PAVILHÃO DA MULHER
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS Centro de Ciências Exatas e Tecnologias Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Campinas, 2019
Trabalho Final de Graduação Projeto: Pavilhão da Mulher Orientador: Prof. Dr. Claudio Manetti
ENTRE
Orientanda: Bianca Silva Pereira
CIDADES
Dedico aos meus pais, Carlos e Mariza, por tudo que enfrentaram para que eu pudesse chegar aqui e construir quem eu sou hoje e por serem meu exemplo de força. Ao Gustavo e meus melhores amigos que acreditaram em mim nos dias mais difĂceis.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador e amigo, Claudio Manetti, por todos os debates, reflexões e ensinamentos que me fizeram pensar do projeto para a realidade.
João Ricardo Mori e Roberto Alfredo Pompeia por compartilharem suas experiências e conhecimentos para a compreensão estrutural do meu edifício.
Aos meus amigos de grupo do TFG (e vida) - Isabela, Emmanuelle, Vitor, Marina, Julia, Mariana, Thays e Marcela - que encararam este desafio lado a lado e realizamos um trabalho admirável.
A todos os amigos que projetaram comigo em cada aula destes 5 anos e que, sem dúvidas, deixaram tudo mais leve e contribuíram em muito do que sei hoje sobre a minha arquitetura. Ao corpo docente da PUC-Campinas por toda a minha formação como arquiteta e aos amigos e tutores durante minha trajetória no PET Arquitetura e Urbanismo por todo o conhecimento extra que me proporcionaram.
Aos professores que acompanharam todo o processo de avaliação do meu projeto, Monica Manso Moreno e José Luiz R. F. Grieco, por todas as discussões pertinentes que me levaram a refletir e projetar. E à professora Patricia Rodrigues Samora pelas Por fim, aos membros da banca ricas referências que agregaram avaliadora Luis Eduardo Loiola na minha arquitetura. de Menezes e Thiago Carneiro Amin por participarem desta moAos arquitetos Lucas Lavecchia, mento tão importante.
S
U
M
Á
R
I
O
1. Resumo...............................08 2. Introdução...........................09
CAPÍTULO I: O N D E ?
3. Contextualização do projeto segundo o Plano Urbano.........13 4. Contextualização do projeto segundo seu entorno................16
CAPÍTULO II: OS IDEAIS
5. O desenvolvimento do partido.................................19 6. As razões do programa.....22
CAPÍTULO III: O PROJETO
7. Desenhos técnicos............25 8. Sistema estrutural: madeira laminada colada.....................34 9. Perspectivas........................38 10. Conclusão.........................45
CAPÍTULO IV: A N E X O S
11. Quem são estas mulheres?..........................47 12. Bibliografia .....................48
1. RESUMO
8
A mulher carrega em sua história cicatrizes do machismo de uma sociedade que, infelizmente, ainda não foi totalmente curada. Feminicídios, abusos, estupros e todos os mais cruéis tipos de violência ainda acontecem pelo simples fato de sermos mulheres. Desta forma, em todas as instâncias da sociedade, devemos lutar para derrubar juízos que trazem a mulher para posição de inferioridade, fraqueza, objetificação. A arquitetura também deve lutar. Assim nasce o Pavilhão
da Mulher: um espaço voltado para elas. Para serem livres dos mais diversos bloqueios que são colocados em suas vidas injustamente. Um lugar onde elas podem viver, fugir de quem as ameaça ou machuca, podem se orientar, aprender, respirar, debater, empreender, divertir. Um projeto, não apenas arquitetônico, mas social para aliviar a dor daquelas que não tem para onde fugir ou que perderam suas forças. Um projeto que nasce da dor - infelizmente - mas que pode curar.
