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Poema No. 8
PONTA GROSSA SETEMBRO 2006 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA www.ogrimpa.com.br
borbolas brancas brincam no banhado da minha infância: (no gramado entre as árvor no sítio do meu avô tinha um banhadinho verde de águas sempre tão puras sombreando as tard de tio do menino suarento) são rtias de sol voaçando nas poças d’água que inundam o chão da minha memória.
Hélio Ferreira Arte: Carlos Chá (Óleo sobre tela)
F ut e
exo e apa l p m o ixo Oc O Museu Campos Gerais convida para visitar a exposição interativa
“Instrumentos musicais na história da região dos Campos Gerais: a música como elemento de integração social'’ Aberta até o dia 30/09/2006
“Visitar o museu é reconhecer e valorizar a nossa história” MUSEU CAMPOS GERAIS DIVISÃO CULTURAL PRÓ REITORIA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS CULTURAIS
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ado B do Futebol
* BAIRRO - profissão de barbeiro sobrevive no São José * PALMAS / ABELARDO LUZ – carona pela paisagem e personagens da fronteira * A CARICATURA DO SÉCULO ou “por que o humor é um direito constitucional” * CÂMARA CLARA – “uma fotografia com trilha sonora perfeita” * MEMÓRIAS - Kirk Douglas em apagão no Cine Renascença * PARADOXO BRASILEIRO – saber da música e desconhecer o compositor * TELEVIZINHO – uma instituição que durou mais de trinta anos * E MAIS: a serpente do Império, cartoons e os personagens Tope Topete e Homem-bunda
Edição e pauta: GRIMPA SETEMBRO DE 2006 Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Rafael Schoenherr (MTb 11364/RS) Arte e projeto gráfico: Luciano Schmitz Ilustrações: Diego de los Campos e Luciano Schimtz (capa), Luciano Schimtz (editorial), Sebastião Natalio (crônica) e Carlos Chá (poesia) Ouvidoria: Marcelo Engel Bronosky Reportagem: Diego Antonelli Casagrande (Fronteiras do PR), Rafael Schoenherr (São José), Rodrigo Kwiatkowski (Futebol Amador). Perfis: Ben-Hur Demeneck e Danilo Kossoski Ilustrações: Diego de los Campos e Luciano Schmitz (capa), Luciano Schmitz (editorial), Sebastião Natalio (crônica) e GRIMPA – Edição de Agosto / Setembro Carlos Chá (poesia) 2006 Fotografias: Ben-Hur Demeneck (Futebol Distribuição gratuita – 2.500 exemplares Amador), Diego Antonelli Casagrande Jornal sem fins lucrativos – Cultura Pa(Fronteiras do PR) e Rodrigo Czekalski ranaense (São José) Página na internet: www.ogrimpa.com.br Convidado: Hugo Harada (Auto-retratos) Cartoons, charge e humor: Álvaro Contas de e-mail: Fonseca Jr. (Tope Topete), Artur Pena ombudsman@ogrimpa.com.br – críticas, sug(lenda urbana), Danilo Kossoski (charge) estões e elogios ao jornal. e James Robson França [o “Sádico”] pauta@ogrimpa.com.br – sugestão de temas (Homem-bunda) para as reportagens. Caricaturas: Elias Lascoski e Rodrigo publicidade@ogrimpa.com.br – equipe coKwiatkowski (texto) e Erickson Cruz mercial. (trabalho gráfico) humor@ogrimpa.com.br – acesso aos responCrítica e literatura: Alceu Bortolanza sáveis pela seção de humor. (música), Antonio Teixeira (crônica), Helcio literatura@ogrimpa.com.br – acesso aos resKovaleski (TV) e Hélio Ferreira (poesia) ponsáveis pela seção de literatura.
Vikings,
EXPEDIENTE
Lanternas e Filmes
cultura???
*************************************** “Nossa burrice oficial é proporcional ao talento desperdiçado” – Luis Fernando Verissimo no contexto do Brasil nosso de cada dia.
O vencedor da promoção “Olho no Lance” é Arnaldo Hase, com a criação “Geraldão, o gandula eterno”. Por escrever um belo texto que ilustra o folclore futebolístico, o autor será premiado com “Futebol ao sol e à sombra”, de Eduardo Galeano.
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
Marcelo Engel Bronosky Já faz mais de três meses que a edição número 5 do Grimpa circulou. Essa distância entre uma edição prejudica à crítica, afinal ela aposta na lembrança dos leitores sobre a edição anterior. Reconheço as dificuldades dos colegas em publicar um jornal cultural, especialmente num ambiente tão hostil às iniciativas que visam promover à cultura local e regional. Ainda assim, torna-se fundamental lutar para que se mantenha a periodicidade proposta, nem que isto custe uma participação maior de cada um de nós. Assim, esta crítica está destinada às pessoas (leitores, colaboradores) que são sensíveis à promoção da cultura e que por um motivo ou outro não têm colaborado mais com a publicação do Grimpa, inclusive eu. Claro, não posso deixar de reconhecer a vontade dos vários colaboradores que, ao longo destas seis edições, não se furtaram em produzir bons artigos, boas crônicas, tiras ou críticas para o jornal. Parabéns e obrigado!!! Agora, é preciso deixar claro, só isso não garante a continuidade do Grimpa, sua consolidação no campo cultural da cidade e região. É preciso que cada um, na medida de suas possibilidades e responsabilidades, participe mais do jornal, procurando mais apoiadores e financiadores. Afinal, o Grimpa é a síntese do esforço coletivo de pessoas preocupadas em refletir a cultura regional e não um espaço de projeção de seus idealizadores e/ou colaboradores. Precisamos nos envolver mais, participar mais, para que os intervalos entre as edições não fiquem permanentes e para que o jornal não entre naquela lista de mais um que não deu certo.
Esta é a terceira crônica da série “MEMÓRIAS DE UM CINÉFILO”. Você pôde conferir na primeira edição do GRIMPA “As matinês do Império” e, no terceiro número, o texto “Sete e meia no Ópera, OK?”. Exemplares do jornal estão arquivados na Casa da Memória de Ponta Grossa (Benjamim Constant, 318) e no Museu Campos Gerais (XV com Eng. Schamber, 654). Nesses locais o periódico está disponível para consulta. Aproveite e conheça mais da história da nossa imprensa.
Ilustração: SEBASTIÃO NATALIO. Grafite e bico de pena.
Compromisso com a Nossa coluna de música passa a trabalhar na dissolução de um paradoxo. Para tanto amor à música, queremos uma emenda nesse sentimento: que se conheça mais dos compositores. Nessa estréia, João Pacífico, o menos conhecido dos três “esquecidos”, é presença imortal em muitos corações, ignorantes de seu nome, porém palpitantes de seus versos. Na coluna de TV, lembram-se os tempos em que os televisores eram poucos e seus donos acomodavam amigos e parentes para partilharem a programação. Com narrativas e hábitos que nos fogem das mãos, borboletas (que esvoçam sobre charcos de nossa infância) vêm desembaçar nossa janela para o passado, com outra poesia de Hélio Ferreira. No humor, as charges e cartoons continuam um contraponto a outras seções mais densas do jornal, por sua linguagem objetiva e direta. Álvaro, Danilo, Sádico, Artur Pena, Erickson Cruz, Rodrigo K e Elias Lascoski mostram o quanto o humor é coisa séria e necessária. Atrelam as definições de humanidade e a cidadania ao direito pétreo do riso. Para as edições seguintes uma novidade, o cartunista Sádico fica responsável pelo conteúdo de uma das páginas. Boa leitura, meu caro, desta sexta edição. Escreva para nós, pois é sua palavra que queremos imprimir na memória. Faça parte de nossa aventura pela cultura, com seu depoimento. Escrevamos juntos essa história.
ANTONIO JOÃO TEIXEIRA
COLUNA DO OMBUDSMAN
A edição de número seis do Grimpa apresenta um avanço na pluralidade visual. Contamos com a colaboração inédita de três trabalhos autorais, dois em ilustração e um em fotografia. Ademais, uma das páginas de humor é espaço para material digno de Ziraldo, pela perfeição técnica e o esmero criativo. Todos são mostras do sabido desenvolvimento dos criadores visuais no Paraná, veio que o jornal começa a explorar com maior propriedade. Na porção escrita, o periódico (nem tanto assim) segue com sua produção baseada na cultura popular e também das adjacências das linhas culturais mais prestigiadas. É no caldo social de um bairro tradicional ou numa final de campeonato amador que buscamos dar amplitude às comunidades que compõem nossas cidades, com suas histórias e consciências particulares. Na busca de nosso Estado interior, a viagem foi em outra fronteira com Santa Catarina, divisa de Abelardo Luz (SC) com Palmas (PR). Terceiro da série Fronteiras do PR (vide edições 04 e 05 – www.ogrimpa.com.br). Em se tratando de continuidade, Grimpa publica a seqüência de “Memórias de um cinéfilo”, com crônica ambientada no Cine Renascença (o “Rena”), anos 60. Um rico testemunho com referências valiosas como a Companhia Prada de Eletricidade, importante “personagem” nessa narrativa, ou a boa impressão causada pela orquestra da MGM em um então professor da rede pública. Ou seja, mescla de história pessoal e coletiva, união feita a partir de marcos de conhecimento público ou comunitário. Sinal da orientação deste veículo.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
O cinema nos anos sessenta do século passado, pelo menos em Ponta Grossa, era ainda a maior diversão, como dizia o slogan na marquise do Cine Império. Mas para mim era muito mais que isso, pois além do puro entretenimento, havia momentos epifânicos e momentos francamente surreais, às vezes simultaneamente. Vou relatar um episódio do modo como ele me vem à lembrança, talvez um pouco distorcido pela distância no tempo, pelo afeto em que está envolvido ou por uma simples traição da memória. Nessa época havia quatro cinemas – em 1964 o Cine Pax foi inaugurado – mas três deles eram os mais freqüentados: o Inajá, o Ópera e o Império. No local em que funcionava o Cine Inajá, inaugurado em 1966, havia antes o Renascença, carinhosamente chamado de Rena, que existiu até 1963. Sua última sessão foi celebrada com os vôos de Tony Curtis, Burt Lancaster e Gina Lollobrigida em Trapézio, acompanhados por uma câmera que rodopiava ao som dos acordes do Danúbio Azul, muito antes dessa valsa ser para sempre associada ao balé espacial de Stanley Kubrick. Foi um fechamento com chave de ouro. Não que o filme fosse grande coisa; na verdade, era um melodrama não muito interessante sobre gente de circo. Mas as cenas no trapézio, com os saltos triplos sem rede, eram de tirar o fôlego. A elegância dessas cenas, ao som de uma valsa clássica, marcou a comovente despedida do Renascença. O Rena impressionava pela sua arquitetura e por estar sempre mergulhado na penumbra – lembro dele como um cinema estreito, de madeira trabalhada e pintado com arabescos. E tinha frisas laterais com camarotes. Sobre a tela, cercadas de enfeites coloridos, estavam escritas as datas em que ele “nasceu” e “renasceu”, datas tantas vezes lidas e agora esquecidas. Até a música que se ouvia ao entrar no cinema era imponente e, já naquela época, soava antiga, como o tema que se ouvia antes de a cortina pesada de veludo bordô se abrir: a canção Ebb Tide, tocada no órgão por Ken Griffin. Era o tempo dos grandes estúdios e ali passavam os filmes da Metro e da United Artists – o professor e músico Álvaro Holzmann não se cansava de exaltar em suas aulas no Regente Feijó a excelência da orquestra da Metro. Os
filmes da Universal e da Warner passavam no Ópera e os da Paramount, RKO Radio, Pelmex e Condor Filmes no Império. De todos os cinemas, o Rena era o mais interessante – tinha a solenidade e o mistério das coisas antigas. Foi no Rena, durante uma sessão de Vikings, os Conquistadores, filme de 1958, que vi um episódio curioso. Eu estava completamente imerso na trama do filme e impressionado com a rudeza e violência daqueles homens que se lançavam a aventuras no mar, com o olho de Kirk Douglas, recoberto de uma película branca e com o som da música primitiva tocada em imensos instrumentos de sopro. Era um mundo cruel, primitivo e empolgante. Mas, no auge da aventura, o filme foi interrompido por um corte de energia – o que era freqüente então –, gentileza da Companhia Prada de Eletricidade, e o cinema ficou às escuras. Imediatamente acendeu-se uma lanterna, que passou a vasculhar o espaço. Então outra e mais outra ainda. Logo era uma enorme quantidade de fachos de luz que cruzavam a sala escura e se entrelaçavam numa dança que acompanhava as conversas, os gritinhos e o riso da platéia. Enormes imagens de mãos e cabeças eram projetadas na tela e nas paredes. Os cantos escuros dos camarotes eram subitamente iluminados. A trágica história dos vikings virou um animado e improvisado festival popular. Quem pensaria em ir ao cinema hoje e levar uma lanterna no bolso da calça ou na bolsa? Por outro lado, quase ninguém sairia de casa hoje em dia sem seu celular. Isso dá a medida da mudança que ocorreu. Numa época de palm tops, de DivX, de monitor de plasma, de Skype e de mp3 – coisas que curto muito, por sinal – é muito bom lembrar do Renascença. Ele ficou lá, no passado, com seus arabescos, suas frisas e sua penumbra, juntamente com a Companhia Prada de Eletricidade e seus apagões, com o jovem Kirk Douglas, que hoje tem dificuldade de articular as palavras, com a beleza cheia de curvas de Gina Lollobrigida, com os destemidos vikings... Mas o espetáculo de luz, sombras, vozes e risos está presente em minha mente e ficou para sempre associado a uma época que, graças ao trabalho que o tempo e a mente elaboram, parece agora ter sido mais inocente e mágica.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
O ESQUECIDO DO MÊS É...
“Se um dia vocês virem as folhas amarelas, não reparem, foi a saudade quem pintou” Esta frase de João Pacífico é perfeita para começarmos a falar daqueles que na verdade representam a maior parte de um sucesso musical: os compositores. Eles são os “mestresde-obra” que constroem e esculpem a arte que depois não apenas eles mas, freqüentemente, outros terão a incumbência ou o privilégio de expor ao mundo. Entretanto, nem sempre são reverenciados ou até reparados. São citados somente para justificar a existência de tal obra; tirando deles todo o peso que dá equilíbrio e movimento à música. Ao fazermos isso, estamos também correndo o risco de supervalorizar o lado oposto. Justamente daquele que se aproveita de tal obra para nem sequer citar o seu criador. Quase como uma apropriação indébita, mesmo tendo a permissão para isso. Seria mais apropriado e respeitoso dizer: “Esta música que vamos apresentar é da autoria de...” Mas, infelizmente não é o que tem acontecido e é aí que perdemos. Pois com essa atitude estamos não só jogando estes mestres no ostracismo, mas dificultando o aparecimento de novos compositores, porque não vêem nesta arte a possibilidade de reconhecimento. Nós mesmos portamos esse defeito ao nos depararmos com um vinil ou cd. Pergunte-se: “Quantas vezes preocupei-me em saber também o nome do compositor além do nome da música?” Nunca? Não se preocupe, esse desinteresse é comum à maioria. Mas, não hesite em começar desde já. Muitas vezes é através dos compositores, arranjadores e produtores de um disco, que ele ganha em qualidade. O intérprete é importante como parte do processo, mas depende muito dessa base. Torna-se obviamente melhor e mais completo quando participa da criação. Vamos citar alguns importantes compositores em algumas áreas da música brasileira. Poucos, por falta de espaço. De resto é só pesquisar e conhecer, conforme o gosto musical.
