Comemorar África na Universidade de Évora

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EXPOSIÇÃO

JACIRA DA CONCEIÇÃO PEDRO DA CONCEIÇÃO OBRA DE HOMENAGEM A ÁFRICA TCHOM BOM

da terra viu nascer. do mesmo chão 25 MAI 2022 | 16H00 Até 25 AGO 2022 NÚCLEO EXPOSITIVO Corredor da Sala das Belas Artes

Centro do Mundo - Octógono

Colégio do Espírito Santo Universidade de Évora 1


FICHA TÉCNICA Título | COMEMORAR ÁFRICA | da terra viu nascer. do mesmo chão Edição | SBID – Serviço de Biblioteca e Informação Documental Universidade de Évora Produção e Coordenação Editorial | Rute Marchante Pardal Textos | Eurico Correia Monteiro, Jacira da Conceição, Leão Lopes, Pedro da Conceição, Rute Marchante Pardal, Vlademir Silva Revisão Textos | SBID – Serviço de Biblioteca e Informação Documental UÉ Design Gráfico | Divisão de Comunicação UÉ Curadoria Exposição | Coletivo Jacira e Pedro da Conceição/SBID – Serviço de Biblioteca e Informação Documental UÉ Curadoria de Imagem | Rute Marchante Pardal Créditos das Fotografias | Tiago Fróis, Pedro da Conceição e Rute Marchante Pardal Edição de Imagem | Tiago Fróis Execução e Montagem da Exposição | Jacira e Pedro da Conceição/SBID – Serviço de Biblioteca e Informação Documental UÉ Transportes | Serviços Técnicos UÉ Contactos Gerais | SBID – Serviços de Biblioteca e Informação Documental Universidade de Évora, Largo dos Colegiais, 2. 7004-516 Évora Telefone dinamização cultural SBID | 266 740 813 E-mail | din-cultural@bib.uevora.pt 2


Agradecimentos| Agradecimento, por parte dos artistas, à Universidade de Évora, e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros | Embaixada de Cabo Verde em Portugal, pela oportunidade de concretização da obra de homenagem a África e a Cabo Verde. Especial agradecimento ao Senhor Embaixador da República de Cabo Verde em Portugal Eurico Correia Monteiro, ao Senhor Ministro Plenipotenciário e Coordenador do Centro Cultural da Embaixada da República de Cabo Verde em Portugal José Maria Jesus Tavares Silva, e aos Senhores Presidentes do Município do Tarrafal e da Cidade da Praia (Cabo Verde). Agradecimento à Senhora Diretora do Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa Ângela Barbosa, e ao Senhor Reitor Leão Lopes do M_EIA Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura de Mindelo | S. Vicente Cabo Verde. Agradecimento, por parte dos artistas, à Professora Teresa Veiga Furtado e aos docentes do Departamento de Artes Visuais e Design da Escola de Artes da Universidade de Évora. Agradecimento, por parte dos artistas, ao Senhor Vereador da Cultura e Arte da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo Henrique Lopes, ao Senhor Diretor Técnico do Cineteatro Curvo-Semedo e ao Técnico Superior do Gabinete de Animação Cultural da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, Carlos Olivença, e Rúben Costa, respetivamente. Agradecimentos à Olaria e Coração, a Ana João Almeida das Oficinas da Cerâmica e da Terra e à OCT- Oficinas do Convento de Montemor-o-Novo, à Mestre do Telheiro da Encosta do Castelo de Montemor-o-Novo Mafalda Rosário, e ao Mestre Oleiro José Miguel Figueiredo da Olaria Talha, Herança e Tradição. Agradecimento, por parte dos artistas, aos amigos, Tiago Fróis, Hank Duke, Gonçalo Neves, Sofia Novais de França e Vadinho Nsumbo, aos vizinhos João Bolila, Magda Guimarães, Catarina Romano, e a Sofia Rodrigues da Câmara Municipal de Lisboa. A todos um caloroso agradecimento, em particular, à Família, aos Pais de Pedro, Ilídio Pedro da Conceição e Mª Augusta da Conceição, à Mãe e Avó de Jacira, Mª da Conceição e Augustinha Borges, e aos filhos, Orpheu da Conceição e Briza da Conceição. Agradecimento, por parte dos SBID, a Vlademir Silva, Coordenador do Projeto de Cabo Verde na UÉ, e a todos os estudantes envolvidos na programação das comemorações de África 2022, na Universidade de Évora.

O presente Catálogo foi publicado por ocasião das comemorações do Dia Mundial de África, no dia 25 de maio de 2022, com a inauguração da obra de Homenagem a África, “Tchom Bom” e Mostra Expositiva “da terra viu nascer. do mesmo chão”, da autoria de Jacira e Pedro da Conceição, nos espaços do corredor de acesso à sala das Belas Artes dos SBID-Serviços de Biblioteca e Informação Documental, e no Centro do Mundo - Octógono, no Colégio do Espírito Santo da Universidade de Évora. Evento cultural que contou com a participação dos estudantes africanos da UÉ e da Associação de Estudantes de Cabo Verde UÉ – Projeto de Cabo Verde na UÉ.