Malala. Fontes: fotografia por Simon Davis; estampa por Flora en Casa
2. INTRODUÇÃO O trabalho desenvolvido pelo grupo que traz os Estudos de Barreira do Eixo Oeste Metropolitano: Plano Urbanístico de Reestruturação do Setor Osasco nos trouxe inúmeros questionamentos e revelações sobre a realidade das cidades brasileiras a partir do estudo desenvolvido na Região Metropolitana de São Paulo. Pudemos perceber o quanto as barreiras físicas e socioeconômicas podem influenciar na dinâmica dos espaços e impactar com as diferentes realidades separadas por elas. A partir da elaboração do Plano Urbano, revelou-se uma necessidade de projetos que também trabalhassem com as barreiras, pois a arquitetura pode não apenas transpor rios, muros, rodovias, ferrovias, mas também pode vencer barreiras sociais. Diversos são os temas que podem originar projetos em prol dos direitos humanos, sejam eles pelas diferentes etnias, cores, classes sociais, sexualidade, gênero, crenças... E este projeto, como partido, tomou para si a luta das mulheres. 9
A violência doméstica, o assédio físico e psicológico, as ameaças, as restrições no mercado de trabalho, os padrões esperados pela sociedade e outros inúmeros obstáculos e medos são recorrentes na vida das mulheres ainda nos dias de hoje. E mesmo com todos os direitos já conquistados pelo gênero, ainda temos muita luta pela frente. Ao lado, são apresentadas algumas, das milhares de estatísticas que comprovam a desigualdade de gênero e os diversos pesadelos enfrentados pela mulher brasileira no dia a dia. Desta luta surge a ideia do Pavilhão da Mulher, um espaço de encontro, debate, aprendizado e acolhida, onde as mulheres convivem e aprendem umas com as outras, se empoderam, fogem. O intuito é misturar as diferentes idades, realidades, rotinas que se unem em uma só para empoderar, seja em um abrigo para sair de casa, para obter apoio, ter aulas de educação artística, aprender em palestras e debates, vender suas produções ou comprar de outras mulheres, ter oportunidades e formação profissional.
10
POLÍTICA
7,1%
mulheres em cargos ministeriais do governo brasileiro.
10,5%
parlamentares mulheres no governo brasileiro.
Fonte: Estatísticas de gênero, IBGE, 2018.
TRABALHO / SALÁRIOS Mesmo apresentando níveis educacionais mais altos, as mulheres ganham, em média
76,5%
do rendimento dos homens.
Fonte: Estatísticas de gênero, IBGE, 2018.
VIOLÊNCIA
97%
das mulheres brasileiras já foram vítimas de assédio em transporte público.
606 casos por dia
de lesão corporal dolosa em contexto de violência doméstica e familiar no Brasil.
Fonte: 12° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2018.
“Ao longo do tempo, passamos por processos que separaram os homens da vida. Por privilégio, interessantemente, os homens ganharam poder mas, esse poder se deu através de separação. Separação da natureza, deles mesmos, da família e da comunidade. (...) As mulheres continuaram a ser relacionadas com a vida - o que não era chamado de trabalho. Mas, esse era o verdadeiro trabalho: de manter e reproduzir a vida.
O Pavilhão da Mulher busca devolver a vida àquelas que geram a vida. Um espaço onde elas possam respirar em paz longe de tudo que as machuca, seja de seus agressores físicos e psicológicos, da rotina, do trabalho, da sociedade, dos padrões. O projeto busca, através da arquitetura, acolher a mulher e seus problemas cotidianos e conscientizá-la da luta que a trouxe até ali.
