399 BIANCA MANZON LUPO Orientador: Prof. Dr. Luciano Migliaccio
O MUSEU COMO ESPAÇO DE INTERAÇÃO: OS CASOS DO MUSEU
conceito de interatividade tem sido amplamente utilizado como premissa para a estruturação institucional de museus, sendo comumente introduzido no espaço museológico nas décadas recentes. A museografia interativa frequentemente aparece como alternativa para a apresentação de acervos formados a partir de bancos de dados digitais, participando ativamente da constituição de museus encarados como centros de referências e da criação das narrativas museais. Embora a interatividade em museus seja um tema recorrente em estudos acadêmicos recentes, a relação entre o conceito e o projeto de arquitetura de museus ainda constitui um tema passível de investigação. Por esse motivo,delineia-se como o objetivo principal deste artigo investigar a relação entre o conceito de interatividade e o projeto de arquitetura, tendo como foco principal a análise do contexto brasileiro a partir dos casos de referência selecionados: Museu do Futebol (São Paulo, 2008) e Museu do Amanhã (Rio de Janeiro, 2015). A partir da análise proposta, pretende-se aprofundar o entendimento sobre a consolidação do campo da museografia interativa no Brasil, verificando suas implicações para o projeto de arquitetura de museus ao avaliar como se configura a relação entre acervos digitais, museografia interativa e arquitetura de museus.
PALAVRAS CHAVE: interatividade; arquitetura de museus; de exposições
DO FUTEBOL E DO MUSEU DO AMANHÃ RESUMOO
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401 O conceito de interatividade vem sendo amplamente aplicado ao espaço expositivo nas décadas recentes, inserindo-se num contexto de democratização e ampliação dos públicos recebidos pelas instituições museológicas e exprimindo a intenção de potencializar o uso de estratégicas lúdico-pedagógicas. Se o conceito de interatividade, definido na década de 1960 no âmbito das ciências da comunicação, apresentou-se como estratégia expográfica associada à criação de museus de ciência e tecnologia; nas últimas décadas, a questão da interatividade vem ganhando destaque nas mais variadas tipologias de museus – incluindo museus de história, patrimônio intangível, assuntos do cotidiano, dentre outros. Um panorama preliminar de instituições brasileiras permite a observação de vários casos recentes em que pode observar a alusão a esse conceito, a saber: Museu da Língua Portuguesa (São Paulo, 2006), Museu das Telecomunicações (Rio de Janeiro, 2007), Museu do Futebol (São Paulo, 2008), Museu das Minas e do Metal (Belo Horizonte, 2010), Museu da Gente Sergipana (Aracaju, 2011), Museu Cais do Sertão (Recife, 2014) e Museu do Amanhã (Rio de Janeiro, 2015).
De um modo geral, a bibliografia consultada indica a existência de variada gama de soluções relacionadas à museografia interativa (WAGENSBERG, 2006 e SANTACANA, 2010), constituindo recurso fundamental para o desenvolvimento de propostas museológicas que visam ao estímulo da participação ativa do visitante. A museografia interativa desponta como alternativa para a apresentação de acervos digitais e fontes audiovisuais, cada vez mais presentes nos museus contemporâneos tendo em vista a ampliação dos temas considerados como objeto de musealização e patrimonialização. Embora constitua um tema recente, parece conformar um campo consolidado por estudos acadêmicos realizados nas últimas décadas o entendimento da interatividade como solução de museografia aplicada a acervos digitais (MASSABKI, 2011). Entretanto, ainda que se constitua como um conceito muito explorado no âmbito do projeto expográfico (MACHADO, 2015), a relação entre a interatividade e o projeto de arquitetura de museus vem sendo um tema pouco abordado pela bibliografia, e por esse motivo constitui o centro principal da investigação proposta para este artigo. Este estudo pretende analisar dois casos de relevância relativos à museografia interativa brasileira recentes: o Museu do Futebol e o Museu do Amanhã, por se tratarem de projetos que apresentam variabilidade de soluções arquitetônicas propostas,permitindo discutira consolidação do campo da museografia interativa no Brasil e verificar suas implicações para o projeto de arquitetura de museus. Em ambos os casos, é possível observar a constituição de museus que se apresentam como centros de referências baseados na formação de acervos digitais apresentados ao público por meio de propostas que privilegiam a estruturação da exposição principal do museu, baseando-se em soluções de museografia interativa com foco na utilização de recursos audiovisuais para o desenvolvimento de temas bastante distintos: o “futebol”, encarado como referência cultural (CHUVA, 2015);e o “amanhã”, que propõe refletir sobre o
