Conto gênese 1

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Bernard Coutinho


Gênese O Testamento de um Mundo Um conto no universo Daemon RPG

“No vazio primitivo os Deuses descansavam, quando sentiram a necessidade de despertar e povoar o mundo, como um jardineiro que se revitaliza ao semear o seu jardim...”

Em um salão ovalado e escuro, cinco figuras enigmáticas prostram-se sobre um chão em constante mutação. Nebulosas, estrelas e cometas são visíveis nele, como uma representação do próprio cosmos. As paredes, oscilam como nuvens de tempestade, formando espirais que alteram seu movimento constantemente. A frente, uma magnífica luz esta postada perante os cinco, e é possível se perceber formas humanoides ao topo de um púlpito muito alto, dezenas de vezes mais alto que o solo... – CULPA! – Exclama como ribombar de um trovão uma das figuras, a do centro em destaque; as demais calam-se em sinal de aceitação. A primeira figura ajoelhada, é chamada apenas de o Destruidor, e sua face e características físicas, são cobertos por

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um pesado elmo e armadura de combate, apenas seus olhos brilham na escuridão do capacete de ferro negro; olhos flamejantes como brasas. Sua respiração é a única coisa que pode acusar a existência de um ser vivo dentro de toda aquela monstruosidade de ferro. A segunda é Morel Vento de Tempestade, A Princesa do Gelo, cuja pele e cabelo são alvos, e os olhos assumem um tom azul, gélido e sem vida. Seu manto branco cobre seu corpo como um todo, e este congela uma circunferência ao seu redor com um leve e fino orvalho. Aos rosnados a palavra é aceita pelo terceiro ajoelhado, Vormog, O Deus Lobo das Estepes urra e rosna com sua pele azul e sua longa cabeleira emaranhada. Ao redor do salão, existem figuras de luminescência baixa, uma delas se aproxima sendo possível notar feições leoninas e uma arma indizível, esta última desce com violência sobre Vormog, que apenas aquieta-se por alguns segundos, mas um sorriso intimidante toma seus lábios negros com o gosto do sangue que surge em sua boca. Thrughan era tão alienígena, que sua aparência não era concebível; aqueles próprios que ali estavam em penitência, ajoelhados ao seu lado, possuíam dificuldades em reconhecer que aquela luminescência rubra preenchendo um grande raio a sua volta era também um réu. Nada que o caracterizasse como algo vivo ou mesmo existente podia ser descrito, mas de

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alguma forma, aqueles que estavam aplicando a sentença, sabiam que a entidade ali presente estava subjugada. Ao contrário de Thrughan, Idwah era facilmente perceptível como uma representação noturna: seu manto parecia feito da própria noite, seus olhos brilhantes flutuavam dentro de um capuz sinistro. Aqueles de joelhos se lembram do modo como todo júri silenciou e levantou-se quando a divindade adentrou o salão, ouviu-se a palavra “LONSA AMMA, VEH GAL” algo que soou aos ouvidos como o enochiano, mas sem absoluta certeza. - Há culpa em todos que aqui encontram-se ajoelhados, o Grande Concílio proferirá sua pena capital – diz a figura reluzente a direita. Um silêncio lacerante toma conta novamente da sala abobadada, exceto pela respiração daquele conhecido como Destruidor. - Morte! - É a palavra que surge do juiz a esquerda, como um relâmpago que atravessa toda a sala. Subitamente, passos são ouvidos adentrando o lugar, uma criatura humanoide, de rosto elefantinho e portando um objeto

comprido

geometricamente

como não

um

cajado,

euclidiana,

mas,

de

aproxima-se

ponta dos

condenados, passando em desfile do último ao primeiro, fitando friamente seus olhos. Suas presas eram grandes, e formavam uma volta, suas orelhas possuíam um anel dourado em cada ponta, seus olhos

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reluziam como gemas preciosas púrpuras que deixavam um leve rastro luminoso. Pé ante pé, o verdugo se desloca, acompanhados do som do artefato em suas mãos chocando-se contra o solo, ele caminha vagarosamente. Todo o júri que até então encontrava-se não visto, inicia uma conversa sussurrante, mas audível devido a acústica; quando o carrasco para de frente ao Destruidor, toda conversa cessa em uníssono; o medonho cavaleiro levanta sua cabeça a fim de fitar aquele que cumprirá a sentença decretada, seus olhos flamejantes ardem em fogo enquanto a comprida arma do carrasco ergue-se sobre sua cabeça, em um movimento sutil e natural. Sua lâmina tangencia perpendicularmente sua jugular, e a mera aproximação de sua pele, a faz queimar lentamente. BOOMM!! Um imenso estrondo faz com que todo salão estremeça, e a lâmina que descia sobre o pescoço do Destruidor desvie e fenda o chão; nenhum dos acontecimentos retiram uma fagulha de reação sequer do mesmo. - HERESIA!!, quem ousa! – Um dos juízes repudia o acontecido. BOOMM!!

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Um segundo estrondo sacode novamente o local, fato que não é deixado passar desapercebido pelo sombrio Idwah, que em um ato místico deixa seu manto formado de trevas para trás, se desvencilhando de todas as amarras magicas que o seguravam de rosto contra o solo. A magia faz com que uma duplicata

saltasse

de

seu

próprio

corpo,

para

instantaneamente, absorver o antigo, enquanto este se desfazia em um líquido negro rapidamente. Antes de tocar o solo, Idwah dispara finas agulhas negras contra os 8 guardas leoninos, fazendo-os tombar com urros animalescos de dor e, graças a isso, eliminando as amarras invisíveis que prendiam os demais. O Carrasco vê Idwah tocando o solo e se prepara para ataca-lo, girando sua arma em um ângulo oblíquo, mas sendo impedido por um poderoso ataque dado com a cabeça armadurada do Destruidor. - Tan Kheg, detenha-os! - Diz o juiz central ao carrasco. O Carrasco desfere uma cotovelada contra o rosto do Destruidor e pegando impulso nessa ação para desferir um golpe perfurante contra a Princesa do Gelo que se esquiva no último segundo, tendo sua face ferida levemente, mas o suficiente para o sangue azul escorrer em um fio. Vormog avança sobre Tan Kheg com dois golpes de suas garras negras, mas é evitado por um salto para trás, seguido de um golpe vertical de sua lâmina exótica; um golpe

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desconexo já que no meio de sua evasão fora acertado por um soco do Destruidor. A figura elefantina do Carrasco executa um rolamento, e cai em pé, afastando-se da luta tão rápido, que este escapa do chão que imediatamente, e por motivos desconhecidos se fende, jogando os condenados em queda, para fora do salão. Em queda livre, os condenados veem-se rolando sobre o dorso gigantesco de um humanoide, que carrega o templo onde eram cativos sobre as costas, enquanto caminha de joelhos por um imenso deserto sem vida. A queda é longa, Vormog tenta fincar suas garras no couro resistente da criatura, sem sucesso; Morel cria uma redoma gélida com seus poderes e mergulha em direção as areias escaldantes e o Destruidor apenas aceita sem expressões seu destino contra o solo, mas sabido que não sofrerá dano algum. KATOOM! Morel Vento de Tempestade choca-se violentamente contra o chão arenoso, resvalando com sua redoma de gelo, esta que libera alguns cristais na queda ao rebater-se, pousando alguns metros à frente do primeiro impacto; o frio que emana de seu corpo é tão poderoso que o próprio solo se congela em um raio de sua posição; ela levanta os olhos para observar o imenso joelho da criatura as suas costas e uma grande cratera a uma

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média distância a sua frente, mas ela pouco se importa e corre em fuga. Da grande cratera visto pela Princesa do Gelo, ergue-se o Destruidor, inabalável em sua armadura de ferro negro, e a pesados passos distancia-se do templo onde era julgado; seus olhos flamejantes observam suas mãos em pesar, pela falta de alguma coisa, sua capa esta inerte, já que nenhum vento corre por estas terras. Ele observa ao longe uma figura turquesa deixando um rastro de gelo por onde passa e na direção contrária, segue a fera, o Deus Lobo, que ele considerava nada mais que um animal incomum, uma criatura que para ele pouca divindade possuía, uma besta merecedora unicamente de sua desatenção. Vormog não observava nada além da entidade gigantesca ao longe se distanciando, com um pequeno rugido de insatisfação ele farejava o ar em busca de alguma eventual caça. Olhando para sua mão, viu que suas garras haviam se partido, e num gesto, fê-las crescer novamente. Sua armadura negra, de ombreiras espinhadas era pesada e debilitava seu movimento naquele solo afofado e quente. Com as mãos juntas retira o peitoral e as manoplas, logo depois as ombreiras, partindo em uma corrida na direção contrária já que o único odor que sentia era o daqueles que compartilhavam de seu claustro anteriormente: se estes não o

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levarem a algum lugar, eles provavelmente podem se tornar a caça, pensou Vormog.