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ÍNDICE

da terra viu nascer. do mesmo chão COMEMORAR ÁFRICA

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de oportunidades nascem lendas e referências! Eurico Correia Monteiro | Embaixador de Cabo Verde em Portugal

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do pote ao etéreo. JACIRA Leão Lopes | Reitor do M_EIA Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura do Mindelo | S.Vicente Cabo Verde

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Tchom Bom OBRA DE HOMENAGEM A ÁFRICA

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o centro do mundo UMBIGO DA UÉ

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as guardiãs do umbigo (centro) do mundo MOSTRA EXPOSITIVA

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NOTAS BIOGRÁFICAS

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PROJETO CABO VERDE NA UÉ

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da terra viu nascer. do mesmo chão COMEMORAR ÁFRICA No Dia Mundial de África1, dia em que a Academia presta uma homenagem ao continente africano e a toda a sua comunidade de estudantes africanos, procuramos dar o nosso contributo para o aprofundamento e reflexão da importância do legado histórico de África na contemporaneidade, naquelas que são as multiplicas significâncias da diáspora. Nesta homenagem incidiremos sobre o território da República de Cabo Verde, uma vez que os artistas, com os quais estabelecemos um diálogo inicial, cruzam estes dois mundos do Atlântico. Portugal e Cabo Verde. Contudo, a vontade de homenagear e comemorar África é bem mais extensa, e vai alémfronteiras, para lá de cidade(s) sem muros nem ameias2. Uma homenagem que parte do cruzamento cultural entre Cabo Verde, que nos chega através da Academia, e o resultado duma engrenagem cultural, que nasce do cruzamento entre Jacira, uma artista ceramista, escultora e filha da terra-mãe-Tchom Bom, e Pedro, um artista escultor, realizador e aluno do 2º Ano do Mestrado em Práticas Artísticas da Escola de Artes da Universidade de Évora. No contexto de um diálogo que surge desse cruzamento, entre a contemporaneidade lusófona e sua diáspora, entre a língua oficial e os seus diferentes crioulos, entre a identidade, com as suas diferentes tradições religiosas ou outras, e as suas práticas culturais; pretendemos dar voz à multiplicidade de identidades culturais africanas, que complementam e acrescentam o diálogo intercultural dentro da Academia. Nesse sentido, a obra de homenagem a África, Tchom Bom, e a mostra expositiva, da terra viu nascer. do mesmo chão, da autoria de Jacira e Pedro da Conceição convidam à partilha e à reflexão que resume, em parte, a condição e a alma de dois artistas que se unem pela fusão de duas culturas, e um matrimónio.

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Celebrado a 24 de maio de cada ano civil. Parte do refrão da música de José Afonso, Utopia, do álbum "Como se fora seu filho”, de 1983.

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Fotografia de Rute Marchante Pardal

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Jacira, cidadã cabo-verdiana, e Pedro, cidadão português, cruzam assim a dialética do olhar com o saber-fazer, daí resultando a simbiose entre dois Estados que projetam o nascimento e o futuro na sua própria criação. Uma sequência natural que evidencia um trabalho com profundas ligações à terramãe, à olaria tradicional de Cabo Verde, e que emerge de uma contemporaneidade que assenta em valores e na força da tradi(cria)ção intercultural, e que potencia o que de melhor a Arte, a Cultura, o Artesanato e o Design sabem fazer. da terra viu nascer. do mesmo chão e Tchom Bom são um tributo e uma ode à Cultura, à Arte e à Mulher Africana que do mesmo chão, o de Portugal e o de África, viu nascer os filhos que outrora plantou, semeou e carregou no ventre do mundo. As obras que os dois artistas nos apresentam subjazem à ideia de que a identidade tem muito que ver com a forma como o outro olha para nós, forma pela qual a pessoa passa a identificar-se e a definir-se com a identidade com a qual o outro nos define. Mas, estas não são de todo estanques. Nem as obras, nem a identidade, uma vez que são um legado de ancestralidade pura e genuína, mas são acima de tudo a força de uma criação, e de uma transformação que apela à essência e não se verga aos céus. Pelo contrário, com brandura e determinação, elevam-se e louvam os céus da terra que os viu nascer. Concretizam-se, pois, numa profunda ligação orgânica que só faz sentido no atual contexto, no tempo do presente, no tempo onde, precisamente, é possível criar e reclamar um tempo de trabalho, e deslocar essa ideia de que a criação artística se carateriza por algo que o outro define para nós. Aliando a promoção à excelência, no âmbito global da interculturalidade, à Universidade de Évora acresce uma responsabilidade social, no que à articulação, e integração pela vida e sua pluralidade, diz respeito. Nesse sentido, comemorar África é mais do que uma comemoração simbólica, sendo, também, uma comemoração literal que nos exige colocar perante uma atenção e um compromisso permanente, seja este no melhor acolhimento possível aos tantos estudantes internacionais africanos, que todos os anos nos chegam, seja na melhor experiência de vida que estes adquirem, ao aqui frequentarem os seus diversos graus de ensino superior. Procuramos, desse modo, e estabelecendo pontes, contribuir para uma homenagem que eleve, não apenas, os aspetos relacionados com uma boa receção e acolhimento dos tantos jovens estudantes que todos os anos partem do vasto continente africano e, em particular, dos países membros dos PALOP, e vêm estudar para a Academia eborense; como, também, contribuir para um reforço das diferentes leituras e narrativas sobre as possíveis e diferentes diásporas, que aqui cruzam culturas e identidades, e nos mostram um pouco mais de si. 5


