances. Entretanto, não se pode dizer que o poeta inglês cultivou esse gênero. A preocupação com a morte e o amor pela noite são elementos importantes da estética byroniana. Mas isso não faz de Byron um poeta de cemitério ou um cultor de literatura macabra. Byronismo não pode ser considerado sinônimo de romantismo negro. De acordo com Pires de Almeida, a moda do byronismo, pelo menos em São Paulo, manifestou-se principalmente na realização de sessões macabras, onde um dos rituais mais importantes consistia em beber em taças feitas de crânios. A partir dessa ideia, a caricatura aumentou e, consequentemente outras partes do esqueleto, cadáveres, tumbas e cemitérios infestaram o Romantismo paulista, sob a designação de byronismo, de A Escola Byroniana no Brasil.


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{ Poemas}


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À Inês (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Não me sorrias à sombria fronte, Ai! sorrir eu não posso novamente: Que o céu afaste o que tu chorarias E em vão talvez chorasses, tão somente.

Nay, smile not at my sullen brow; Alas! I cannot smile again: Yet Heaven avert that ever thou Shouldst weep, and haply weep in vain.

E perguntas que dor trago secreta, A roer minha alegria e juventude? E em vão procuras conhecer-me a angústia Que nem tu tornarias menos rude?

And dost thou ask what secret woe I bear, corroding joy and youth? And wilt thou vainly seek to know A pang, ev’n thou must fail to soothe?

Não é o amor, não é nem mesmo o ódio, Nem de baixa ambição honras perdidas, Que me fazem opor-se ao meu estado, E evadir-me das coisas mais queridas.

It is not love, it is not hate, Nor low Ambition’s honours lost, That bids me loathe my present state, And fly from all I prized the most:

De tudo o que eu encontro, escuto, ou vejo, É esse tédio que deriva, e quanto! Não, a Beleza não me dá prazer, Teus olhos pra mim mal têm encanto.

It is that weariness which springs From all I meet, or hear, or see: To me pleasure Beauty brings; Thine eyes have scarce a charm for me.

Esta tristeza imóvel e sem fim É a do judeu errante e fabuloso Que não verá além da sepultura E em não terá nenhum repouso.

It is that settled, ceaseless gloom The fabled Hebrew wanderer bore; That will not look beyond the tomb, But cannot hope for rest before.

Que exilado – de si pode fugir? Mesmo nas zonas mais e mais distantes, Sempre me caça a praga da existência, O Pensamento, que é um demônio, antes.

What Exile from himself can flee? To zones though more and more remote, Still, still pursues, where’er I be, The blight of life – the demon Thought.

Mas os outros parecem transportar-se De prazer e, o que eu deixo, apreciar; Possam sempre sonhar com esses arroubos E como acordo nunca despertar!

Yet others rapt in pleasure seem, And taste of all that I forsake; Oh! may they still of transport dream, And ne’er, at least like me, awake!

Por muitos climas o meu fado é ir-me, Ir-me com um recordar amaldiçoado; Meu consolo é saber que ocorra embora O que ocorrer, o pior já me foi dado.

Through many a clime ‘tis mine to go, With many a retrospection curst; And all my solace is to know, Whate’er betides, I’ve known the worst.

Qual foi esse pior? Não me perguntes, Não pesquises por que é que me consterno! Sorri! não sofras risco em desvendar O coração de um homem: dentro é o Inferno.

What is the worst? Nay, do not ask – In pity from the search forbear: Smile on – nor venture to unmask Man’s heart, and view the Hell that’s there.


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Eutanásia8 (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Quando o tempo trouxer, ou cedo ou tarde, Esse sono sem sonhos para me embalar, Sobre meu leito de agonia possa, Olvido! Tua asa langue levemente tremular.

When Time, or soon or late, shall bring The dreamless sleep that lulls dead, Oblivion! may thy languid wing Wave gently o’er my dying bed!

Nem róis de amigos nem de herdeiros lá estarão, Para chorar, ou desejar, o que há de vir, Nem virgem de cabelo desgrenhado Para sentir dor decorosa, ou bem fingir.

No band of friends or heirs be there, To weep, or wish, the coming blow: No maiden, with disheveled hair, To feel, or feign, decorous woe.

Sem ter por perto carpidores oficiosos, Deixai que a terra me recubra silencioso: Que não tire à amizade uma só lágrima, Que eu não estrague um só momento jubiloso.

But silent let me sink into earth, With no officious mourners near: I would not mar one hour of mirth, Nor startle friendship with a tear.

Contudo o Amor, se o Amor em tal momento Seus inúteis soluços nobre contivesse, Poderia mostrar sua força última Na que ficasse viva ou no que então morresse.

Yet Love, if Love in such hour Could nobly check its useless sighs, Might then exert its latest power In her who lives, and him who dies.

Seria doce até o fim, ó minha Psique! Ver as tuas feições ainda serenas; Para ti sorriria a própria Dor, Esquecida de suas idas penas.

‘Twere sweet, my Psyche! to the last Thy features still serene to see: Forgetful of its struggles past, E’en Pain itself should smile on thee.

Mas é vão o desejo – dado que a Beleza Se retrairá, ao esgotar-se o último alento; E o pranto da mulher, que rola a bel-prazer, Engana em vida, abate no último momento.

But vain the wish – for Beauty still Will shrink, as shrinks the ebbing breath; And women’s tears, produced as will, Deceive in life, unman in death.

Sozinho eu fiquei pois em minha hora final, Sem que mostre pesar, sem um gemido; Para milhares já não franze o cenho a Morte, E passageira ou ignorada a dor tem sido.

Then lonely be my latest hour, Without regret, without a groan; For thousands Death hath ceas’d to lower, And pain been transient or unknown.

“Ah! morrer todavia e ir-se para sempre!” Aonde todos foram já ou devem ir! Ser o nada que eu era, anteriormente A nascer para a vida e para a dor curtir!

‘Ay, but to die, and go,’ alas! Where all have gone, and all must go! To be the nothing that I was Ere born to life and living woe!

As alegrias conta que tuas horas viram, Conta os teus dias sem nenhum sofrer: E sabe, não importa o que hajas sido, É bem melhor não ser.

Count o’er the joys thine hours have seen, Count o’er thy days from anguish free, And know, whatever thou hast been, ‘Tis something better not to be.

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Escrito em 1812, Eutanásia contém 9 estrofes com 4 versos cada. Nele, podemos observar a melancolia características de Byron ao se tratar de um assunto como a morte e o sepultamento solitários. Há o uso da personificação em diversos versos, como em “o Amor”, “a Beleza” e “a Morte”.


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Lara (Tibúrcio Antônio Craveiro trad.) O que a mente sonhara, ou viram olhos, Bem que o saiba jamais o revelará, Fica em seu peito: raia a luz diurna, E as quebrantadas forças lhe restaura; Rejeita a medicina, e sacerdotes, Tornado ao mesmo tempo em falas, e nos gestos, Como d’antes ocupa horas velozes: Menos não ri, a fronte se não tolda Mais que d’antes: se a noite se avizinha, E se aos olhos de Lara é menos bela, Não podem seus vassalos conhecê-lo, Cujo tremor delata-lhes o susto. Não sós, porém a dous se juntam sempre, Fogem da triste sala espavoridos; De estandarte um bolir, bater de porta, O rugir de um tapete, eco de passos, A sombra de alamedas, dos morcegos O esvoaçar, a viração da noite; Tudo, que veem, e escutam, os assusta, Logo que as trevas cobrem as muralhas.

Whate’er his frenzy dreamed of eye beheld, If yet remembered ne’er to be revealed, Rests at his heart: the customed morning came, And breathed new vigour in his shaken frame; And solace sought he none from priest nor leech, And soon the same in movement and in speech, As heretofore he filled the passing hours, Nor less he smiles, nor more his forehead lowers, Than these were wont; and if the coming night Appeared less welcome now to Lara’s sight, He to his marveling vassals showed it not, Whose shuddering proved their fear was less forgot. In trembling pairs (alone they dared not) crawl The astonished slaves, and shun the fated hall; The waving banner, and the clapping door, The rustling tapestry, and the echoing floor; The long dim shadows of surrounding trees, The flapping bat, the night song of the breeze; Aught they behold or hear their thought appals, As evening saddens o’er the dark grey walls


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Ode a Napoleão Bonaparte (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Tudo acabado: Ontem um rei, porém! E armado para com outros reis lutar, És hoje um ser que já nem nome tem! Estar tão degradado – e vivo estar! Este homem de mil tronos, então, Que de ossos de inimigos recobriu o chão E pode em tal vileza perdurar? Como o anjo Estrela da Manhã, tão mal chamado, Homem nem demo, após, tão baixo foi lançado.