“Cada um despertou em uma hora; eles estavam letárgicos devido a um sono imemorial e ao caminhar no vazio, se depararam com nada mais que um deserto de areias douradas e muito quentes...” Os três seguem na mesma direção, cada um em seu passo e mantendo uma distância segura dos demais, mas todos cientes de que estavam juntos, devido ao acaso. Muralhas douradas surgem no horizonte e são percebidas pelos três ao mesmo tempo; O Destruidor não detém sua marcha, mantendo-se no mesmo passo, rumo a gigantesca metrópole. Morel já havia ouvido histórias das Grandes Muralhas de Ouro que existiam em um deserto e que deveriam ser evitadas pois seus habitantes eram poderosos e alienígenas em demasia, lembrando o próprio Carrasco que a pouco tentava mata-los. -Espere! – Disse Morel criando com um gesto um muro de fino gelo a fim de impedir a marcha do Destruidor. – Não prossiga, isso irá alertar as Azi B'hemot, e as trará diretamente ao nosso encalço. Com um simples golpe, o Destruidor desfaz a parede de gelo, e observando a Princesa ele diz, com uma voz aterradora e

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poderosa: - Este não é o lar das Serpentes de Behemot feiticeira, aqui vivem criaturas que guardam a entrada para o Mundo dos Espíritos, e este é o meu destino. -Você não faz ideia do poder que aquelas criaturas possuem, e nem o transtorno que causamos com nossa fuga, não importa onde estamos, se entrarmos em contato com quem quer que seja eles viram. Há outros caminhos para o Mundo dos Mortos Destruidor, eu o levarei até um deles...- CHEGA! - Interrompe o guerreiro armadurado, iniciando um caminhar a passos largos novamente até a muralha, sendo interrompido novamente por mais uma fina camada de gelo. – Minha intenção não é o confronto ó poderoso Destruidor, Portador de Awdun, mas sim lhe convencer que se não atrairmos atenção, sem combates, poderemos sobreviver para lutar mais e mais dias a frente. – Diz Morel a uma média distância. Em um movimento rápido, inversamente proporcional a seu tamanho e aparente peso, o Destruidor se aproxima, e agarra A Princesa do Gelo pelo pescoço, erguendo-a do chão; seus olhos ardem flamejantes, e sua mão é quente ao toque. - EU, SOU O COMBATE! - Diz de maneira assustadora o Portador de Awdun. A Princesa do gelo se agarra com as

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duas mãos no imenso braço do Destruidor, e tenta utilizar seus poderes de gelo, mas é inútil, então, ela utiliza suas pernas com o mesmo propósito, usando o frio de seu corpo como um todo para maximizar os efeitos que busca. Grande vapor de gelo sendo evaporado emana da cena, mas sem abalar-se, sem desfazer sua postura o Destruidor solta Morel sobre as areias. Com as mãos no pescoço, e sentada sobre as areias, Morel diz: - Como disse...minha intenção era passar desapercebida por Dudael – apontando para as costas do Destruidor. Criaturas animalescas pairavam sobre o ar, montadas em besouros de fogo, observando as duas divindades, dotadas de feições animalescas; essas estavam munidas de armas douradas, mas eram menos majestosas que os seres que acompanhavam o carrasco Tan Kheg na sala do júri. O Destruidor vira-se para as entidades, encarando-as e aponta para uma aleatoriamente, sua voz mais uma vez firme e autoritária, poderosa e trovoante irrompe através do deserto: - Eu utilizarei as entradas para o Abismo de Nun, e nada farei a sua metrópole; recusem e eu a deixarei de modo que areia e restos de sua existência sejam o mesmo. As criaturas mantem-se impassíveis, e continuam fitando as duas divindades, sem um mínimo movimento aparente. - In tamura! - Uma delas diz de forma inteligível.

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O Destruidor avança rapidamente em um salto contra os habitantes da Metrópole Dourada, unicamente para ir de encontro a uma parede de areia sólida que se forma. Sem interromper o movimento, ele a desfaz sem muitas dificuldades, mas uma segunda barreira de energia dourada o impede; o choque é violento, o som é um estrondo que desloca o ar. A Princesa de Gelo se levanta, e inicia a invocação de uma magia, cristais de gelo dançam a sua volta, o clima enregela, e as areias tornam-se unidas e se solidificam cada vez mais. Ao se recuperar do impacto, o Destruidor ergue sua cabeça, somente para ver que esferas flamejantes veem em sua direção, lançadas pelos cavaleiros de besouros de fogo; eles a lançavam como fundas, giravam-nas sobre as cabeças e com maestria as arremessavam. Utilizando os dois braços, o destruidor se protege da torrente de chamas que se aproxima, chamas tão poderosas que ao atingirem, pulverizam o gelo criado por Morel . - Não subestimem o poder da Herdeira do Trono de Gelo animais! - Exclama Morel , e com um gesto com os dois braços apontados na direção das criaturas atacantes, um turbilhão de frio é lançado; não gelo, mas a própria essência do frio, algo tão poderoso que faz o próprio clima se modificar, os céus assumirem a cor azul as chamas se extinguirem, mas o fogo de

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todas as criaturas juntas se mantem forte e resistente perante o ataque. - TOLOS! - Uma voz ecoa das costas de Morel ; em uma corrida, o Deus Lobo Vormog impulsiona-se nos ombros da Princesa do Gelo, já que essa mantém uma posição inalterada, a fim de persistir em seu ataque. O Deus Lobo lança-se no ar tomando a forma de um gigantesco lobo azulado com chifres, cuja pele tem entalhado diversas runas desconhecidas. No movimento, Vormog abocanha uma das entidades e com a pata eviscera outra, estraçalhando a primeira antes de tocar o solo. Novas esferas de chamas são lançadas contra o Deus Lobo, mas graças a quebra da união das criaturas da Metrópole Dourada, o poder de Morel as transforma em estátuas de gelo instantaneamente. Vormog devora a criatura que estava em sua boca, em seguida agarra o Destruidor e com um movimento o atira o mais longe que sua força ampliada era capaz, a figura de armadura completa voa até perder-se no horizonte. Em um outro gesto, o lobo gigante cede o dorso para que Morel suba, e quando esta agarra-se em seus pelos grossos, ele dispara em uma corrida veloz, o mais veloz possível que sua forma lupina era capaz.

“...Um era um grande guerreiro, outra era uma princesa e o terceiro era o lobo...”

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Quilômetros de distância, a Princesa do Gelo e o Deus Lobo encontram um rastro de areia profundo, e no fim dele a figura do Destruidor ergue-se em desafio a Vormog, que se aproxima em posição de ataque, mas um iceberg surge entre os dois, a Princesa de Gelo salta do dorso do grande lobo e vira-se para o Destruidor o encarando - Está sem sua arma, em uma terra que não é a sua, perseguido por inimigos que possuem dominância sobre a região; você não possui exércitos sequer aliados...o que faria? - Por um curto momento, as palavras da Princesa fazem sentido, e é possível notar as órbitas do Destruidor diminuírem em chamas. Vormog assume novamente sua forma humanoide, o sangue das criaturas da Metrópole Dourada ainda jaz em sua boca. – Não é possível lutar contra os habitantes da Cidade Dourada, tão próximo de sua morada, ela os cede poderes que os tornam tão poderosos, até para criaturas como nós. –Ele continua – tenho que concordar com a Princesa, Azi B'hemot podem nos rastrear em qualquer lugar da Roda, estando dentro da existência, é uma breve questão de tempo até sermos encontrados pelas serpentes. A Princesa de Gelo cria uma imagem de energias azuis em suas mãos, uma espécie de astrolábio místico, ele se movimenta surrealmente e a faz fitar o horizonte em um arco de visão.