E com a tarefa de realizar essas centenas de trabalhos, as mulheres se tornaram experts multifuncionais. E é por isso que digo: no que se refere à vida, as mulheres são experts. Não porque nossos genes e biologia nos fazem assim, mas porque nos deixaram para cuidar do sustento da vida, nos tornando especialistas para construir uma ponte para o futuro, às considerações de como manter a vida neste planeta. Essa sutilidade é o que as mulheres foram capazes de nutrir e continuar. E agora é hora de as mulheres redistribuírem isso à sociedade.” VANDANA SHIVA 11
CAPÍTULO I: ONDE? 12
3. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO SEGUNDO O PLANO URBANO O Plano Urbanístico no qual o Pavilhão da Mulher está inserido traz uma discussão aprofundada sobre os diferentes tipos de barreiras e seus impactos nos mais diversos contextos urbanos. Resumidamente, o estudo se inicia na Região Metropolitana de São Paulo, por toda a complexidade e importância que tem no país, a partir de estudos de casos dos limites entre suas cidades. A partir destes, o desenvolvimento do plano se deu nos municípios de Barue-
Waris Dirie. Fontes: fotografia por Sarah Lee / Eyevine; estampa por Flora en Casa
ri, Carapicuíba e Osasco, a fim de enfrentar barreiras como a Rodovia Castelo Branco, o Rodoanel Mário Covas, o Rio Tietê, a linha da CPTM (ferrovia) e as diferenças socioconômicas da região que resultam em espaços totalmente segregados entre cidades e intra cidades. O Plano trouxe soluções a partir, principalmente, de modais de transporte: um VLT e um BRT que buscam melhorar a conexão dentro da região e desta com o restante da RMSP. O Plano Urbano pode ser desenvolvi-
do, finalmente, no Setor Osasco, onde foram encontradas as maiores problemáticas com relação às barreiras: uma “ilha urbana” isolada pelas duas rodovias de Classe 0 e o rio, uma área de preservação no meio da cidade e um grande índice de vulnerabilidade social. Dentro de toda a complexidade da região, o Pavilhão da Mulher faz parte do eixo que tenta recuperar a importância da “ilha urbana”, além de estar inserido no projeto do Parque Fluir nas bordas do Tietê.
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Primeiro objeto de estudo: RMSP.
Segundo objeto de estudo: cidades de Barueri, Carapicuíba e Osasco do Setor Oeste da RMSP - desenvolvimento do plano.
Plano Urbanístico do Setor Osasco desenvolvido pelo grupo.
Fonte: mapas e base desenvolvidos a partir de imagens aéreas do Google Maps.
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MAPA DE INSERÇÃO URBANA
Norte Osasco Norte Osasco
Centro Osasco
Carapicuíba, Barueri
No objetivo de recuperar uma porção urbana que ficou isolada pelas rodovias e rio, foi proposto um eixo de projetos que se inicia no Pavilhão da Mulher, a sul do Tietê, sobe passando pelo Centro Esportivo A|L e finaliza no Conservatório Livre Ritmo em Movimento. Além disso, um projeto de recuperação da borda do Tietê, o Parque Fluir, completa o eixo estrutural da “ilha”, proporcionando uma nova paisagem e fazendo a conexão com outros projetos do Plano Urbano. A implantação do Pavilhão da Mulher se dá em uma nova área de urbanização também proposta na intervenção. Sua localização é estratégica para a segurança daquelas que frequentam o edifício, principalmente as que se abrigam nele, de maneira que não esteja diretamente ligado com vias de grande fluxos, mas tenha fácil acesso pelos modais de transportes. Desta forma, facilita o acesso do público não apenas de Osasco, mas de outras cidades da RMSP, de modo a romper barreiras Norte-Sul, Leste-Oeste.
Sul Osasco Sul Osasco Eixo de Projetos da “Ilha”
Estações CPTM mais próximas
CPTM
Estação BRT mais próxima
BRT VLT
Estação VLT mais próxima
Fonte: base desenvolvida a partir de imagens aéreas do Google Maps.
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4. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROJETO SEGUNDO SEU ENTORNO Deve-se sempre reconhecer a importância de um contexto urbano no processo de elaboração de um projeto para que este cumpra todas as funções desejadas. A arquitetura está implanta naquele espaço para alguém, para uma cultura, para um objetivo. Por tanto, seu espaço depende da dinâmica urbana em que se insere para funcionar corretamente. No Pavilhão da Mulher, este reconhecimento se iniciou a partir de todos os estudos da RMSP até o Plano Urbano desenvolvido no Setor Osasco. Neste edifício, alguns fatores foram decisivos para a arquitetura final e muito destes estão no entorno imediato. Tais influências desenharam cada acesso, forma, altura e espacialidade do programa para melhor funcionalidade visando também o público que frequentará aquele espaço, como ele chega até ali e quais seus motivos para estar ali. Como já foi mencionado, o Pavilhão da Mulher se encontra inserido na área do Parque Fluir e, por isso, tenta aproveitar ao máximo este privilégio, sendo muito influenciado por esta
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característica de sua inserção. Para não impactar negativamente na paisagem desta recuperação da borda do Tietê, o edifício se solta no terreno com apenas dois pavimentos e fluidez entre suas passagens no térreo. As aberturas do Pavilhão para os principais acessos buscam todos os elementos importantes deste entorno: a via principal do eixo de projetos da “ilha” que também leva à estação de BRT mais próxima; a via que
traz um importante fluxo Leste-Oeste, conectando o edifício ao centro de Osasco e às cidades de Carapicuíba e Barueri, além dos outros projetos desenvolvidos do Plano Urbano e à estação de VLT mais próxima; e, por fim, aos elementos do parque, seus caminhos de pedestres e ciclistas e, principalmente, à sua estufa que pode trazer uma correlação com as atividades do Pavilhão da Mulher.