‘Tis done – but yesterday a King! And armed with kings to strive – And now thou art a nameless thing: So abject – yet alive! Is this the man of thousand thrones, Who strewed our earth with hostile bones, And can he thus survive? Since he, miscalled the Morning Star, Nor man nor fiend hath fallen so far.

Por que açoitar, homem mal tencionado! Tua espécie que soube o joelho flexionar? Transfeito em cego, por te olhares demasiado, Tu ensinaste os outros a enxergar! Com o poder de salvar – inquestionado e forte – Tua dádiva foi tão só a morte Para quem viveu sempre a te adorar: Até caíres nem sonharam os mortais Que é mais a pequeneza que a ambição, tão mais!

Ill-minded man! Why scourge thy kind Who bowed so low the knee? By gazing on thyself grown blind, Thou taughtest the rest to see. With might unquestioned – power to save – Thine only gift hath been the grave, To those that worshipped thee; Nor till thy fall could mortals guess Ambition’s less than littleness!

Graças por tal lição, que há de ensinar, Depois de ti, bem mais ao combatente Do que a filosofia pode predicar E foi em vão pregado anteriormente. Rompe-se para não se restaurar jamais Aquele encanto sobre a mente dos mortais Que os levou a cultuar fervidamente Taís ídolos – que do poder da espada advêm E têm fronte de bronze e pés de barro têm!

Thanks for that lesson – it will teach To after-warriors more, Than high philosophy can preach, And vainly preached before. That spell upon the minds of men Breaks never to unite again, That led them to adore Those Pagod things of sabre-sway, With fronts of brass, and feet of clay.

O triunfo, e a vanglória, O arroubo da luta renhida, A voz de terremoto da vitória, Para ti o sopro da vida; A espada, o cetro, e aquele teu poder Que os homens pareciam ter de obedecer E de que a fama estava tão provida - Tudo caiu! – Sombrio espírito! que história Mais louca não será tua memória!

The triumph, and the vanity, The rapture of the strife – The earthquake voice of victory, To thee the breath of life; The sword, the scepter, and that sway Which man seemed made but to obey, Wherewith renown was rife – All quelled – Dark Spirit! what must be The madness of thy memory!

O vitorioso, derrotado; Desolado, o desolador: O árbitro do alheio fado Feito, do seu, suplicador! Existe de imperar inda esperança Que possa competir com essa mudança? Ou só da morte o terror? Morrer prícipe – ou viver escravo, à toa, Só na vileza a tua escolha é boa!

The desolator desolate! The victor overthrown! The arbiter of other’s fate A suppliant for his own! Is it some yet imperial hope. That with such change can calmly cope? Or dread of the death alone? To die a prince – or live a slave – Thy choice is most ignobly brave!

O que queria abrir o roble antigamente Não pensava no risco do retorno: Preso no tronco que forçara inutilmente - Sozinho – como procurava em torno? Tu, na rudez de teu vigor Cumpriste cabalmente m feito de igual cor,

He who of old would rend the oak, Dreamed not of the rebound; Chained by the trunk he vainly broke – Alone – how looked he round? Thou, in the sternness of thy strength, An equal deed hast done at length,


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E teve, o fade teu, negríssimo contorno: Se a fera da floresta devorou então, Deves a pouco e pouco roer o coração!

And darker fate hast found: He fell, the forest prowlers’ prey; But thou must eat thy heart away!

Quando o romano teve o coração ardente Com o sangue de Roma saciado, Largou a adaga, e ousou rumar consciente, E com rude grandeza, para o lar amado. Ousou partir com extrema derrisão De homens que haviam suportado tal grilhão, Mas lhe deixavam esse fado! Sua glória foi só essa hora alada De força, que alcançara só, abandonada.

The Roman, when his burning heart Was slaked with blood of Rome, Threw down the dagger – dared depart, In savage grandeur, home. He dared depart in utter scorn Of men that such a yoke had borne, Yet left him such a doom! His only glory was that hour Of self-upheld abandoned power.

O espanhol, quando o mando voluptuário Perdeu o encanto estimulante, As coroas trocou pelo rosário, O império pela cela sufocante! Quer das camândulas estrito contador, Quer dos credos sutil discutidor, Seu dote ele esbanjou bem e bastante: Melhor não conhecesse, no seu dia humano, O santuário do beato e o trono do tirano.

The Spaniard, when the lust of sway Had lost its quickening spell, Cast crowns for rosaries away An empire for a cell; A strict accountant of his beads, A subtle disputant on creeds, His dotage trifled well: Yet better had he neither known A bigot’s shrine, nor despot’s throne.

Mas tu – de tua mão que estava relutando O raio trovejante foi tirado – Deixas bem tarde o alto comando Ao qual tua fraqueza tinha-se agarrado; Embora em tudo espírito malsão, Basta para oprimir o nosso coração Ver o teu entibiado; E esse mundo de Deus tem sido – é crível? – O escabelo de um ser tão desprezível.

But thou – from thy reluctant hand The thunderbolt is wrung – Too late thou leavest the high command To which thy weakness clung; All evil spirit as thou art, It is enough to grieve the heart To see thine own unstrung; To think that God’s fair world hath been The footstool of a thing so mean;

Se para ele a terra derramou seu sangue, O sangue próprio pode ele resguardar! E os reis curvaram, a tremer, o joelho langue, Gratos por ele o trono lhes deixar! Liberdade! Podemos ver o teu valor, Se os teus mais fortes adversários seu pavor Humildemente vierem mostrar. Oh, que não possa o déspota legar jamais Um nome rútilo que engode a nós, mortais!

And earth hath split her blood for him, Who thus can hoard his own! And monarchs bowed the trembling limb, And thanked him for a throne! Fair freedom! we may hold thee dear, When thus thy mightiest foes their fear In humblest guise have shown. Oh! ne’er may tyrant leave behind A bright name to lure mankind!

Cada maldade tua em sangue está escrita, Porém não foi escrita em vão: A fama, cada triunfo teu já não a incita, Ou já de cada mancha agrava a abjeção. Se como a honra morre houvesse tu morrido, Poderia surgir novo tirano ardido Para vexar o mundo em mais um versão. - Masquem tão alto como o sol voaria Para criar noite sem astros, tão sombria?

Thine evil deeds are writ in gore, Nor written thus in vain – Thy triumphs tell of fame no more, Or deepen every stain: If thou hadst died as honour dies, Some new Napoleon might arise, To shame the world again – But who would soar the solar height, To set in such a starless night?

O pó do herói, pesado na balança, É vil, tal como o barro mais vulgar; Teu par de pratos, ó mortalidade, alcança Quem quer que esteja destinado a se findar;

Weighted in the balance, hero dust Is vile as vulgar clay; Thy scales, mortality! are just To all that pass away:


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Porém os vivos, quando grandes, eu o cria, Chispa mais alta é que os animaria, Para virem a deslumbrar e apavorar! Nem julguei que o desdém zombar assim pudesse De tanto vencedor do mundo, que os padece.

But yet methought the living great Some higher sparks should animate, To dazzle and dismay: Nor deemed contempt could thus make mirth Of these, the conquerors of the earth.

E ela, a tristonha flor da Áustria orgulhosa, A tua esposa inda imperial, Como aguenta seu peito a hora angustiosa? Inda a teu lado está ela, afinal? Ela também deve inclinar-se e partilhar Tua tarda compunção, desperançado ar, Tu, homicida que perdeste a insígnia real? Se ela te ama ainda, guarda bem tal gema, Que vale teu perdido diadema!

And she, proud Austria’s mournful flower, Thy still imperial bride; How bears her breast the torturing hour? Still clings she to thy side? Must she too bend, must she too share Thy late repentance, long depair, Thou throneless homicide? If still she loves thee, hoard that gem; ‘Tis worth thy vanished diadem!

Vai então para a tua ilha sombria E as águas põe-te a olhar; O teu sorriso, a onda o desafia, - Nunca a vieste a governar! Ou traça com tua mão de todo ociosa, Na areia, com uma têmpera morosa, Que a terra agora está tão livre como o mar! Que o pedagogo de Corinto a sua sentença Agora transferiu para tua fronte pensa.

Then haste thee to thy sullen isle, And gaze upon the sea; That element may meet thy smile – It ne’er was ruled by thee! Or trace with thine all idle hand, In loitering mood upon the sand, That earth is now as free! That Corinth’s pedagogue hath now Transferred his by-word to thy brow.