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- Spiritum pode ser atingido por outros pontos, devemos rumar nesta direção – aponta ela em uma diagonal de onde está. – Até a morada dos mortos, vocês terão minha lealdade, mas ela não perdurara mais além. – Diz o Destruidor; dando as costas para seus novos aliados ele continua – se me abocanhar novamente lobo, mastigue o mais forte que puder, pois você desperdiçou uma chance que ninguém nunca teve, ou terá novamente. – Ele completa e Vormog sorri. Tempos de caminhada nas areias escaldantes, a marcha era liderada sempre pelo Destruidor, incansável mesmo trajando uma armadura tão pesada. Seguindo o Destruidor, estava a Princesa de Gelo, envolta em uma fina aura gélida constante, ela parecia estas sempre lutando contra as forças flamejantes do deserto, totalmente contrárias à sua natureza. Seus cabelos alvos, desprendiam mínimos cristas de gelo que se dissipavam assim que se afastavam dela. Cerrando a fila, vinha o Deus Lobo Vormog, com sua pele azul e sua cabeleira emaranhada, desenhos tribais escuros cobriam algumas partes de seu corpo. O sol parecia não o incomodar, e ele farejava o ar constantemente e mantinha-se sempre em estado de prontidão. Nenhuma montanha, árvore ou qualquer outro ponto nítido era notório, a paisagem geográfica era imutável, ao longe o ar tremulava e o deserto parecia sem fim. Não havia noite, apenas a luz escaldante existia ali. Vez por outra, Morel

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sacava seu artefato místico de localização e orientava o trio, que

seguia

initerruptamente

pelas

areias

douradas,

caminhando por tempos imensuráveis; que para padrões humanos chegariam a casa dos séculos, mas para essas entidades o tempo era desconhecido, e a caminhada que desenrolava levara o tempo da construção e queda de milhares de civilizações. Em uma de suas paradas, Morel postou-se a se orientar; ela segura o artefato místico com uma das mãos e com a outra gesticula, fazendo o objeto mexer-se, mas este parecia descontrolado agora fazendo com que a Princesa do Gelo ficasse confusa. O Deus Lobo postou rapidamente seus ouvidos no chão – Esperem...ouço algo...- levantou sua cabeça e farejou o ar, levante-se lobo, olhem – diz em uma voz gutural o Destruidor. Morel ouve o Destruidor e fica catatônica com o que vê. Ao longe no horizonte, uma gigantesca tempestade se formava, cobria uma frente de quilômetros a fio, o que descartava a possibilidade de os faze-los escapar. Trovões vermelhos podiam ser vistos no interior da tempestade, toda a frente do grupo escurecia com o avançar da tormenta, ventos fortes ficavam cada vez mais fortes e levantavam uma quantidade absurda de areia, a cada avanço da tempestade.

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- FIQUEM ATRÁS DE MIM! – Diz Morel , assumindo uma posição defensiva com os braços e irradiando uma barreira de energias enregelantes. Vormog ouve a Princesa do Gelo e o Destruidor permanece imóvel, Morel utiliza suas energias para assumir a forma de uma entidade de ar gélido gigantesca, com formas femininas que envolve toda a área. A medida que a tempestade avança, Morel mistura-se com os ventos e assume o controle da tormenta, aumentando a pressão do centro e diminuindo a temperatura, forçando seus ventos a girarem em sentido horário, desestabilizando a força de gradiente de pressão em seu cerne, dissipando-a lentamente. Após a grande demonstração de poder, A Princesa do Gelo assume novamente sua forma humanoide. Vormog se aproxima da Princesa e parece fareja-la, ela lança lhe um olhar questionador – Você cheira a morte, Princesa – ele responde. O Deus Lobo se adianta alguns passos farejando o ar novamente – A tempestade trouxe o odor do mundo dos mortos consigo, os portões da morte podem estar próximos. – De volta a caminhada, Morel aproxima-se do Destruidor e o indaga: - Você, Portador de Awdun, sabe que não foi somente o meu poder que dissipou a tempestade não sabe? Ela me pareceu um tanto fraca para toda a sua maestria. – Recebendo apenas o silêncio em resposta. Agora liderando a marcha

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estava o Deus Lobo, pois este era capaz de farejar Spiritum, o Mundo dos Mortos. Ao longe avistaram um monte muito alto, único ponto que realmente existia no horizonte. – Lá é Aramesh, o monte da Cidade de Prata, lar de Demiurgo. – Diz o Deus Lobo – Lar do renegado – completa a Princesa do Gelo. – Mas lá não é nosso destino – retifica Morel . – Como adentraremos nos braços da morte Princesa? – Diz Vormog. – O frio traz a morte Deus Lobo, no local onde as paredes entre as dimensões fraquejam, eu poderei abrir um portal, pois também sou uma antiga guardiã destes domínios. – Responde Morel. Subitamente, a Princesa e Vormog parecem se lembrar de alguém que não estava presente, a conversa entre eles fêlos não perceber que O Destruidor ficara um pouco para trás, sua figura, perturbadoramente ágil para seu tamanho, estava lateralmente afastado, postado perante ruínas que passaram desapercebidas. O Deus Lobo aproxima-se e é capaz de farejar um leve cheiro dos mortos. – Este lugar, faça sua mágica aqui Princesa de Gelo. – Diz o Destruidor. – A tempestade deve ter revelado estas ruínas; local de um grande massacre, outrora ocorrido – Diz Morel. A Princesa de Gelo caminha dentre aquilo que foram construções, hoje somente destroços, tentando encontrar o centro do local. Após algum tempo caminhando, sobre rochas semienterradas, Morel agacha-se e com a palma de sua mão

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sobre o solo consegue sentir o fluxo de energia que fluía de Spiritum. Morel começa a desenhar no solo um intrincado símbolo com a ponta dos dedos; círculos, elipses e espirais surgem nas areias através do movimento de sua mão.

“...e os deuses mergulharam fundo; arriscando-se na terra dos espíritos para dar vida, futuramente aos habitantes do mundo...”

Spiritum...a morada daqueles que desencarnaram, ou seja, dos mortos. Uma dimensão superior que engloba todos os mundos da Roda dos Mundos, num quantum energético diferente, noutro contexto espaçotemporal, onde medidas imensuram-se por métodos normais. Vagando pelos ares quintessenciais dessa existência estão Vormog e Morel; inebriados com as impressões multifacetadas que eles experimentam a cada segundo, não pela primeira vez, mas nada que uma criatura - mesmo uma divindade oriunda de dimensões lineares – deva-se adequar, para que seu continuum espaço-tempo compreenda a realidade alienígena a sua volta. Ao longe é possível avistar criaturas que deslizam livremente neste meio; monstros reais antigos, imagens pretéritas de mundos existentes em épocas arcaicas. Sua

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marcha, é embalada por notas monótonas que compõem a Canção das Esferas – a “canção de ninar dos deuses”. Vormog, o Deus Lobo observa tudo isso com encanto e temor, mas Morel é uma velha conhecida destas terras, uma deusa da morte, venerada por deusas da morte oriundas das mais diversas partes da arcádia. – Essas criaturas são antigas...seres que se originaram na aurora de muitos mundos perdidos, e ainda residem aqui, como reflexos vívidos e imortais dessas terras. – Explica Morel. – Spiritum se revela a nós muito mais detalhista do que a olhos mortais. Muitos desses seres, são entidades poderosas e imperceptíveis para seres menos evoluídos; tão poderosas quanto deuses, mas, não mais conscientes que animais. Ao longe, eles avistam a figura do Destruidor pousado sobre uma rocha flutuante a esmo, sem rumo, com seu olhar ele fita o infinito que é aquela dimensão. – Portador de Awdun...acreditamos que tivesse partido... – Diz a Princesa do Gelo. – Vormog, você sabe porque parei aqui...sabe que há algo nos rastreando desde que chegamos – Sim – responde o Deus Lobo, para espanto da Princesa do Gelo. As três divindades permanecem estáticas sobre a rocha, fitando cada um seu raio de visão para perceberem que semivisível, uma criatura surge parcialmente os circundando; espinhos deixam-se a mostra de seu dorso serpentiforme,

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como se o ser nadasse em um mar de águas invisíveis. – Porque não nos ataca? –

pergunta Morel – Ele está nos

seguindo...rastreando nossos passos – responde Vormog. – Vamos ataca-lo logo e acabar com isso!! – Não... – responde o Destruidor – Não se ataca aquilo que não se toca... – diz ele, caminhando próximo a borda da rocha, estendendo sua mão para tocar a criatura, encontrando apenas o vazio. – Você está diante de uma divindade primitiva de tempos antigos Deus Lobo, ele só está curioso... não vamos incomodá-lo – Diz o Destruidor. – Maravilhados com a fauna indizível de Spiritum, Princesa Gélida – diz uma voz sibilante às costas do grupo. O Destruidor põe-se na defensiva, assim como o Vormog, mas diferente deste último, o colosso armadurado salta a fim de encarar a figura misteriosa. – Inútil – Diz ela, subitamente tornando-se translucida, fazendo com que o Destruidor a transpasse. – Achei que sua reflexão fosse válida, Portador de Awdun “não se ataca aquilo que não se pode tocar” não é mesmo? – O Destruidor ruge e seus olhos se inflamam. – O que quer Espectro? – Pergunta Morel a figura. Suas asas murciélagas se abrem revelando uma figura de corpo azul e um elmo com chifres que deixa transparecer apenas sua boca, tendo a imagem de um único olho desenhado onde deveria estar a abertura para sua visão. – Você é Asteraoth, o Maldito...