João Pacífico.. Descendente de escravos que nasceu no início do século passado e tornou-se poeta desde cedo. Compôs mais de 1.200 músicas, transformando-se num dos maiores forjadores da música sertaneja do Brasil. Um dos primeiros a perceber que o caboclo gosta de história completa, com começo, meio e fim, como se estivesse lendo notícia de jornal. E não por acaso seu primeiro sucesso foi “Cabocla Teresa”, com Raul Torres no proseado e Florêncio no cantado. Além disso criou “Chico Mulato”, “Pingo d´Água”, “Mourão de Porteira” e tantas mais. Braguinha (João de Barro). Começou a cantar e compor no início da década de 30, especializando-se em marchinhas de carnaval. “Linda Lourinha”, “Dama das Camélias”, “Balancê” (que retomaria o sucesso com Gal Costa, quarenta e dois anos depois), “Andaluzia” (regravada por Bethânia), “As Pastorinhas”, “Pirata da Perna de Pau”, “Chiquita Bacana” (que projetou Emilinha Borba), “Tem Gato na Tuba”, “Adolfito MataMouros” (sátira a Hitler) e o misto de paso doble “Touradas em Madri”, cantado por um Maracanã em festa na goleada do Brasil sobre a Espanha, na fatídica Copa de 50. E fez letra para “Carinhoso” de Pixinguinha, além do manifesto pré-tropicalista “Yes, Nós Temos Bananas”. Pixinguinha.. Além de genial compositor foi saxofonista e flautista maravilhoso. Não à toa, Vinícius de Moraes pediu sua bênção, “por ter chorado na flauta todas as suas mágoas de amor”. Revolucionou a história da MPB. Intercambiou ritmos e melodias de diversas culturas, tanto popular como erudita, desenvolvendo maior harmonia para suas composições. Seu clássico “Carinhoso” transformou-se num verdadeiro hino, sendo regravado por muitos no mundo todo. Fez pérolas como: “Rosa”, “1x0”, “Ingênuo”, e “Lamentos”.
Helcio Kovaleski
Alceu Bortolanza
Houve um tempo em que assistir à TV era algo meio inocente, lúdico. Era uma atitude meio de criança, que usa o olhar para explorar, descobrir o que há de novo sob o horizonte, mesmo que seja o de um tubo catódico encaixotado. A televisão personificava bastante essa sensação porque era algo inédito, um meio diferente que causava um certo receio, acompanhado de muito encantamento. E havia até um ritual para isso. Como os aparelhos funcionavam à válvula, o ato de ligá-los à eletricidade já era cercado de expectativas. Porque demorava para o tubo dar algum sinal de vida. Quando os primeiros raios apareciam, crescia a ansiedade. De repente, um som longínquo ia se aproximando, uma imagem ia se criando no meio da telinha e, shazam!, algo aparecia e se transformava num programa de auditório, numa telenovela ou em alguma coisa parecida com um telejornal. Todo esse cerimonial era, não poucas vezes, compartilhado, não só entre as pessoas da família, mas com um vizinho (ou vizinhos). Por que? Porque, nos primórdios da TV brasileira, comprar um aparelho era coisa de gente (um pouco mais) endinheirada. Era o “televizinho”, uma instituição nacional que perdurou da década de 1950, quando surgiu a televisão no Brasil, até a meados dos anos 80. Bem, este pretenso articulista, acreditem, foi um televizinho. Lá no século passado, entre 1971 e 1972, quando contava com seis para sete anos de idade. Íamos, eu, meu irmão (então com 5 para 6) e minha irmã (2), todo domingo à tarde, na casa ao lado, da Dona Marina. Minha mãe ia chamar-nos, mas ela dizia: “Deixe as crianças aí, assistindo”. “Mas eles têm aula amanhã cedo”, argumentava minha mãe. “Mas, deixa, são crianças, ainda”. E a Dona Marina acabava ganhando a disputa, porque só saíamos da sua casa lá pelas nove da noite, não sem antes tomar um café daqueles... Assistíamos aos programas de Silvio Santos, vejam só, na Globo, e exatamente na época em que ele era o rei da TV - pois ficava no ar, ininterruptamente, do meio-dia às oito da noite. A ‘maratona’ começava com o “Show de Calouros”. Lembro-me até hoje de alguns jurados: Decio Piccinini, Pedro de Lara, Aracy de Almeida e Clecio Ribeiro, considerado o mais chato da época, que nunca era favorável a quem ia lá pagar mico. Era muito engraçado ouvir a Aracy decretar o seu voto a algum infeliz candidato a artista: “Duzentosh mangosh” ou “duzentosh paush pra você!”. Depois, vinham o “Show da Loteria”, “Vamos Fazer Média”, “Disco de Ouro”, “Quem Sabe Mais, o Homem ou a Mulher?” e “Sinos de Belém”. Nessa hora, íamos para casa para tomar banho e jantar. Mas, depois, voltávamos para ver o inefável “Boa Noite Cinderela”. Esse era a alegria da criançada, pelo encanto e emoção que causavam. Era um cenário de conto de fadas em que ia, a cada semana, uma garota, geralmente de família pobre, passar um dia de Cinderela, incluindo sapatinho de cristal, coroa e trono. Tinha uma canção cuja melodia jamais saiu da mente de quem via o programa. E, no final, entrava um garoto vestido de príncipe, com cabelo à la Ronnie Von, chamado... Gugu Liberato! Ele mesmo! Pegava na mão da garota e a conduzia ao trono. O programa fez tanto sucesso que ficou dez anos no ar. Foi no início de 1972 que meus pais compraram nosso primeiro aparelho de TV, da marca Philips, na antiga loja Starke, “A estrela da economia”, ali no Ponto Azul, em prestações a perder de vista. Deixamos de ser televizinhos para virar assíduos telespectadores, como a grande maioria da população brasileira. Já com a televisão nova, a primeira novela a que assistimos foi “Meu primeiro amor”, com Marília Pêra e Sergio Cardoso, também na Globo. Bons tempos, aqueles, quando a inocência infantil permitia acreditar no que se via pela televisão. Hoje, bem, as coisas mudaram um bocado. Até mesmo a in infância.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
O bairro
Seu
José
parte I
Rafael Schoenherr Fotos: Rodrigo Czekalski
No lugar da placa que sinaliza “Panificadora”, com estacionamento restrito a 15 minutos, bem poderia estar escrito “parada obrigatória, 60 anos de história”. “Um ótimo sábado para vocês”, deseja o locutor da FM ao despejar ‘antigos sucessos’, enquanto se toma refrescante suco de laranja ao balcão em tarde ensolarada do seco inverno ponta-grossense. E a simpática sobrinha do proprietário logo traz uma empadinha Otto. Sim, a pequena iguaria que esfarela na boca vendida ali na rua Princesa Izabel ganhou nome próprio e dispensa investimentos de propaganda. Quem nunca ouviu falar? Mais do que um caso isolado nas redondezas da igreja São José, o sucesso gastronômico revela facetas de um bairro onde os pontos comerciais desafiam o crescimento urbano, atravessam gerações e ajudam a contar a própria história da cidade.
A poucos metros dali, minutos antes da degustação, a fama do mesmo estabelecimento gerava assunto em um salão de cabelereiros. Ao terminar um corte de cabelo, Edenir conta que toda vez que seus parentes sabem que ele vai visitá-los em São Paulo, pedem divertidamente: “Me traga uma torta de limão lá do Otto”. Ao seu lado, a cabelereira Flávia comenta que, em dia de novena na igreja, os lanches são disputados. “Às quartas-feiras, sai tudo”, relata. O dois irmãos trabalham justamente em outro ponto de referência para a vida do bairro e para a história das profissões em Ponta Grossa. Localizado na avenida Balduíno Taques, entre as ruas Riachuelo e Júlio de Castilhos, o Salão São José completou 39 anos no fim de agosto. Num lance de apenas cinco quadras antes de chegar ao Salão São José (no sentido bairro-centro), é possível encontrar, na mesma avenida, outros quatro salões (ou ‘centros de beleza’). Dobrando na Júlio de Castilhos, há mais um. As páginas amarelas da lista telefônica registram a existência de mais de uma centena deles pela cidade. A prefeitura não disponibiliza os dados oficiais sem os trâmites protocolares. Ainda que a classe seja “meio desunida”, como acredita Flávia, há 16 anos na atividade, é inevitável para quem anda pelas ruas reparar no apreço e força da profissão de barbeiro em PG. O cenário diversificado no ramo certamente contrasta com o do fim dos anos de 1960, em que a barbearia ali do São José era praticamente desbravadora no ‘novo’ negócio. No lugar de cursos rápidos profissionalizantes, aprender a cortar cabelo era coisa transmitida entre gerações, assim como tantas outras profissões. O bar do Gabriel, a pastelaria do Seu José, o bar Marieta e a relojoaria logo na esquina estão entre os estabelecimentos lembrados por Edenir, 46, que acompanharam o crescimento do salão e deram a cara de um “comércio forte” ao bairro. “Hoje quem está estável é nós, o relógio e o Marieta”, destaca. A relojoaria até hoje tem uma freguesia grande, segundo Flávia. Ela, no entanto, teme pela continuidade dos serviços – “o problema dele é não ter ensinado ninguém”. Sentada na poltrona do salão, Flávia, quase sem querer, deixa assim escapar o que talvez seja o segredo desse ponto cravado numa das principais artérias da cidade: eles aprenderam com o pai.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
Rodrigo K. Silva e Elias Lascoski Ilustração: Erickson Cruz
“
Assim como me ensinaram, ensinei muita gente, um irmão por parte de pai, um sobrinho, um engraxate
(o ritual)
Aos 65 anos, “quase 66”, José Eufrásio Pedroso ergue o espelho, às costas do antigo cliente, para que ele possa conferir o serviço e responder com um satisfeito curvar de cabeça. Gesto repetido incontáveis vezes nos 50 anos de profissão num mesmo lugar. O torcedor do Santos que ocupa a primeira cadeira entre as quatro do São José Cabelereiros, na entrada, logo à esquerda, é um dos barbeiros mais antigos da cidade em atividade. A flâmula alvi-negra na parede contrasta com a pintura verde do local – cor aliás, escolhida por vários pontos do bairro, como os muros do cemitério São José ou a discreta mão de tinta na fachada do bar Marieta. O homem de ar compenetrado, bigode ralo, pouco cabelo, óculos, molho de chaves pendurado na cinta, é alvo de homenagens e do primeiro olhar tateante dos fregueses mais assíduos que entram no salão à sua procura. Para contemplar o ritual do Seu Eufrásio, tem que ser pela manhã – “estou aqui sempre às 7h30, no máximo 8h”. Calça social escura, camiseta vermelha, sapatos. Pente azul na mão esquerda, navalha na direita. Em menos de 20 minutos e sem perder a elegância, faz cabelo, barba e sombrancelhas de um senhor de mesma idade, com pernas e mãos rigidamente cruzadas, cobertas por um lençol vermelho. Sapatos marrons, meias roxas. Religiosamente imóvel. Faz lembrar de manhãs de sábado, na infância, em que o ‘programa’ era, ao menos uma vez por mês, ir àquele barbeiro acompanhado de pai e irmão. Lembro de sentar/ sumir na cadeira, desviar os olhos do espelho para não puxar conversa, mirar naquela placa sob os pés, em que se lê “Cadeiras Ferrante. Rua Independência”. O (mau)jeito era ficar ouvindo comentários sobre recentes jogos de futebol, saber volta e meia o que havia dado no bicho e respeitar nervosamente as orientações quando a tesoura se aproximava das orelhas. Era um alívio aos garotos tímidos quando a TV estava ligada e, entre um giro e outro da cadeira, se espiava a programação. O transe, em geral, era rompido pela interessante sensação gélida da espuma de barbear, para ‘fazer o pé’ e o que mais tarde se transformaria em costeleta. Ao contrário de meu pai, meu irmão e eu guardávamos as palavras para o lado de fora, sacaneando entre risos caipiras o corte um do outro – um cabelo lambido, um franja estranha, um penteado diferente já era suficiente. Aos poucos, e isso foi natural, as palavras de Seu Eufrásio e da turma do salão passaram a fazer parte do ritual e do próprio aconchego do ambiente – impossível ficar imóvel diante delas. E, assim, na adolescência, aprendíamos a conversar com ‘pessoas de verdade’.
Pente corrido (sobre o tempo)
”
Eufrásio é um homem que aprendeu a lidar com o tempo, o que se percebe no ritmo de vida e na forma como valoriza a história do bairro. “Mais velho só o relojoeiro aqui do lado, com 40 anos”, enfatiza. Recorda, ainda, o motivo da homenagem pregada na parede: “Tinha gente com a mesma idade de profissão [de barbeiro] que eu, mas [trabalhando] no mesmo lugar não tinha ninguém”. Não é raro ouvir comentário pelo salão do gênero “...e é novo, tem 54 anos”, quando alguém em geral divulga novidade sobre um conhecido. “O duro do barbeiro antigo é que às vezes vou no cemitério. O que tem de gente conhecida...”, lamenta. O barbeiro, que toda vida morou em Uvaranas e trabalhou no São José, acompanhou o crescimento da cidade a partir da Balduíno Taques. “Quando a gente começou, o calçamento ia só até a esquina”, recorda. A freguesia era composta sobretudo por caminhoneiros, que vinham na borracharia do Kiko e na churrascaria, que por volta de 1974, deu lugar ao pátio do Kiko. O movimento maior no salão era à tarde, com o pessoal saindo do serviço - “Na minha época, era assim. Agora não sei como está”. E fazer a barba no barbeiro não chegava a ser opção, uma vez que as lâminas vendidas em mercado eram muito ruins, só serviam para barba grossa. O turno de trabalho de José Eufrásio no salão é pela manhã. À tarde assumem os filhos. A sábia redução do horário de atendimento veio depois de muito tempo esperando cliente até o fim da tarde e de uma rotina atribulada – trabalhava o dia todo e ainda corria para a igreja. Em 2001, acometido por uma doença, aceitou a recomendação médica e reduziu o ritmo. “Fico pela manhã, vou para casa, almoço, durmo um sono, tenho um tempo para mim”, orgulha-se. O tradicional barbeiro ponta-grossense é, na verdade, nascido no Abapã, distrito de Castro, e não esconde a preferência por um modo mais rural de vida, mesmo trabalhando numa das vias mais agitadas de PG - “Eu gosto do mato, sabe?”. Em janeiro, vai sempre à festa de São Sebastião, numa localidade conhecida como Fundão, próxima de onde nasceu (acesso via Alagados). Veio ainda criança para Ponta Grossa e preserva o costume de andar a cavalo na região da Fazenda Escola. Mas a paixão pela profissão é evidente – ele não demora muito em contar que também corta cabelo em casa, exatamente na cadeira na qual começou o ofício, com mais de cem anos.
Eles jogam num gramado cheio de buracos. O gramado não é um tapete, mas às vezes suspeitamos que tenha muita sujeira embaixo. Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
Base
Preste atenção à curiosa seleção acima. Se o Brasil é um país de 180 milhões de técnicos, uma eleição é mais ou menos isso. Cada eleitor convoca um candidato, que torna-se um senador, deputado, ou vereador. E, na prática, vemos que a tal seleção escolhida pelo povo tem sérios problemas de entrosamento, vaidade, estrelismo. Chegamos ao cúmulo de um estragar a jogada do outro, ou ao ridículo de um jogador literalmente tomar a bola do companheiro, como se fosse um zagueiro adversário. Faz tempo que a galera não comemora um gol dessa equipe. E, se a seleção canarinho tinha um quadrado mágico que não vem funcionando, nós temos um círculo vicioso que funciona muito bem. 03 01 07
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01) 01 A ponta-esquerda está extinta do futebol. Agora os pontas se aproximam muito do meio campo, trabalhando as bolas recebidas por ali. 10 - O afamado triângulo mágico tem como (02), 02 (05) 05 e (10). inspiração o ídolo Jean Paul Abalo, da prestigiada seleção do Togo. Os três atacantes dão um olé na marcação, mas raramente chegam à meta com seus lançamentos pela direita. O trio se complementa taticamente: o primeiro cateto é especialista nos cruzamentos; o segundo mostra maior rendimento nos jogos em casa; e o lado mais frágil da figura geométrica apresenta deficiência na condução da bola, mas compensa com certa publicidade. 03 Sempre dá uma força para aquele torcedor que pula (03) o alambrado, invade o campo e quer ficar por ali, fazer uma casa.Conversa com o juiz, pede calma. Joga muito longe do dono da bola, do outro lado do campo, o que prejudica sua atuação. (04) 04 Seria o volante do time, encarregado de levar a delegação para cima e para baixo. Gosta de deixar o povo boquiaberto, mas não pelas suas jogadas. A torcida o procura quando precisa de um ônibus para ir aos jogos. (06) 06 Meio-campista ciscador, passa várias vezes o pé por cima da bola e chuta pra fora do estádio. Sempre atento às instruções do banco, entra para segurar a partida. (07) 07 De reserva nos primeiros jogos para titular da seleção, não obstante a condição de “gato”, como se diz no jargão futebolístico. Em campo, é recordista em faltas.