Tu, ó Timur! em sua jaula de cativo, Qual há de ser o pensamento teu, Ao veres que está predo o teu furor tão vivo! Apenas um: “O mundo já me pertenceu!” A menos, com o babilônio decaído, Que com teu cetro todo o senso hajas perdido, Por muito a vida não terá no cárcer seu O teu espírito que fluiu extensamente, Tanto tempo acatado, mas tão indigente!

Thou Timour! In his captive’s cage What thoughts will there be thine, While brooding in thy prisoned rage? But one – ‘The world was mine!’ Unless, like he of Babylon, All sense is with thy sceptre gone, Life will not long confine That spirit poured so widely forth – So long obeyed – so little worth!

Do fogo celestial houve o que foi ladrão: Quererás aguentar-lhe o dissabor? E compartir com ele, o que não viu perdão, O seu rochedo e o seu açor! Por Deus fadado, pelo homem amaldiçoado, Esse último ato teu – não o mais depravado – A abóboda do diabo leva em derrisão; Ele manteve o orgulho, em sua descaída, E, se mortal, com orgulho igual perdera a vida!

Or, like the thief of fire from heaven, Wilt thou withstand the shock? And share with him, the unforgiven, His vulture and his rock! Foredoomed by God – by man accurst, And that last act, though not thy worst, The very Fiend’s arch mock; He in his fall preserved his pride, And, if a mortal, had as proudly died!

Um dia, uma hora vieram a ocorrer, Quando a terra era a Gália, a Gália, teu lugar, Quando aquele imensíssimo poder, Não saciado para resignar, Teria feito ação de mais puro renome Que a que vive em Marengo a lhe rodar o nome E redourou teu descambar Através do crepúsculo da era inteira, Apesar de algum crime – nuvem passageira.

There was a day – there was an hour, While earth was Gaul’s – Gaul thine – When that immeasurable power Unsated to resign Had been an act of purer fame Than gathers round Marengo’s name And gilded thy decline, Through the long twilight of all time, Despite some passing clouds of crime.

Mas tu deves ser rei, rei inconteste, E o traje púrpura envergar,

But thou forsooth must be a king And don the purple vest,


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Como se conseguisse, tão simplória veste, De teu peito as lembranças arrancar. Onde está esse manto que perdeu a cor? Onde as nonadas que eram o teu fervor, A estrela, a fita, o cocar? Dize, filho do império, irracional e vão! Teus brinquedos, tiraram-nos de tua mão?

As if that foolish robe could wring Remembrance from thy breast. Where is that faded garment? Where The gewgaws thou wert fond to wear, The star, the string, the crest? Vain forward child of empire! say, Are all thy playthings snatched away?

Onde terá repouso a vista, já cansada, Quando se volte para os grandes a visão; Onde não brilha glória não culpada, Nem desprezível condição? Sim, o primeiro, o último, o excelente, O Cincinato do Ocidente, Em quem a inveja não ousou pôr o ferrão: Lega o nome de Washington, tão-só. Para que os homens corem de ter sido um só!

Where may the wearied eye repose, When gazing on the great; Where neither guilty glory glows, Nor despicable state? Yes – One – the first – the last – the best – The Cincinnatus of the West, Whom envy dared not hate, Bequeath the name of Washington, To make man blush there was but One!


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Oh! Na Flor da beleza arrebatada9 (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Oh! Na flor da beleza arrebatada, Não há de te oprimir tumba pesada; Em tua relva as rosas criarão Pétalas, as primeiras que virão, E oscilará o cipreste em branda escuridão. E junto da água a fluir azul da fonte Inclinará a Tristeza a langue fronte E as cismas nutrirá de sonho ardente; Pausará lenta, e andará suavemente, Como se com seus passos, pobre ente! Os mortos perturbasse, mesmo levemente! Basta! sabemos nós que o pranto é vão, Que a morte, à nossa dor, não dá atenção. Isso fará esquecer-nos de prantear? Ou que choremos menos fará então? E tu, que dizes para eu me olvidar, Teu rosto acha-se pálido, úmido esse olhar.

9

Oh! snatched away in beauty's bloom, On thee shall press no ponderous tomb; But on thy turf shall roses rear Their leaves, the earliest of the year; And the wild cypress wave in tender gloom: And oft by yon blue gushing stream Shall Sorrow lean her drooping head, And feed deep thought with many a dream, And lingering pause and lightly tread; Fond wretch! as if her step disturbed the dead! Away! we know that tears are vain, That death nor heeds nor hears distress: Will this unteach us to complain? Or make one mourner weep the less? And thou – who tell'st me to forget, Thy looks are wan, thine eyes are wet.

O poema faz parte da obra Melodias Hebraicas, escrito em 1815. É composto de três estrofes, sendo a primeira de cinco versos, e as outras duas, de seis versos. Trata-se de um poema que fala sobre a beleza e a juventude, e a despreocupação desta com a morte e a efemeridade da vida. Nele, podemos notar o lirismo do autor, ao descrever a beleza, e ao mesmo tempo, o pessimismo e a melancolia de ter que lidar com o passar do tempo e com a inevitável morte.


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Sol dos Insones (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Sol dos insones! Ó astro de melancolia! Arde teu raio em pranto, longe a tremular, E expões a treva que não podes dissipar: Que semelhante és à lembrança da alegria!

Sun of the sleepless! melancholy star! Whose tearful beam glows tremulously far, That show’st the darkness thou canst not dispel, How like art thou to joy remember’d well!

Assim raia o passado, a luz de tanto dia, Que brilha sem com raios fracos aquecer; Noturna, uma tristeza vela para ver, Distinta mas distante – clara – mas que fria!

So gleams the past, the light of other days, Which shines, but warms not with it powerless rays; A night-beam Sorrow watcheth to behold, Distinct, but distant – clear – but, oh how cold!


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Adeus10 (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Adeus! e para sempre embora, Que seja para nunca mais: Sei teu rancor - mas contra ti Não me rebelarei jamais. Visses nu meu peito, onde a fronte Tu descansavas mansamente E te tomava um calmo sono Que perderás completamente: Que cada fundo pensamento No coração pudesses ver! Que estava mal deixá-lo assim Por fim virias a saber. Louve-te o mundo por teu ato, Sorria ele ante a ação feia: Esse louvor deve ofender-te, Pois funda-se na dor alheia. Desfigurassem-me defeitos: Mão não havia menos dura Que a de quem antes me abraçava Que me ferisse assim sem cura? Não te iludas contudo: o amor Pode afundar-se devagar; Porém não pode corações Um golpe súbito apartar. O teu retém a sua vida, E o meu, também, bata sangrando; E a eterna ideia que me aflige É que nos vermos não tem quando. Digo palavras de tristeza Maior que os mortos lastimar; Hão de as manhãs, pois viveremos, De um leito viúvo despertar. E ao achares consolo, quando A nossa filha balbuciar, Ensiná-la-ás a dizer "Pai", Se o meu desvelo vai faltar? Quando as mãozinhas te apertarem E ela teu lábio -houver beijado, Pensa em mim, que te bendirei Teu amor ter-me-ia abençoado. Se parecerem os seus traços

10

Fare thee well! and if for ever, Still for ever, fare thee well: Even though unforgiving, never ‘Gainst thee shall my heart rebel. Would that breast were bared before thee Where thy head so oft hath lain, While that placid sleep came o’er thee Which thou n’er canst know again: Would that breast, by thee glanced over, Every inmost thought could show! Then thou woldst at last discover ‘Twas not well to spurn it so. Though the world for this commend thee – Though it smile upon the blow, Even its praises must offend thee, Founded on another’s woe: Though my many faults defaced me, Could no other arm be found, Than the one which once embraced me, To inflict a cureless wound? Yet, oh yet, thyself deceive not; Love may sink by slow decay, But by sudden wrench, believe not Hearts can thus be torn away: Still thine own its life retaineth Still must mine, though bleeding, beat; And the undying though which paineth Is – that we no more may meet. These are words of deeper sorrow Than the wail above the dead; Both shall live, but every morrow Wake us from a widowed bed. And when thou would solace gather, When our child’s first accents flow, Wilt thou teach her to say ‘Father!’ Though his care she must forego? When her little hands shall press thee, When her lip to thine is pressed, Think of him whose prayer shall bless thee, Think of him thy love had blessed! Should her lineaments resemble Those thou never more may’st see, Then thy heart will softly tremble With a pulse yet true to me. All my faults perchance thou knowest, All my madness none can know; All my hopes, where’er thou goest, Wither, yet with thee they go.