Ilha
Carapicuíba, Barueri VLT
Estufa
Centro Osasco
BRT
Diagrama esquemático de influências do contexto urbano.
“No processo de planejamento, em vez da sequência que prioriza os edifícios, depois os espaços e depois (talvez) um pouco a vida, o trabalho com a dimensão humana requer que a vida e os espaços sejam considerados antes das edificações.” (GEHL, 2015, p. 198)
Croquis do processo criativo.
17
18 Zaha Hadid. Fontes: fotografia por Steve Double; estampa por Flora en Casa.
CAPĂ?TULO II: OS IDEAIS
5. O DESENVOLVIMENTO DO PARTIDO 5.1. AS PARTICULARIDADES DAS MULHERES O tema do projeto exige sensibilidade para que este seja desenvolvido. Para desenhar um espaço onde mulheres podem se refugiar de seus problemas cotidianos, muitos aspectos devem estar presentes: segurança, aconchego, empoderamento, pertencimento, convívio, conforto. A compreensão de cada mulher precisa ser levada em consideração na arquitetura e o espaço deve mostrar a importância do questionamento à realidade feminina: dupla jornada, violência doméstica, relacionamentos abusivos, falta de oportunidade de trabalho, baixa autoestima, objetificação, depressão, inferioridade, medos, abusos físicos e psicológicos não devem ser tratados como normais. Cada mulher é única e deve ter uma chance de ver o quanto sua vida é de crucial importância. Infelizmente, muitas não sabem seus direitos ou tem medo de exercê-los. Isto posto, o Pavilhão da Mulher iniciou sua personalida-
de. Sua exigência é pensar em um programa ainda inexistente nas cidades que construa um lugar para mulheres enfrentarem seus desafios sem rotulá-los, pois a realidade de cada uma é particular, apesar dos mesmos problemas serem tão recorrentes entre elas. Neste novo conceito de espaço onde diferentes lutas se cruzam, as mulheres podem se ajudar, aprender umas com as outras e suas diferenças, se inspirar com suas histórias, empoderar não apenas elas mesmas, mas todas que passarem por ali. Pois a luta de uma será a luta de todas. Destaco a importância de olhar por todas e tentar alcançar o máximo de realidades possíveis pela falta de espaços como este na sociedade, para que nenhuma fique de fora e possa aproveitar, pelo menos um pouco, do programa que o edifício oferece. Um bom exemplo, buscando uma realidade mais ampla, pode ser a diferença da luta das mulheres africanas, latinas, islâmicas, europeias, americanas... Na África, um dos prin-
cipais temas discutidos pelo feminismo é a luta contra o patriarcado, como também aparecem questões culturais como a mutilação feminina, o subdesenvolvimento, a tradição, a sexualidade, entre outros. Já no islamismo, existe uma forte discussão para reforçar a identidade cultural que é diferente da ocidental e traz debates sobre vestimentas, igualdade e equidade de gênero, atualização de leis, a interpretação patriarcal do Alcorão e diversos outros problemas específicos de cada país: casamento, educação, direito ao trabalho... Enquanto nos Estados Unidos uma das principais pautas tem sido o assédio no ambiente de trabalho, no Brasil discutimos o feminicídio, os estupros e assédios frequentes. E assim seguem os inúmeros exemplos de luta em cada cultura, religião, país, classe social (muitas delas se repetindo nas mais diversas tradições). Estes exemplos mostram a complexidade do mundo feminino e dos direitos humanos que cada uma busca. Esta mesma multiplicidade pode abranger a realidade 19