Imagem disponível em https://vestibular.mundoeducacao.uol.com.br/enem/dicas-sobre-historia-Africa-para-enem.htm

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Nesse sentido, comemorar África na Academia, reforça a nossa responsabilidade para cuidarmos, não apenas, de todas as questões relacionadas com as pretensas de uma melhor integração e adaptação académica e cultural possível, como passa, também, pelo reforço das questões relacionadas com a empatia e o diálogo intercultural. Diálogo esse que, na realidade, é, em parte, reforçado pelo próprio lugar da construção do saber e da narrativa coletiva, tendo em conta que na Academia se produz e se efetiva o conhecimento científico. Ou seja, comemorar África é comemorar também o diálogo intercultural, que procura, precisamente, reforçar esses lugares de disputa das diferentes narrativas coletivas sobre África, e sua diáspora. Por esta razão, é urgente fornecer os instrumentos necessários para que o alcance das diferentes narrativas coletivas integre as diferentes leituras e abordagens de todos os estudantes, de forma a que a epistemologia do saber se posicione perante as novas construções do conhecimento científico. Não menos importante, se considerarmos que a epistemologia precede, sempre, o conhecimento humano e científico produzido, tendo em conta que esta reflete e valida uma natureza, e justifica, portanto, desse modo, a própria construção do saber3 . Considerando os números dos estudantes internacionais africanos na UÉ, percebemos que são bastante expressivos, uma vez que o número total é o de 964 alunos inscritos no presente ano letivo 2021/2022, dos quais 883 são de países membros dos PALOP. Destes, a maior comunidade de estudantes africanos é a de Cabo Verde, num total de 345 alunos, seguidos de 271 alunos da Guiné-Bissau, 117 de Angola, 106 de S. Tomé e Príncipe, e 44 de Moçambique. Já os restantes países que não são membros dos PALOP somam um total de 81 estudantes.

. "Não existe modelo de verdade que não reenvie a um tipo de poder, nem saber que não exprima ou implique um efetivo poder em vias de realização”. In DELEUZE, Gilles (1987) Foucault. Lisboa, Veja. 3

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Nacionalidade Angola Argélia Benin Burkina Faso Cabo Verde Camarões Chade Egipto Etiópia Gana Guiné Guiné-Bissau Líbia (Jamahiriya Árabeda) Marrocos Moçambique Nigéria São Tomé e Príncipe Senegal Tunísia Total inscritos em 2021/22

Não PALOP

PALOP 117

7 1 2 345 32 1 3 6 1 4 271 2 8 44 12 106 1 1 81

883

Total inscritos em 2021/22 117 7 1 2 345 32 1 3 6 1 4 271 2 8 44 12 106 1 1 964

Informação cedida pelo Gabinete de Apoio aos Serviços Académicos da UÉ

Atendendo ao elevado e maior número de estudantes cabo-verdianos inscritos no presente ano letivo 2021/2022 na UÉ, não poderíamos deixar de salientar, nesta homenagem a África, o incrível trabalho comunitário e académico que Vlademir Silva, Doutorando em Bioquímica pela Universidade de Évora, tem desempenhado junto da Associação de Estudantes de Cabo Verde, que preside, liderando o PCVUÉ - Projeto Cabo Verde na UÉ4. Também ele, com a sua ação junto da comunidade de estudantes cabo-verdianos (e de outras nacionalidades), procura acrescentar um pouco mais de valor à vida comum de cada estudante que chega à UÉ. Um valor que muitas vezes é acima de tudo solidário, mas que noutras é bastante concreto e estruturante, uma vez que no arranque de cada novo ano letivo, no corredor da casa de Vlademir, pernoitam muitos dos seus colegas por não terem onde dormir nas primeiras semanas, após a chegada a Évora para o arranque de mais um novo ano letivo. 4

Projeto que visa contribuir para a promoção e desenvolvimento da República de Cabo Verde 8


Fotografia de Rute Marchante Pardal

O nosso desejo é o de que a presente homenagem a África possa refletir uma permanente atenção para a situação dos estudantes africanos da UÉ, e que possa contribuir para a projeção de um território e de um continente livre na sua ação, e nas suas escolhas e interpretações, com a promessa de um futuro despojado de “ismos”, os mesmo que os tempos da modernidade insistem em fazer perdurar. Para um futuro, dentro e fora da Academia, despojado de paternalismos, anacronismos, racismos e discursos de ódio contra a humanidade, colocando-nos a todos perante a evidente importância da vida na sua mais ínfima totalidade, de modo que, com profundidade e humanidade, possamos compreender as falhas e as contradições dos sistemas e, ao serviço de instrumentos e metas, repensar, e transformar o amanhã. Rute Marchante Pardal Évora, abril 2022 Dinamização Cultural SBID - Serviços de Biblioteca e Informação Documental UÉ 9