O poema datado de 17 de março de 1816 foi escrito após a separação de Byron com a sua então esposa, Lady Byron, e parece querer chamar a mulher à reconciliação. É possível notar no poema o tom de arrependimento do autor e a possível culpa que ele carrega pela separação. Segundo fontes, Lady Byron teria se separado devido a traição do marido com a sua meia-irmã Augusta, e por acreditar que ele era louco. Observa-se também, as lamentações de Byron pela separação da esposa, em estrofes repletas de lirismos, tristeza e melancolia.


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Com os de quem podes não mais ver, Teu coração pulsará suave, E fiel a mim há de tremer. Talvez conheças minhas faltas, Minha loucura ninguém sabe; Minha esperança, aonde tu vás, Murcha, mas vai, que ela em ti cabe. Abalou-se o que sinto; o orgulho, Que o mundo não pôde curvar, Curvou-se a ti: se a abandonaste, Minha alma vejo-a a me deixar. Tudo acabou - é vão falar -, Mais vão ainda o que eu disser; Mas forçam rumo os pensamentos Que não podemos empecer. Adeus! assim de ti afastado, Cada laço estreito a perder, O coração só e murcho e seco, Mais que isto mal posso morrer.

Every feeling hath been shaken; Pride, which not a world could bow, Bows to thee – by thee forsaken, Even my soul forsakes me now: But ’tis done – all words are idle – Words from me are vainer still; But the thoughts we cannot bridle Force their way without the will. Fare thee well! thus disunited, Torn from every nearer tie, Seared in heart, and lone, and blighted, More than this I scarce can die.


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A tempestade (Fernando Guimarães trad.) Estão calmos o céu e a terra – mas não adormecidos: sem ânimo, como nós sob o efeito das grandes paixões, e silenciosos como se mergulhássemos em profundos pensamentos. Estão calmos o céu a terra; desde as altas hostes de estrelas ao lago tranquilo e às margens montanhosas, tudo se concentra numa vida intensa onde nem uma folha, uma brisa, um reflexo se perdem, pois todos são uma parte do ser e um sentimento daquele que de tudo é Criador e defesa. Agita-se assim a emoção do infinito, sentida neste abandono em que o homem está menos sozinho; a verdade que em todo o nosso ser se funde e nos purifica de nós mesmo é um acorde, alma e fonte da música que nos ensina a eterna harmonia, derramando um encantamento lendário, como a cintura de Vénus, que reúne tudo pela beleza, e desafiaria a Morte, se tivesse o verdadeiro poder de destruir. Não foi sem razão que os antigos Persas edificaram as aras nos mais elevados lugares, no cume das montanhas que contemplam a terra, e assim escolhem um templo verdadeiro e sem muros, onde encontram o Espírito para quem tão pequeno é o valor dos santuários erguidos pelas nossas mãos. Vinde então comparar colunas e altares de ídolos, góticos ou gregos, com os lugares sagrados da Natureza, a terra e o ar, e não vos confineis a templos que limitam as vossas preces. O céu mudou-se – e que transformação! Oh noite, tempestade, trevas, sois surpreendentemente fortes, embora sedutoras no vosso poderio, como o brilho dos olhos sombrios duma mulher! Ao longe, de monte em monte, entre os ecos do rochedos o trovão vibra. Não é duma única nuvem que vem, mas cada montanha encontrou agora a sua linguagem, e o Jura responde, com o seu manto de neblina aos jubilosos Alpes, cujo apelo ressoa vivamente. Tudo chegou contigo – noite tão gloriosa, a que não se destina o nosso sono; deixa-me partilhar do teu violento, longínquo encantamento uma parte da tempestade e de ti mesma, noite! Ah, como resplandece o lago, um fosfórico mar, e a chuva abate-se a dançar sobre a terra! Mais uma vez tudo é escuridão – e, agora, a alegria das colinas sonoras freme com todo o seu excesso como se sentissem prazer com o surto dum novo cataclismo. [...] Se pudesse encarnar e tirar agora do meu seio aquilo que em mim é mais profundo, se pudesse saciar com palavras estes meus pensamentos, e assim exprimir alma, coração, e espírito, paixões e todos os sentimentos, ah, tudo o que poderia ter desejado, e desejo,

All heaven and earth are still—though not in sleep, But breathless, as we grow when feeling most; And silent, as we stand in thoughts too deep: — All heaven and earth are still: from the high host Of stars, to the lulled lake and mountain-coast, All is concentered in a life intense, Where not a beam, nor air, nor leaf is lost, But hath a part of being, and a sense Of that which is of all Creator and defence. Then stirs the feeling infinite, so felt In solitude, where we are LEAST alone; A truth, which through our being then doth melt, And purifies from self: it is a tone, The soul and source of music, which makes known Eternal harmony, and sheds a charm, Like to the fabled Cytherea's zone, Binding all things with beauty;—'twould disarm The spectre Death, had he substantial power to harm. Nor vainly did the early Persian make His altar the high places and the peak Of earth-o'ergazing mountains, and thus take A fit and unwalled temple, there to seek The Spirit, in whose honour shrines are weak, Upreared of human hands. Come, and compare Columns and idol-dwellings, Goth or Greek, With Nature's realms of worship, earth and air, Nor fix on fond abodes to circumscribe thy prayer! The sky is changed!—and such a change! O night, And storm, and darkness, ye are wondrous strong, Yet lovely in your strength, as is the light Of a dark eye in woman! Far along, From peak to peak, the rattling crags among, Leaps the live thunder! Not from one lone cloud, But every mountain now hath found a tongue; And Jura answers, through her misty shroud, Back to the joyous Alps, who call to her aloud! And this is in the night:—Most glorious night! Thou wert not sent for slumber! let me be A sharer in thy fierce and far delight— A portion of the tempest and of thee! How the lit lake shines, a phosphoric sea, And the big rain comes dancing to the earth! And now again 'tis black,—and now, the glee Of the loud hills shakes with its mountain-mirth, As if they did rejoice o'er a young earthquake's birth. […] Could I embody and unbosom now That which is most within me,—could I wreak My thoughts upon expression, and thus throw Soul, heart, mind, passions, feelings, strong or weak, All that I would have sought, and all I seek, Bear, know, feel, and yet breathe—into one word,


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sofro, conheço e sinto, sem que morra, numa só palavra - e que essa palavra fosse ‹‹Relâmpago!›› - eu a diria; mas não, vivo e morro voltado para o silêncio apenas, com sufocadas vozes que guardo como uma espada...

And that one word were lightning, I would speak; But as it is, I live and die unheard, With a most voiceless thought, sheathing it as a sword.


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Encontro-me mais uma vez sobre as ondas (Fernando Guimarães trad.) Encontro-me mais uma vez sobre as ondas, uma vez mais! E erguem-se debaixo de mim as vagas como um corcel que conhece o cavaleiro. Que o seu bramido seja bem-vindo! Ah, que me guiem depressa, para qualquer lugar! embora o mastro estremeça e se incline como um canavial e as velas sejam impelidas, despedaçadas pelos ventos, não posso deixar de prosseguir – porque sou uma alga arrancada das rochas que voga sobre a escuma do Oceano para onde a arrastam as ondas e a respiração da tempestade. [...] Depois dos meus dias de paixão, alegria ou dor, talvez minha harpa, a minha alma se tenham quebrado e delas nasça um áspero som; pode ser que inutilmente procure cantar uma vez mais como outrora cantei; embora sejam tristes acordes, permanecer-lhes-ei fiel desde que me arranquem a este penoso sonho dum sofrimento e alegria egoístas, que espalham à minha volta o esquecimento: e este tema embora aos outros o não seja, tornar-se-á grato para mim.

Once more upon the waters! yet once more! And the waves bound beneath me as a steed That knows his rider. Welcome to their roar! Swift be their guidance, wheresoe'er it lead! Though the strained mast should quiver as a reed, And the rent canvas fluttering strew the gale, Still must I on; for I am as a weed, Flung from the rock, on Ocean's foam, to sail Where'er the surge may sweep, the tempest's breath prevail. […] Since my young days of passion—joy, or pain, Perchance my heart and harp have lost a string, And both may jar: it may be, that in vain I would essay as I have sung to sing. Yet, though a dreary strain, to this I cling, So that it wean me from the weary dream Of selfish grief or gladness—so it fling Forgetfulness around me—it shall seem To me, though to none else, a not ungrateful theme.

Aquele que envelheceu neste mundo de provações com trabalhos, não com os anos, e ao mais íntimo da vida desceu para que nada o surpreenda, e a quem o amor, o desgosto, o renome, a ambição e as rivalidades não vêm despedaçar o coração com o punhal acelerado duma silenciosa e viva dor – poderá dizer por que o pensamento busca refúgio em antros solitários, mas cheios de aéreas imagens, de antigas formas sempre intactas, no refúgio assombrado da alma.