local da RMSP. Algumas mulheres lutam para escapar de seus maridos agressores, outras por oportunidades de empregos e outras ainda por uma terapia ocupacional para fugir de suas rotinas estressantes. E todas estas podem frequentar o Pavilhão da Mulher. 5.2. O PERCURSO Após discussão sobre este complexo universo feminino, originou-se a ideia de um percurso interativo que pudesse orientar as mulheres sobre sua própria história, conquistas e diferenças e, de algum modo, empoderá-las e incentivá-las. Toda a lógica do edifício se manifesta a partir deste percurso atrelado às influências do contexto urbano. Os primeiros elementos da arquitetura surgem com os pátios, espaços comuns que recebem o percurso: um pátio aberto para a esquina do eixo da ilha com a principal via Leste-Oeste no qual o objetivo é ser utilizado para feiras, um pátio reservado para atividades internas e exposições e um terceiro que se abre para o parque destinado para eventos abertos e discussões. A partir dos pátios, o des-
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dobramento do percurso se dá através de bancos que seguem o raio do prédio e criam um primeiro contato da mulher com o percurso, onde ela pode sentar e observar a vida que ali existe, onde ela pode repousar e tomar fôlego para encarar a realidade. Nestes primeiros elementos também podem acontecer intervenções artísticas voltadas para a história e luta das mulheres, que se tornam perceptíveis ao ponto de vista daquelas que ali se sentarem. Ao prosseguir o percurso, surgem novas informações no pátio central: a parede cega se torna um mural de artes onde estarão retratadas mulheres que, com suas histórias, possam inspirar todas que passarem por ali. Por fim, um toten interativo junto das arquibancadas permite que as mulheres registrem suas próprias histórias e conquistas e admirem a luta de outras que ali passaram. Assim, nasce o partido que norteia o projeto: um percurso que leva as mulheres a vencerem seus obstáculos que se inicia com o aprendizado e a observação, passa pela inspiração e finaliza nas vitórias particulares de cada uma.
Croquis de estudos de percurso.
Diagrama esquemรกtico dos pรกtios e Percurso da Mulher.
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6. AS RAZÕES DO PROGRAMA A partir dos estudos anteriores mencionados, foi elaborado um programa - até então não recorrente na arquitetura - que atendesse ao desejo de criar um espaço de refúgio para mulheres. Sua estruturação foi dividida em três necessidades principais: oportunidade econômica, educação e apoio. A primeira questão abordada, a oportunidade econômica, tem como objetivo principal trazer um espaço onde as mulheres podem gerar renda própria e encorajar outras comprando seus produtos ou serviços. Para isso, o Pavilhão da Mulher oferece um mercado e uma praça de feira para todas que precisarem iniciar seus negócios e
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expor aquilo que sabem fazer de melhor. A oportunidade econômica é de extrema importância, porém muitas mulheres não conseguem trabalho ou um meio de gerar renda por falta de informação ou formação. Por isso, a segunda questão abordada pelo programa é a educação. A partir dela, as mulheres podem aprender aquilo que gostam e tirar proveito disso. Porém, tal tema foi desenvolvido através de cursos profissionalizantes em áreas pouco exploradas pelo gênero. A educação artística também foi envolvida, pois além de poder ser uma fonte de renda, pode moldar-se como uma terapia ocupacional
ou entretenimento para desenraizar mulheres de suas rotinas cansativas. Por último, mas muito importante e de extrema urgência na sociedade, está o apoio. Nele estão inseridas formas de solucionar problemas mais graves que ocorrem na vida das mulheres e as consequências decorrentes deles. Por isso, considera-se uma delegacia da mulher com todo o apoio necessário: psicológico, jurídico, pedagógico, social; e um abrigo temporário responsável por acolher aquelas que precisam sair às pressas de suas casas para salvar suas vidas e, muitas vezes, de seus filhos também.
Marta. Fontes para realização da arte: fotografia por Alan Morici; estampa por Flora en Casa.