(08) 08 Um jogador que promove a habilidade no meiocampo dando um baile no adversário (e às vezes levando). Alto índice de aproveitamento nas cobranças. (09) 09 Mesmo fora de forma, é considerado um pivô no controle dos passes errados. Sua categoria em campo é motivada e condicionada pelo barulho da torcida. 11 Ídolo máximo dos vestiários, conhecido por distri(11) buir as camisas usadas pelo time entre a torcida ao final das partidas. A arbitragem faz vista grossa à condição de impedimento, bastante acintoso, como diriam os comentaristas. (12) 12 Parecia ser uma promessa quando jogava em partidas na periferia ponta-grossense, mas sente o peso da camisa. No gramado, reclama quando não lhe tocam a bola, mas tenta driblar e não consegue. 13 Naturalmente, o médico da equipe, opera os ad(13) versários. Entrou prometendo revolucionar o departamento médico, mas até agora a torcida não viu as melhorias. 14 Trata de cuidar da saúde física e mental do time. De(14) veria ser o salvador da equipe, foi convocado prometendo muita movimentação. Ataca pouco e é muito conservador na sua posição. (15) 15 Veterano das quatro linhas, já foi atuante no escrete. Hoje só assiste, do banco, à movimentação do time, na condição de auxiliar técnico. Seu estilo é ofensivo. 16 Dono da bola e do campo. Prefere fazer tudo sozinho (16) e nem adianta a torcida gritar pedindo pra tocar a bola pra um que está livre na cara do gol. Corre sempre pela direita.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
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GRIMPA SETEMBRO DE 2006
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O barbeiro, que toda vida morou em Uvaranas e trabalhou no São José, acompanhou o crescimento da cidade a partir da Balduíno Taques
O SALDO DA COPA
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TOPE TOPETE - Álvaro
Quatro dedos (mãos de tesoura)
TIRAS
Danilo Kossoski
Artur Pena
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SERPENTE DO
IMPÉRIO
Naquela manhã de quarta-feira o vento gelado que soprava no Calçadão da Rua Coronel Cláudio parecia impelir as pessoas a caminharem de forma mais apressada. Mas, apesar do vento forte, diminuí o passo no instante em que me aproximava da pequena multidão parada diante de uma lanchonete. Uma ambulância do corpo de bombeiros, me fez entender que algo ruim tinha acontecido. “O que houve?” perguntei a um jovem estudante, que levantou os ombros para dizer que também não sabia. A resposta veio de um senhor que parecia estar bem abrigado debaixo de um chapéu de feltro, casaco preto e cachecol: - Um rapaz caiu em um buraco dentro da lanchonete. - Um buraco na lanchonete? Estão dizendo que o assoalho cedeu atrás do balcão, logo depois que o sujeito abriu o estabelecimento. - Coisa estranha... - Estranha uma ova! Só vou ficar surpreso se o pobre coitado sair dali vivo... - Será um buraco muito fundo? - Está brincando? Os bombeiros acabaram de descer com uma corda de quinze metros de comprimento! - Caramba... mas como pode haver esse buraco debaixo de uma lanchonete do centro da cidade? - Você realmente não sabe de nada! E eu não te culpo... a maioria não sabe. - Está falando de quê? - Da maldita serpente! Uns dizem que é o próprio demônio; outros a confundem com a folclórica figura do “boitatá”. E há quem diga que o bicho é uma espécie de dinossauro que sobrevive no subsolo de Ponta Grossa.
HOMEM-BUNDA - Sádico
- Uma serpente? Embaixo da lanchonete? – perguntei, incrédulo, olhando o cachecol que escondia a boca do velho. - Embaixo da cidade. Ela é enorme! Eu já vi a criatura uma vez... - Ah, o senhor já viu? - Sim... faz muitos anos. Eu era o responsável pela limpeza do Cine Império. Naquela manhã eu estava varrendo quando senti o chão tremer e ouvi um barulho forte. Encontrei um buraco de uns dois metros quadrados no chão. Eu ia chamar alguém, mas então vi que algo se mexia ali dentro. Primeiro pensei que fosse um encanamento que tivesse rompido. Mas, em seguida, reconheci os movimentos de uma cobra. Parecia o tronco de uma árvore centenária, só que se mexendo. Nunca mais voltei naquele lugar. - Foi embora porque teve medo da cobra. Há! Há! - Vai rindo, vai. Na mesma semana o cinema fechou as portas, porque parece que não fui o único a perceber que algo medonho acontecia ali. Logo começou a sair aquele mau cheiro. E então alguém formulou a teoria de que a serpente gigante tinha estabelecido seu ninho bem embaixo do Cine Império, que fica atrás dessa lanchonete aí. - Está me dizendo que o rapaz caiu... - Caiu bem no ninho da cobra, certamente! Ela deve viver fazendo galerias embaixo da cidade. Todos esses anos... imagine o tamanho daquele buraco! Fiquei imaginando se havia algo de verdade em tudo aquilo. O mau cheiro diante do Cine Império, de fato, existe ainda hoje. E há poucas semanas eu tinha visto alguns homens tentando recuperar, mais uma vez, a calçada em frente ao velho cinema, que a cada ano parece afundar ainda mais. Eu já estava atrasado, me despedi do velho, que levou a mão até a aba do chapéu de feltro. Antes de ir embora ainda tive tempo de ouvir um dos bombeiros gritar para o outro: “Jorge, traga mais corda!”
WG I N F O R M Á T I C A
Gaúcho, Silvio, Marcio, Sandra, Sandro... É grande a ‘família’ que já passou pelo São José Cabelereiros e ajudou a multiplicar as mãos de Seu Eufrásio, que aprendeu a profissão com o pai, aos 15 anos. “Assim como me ensinaram, ensinei muita gente, um irmão por parte de pai, um sobrinho, um engraxate”, explica. Aliás, o filho Edenir passou a freqüentar o salão, no início dos anos 70. Trabalhava como engraxate. Era época de aproveitar os trocados, comprar ‘laranjadinha Wimi’ e ir ao cinema. O formato das bombas de gasolina do posto da Balduíno ainda era motivo de espanto para quem passava. Edenir lembra de, aos 12 anos, participar de corrida em volta da quadra onde está o bar Marieta. Uma das categorias era dos engraxates, com direito a apostas e torcida. Depois tentou um trampo de office-boy, não gostou e virou cabelereiro. Com a filha Sandra, ocorreu o mesmo. “O pai falou para ela aprender enquanto não achava um emprego e ela foi ficando”, trabalhou ali por 15 anos, lembra a irmã, Flávia. “Ele nunca exigiu que a gente seguisse o caminho dele. Sempre deu condições para que fizéssemos o que a gente queria”, ressalta - “Ele levava a gente nas creches para cortar o cabelo, no asilo, e a gente foi aprendendo”. Em 1991, o salão vira unissex e mulheres passam a habitar o espaço predominantemente masculino. As histórias acompanham o tilintar preciso da tesoura enquanto José Eufrásio apara cabelo e costeleta. Emociona-se ao falar dos filhos. Em lugar de destaque sobre uma estante, uma foto do filho que já se foi, vítima de acidente de carro, em 1992. Antes de pegar o espelho, comenta que Edenir vem tranqüilo para o salão, pois sabe que, pela manhã, o pai está por ali. O barbeiro do São José. “Gostaria até de, numa folga, conhecer a fábrica em São Paulo. Ferrante, deve ser de uma família”, especula.
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GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
“ Diego Antonelli
Uma carona rumo ao encontro de Palmas com as terras catarinenses
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
Há todo um ambiente estético particular que está se criando em volta desse ambiente ‘música eletrônica’. E, como em torno do rock, também se desenvolveu uma tendência de se vestir, de falar, de se expressar e agir. Com relação ao rock, quero dizer os anos 70, quando houve toda uma revolução cultural que foi movimentada, de certa forma, pelo rock’n’roll (Woodstock, os hippies..); embora a cultura eletrônica ainda seja um cenário em pleno desenvolvimento (...) Se você observar o pessoal que gosta de trance psicodélico, por exemplo, existe até um certo ar de culto, de algo transcendental, de orientaçao de vida. Música eletrônica não é só música Hugo Harada é foto-repórter profissional.
Fotos: Hugo Harada Arte: Luciano Schmitz
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GRIMPA SETEMBRO DE 2006
NÃO TEM OUTRO REMÉDIO
Edmundo Pereira, o “Remédio”, sempre deu valor ao futebol. E talvez por isso tenha estudado apenas até a 7ª série, para concentrar-se no esporte. Aos 37 anos de idade, ele fala do futebol com uma paixão muito diferente daquela que toma conta dos torcedores ocasionais durante a Copa do Mundo. Atualmente, além de ser peça importante no time do Sta. Paula, Remédio trabalha do outro lado do balcão de atendimento em uma loja de materiais de construção, de onde tenta explicar o porquê do apelido. “Isso aí surgiu há muito tempo. Eu tinha uns nove anos ainda. Quando ia jogar bola com os amigos, eles diziam, de brincadeira, que o goleiro não tinha outro remédio, senão deixar que a bola entrasse no gol.” Também pudera, Remédio é jogador de futebol com porte de jogador de basquete. Tem 1,97m de altura. Por causa disso, sua posição em campo foi mudando ao longo dos anos. Entre 1985 e 1987, quando jogava futebol profissional no time do Operário, costumava atuar como lateral-direito. Mas, por causa de seu tamanho, sua posição foi fixada lá atrás, como zagueiro, onde permanece até hoje. Com humildade, ele considera que o União Ipiranguense mereceu a vitória do campeonato de amadores, disputada com o Sta. Paula. “Foram campeões, mereceram. Eles jogaram bem, não deram pontapé. Perdemos por falha nossa, mesmo. Nós chegamos a marcar três
Danilo Kossoski
gols-contra nos jogos anteriores.” Remédio acredita que o Sta. Paula jogaria melhor se costumasse treinar mais. Por enquanto o time só se reúne no dia do jogo. Também, apesar de a torcida ser cada vez maior junto aos times amadores, o incentivo financeiro é praticamente inexistente. “A gente ganha uma chuteira de vez em quando. E sempre tem uma cervejinha com os amigos depois da partida.” Aliás, para ele, essas amizades podem ser consideradas o melhor motivo para “perder” domingos jogando futebol. Remédio já nem lembra em quantos times teve participação. Alguns deles foram Operário, Coronel Vivida, Pato Branco, Independente de Ponta Grossa, Estrela Vermelha, Itaiacoca, Olinda, Parque do Café, Juventude, Palmeira, e finalmente no Sta. Paula. Há 21 anos jogando futebol amador, Remédio agora planeja um futuro mais tranqüilo, numa chacrinha que fica a cerca de 15 Km de Ponta Grossa. “Ali eu penso em plantar feijão e criar peixes. Tem até um campo de futebol, que levou um ano e dois meses para ser construído só na base do carrinho-de-mão, com a ajuda de um amigo. Talvez eu crie uma escolinha de futebol por lá...” Mas, no momento, ele quer treinar para seu próximo objetivo: a Taça Paraná. A escolinha de futebol deve ficar para mais tarde. Então, por enquanto, olhem e aprendam.
ONDE CANTA O SABIÁ Waldenir José Fagundes de Oliveira, 26 anos, representante comercial, casado, pai de dois filhos. Waldenir é a velocidade contra os zagueiros no canto direito do campo. O que mudam são os dias da semana. “Estou dirigindo o carro e me lembro dos jogos”, conta o homem do comércio. “O espírito esportista segue com a gente o tempo todo”, enfatiza o atacante do União Ipiranguense. “Campeonato amador é mais disputado que Copa do Mundo”, diz com uma expressão mais decidida que o resto da entrevista. Isso palavra de quem horas antes apostara um bolão dando placar de seis a um, em favor do Brasil sobre a equipe japonesa, na primeira fase da seleção canarinho. Rivalidade no amador, porém, está na cara do entrevistado, crente que fraturou o nariz num lance da final com o Santa Paula, embora não tenha procurado assistência médica para confirmar suas suspeitas. A memória leva para o último domingo de maio, ao campo do Palmeiras. O jogo é encerrado. Como saldo da partida, um acúmulo de divididas, arrancadas, faltas e pênalti não marcado. O campo é uma arena que separa o triunfo da sua ausência. E o empate em dois a dois dá o título ao Ipiranguense. Resta ao Santa Paula levantar a cabeça de aguerrido oponente e amargar o dia. Do outro lado, a alegria explode. E numa equipe cuja campanha não deu a oportunidade de jogar em casa. Para Waldenir, muita emoção. É seu maior momento no esporte,
CHEGA DEDiga “VISTA GROSSA” não à invisibilidade Enquanto estiver andando pelas estreitas calçadas do Centro da cidade – desviando-se de postes, placas e pessoas – aproveite e pare. Olhe para o outro lado da rua e perceba que acima das fachadas das casas de comércio há uma outra cidade a ser descoberta. Por trás de tanto cinza e cabeamento elétrico há uma história que fala de você.