He who, grown aged in this world of woe, In deeds, not years, piercing the depths of life, So that no wonder waits him; nor below Can love or sorrow, fame, ambition, strife, Cut to his heart again with the keen knife Of silent, sharp endurance: he can tell Why thought seeks refuge in lone caves, yet rife With airy images, and shapes which dwell Still unimpaired, though old, in the soul's haunted cell.

É para criar e, ao criarmos, viver uma existência mais intensa, que às nossas visões entregamos uma forma, recebendo ao doá-la a vida que imaginamos, tal como o faço agora. Que sou eu? Nada! Todavia és diferente, tu, alma do meu pensamento, com quem atravesso a terra - invisível, mas vigilante -, enquanto me confundo na luz do teu espírito, partilhando a tua origem e sentindo as mesmas emoções vazias e perturbadas.

'Tis to create, and in creating live A being more intense, that we endow With form our fancy, gaining as we give The life we image, even as I do now. What am I? Nothing: but not so art thou, Soul of my thought! with whom I traverse earth, Invisible but gazing, as I glow Mixed with thy spirit, blended with thy birth, And feeling still with thee in my crushed feelings' dearth.

Ah, preciso de aplacar a minha loucura... Longamente me detive em sombrios pensamentos, e o meu cérebro, com o seu próprio redemoinho tão febril e exausto, transformou-se num abismo de imaginação e chamas: assim não tendo na juventude aprendido a vencer o coração, ficaram as minhas fontes de vida envenenadas... Ah, como é tarde! Embora me tenha transformado, sou ainda o mesmo para aceitar a dor de tudo o que o tempo não apaga e alimentar-me de frutos amargos, sem acusar o Destino.

Yet must I think less wildly: I HAVE thought Too long and darkly, till my brain became, In its own eddy boiling and o'erwrought, A whirling gulf of phantasy and flame: And thus, untaught in youth my heart to tame, My springs of life were poisoned. 'Tis too late! Yet am I changed; though still enough the same In strength to bear what time cannot abate, And feed on bitter fruits without accusing fate.


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Estâncias para Augusta11 (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) Embora, concluído o dia de meu fado, A estrela desta sina tenha declinado, Teu brando coração se recusou a achar As faltas que puderam, tantos, encontrar; Embora tua alma conhecesse a minha dor, Não recusou comigo partilhá-la, e o amor Que minha mente ideou, pintando-o para si, Jamais ela o encontrou, nunca, a não ser em ti.

Though the day of my destiny’s over, And the star of my fate hath declined, Thy soft heart refused to discover The fault which so many could find; Though thy soul with my grief was acquainted, It shrunk not to share it with me, And the love witch my spirit hath painted It never hath found but in thee.

Quando sorri a natureza em torno a mim Esse último sorrir, que ao meu responde assim, Não acredito que ele seja enganador, Porquanto me recorda o teu, em seu frescor; E quando em guerra os ventos se erguem contra o mar, Tal como os peitos, em que eu cria, a me atacar, Se as vagas inda me despertam emoção, É que afastando-me de ti elas estão.

Then when nature around me is smiling, The last smile witch answers to mine, I do not believe it beguiling, Because it reminds me of thine; And when winds are at war with the ocean, As the breasts I believed in with me, If their billows excite an emotion, It is that they bear me from thee.

Embora a rocha da esperança haja estalado E os seus pedaços n’água tenham-se afundado Embora eu sinta entregue à dor meu coração, Ele não há de dar-se a ela em servidão; Muitas angústias há, tantas, a me acossar; Se podem me esmagar, não podem desprezar; Podem me torturar, não me subjugarão - Eu penso em ti unicamente, nelas não.

Though the rock of my last hope is shivered, And its fragments are sunk in the wave, Though I feel that my soul is delivered To pain – it shall not be its slave. There may crush, but they shall not contemn; They may torture, but shall not subdue me – ‘Tis of thee that I think – not of them.

Embora humana, em tempo algum tu me enganaste, Mulher embora, tu jamais me abandonaste, Embora amada, tu evitaste me afligir, Embora caluniada, firme em resistir, Embora eu cresse em ti, tu não me repudiaste; Não foi para fugir que um dia te apartaste; Embora atenta, não para me denegrir; Nem silenciaste para o mundo então mentir. Contudo eu não censuro nem desprezo a terra, Nem, contra um, da multidão censuro a guerra; Para apreciar tal coisa não fui eu formado, Foi loucura eu não ter mais cedo me afastado; E se caro esse erro veio a me custar, Bem mais do que algum dia eu pude suspeitar, Por mais que me fizesse – achava eu – perder, De ti não poderia nunca me tolher. Vi o passado perecer e naufragar E dele eu posso ao menos isto recordar: Aquilo – ensinou-me ele – que mais eu queria, Ser o mais caro, em meio a tudo, merecia: No deserto uma fonte – eu vejo – está brotando, Uma árvore no ermo ainda frondejando, E um pássaro cantando em meio à solidão Que me fala de ti à mente e ao coração. 11

Though human, thou didst not deceive me, Though woman, thou didst not forsake, Though loved, thou forborest to grieve me, Though slandered, thou never couldst shake; Though trusted, thou didst not disclaim me, Though parted, it was not to fly, Though watchful, ‘twas not to defame me, Nor, mute, that the world might belie. Yet I blame not the world, nor despite it, Nor the war of the many with one; If my soul was not fitted to prize it, ‘Twas folly not sooner to shun: And if dearly that error hath cost me, And more than I once could foresee, I have found that, whatever it lost me, It could not deprive me of thee. From the wreck of the past, witch hath perished Thus much I at least may recall, It hath taught me that what I most cherished Deserved to be dearest of all: In the desert a fountain is springing, In the wide waste there still is a tree, And a bird in the solitude singing, Which speaks to my spirit of thee

Esse poema foi escrito no dia 24 de julho de 1816, e trata-se de uma carta para a irmã de Byron, Augusta, com quem teve um relacionamento amoroso por muitos anos. O poema é autobiográfico e se utiliza do lirismo, pois nele Byron expressa seus sentimentos por sua irmã e a dor de estarem separados, e pede a reconciliação.


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Soneto a Chillon12 (Fernando Guimarães trad.) Presença eterna duma Alma sem cadeias, tu, Liberdade, é no fundo das prisões que brilhas, pois se transforma o coração em teu refúgio - coração que só a ti sujeita o amor;

Eternal spirit of the chainless mind! Brightest in dungeons, Liberty! thou art, For there thy habitation is the heart, The heart which love of thee alone can bind;

e quando os teus filhos são presos, e lançados para as masmorras húmidas, sombrias, exalta-se a pátria com este martírio, e sobre as asas do vento ascende a tua glória.

And when thy sons to fetters are consigned To fetters, and the damp vault's dayless gloom, Their country conquers with their martyrdom, And Freedom's fame finds wings on every wind.

Chillon!, é o teu cárcere um lugar sagrado E um altar o chão obscuro, onde deixou Bonnivard os vestígios de seus passos,

Chillon! thy prison is a holy place, And thy sad floor an altar, for 'twas trod, Until his very steps have left a trace

como se fossem de relva as frias lajes: que não venham apagar agora esses vestígios, pois são um apelo a Deus contra os tiranos.

Worn, as if thy cold pavement were a sod, By Bonnivard! - May none those marks efface! For they appeal from tyranny to God.

12

Soneto a Chillon é o primeiro soneto do poema The Prisioner of Chillon, publicado em 1816. Nele, o poeta se refere ao Castelo de Chillon de forma a resgatar sua história e criticá-la ao inspirar-se na prisão de François Bonnivard, o qual participou do movimento a favor da independência de Genebra.