“No entanto, as estatísticas mostram que ainda são as mulheres as que dedicam a maior parte do tempo a essas tarefas invisíveis, não remuneradas e, portanto, que não são consideradas no momento de decidir políticas urbanas e projetar espaços públicos. Assim, incorporar a perspectiva de gênero no projeto do espaço público diz respeito à nossa capacidade de conhecer, registar e aportar soluções para melhorá-lo segundo as necessidades complexas da vida quotidiana, e para as quais as experiências das mulheres são uma fonte de conhecimento imprescindível.” (MONTANER; DIAS, 2017)
23
24 Frida Kahlo Fontes para realização da arte: fotografia por Collectors Weekly; estampa por Flora en Casa.
CAPÍTULO III: O PROJETO
6. DESENHOS TÉCNICOS 7. 1. IMPLANTAÇÃO Todas as ponderações realizadas anteriormente sobre a contextualização urbana e o partido arquitetônico resultaram em um desenho com dois edifícios curvos que possibilitaram a surpresa ao longo do percurso
e a formação dos pátios desejados, além da possibilidade de aberturas principais e convidativas para os diversos acessos considerados. Um dos edifícios se desdobra em um volume retilíneo que junto a um terceiro
anexo buscam outros elementos do entorno: se adaptam aos eixos do Parque Fluir. Além disso, os canteiros e caminhos buscam reforçar os pátios e acessos, além da conexão com o entorno.
0
80m
25
1. Mercado: espaço de exposições, depósitos, banheiros, descanso 2. Restaurante (cozinha, despensa fria e seca, salão) 3. Cafeteria/cantina
7.2. PLANTA TÉRREO
B
Deck
EDUCAÇÃO 4. Educação Artística: ateliês livres (escultura, caligrafia, pintura, desenho) 5. Brinquedoteca e leitura infantil 6. Sala empreendedorismo e estudos práticos rotativos 7. Sala de informática e tecnologia 8. Sala de estudos 9. Diretoria, sala de apoio e depósito 10. Secretaria e administração 11. Sala de funcionários e vestiários 12. Jardim dos funcionários 13. Canteiro de obras 14. Sala e laboratório mecânica 15. Sala Multimídia 16. Sala e laboratório construção civil 17. Sala e laboratório paisagismo APOIO 18. Delegacia da Mulher (recepção)
26
3
2 18
1 Praça da Feira
A
OPORTUNIDADE ECONÔMICA
A
C
Arquibancadas
12 17
4
11
10
5
13
9
Pátio Central (exposições/aulas)
16
8 7
15 14
6
B
0
10
20
40m
C
27
APOIO
B
22
23
21 20 19 18
A
18. Delegacia da mulher (recepção, área de trabalho, depósito, brinquedoteca, sala de depoimento, sala da delegada) 19. Apoio psicológico 20. Apoio pedagógico 21. Apoio jurídico 22. Assistência social 23. Enfermaria 24. Varanda livre acesso 25. Varanda privativa e apoio abrigo (copa, lavanderia, depósitos) 26. Recepção e segurança 27. Abrigo (quartos triplos)
7.3. PLANTA SUPERIOR
28
A
C
24
25
27 26
0
B
10
20
40m
C
29
7.4. A SETORIZAÇÃO E OS ESPAÇOS ARQUITETÔNICOS Cada setorização do edifício foi organizada de maneira que melhor aproveitasse o espaço e o entorno para seus usos. Resumidamente, trago o raciocínio de espacialização desenvolvida. Ao ingressar pela via do eixo da “Ilha” (de acordo com o Plano Urbano), onde existe também um ponto de ônibus, é possível acessar rapidamente a recepção da Delegacia da Mulher, que está posicionada ali pela urgência de seu uso e pela possibilidade de um acesso para veículos pelo fundo. Ao lado dela, que também neces-
7.5. CORTE AA
30
sitam do acesso técnico, estão os restaurantes e seus espaços de alimentação se estendendo para o deck elevado com vista para o parque. Estes também se comunicam com a praça da feira, o primeiro pátio logo na esquina, que funciona como uma ampliação do mercado. Este último, se volta para a esquina por abrigar uma movimentação mais intensa, de modo que não atrapalhe as demais atividades do edifício. Seguindo para o pátio central, local de exposições e aulas ao ar livre, encontra-se a parede cega do fundo do mer-
Parque Fluir
cado que foi utilizada como mural artístico. Os ateliês livres estão todos voltados para este pátio, sem perder a vista para o parque do outro lado, privilégio que o formato curvo facilita. Por fim, encontram-se as arquibancadas que servem como espaço de debates e palestras com vista para o Parque Fluir e o rio Tietê. Contendo tal espaço, está o volume retilíneo do edifício onde foram locados os cursos de formação e toda a parte administrativa. Este se separa do prédio anexo - também de uso educacional - por um canteiro de obras rebaixado. Os