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– Diz Vormog – Tais epítetos soam um tanto quanto pejorativos, a alguém tão dispostos a guia-los – Responde a figura estranha. – Não queremos seus conselhos víbora, vá!! – Morel faz a rocha congelar, e seus olhos brilham em um intenso azul. – Ah, mas desejam sim...e na verdade, fui enviado aqui para livra-los de seus algozes, enviados por B'hemot, principalmente Tan Kheg, o Impassível, aquele que os mantinha cerceados no tribunal. – Responde Asteraoth – Tan Kheg iria até os confins do Mundo Morto, literalmente, para encontra-los. – Continua... deixando brotar uma risada sonora sinistra. – E, porque deveríamos teme-lo demônio? – Diz o Destruidor em tom austero. As asas acobreadas da figura sinistra assumem um tom vermelho, sua boca serra dentes afiados; com um movimento imperceptível surge a frente do Destruidor, estende sua mão a colocando imaterialmente dentro de seu peito – consegue sentir isso Titã? Seu coração pulsa em minhas mãos agora...chamai-me demônio mais uma vez, e vou guarda-lo para mim, eternamente... – Diz Asteraoth sibilando. O Destruidor agarra a garganta da criatura e aperta, seus olhos são brasas e fogo. – Então que suas mãos sejam mais fortes que as minhas. As mãos amaduradas são poderosas e fortes, e em uma disputa de forças, Asteraoth é obrigado a tornar-se imaterial para se livrar delas. – Chega de ameaças e conversas sem

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rumo...se me seguirem eu os levarei para longe das forças que os caçam...caso contrário eu mesmo os entregarei a elas!! – Por alguns segundos o trio fita friamente a criatura, Vormog faz um gesto com a mão saindo de lado – mostre o caminho então, víbora... –

“...montando feras indizíveis os deuses vagaram pelo mundo dos espíritos a procura das almas dos habitantes; pois eles desejavam dar-lhes vida um dia.…” O grupo agora vaga atemporalmente sobre uma das divindades primitivas domadas por Asteraoth e seus poderes mentais, pois tempo é algo capaz de ser medido, mas não nessas terras. Mundos podem ser vistos ao longe, cores múltiplas os circundam e enchem o Mundo dos Espíritos de espetáculos belíssimos; alguns são dourados como Paradísia, outros prateados como a Terra, mas outros são vermelhos-sangue e rubros mas apenas um, o Mundo Morto, é totalmente negro. Os caminhos escolhidos por Asteraoth levam as tangentes de Infernun, 5º planeta de Satânia, perpendicular aos locais mais decrépitos de Spiritum; local onde as forças celestes temem entrar. – Porque criatura, porque nos traz para próximo a esses lugares – Diz Vormog apreensivo de pé sobre o dorso da fera preambular. – Já ouviu o ditado terreno

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“apenas tolos aventuram-se onde anjos temem entrar” Deus Lobo? – Vormog rosna – não me atenho a tais seres... – Deveria, são interessantes, intrigantes e alguns belos em sua forma... – Diz Asteraoth, sentado à frente, na cabeça do monstro. O homem lobo se aproxima da figura misteriosa... – conte-me sua história então Asteraoth – ele se senta próximo aquele chamado de víbora. – Ele não possui história alguma, ele é apenas aquilo que restou de uma época de guerras, onde seu “deus dos deuses” possuía uma outra faceta mais aterradora... – Diz Morel, A Princesa de Gelo. – Sinto-me honrado que conheces minha história Dama Gélida...mas trata-la assim, a desmerece e a empobrece em sua essência. – Responde Asteraoth. – Então, a engrandeça através de suas palavras, eu beberia embalado por seus contos se pudesse – Diz Vormog de maneira irônica. Asteraoth dirige seu olhar para o Deus Lobo dizendo: – Saiba apenas que os da minha raça não possuem nome ou berço, fomos criados em uma época de guerras para as guerras onde meu Pai desejava vence-las, mas, não encontramos lugar em tempos de paz... – Asteraoth inclina sua face para baixo, e o pesar pode ser sentido em suas palavras. – Vendo a forma como lutou contra o Destruidor, Víbora, imagino o destino de seu Pai, seja lá quem for, nessas guerras... –

Ironiza Vormog. – Talvez

Vormog, talvez o resultado desta contenda não tenha sido

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assim tão óbvio como pensas que foi... – Responde a Víbora fitando o infinito de Spiritum. Ao longe, a trilha negra que o monstro desenha através do Mundo dos Mortos, é guiada por Asteraoth; a iluminação dos mundos ainda pode ser vista, mas é escassa e mostra-se bruxuleante. Algo semelhante a um buraco negro em desenho pode ser visto agora; trovões azul-escuros ribombam no centro desta forma, mesmo na escuridão essa luminescência se faz presente como se surgisse de formas de vida abissais. Um silêncio toma conta do grupo, a própria divindade irracional que lhes serve de montaria afasta seu caminho, temendo se aproximar demais da prisão dos Deuses Negros; o Abismo. O silêncio é quebrado mediante uma farfalhar de asas que acendem daquele lugar decrépito, uma miríade de sombras parece ascender do Abismo, em direção a eles. O Destruidor não mostra nenhuma reação, o Deus Lobo mostra suas garras e suas tatuagens brilham em azul... – Não façam nada... – as duas divindades observam o inerte Asteraoth, paralisado enquanto as sombras voadoras passam sem ao menos notar a gigantesca criatura, tão quanto os quatro em seu dorso. – o que são essas coisas? – Pergunta Morel – São os vigilantes do Abismo princesa...os Anjos das Sombras de Nodens; se você não for uma criatura abissal ou semelhante, estará a salva

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se não os perturbar... – E assim a gigantesca divindade serpentiforme que transporta o grupo adentra mais e mais, descendo nas trevas primevas de Spiritum.

“...eles chegaram em suas serpentes do mundo dos espíritos, carregando nossas almas, para joga-las no solo, para que crescessem os homens como plantas...

Um brilho faiscante é tudo que eles se lembram...

Eles acordam em uma grande campina verdejante e infinita, seus olhos são incapazes de avistar seu fim, apenas montanhas existem no horizonte. O Destruidor levanta-se, avista todo o grupo jogado ao solo, cada qual em seu canto e a gigantesca fera imemorial tombada a sua retaguarda, morta, arquiteta de um grande buraco onde agora jaz seu corpo imóvel. Ele procura mais uma vez algo para fixar sua visão, e encontra, em um pequeno monte não muito longe; uma entidade pequenina parece sentar no topo deste acidente geográfico, mais que depressa ele caminha até ele. Morel levanta-se, com o olhar turvo devido à queda; o céu que ela observa é nebuloso, e a cor predominante é a púrpura – ela não reconhece qualquer lugar assim.

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Vormog desperta sobre a carcaça da fera indizível; seu corpo dolorido leva um certo tempo para se regenerar, mas ele o faz rapidamente. Vormog observa o Destruidor ao longe, sendo seguido pelo voo de Asteraoth e Morel que não está muito longe dele. Ele fita a direção tomada pelos dois primeiros, e também enxerga um pequeno ser sentado sobre um monte, mas não é capaz de fareja-lo. O Destruidor é uma figura assustadora; um monólito armadurado de 2,50m de altura, um elmo que esconde sua face deixando à mostra apenas duas órbitas flamejantes. Mesmo com sua aparência intimidadora, a pequena figura parece não se importar com ele, preferindo permanecer sentado sobre as duas pernas com cascos, observando o horizonte e segurando uma espécie de gorro vermelho nas mãos. O Destruidor agarra o pequeno colete verde que a criaturinha veste, o ergue e fita seus olhos: – Que lugar é esse? – A pequena criatura, sem esboçar reação alguma, traga um tipo de cachimbo – também desconheço meu caro Portador de Awdun. As brasas que orbitam o negrume do elmo do Destruidor arregalam-se, ele solta a pequena criatura e se afasta. – Aconselho esperarmos por seus outros amigos, para então podermos esclarecer certas coisas por aqui – diz a pequena figura, voltando a sua posição inicial. – Não são meus amigos

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criatura... – Ahh, eles talvez não, mas a mulher de gelo...ah ela com certeza o é... – diz a pequena criatura acariciando uma barba branca e longa. O Destruidor tenta se afastar da criatura, mas sente-se compelido a sentar-se; uma vontade surreal, que em nenhum momento o

força,

apenas

lhe entrega

paz;

calmaria esta que nunca sentira em toda a sua existência. O segundo a encontrar o monte, a pequena criatura e o Destruidor é Asteraoth, que pousa a esquerda do misterioso ser meio caprino. Suas asas fecham-se como um manto, seu elmo com chifres observa a pequena criatura... – Não tema Primogêntio, também conheço você; eu sabia que você também viria. – Quem é você? – Pergunta Asteraoth. – Algumas de suas perguntas poderão, e irão ser respondidas, em seu devido tempo; até lá, sente-se comigo, e observe este maravilhoso campo e contemple sua beleza. Vormog metamorfoseado em lobo surge no monte, trazendo em seu dorso a Princesa de Gelo; eles também se surpreendem ao avistarem o pequeno. Vormog aproxima-se da criatura, mas sua forma lupina recebe um afago no focinho, desestruturando qualquer atitude hostil do deus, fazendo-o retornar a sua forma humanoide. – Agora que todos estão aqui, por gentileza, encontre seus melhores locais e sentem-se, para que eu tente esclarecer a

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todos o que acontece – diz a pequena figura, com uma voz amigável, de certa forma até mesmo cômica. O Destruidor já estava sentado à sua direita, Vormog senta-se a sua esquerda; Asteraoth a sua retaguarda e Morel a sua frente.