De oportunidades nascem lendas e referências! A olaria cabo-verdiana continua a ser uma atividade dominada pelas mulheres da qual Jacira da Conceição é fruto, herdeira e uma das embaixadoras. A criatividade da Jacira da Conceição reflete a sua vivência, dá continuidade ao passado tradicional e projeta-se no futuro, tecnicamente mais evoluída e modernizada. Portugal é o País onde mais esta filha de Cabo Verde está a afirmar-se nesta arte e a reconfirmar a pujança da cultura cabo-verdiana. Jacira da Conceição, que trabalha em parceria com o companheiro, o também artista plástico Pedro da Conceição, têm-nos brindado com peças que atestam que do encontro de culturas resultam expressões artísticas novas, sem perder a essência das culturas das quais resultam. À Embaixada de Cabo Verde em Portugal e ao CCCV – Centro Cultural de Cabo Verde, criado e gerido por esta Missão Diplomática, coube o importante papel de serem um dos primeiros palcos onde estes artistas plásticos tiveram a oportunidade de expor a sua mestria artística. No início de 2020 o CCCV acolheu a exposição “Da saudade do sal da terra”, para de seguida, por ocasião do 5 de julho, a Embaixada inaugurar uma peça de relevado destaque no seu hall de entrada. Ambas as iniciativas tiveram na sua base não só o reconhecimento da importância que a matriz cultural de raiz tradicional tem para a comunidade cabo-verdiana, mas também a valorização e a divulgação da cultura e dos artistas de origem cabo-verdiana. A cultura que é ela própria o “barro” que une toda a Diáspora cabo-verdiana espalhada pelos quatro cantos do mundo, porque onde bater um coração cabo-verdiano, Cabo Verde nunca é esquecido, seja num prato da tradicional cachupa, seja na imagem de um binde esculpido em barro.

Eurico Correia Monteiro Lisboa, abril 2022 Embaixador de Cabo Verde em Portugal

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Fotografia de Pedro da Conceição 11


do pote ao etéreo JACIRA A recente surpresa de minha descoberta — Jacira — e antes dela a cerâmica que ela dá à luz, ainda me confronta. E me conforta com grande alegria, pela dupla descoberta. Um caso raro no contexto da criação plástica, cabo-verdiana, um caso que poderia não surpreender pela origem da criação de que Jacira simboliza: uma tradição das ilhas que reporta ao neolítico e que cá veio parar a bordo de caravelas e que ainda aqui resiste pelas mãos e pela alma de mulheres que souberam preservar memória tão longínqua. Mas que surpreende. Primeiro porque foi a cerâmica que descobriu Jacira e lhe entregou nas mãos e na alma a missão de continuar o testemunho de séculos de humanidade e de história encalhada nas ilhas; segundo porque ela a assumiu como ninguém; com garra e determinação de que seria essa a parte que lhe caberia enquanto mulher, enquanto criadora e criatura. Uma bênção. Que vem sublimando em cada pote que lhe sai das mãos e que já não precisa de se justificar para além do etéreo; em cada abstração de si que se petrificam e se impõem como monumentos erigidos ao céu com terra, ar, água e fogo. O princípio do mundo, o princípio de nós. A cerâmica de Jacira não fala. Não questiona. Está aqui. Como a ilha. Que está no seu lugar, contudo, inquieta. Porque desafiando-nos a sentir, prende. Para além da forma que mesmo sendo pote é outra coisa. É alma de pote, é história de mulheres, é a humanidade na sua insularidade, é elevação. Perante a escultura cerâmica de Jacira não há espaço para trazer à tona: pastas, técnicas de modelação, temperatura de cozedura, engobes, vidrados e outros recursos que utiliza. Mas, sim, espaço para nos oferecer o silêncio, o convite à meditação. Tchom Bom, a escultura que aqui se apresenta fala-nos ainda de mais que isso. De um lugar. De mãos e histórias de mulheres; de memórias e histórias de sofrimento de tantos homens que lá estiveram e de tantas outras mulheres que os esperaram, sem regresso. Num tempo ido, mas que teima presente na memória dos que lhe sobreviveram. Como Jacira. Num tempo que se fez liberdade, abril e julho. Que, todavia, deixou cicatrizes. Para lembrar. Apenas isso: para lembrar. Mas também para celebrar, hoje. Com Tchom Bom. Com a cerâmica e a escultura de Jacira. Orgânica, visceral, porque lhe vem de dentro. Forte, terna, sensual, matricial.

Leão Lopes Mindelo, 5 de maio 2022 Reitor do M_EIA Instituto Universitário de Arte, Tecnologia e Cultura de Mindelo | S. Vicente Cabo Verde 12


FICHA TÉCNICA

Título Tchom Bom Dimensões 3,00 m Materiais Cerâmica e engobes 13


Tchom Bom OBRA DE HOMENAGEM A ÁFRICA “O sagrado pode se manifestar a partir de qualquer coisa, uma pedra, árvore, astros, ou até em uma pessoa, é algo diferente, como se ficasse fora da nossa realidade revelando algo que tira a condição do objeto transformando-o em outra coisa e ao mesmo tempo continuando a ser ele mesmo, para o religioso a manifestação do sagrado encontra-se no centro do mundo, como uma orientação de um ponto: “Na extensão homogénea e infinita onde não é possível nenhum ponto de referência, e onde, portanto, nenhuma orientação pode efectuar-se, a hierofania revela um “ponto fixo” absoluto, um “Centro”. (Eliade M. O Sagrado e o Profano, Livros do Brasil, lisboa, 1992, p.17)