Varanda dos funcionários
A
laboratórios que usufruem de tal espaço possuem acesso direto ao nível do canteiro, e um patamar elevado para aulas com acesso para a cota do restante do edifício. O pavimento superior abriga os usos que necessitam de menos visibilidade e melhor controle de acesso. Acima da recepção da Delegacia da Mulher estão seus demais ambientes como sala da delegada, espaços de trabalhos, copa, depósito, sala de depoimentos com uma brinquedoteca para eventuais necessidades da mulheres e seus filhos. Outros usos
Arquibancadas
para apoio também se encontram no mesmo espaço, podendo ser utilizados tanto pela delegacia quanto pelas mulheres atendidas no edifício com apoio psicológico, pedagógico, social, jurídico e enfermaria. Seguindo ainda no mesmo pavimento, uma varanda de acesso livre guarda uma vista para a paisagem e espaços de descanso e permanência. No pavimento acima do mercado e dos cursos técnicos estão todos os usos relacionados ao abrigo temporário que são acessados apenas após a identificação na recepção com
Ateliês
segurança devido à gravidade dos casos. Ali se encontram os 10 dormitórios triplos, que podem abrigar mulheres que estão sozinhas ou com seus filhos - eventualmente as camas poderiam ser beliches nos casos necessários como famílias grandes. Junto aos dormitórios está a varanda privativa onde as mulheres podem estar em segurança, conviver, receber atendimentos em um espaço aberto e também onde se localizam a cozinha, lavanderia e depósitos.
Canteiro receptor de águas pluviais
31
7.5. CORTE BB
Caminho do parque
7.5. CORTE CC
Simulação de zoneamento proposto
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Laboratórios
Praça em patam
mares
Deck elevado
Praรงa da Feira
33
34
35
8. SISTEMA ESTRUTURAL: MADEIRA LAMINADA COLADA
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O discurso de Vandana Shiva, citado na introdução, atrelado à implantação do edifício em um parque que busca recuperar a borda do Tietê, despertou um interesse por uma arquitetura que buscasse a vida, a natureza e o vernacular. Assim, a madeira laminada colada foi implantada na estrutura do edifício vinculada com todas as suas vantagens: benefícios psicológicos pois para um programa com este, a madeira ajuda a tornar o ambiente mais aconchegante e acolhedor; fonte renovável e sustentável, estando a frente na questão ambiental que outros métodos construtivos (quando plantada e extraída corretamente); método construtivo que menos consome energia em todas as etapas, diminuindo os impactos ambientais da construção civil; está ganhando cada vez mais visibilidade; leveza das estruturas, facilitando a montagem; formas livres, permitindo vencer os vão curvos do edifício, entre outras. Sendo assim, para se adaptar ao sistema, o Pavilhão da Mulher traz um módulo estrutural que se repete em pra-
ticamente todo o edifício para facilitar na fabricação das peças, sofrendo apenas pequenas alterações nas passarelas. Tal módulo é adaptável também em algumas questões como o balanço e seus reforços, vãos entre as seções tipo e pontos do edifício que necessitam de contraventamentos com cabos de aço (extremidades e centro). Quanto aos vãos livres, a seção tipo possui um de 7,5 metros e entre cada seção o número varia de 4,75 metros no volume reto; 7,30 e 9,00 metros no edifício curvo do mercado; 6,70 e 8,10 metros no volume dos ateliês e delegacia. As lajes são feitas com painéis wall (placa cimentícia) e a cobertura com telhas metálicas sanduíche com 5% de inclinação, direcionando as águas pluviais para calhas que, em seguida, conduzem a água até canteiros receptores através de conduítes verticais. Por fim, a vedação e fechamentos são de alvenaria e, em casos necessários para passagem de elétrica e hidráulica, podem haver forros de gesso.