Ben-Hur Demeneck
uma glória que construiu a cada final de semana. Não quer saber se repetem os conteúdos dos elogios, porque se for para falar da sua camisa será com as palavras “entusiasmo, determinação e raça”. A equipe que nas edições anteriores nunca passara da primeira fase, se vê campeã. E o atacante lembra dos seis gols que marcou durante o campeonato, nas vezes que rompeu os cercos defensivos, das assistências e seus bons dribles. Sabiá, como é chamado carinhosamente pelos colegas, vibra com a vitória. Mora e trabalha em Ponta Gossa, mas agora, domingo de futebol, grita pela cidade em que se criou. Ipiranga, esse destino dos finais de semana, da visita aos pais e do encontro com o gramado. Em 2004, Waldenir fora convidado para jogar no Olinda. Em 2005 tivera expectativa de ser chamado para o profissional Operário Ferroviário, junto com o Rodrigo Bolacha. Permaneceu no União, em que fora artilheiro há dois anos (15 gols), tendo agora a sensação da vitória. Amanhã volta à profissão. Ramo diferente de muitos de seus colegas, que se dedicam à agricultura, como o capitão Josimar. Em comum, o mesmo pensamento constante no futebol, a superação e o sonho das quatro linhas. Essa é a história da semana, essa que é família de sete filhos, com cinco de mesmo sobrenome e dois não. Cabendo ao par derradeiro emprestar desafios a grupos e mais grupos de 22 jogadores.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006 Na tentativa de desbravar terras desconhecidas, avanço os limites estaduais a fim de descobrir onde o Paraná termina (ou começa). Estou em Palmas, uma pequena cidade de 38 mil habitantes localizada ao sul do estado e que faz divisa de terras com Santa Catarina. São duas as regiões que demarcam o encontro destes dois povos: uma ao sudoeste do município e outra a sudeste. Com o objetivo de conhecer tais lugarejos, acordo às oito da manhã e espero a confirmação da carona com o meu amigo Paulo. Um sujeito alto, gordinho, careca e, normalmente, estressado, mas que hoje está mais calmo que o normal. Meia hora depois, embarco em seu pálio verde rumo a Abelardo Luz, a primeira cidade catarinense ao sudoeste de Palmas. Entramos na PR 280. A rodovia nos levará ao trevo que demarca o início de um estado e o final de outro. São 43 quilômetros que separam as duas cidades. Enquanto Abelardo Luz não se aproxima, como um bom caroneiro, apenas observo a paisagem recheada de campos, plantações de soja, milho e erva-mate, gados, e muitas árvores, principalmente, pinheiros. Cerca de 20 minutos depois, uma placa verde com letras brancas avisa: ABELARDO LUZ - 18 KM. Trata-se do trevo que determina o encontro dos estados. Paramos o carro em uma casa azul localizada próxima a este trevo. Só que observando um pouco mais, vi que aquilo não era uma casa, e sim um bar. Sem placa de identificação, sem cartazes de cerveja, sem nada. Entro no recinto que, após perguntar à dona, descubro ter um nome: Bar e Armazém Trevo. Esta é a última habitação, por assim dizer, pertencente ao lado paranaense. O bar é pequeno, tem cinco mesas, um freezer azul onde gelam as cervejas e algumas prateleiras com mercadorias a serem vendidas. Converso com a proprietária do lugar que também vem a ser a última paranaense na região, dona Sueli Aparecida. Ela informa sobre algo que poucos têm conhecimento: uma estrada de chão que passa a cerca de dez metros do bar é o que divide Paraná e Santa Catarina. Quem passa à direita da estrada, com destino a entrar no bar, está em território paranaense. À esquerda já está em Santa Catarina. “Às vezes o pessoal vem aqui e nem quer ir para os lados catarinenses, mas é só andar um pouco e tá lá sem querer”, comenta dona Sueli. Ela ainda fala que gosta de morar na divisa. “É legal morar aqui. O povo pergunta se falta muito para chegar em Santa Catarina. Eu dou risada e respondo que é só atravessar aquela estradinha de chão que já chegô”. Com um certo tempo de conversa, me aposso de um banquinho do bar. E o bate-papo segue sem pressa. Curioso, pergunto se há alguma diferença entre os paranaenses e catarinenses. Ela responde que não e que até o jeito de falar dos que moram nas proximidades é parecido. “Agora, os que vêm de outra região já têm um sotaque diferente”, afirma. Dona Sueli conta alguns causos dos quais não se tem prova alguma. Um deles é de que nesta região limítrofe de estados até a água da chuva é dividida. Segundo ela, tem uma lomba (uma espécie de morrinho) que reparte metade da água para cada lado. Isso não pude ver e nem comprovar, pois o céu do mês de janeiro estava limpo e não havia sinal algum de chuva. O período em que se registram mais chuvas na região é durante o inverno, entre os meses de junho e julho. Quase no fim da conversa, quando percebo que já enchi a paciência da paranaense mais próxima de Santa Catarina, peço para ela contar algum fato inusitado que
ocorre na fronteira. “Ixi! Tem alguns, mas não lembro de todos. Ah, tem o pessoal que brinca com a situação. Um fica no bar e uma outra pessoa fica no outro lado da estrada brincando que estão se conversando de estados diferentes”. Despeço-me dela e tocamos em direção ao estado de Santa Catarina. Logo após contornar o trevo e pegar a SC 467, avista-se aquela que vem a ser a primeira construção catarinense. Pintada de rosa, com alguns cartazes de cerveja, está ali, no limite dos estados, a Boate Cristal Night Club. Devido ao horário impróprio para seu funcionamento, ela está fechada. A estrada é sinuosa, repleta de curvas perigosas. E não há nada que diferencie claramente um estado do outro. Apenas percebe-se que as árvores, antes tão comuns na estrada paranaense, dão lugar a plantações de feijão, soja, milho e erva-mate. Não existe uma identificação explícita de que estamos em território catarinense. Sei que ali estamos somente porque a dona Sueli nos avisou.
Após os 18 km, avistamos uma placa colocada ao chão: “BEM VINDO À ABELARDO LUZ”. Logo acima, o outdoor de um hotel turístico, chamado Hotel Quedas. A cidade explora o ecoturismo proporcionado pelas exuberantes quedas do rio Chapecó (localizadas logo na entrada do município catarinense), além das paisagens naturais que fazem parte do cenário. O município de 16 mil habitantes resume-se a algumas lojas, prefeitura e uma praça. Curioso é que a prefeitura recebe o pomposo nome de “Centro Administrativo Municipal”. A praça é pequena. Tem uma fonte de água, um parquinho para as crianças e um mini-palanque. De longe vejo um senhor mulato, barbudo, puxando uma carroça cheia de ferros e papéis. É o seu João Horácio da Rocha. Ele saiu do estado de Alagoas com 22 anos e agora, aos 66, ainda carrega o sotaque nordestino. “Conheço o Paraná de ponta a ponta. De Foz (do Iguaçu) à capital”. Faz dois anos que o seu João mora em Abelardo. “Nunca tive encrenca, mas vô embora pá Cascavel, mora com meus fio. É melhor.” Pergunto se ele percebeu alguma intriga entre paranaenses e catarinenses. “De vez em quando a gente vê que tem briga entre os estado, mas é tudo coisa pequena. Procuro nem me metê”, responde. Solta uma risadinha e continua a caminhar.
Entre ventos e fronteiras No dia seguinte, seguimos para conhecer a divisa entre os dois estados ao sudeste de Palmas. O cenário deste percurso é marcado por campos e plantações. Assemelha-se muito à imagem que temos quando chegamos à região dos Campos Gerais: vastos campos que parecem não ter fim. O que torna este limite diferente dos outros é a existência de usinas eólicas nos lados paranaenses e catarinenses. À direita da BR 153, de quem segue em direção a Curitiba, está a Usina Eólica de Água Doce, município catarinense. À esquerda, as Centrais Eólicas de Palmas. Água Doce localiza-se a cerca de 100 km de Palmas. Pela mesma estrada pode-se ir a Passos Maia - cidade catarinense ao sul de Palmas. Essas usinas se tornaram pontos turísticos na região. Quem passa pela estrada e avista as torres ao menos desacelera o carro para poder contemplá-las. Isso se justifica pelo fato de serem as únicas da região. Os cinco cataventos, de 44 metros de altura, pertencentes a Palmas abastecem o equivalente ao consumo médio de 20 mil moradores do município. Já as oito que se localizam em solo catarinense geram energia para cerca de 40 mil pessoas. Após percorrer os 37 km que separam Palmas das usinas, chegamos a uma outra divisa entre os estados. Lado esquerdo, ventos paranaenses; lado direito, ventos catarinenses. A última casa que podemos avistar da estrada pertence ao Paraná. É de propriedade de Ondina dos Santos Abreu. Aproximo-me dela e pergunto se podemos conversar um pouco. Ela acende um cigarro e aceita. Suas respostas são diretas: “Não tem diferença da cultura nem do sotaque dos catarinenses daqui”. “Para te falar a verdade, nem faz diferença morar aqui na fronteira”. Tento avançar nas perguntas, mas mesmo mudando as palavras, as respostas permanecem as mesmas. Despeço-me enquanto ela acende mais um cigarro. A penúltima casa paranaense é uma lanchonete, chamada Casa do Turista, sob os cuidados de dona Salete Denise de Ozoretz. Ela viveu sempre nas fronteiras e por isso diz não sentir muita diferença. “Antes eu vivia também nos limites do Paraná e Santa Catarina. Nas cidades de Porto União e União da Vitória. Agora tô aqui há três anos”, conta. Salete discorda de dona Ondina quanto à diferença entre paranaense e catarinense: “Tem diferença. Os daqui do interior têm aquele r fraco (dizem caroça e não carroça, por exemplo), e os da capital falam mais cantado e mais rápido”. Mas para ela, catarinense é sempre catarinense, não importa onde. E o paranaense será paranaense em qualquer lugar? Nessa região, que para muitos pode ser apenas mais um ponto perdido no mapa, misturam-se sotaques e costumes. Não há como negar que o paranaense de Palmas carrega um pouco do catarinense da fronteira (e vice-versa).
ROTEIRO Em direção aos ventos sulistas A distância que separa Ponta Grossa de Palmas é de quase 400 km. Para chegar até essa cidade limítrofe do nosso estado não é tão complicado. Uma opção é pegar a “estradinha” que leva para Palmeira, e dali seguir em direção a São Mateus do Sul, passando por São João do Triunfo. Após deixar para trás essas cidades, entre na BR 476 rumando para União da Vitória e General Carneiro. Depois disso é só contornar o trevo e andar cerca de 60 km. Com uns 40 km rodados, já se pode sentir o vento que move as eólicas catarinenses e paranaenses.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
Estica pra cima da zaga “O João (treinador) manda esperar. Na hora certa, eu estico pra cima da zaga e ganho na corrida”. É Valdenir, atacante do Ipiranguense. Seis gols em 2006, quinze em 2004. Campanha que chegou perto de levá-lo a ser profissional. “Nosso time poderia ser bem melhor, se treinasse mais, mas não tem tempo”. Valdenir é evangélico, gosta de espantar “maus pensamentos”. O único excesso que ele se permite, é o futebol. Justifica o título: “gostamos de jogar limpo”. O zagueiro Remédio, do Santa Paula, está de acordo com Valdenir quando comenta sobre o fair play - expressão da FIFA que quer dizer jogo limpo- dos ipiranguenses. “Não deram pontapé”, afirma. A frase ilustra a certeza de Valdenir quanto a isso. Seria difícil conquistar o campeonato de maneira diferente, pois cada passo na direção da final foi dado com muita humildade, e neste conjunto estava a necessidade de jogarem “quietos”. Longe de ser um discurso pronto de qualquer boleiro, a fala de Valdenir se refere ao fato de serem um time de outra cidade, portanto considerado por muitos como “intruso”, o que poderia ser usado como argumento de alguém com cabeça quente. A equipe do União Ipiranguense teve de aceitar uma imposição da Liga de Futebol Amador, decidida em arbitral, que a obrigava a disputar todas as partidas em Ponta Grossa, portanto, fora de casa. Uma desvantagem que só poderia ser superada com a bola no chão. Cada novo jogo deveria ser disputado em um estádio diferente, para que os adversários da cidade não fossem obrigados a pegar a estrada. Chegaram inclusive a oferecer o combustível para um adversário, mas nem assim conseguiram disputar uma partida em casa.
Rodrigo Kwiatkowski Fotos: Ben-Hur Demeneck
EM UM ENVERGONHADO ESTÁDIO DE FUTEBOL DE PONTA GROSSA, A PARTIDA FINAL DO CAMPEONATO AMADOR MUNICIPAL ESTÁ SENDO DISPUTADA, TRAZENDO UMA AGRADÁVEL SENSAÇÃO DE IRREALIDADE.
O mais óbvio em um campeonato de futebol é que ele terá um campeão. E os campeonatos são entusiasticamente organizados, com suas decisões coletivas, discussões acaloradas, escolhas de uniforme, churrascos comemorativos e pênaltis não marcados. Ano após ano, justamente para que daí saia um vencedor. Mas antes que o nome do campeão seja revelado e se transforme em história, com uma bonita fotografia com atletas em pé e agachados, muita grama será pisoteada. Levantar a taça figura como o grande objetivo, porém no fundo pode ser nada mais do que um pretexto para jogar e ver jogar bola. Os domingos ensolarados do ano de 2006 viram a arrancada do time do União Ipiranguense, de Ipiranga, rumo ao seu primeiro título do Campeonato Amador da Liga de Futebol de Ponta Grossa. O cheiro da grama sendo perturbada pelas travas das chuteiras, as mãos sobre a testa protegendo os olhos do sol das dez horas da manhã, os torcedores do espeto assado e da cerveja na beira do campo e as centenas de pessoas que adoram essa atmosfera futebolística também foram testemunha.
Nesta partida final, o União precisava apenas de um empate. No ar pairavam os dois gols contra marcados pelo Santa Paula na primeira partida, vencida por Ipiranga por 4 a 3, e a necessidade da vitória, um tanto palpável na bravata do torcedor que prometia goleada. União Ipiranguense vs Santa Paula O jogo começa e as solas se levantam para rasgar na jogada. Tudo feio. Caras, bocas, gritos de repressão e ameaças. De repente, a mágica. Chute de longe, a bola descreve uma curva de baixo para cima e cai sobre o travessão como uma folha seca. Rebate na mão do goleiro Coelho, do Santa Paula, que tentava alcançála, e saltita para fora do campo, em cima da rede, em escanteio para o União Ipiranguense. “Não era o Santa Paula que precisava ganhar?”, pergunta o torcedor, incrédulo. Sem muita educação, a torcedora sugere que os ipiranguenses “voltem para a roça”, e ri. Mal percebeu ela que para esse time, cada enxadada era uma minhoca. “Esse 11 aqui, o Valdenir, é um dos mais habilidosos que tem”, diz um ipiranguense que se prestou a assessor da reportagem, ele em seu sotaque de gene eslavo.
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
O FUTEBOL ACEITA TUDO
A proteção No futebol, a violência é um recurso tanto para o beneficiário quanto para o punido. O jogador agredido terá em seu benefício um bônus (falta, jogar com um a mais). Está portanto sempre presente, e um campeonato amador nos mostra que nem tudo é marcado. É por esse motivo que o atacante Valdenir religiosamente pede uma “proteção espiritual” antes de iniciar cada partida, com o objetivo de evitar machucar-se seriamente. -E funciona? “Opa, claro”, afirma ele, comentando que a suspeita de fratura no nariz após uma cotovelada, o qual “estava bem inchado”, “poderia ter sido bem pior”. O outro responsável pela integridade física dos jogadores - este passível de ser entrevistado - é o apitador da partida. Segundo o árbitro Romildo de Freitas, controlar a violência é tarefa sua. O torneiro mecânico de 41 anos adverte, ser árbitro não é para qualquer um. “Tem que ter muita manha e jogo de cintura. Final e semi-final tem que ser muito mais na conversa do que no cartão. No diálogo com o jogador, ser mal-educado faz parte da partida”. Como disse Valdenir, “a rivalidade no amador é terrível”. E evitar que a violência se utilize dessa desculpa é tarefa para poucos. Romildo revela: “segurar o jogo faz parte”. A tática consiste em “marcar aquelas faltinhas no meio de campo”, para evitar que o jogo fique violento. Já tentaram comprá-lo, mas não conseguiram. O motivo: pediu muito alto. “Pedi quarenta mil, sabia que não iam pagar”. + 2 min de acréscimo Faltava pouco para acabar, e todos já entendiam que o União Ipiranguense merecia levar o campeonato. Inclu-
sive o placar, que ao final do jogo apontava 2x1 para o time de Ipiranga. De trás da grade, o torcedor finge intimidades com o bandeirinha: “falta muito, bandeira”? - “Lá por meio dia e meia acaba”, responde, sem descuidar do possível impedimento. Uma falta na entrada da área indicava que o Santa Paula poderia ainda empatar, e foi o que aconteceu. Final, 2x2 e União campeão do amador pela primeira vez. Santa Paula, vice pela segunda vez seguida. Os vencedores comemoram, os perdedores se resignam, e o juiz admite que deixou de marcar um pênalti. Secretamente, tentamos visualizar nesta partida e em seus personagens algumas dicas sobre o porquê de o futebol ser tão universal. Sobre como uma partida pode conter em si a solução dessa charada que se chama futebol. Não encontramos todos os segredos. Mas sabemos que eles podem estar em uma final de Libertadores, ou na final de um campeonato amador. O futebol aceita todos, quem sabe seja isso.
Epílogo O amador é sempre o profissional que poderia ter sido. Quem dirá o contrário ao ver uma brilhante jogada sendo executada em uma partida de campeonato amador? “Com um pouco mais de treino, esse cara iria longe”, diria um senhor agarrado ao alambrado, também com ares de olheiro amador-profissional. “Se estivessem no lugar certo”... Afirmações como esta, dadas ao acaso, são impossíveis de comprovar. Todos conhecem um amador que poderia estar em qualquer grande clube. A seu favor, o álibi da dúvida. Uma contusão fora de hora, um casamento marcado às pressas ou a falta de dinheiro para a compra da chuteira podem estragar uma carreira. ‘Assim ó’, diz o velho olheiro, estalando os dedos.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
O FUTEBOL ACEITA TUDO Rodrigo Kwiatkowski Fotos: Ben-Hur Demeneck
EM UM ENVERGONHADO ESTÁDIO DE FUTEBOL DE PONTA GROSSA, A PARTIDA FINAL DO CAMPEONATO AMADOR MUNICIPAL ESTÁ SENDO DISPUTADA, TRAZENDO UMA AGRADÁVEL SENSAÇÃO DE IRREALIDADE.