“...e cada deus tomou um ponto do mundo para si; e dele fez seu lar e reuniu seu povo como seus filhos...” Vocês poderiam observa atentamente o horizonte e dizerem a mim o que veem? – Diz a pequena criatura. – Chega de jogos anão, quem é você – Pergunta o Destruidor de forma austera. Eu tenho muitos nomes cavaleiro, e ao mesmo tempo nenhum, pois todos aqueles que se referem a mim, o fazem pelo nome errado...aqui vocês podem me chamar de criador de montanhas e campinas ou o Senhor das Campinas; simples assim... – Então “Senhor das Campinas” onde estamos? – Pergunta Vormog – Como já respondi ao seu amigo, eu não sei...ainda...mas espero com a ajuda de vocês descobrir... – O Destruidor observa a pequena criatura de maneira atenta e se levanta – Porque o ajudaríamos? – Porque eu tenho as respostas que procuram...mais uma vez muito simples... – Então diga, porque estou aqui? Fui chamado apenas para levar essas criaturas até determinada parte de Spiritum... – Você está

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exatamente onde deveria estar Primogênito. – Responde o Senhor das Campinas a Asteraoth. Vocês estão diante do meu belo jardim meus amigos; cada pedaço que observam agora, cada folha, cada detalhe e árvore eu coloquei onde está, eu criei; mas, como também podem perceber, só há campinas verdejantes, cadeias de montanhas e cavernas...nada mais. – Então, este lugar é seu? E porque não nos diz onde é este lugar? – Pergunta Morel. – Sim, mas sou um simples jadrineiro... e ele não é lugar algum e nem está em lugar algum, até nós o nomearmos e o colocarmos onde deve estar. – Nós? – Responde Vormog, surpreso – Não temos tantos poderes para alterar um mundo pequeno senhor... – Não, caro Deus Lobo, realmente ainda não... – diz o Senhor das Campinas sorrindo, tragando o fumo de seu cachimbo e soltando fumaça pelo seu grande nariz. “... O que eles não sabiam é que o mundo não estava totalmente solitário, mas povoado por bestas colossais que passaram a aterrorizar o povo...”

Vocês podem observar como meu jardim é estático? Do meu sangue e uma rocha fiz as montanhas, as campinas e as árvores e com ele as mantenho, mas não há vento, não há água; o solo é escasso e nas cavernas não há fogo. Esses elementos vagam

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sem rumo; formando vidas concentradas e colossais, guiadas por instintos primitivos, esperando para serem mortas, para originarem uma nova gênese. – Você quer que matemos esses seres? Você quer que tragamos vida ao seu jardim... – Diz Morel curiosa. – Exato – Temos alguma escolha criador de montanhas? – Pergunta Vormog – Essas divindades primitivas guardam a centelha da criação, de posse desse poder, vocês poderão criar o que quiserem... – Até uma saída daqui... – Interrompe o Destruidor. Mas eu garanto meus amigos, quando conhecerem melhor este lugar, vocês irão chama-lo de lar! – Diz a pequena figura, levantando-se e enchendo os pulmões, com os braços abertos fitando o horizonte, depois colocando as mãos na cintura. Pois bem pequeno senhor, onde estão essas criaturas? – Pergunta o Deus Lobo. – Você mais que ninguém pode farejálas, não? – Sim, mas apenas sinto o cheiro de uma... – então o que está esperando? Diz o pequeno. Vormog assume sua forma lupina gigantesca, partindo rumo ao oeste, seguindo seus sentidos superagudos. Se estas criaturas podem me dar o poder de sair deste lugar maldito, então eu irei caça-las... – Diz Asteraoth, mas em seu coração, uma ideia pulsa incessantemente: o que ele poderia fazer se obtivesse todas as centelhas existentes? Mesmo seu elmo obscurecendo sua face, é possível notar um

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sorriso malicioso surgindo. Ele alça um voo que rapidamente rompe a barreira do som, partindo para o sul. A Princesa Gélida realiza mais uma vez um ritual de localização,

mas

sua

instrumentação

mística

parece

desordenada. – Aqui, deixe-me ajuda-la... – o Senhor das Campinas segura a mão de Morel com a mão direita, e com a esquerda ele deixa cair uma gotícula de sangue; o astrolábio mágico de Morel assume uma coloração rubra, e agora ela sabe exatamente para onde ir, partindo no encalço de sua presa. – Não está ansioso para ter o poder da criação para si, Portador de Awdun? – Pergunta a pequena figura. O que um deus da destruição faria com o poder da criação pequeno? – Diz o Destruidor, olhando os integrantes de seu grupo partindo em suas missões. – O manto da destruição é um fardo meu amigo, você o carrega se assim o desejar. Você destruiu todo o seu panteão e a cultura que o adorava; com ela a personificação destrutiva também se foi a muitos eons, mas a escolha é sua; nada se cria sem algo ser destruído, sempre haverá espaço para um deus da criação e para um deus da destruição... – Diz o pequeno senhor, tragando seu cachimbo ao lado do Destruidor. O Gigante armadurado observa profundamente aquele que ele chama de anão, partindo para o leste em seguida.

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“...e foi através desses colossais, que os deuses realmente aprenderam, e se fizeram Deuses...” Asteraoth sobrevoa as florestas e planícies desse novo mundo; sua pele azulada contrasta com os céus róseos do local. Seu elmo dourado oculta seus olhos como punição por algum crime arcaico cometido, mesmo assim, do alto, ele é capaz de visualizar todo o terreno a sua volta a frente e graças a outros sentidos, também a retaguarda, mas não nota nenhum animal pelas redondezas. Obviamente não seria um animal que procura, ao menos assim ele pensa enquanto percorre o caminho escolhido. Pousando sobre um galho qualquer, ele utiliza-se de seus dons e até mesmo sua onisciência é incapaz de rastrear algo. – Como anda a caçada meu amigo? – uma voz surge dos galhos superiores da árvore onde Asteraoth se encontra. – Intrigante...você se aproximou de mim, e não pude senti-lo... – Diz o Primogênito para o Senhor da Campina, que se encontrava agora, sentado em um galho sob sua cabeça. – Digamos que o tempo pode ter feito os seus sentidos falharem meu amigo...ou os meus se aguçarem – Diz o pequeno senhor com um sorriso agradável. – O que caço aqui pequeno? – Com uma gramínea em sua boca, o criador de montanhas e cavernas responde – O Flamejante; eu nunca lhes dei nomes, mas costumava chamá-los de Colossos ou Colossais, não sei

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qual soaria melhor...o que acha? – Acho que você mesmo poderia vencer essas bestas elementais sozinho, mas não o faz devido a alguma lógica inelegível para mim, ainda... – Nem tudo é uma questão de poder meu caro Primogênito; todos aqui já foram conquistadores um dia, no entanto, estão aqui em um jogo do destino pela liberdade, se assim desejarem. – Responde o Senhor da Campina. – O que quer dizer pequeno? –Quero dizer que não importe quanto poder acumule...sempre haverá alguém maior meu amigo, sempre. – Acho que sua presa acaba de chegar... – Diz o pequeno apontando para o horizonte. O elmo de Asteraoth segue a direção apontada pela mão grossa e cabeluda de seu estranho anfitrião, mas o que ele vê é a personificação do próprio sol que parece aproximar-se dele em um constante bater de asas flamejantes; ele procura mais uma vez o pequeno senhor nos galhos acima, para perceber que este já não se encontrava mais ali. Subitamente com um salto e um bater de asas rápido, Asteraoth mergulha em parafuso até o solo, a fim de escapar rapidamente da majestosa e gigantesca criatura de forma aquilina, que vinha em sua direção; ele observa atentamente do solo, procurando algum ponto fraco enquanto o Colosso sobrevoa sua cabeça, mas percebe que ela não desejava atacalo; visto que sequer percebeu sua presença. Ela passa pelas

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copas e todas essas incendeiam-se simultaneamente até que apenas cinzas se desprendam e despenquem ao solo, devido à ausência do soprar dos ventos. Asteraoth concentra-se e, com poderes telecinéticos ele arranca várias árvores daquele vasto campo onde se encontra, e as lança velozmente contra a divindade de chamas; os troncos pesados e grandes voam como flechas pontiagudas, para imolarem-se ao transpassar o corpo da entidade, que não pareceu se importar com o acontecido.