Conceber uma escultura ou um conjunto escultórico é sempre um desafio. Muito delicadamente quando se trata de cerâmica. Esta, tem tudo a ver com o tempo cronológico e com o tempo que tarda a criação, cumprindo operações e técnicas, até à conclusão final, decidida entre obra e autores. Pensar no nascimento da cerâmica e da sua íntima relação com o gesto, o signo e o tempo. Reconhecer no barro um suporte ancestral para a escrita, veículo transitório entre o som, o fonema, sílaba, palavra e a frase. Pensar na matemática, no cálculo como primeira forma de escrita, na invenção do algarismo. Pensemos na necessidade de transformar sons em sinais. O vento leva as palavras, o mesmo vento, ou talvez outro, também as traz. São compostas por som, as palavras ditas, as escritas são de barro. O ar é o canal por onde se deslocam as palavras, o barro é a matéria que dá corpo ao gesto. A nossa relação com a cerâmica acontece maioritariamente a dois. Sozinhos muitas vezes. Uma aprendizagem que coincide com a descoberta de nós mesmos, enquanto homem e mulher, dois artistas e uma vida em comum, aprendendo em conjunto. O barro é unidade, é criação e partilha, é ancestralidade. Desde logo convida ao contacto com a matéria, que é terra, água, ar e fogo, contendo em si todas as possibilidades formais ou informais, numa disponibilidade criativa ilimitada. 14


Tchom Bom é o nome de um lugar, uma vila no concelho do Tarrafal, na Ilha de Santiago em Cabo Verde. Foi em Tchom Bom que nasceu Jacira da Conceição. Tchom Bom é um lugar onde o chão é bom fértil, onde existem campos agrícolas, onde o ex-campo de concentração se tornou símbolo de lutas e resistência, de independência e liberdade, de vida e da possibilidade de questionar, de aprender e criar. A escultura leva também esse mesmo nome, Tchom Bom, ou Chão Bom. Esse mesmo Chão, de onde provém a terra que é barro, modelada pelas mãos dos artistas, se faz obra e se torna sentinela entre mundos, entre o chão que se deixa no pretérito e o chão do qual se faz nascer o futuro. A obra escultórica Tchom Bom constitui essa presença comum, funcionando como um eixo, um centro do mundo, recebendo os alunos que pela primeira vez chegam ao espaço de conhecimento que é a Universidade de Évora. A figura antropomórfica, de escala superior à humana, de braços abertos, carregando sobre a cabeça todos os sonhos, aspirações, emoções e esperanças de uma juventude (africana) que é futuro, que é o próprio sentido da vida, representando a capacidade humana de encontrar o caminho da sabedoria, da paz e do amor, mesmo quando longe da proteção de África, da terra mãe. Tchom Bom contêm em si uma abordagem auto etnográfica, onde as suas formas incluem arte africana e objetos vernáculos, desde uma perspetiva feminista. Representa uma mãe, uma amiga, um local de representatividade negra, uma segurança e afirmação identitária. É uma escultura preocupada com a marginalização das mulheres negras, reenquadrando as suas experiências como centrais para a sociedade. A escultura Tchom Bom é um trabalho criado na subjetividade feminina negra, com maior interesse nas complexas interações entre várias vertentes da história africana e universal. Atribuir visibilidade ao aluno africano, dar-lhe o seu lugar de fala, o seu espaço de ação, a sua casa. Tchom Bom é uma mulher, mas também uma casa. Uma casa nossa, que transcende raça e género, para dar voz, como um lugar de ancestralidade e conexão à terra que viu nascer. O chão bom de África, ou seja, Tchom Bom como metáfora, como poema, como ilha, como guardião do acesso livre à individualidade do aluno africano e da aluna africana, na sua relação metafísica com o mundo.

Jacira da Conceição e Pedro da Conceição Montemor-o-Novo, maio 2022

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o centro do mundo UMBIGO DA UÉ O Centro do Mundo, sob uma cúpula-lanterna octogonal do século XVIII, do período barroco, reúne um espaço muito simbólico, com alusões, nos seus painéis de azulejos, aos Quatro Elementos do filósofo e pensador pré-socrático grego Empédocles, que representam o Ar, a Terra, o Fogo e a Água1. É um lugar que traduz uma alternância entre os espaços cheios e os espaços vazios, por onde entra uma luz vinda das janelas de cima da cúpula, aludindo aos céus. O centro do mundo invoca a conexão cósmica entre o Céu e a Terra, entre o céu e o inferno, entre o mundo celeste e o mundo geográfico, entre o alto e o baixo e, de certa forma, alude também ao verdadeiro prazer intelectual dos Jesuítas, que advinham das interpretações e do reconhecimento que retiravam do significado escondido nas imagens, pela sua transmissão de uma ideia alegórica e metafórica. Sob o domínio do ensino Jesuíta, e sob a égide do seu método pedagógico, empreendido pela Companhia de Jesus durante duzentos anos (1559-1759), era frequente utilizar as imagens, como meio metafórico e simbólico para desenvolver a memória, a matéria e os conceitos, com os alunos nas salas de aulas. Estas são interpretações metafóricas que nos levam a interpretar a matéria do universo com os seus quatros elementos, guiadas pelos anjos que nos Brasões seguram e representam os Quatro Elementos celestes de Empédocles, e que nos conduzem a outras quatro entidades, terrestres: a Água (que alude à Cidade de Évora), o Ar (que alude à Companhia de Jesus, a quem foi confiada a Universidade de Évora, em 1559), a Terra (que alude à figura do Cardeal D. Henrique, Fundador da Universidade de Évora), e o Fogo (que alude à Casa Real Portuguesa). Nesse sentido, o centro do mundo reveste-se, simbólica e metaforicamente, de um significado histórico que remete para o projeto educacional da Companhia de Jesus, génese da Academia Jesuíta Eborense, e do qual se extraí o termo, axis mundi2, como se de um umbigo, centro do universo se tratasse. Termo, aliás, também amplamente difundido por conceitos mitológicos de cariz religioso, encontrado nalgumas culturas e religiões ancestrais que utilizavam as práticas xamânicas, ou outros sistemas de crenças animistas, e que viam no centro a Chama para o Sagrado. No fundo, como o foi a própria Cidade de Évora Quinhentista, no contexto do Renascimento Manuelino em Portugal, que concentrou o saber e o poder régio e eclesiástico num mesmo edifício e num projeto de vida e de ensino, para o mundo.