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As tentativas de mobilização de colecionadores para a formação do acervo do Museu do Futebol esbarraram em uma série de dificuldades de caráter operacional e financeiro1. Em face dessa situação, “ 2. Tal contexto levou à adoção de uma abordagem semelhante à experiência precedente do Museu da Língua Portuguesa, desassociada de coleções materiais (informação verbal)3 e cuja narrativa se constituiria a partir do uso da museografia interativa. Entretanto, embora inicialmente se pensasse na criação de um “museu semacervo” estruturado em torno das tecnologias da comunicação, pode-se observar que essa perspectiva não se concretizou(BRUNO & ARRUDA, 2010, p. 25). Nesse sentido, apresenta-se como evento fundamental a criação do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB),dedicado à pesquisa e gestão de acervos. O órgão se constitui a partir de biblioteca, midiateca e base de dados para acervos referenciados. Para tanto, tem como objetivo ampliar as fontes sobre a história do futebol, selecionando acervos para compor a programação do museu. Embora a intenção de criação do CRFB já estivesse prevista no plano museológico originalmente elaborado para o Museu do Futebol (ARAÚJO, 2007) e sua elaboração fosse recomendada na revisão do plano museológico (BRUNO, 2009), sua implantação foi concluída apenas em 2011 e contou com recursos da Agência Brasileira de Inovação (FINEP) e parceria com o Núcleo de Antropologia Urbana (LabNAU/USP) (MUSEU DO FUTEBOL, acesso em 17 dez. 2017).
A análise dos estudos de caso propostos para este artigo, o Museu do Futebol e o Museu do Amanhã, com base na observação de aspectos museológicos, museográficos e arquitetônicos, permite a observação da aplicação do conceito de interatividade no espaço expositivo brasileiro a partir de um olhar multidisciplinar. Para tanto, partiremos da investigação acerca dos processos de formação de acervos em museus que se desenvolvem a partir de temas-geradores: o “futebol” e o “amanhã”.
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 402 presente e o futuro a partir da criação de um museu de ciências com ênfase na divulgação científica(FUNDAÇÃO, p. 4).
2Entrevista com a diretora técnica do Museu do Futebol, Daniela Alfonsi. São Paulo, mar. 2017.
1 Entrevista com designer expográfico Felipe Tassara. São Paulo, ago. 2018.
O caso do Museu do Futebol, em sua concepção inicial, enfrentou a dúvida que permeou o processo de formação de vários museus no início do século XXI: é possível criar um museu semacervo (MENESES, 2000)? Inicialmente, pretendia-se conformar um acervo material composto por itens associados à memória do esporte (tais como bolas, camisas, troféus, etc.).
3Palestra do designer expográfico Felipe Tassara no Workshop Internacional Arquitetura e Técnicas Museográficas (ICAMT). São Paulo, nov. 2016.
ACERVOS DIGITAIS E O MUSEU COMO CENTRO DE REFERÊNCIAS
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 403 Atualmente, há duas linhas de pesquisa encabeçadas pelo CRFB: “Memória Viva”, que trabalha com a metodologia de história oral para criar um banco de dados composto por entrevistas em vídeo sobre personalidades do futebol brasileiro (incluindo jogadores, dirigentes, líderes de torcidas, entre outros); e “Na Rede”, que visa a mapear referências sobre o futebol a partir de metodologias de pesquisa etnográfica. Os critérios de seleção são definidos acordo com sua legitimidade perante o grupo, comunidade e local de pertencimento; podendo incorporar: prática, local, conjunto de artefatos de diferentes tipologias e pessoas cujas histórias se relacionam ao futebol a ponto de serem reconhecidas pela comunidade em que estão inseridas. As pesquisas realizadas podem gerar textos, fotos e vídeos a serem incluídos no banco de dados sob gestão do Museu. Os itens aos quais é atribuída relevância pelo Museu do Futebol permanecem em posse de seus proprietários, sendo a eles dadas orientações de como preservar e conservar os objetos e documentos em questão, sistematizadas pelo manual “ ” (KAZ, 2014, p. 170). Os objetos selecionadossão digitalizados, inseridos e catalogados no bancode dados do Museu (informação verbal)4, aberto a outras instituições que tenham interesse na gestão de acervos sobre futebol. O acervo digital está disponível e possui duas interfaces, que permitem pesquisa pública e acesso controlado. Nesse sentido, rompe-se com o conceito de colecionismo não só em termos de materialidade, mas também de propriedade das coleções do Museu, possibilitando o desenvolvimento do tema do futebol entendido como referência cultural. Pode-se delinear um paralelo entre o processo de consolidação do museu entendido como centro de referência para pesquisas e informaçõesobservado na trajetória do Museu do Futebole a formação do Museu do Amanhã, cuja proposta de criação já previa a formação da instituição baseada em acervos digitais a partir da existência de um órgão para desempenhar função equivalente à do CRFB: o “Observatório do Amanhã”, responsável pelo desenvolvimento do programa de conteúdo do Museu ao promover a reflexão sobre o uso do conhecimento produzido em ciência e tecnologia pela sociedade. Suas atribuições se focam na captação de informações de centros produtores de conhecimento e tecnologia, garantindo a atualização permanente de dados e temáticas apresentados na exposição principal por meio de parcerias com outras instituições relacionadas à pesquisa científica.