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Waterloo (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) XVII Detém na poeira de um Império essas passadas! Ruínas de um terremoto aqui estão sepultadas! Não orna este lugar um busto colossal? Nem troféus nem colunas em visão triunfal? Não, contudo moral mais simples aqui aflora: Como o solo era antes, seja assim agora! Como com a chuva rubra vicejou a messe! Fizeste que contigo o mundo isto obtivesse, Primeiro campo de batalha terminal! XVIII Haroldo está de pé – que de ossos no local! – No sepulcro da França, Waterloo mortal! Como teus dons anulas, tu, poder que dás, Como transferes uma fama tão fugaz! Aqui a águia em seu último auge foi notada E feriu, garra em sangue, a terra lacerada, Pela flecha da união dos povos traspassada; Todo o trabalho da ambição foi infecundo: Leva os anéis partidos dos grilhões do mundo. XIX Pode a Gália morrer – é justo – o freio a fundo E em ferros escumar: está mais livre o mundo? Lutaram as nações para vergar só um? Ou ensinar os reis a preexceler na ação? Quê! a Escravidão ressuscitada será algum Ídolo tosco de dias de ilustração? Devemos render preito ao Lobo, nós que o Leão Derrubamos? Perante o trono olhos vão baixar, Dobrar os joelhos? Não, provai para exaltar! XX Senão, que um déspota caiu não clameis tanto! Em vão em belos rostos derramou-se pranto Por tanta flor da Europa, que viu arrancada O que pisava as vinhas; épocas em vão De fim, despovoamento, servidão e horror Foram sofridas, mas quebrou-as a união De milhões que se ergueram; o que faz amada A glória, é quando o mirto vem coroar a espada, Como a que Harmódio opôs – de Atenas ao senhor.

XVII Stop! – for thy tread is on an Empire’s dust! An Earthquake’s spoil is sepulchred below! Is the spot mark’d with no colossal bust? Nor column trophied for triumphal show? None; but the moral’s truth tells simpler so, As the ground was before, thus let it be; How that red rain hath made the harvest grow! And is this all the world has gain’d by thee, Thou first and last of fields! king-making Victory? XVIII And Harold stands upon this place of skulls, The grave of France, the deadly Waterloo! How in an hour the power which gave annuls Its gifts, transferring fame as fleeting too! In ‘pride of place’ here last the eagle flew, Then tore with bloody talon the rent plain, Pierced by the shaft of banded nations through; Ambition’s life and labours all were vain; He wears the shatter’d links of the world’s broken chain. XIX Fit retribution! Gaul may champ the bit And foam in fetters; – but is Earth more free? Did nations combat to make One submit; Or league to teach all kings true sovereignty? What! Shall reviving Thraldom again be The patch’d-up idol of enlighten’d days? Shall we, who struck the Lion down, shall we Pay the Wolf homage? proffering lowly gaze And servile knees to thrones? No; prove before ye praise! XX If not, o’er one fallen despot boast no more! In vain fair cheeks were furrow’d with hot tears For Europe’s flowers long rooted up before The trampler of her vineyards; in vain years Of death, depopulation, bondage, fears, Have all been borne, and broken by the accord Of roused-up millions; all that most endears Glory, is when the myrtle wreathes a sword Such as Harmodius drew on Athens’ tyrant lord.


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Estâncias (Péricles Eugênio da Silva Ramos trad.) XVII Detém na poeira de um Império essas passadas! Ruínas de um terremoto aqui estão sepultadas! Não orna este lugar um busto colossal? Nem troféus nem colunas em visão triunfal? Não, contudo moral mais simples aqui aflora: Como o solo era antes, seja assim agora! Como com a chuva rubra vicejou a messe! Fizeste que contigo o mundo isto obtivesse, Primeiro campo de batalha terminal!

XVII Stop! – for thy tread is on an Empire’s dust! An Earthquake’s spoil is sepulchred below! Is the spot mark’d with no colossal bust? Nor column trophied for triumphal show? None; but the moral’s truth tells simpler so, As the ground was before, thus let it be; How that red rain hath made the harvest grow! And is this all the world has gain’d by thee, Thou first and last of fields! king-making Victory?

XVIII Haroldo está de pé – que de ossos no local! – No sepulcro da França, Waterloo mortal! Como teus dons anulas, tu, poder que dás, Como transferes uma fama tão fugaz! Aqui a águia em seu último auge foi notada E feriu, garra em sangue, a terra lacerada, Pela flecha da união dos povos traspassada; Todo o trabalho da ambição foi infecundo: Leva os anéis partidos dos grilhões do mundo.

XVIII And Harold stands upon this place of skulls, The grave of France, the deadly Waterloo! How in an hour the power which gave annuls Its gifts, transferring fame as fleeting too! In ‘pride of place’ here last the eagle flew, Then tore with bloody talon the rent plain, Pierced by the shaft of banded nations through; Ambition’s life and labours all were vain; He wears the shatter’d inks of the world’s broken chain.

XIX Pode a Gália morrer – é justo – o freio a fundo E em ferros escumar: está mais livre o mundo? Lutaram as nações para vergar só um? Ou ensinar os reis a preexceler na ação? Quê! a Escravidão ressuscitada será algum Ídolo tosco de dias de ilustração? Devemos render preito ao Lobo, nós que o Leão Derrubamos? Perante o trono olhos vão baixar, Dobrar os joelhos? Não, provai para exaltar!

XIX Fit retribution! Gaul may champ the bit And foam in fetters; - but is Earth more free? Did nations combat to make One submit; Or league to teach all kings true sovereignty? What! shall we, who struck the Lion down, shall we Pay the Wolf homage? proffering lowly gaze And servile knees to thrones? No; prove before ye praise!

XX Senão, que um déspota caiu não clameis tanto! Em vão em belos rostos derramou-se pranto Por tanta flor da Europa, que viu arrancada O que pisava as vinhas; épocas em vão De fim, despovoamento, servidão e horror Foram sofridas, mas quebrou-as a união De milhões que se ergueram; o que faz amada A glória, é quando o mirto vem coroar a espada, Como a que Harmódio opôs – de Atenas ao senhor.

XX If not, o’er one fallen despot boast no more! In vain fair cheeks were furrow’d with hot tears For Europe’s flowers long rooted up before The trampler of her vineyards; in vain years Of death, depopulation, bondage, fears, Have all been borne, and broken by the accord Of roused-up millions; all that most endears Glory, is when the myrtle wreathes a sword Such as Harmodius drew on Athens’ tyrant lord.


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As ilhas da Grécia, as ilhas da Grécia!13 (Augusto de Campos trad.) As ilhas da Grécia, as ilhas da Grécia! Onde a ardente Safo amou e cantou, Onde a arte da guerra e da paz cresceram, E Delos surgiu, que a Apolo abrigou! Um eterno verão as doura ainda, Mas tudo, exceto o sol, já descambou. Nelas, a musa de Quios e de Teos, A harpa do herói, o alaúde do amante, A fama acharam que não dão agora; A pátria deles muda está, perante Sons que passam as “Ilhas dos Felizes”, Para ecoar no oeste mais distante. As montanhas contemplam Maratona E maratona olha para o mar; E sonhei, uma hora lá sozinho, Que livre a Grécia poderia estar; Pois de pé sobre o túmulo dos persas, Escravo eu não podia me julgar. Um rei sentou-se na rochosa borda Que encara Salamina, dom do mar; Naus, aos milhares, viam-se lá embaixo, E nações, quem eram dele, iam lutar! Ele contou-as ao nascer do dia, E ao pôr-do-sol quem as iria achar? E onde estão eles? Minha pátria, onde Estás? Em tuas praias já sem voz O canto heroico não ressoa agora E já não bate o peito dos heróis! Tanto tempo divina, deve a lira Em mãos como estas decair após? Na carência da fama, é alguma coisa, Preso embora entre raça agrilhoada, Sentir que uma vergonha patriótica, Mesmo se eu canto, em minha face brada; Pois que deixou o poeta aqui? Aos gregos Rubor, à Grécia a lágrima sagrada.

The isles of Greece, the isles of Greece! Where burning Sappho loved and sung, Where grew the arts of war and peace, Where Delos rose, and Phoebus sprung! Eternal summer gilds them yet, But all, except their sun, is set. The Scian and the Teian muse, The hero’s harp, the lover’s lute, Have found the fame your shores refuse; Their place of birth alone is mute To sound which echo further west Than your sires’ ‘Islands of the Blest.’ The mountains look on Marathon – And Marathon looks on the sea; And musing there an hour alone, I dreamed that Greece might still be free; For standing on the Persians’ grave, I could not deem myself a slave. A king sate on the rocky brow Which looks o’er sea-born Salamis; And ships, by thousands, lay below, And men in nations; - all were his! He counted them at break of day– And when the sun set where were they? And where are they? and where art thou, My country? On thy voiceless shore The heroic lay is tuneless now– The heroic bosom beats no more! And must thy lyre, so long divine, Degenerate into hands like mine? ‘Tis something, in the dearth of fame, Though linked among a fettered race, To feel at least a patriot’s shame, Even as I sing, suffuse my face; For what is left the poet here? For Greece a blush – for Greece a tear. Must we but weep o’er days more blest? Must we but blush? –Our fathers bled. Earth! render back from out thy breast A remnant of our Spartan dead! Of the three hundred grant but three, To make a new Thermopylae!