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Segundo Mircea Eliade: “Todo Microcosmo, toda região habitada, tem um Centro; isto é, um lugar que é sagrado acima de tudo”3. Sendo este um lugar especial na Universidade de Évora, que reúne metaforicamente a conexão entre o Céu e a Terra, alicerçada num possível conceito mitológico de omphalos/ umbigo do mundo ou do cosmos do mundo, como Mircea Eliade, na década de 1950, lhe chamou, não poderíamos deixar de o escolher, e nele depositarmos a crença de que o umbigo do mundo, ao contrário do narcisismo4, pode ser de facto a chave para o autoconhecimento com comiseração, uma chama viva de pessoas e de conhecimento, de lugares e de afetos, que de tão longe e inatingíveis estão, parte de nós se tornam.

Rute Marchante Pardal | maio 2022

MENDEIROS, José Filipe (2002) Os Azulejos da Universidade de Évora, Edição Évora: Universidade de Évora, e AAVV (2011) Colégio do Espírito Santo -Guia Histórico, Edição Évora: Universidade de Évora. 2 “Em algumas culturas é simbolizada como a Árvore do Mundo, que liga a parte superior e os mundos inferiores. Outras culturas visualizam a Axis Mundi como uma coluna ou pilar. Ainda assim, outros a descrevem como uma montanha cósmica. Em muitos casos, a Axis Mundi é simbolizada através de templos, cidades e palácios. Diferentes culturas representam a axis mundi por diferentes símbolos, como uma montanha, uma árvore, uma videira, uma coluna de fumaça ou fogo ou até mesmo uma torre, uma escada, um totem, um pilar, uma torre etc. Aqui estão algumas interpretações deste símbolo místico.” Acessível em: https://ograndejardim.com/2015/11/04/axis-mundi-o-grande-eixo-entre-as-dimensoes/ 3 ELIADE, Mircea (trad. Philip Mairet) (1991) “Simbolismo do Centro” em Imagens e Símbolos. Princeton. p.39 4 Que é o amor de um indivíduo por si próprio ou por sua própria imagem, uma referência ao mito de Narciso. Reza a lenda que Narciso, segundo a mitologia grega, era um belo jovem que despertou o amor da ninfa Eco. Mas, ao rejeitar esse amor ficou condenado a apaixonar-se pela sua própria imagem refletida na água. Narciso acabou por cometer o suicídio por afogamento. Posteriormente, a mãe Terra converteu-o numa flor (que é o narciso). 1

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as guardiãs do umbigo (centro) do mundo MOSTRA ESPOSITIVA O conjunto Guardiãs do (centro) umbigo do mundo, é composto por quatro esculturas, organizadas em torno de uma peça central. São imagens dos elementos primordiais do mundo antigo ou clássico, como propõe Isidoro de Sevilha1 no responsione mundi et de astrorum ordinatione. O conjunto possui propriedades mágico-simbólicas, representando quatro silhuetas antropomórficas femininas e um pote sagrado. Cada guardiã, ocupa-se de uma função sacerdotal, ao portar oferendas simbólicas para o umbigo (centro) do mundo: a terra, o ar, o fogo e a água mantêm purificada a energia vital da universidade e do universo que se encontra concentrada nesse umbigo (centro). Torna-se necessário preparar esse espaço por onde descende o conhecimento, a matéria subjetiva que transforma o etéreo em saber, em vida, em experiência anima mundi. A finitude da vida humana, exerce sobre o ser uma necessidade de transcendência, de expansão, possível através do simbólico, do artístico, da elevação do espírito. O estudo, a aquisição de conhecimento, o aumento da consciência para uma dimensão universal, são atributos da universidade e da arquitetura que a materializa. Quatro figuras femininas protegem e consagram o umbigo do mundo, em forma de pote, é a entrada para o divino, para o espírito santo, ou como na Grécia antiga, no oráculo de Delfos, o ponto equidistante de todas as coisas deste mundo. Em Cabo Verde, quando nasce uma criança, enterra-se o seu umbigo perto do lugar onde nasceu, para que nunca perca o seu centro, a sua referência no mundo. O corpo é de terra, modelado por memória de chuvas passadas, metáfora da experiência implícita e explícita de liberdade e fecundidade. A liberdade do sustento e a criatividade do gesto. A chuva chove, a terra abre, a semente germina, a vida acontece, a paisagem transforma-se regenerada, ao Jardim das Hespérides2 acede-se através de tímidos caminhos, onde o verde substitui o ocre da terra. A metamorfose cromática das ilhas e do corpo também ele ilha. Somos ilhas habitando outras ilhas. O corpo terra a água espírito … Jacira da Conceição e Pedro da Conceição Montemor-o-Novo, maio 2022