Ao contrário do que inicialmente se pensava sobre esses museus, não se trata de instituições semacervo, mas sim de museus baseados na formação e integração de bancos de dados digitais, e para os quais colocam-se uma série de questões específicas relacionadas à preservação do patrimônio digital.Os processos de gestão da informação digital demandam infraestrutura de produção/digitalização de fontes, reunião, seleção, organização, catalogação, armazenamento, gerenciamento, preservação, recuperação, disseminação e uso da informação, 4 Apresentação de funcionária do Museu do Futebol no Workshop Direitos Autorais e Acervos Digitais. São Paulo, dez. 2017.
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 404 que pode estar disponível em terminais de consulta situados no museu ou em plataformas
MUSEOGRAFIA INTERATIVA E NARRATIVAS MUSEAIS
Tais museus devem lidar com questões como grande volume de informações disponíveis, risco da obsolescência edireitos autorais. Para tanto, necessitam da presença de equipes especializadas em tecnologia da informação, de caráter multidisciplinar, de modo a garantir a usabilidade e o acesso às informações coletadas. Demandam, também, o estabelecimento de políticas sistemáticas de seleção e descarte da informação, de acordo com os objetivos da instituição e as necessidades dos usuários (informação verbal)5
Apresentação de palestrantes no “Seminário BBM de Bibliotecas Digitais: Preservação e Acesso”. São Paulo, nov. 2017.
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Por essas razões, o desenvolvimento de tais funções requer a existência de espaços físicos adequadamente projetados, destinados ao trabalho interno da equipe do museu, e, também, de espaços abertos ao público, equipados com terminais de pesquisa e consulta ao acervo. Ainda, pode ser necessário contar com áreas externas à sede da instituição para a armazenagem de cópias de segurança do acervo, dotados de gerador e sistema de condicionamento de ar, de modo a garantir o funcionamento das máquinas. Pode-se observar que o museu criado a partir da constituição de acervos digitais, embora não necessite de amplas reservas técnicas para a armazenagem de coleções materiais, demanda a criação de outras áreas adjacentes que tornam possível seu funcionamento, e que devem ser incorporadas ao programa arquitetônico desenvolvido para o museu.