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Vigas “C” 8x16cm Viga H maior=30cm H menor=15cm
Telha metálica sanduíche
Viga “B” H=50cm Opção de forro de gesso para passagem de elétrica e hidráulica (altura variável)
Pilar 25x25cm
Viga “A” H maior=50cm H menor=25cm
Placa cimentícia (painelwall)
Peça metálica
0
SEÇÃO TIPO
38
1m
DETALHE CONEXÃO: VIGA “A” COM VIGA “C” DETALHE CONEXÃO: PEÇA METÁLICA, PILAR E FUNDAÇÃO
DETALHE CONEXÃO: PILAR COM VIGA “A” E VIGA “B”
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9. PERSPECTIVAS
40
41
42
43
Principais acessos de pedestres Acessos tĂŠcnicos
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10. CONCLUSÃO
A partir da elaboração desde projeto, percebi o quão longe estamos, como sociedade, de alcançar uma arquitetura e cidade para todos. O Pavilhão da Mulher me fez perceber as infinitas necessidades dentro do tema do gênero e questionar as outras infinitas necessidades dentro de cada instância social. Por isso, o trabalho do arquiteto e urbanista deve também ser infinito: e daí vem a sensação de que nunca conseguimos terminar um projeto. Sempre faltará algo. Porque muito ainda falta na sociedade. E a arquitetura é social. No mais, digo com certeza que aprendi muito com cada linha desenhada: sobre a dificuldade de criar um programa, sobre um novo sistema estrutural, sobre a contextualização urbana, sobre as diversas barreiras, sobre a profissão.
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CAPĂ?TULO IV: ANEXOS
46 Nise da Silveira. Fontes: fotografia por Amino; estampa por Flora en Casa.
11. QUEM SÃO ESTAS MULHERES? INSPIRAÇÃO. Ao longo deste memorial foram homenageadas através das artes gráficas diversas mulheres com dignas histórias de luta. Este anexo traz uma breve apresentação de cada uma e suas principais características, mas recomenda-se ao leitor que investigue mais sobre elas e reconheça seus feitos e importância para a luta pela igualdade de gênero.
ser descoberta para atuar como modelo. Hoje, é ativista da ONU e luta contra a prática da mutilação genital feminina.
abortos e feminicídios. Hoje é representada como inspiração e modelo para a luta das mulheres.
Zaha Hadid Arquiteta iraquiana que mostrou uma visão pioneira através de seus projetos. Sempre defendeu o espaço da mulher na sociedade. Foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Pritzker.
Nise da Silveira Única mulher em sua turma de medicina que foi presa durante o Estado Novo por seus ideais, a psiquiatra lutou contra os tratamentos agressivos da época utilizados em pacientes com transtornos mentais no Brasil.
Marta Alagoana de origem huMalala milde que se tornou a maior ar Ativista paquistanesa tilheira da história da Seleção vencedora de um Prêmio Nobel Brasileira e foi eleita 6 vezes meque luta pelo direito das mulhe- lhor do mundo recorde entre hores de estudarem. Já sofreu ten- mens e mulheres. Embaixadora tativa de assassinato, levando 3 da ONU que luta pela igualdade tiros, por não se calar diante às de gênero no esporte. leis talibãs e continuar indo à escola. Frida Kahlo Artista mexicana marWaris Dirie cada pelos visuais excêntricos, Modelo somali que os 4 mas também por sofrimentos anos sofreu com a mutilação ge- como as sequelas da poliomielinital, uma tradição ainda muito te quando criança e um acidencomum em algumas comunida- te que a causou diversas comdes africanas. Aos 13, quando plicações na coluna e ossos descobriu que se casaria, fugiu quebrados, resultando em dide casa e atravessou o deserto versas cirurgias e luta pela vida. sozinha. Com ajuda de uma tia, Foi a primeira a retratar em suas se mudou para Londres, onde obras questões femininas como trabalhou como faxineira até
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