Isidoro de Sevilha (c. 560, Cartagena - 4 de abril de 636, Sevilha) foi Arcebispo de Sevilha durante três décadas e foi considerado pelo historiador do século XIX Montalembert como sendo "o último académico do mundo antigo". 2 O Jardim das Hespérides remete-nos para a mitologia grega, considerado a casa-morada das suas ninfas. Resguardado por um dragão, ou nalguns casos pela imagem de uma serpente, o autor Michael Stapleton, no seu livro The Illustrated Dictionary of Greek and Roman Mythology, definiu-o como um jardim habitado pelas deusas primaveris, donas do Jardim das Hespérides (as Hespérides que representavam o espírito fertilizador da natureza), que personificam o final da tarde, nessa transição entre o dia e a noite. 1

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FICHA TÉCNICA

Título O umbigo (centro) do mundo Dimensões 1,83 cm Materiais Cerâmica e engobes 19


FICHA TÉCNICA

Título Água Dimensões 1,83 cm Materiais Cerâmica e engobes 20


FICHA TÉCNICA

Título Fogo Dimensões 1,80 m Materiais Cerâmica e engobes 21


FICHA TÉCNICA

Título Ar Dimensões 1,75 m Materiais Cerâmica e Engobes 22


FICHA TÉCNICA

Título Terra Dimensões 1,80 m Materiais Cerâmica e engobes 23


NOTAS BIOGRÁFICAS

JACIRA DA CONCEIÇÃO Nasci há 32 anos na localidade de Tchom Bom, Ilha de Santiago, Cabo Verde. A minha atividade como escultora, teve início na relação que estabeleci com a comunidade de Oleiras da localidade de Trás di Munti, no concelho do Tarrafal, do qual sou natural. Primeiro comecei por fazer pequenas coisas, a ganhar conhecimento através do contacto com a matéria. Depois, acompanhando as atividades anexas à cadeia operatória da olaria tradicional, cheguei à minha primeira ideia, e, dessa ideia, criei a minha primeira peça, ainda dentro da Olaria tradicional, mas com características distintas. Pensei e senti que poderia expandir as formas tradicionais, atribuindo-lhes outra dimensão e, assim, proporcionar novas leituras, e acrescentar outras vozes. Estas novas dinâmicas foram fundamentais para desenvolver o meu pensamento. Descobri a importância de acrescentar algo, não como uma rutura, mas como crescimento, expansão e desenvolvimento. Maturidade, talvez. Deste modo, iniciei os meus primeiros projetos individuais e coletivos, em conjunto com artistas que passaram pelo Centro de Artes e Ofícios no Tarrafal, o qual era dirigido pelo meu companheiro e também escultor Pedro da Conceição. Em 2009, viajei com o Pedro pela América do Sul durante um ano em bicicleta, onde conheci e contactei com múltiplas formas de expressão, muitas culturas e muitos lugares diferentes. Essa experiência criou em mim um novo espaço de questionamento, aumentando o meu interesse pela criação, pelo mundo e pelas pessoas, alcançado uma dimensão nova e multicultural. 24


Vivi durante dois meses na comunidade Quilombola, formada por descendentes de escravos africanos. O Quilombo tinha o nome de Itamatatiua e era um lugar onde a olaria era uma atividade importante. Aí conheci outras oleiras, que me ensinaram as formas e as técnicas específicas da olaria do Quilombo. Considero que estes foram dos dias mais lindos que experienciei até hoje, e ainda mantenho contato com aquela comunidade. Quando cheguei a Portugal, já havia vivido dois anos neste país, estabeleci-me, e constituí o meu atelier. Este período, que ainda continua, trouxe vários convites e muitas exposições. Trabalhei e criei esculturas e outras peças para várias entidades cabo-verdianas, como a Embaixada de Cabo Verde em Portugal, o Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, o Centro Cultural de Cabo Verde em Lisboa, o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, o MNAC - Museu Nacional de Arte Contemporânea, e vários outros espaços culturais. Hoje, depois de ter trabalhado e acumulado experiências durante estes anos, sinto a necessidade de regressar à origem das minhas técnicas, e trabalhar em conjunto com as oleiras, para contribuir e expandir as nossas tradições e fomentar o diálogo intercultural, funcionando como um canal de comunicação e representação das relações entre o lugar onde vivo, que é Portugal, e o lugar da minha naturalidade e de origem dos saberes, que fundamentam a minha prática artística como escultora. A importância de materializar novas formas de olhar o nosso próprio trabalho, desde o cruzamento a que me tenho proposto fazer, é fundamental para desenvolver, criar e atualizar os relacionamentos culturais, contribuindo para que a cultura seja dinâmica, multidisciplinar, transnacional, horizontal e que promova uma prática de descolonização e de igualdade entre os seres humanos. Um encontro entre países acontece, sobretudo, no encontro entre pessoas, entre artistas, e desses encontros surgem as narrativas que obrigam a contemporaneidade a se reescrever, não mais e apenas com um único polo criativo, mas como um espaço diverso, onde todos possamos contribuir para o estado da arte, quer em Portugal, quer em Cabo Verde. O meu trabalho pode ser entendido como uma dança de várias pessoas, onde estamos todas de mãos dadas. Atualmente, vivo em Montemor-o-Novo, Portugal, com a família e acredito que se consigo aprender, também consigo fazer e, se consigo ambas as coisas, então tenho tudo o que preciso para continuar a minha caminhada, ser independente e responsável para poder olhar o futuro de frente, futuro esse que sairá das minhas mãos e da minha vontade, porque faço sem esperar nada em troca, faço porque gosto e sou feliz assim.