O mais óbvio em um campeonato de futebol é que ele terá um campeão. E os campeonatos são entusiasticamente organizados, com suas decisões coletivas, discussões acaloradas, escolhas de uniforme, churrascos comemorativos e pênaltis não marcados. Ano após ano, justamente para que daí saia um vencedor. Mas antes que o nome do campeão seja revelado e se transforme em história, com uma bonita fotografia com atletas em pé e agachados, muita grama será pisoteada. Levantar a taça figura como o grande objetivo, porém no fundo pode ser nada mais do que um pretexto para jogar e ver jogar bola. Os domingos ensolarados do ano de 2006 viram a arrancada do time do União Ipiranguense, de Ipiranga, rumo ao seu primeiro título do Campeonato Amador da Liga de Futebol de Ponta Grossa. O cheiro da grama sendo perturbada pelas travas das chuteiras, as mãos sobre a testa protegendo os olhos do sol das dez horas da manhã, os torcedores do espeto assado e da cerveja na beira do campo e as centenas de pessoas que adoram essa atmosfera futebolística também foram testemunha.
Nesta partida final, o União precisava apenas de um empate. No ar pairavam os dois gols contra marcados pelo Santa Paula na primeira partida, vencida por Ipiranga por 4 a 3, e a necessidade da vitória, um tanto palpável na bravata do torcedor que prometia goleada. União Ipiranguense vs Santa Paula O jogo começa e as solas se levantam para rasgar na jogada. Tudo feio. Caras, bocas, gritos de repressão e ameaças. De repente, a mágica. Chute de longe, a bola descreve uma curva de baixo para cima e cai sobre o travessão como uma folha seca. Rebate na mão do goleiro Coelho, do Santa Paula, que tentava alcançála, e saltita para fora do campo, em cima da rede, em escanteio para o União Ipiranguense. “Não era o Santa Paula que precisava ganhar?”, pergunta o torcedor, incrédulo. Sem muita educação, a torcedora sugere que os ipiranguenses “voltem para a roça”, e ri. Mal percebeu ela que para esse time, cada enxadada era uma minhoca. “Esse 11 aqui, o Valdenir, é um dos mais habilidosos que tem”, diz um ipiranguense que se prestou a assessor da reportagem, ele em seu sotaque de gene eslavo.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
Estica pra cima da zaga “O João (treinador) manda esperar. Na hora certa, eu estico pra cima da zaga e ganho na corrida”. É Valdenir, atacante do Ipiranguense. Seis gols em 2006, quinze em 2004. Campanha que chegou perto de levá-lo a ser profissional. “Nosso time poderia ser bem melhor, se treinasse mais, mas não tem tempo”. Valdenir é evangélico, gosta de espantar “maus pensamentos”. O único excesso que ele se permite, é o futebol. Justifica o título: “gostamos de jogar limpo”. O zagueiro Remédio, do Santa Paula, está de acordo com Valdenir quando comenta sobre o fair play - expressão da FIFA que quer dizer jogo limpo- dos ipiranguenses. “Não deram pontapé”, afirma. A frase ilustra a certeza de Valdenir quanto a isso. Seria difícil conquistar o campeonato de maneira diferente, pois cada passo na direção da final foi dado com muita humildade, e neste conjunto estava a necessidade de jogarem “quietos”. Longe de ser um discurso pronto de qualquer boleiro, a fala de Valdenir se refere ao fato de serem um time de outra cidade, portanto considerado por muitos como “intruso”, o que poderia ser usado como argumento de alguém com cabeça quente. A equipe do União Ipiranguense teve de aceitar uma imposição da Liga de Futebol Amador, decidida em arbitral, que a obrigava a disputar todas as partidas em Ponta Grossa, portanto, fora de casa. Uma desvantagem que só poderia ser superada com a bola no chão. Cada novo jogo deveria ser disputado em um estádio diferente, para que os adversários da cidade não fossem obrigados a pegar a estrada. Chegaram inclusive a oferecer o combustível para um adversário, mas nem assim conseguiram disputar uma partida em casa.
A proteção No futebol, a violência é um recurso tanto para o beneficiário quanto para o punido. O jogador agredido terá em seu benefício um bônus (falta, jogar com um a mais). Está portanto sempre presente, e um campeonato amador nos mostra que nem tudo é marcado. É por esse motivo que o atacante Valdenir religiosamente pede uma “proteção espiritual” antes de iniciar cada partida, com o objetivo de evitar machucar-se seriamente. -E funciona? “Opa, claro”, afirma ele, comentando que a suspeita de fratura no nariz após uma cotovelada, o qual “estava bem inchado”, “poderia ter sido bem pior”. O outro responsável pela integridade física dos jogadores - este passível de ser entrevistado - é o apitador da partida. Segundo o árbitro Romildo de Freitas, controlar a violência é tarefa sua. O torneiro mecânico de 41 anos adverte, ser árbitro não é para qualquer um. “Tem que ter muita manha e jogo de cintura. Final e semi-final tem que ser muito mais na conversa do que no cartão. No diálogo com o jogador, ser mal-educado faz parte da partida”. Como disse Valdenir, “a rivalidade no amador é terrível”. E evitar que a violência se utilize dessa desculpa é tarefa para poucos. Romildo revela: “segurar o jogo faz parte”. A tática consiste em “marcar aquelas faltinhas no meio de campo”, para evitar que o jogo fique violento. Já tentaram comprá-lo, mas não conseguiram. O motivo: pediu muito alto. “Pedi quarenta mil, sabia que não iam pagar”. + 2 min de acréscimo Faltava pouco para acabar, e todos já entendiam que o União Ipiranguense merecia levar o campeonato. Inclu-
sive o placar, que ao final do jogo apontava 2x1 para o time de Ipiranga. De trás da grade, o torcedor finge intimidades com o bandeirinha: “falta muito, bandeira”? - “Lá por meio dia e meia acaba”, responde, sem descuidar do possível impedimento. Uma falta na entrada da área indicava que o Santa Paula poderia ainda empatar, e foi o que aconteceu. Final, 2x2 e União campeão do amador pela primeira vez. Santa Paula, vice pela segunda vez seguida. Os vencedores comemoram, os perdedores se resignam, e o juiz admite que deixou de marcar um pênalti. Secretamente, tentamos visualizar nesta partida e em seus personagens algumas dicas sobre o porquê de o futebol ser tão universal. Sobre como uma partida pode conter em si a solução dessa charada que se chama futebol. Não encontramos todos os segredos. Mas sabemos que eles podem estar em uma final de Libertadores, ou na final de um campeonato amador. O futebol aceita todos, quem sabe seja isso.
Epílogo O amador é sempre o profissional que poderia ter sido. Quem dirá o contrário ao ver uma brilhante jogada sendo executada em uma partida de campeonato amador? “Com um pouco mais de treino, esse cara iria longe”, diria um senhor agarrado ao alambrado, também com ares de olheiro amador-profissional. “Se estivessem no lugar certo”... Afirmações como esta, dadas ao acaso, são impossíveis de comprovar. Todos conhecem um amador que poderia estar em qualquer grande clube. A seu favor, o álibi da dúvida. Uma contusão fora de hora, um casamento marcado às pressas ou a falta de dinheiro para a compra da chuteira podem estragar uma carreira. ‘Assim ó’, diz o velho olheiro, estalando os dedos.
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NÃO TEM OUTRO REMÉDIO
Edmundo Pereira, o “Remédio”, sempre deu valor ao futebol. E talvez por isso tenha estudado apenas até a 7ª série, para concentrar-se no esporte. Aos 37 anos de idade, ele fala do futebol com uma paixão muito diferente daquela que toma conta dos torcedores ocasionais durante a Copa do Mundo. Atualmente, além de ser peça importante no time do Sta. Paula, Remédio trabalha do outro lado do balcão de atendimento em uma loja de materiais de construção, de onde tenta explicar o porquê do apelido. “Isso aí surgiu há muito tempo. Eu tinha uns nove anos ainda. Quando ia jogar bola com os amigos, eles diziam, de brincadeira, que o goleiro não tinha outro remédio, senão deixar que a bola entrasse no gol.” Também pudera, Remédio é jogador de futebol com porte de jogador de basquete. Tem 1,97m de altura. Por causa disso, sua posição em campo foi mudando ao longo dos anos. Entre 1985 e 1987, quando jogava futebol profissional no time do Operário, costumava atuar como lateral-direito. Mas, por causa de seu tamanho, sua posição foi fixada lá atrás, como zagueiro, onde permanece até hoje. Com humildade, ele considera que o União Ipiranguense mereceu a vitória do campeonato de amadores, disputada com o Sta. Paula. “Foram campeões, mereceram. Eles jogaram bem, não deram pontapé. Perdemos por falha nossa, mesmo. Nós chegamos a marcar três
Danilo Kossoski
gols-contra nos jogos anteriores.” Remédio acredita que o Sta. Paula jogaria melhor se costumasse treinar mais. Por enquanto o time só se reúne no dia do jogo. Também, apesar de a torcida ser cada vez maior junto aos times amadores, o incentivo financeiro é praticamente inexistente. “A gente ganha uma chuteira de vez em quando. E sempre tem uma cervejinha com os amigos depois da partida.” Aliás, para ele, essas amizades podem ser consideradas o melhor motivo para “perder” domingos jogando futebol. Remédio já nem lembra em quantos times teve participação. Alguns deles foram Operário, Coronel Vivida, Pato Branco, Independente de Ponta Grossa, Estrela Vermelha, Itaiacoca, Olinda, Parque do Café, Juventude, Palmeira, e finalmente no Sta. Paula. Há 21 anos jogando futebol amador, Remédio agora planeja um futuro mais tranqüilo, numa chacrinha que fica a cerca de 15 Km de Ponta Grossa. “Ali eu penso em plantar feijão e criar peixes. Tem até um campo de futebol, que levou um ano e dois meses para ser construído só na base do carrinho-de-mão, com a ajuda de um amigo. Talvez eu crie uma escolinha de futebol por lá...” Mas, no momento, ele quer treinar para seu próximo objetivo: a Taça Paraná. A escolinha de futebol deve ficar para mais tarde. Então, por enquanto, olhem e aprendam.
ONDE CANTA O SABIÁ Waldenir José Fagundes de Oliveira, 26 anos, representante comercial, casado, pai de dois filhos. Waldenir é a velocidade contra os zagueiros no canto direito do campo. O que mudam são os dias da semana. “Estou dirigindo o carro e me lembro dos jogos”, conta o homem do comércio. “O espírito esportista segue com a gente o tempo todo”, enfatiza o atacante do União Ipiranguense. “Campeonato amador é mais disputado que Copa do Mundo”, diz com uma expressão mais decidida que o resto da entrevista. Isso palavra de quem horas antes apostara um bolão dando placar de seis a um, em favor do Brasil sobre a equipe japonesa, na primeira fase da seleção canarinho. Rivalidade no amador, porém, está na cara do entrevistado, crente que fraturou o nariz num lance da final com o Santa Paula, embora não tenha procurado assistência médica para confirmar suas suspeitas. A memória leva para o último domingo de maio, ao campo do Palmeiras. O jogo é encerrado. Como saldo da partida, um acúmulo de divididas, arrancadas, faltas e pênalti não marcado. O campo é uma arena que separa o triunfo da sua ausência. E o empate em dois a dois dá o título ao Ipiranguense. Resta ao Santa Paula levantar a cabeça de aguerrido oponente e amargar o dia. Do outro lado, a alegria explode. E numa equipe cuja campanha não deu a oportunidade de jogar em casa. Para Waldenir, muita emoção. É seu maior momento no esporte,
CHEGA DEDiga “VISTA GROSSA” não à invisibilidade Enquanto estiver andando pelas estreitas calçadas do Centro da cidade – desviando-se de postes, placas e pessoas – aproveite e pare. Olhe para o outro lado da rua e perceba que acima das fachadas das casas de comércio há uma outra cidade a ser descoberta. Por trás de tanto cinza e cabeamento elétrico há uma história que fala de você.
Ben-Hur Demeneck
uma glória que construiu a cada final de semana. Não quer saber se repetem os conteúdos dos elogios, porque se for para falar da sua camisa será com as palavras “entusiasmo, determinação e raça”. A equipe que nas edições anteriores nunca passara da primeira fase, se vê campeã. E o atacante lembra dos seis gols que marcou durante o campeonato, nas vezes que rompeu os cercos defensivos, das assistências e seus bons dribles. Sabiá, como é chamado carinhosamente pelos colegas, vibra com a vitória. Mora e trabalha em Ponta Gossa, mas agora, domingo de futebol, grita pela cidade em que se criou. Ipiranga, esse destino dos finais de semana, da visita aos pais e do encontro com o gramado. Em 2004, Waldenir fora convidado para jogar no Olinda. Em 2005 tivera expectativa de ser chamado para o profissional Operário Ferroviário, junto com o Rodrigo Bolacha. Permaneceu no União, em que fora artilheiro há dois anos (15 gols), tendo agora a sensação da vitória. Amanhã volta à profissão. Ramo diferente de muitos de seus colegas, que se dedicam à agricultura, como o capitão Josimar. Em comum, o mesmo pensamento constante no futebol, a superação e o sonho das quatro linhas. Essa é a história da semana, essa que é família de sete filhos, com cinco de mesmo sobrenome e dois não. Cabendo ao par derradeiro emprestar desafios a grupos e mais grupos de 22 jogadores.