Conforme demonstrou o processo de formação de acervos dos estudos de caso apresentados anteriormente, a aplicabilidade das tecnologias da informação em âmbito museológico abre caminho para que os museus se consolidem como “espaço de conexões” (CASTELLS, 2011), passando a incorporar novas modalidades de constituição de acervos, transmissão e conexão de informações. A interatividadesurge como mediadora fundamental para garantir a relação entre o museu e seu público, sugerindo e estimulando a participação ativa dos visitantes nos processos de significação empreendidos pela instituição museal. A museografia interativa, entendida como “ (SANTACANA,[...] 2010, p. 24), consiste num tema amplamente estudado pela bibliografia de referência consultada, que estabelece critérios para a avaliação de sua relação com a criação dos espaços analisados.Aassociação
da interatividade à elaboração das narrativas museais propõe um verdadeiro desafio para as instituições culturais, colocando em xeque seu próprio caráter de autoridade ao
O Museu do Futebol e o Museu do Amanhã privilegiam a museografia interativa para a construção de suas propostas, partindo da criação de narrativas lineares e sequenciais, de caráter lúdico e pedagógico, com distribuição de módulos interativos, de uso individual ou grupal, ao longo do percurso (SANTACANA, 2010, p. 96-98). Ambas as narrativas propostasse desenvolvem em torno de um vetor principal que conduz o visitante no espaço (DAVALLON, 2010), guiando-o através de seções que permitem descobertas ou aprofundamento em temas de interesse. O Museu do Futebol apresenta esquema de circulação dirigida, com clara delimitação entre as seções que compõem a narrativa. Por sua vez, o Museu do Amanhãnão apresenta limites claros entre as seções, que se apresentam como um conjunto contínuo, embora a narrativa proposta também dependa da descoberta sequencial e linear para ser compreendida. Permeando a narrativa, apresentam-se possibilidades de interação para os visitantes, que transitam entre o estímulo aaspectos físicos ( ), mentais ( ) e culturais ( ) (WAGENSBERG, 2006). A interatividade estimula a ação ativa, baseando-se na interação mecânica com o objeto, fenômeno ou ideia. Por sua vez, a interatividade
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 405 sugerir que o processo de produção de conhecimento dependa ativamente do visitante e estimular a incorporação de aspectos didáticos e interpretativos ao espaço museal. Nesse contexto, a interatividade parte da premissa de que “ (WALKER, cf. TALLON e WALKER, 2008, p. 109, tradução nossa). O estímulo ao debate temático propiciado pelas exposições, a possibilidade de o visitante apresentar outras visões em relação ao discurso institucional e o incentivo à atuação ativa e participativa do público podem configurar uma relação de autoridade compartilhada (CAMERON, cf. MASSABKI, 2011, p. 32) por meio da construção do discurso curatorial em conjunto entre museu e seu público. A adesão ao conceito de interatividade no espaço museal se relacionaà intenção de contribuir para os processos de aprendizagem do indivíduo, ao mobilizar o conhecimento e a experiência prévia de cada um, estimular sua motivação intrínseca e a possibilidade de aprendizagem cooperativa, a partir de trocas com pequenos grupos e da sugestão de ações que envolvem exploração de conteúdos variados (SEMPER, cf. SILVA, 1999). A interação social é vista como possibilidade de aprendizagem em grupo, sendo que a aplicação de atividades interativas pode efetivamente contribuir para o estabelecimento de laços sociais entre os indivíduos (LÈVY, 2010, p. 67). Não obstante, embora a própria visita ao museu se constitua como uma atividade essencialmente social, pode também configurar uma possibilidade para a construção do conhecimento pessoal do indivíduo(WALKER, cf. TALLON, 2008, p. 110). Com efeito, extrapolando o espaço físico da experiência museal via , observa-se a possibilidade de construção de “comunidades interpretativas” (TALLON, 2008, p. 110) para discutir e aprofundar conteúdos trabalhados pela instituição.
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 406 instiga os visitantes a empreender exercícios mentais, sugerindo a elaboração de questões, solução de problemas, criação de analogias e percepção de contradições. Já a interatividade busca o estabelecimento de conexões e identidade entre a exposição, o visitante e a sociedade.Vale ressaltar que as modalidades de interatividade não são pensadas como conceitos estanques, mas sim complementares. Alguns autores, ainda, sugerem a criação de uma quarta categoria, a interatividade social ( ) (PAVÃO e LEITÃO, cf. MASSABKI, 2011, p. 62), considerando o diálogo entre os visitantes como uma possibilidade enriquecedora de se relacionar com os temas sugeridos pelo museu. Pode-se observar a prevalência da interatividade “heartson” no Museu do Futebol, tendo em vista que aborda “a emoção, o sentimento de pertencimento, o amor pelo clube, a saudade das peladas de rua, o delírio da seleção, o encontro com os amigos, a emoção de ser levado de mãos dadas com o pai pela primeira vez a um estádio” (MARINHO, cf. KAZ, 2014, p. 18). O estímulo à memória afetiva do visitante, o estabelecimento de vínculos de pertencimento com o tema-gerador do Museu e com o próprio Estádio do Pacaembu conformam um cenário que favorece a interação dos visitantes com o espaço proposto, permitindo o estabelecimento de forte engajamento emocional e cultural do visitante com o tema-gerador do museu.