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PEDRO DA CONCEIÇÃO

Pedro da Conceição é realizador de cinema, ceramista escultor e poeta. Um verdadeiro caminhante, viajou pelo norte de África entre 1999 e 2003, conhecendo e aprofundando estudos sobre as confrarias sufis da religião muçulmana, especialmente no Egipto e em Marrocos. Em 2004, viajou para Barcelona, onde estudou cinema documental na Academia Internacional de Cinema da Catalunha, permanecendo na cidade catalã até julho de 2006. Nesse mesmo ano visita Cabo Verde pela primeira vez, tendo-se instalado no Tarrafal de Santiago para se dedicar ao estudo da cultura material do lugar de Trás di Munti e, entre 2006 e 2009, realiza vários filmes etnográficos sobre a comunidade local. Em janeiro de 2009 funda, juntamente com um grupo de pessoas, o CAO - Centro de Artes e Ofícios de Trás di Munti, no Concelho do Tarrafal de Santiago. Sempre curioso, aprendeu cerâmica com as mestras oleiras de Cabo Verde e com a escultora Virgínia Fróis, escultora e ex-docente da FBAL Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Portugal.

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A Arqueologia, a Antropologia e o Cinema, funcionam como ferramentas de entendimento no seu processo criativo, para o ajudar a alcançar novas formas e novos conceitos. A cerâmica é o fundamento da sua obra em escultura. Entre 2009 e 2010 decide partir à descoberta da América Sul, numa viagem de bicicleta pelo continente. Visitou sete países e percorreu mais de 12 mil quilómetros na companhia de Jacira da Conceição, escultora que conheceu em Trás di Munti, e com quem viria a casar. Na América do Sul, estudou e recolheu exemplos da cultura material e imaterial dos lugares por onde passaram. No Brasil, tiveram a oportunidade de passar algum tempo no Quilombo Itamatatiua, descobrindo as formas e técnicas de olaria utilizadas pelas mulheres locais. O seu trabalho artístico baseia-se sobretudo nas relações que estabelece com as comunidades que vai conhecendo, procurando expandir técnicas, formas e ideias existentes na cultura local. Vive atualmente entre Montemor-o-Novo, e exerce as funções de coordenador e programador do Cineclube & Filmoteca Municipal de Montemor-o-Novo, do qual foi o fundador.

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PROJETO CABO VERDE NA UÉ

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O Projeto visa, essencialmente, apoiar os estudantes cabo-verdianos em Évora, e tem desempenhando um papel cada vez mais determinante no recrutamento e na integração dos alunos cabo-verdianos na Universidade de Évora. Tem vindo a dar um forte contributo no esforço de qualificação do ensino superior na Universidade de Évora, com reflexos diretos para Cabo Verde, contando já com centenas de alunos de Cabo Verde oriundos deste Projeto (cerca de 250 alunos), desde a sua criação em 2017. Nos últimos anos, sobretudo, desde a entrada em vigor do Estatuto do Estudante Internacional, a Universidade de Évora tem vindo a reforçar o seu posicionamento ao nível internacional. O número de estudantes cabo-verdianos na UÉ tem vindo a ganhar terreno, quando comparado com outras Universidades e Politécnicos em Portugal, fruto de uma excelente parceria de cooperação entre o Projeto Cabo Verde na UÉ e a Universidade de Évora. Esta estratégia deve continuar, e ser reforçada para garantir o aumento da competitividade global e consequentemente o aumento dos alunos internacionais na Universidade de Évora. O apoio é basicamente destinado em todas as fases académicas do aluno. Desde o recrutamento de alunos cabo-verdianos, candidatura, matrícula e inscrição. Com a chegada do aluno ao território português é também facultado todo o apoio no tratamento de questões de ordem burocrática, quer junto da Embaixada de Cabo Verde, como em Portugal (SEF, Finanças, Centro de Saúde). O apoio estende-se, também, na promoção do acolhimento, alojamento e integração dos novos estudantes, e no apoio aos estudantes em situações especiais, quer ao nível académico, quer ao nível pessoal. Prestamos, também, todo o apoio necessário para as candidaturas aos concursos para as bolsas de estudo e de investigação, concedidas pela UÉ, e no apoio e acompanhamento em todo o processo de ensinoaprendizagem, com vista a contribuir para a melhoria do ensino e formação académica. O projeto promove, igualmente, a realização de workshops na UÉ para a partilha de experiências, e dinamiza o núcleo alumni da Universidade de Évora em Cabo Verde, com a oferta de cursos intensivos de línguas (principalmente inglês), e a oferta de um cabaz alimentar para os mais carenciados. O Projeto quer contribuir para o desenvolvimento de Cabo Verde, apostando na formação (principalmente nos cursos que não se encontram disponíveis em Cabo Verde), e na qualificação de quadros no exterior, tendo como um dos pressupostos o regresso definitivo dos mesmos ao País de origem. Vlademir Silva Coordenador do Projeto Cabo Verde UÉ 29


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