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
Na tentativa de desbravar terras desconhecidas, avanço os limites estaduais a fim de descobrir onde o Paraná termina (ou começa). Estou em Palmas, uma pequena cidade de 38 mil habitantes localizada ao sul do estado e que faz divisa de terras com Santa Catarina. São duas as regiões que demarcam o encontro destes dois povos: uma ao sudoeste do município e outra a sudeste. Com o objetivo de conhecer tais lugarejos, acordo às oito da manhã e espero a confirmação da carona com o meu amigo Paulo. Um sujeito alto, gordinho, careca e, normalmente, estressado, mas que hoje está mais calmo que o normal. Meia hora depois, embarco em seu pálio verde rumo a Abelardo Luz, a primeira cidade catarinense ao sudoeste de Palmas. Entramos na PR 280. A rodovia nos levará ao trevo que demarca o início de um estado e o final de outro. São 43 quilômetros que separam as duas cidades. Enquanto Abelardo Luz não se aproxima, como um bom caroneiro, apenas observo a paisagem recheada de campos, plantações de soja, milho e erva-mate, gados, e muitas árvores, principalmente, pinheiros. Cerca de 20 minutos depois, uma placa verde com letras brancas avisa: ABELARDO LUZ - 18 KM. Trata-se do trevo que determina o encontro dos estados. Paramos o carro em uma casa azul localizada próxima a este trevo. Só que observando um pouco mais, vi que aquilo não era uma casa, e sim um bar. Sem placa de identificação, sem cartazes de cerveja, sem nada. Entro no recinto que, após perguntar à dona, descubro ter um nome: Bar e Armazém Trevo. Esta é a última habitação, por assim dizer, pertencente ao lado paranaense. O bar é pequeno, tem cinco mesas, um freezer azul onde gelam as cervejas e algumas prateleiras com mercadorias a serem vendidas. Converso com a proprietária do lugar que também vem a ser a última paranaense na região, dona Sueli Aparecida. Ela informa sobre algo que poucos têm conhecimento: uma estrada de chão que passa a cerca de dez metros do bar é o que divide Paraná e Santa Catarina. Quem passa à direita da estrada, com destino a entrar no bar, está em território paranaense. À esquerda já está em Santa Catarina. “Às vezes o pessoal vem aqui e nem quer ir para os lados catarinenses, mas é só andar um pouco e tá lá sem querer”, comenta dona Sueli. Ela ainda fala que gosta de morar na divisa. “É legal morar aqui. O povo pergunta se falta muito para chegar em Santa Catarina. Eu dou risada e respondo que é só atravessar aquela estradinha de chão que já chegô”. Com um certo tempo de conversa, me aposso de um banquinho do bar. E o bate-papo segue sem pressa. Curioso, pergunto se há alguma diferença entre os paranaenses e catarinenses. Ela responde que não e que até o jeito de falar dos que moram nas proximidades é parecido. “Agora, os que vêm de outra região já têm um sotaque diferente”, afirma. Dona Sueli conta alguns causos dos quais não se tem prova alguma. Um deles é de que nesta região limítrofe de estados até a água da chuva é dividida. Segundo ela, tem uma lomba (uma espécie de morrinho) que reparte metade da água para cada lado. Isso não pude ver e nem comprovar, pois o céu do mês de janeiro estava limpo e não havia sinal algum de chuva. O período em que se registram mais chuvas na região é durante o inverno, entre os meses de junho e julho. Quase no fim da conversa, quando percebo que já enchi a paciência da paranaense mais próxima de Santa Catarina, peço para ela contar algum fato inusitado que
ocorre na fronteira. “Ixi! Tem alguns, mas não lembro de todos. Ah, tem o pessoal que brinca com a situação. Um fica no bar e uma outra pessoa fica no outro lado da estrada brincando que estão se conversando de estados diferentes”. Despeço-me dela e tocamos em direção ao estado de Santa Catarina. Logo após contornar o trevo e pegar a SC 467, avista-se aquela que vem a ser a primeira construção catarinense. Pintada de rosa, com alguns cartazes de cerveja, está ali, no limite dos estados, a Boate Cristal Night Club. Devido ao horário impróprio para seu funcionamento, ela está fechada. A estrada é sinuosa, repleta de curvas perigosas. E não há nada que diferencie claramente um estado do outro. Apenas percebe-se que as árvores, antes tão comuns na estrada paranaense, dão lugar a plantações de feijão, soja, milho e erva-mate. Não existe uma identificação explícita de que estamos em território catarinense. Sei que ali estamos somente porque a dona Sueli nos avisou.
Após os 18 km, avistamos uma placa colocada ao chão: “BEM VINDO À ABELARDO LUZ”. Logo acima, o outdoor de um hotel turístico, chamado Hotel Quedas. A cidade explora o ecoturismo proporcionado pelas exuberantes quedas do rio Chapecó (localizadas logo na entrada do município catarinense), além das paisagens naturais que fazem parte do cenário. O município de 16 mil habitantes resume-se a algumas lojas, prefeitura e uma praça. Curioso é que a prefeitura recebe o pomposo nome de “Centro Administrativo Municipal”. A praça é pequena. Tem uma fonte de água, um parquinho para as crianças e um mini-palanque. De longe vejo um senhor mulato, barbudo, puxando uma carroça cheia de ferros e papéis. É o seu João Horácio da Rocha. Ele saiu do estado de Alagoas com 22 anos e agora, aos 66, ainda carrega o sotaque nordestino. “Conheço o Paraná de ponta a ponta. De Foz (do Iguaçu) à capital”. Faz dois anos que o seu João mora em Abelardo. “Nunca tive encrenca, mas vô embora pá Cascavel, mora com meus fio. É melhor.” Pergunto se ele percebeu alguma intriga entre paranaenses e catarinenses. “De vez em quando a gente vê que tem briga entre os estado, mas é tudo coisa pequena. Procuro nem me metê”, responde. Solta uma risadinha e continua a caminhar.
Entre ventos e fronteiras No dia seguinte, seguimos para conhecer a divisa entre os dois estados ao sudeste de Palmas. O cenário deste percurso é marcado por campos e plantações. Assemelha-se muito à imagem que temos quando chegamos à região dos Campos Gerais: vastos campos que parecem não ter fim. O que torna este limite diferente dos outros é a existência de usinas eólicas nos lados paranaenses e catarinenses. À direita da BR 153, de quem segue em direção a Curitiba, está a Usina Eólica de Água Doce, município catarinense. À esquerda, as Centrais Eólicas de Palmas. Água Doce localiza-se a cerca de 100 km de Palmas. Pela mesma estrada pode-se ir a Passos Maia - cidade catarinense ao sul de Palmas. Essas usinas se tornaram pontos turísticos na região. Quem passa pela estrada e avista as torres ao menos desacelera o carro para poder contemplá-las. Isso se justifica pelo fato de serem as únicas da região. Os cinco cataventos, de 44 metros de altura, pertencentes a Palmas abastecem o equivalente ao consumo médio de 20 mil moradores do município. Já as oito que se localizam em solo catarinense geram energia para cerca de 40 mil pessoas. Após percorrer os 37 km que separam Palmas das usinas, chegamos a uma outra divisa entre os estados. Lado esquerdo, ventos paranaenses; lado direito, ventos catarinenses. A última casa que podemos avistar da estrada pertence ao Paraná. É de propriedade de Ondina dos Santos Abreu. Aproximo-me dela e pergunto se podemos conversar um pouco. Ela acende um cigarro e aceita. Suas respostas são diretas: “Não tem diferença da cultura nem do sotaque dos catarinenses daqui”. “Para te falar a verdade, nem faz diferença morar aqui na fronteira”. Tento avançar nas perguntas, mas mesmo mudando as palavras, as respostas permanecem as mesmas. Despeço-me enquanto ela acende mais um cigarro. A penúltima casa paranaense é uma lanchonete, chamada Casa do Turista, sob os cuidados de dona Salete Denise de Ozoretz. Ela viveu sempre nas fronteiras e por isso diz não sentir muita diferença. “Antes eu vivia também nos limites do Paraná e Santa Catarina. Nas cidades de Porto União e União da Vitória. Agora tô aqui há três anos”, conta. Salete discorda de dona Ondina quanto à diferença entre paranaense e catarinense: “Tem diferença. Os daqui do interior têm aquele r fraco (dizem caroça e não carroça, por exemplo), e os da capital falam mais cantado e mais rápido”. Mas para ela, catarinense é sempre catarinense, não importa onde. E o paranaense será paranaense em qualquer lugar? Nessa região, que para muitos pode ser apenas mais um ponto perdido no mapa, misturam-se sotaques e costumes. Não há como negar que o paranaense de Palmas carrega um pouco do catarinense da fronteira (e vice-versa).
ROTEIRO Em direção aos ventos sulistas A distância que separa Ponta Grossa de Palmas é de quase 400 km. Para chegar até essa cidade limítrofe do nosso estado não é tão complicado. Uma opção é pegar a “estradinha” que leva para Palmeira, e dali seguir em direção a São Mateus do Sul, passando por São João do Triunfo. Após deixar para trás essas cidades, entre na BR 476 rumando para União da Vitória e General Carneiro. Depois disso é só contornar o trevo e andar cerca de 60 km. Com uns 40 km rodados, já se pode sentir o vento que move as eólicas catarinenses e paranaenses.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
“ Diego Antonelli
Há todo um ambiente estético particular que está se criando em volta desse ambiente ‘música eletrônica’. E, como em torno do rock, também se desenvolveu uma tendência de se vestir, de falar, de se expressar e agir. Com relação ao rock, quero dizer os anos 70, quando houve toda uma revolução cultural que foi movimentada, de certa forma, pelo rock’n’roll (Woodstock, os hippies..); embora a cultura eletrônica ainda seja um cenário em pleno desenvolvimento (...) Se você observar o pessoal que gosta de trance psicodélico, por exemplo, existe até um certo ar de culto, de algo transcendental, de orientaçao de vida. Música eletrônica não é só música Hugo Harada é foto-repórter profissional.
Uma carona rumo ao encontro de Palmas com as terras catarinenses Fotos: Hugo Harada Arte: Luciano Schmitz
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GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
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O barbeiro, que toda vida morou em Uvaranas e trabalhou no São José, acompanhou o crescimento da cidade a partir da Balduíno Taques
O SALDO DA COPA
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TOPE TOPETE - Álvaro
Quatro dedos
(mãos de tesoura)
Danilo Kossoski
Artur Pena
A
SERPENTE DO
IMPÉRIO
Naquela manhã de quarta-feira o vento gelado que soprava no Calçadão da Rua Coronel Cláudio parecia impelir as pessoas a caminharem de forma mais apressada. Mas, apesar do vento forte, diminuí o passo no instante em que me aproximava da pequena multidão parada diante de uma lanchonete. Uma ambulância do corpo de bombeiros, me fez entender que algo ruim tinha acontecido. “O que houve?” perguntei a um jovem estudante, que levantou os ombros para dizer que também não sabia. A resposta veio de um senhor que parecia estar bem abrigado debaixo de um chapéu de feltro, casaco preto e cachecol: - Um rapaz caiu em um buraco dentro da lanchonete. - Um buraco na lanchonete? Estão dizendo que o assoalho cedeu atrás do balcão, logo depois que o sujeito abriu o estabelecimento. - Coisa estranha... - Estranha uma ova! Só vou ficar surpreso se o pobre coitado sair dali vivo... - Será um buraco muito fundo? - Está brincando? Os bombeiros acabaram de descer com uma corda de quinze metros de comprimento! - Caramba... mas como pode haver esse buraco debaixo de uma lanchonete do centro da cidade? - Você realmente não sabe de nada! E eu não te culpo... a maioria não sabe. - Está falando de quê? - Da maldita serpente! Uns dizem que é o próprio demônio; outros a confundem com a folclórica figura do “boitatá”. E há quem diga que o bicho é uma espécie de dinossauro que sobrevive no subsolo de Ponta Grossa.
HOMEM-BUNDA - Sádico
- Uma serpente? Embaixo da lanchonete? – perguntei, incrédulo, olhando o cachecol que escondia a boca do velho. - Embaixo da cidade. Ela é enorme! Eu já vi a criatura uma vez... - Ah, o senhor já viu? - Sim... faz muitos anos. Eu era o responsável pela limpeza do Cine Império. Naquela manhã eu estava varrendo quando senti o chão tremer e ouvi um barulho forte. Encontrei um buraco de uns dois metros quadrados no chão. Eu ia chamar alguém, mas então vi que algo se mexia ali dentro. Primeiro pensei que fosse um encanamento que tivesse rompido. Mas, em seguida, reconheci os movimentos de uma cobra. Parecia o tronco de uma árvore centenária, só que se mexendo. Nunca mais voltei naquele lugar. - Foi embora porque teve medo da cobra. Há! Há! - Vai rindo, vai. Na mesma semana o cinema fechou as portas, porque parece que não fui o único a perceber que algo medonho acontecia ali. Logo começou a sair aquele mau cheiro. E então alguém formulou a teoria de que a serpente gigante tinha estabelecido seu ninho bem embaixo do Cine Império, que fica atrás dessa lanchonete aí. - Está me dizendo que o rapaz caiu... - Caiu bem no ninho da cobra, certamente! Ela deve viver fazendo galerias embaixo da cidade. Todos esses anos... imagine o tamanho daquele buraco! Fiquei imaginando se havia algo de verdade em tudo aquilo. O mau cheiro diante do Cine Império, de fato, existe ainda hoje. E há poucas semanas eu tinha visto alguns homens tentando recuperar, mais uma vez, a calçada em frente ao velho cinema, que a cada ano parece afundar ainda mais. Eu já estava atrasado, me despedi do velho, que levou a mão até a aba do chapéu de feltro. Antes de ir embora ainda tive tempo de ouvir um dos bombeiros gritar para o outro: “Jorge, traga mais corda!”
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
TIRAS
WG I N F O R M Á T I C A
Gaúcho, Silvio, Marcio, Sandra, Sandro... É grande a ‘família’ que já passou pelo São José Cabelereiros e ajudou a multiplicar as mãos de Seu Eufrásio, que aprendeu a profissão com o pai, aos 15 anos. “Assim como me ensinaram, ensinei muita gente, um irmão por parte de pai, um sobrinho, um engraxate”, explica. Aliás, o filho Edenir passou a freqüentar o salão, no início dos anos 70. Trabalhava como engraxate. Era época de aproveitar os trocados, comprar ‘laranjadinha Wimi’ e ir ao cinema. O formato das bombas de gasolina do posto da Balduíno ainda era motivo de espanto para quem passava. Edenir lembra de, aos 12 anos, participar de corrida em volta da quadra onde está o bar Marieta. Uma das categorias era dos engraxates, com direito a apostas e torcida. Depois tentou um trampo de office-boy, não gostou e virou cabelereiro. Com a filha Sandra, ocorreu o mesmo. “O pai falou para ela aprender enquanto não achava um emprego e ela foi ficando”, trabalhou ali por 15 anos, lembra a irmã, Flávia. “Ele nunca exigiu que a gente seguisse o caminho dele. Sempre deu condições para que fizéssemos o que a gente queria”, ressalta - “Ele levava a gente nas creches para cortar o cabelo, no asilo, e a gente foi aprendendo”. Em 1991, o salão vira unissex e mulheres passam a habitar o espaço predominantemente masculino. As histórias acompanham o tilintar preciso da tesoura enquanto José Eufrásio apara cabelo e costeleta. Emociona-se ao falar dos filhos. Em lugar de destaque sobre uma estante, uma foto do filho que já se foi, vítima de acidente de carro, em 1992. Antes de pegar o espelho, comenta que Edenir vem tranqüilo para o salão, pois sabe que, pela manhã, o pai está por ali. O barbeiro do São José. “Gostaria até de, numa folga, conhecer a fábrica em São Paulo. Ferrante, deve ser de uma família”, especula.
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GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
Rodrigo K. Silva e Elias Lascoski Ilustração: Erickson Cruz
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Assim como me ensinaram, ensinei muita gente, um irmão por parte de pai, um sobrinho, um engraxate
Base
(o ritual) Aos 65 anos, “quase 66”, José Eufrásio Pedroso ergue o espelho, às costas do antigo cliente, para que ele possa conferir o serviço e responder com um satisfeito curvar de cabeça. Gesto repetido incontáveis vezes nos 50 anos de profissão num mesmo lugar. O torcedor do Santos que ocupa a primeira cadeira entre as quatro do São José Cabelereiros, na entrada, logo à esquerda, é um dos barbeiros mais antigos da cidade em atividade. A flâmula alvi-negra na parede contrasta com a pintura verde do local – cor aliás, escolhida por vários pontos do bairro, como os muros do cemitério São José ou a discreta mão de tinta na fachada do bar Marieta. O homem de ar compenetrado, bigode ralo, pouco cabelo, óculos, molho de chaves pendurado na cinta, é alvo de homenagens e do primeiro olhar tateante dos fregueses mais assíduos que entram no salão à sua procura. Para contemplar o ritual do Seu Eufrásio, tem que ser pela manhã – “estou aqui sempre às 7h30, no máximo 8h”. Calça social escura, camiseta vermelha, sapatos. Pente azul na mão esquerda, navalha na direita. Em menos de 20 minutos e sem perder a elegância, faz cabelo, barba e sombrancelhas de um senhor de mesma idade, com pernas e mãos rigidamente cruzadas, cobertas por um lençol vermelho. Sapatos marrons, meias roxas. Religiosamente imóvel. Faz lembrar de manhãs de sábado, na infância, em que o ‘programa’ era, ao menos uma vez por mês, ir àquele barbeiro acompanhado de pai e irmão. Lembro de sentar/ sumir na cadeira, desviar os olhos do espelho para não puxar conversa, mirar naquela placa sob os pés, em que se lê “Cadeiras Ferrante. Rua Independência”. O (mau)jeito era ficar ouvindo comentários sobre recentes jogos de futebol, saber volta e meia o que havia dado no bicho e respeitar nervosamente as orientações quando a tesoura se aproximava das orelhas. Era um alívio aos garotos tímidos quando a TV estava ligada e, entre um giro e outro da cadeira, se espiava a programação. O transe, em geral, era rompido pela interessante sensação gélida da espuma de barbear, para ‘fazer o pé’ e o que mais tarde se transformaria em costeleta. Ao contrário de meu pai, meu irmão e eu guardávamos as palavras para o lado de fora, sacaneando entre risos caipiras o corte um do outro – um cabelo lambido, um franja estranha, um penteado diferente já era suficiente. Aos poucos, e isso foi natural, as palavras de Seu Eufrásio e da turma do salão passaram a fazer parte do ritual e do próprio aconchego do ambiente – impossível ficar imóvel diante delas. E, assim, na adolescência, aprendíamos a conversar com ‘pessoas de verdade’.