Só devemos choras os belos dias? Chorar? – Deram seu sangue os nossos pais. Terra! Devolve de teu seio uns poucos Dos espartanos mortos – uns, não mais! Para novas Termópilas fazermos, Dá-nos três dos trezentos imortais!

What, silent still? and silent all? Ah! no; – the voices of the dead Sound like a distant torrent’s fall, And answer, ‘Let one living head, But one arise, – we come, we come!’ ‘Tis but the living who are dumb.

Que? Calados ainda? Todos, todos? Não! As vozes dos mortos eis soar Como queda longínqua de torrente,

In vain – in vain: strike other chords; Fill high the cup with Samian wine! Leave battles to the Turkish hordes, And shed the blood of Scio’s vine!

13

Este canto foi retirado da obra Don Juan, que apresenta, em sua totalidade, cerca de 2 mil estrofes em oitava-rima e 16 mil versos. Os cantos desta obra começaram a ser publicados a partir de 1819. No fragmento escolhido, percebe-se claramente um sentimento de pessimismo do eu-lírico, que olha para seu passado e não vê nada que fez como relevante. Isto faz com que sua percepção a respeito do futuro seja extremamente depressiva.


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E respondem: “Estamos a chegar! Que uma só fronte viva se subleve!” Só os vivos não se atrevem a falar. Em vão, em vão: feri vós outras cordas; Com vinho sâmio coroai a taça! Deixai as pugnas para as hostas turcas, De Quios vertei o sangue, o da vinhaça! Ouvi! erguendo-se ao chamado ignóbil, Como responde a bacanal que grassa! A dança pírrica tendes como antes; Por que a falange pírrica está ausente? Por que, dos dois legados, esquecer O que é mais nobre e másculo somente? As letras com que Cadmo vos brindou, Queria-as ele para escrava gente? Com vinho sâmio coroai a taça! Não nos empolga assunto maliciano! O vinho fez cantar Anacreonte, Que serviu a Polícrates, tirano; Mas então cada amo nosso ainda Era patrício – não um otomano. O tirano do Quersoneso o amigo Mais bravo era e o melhor da liberdade; Era Milcíades esse tirano! Oh, que nos emprestasse, a nossa idade, Um outro déspota da mesma espécie! Os seus laços ligavam de verdade! Com vinho sâmio coroai a taça! Existe o resto de uma estirpe grada, De Suli e Parga no rochedo e praia, Como a que por mães dórias foi gerada; Lá podia mandar sangue heraclida. Lá, talvez, a semente está semeada. Para ser livres não confieis nos francos – Têm como rei alguém que compra e vende; De nativas espadas e fileiras A só esperança de coragem pende: Com a força turca essa latina fraude Romper-vos-ia o escudo que defende. Com vinho sâmio coroai a taça! Virgens dançam à sombra – reluzentes Eu vejo os seus gloriosos olhos negros; Mas olhando essas moças resplendentes, Se penso que hão de amamentar escravos, Banham-me a vista lágrimas candentes. Ao promontório, a Súnio, conduzi-me, Onde eu somente, mais a onda que passa, Possamos escutar nossos murmúrios: Lá, cisne, eu cante à morte que me abraça; Terra de escravos nunca será minha:

Hark! rising to the ignoble call– How answers each bold Bacchanal! You have the Pyrrhic dance as yet; Where is the Pyrrhic phalanx gone? Of two such lessons, why forget The nobler and the manlier one? You have letters Cadmus gave– Think ye he meant them for a slave? Fill high the bowl with Samian wine! We will not think of themes like these! It made Anacreon’s song divine: He served – but served Polycrates – A tyrant; but our masters then Were still, at least, our countrymen. The tyrant of the Chersonese Was freedom’s best and bravest friend; That tyrant was Miltiades! Oh! That he present hour would lend Another despot of the kind! Such chains as his were sure to bind. Fill high the bowl with Samian wine! On Suli’s rock, and Parga’s shore, Exists the remnant of a line Such as the Doric mothers bore; And there, perhaps, some seed is sown. There Heracleidan blood might own. Trust not for freedom to the Franks– They have a king who buys and sells: In native swords, and native ranks, The only hope of courage dwells: But Turkish force, and Latin fraud, Would break your shield, however broad. Fill high the bowl with Samian wine! Our virgins dance beneath the shade – I see their glorious black eyes shine; But gazing on each glowing maid, My own the burning tear-drop laves, To think such breasts must suckle slaves. Place me on Sunium’s marbled steep, Where nothing, save the waves and I, May hear our mutual murmurs sweep; There, swan-like, let me sing and die: A land of slaves shall ne’er be mine– Dash down yon cup of Samian wine!


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– Do vinho sâmio jogai fora a taça!


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Neste dia completo meu trigésimo sexto aniversário 14 (Fernando Guimarães trad.) É tempo deste coração permanecer insensível porque já não pode comover o dos outros: mas, se por ninguém eu posso ser amado, ainda quero amar!

'Tis time this heart should be unmoved, Since others it has ceased to move: Yet though I cannot be beloved, Still let me love!

Os meus dias estão nas folhas já caídas; as flores e os frutos do amor abandonaram-me; a ninguém o verme, o cancro e o desgosto poderão pertencer!

My days are in the yellow leaf; The flowers and fruits of love are gone; The worm, the canker, and the grief Are mine alone!

Como uma ilha vulcânica, sozinho o fogo vem consumir-se no meu peito; não há nenhum lume que aí se reacenda - uma chama funerária!

The fire that on my bosom preys Is lone as some volcanic isle; No torch is kindled at its blaze— A funeral pile!

A esperança, o temor e o ciúme, tudo o que é excessivo no sofrimento, e o poder do amor, não posso compartilhar, só lhes sofro as cadeias.

The hope, the fear, the jealous care, The exalted portion of the pain And power of love I cannot share, But wear the chain.

Mas não é assim – e não é neste lugar – que deviam estes pensamentos abalar-me, nem agora quando a glória enfeita o túmulo do herói ou lhe coroa a fronte.

But 'tis not thus — and 'tis not here — Such thoughts would shake my soul, nor now, Where Glory decks the hero's bier Or binds his brow.

A espada, a insígnia e o campo de batalha, a glória e a Grécia, contemplo à minha volta! O guerreiro espartano, levado sobre o escudo, não era mais livre. Desperta (que a Grécia, ela está acordada!) Desperta meu espírito! Pensa naquele que faz correr o teu sangue vital para o lago materno onde fica o seu destino. Subjuga os desejos que despertam ainda, virilidade indigna! – para ti deveriam ser indiferentes o sorriso ou o duro olhar da Beleza. Para que vives, se lamentas a tua juventude? Aqui fica o lugar de uma morte honrosa. Caminha para a luta, e deixa que se apague o teu último alento! Procura – sem o procurar, tê-lo-ias encontrado – o túmulo de um soldado, aquilo que mereces; olha por fim à volta e prefere esta terra, aceita o teu descanso.

14

The sword, the banner and the field, Glory and Greece, around me see! The Spartan, borne upon his shield, Was not more free. Awake! (not Greece— she is awake!) Awake, my Spirit! Think through whom Thy life-blood tracks its parent lake, And then strike home. Tread those reviving passions down, Unworthy Manhood!— unto thee Indifferent should the smile or frown Of Beauty be. If thou regret'st thy youth, why live? The land of honourable death Is here:— up to the field, and give Away thy breath! Seek out— less often sought than found— A Soldier's Grave, for thee the best; Then look around, and choose thy Ground, And take thy Rest.

Escrito na Grécia em 22 de janeiro de 1824, é possível notar que Lord Byron tem consciência de que seu fim está próximo. Nele, há forte presença de melancolia e pessimismo por parte do eu-lírico, que já prevê sua morte. Byron faleceria três meses depois, também na Grécia.


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Referências Bibliográficas BARBOSA, Onédia Célia de Carvalho. Byron no Brasil: traduções. São Paulo: Ática, ANO DE PUBLICAÇÃO. CAMPOS, Augusto de. Byron e Keats: entreversos. Campinas: Unicamp, ANO DE PUBLICAÇÃO. KEATS, John; SHELLEY, Percy Bysshe; BYRON, Lord. Poesia Romântica Inglesa. GUIMARÃES, Fernando (trad.). Lisboa, Portugal: Relógio D’Água, 1992. p. 7-27. RAMOS, P. E. S. Poesias de Lorde Byron. São Paulo: Art, 1989. p. 157. SÓ Literatura. Disponível em: <http://www.soliteratura.com.br/> Acesso em: 24 maio 2013.