“...já que tais seres poderosos existiam antes da própria vida, eles então não poderiam viver, logo também, não poderiam morrer; eles apenas estavam ali, desde o início...”

Ao Norte da li, Morel Vento de Tempestade atinge as montanhas, e através de seu astrolábio arcano, ela pode facilmente chegar ao local onde a entidade repousa. Tudo que ela vê são rochas, pedras e montanhas, poucas árvores dispersas e gramíneas, mas seu instrumento de localização pulsa em vermelho, acusando que ela havia chegado ao local onde repousa o Colosso. Ela

caminha,

atenta

a

qualquer

movimento,

ouvindo cada nuance, analisando cada detalhe do ambiente. – Já se perguntou, o que uma encarnação da terra, estaria fazendo

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sobre ela? Morel assusta, seguindo a voz que ela reconhece bem, até uma rocha mais alta e lá, pode ver o Senhor da Campina sentado. – Se sabe de algo, porque não me indica a direção correta... não tema, pois o trabalho sujo farei para você! – Diz a Princesa do Gelo, sem desviar o olhar de seu instrumento de localização. – Mas, eu já não estou lhe dizendo Princesa? – Diz o pequeno, deitado sobre a rocha observando o céu sem nuvens. – Não sejas tão hostil minha amiga, logo este jardim será o mais belo em toda Roda dos Mundos. – O Senhor da Campina se levanta e acende seu cachimbo; um odor de ervas é percebido pela Dama Gélida a fazendo lembrar do passado, de dias arcaicos quando era uma divindade em Arcádia. – O que é você criador de montanhas e campinas? – Pergunta ela, abaixando a mão que carregava o astrolábio, fazendo-o desaparecer. – Lhe fiz lembrar do passado não? Estas são ervas-defumo, muito populares dentre aqueles que lhes prestavam honrarias no passado não? – Porque nos trouxe aqui? – Eu os trouxe aqui para ajudarem com meu jardim, e quem sabe recuperarem algo que perderam a muito tempo... O Senhor da Campina deita na rocha nua, da mais uma tragada forte, e lança a fumaça para fora; com uma das mãos sustentando sua cabeça, os pés com cascos cruzados, e o gorro vermelho sobre a barriga ele mantem-se deitado sorrindo,

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quando tremores poderosos o fazem rolar da pedra e o jogam até próximo dos pés de Morel. – Sentiu isso Princesa? – Ele sorri. Morel levanta-se e mais uma vez manifesta seu astrolábio; ele agora aponta para baixo, logo, ela deduz que a entidade esteja no subterrâneo e dever ser algo extremamente poderoso e grande. Morel paira levemente até uma entrada de caverna, onde ela julga ser o caminho para a criatura; começando a descer, cada vez mais para baixo. O negrume é tamanho que qualquer mortal estaria impossibilitado de viver naquela região; as trevas são densas e sufocariam qualquer criatura mortal viva. A medida que desce ela ouve os barulhos se aproximando, tornando-se cada vez mais altos; tremores abalam seu caminho, fragmentos despencam do teto, mas ela continua sua corrida até encontrar o Colosso. Sua visão aguçada, dita divina, é capaz de perceber uma figura rochosa e alta; à medida que caminha, ela resvala no teto e nas paredes daqueles salões, ocasionando os tremores. A besta possui uma forma quadrúpede e corpulenta, sem aparentes olhos, boca ou quaisquer características que o diferenciem de uma montanha que caminha. – Vê, minha querida amiga, sua perna direita? – O Senhor da Campina, subitamente sussurra nos ouvidos da Princesa Gélida. Ela então percebe que ele divide com ela o mesmo canto da parede onde esta se esconde. – Ele...não a possuí – Diz Morel

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observando a entidade. – Possuía, mas tive que pega-la para lapidar tudo onde pisamos e aquilo que enxergamos...agora cabe a você tomar o resto. – Porque ele deveria morrer? – Ele sabe que deve – Diz o Senhor da Campina – O que o faz lutar é puramente o instinto de sobrevivência, nada mais.

“...e foi injusto com os deuses, quando lutaram batalhas que não poderiam vencer...

A leste, o Destruidor foca o horizonte; ele não sabe o que procurar, então ele apenas caminha nesta direção, a esmo, deixando que o destino decida seu futuro. As formações rochosas ao longe parecem se repetir em um intervalo de tempo grande; o mesmo acontece com as árvores e o relevo verdejante. Ele caminha por mais algum tempo, e parece que o padrão do horizonte se altera em uma pequena fração de segundo, o bastante para chamar-lhe a atenção. Após um grande salto, o Destruidor pousa em uma montanha, sendo capaz de observar que o destino o trouxe até aquela que, em sua concepção, seria a representação dos oceanos deste lugar: uma forma cefalópode translúcida, que serpenteia com toda sua majestosa forma no solo; deslizando suavemente sem rumo.

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De imediato ele se lança em um ataque furioso sobre a criatura, que pouco se importa quando a figura armadurada transpassa seu corpo e perfura o solo em quilômetros para baixo da superfície. Em um curto intervalo, o destruidor volta do subterrâneo para mais um ataque sem sucesso. A criatura ainda flui livremente pelo ar, nenhum ferimento fez-se em seu corpo. – Maldita seja criatura! – O Destruidor ergue uma gigantesca e a lança contra a entidade, e o resultado é o mesmo quando aquela se choca contra o corpo fluídico. Os olhos do Portador de Awdun se inflamam, e como teste, ele desfere uma rajada de raios flamejantes contra a entidade; os raios incandescentes são tão poderosos, que cavam uma vala no caminho traçado até o Colosso – o Destruidor firma seus pés com força, fazendo com que estes se enterrem parcialmente no solo e mesmo assim, ele é lançado para trás. Quando o ataque flamejante atinge seu alvo, o Destruidor percebe um incomodo, mesmo que leve na entidade magnânima, fazendo-o pensar o que seria quente o suficiente para realmente causar algum dano aquela divindade; a resposta surge em sua mente de imediato.

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“...mas o lobo, ele é amigo da criação, então ele sabia o que fazer...” Observando as altas árvores que compõem uma pequena parte do jardim do Senhor da Campina, Vormog, metamorfoseado em Grande Lobo observa sua caça, pairando levemente sobre o arvoredo a sua frente. Um imenso ser inséptico

composto puramente de vento

e ar; uma

tempestade revolta lapidada em uma adimirável. Do solo, ele pode ver o quão grandioso é aquela entidade; ele a fita com os olhos de sua forma lupina e pensa que se fossem outros tempos, a eons passados, antes de sua cultura ter sido esquecida, ele teria poderes para obliterar aquele ser instantaneamente. Ele solta um lamurioso uivo, longo e triste, fazendo sua mente remeter a épocas arcaicas da mitologia da Roda dos Mundos. – Creio que em épocas imemoriais, você Vormog era senhor tanto dos homens quanto das feras; estou certo? – Diz o Senhor da Campina, sobre o dorso de Vormog. Ele se contorce como se estivesse se livrando de um incomodo, fazendo o pequeno senhor cair na grama; aos poucos ele retoma sua forma hominídea. – Outrora pequeno senhor, meu uivo atrairia tanto homens quanto animais para próximo de mim; eles me honravam com desenhos em seus totens e sacrifícios de caça para alimentar meu espírito...isso

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foi a muito tempo... – Os mundos estão repletos de deuses caídos meu amigo, e muitos encontram uma forma de se reinventar e renascer. Diz o Senhor da Campina. – Não sei que jogo está arquitetando pequeno, mas se puder ter a chance de correr pelo seu jardim acompanhado novamente de criaturas crentes a mim, você terá minha mais sincera devoção... – o Senhor da Campina se joga de costas na grama e deixa um sorriso feliz brotar em seus lábios ressecados, quase totalmente cobertos pela longa barba e bigodes vermelhos. Vormog levanta-se, colocando-se de pé frente ao pequeno senhor; com suas garras negras ele faz um grande rasgo em seu peito, fazendo com que o sangue verta; ele escorre pela barriga, pernas e embebe o solo. Com dois dedos ele faz desenhos tribais em seu rosto, braços e no chão onde pisa. O próprio Senhor da Campina fica perplexo com o que acontece a seguir: As árvores, a vegetação e o próprio vento parecem responder a convocação do Deus Lobo, enquanto ele recita cânticos em uma língua arcaica e esquecida. Os pés de Vormog agora, são um com o solo, enraizados nele; às árvores acompanham o movimento de seus braços e suas copas, o soprar do vento em sua longa cabelereira negra. O pequeno senhor pode sentir que Vormog não era apenas um deus guerreiro de sua cultura, ele também era uma

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divindade da natureza, que a entendia e a dominava; era um com ela. O Deus Lobo então infla o pulmão de ar totalmente, fazendo

com

que

o

Colosso

se

dissipe

por completo instantaneamente; quando este esvazia seu peito em uma lufada de vento, todo o jardim do pequeno agita-se, banhando pela primeira vez naquele elemento. O Senhor da Campina enche seus pulmões com ar em uma respirada profunda, mostrando grande alegria com o acontecido e sorrindo diz: – Agora meu amigo, vá e renasça! – Diz ele para o Deus Lobo que mais uma vez uiva, mas agora de satisfação fazendo-o ecoar por todo o oeste.