Pente corrido
(sobre o tempo)
”
Eufrásio é um homem que aprendeu a lidar com o tempo, o que se percebe no ritmo de vida e na forma como valoriza a história do bairro. “Mais velho só o relojoeiro aqui do lado, com 40 anos”, enfatiza. Recorda, ainda, o motivo da homenagem pregada na parede: “Tinha gente com a mesma idade de profissão [de barbeiro] que eu, mas [trabalhando] no mesmo lugar não tinha ninguém”. Não é raro ouvir comentário pelo salão do gênero “...e é novo, tem 54 anos”, quando alguém em geral divulga novidade sobre um conhecido. “O duro do barbeiro antigo é que às vezes vou no cemitério. O que tem de gente conhecida...”, lamenta. O barbeiro, que toda vida morou em Uvaranas e trabalhou no São José, acompanhou o crescimento da cidade a partir da Balduíno Taques. “Quando a gente começou, o calçamento ia só até a esquina”, recorda. A freguesia era composta sobretudo por caminhoneiros, que vinham na borracharia do Kiko e na churrascaria, que por volta de 1974, deu lugar ao pátio do Kiko. O movimento maior no salão era à tarde, com o pessoal saindo do serviço - “Na minha época, era assim. Agora não sei como está”. E fazer a barba no barbeiro não chegava a ser opção, uma vez que as lâminas vendidas em mercado eram muito ruins, só serviam para barba grossa. O turno de trabalho de José Eufrásio no salão é pela manhã. À tarde assumem os filhos. A sábia redução do horário de atendimento veio depois de muito tempo esperando cliente até o fim da tarde e de uma rotina atribulada – trabalhava o dia todo e ainda corria para a igreja. Em 2001, acometido por uma doença, aceitou a recomendação médica e reduziu o ritmo. “Fico pela manhã, vou para casa, almoço, durmo um sono, tenho um tempo para mim”, orgulha-se. O tradicional barbeiro ponta-grossense é, na verdade, nascido no Abapã, distrito de Castro, e não esconde a preferência por um modo mais rural de vida, mesmo trabalhando numa das vias mais agitadas de PG - “Eu gosto do mato, sabe?”. Em janeiro, vai sempre à festa de São Sebastião, numa localidade conhecida como Fundão, próxima de onde nasceu (acesso via Alagados). Veio ainda criança para Ponta Grossa e preserva o costume de andar a cavalo na região da Fazenda Escola. Mas a paixão pela profissão é evidente – ele não demora muito em contar que também corta cabelo em casa, exatamente na cadeira na qual começou o ofício, com mais de cem anos.
Eles jogam num gramado cheio de buracos. O gramado não é um tapete, mas às vezes suspeitamos que tenha muita sujeira embaixo. Preste atenção à curiosa seleção acima. Se o Brasil é um país de 180 milhões de técnicos, uma eleição é mais ou menos isso. Cada eleitor convoca um candidato, que torna-se um senador, deputado, ou vereador. E, na prática, vemos que a tal seleção escolhida pelo povo tem sérios problemas de entrosamento, vaidade, estrelismo. Chegamos ao cúmulo de um estragar a jogada do outro, ou ao ridículo de um jogador literalmente tomar a bola do companheiro, como se fosse um zagueiro adversário. Faz tempo que a galera não comemora um gol dessa equipe. E, se a seleção canarinho tinha um quadrado mágico que não vem funcionando, nós temos um círculo vicioso que funciona muito bem. 03 01 07
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01) 01 A ponta-esquerda está extinta do futebol. Agora os pontas se aproximam muito do meio campo, trabalhando as bolas recebidas por ali. 10 - O afamado triângulo mágico tem como (02), 02 (05) 05 e (10). inspiração o ídolo Jean Paul Abalo, da prestigiada seleção do Togo. Os três atacantes dão um olé na marcação, mas raramente chegam à meta com seus lançamentos pela direita. O trio se complementa taticamente: o primeiro cateto é especialista nos cruzamentos; o segundo mostra maior rendimento nos jogos em casa; e o lado mais frágil da figura geométrica apresenta deficiência na condução da bola, mas compensa com certa publicidade. 03 Sempre dá uma força para aquele torcedor que pula (03) o alambrado, invade o campo e quer ficar por ali, fazer uma casa.Conversa com o juiz, pede calma. Joga muito longe do dono da bola, do outro lado do campo, o que prejudica sua atuação. (04) 04 Seria o volante do time, encarregado de levar a delegação para cima e para baixo. Gosta de deixar o povo boquiaberto, mas não pelas suas jogadas. A torcida o procura quando precisa de um ônibus para ir aos jogos. (06) 06 Meio-campista ciscador, passa várias vezes o pé por cima da bola e chuta pra fora do estádio. Sempre atento às instruções do banco, entra para segurar a partida. (07) 07 De reserva nos primeiros jogos para titular da seleção, não obstante a condição de “gato”, como se diz no jargão futebolístico. Em campo, é recordista em faltas.
(08) 08 Um jogador que promove a habilidade no meiocampo dando um baile no adversário (e às vezes levando). Alto índice de aproveitamento nas cobranças. (09) 09 Mesmo fora de forma, é considerado um pivô no controle dos passes errados. Sua categoria em campo é motivada e condicionada pelo barulho da torcida. 11 Ídolo máximo dos vestiários, conhecido por distri(11) buir as camisas usadas pelo time entre a torcida ao final das partidas. A arbitragem faz vista grossa à condição de impedimento, bastante acintoso, como diriam os comentaristas. (12) 12 Parecia ser uma promessa quando jogava em partidas na periferia ponta-grossense, mas sente o peso da camisa. No gramado, reclama quando não lhe tocam a bola, mas tenta driblar e não consegue. 13 Naturalmente, o médico da equipe, opera os ad(13) versários. Entrou prometendo revolucionar o departamento médico, mas até agora a torcida não viu as melhorias. 14 Trata de cuidar da saúde física e mental do time. De(14) veria ser o salvador da equipe, foi convocado prometendo muita movimentação. Ataca pouco e é muito conservador na sua posição. (15) 15 Veterano das quatro linhas, já foi atuante no escrete. Hoje só assiste, do banco, à movimentação do time, na condição de auxiliar técnico. Seu estilo é ofensivo. 16 Dono da bola e do campo. Prefere fazer tudo sozinho (16) e nem adianta a torcida gritar pedindo pra tocar a bola pra um que está livre na cara do gol. Corre sempre pela direita.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
O ESQUECIDO DO MÊS É...
“Se um dia vocês virem as folhas amarelas, não reparem, foi a saudade quem pintou” Esta frase de João Pacífico é perfeita para começarmos a falar daqueles que na verdade representam a maior parte de um sucesso musical: os compositores. Eles são os “mestresde-obra” que constroem e esculpem a arte que depois não apenas eles mas, freqüentemente, outros terão a incumbência ou o privilégio de expor ao mundo. Entretanto, nem sempre são reverenciados ou até reparados. São citados somente para justificar a existência de tal obra; tirando deles todo o peso que dá equilíbrio e movimento à música. Ao fazermos isso, estamos também correndo o risco de supervalorizar o lado oposto. Justamente daquele que se aproveita de tal obra para nem sequer citar o seu criador. Quase como uma apropriação indébita, mesmo tendo a permissão para isso. Seria mais apropriado e respeitoso dizer: “Esta música que vamos apresentar é da autoria de...” Mas, infelizmente não é o que tem acontecido e é aí que perdemos. Pois com essa atitude estamos não só jogando estes mestres no ostracismo, mas dificultando o aparecimento de novos compositores, porque não vêem nesta arte a possibilidade de reconhecimento. Nós mesmos portamos esse defeito ao nos depararmos com um vinil ou cd. Pergunte-se: “Quantas vezes preocupei-me em saber também o nome do compositor além do nome da música?” Nunca? Não se preocupe, esse desinteresse é comum à maioria. Mas, não hesite em começar desde já. Muitas vezes é através dos compositores, arranjadores e produtores de um disco, que ele ganha em qualidade. O intérprete é importante como parte do processo, mas depende muito dessa base. Torna-se obviamente melhor e mais completo quando participa da criação. Vamos citar alguns importantes compositores em algumas áreas da música brasileira. Poucos, por falta de espaço. De resto é só pesquisar e conhecer, conforme o gosto musical.
João Pacífico.. Descendente de escravos que nasceu no início do século passado e tornou-se poeta desde cedo. Compôs mais de 1.200 músicas, transformando-se num dos maiores forjadores da música sertaneja do Brasil. Um dos primeiros a perceber que o caboclo gosta de história completa, com começo, meio e fim, como se estivesse lendo notícia de jornal. E não por acaso seu primeiro sucesso foi “Cabocla Teresa”, com Raul Torres no proseado e Florêncio no cantado. Além disso criou “Chico Mulato”, “Pingo d´Água”, “Mourão de Porteira” e tantas mais. Braguinha (João de Barro). Começou a cantar e compor no início da década de 30, especializando-se em marchinhas de carnaval. “Linda Lourinha”, “Dama das Camélias”, “Balancê” (que retomaria o sucesso com Gal Costa, quarenta e dois anos depois), “Andaluzia” (regravada por Bethânia), “As Pastorinhas”, “Pirata da Perna de Pau”, “Chiquita Bacana” (que projetou Emilinha Borba), “Tem Gato na Tuba”, “Adolfito MataMouros” (sátira a Hitler) e o misto de paso doble “Touradas em Madri”, cantado por um Maracanã em festa na goleada do Brasil sobre a Espanha, na fatídica Copa de 50. E fez letra para “Carinhoso” de Pixinguinha, além do manifesto pré-tropicalista “Yes, Nós Temos Bananas”. Pixinguinha.. Além de genial compositor foi saxofonista e flautista maravilhoso. Não à toa, Vinícius de Moraes pediu sua bênção, “por ter chorado na flauta todas as suas mágoas de amor”. Revolucionou a história da MPB. Intercambiou ritmos e melodias de diversas culturas, tanto popular como erudita, desenvolvendo maior harmonia para suas composições. Seu clássico “Carinhoso” transformou-se num verdadeiro hino, sendo regravado por muitos no mundo todo. Fez pérolas como: “Rosa”, “1x0”, “Ingênuo”, e “Lamentos”.
Helcio Kovaleski
Alceu Bortolanza
Houve um tempo em que assistir à TV era algo meio inocente, lúdico. Era uma atitude meio de criança, que usa o olhar para explorar, descobrir o que há de novo sob o horizonte, mesmo que seja o de um tubo catódico encaixotado. A televisão personificava bastante essa sensação porque era algo inédito, um meio diferente que causava um certo receio, acompanhado de muito encantamento. E havia até um ritual para isso. Como os aparelhos funcionavam à válvula, o ato de ligá-los à eletricidade já era cercado de expectativas. Porque demorava para o tubo dar algum sinal de vida. Quando os primeiros raios apareciam, crescia a ansiedade. De repente, um som longínquo ia se aproximando, uma imagem ia se criando no meio da telinha e, shazam!, algo aparecia e se transformava num programa de auditório, numa telenovela ou em alguma coisa parecida com um telejornal. Todo esse cerimonial era, não poucas vezes, compartilhado, não só entre as pessoas da família, mas com um vizinho (ou vizinhos). Por que? Porque, nos primórdios da TV brasileira, comprar um aparelho era coisa de gente (um pouco mais) endinheirada. Era o “televizinho”, uma instituição nacional que perdurou da década de 1950, quando surgiu a televisão no Brasil, até a meados dos anos 80. Bem, este pretenso articulista, acreditem, foi um televizinho. Lá no século passado, entre 1971 e 1972, quando contava com seis para sete anos de idade. Íamos, eu, meu irmão (então com 5 para 6) e minha irmã (2), todo domingo à tarde, na casa ao lado, da Dona Marina. Minha mãe ia chamar-nos, mas ela dizia: “Deixe as crianças aí, assistindo”. “Mas eles têm aula amanhã cedo”, argumentava minha mãe. “Mas, deixa, são crianças, ainda”. E a Dona Marina acabava ganhando a disputa, porque só saíamos da sua casa lá pelas nove da noite, não sem antes tomar um café daqueles... Assistíamos aos programas de Silvio Santos, vejam só, na Globo, e exatamente na época em que ele era o rei da TV - pois ficava no ar, ininterruptamente, do meio-dia às oito da noite. A ‘maratona’ começava com o “Show de Calouros”. Lembro-me até hoje de alguns jurados: Decio Piccinini, Pedro de Lara, Aracy de Almeida e Clecio Ribeiro, considerado o mais chato da época, que nunca era favorável a quem ia lá pagar mico. Era muito engraçado ouvir a Aracy decretar o seu voto a algum infeliz candidato a artista: “Duzentosh mangosh” ou “duzentosh paush pra você!”. Depois, vinham o “Show da Loteria”, “Vamos Fazer Média”, “Disco de Ouro”, “Quem Sabe Mais, o Homem ou a Mulher?” e “Sinos de Belém”. Nessa hora, íamos para casa para tomar banho e jantar. Mas, depois, voltávamos para ver o inefável “Boa Noite Cinderela”. Esse era a alegria da criançada, pelo encanto e emoção que causavam. Era um cenário de conto de fadas em que ia, a cada semana, uma garota, geralmente de família pobre, passar um dia de Cinderela, incluindo sapatinho de cristal, coroa e trono. Tinha uma canção cuja melodia jamais saiu da mente de quem via o programa. E, no final, entrava um garoto vestido de príncipe, com cabelo à la Ronnie Von, chamado... Gugu Liberato! Ele mesmo! Pegava na mão da garota e a conduzia ao trono. O programa fez tanto sucesso que ficou dez anos no ar. Foi no início de 1972 que meus pais compraram nosso primeiro aparelho de TV, da marca Philips, na antiga loja Starke, “A estrela da economia”, ali no Ponto Azul, em prestações a perder de vista. Deixamos de ser televizinhos para virar assíduos telespectadores, como a grande maioria da população brasileira. Já com a televisão nova, a primeira novela a que assistimos foi “Meu primeiro amor”, com Marília Pêra e Sergio Cardoso, também na Globo. Bons tempos, aqueles, quando a inocência infantil permitia acreditar no que se via pela televisão. Hoje, bem, as coisas mudaram um bocado. Até mesmo a in infância.
O bairro
Seu
José
parte I
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
Rafael Schoenherr Fotos: Rodrigo Czekalski
No lugar da placa que sinaliza “Panificadora”, com estacionamento restrito a 15 minutos, bem poderia estar escrito “parada obrigatória, 60 anos de história”. “Um ótimo sábado para vocês”, deseja o locutor da FM ao despejar ‘antigos sucessos’, enquanto se toma refrescante suco de laranja ao balcão em tarde ensolarada do seco inverno ponta-grossense. E a simpática sobrinha do proprietário logo traz uma empadinha Otto. Sim, a pequena iguaria que esfarela na boca vendida ali na rua Princesa Izabel ganhou nome próprio e dispensa investimentos de propaganda. Quem nunca ouviu falar? Mais do que um caso isolado nas redondezas da igreja São José, o sucesso gastronômico revela facetas de um bairro onde os pontos comerciais desafiam o crescimento urbano, atravessam gerações e ajudam a contar a própria história da cidade.