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Anexo 1 – Poemas do Romantismo Brasileiro Confederação dos Tamoios (Gonçalves de Magalhães) Como da pira extinta a labareda, Ainda o rescaldo crepitante fica, Assim do ardente moço a mente acesa Na desusada luta que a excitara, Ainda, alerta e escaldada se revolve! De um lado e de outro balanceia o corpo, Como após da tormenta o mar banzeiro; Alma e corpo repouso achar não podem. Debalde os olhos cerra; a igreja, as casas, A vila, tudo ante ele se apresenta. Das preces a harmonia inda murmura Como um eco longínquo em seus ouvidos. Os discursos do tio mutilados, Malgrado seu, assaltam-lhe a memória. No espontâneo pensar lançada a mente, Redobrando de força, qual redobra A rapidez do corpo gravitante, Vai discorrendo, e achando em seu arcanos Novas respostas às razões ouvidas. Mas a noite declina, e branda aragem Começa a refrescar. Do céu os lumes Perdem a nitidez desfalecendo. Assim já frouxo o Pensamento do índio, Entre a vigília e o sono vagueando, Pouco a pouco se olvida, e dorme, sonha, Como imóvel na casa entorpecida, Clausurada a crisálida recobra Outra vida em silêncio, e desenvolve Essas ligeiras asas com que um dia Esvoaçará nos ares perfumados, Onde enquanto reptil não se elevara; Assim a alma, no sono concentrada, Nesse mistério que chamamos sonho, Preludiando a vista do futuro, A póstuma visão preliba às vezes! Faculdade divina, inexplicável A quem só da matéria as leis conhece. Ele sonha... Alto moço se lhe antolha De belo e santo aspecto, parecido Com uma imagem que vira atada a um tronco, E de setas o corpo traspassado, Num altar desse templo, onde estivera, E que tanto na mente lhe ficara, — "Vem!" lhe diz ele e ambos vão pelos ares. Mais rápidos que o raio luminoso Vibrado pelo sol no veloz giro,


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E vão pousar no alcantilado monte, Que curvado domina a Guanabara. Cerrado nevoeiro se estendia Sobre a vasta extensão de espaço em tôrno, Cobertando o verdor da imensa várzea; E o topo da montanha sobranceiro Parecia um penedo no Oceano. Mas o velário de cinzenta 'névoa Pouco a pouco, subindo adelgaçou-se, E rarefeito enfim, em brancas nuvens. Foi flutuando pelo azul celeste. Que grandeza! Que imensa majestade! Que espantoso prodígio se levanta! Que quadro sem igual em todo o mundo, Onde o sublime e o belo em harmonia O pensamento e a vista atrai, enleva E faz que o coração extasiado Se dilate, se expanda, e bata, e impila O sangue em borbotões pelas artérias! Os olhos encantados se exorbitam, Como as vibradas cordas de uma lira, De almo prazer os nervos estremecem; E o espírito pairando no infinito, Do belo nos arcanos engolfado, Parece alar-se das prisões do corpo. Niterói! Niterói! como és formosa! Eu me glorio de dever-te o braço! Montanhas, várzeas, lagos, mares, ilhas, Prolífica Natura, céu ridente, Léguas e léguas de prodígios tantos. Num todo tão harmônico e sublime, Onde olhos o verão longe deste Éden?

Canção do Exílio (Gonçalves Dias) Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.


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Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar –sozinho, à noite– Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Colombo (Araújo Porto Alegre) De um salto juvenil pisa Colombo A nova terra, e com seguro braço, A bandeira real no solo planta. Beija a plaga almejada, ledo e chora: Foi geral a emoção! Disse o silêncio Na mudez respeitosa mais que a língua. Ao céu erguendo os lacrimosos olhos, Na mão sustendo o Crucifixo disse: “Deus eterno, Senhor onipotente, A cujo verbo criador o espaço Fecundado soltou o firmamento, O sol, e a terra, e os ventos do oceano, Bendito sejas, Santo, Santo, Santo! Sempre bendito em toda parte sejas. Que se exalte tua alta majestade Por haver concedido ao servo humilde O teu nome louvar nestas distâncias. Permite, ó meu Senhor, que agora mesmo, Como primícias deste santo empenho, A teu Filho Divino humilde of’reça Esta terra, e que o mundo sempre a chame Terra de Vera-cruz! E que assim seja”. Ergue-se e o laço do estandarte afrouxa: Sopra o vento, desdobra-o, resplandecem De um lado a imagem do Cordeiro, e do outro As armas espanholas. Como assenso Da divina mansão, esparge a brisa Um chuveiro de flores sobre a imagem, Flores não vistas da européia gente!

Se eu morresse amanhã (Álvares de Azevedo) Se eu morresse amanhã,viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã!


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Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que amanhã! Eu pendera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que dove n'alma Acorda a natureza mais loucã! Não me batera tanto amor no peito, Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã... A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã!

Meus oito anos (Casimiro de Abreu) Oh que saudades que tenho Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras, A sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais. Como são belos os dias Do despontar da existência Respira a alma inocência, Como perfume a flor; O mar é lago sereno, O céu um manto azulado, O mundo um sonho dourado, A vida um hino de amor! [...]

Louco (Junqueira Freire) Não, não é louco. O espírito somente É que quebrou-lhe um elo da matéria. Pensa melhor que vós, pensa mais livre, Aproxima-se mais à essência etérea. Achou pequeno o cérebro que o tinha: Suas idéias não cabiam nele; Seu corpo é que lutou contra sua alma, E nessa luta foi vencido aquele, Foi uma repulsão de dois contrários: Foi um duelo, na verdade, insano:


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Foi um choque de agentes poderosos: Foi o divino a combater com o humano. Agora está mais livre. Algum atilho Soltou-se-lhe o nó da inteligência; Quebrou-se o anel dessa prisão de carne, Entrou agora em sua própria essência. Agora é mais espírito que corpo: Agora é mais um ente lá de cima; É mais, é mais que um homem vão de barro: É um anjo de Deus, que Deus anima. Agora, sim - o espírito mais livre Pode subir às regiões supernas: Pode, ao descer, anunciar aos homens As palavras de Deus, também eternas. E vós, almas terrenas, que a matéria Os sufocou ou reduziu a pouco, Não lhe entendeis, por isso, as frases santas. E zombando o chamais, portanto: - um louco! Não, não é louco. O espírito somente É que quebrou-lhe um elo da matéria. Pensa melhor que vós, pensa mais livre. Aproxima-se mais à essência etérea.

Cântico do Calvário (Fagundes Varela) Eras na vida a pomba predileta Que sobre um mar de angústias conduzia O ramo da esperança. Eras a estrela Que entre as névoas do inverno cintilava Apontando o caminho ao pegureiro. Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, a inspiração, a pátria, O porvir de teu pai! - Ah! no entanto, Pomba, - varou-te a flecha do destino! Astro, - engoliu-te o temporal do norte! Teto, - caíste!- Crença, já não vives! Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, Legado acerbo da ventura extinta, Dúbios archotes que a tremer clareiam A lousa fria de um sonhar que é morto! [...]


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Navio Negreiro (Castro Alves) Canto VI Existe um povo que a bandeira empresta P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... E deixa-a transformar-se nessa festa Em manto impuro de bacante fria!... Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, Que impudente na gávea tripudia? Silêncio. Musa... chora, e chora tanto Que o pavilhão se lave no teu pranto! ... Auriverde pendão de minha terra, Que a brisa do Brasil beija e balança, Estandarte que a luz do sol encerra E as promessas divinas da esperança... Tu que, da liberdade após a guerra, Foste hasteado dos heróis na lança Antes te houvessem roto na batalha, Que servires a um povo de mortalha!... Fatalidade atroz que a mente esmaga! Extingue nesta hora o brigue imundo O trilho que Colombo abriu nas vagas, Como um íris no pélago profundo! Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! Andrada! arranca esse pendão dos ares! Colombo! fecha a porta dos teus mares!

Guesa Errante (Sousândrade) [...] "Nos áureos tempos, nos jardins da América Infante adoração dobrando a crença Ante o belo sinal, nuvem ibérica Em sua noite a envolveu ruidosa e densa. "Cândidos Incas! Quando já campeiam Os heróis vencedores do inocente Índio nu; quando os templos s'incendeiam, Já sem virgens, sem ouro reluzente, "Sem as sombras dos reis filhos de Manco, Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia A fazer-se...) num leito puro e branco A corrupção, que os braços estendia! "E da existência meiga, afortunada, O róseo fio nesse albor ameno Foi destruído. Como ensanguentada A terra fez sorrir ao céu sereno! [...]


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