“...os outros que não eram, pobre dos deuses, eles sofreram...”

Uma revoada de chamas engolfa o Primogênito; como Asteraoth é chamado pelo Senhor da Campina. Ele tenta de todas as formas e possibilidades atingir o Colosso: todas elas são malsucedidas. O ser alado manifesta então uma lança de um material dourado, brilhante como o sol, mas logo essa arma se torna azul e brilha, envolta em uma aura gélida e congelante. Acompanhando o voo do ser aquilino de cima, Asteraoth murmura algumas palavras e a lança congela seu braço antes de ser arremessada com fúria contra seu alvo. A velocidade é

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tão grande, que uma barreira de vento é rompida causando um grande estrondo fazendo-a deixar um fino feixe de azul pelo caminho até a ave flamejante. O dardo de gelo transpassa o fogo moldado em pássaro, fazendo-o mudar seu percurso e olhar diretamente para a divindade com asas de morcego. Um soprar poderoso de chamas irrompe na direção de Asteraoth; tantas são as labaredas, que ele tem metade de seu corpo chamuscado por elas, e as queimaduras mantem-se incandescentes mesmo após o fogo se dissipar. – Isso não é fogo, isso é a essência das chamas; um Fogo Primordial, vi isso apenas em épocas arcaicas no Elysium – Ele sorri

observando

suas

feridas.

Subitamente

algo

se

aproxima de sua posição com rapidez, ele fita o objeto e percebe que outra

divindade

elemental

o

segue

tão

rápido quanto. Passando por ele e se chocando contra o solo de modo duro esta o Destruidor, lançado pela criatura formada de águas que enfrentava. Quando pressente o outro Colossal se aproximando, a entidade flamejante muda seu foco, e inicia um bater de asas furioso, em direção aquele ser que representa toda a sua antítese. Asteraoth observa a cena parecendo não acreditar; ele desce até o chão, na cova feita pela queda do Portador de Awdun, quando ele chega até o local, o Destruidor já se levanta.

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– Titã, você trouxe o Colosso até aqui, ótima idéia! – Elogia Asteraoth com um sorriso nos lábios. Recebendo apenas um olhar penetrante das labaredas orbitais que se mostravam dentro do elmo do Destruidor. O céu é dominado por um brilho nunca antes visto; um amarelo e laranja risca a imensidão púrpura, conforme a entidade de fogo recebe golpes de sua contraparte; em contrapartida, inicia,

quando

uma a

chuva

torrencial

batalha

favorece

muito a

forte

grande

se ave

flamejante; o combate é feroz: trombas d’água escavam o solo e formam rios, as faíscas de fogo, nascem dos impactos do Colosso de água contra o de fogo, para se fixarem no firmamento. As duas entidades, esquivam-se dos efeitos colaterais do combate, são atingidos por alguns, mas nada danoso o suficiente para incapacita-los. Com um golpe simultâneo, os dois Colossos parecem ferirem-se mortalmente - ao menos para os dois observadores – o que faz ambos explodirem em um efeito que libera água e fogo ao mesmo tempo. Asteraoth é envolto pelas chamas; seu corpo se incendeia e ele é atirado contra o solo com tamanha força que desce ao subterrâneo sem fim e desaparece. O Destruidor é atingido por ambos, fogo e água, sendo arremessado em um precipício, mas sendo amparado por um oceano que agora existe ali; seu peso é enorme, e o faz descer até as profundezas deste. Como se seu peso não existisse ele

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toca o fundo do mar, para então voltar a terra firme. Ele observa ao redor, pode ouvir cantos de pássaros, ver que alguns pequenos animais correm nos campos. Aquilo lhe intriga, mas agora ele sente que um poder novo corre por suas veias, e a muitos quilômetros de distância ele pode ouvir os gritos de dor de Morel; ele simplesmente pensa na direção norte e na Princesa Gélida, para se manifestar no local, próximo a entrada onde ela havia descido.

“...eles se ajudaram, combateram, se feriram e venceram...”

O Destruidor adentra aos salões subterrâneos onde Morel Vento de Tempestade consegue congelar toda a personificação do elemento terra de todo um mundo, mas, isso ainda não é o bastante para acabar com a entidade colossal, que agora, teve sua atenção atraída pela Princesa do Gelo. Ele ataca não só tentando pisoteá-la, mas toda a terra e rocha ao redor conspiram para destruí-la, obedecendo-o, até que subitamente, teto e chão do local se fecham sobre a divindade tentando esmaga-la. O Destruidor, agora dotado do poder da criação cria uma lança forjada de ventos, e atira no solo próximo a Morel; ela, em meio a muitas toneladas de rocha sólida e terra, pode ver a figura do Portador de Awdun observando o combate, da

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entrada por onde ela descera. Ela utiliza suas poucas forças para deslizar para fora da armadilha mortal criada pelo Colosso, antes que ele a esmagasse. Prostrada sobre o solo, ela arrasta-se até a lança de vento fincada no chão; próximo a ela jaz uma arma, semelhante a uma lufada de vento forjada em formato pontiagudo, fincada de forma que a própria rocha a evita, escavando uma cratera. Ela tenta agarrar a arma, mas é interrompida por um grande golpe do Colosso que faz toda a região tremer e desmoronar; ela então fita o Titã armadurado que a observa ao longe, sem expressar reação alguma. Morel salta sobre o monólito de rocha, criando várias cópias de si mesma, a fim de ludibriar a criatura, e obtém sucesso.

A

entidade

de

rocha

e

terra

desfere

um

poderoso pisão contra Morel, mas escolhe errado; a verdadeira Princesa Gélida agarra rapidamente a arma de vento deixada pelo Destruidor. Munida da arma, Morel atravessa o corpo da deidade colossal com um só golpe, liberando o poder do elemento terra sobre o mundo, e adquirindo a dádiva da criação para si.

“...e um Rei, retirou sua Rainha das garras de uma besta...”

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Morel e o Titã de armadura saem do subterrâneo, ela se apoia nele, e ele lacônico, apenas permite que ela se firme em seu corpo, mas, a espera em cada passo vagaroso que dá rumo a saída. Sem uma palavra, ambos deixam o local para perceber como o jardim havia mudado; pássaros e cervos caminhavam e voavam, a água fluía em rios, o vento soprava balançando as madeixas alvas de Morel e um ou dois vulcões podiam ser vistos em montanhas remotas, distantes. O céu deixou a púrpura inicial para assumir uma tonalidade azulada, com nuvens densas e carregadas de chuva. Uma grande esfera de fogo paira agora no alto, herança deixada pelo Colosso flamejante caído, cujo espírito agora velava por todos aqueles que viviam naquele mundo. Os aromas florais agora inebriavam seus sentidos, eles os sentiam enquanto contemplavam o horizonte, e então puderam chamar aquilo de serenidade; algo que nunca sentiram antes. O caminhar das duas divindades levou-os ao encontro de outras criaturas, uma nação delas; eles imediatamente associaram aqueles seres aos Humanos do Plano terreno e prontamente foram tomados pela fúria; o Titã destruidor deixa a Princesa Gélida sentada no solo gramado calmamente depositada por aquelas mãos que carregavam a nulificação de toda uma gênese. Ele caminha ameaçadoramente a fim de confrontar aqueles seres. – Praga... – murmura o Destruidor enquanto