A poucos metros dali, minutos antes da degustação, a fama do mesmo estabelecimento gerava assunto em um salão de cabelereiros. Ao terminar um corte de cabelo, Edenir conta que toda vez que seus parentes sabem que ele vai visitá-los em São Paulo, pedem divertidamente: “Me traga uma torta de limão lá do Otto”. Ao seu lado, a cabelereira Flávia comenta que, em dia de novena na igreja, os lanches são disputados. “Às quartas-feiras, sai tudo”, relata. O dois irmãos trabalham justamente em outro ponto de referência para a vida do bairro e para a história das profissões em Ponta Grossa. Localizado na avenida Balduíno Taques, entre as ruas Riachuelo e Júlio de Castilhos, o Salão São José completou 39 anos no fim de agosto. Num lance de apenas cinco quadras antes de chegar ao Salão São José (no sentido bairro-centro), é possível encontrar, na mesma avenida, outros quatro salões (ou ‘centros de beleza’). Dobrando na Júlio de Castilhos, há mais um. As páginas amarelas da lista telefônica registram a existência de mais de uma centena deles pela cidade. A prefeitura não disponibiliza os dados oficiais sem os trâmites protocolares. Ainda que a classe seja “meio desunida”, como acredita Flávia, há 16 anos na atividade, é inevitável para quem anda pelas ruas reparar no apreço e força da profissão de barbeiro em PG. O cenário diversificado no ramo certamente contrasta com o do fim dos anos de 1960, em que a barbearia ali do São José era praticamente desbravadora no ‘novo’ negócio. No lugar de cursos rápidos profissionalizantes, aprender a cortar cabelo era coisa transmitida entre gerações, assim como tantas outras profissões. O bar do Gabriel, a pastelaria do Seu José, o bar Marieta e a relojoaria logo na esquina estão entre os estabelecimentos lembrados por Edenir, 46, que acompanharam o crescimento do salão e deram a cara de um “comércio forte” ao bairro. “Hoje quem está estável é nós, o relógio e o Marieta”, destaca. A relojoaria até hoje tem uma freguesia grande, segundo Flávia. Ela, no entanto, teme pela continuidade dos serviços – “o problema dele é não ter ensinado ninguém”. Sentada na poltrona do salão, Flávia, quase sem querer, deixa assim escapar o que talvez seja o segredo desse ponto cravado numa das principais artérias da cidade: eles aprenderam com o pai.
Edição e pauta: GRIMPA SETEMBRO DE 2006 Ben-Hur Demeneck (MTb 5664/PR) e Rafael Schoenherr (MTb 11364/RS) Arte e projeto gráfico: Luciano Schmitz Ilustrações: Diego de los Campos e Luciano Schimtz (capa), Luciano Schimtz (editorial), Sebastião Natalio (crônica) e Carlos Chá (poesia) Ouvidoria: Marcelo Engel Bronosky Reportagem: Diego Antonelli Casagrande (Fronteiras do PR), Rafael Schoenherr (São José), Rodrigo Kwiatkowski (Futebol Amador). Perfis: Ben-Hur Demeneck e Danilo Kossoski Ilustrações: Diego de los Campos e Luciano Schmitz (capa), Luciano Schmitz (editorial), Sebastião Natalio (crônica) e GRIMPA – Edição de Agosto / Setembro Carlos Chá (poesia) 2006 Fotografias: Ben-Hur Demeneck (Futebol Distribuição gratuita – 2.500 exemplares Amador), Diego Antonelli Casagrande Jornal sem fins lucrativos – Cultura Pa(Fronteiras do PR) e Rodrigo Czekalski ranaense (São José) Página na internet: www.ogrimpa.com.br Convidado: Hugo Harada (Auto-retratos) Cartoons, charge e humor: Álvaro Contas de e-mail: Fonseca Jr. (Tope Topete), Artur Pena ombudsman@ogrimpa.com.br – críticas, sug(lenda urbana), Danilo Kossoski (charge) estões e elogios ao jornal. e James Robson França [o “Sádico”] pauta@ogrimpa.com.br – sugestão de temas (Homem-bunda) para as reportagens. Caricaturas: Elias Lascoski e Rodrigo publicidade@ogrimpa.com.br – equipe coKwiatkowski (texto) e Erickson Cruz mercial. (trabalho gráfico) humor@ogrimpa.com.br – acesso aos responCrítica e literatura: Alceu Bortolanza sáveis pela seção de humor. (música), Antonio Teixeira (crônica), Helcio literatura@ogrimpa.com.br – acesso aos resKovaleski (TV) e Hélio Ferreira (poesia) ponsáveis pela seção de literatura.
EXPEDIENTE
COLUNA DO OMBUDSMAN
Compromisso com a
cultura??? Marcelo Engel Bronosky
A edição de número seis do Grimpa apresenta um avanço na pluralidade visual. Contamos com a colaboração inédita de três trabalhos autorais, dois em ilustração e um em fotografia. Ademais, uma das páginas de humor é espaço para material digno de Ziraldo, pela perfeição técnica e o esmero criativo. Todos são mostras do sabido desenvolvimento dos criadores visuais no Paraná, veio que o jornal começa a explorar com maior propriedade. Na porção escrita, o periódico (nem tanto assim) segue com sua produção baseada na cultura popular e também das adjacências das linhas culturais mais prestigiadas. É no caldo social de um bairro tradicional ou numa final de campeonato amador que buscamos dar amplitude às comunidades que compõem nossas cidades, com suas histórias e consciências particulares. Na busca de nosso Estado interior, a viagem foi em outra fronteira com Santa Catarina, divisa de Abelardo Luz (SC) com Palmas (PR). Terceiro da série Fronteiras do PR (vide edições 04 e 05 – www.ogrimpa.com.br). Em se tratando de continuidade, Grimpa publica a seqüência de “Memórias de um cinéfilo”, com crônica ambientada no Cine Renascença (o “Rena”), anos 60. Um rico testemunho com referências valiosas como a Companhia Prada de Eletricidade, importante “personagem” nessa narrativa, ou a boa impressão causada pela orquestra da MGM em um então professor da rede pública. Ou seja, mescla de história pessoal e coletiva, união feita a partir de marcos de conhecimento público ou comunitário. Sinal da orientação deste veículo.
Nossa coluna de música passa a trabalhar na dissolução de um paradoxo. Para tanto amor à música, queremos uma emenda nesse sentimento: que se conheça mais dos compositores. Nessa estréia, João Pacífico, o menos conhecido dos três “esquecidos”, é presença imortal em muitos corações, ignorantes de seu nome, porém palpitantes de seus versos. Na coluna de TV, lembram-se os tempos em que os televisores eram poucos e seus donos acomodavam amigos e parentes para partilharem a programação. Com narrativas e hábitos que nos fogem das mãos, borboletas (que esvoçam sobre charcos de nossa infância) vêm desembaçar nossa janela para o passado, com outra poesia de Hélio Ferreira. No humor, as charges e cartoons continuam um contraponto a outras seções mais densas do jornal, por sua linguagem objetiva e direta. Álvaro, Danilo, Sádico, Artur Pena, Erickson Cruz, Rodrigo K e Elias Lascoski mostram o quanto o humor é coisa séria e necessária. Atrelam as definições de humanidade e a cidadania ao direito pétreo do riso. Para as edições seguintes uma novidade, o cartunista Sádico fica responsável pelo conteúdo de uma das páginas. Boa leitura, meu caro, desta sexta edição. Escreva para nós, pois é sua palavra que queremos imprimir na memória. Faça parte de nossa aventura pela cultura, com seu depoimento. Escrevamos juntos essa história. *************************************** “Nossa burrice oficial é proporcional ao talento desperdiçado” – Luis Fernando Verissimo no contexto do Brasil nosso de cada dia.
Já faz mais de três meses que a edição número 5 do Grimpa circulou. Essa distância entre uma edição prejudica à crítica, afinal ela aposta na lembrança dos leitores sobre a edição anterior. Reconheço as dificuldades dos colegas em publicar um jornal cultural, especialmente num ambiente tão hostil às iniciativas que visam promover à cultura local e regional. Ainda assim, torna-se fundamental lutar para que se mantenha a periodicidade proposta, nem que isto custe uma participação maior de cada um de nós. Assim, esta crítica está destinada às pessoas (leitores, colaboradores) que são sensíveis à promoção da cultura e que por um motivo ou outro não têm colaborado mais com a publicação do Grimpa, inclusive eu. Claro, não posso deixar de reconhecer a vontade dos vários colaboradores que, ao longo destas seis edições, não se furtaram em produzir bons artigos, boas crônicas, tiras ou críticas para o jornal. Parabéns e obrigado!!! Agora, é preciso deixar claro, só isso não garante a continuidade do Grimpa, sua consolidação no campo cultural da cidade e região. É preciso que cada um, na medida de suas possibilidades e responsabilidades, participe mais do jornal, procurando mais apoiadores e financiadores. Afinal, o Grimpa é a síntese do esforço coletivo de pessoas preocupadas em refletir a cultura regional e não um espaço de projeção de seus idealizadores e/ou colaboradores. Precisamos nos envolver mais, participar mais, para que os intervalos entre as edições não fiquem permanentes e para que o jornal não entre naquela lista de mais um que não deu certo. O vencedor da promoção “Olho no Lance” é Arnaldo Hase, com a criação “Geraldão, o gandula eterno”. Por escrever um belo texto que ilustra o folclore futebolístico, o autor será premiado com “Futebol ao sol e à sombra”, de Eduardo Galeano.
GRIMPA SETEMBRO DE 2006
Vikings,
Lanternas e Filmes
Esta é a terceira crônica da série “MEMÓRIAS DE UM CINÉFILO”. Você pôde conferir na primeira edição do GRIMPA “As matinês do Império” e, no terceiro número, o texto “Sete e meia no Ópera, OK?”. Exemplares do jornal estão arquivados na Casa da Memória de Ponta Grossa (Benjamim Constant, 318) e no Museu Campos Gerais (XV com Eng. Schamber, 654). Nesses locais o periódico está disponível para consulta. Aproveite e conheça mais da história da nossa imprensa.
ANTONIO JOÃO TEIXEIRA Ilustração: SEBASTIÃO NATALIO. Grafite e bico de pena.
O cinema nos anos sessenta do século passado, pelo menos em Ponta Grossa, era ainda a maior diversão, como dizia o slogan na marquise do Cine Império. Mas para mim era muito mais que isso, pois além do puro entretenimento, havia momentos epifânicos e momentos francamente surreais, às vezes simultaneamente. Vou relatar um episódio do modo como ele me vem à lembrança, talvez um pouco distorcido pela distância no tempo, pelo afeto em que está envolvido ou por uma simples traição da memória. Nessa época havia quatro cinemas – em 1964 o Cine Pax foi inaugurado – mas três deles eram os mais freqüentados: o Inajá, o Ópera e o Império. No local em que funcionava o Cine Inajá, inaugurado em 1966, havia antes o Renascença, carinhosamente chamado de Rena, que existiu até 1963. Sua última sessão foi celebrada com os vôos de Tony Curtis, Burt Lancaster e Gina Lollobrigida em Trapézio, acompanhados por uma câmera que rodopiava ao som dos acordes do Danúbio Azul, muito antes dessa valsa ser para sempre associada ao balé espacial de Stanley Kubrick. Foi um fechamento com chave de ouro. Não que o filme fosse grande coisa; na verdade, era um melodrama não muito interessante sobre gente de circo. Mas as cenas no trapézio, com os saltos triplos sem rede, eram de tirar o fôlego. A elegância dessas cenas, ao som de uma valsa clássica, marcou a comovente despedida do Renascença. O Rena impressionava pela sua arquitetura e por estar sempre mergulhado na penumbra – lembro dele como um cinema estreito, de madeira trabalhada e pintado com arabescos. E tinha frisas laterais com camarotes. Sobre a tela, cercadas de enfeites coloridos, estavam escritas as datas em que ele “nasceu” e “renasceu”, datas tantas vezes lidas e agora esquecidas. Até a música que se ouvia ao entrar no cinema era imponente e, já naquela época, soava antiga, como o tema que se ouvia antes de a cortina pesada de veludo bordô se abrir: a canção Ebb Tide, tocada no órgão por Ken Griffin. Era o tempo dos grandes estúdios e ali passavam os filmes da Metro e da United Artists – o professor e músico Álvaro Holzmann não se cansava de exaltar em suas aulas no Regente Feijó a excelência da orquestra da Metro. Os
filmes da Universal e da Warner passavam no Ópera e os da Paramount, RKO Radio, Pelmex e Condor Filmes no Império. De todos os cinemas, o Rena era o mais interessante – tinha a solenidade e o mistério das coisas antigas. Foi no Rena, durante uma sessão de Vikings, os Conquistadores, filme de 1958, que vi um episódio curioso. Eu estava completamente imerso na trama do filme e impressionado com a rudeza e violência daqueles homens que se lançavam a aventuras no mar, com o olho de Kirk Douglas, recoberto de uma película branca e com o som da música primitiva tocada em imensos instrumentos de sopro. Era um mundo cruel, primitivo e empolgante. Mas, no auge da aventura, o filme foi interrompido por um corte de energia – o que era freqüente então –, gentileza da Companhia Prada de Eletricidade, e o cinema ficou às escuras. Imediatamente acendeu-se uma lanterna, que passou a vasculhar o espaço. Então outra e mais outra ainda. Logo era uma enorme quantidade de fachos de luz que cruzavam a sala escura e se entrelaçavam numa dança que acompanhava as conversas, os gritinhos e o riso da platéia. Enormes imagens de mãos e cabeças eram projetadas na tela e nas paredes. Os cantos escuros dos camarotes eram subitamente iluminados. A trágica história dos vikings virou um animado e improvisado festival popular. Quem pensaria em ir ao cinema hoje e levar uma lanterna no bolso da calça ou na bolsa? Por outro lado, quase ninguém sairia de casa hoje em dia sem seu celular. Isso dá a medida da mudança que ocorreu. Numa época de palm tops, de DivX, de monitor de plasma, de Skype e de mp3 – coisas que curto muito, por sinal – é muito bom lembrar do Renascença. Ele ficou lá, no passado, com seus arabescos, suas frisas e sua penumbra, juntamente com a Companhia Prada de Eletricidade e seus apagões, com o jovem Kirk Douglas, que hoje tem dificuldade de articular as palavras, com a beleza cheia de curvas de Gina Lollobrigida, com os destemidos vikings... Mas o espetáculo de luz, sombras, vozes e risos está presente em minha mente e ficou para sempre associado a uma época que, graças ao trabalho que o tempo e a mente elaboram, parece agora ter sido mais inocente e mágica.
#06
Poema No. 8
PONTA GROSSA SETEMBRO 2006 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA www.ogrimpa.com.br
borbolas brancas brincam no banhado da minha infância: (no gramado entre as árvor no sítio do meu avô tinha um banhadinho verde de águas sempre tão puras sombreando as tard de tio do menino suarento) são rtias de sol voaçando nas poças d’água que inundam o chão da minha memória.
Arte: Carlos Chá (Óleo sobre tela)
O Museu Campos Gerais convida para visitar a exposição interativa
“Instrumentos musicais na história da região dos Campos Gerais: a música como elemento de integração social'’ Aberta até o dia 30/09/2006
“Visitar o museu é reconhecer e valorizar a nossa história” MUSEU CAMPOS GERAIS DIVISÃO CULTURAL PRÓ REITORIA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS CULTURAIS
Material divulgado por Ben-Hur Demeneck (21/02/2015).
Hélio Ferreira
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ado B do Futebol
* BAIRRO - profissão de barbeiro sobrevive no São José * PALMAS / ABELARDO LUZ – carona pela paisagem e personagens da fronteira * A CARICATURA DO SÉCULO ou “por que o humor é um direito constitucional” * CÂMARA CLARA – “uma fotografia com trilha sonora perfeita” * MEMÓRIAS - Kirk Douglas em apagão no Cine Renascença * PARADOXO BRASILEIRO – saber da música e desconhecer o compositor * TELEVIZINHO – uma instituição que durou mais de trinta anos * E MAIS: a serpente do Império, cartoons e os personagens Tope Topete e Homem-bunda