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carrega seus olhos com um olhar calcinante. – Detenha-se Portador de Awdun – Diz o pequeno Senhor das Campinas, tocando calmamente a lateral do corpo do Destruidor com a mão direita, enquanto a esquerda ele leva até seu cachimbo. O Titã faz a luz flamejante de suas órbitas acalmarem-se e então ele desvia seu olhar para o dono de todo o jardim onde pisa. – Eles não possuem nome – Diz o Senhor da Campina caminhando até os apavorados humanoides a frente do trio divino. – São vida acordada neste mundo, vê como eles nos observam? Eles os temem, com medo e veneração; são nada mais que recém-nascidos desprotegidos a procura de um acalento; a proteção de um pai... – Ele estende a mão próximo da figura desprezível, aos olhos do Destruidor, e ela se recolhe protegendo-se, enquanto os demais procuram abrigo na mata e nas rochas caídas. O Destruidor observa aqueles à sua frente, não com os olhos flamejantes da fúria, mas agora, ele caminha calmamente até aquele próximo ao Senhor da Campina, que inacreditavelmente observa o Titã com admiração; ele põe-se de pé e fita as órbitas incandescentes do gigante armadurado, flutuando em um elmo sinistro, à mais de dois metros de sua cabeça. Morel sente compaixão por aquelas pobres criaturas; ela estende sua mão na direção do Destruidor. – Não os destrua Portador de Awdun – A figura gira seu elmo para a Rainha

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Gélida, e por algum tempo apenas o soprar do vento ouve-se naquele local – um vale entre duas montanhas. O Titã volta a fitar a figura humanoide e, subitamente segura

seu

elmo

com

as

duas

mãos

e,

com

um

esforço hercúleo, ele o retira; um estrondo de metal se desprendendo pode ser ouvido e quando a peça deixa sua cabeça, madeixas de cabelo cinzento correm por seus ombros até o meio das costas, ele então solta o elmo que, com um estrondo atinge o solo e enterra-se até a metade. O Titã volta a olhar para a Rainha Gélida; seu rosto possui barbas e um longo bigode também grisalhos; ela o observa com ternura e um sorriso surge em ambas as faces. O Destruidor caminha até o humanoide, e admira a bravura da criatura quando ela não recua; ele então coloca uma de sus mãos sobre a cabeça do pequeno dizendo: – Eu não serei seu deus criatura; eu serei seu Pai... – a mão desce até o ombro – Eu também serei seu Rei – a mão do Destruidor desce até as mãos do humanoide, e ele segura em dois dedos do Titã enquanto aquele ajoelha-se... – eu também serei seu amigo. Ao ver a cena, os demais humanoides sorriem pela primeira vez e o medo os abandona, e mesmo sem ter noção do acontecido, eles comemoram. O Titã levanta-se e diz – De hoje em diante, irei construir a maior nação desta terra, a terra de Astren e vocês, astrenianos, homens livres; meu povo e meus protegidos. Ele

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dirige-se então até Morel, a toma nos braços e, sem oposição a beija. – Minha rainha – ela sorri, retribuindo o gesto. Ambos procuram o Senhor da Campina, mas aquele em algum momento desaparecera, sem deixar vestígios.

”...e eles deram origem ao povo branco da terra de gelo do Oeste...” O Leste fora tomado por um gigantesco bosque de árvores com copas vermelhas e troncos com desenhos rúnicos. Adentrando seu interior, um trono vivo, forjado naquele formato sustenta Vormog eu seu acento; o Deus Lobo agora possui um manto negro e peludo que cobre seu corpo, mas este prefere andar desnudo, como sempre o fez. O bosque é tomado por inúmeros animais; aves, mamíferos e insetos, mas, no centro deste, próximo ao trono de Vormog, apenas os lobos gigantes que ele mesmo esculpira de sua carne se aproximam. – Como criar vida a minha imagem pequeno, preciso que me diga como? – Vormog diz sem desviar a atenção dos lobos que se posicionam a seus pés, deitados. De suas costas o Senhor da Campina caminha até a frente do Deus Lobo, acaricia uma de suas belas criações – Você já a criou meu amigo; esses são vidas inteligentes, cada uma a sua maneira... – Não! – Interrompe Vormog – Quero que sejam

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como a mim, que possam lutar, correr, e serem livres como eu. – Eu não sei, mas posso dizer que nem toda a vida precisa ser criada, as vezes ela só precisa ser lapidada... – Enigmas demais pequeno anão. Os olhos de Vormog podem observar sombras que se aproximam de seu trono. O Deus Lobo havia criado humanoides lupinos, esculpidos dos lobos que criara e de seu sangue; estes ele havia chamado Mac Tíre, os Lobos Homens. Instintivamente, os Mac Tíre começaram a atacar os humanoides que se aproximavam, e mataram alguns, mas foram impedidos de destruir a todos por Vormog que deixou que aqueles seres se aproximassem. Ele então observa as criaturas e se levanta; seu manto é longo e é arrastado pelo solo com pompa. Ele se aproxima dos humanoides e eles fogem, mas os Lobos Homens os cercam. Eles se agrupam em um amontoado no centro dos Mac Tíre, e estes dão passagem a Vormog, seu senhor. – Se estarem comigo, jamais precisarão temer novamente esses seres...eles estarão com vocês, viverão com vocês e para vocês... – Diz o Deus Lobo. Os seres humanoides parecem entender o que a divindade de cor azul fala, temerosos eles arriscam aproximarse das criaturas assassinas que vitimaram muitos de sua espécie algum tempo atrás, e estas prostram-se submissas a eles; o Deus Lobo consente com um aceno positivo com a cabeça. – De agora em diante, meus filhos serão os senhores do

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cão, do lobo e da minha natureza e ela irá servi-lo e eles a protegerão. Vormog leva todo aquele povo até um lago cristalino próximo dali; os Mac Tíre formam um corredor conduzindo os humanoides até o local. Vormog adentra o lago e corta seus pulsos, deixando o sangue fluir em cascata, tornando as águas, outrora límpidas, em águas vermelhas e sangrentas. Os humanoides adentram também aquelas águas rubras, se banham e a bebem; subitamente adquirem certos comportamentos animalescos, que remetem aos lobos; características estas que fazem daquele povo um povo selvagem, assim como aquele que os bestifica. – Vocês serão meu povo, o povo selvagem; eu os chamo Ruari, seu símbolo será a runa circular e a garra, para que se lembrem daquele que lhes entregou a dádiva da natureza um dia. Aqueles homens ali, agora eram homens selvagens, gritavam vorazmente e uivavam como seu deus.

“...e o deus lobo criou os homens selvagens do Leste...”

No subterrâneo, uma entidade jazia no solo; sua queda flamejante havia detonado as chamas no interior do mundo e ele, com isso, havia acordado inúmeras criaturas humanoides que agora se levantavam e caminhavam para a luz do dia, para

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a saída do inframundo. Sua coloração celeste, era agora negra; sua pele escura, possuía fendas vermelhas incandescentes. Ele abre suas asas, e a chama ao fundo quase é ofuscada pelas sombras que ela irradia; seus olhos agora podem ser vistos, já que sua pena fora destruída juntamente com a dourada armadura que portava. Ele vê as criaturas bípedes caminharem em transe para longe, cambaleantes e sem rumo. A visão daqueles seres remete a imagens passadas em sua mente, visões de guerra e conquistas, de sangue derramado, de dor e ira; quando seu próprio Pai abandonou o senhor de seus exércitos, aquele que realmente fora criado a sua imagem e semelhança no vazio do tempo, apagando até mesmo seu verdadeiro nome da história do Tudo. Ele infla seus pulmões e desfere uma baforada de chamas primitivas sobre aquelas pobres criaturas, nulificando seus corpos instantaneamente. Ele esvazia seus pulmões em fogo, até que não reste nada vivo a sua volta. Ele se prostra de joelhos, ofegante, observando o chão e com o peso amargo do ódio sobre suas costas. Ele ouve passos a sua retaguarda, e com sua asa ele golpeia fortemente a esquerda; a garra que possui neste membro é tão afiada que fende o chão, errando seu alvo, que era nada mais nada menos que o diminuto Senhor da Campina.

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– Primogênito...eu não esperaria nada melhor de você... – Diz o pequeno senhor sorrindo e observando a figura feita de fogo e sombras.

“...mas no Sul, aquele que fora criado para guerrear e matar, fazia seu reino de morte e chamas...”

Escrito por Bernard Coutinho, baseado em uma campanha de RPG do Sistema Daemon que se iniciou com o Módulo Básico comum em partidas esporádicas, em 2009 e graças a publicação do Trevas: Campanha Épica, terminou em 2012. Talvez eu continue até o fim da campanha... Qualquer dúvida bercoutinho@yahoo.com.br

Agradecimentos ao meu grupo de RPG, Macumba (Destruidor), Tilão (Vormog) e em memória de Donão (Morel), fique em paz amigo.

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