Conforme observado em visitas a campo, vários visitantes percorrem o museu com as camisas dos próprios times e dialogam com seus acompanhantes sobre os temas sugeridos pela exposição principal.De acordo com a diretora do museu, “ 6 De um modo geral, observa-se que o visitante vai ao museu para recordar informações sobre um tema que já domina com profundidade e que faz parte de seu cotidiano.O Museu do Futebol também explora, sobretudo na segunda metade de seu percurso, o conceito de interatividade “ , por meio de atividades de caráter recreativo que estimulam a relação do corpo com o espaço museal, visando à descarga de adrenalina como estratégia para garantir a fidelização do público. Como exemplo, podem ser recordadas atividades como “Pebolim”, “Campos Virtuais” e “Chute a Gol”. Por outro lado, o Museu do Amanhã apresenta a interatividade com características diferentes em relação ao caso anterior. Como diferença fundamental, pode-se pontuar que o público não é especialista no tema-gerador do “amanhã”. Pelo contrário, conforme mostraram entrevistas não-dirigidas feitas com os visitantes, o público do Museu do Amanhã não sabe bem o que esperar e deseja ser surpreendido. O foco principal desenvolvido pela museografia interativa se concentrou no aspecto informativo ( ), sendo que a maior parte das atividades propostas sugerem engajamento intelectual dos visitantes, estimulando-os a elaborar questões, criar analogias, perceber contradições e propor soluções. A narrativa 6 Entrevista com Daniela Alfonsi, diretora técnica do Museu do Futebol, mar. 2017.
A
Como desdobramento dessa ideia, em 2017 foi implantado o “Sistema Íris +”, outra experiência ativada pelo mesmo cartão, por meio do qual o visitante fala diretamente em seis totens de autoatendimento situados no final do percurso. Por meio da inteligência artificial, o sistema é capaz de responder e formular perguntas em diálogo sobre os temas da “sustentabilidade” e “convivência”. Ao final da conversa, indica ao visitante instituições cadastradas no banco de dados do Museu, de modo a estimular o engajamento social do visitante para além do espaço físico do Museu do Amanhã.
apresentadapossui caráter aberto, enfatizando a formulação de perguntas e estimulando o visitante à sua própria reflexão.
Como se pode observar, a experimentação de propostas interativas não só pode sugerir interessantes alternativas para se lidar com o grande volume de conteúdos que constituem museus entendidos como centros de referência, mas também possibilitar a criação de acervos a partir da contribuição dos visitantes no espaço museológico, estimulando o estabelecimento de relações entre o visitante e a instituição que inclusive extrapolam o espaço da visita. RELAÇÃO ENTRE INTERATIVIDADE E ARQUITETURA DE MUSEUS
Para além da museografia interativa associada à exposição principal, cabe destacar que o Museu do Amanhã também explora outras possibilidades de interação – como, por exemplo, o “Sistema Íris”, desenvolvido para personalizar a experiência interativa do visitante. Na entrada, é entregue ao visitante um cartão de identificação por radiofrequência, que permite o monitoramento de cada visita a partir do mapeamento e registro dos conteúdos acessados pelos usuários nas telas interativas. Durante o percurso, há mesas nas quais o visitante pode associar seu cartão à sua conta de permitindo o mapeamento preciso dos conteúdos que o indivíduo acessou ou não em cada visita realizada ao Museu, e sugerindo conteúdos ainda não visualizados nas próximas visitas.
O Museu do Amanhã extrapola as possibilidades de uso de soluções de museografia interativa como maneira de permitir ao visitante a seleção de conteúdos digitais. Explora, também, a possibilidade de o visitante gerar acervo no decorrer do percursocomo estratégia para monitorar tendências de padrões comportamentais contemporâneas. O“Sistema Cérebro” permite coleta de dados produzidos pelos visitantes do próprio museu, armazenando as respostas dadas pelos visitantes nas mesas interativas contidas na seção “Amanhãs”. Esses dados constituemfonte de informação que retroalimenta o próprio acervo do Museu.
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Essas duas perspectivas também são contempladas pelo estudo de Tatiana Machado, ao pontuar que “ ” (MACHADO, 2015, p. 154). A organização do espaço é responsável pelo de visuais, fluxos, percursos, relações com o meio externo, estruturação e organização do conteúdo expositivo. Sua importância para o processo de significação consiste num ponto frequentemente abordado pela bibliografia, considerando-se que “ ” (SANTACANA, 2010, p. 485, tradução nossa).
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 408 Embora o tema da museografia interativa seja amplamente discutido no âmbito do de exposições, sua relação com o projeto de arquitetura de museus ainda parece pouco explorada pela bibliografia consultada. Alguns aspectos sobre esse assunto já foram pontuados nos itens anteriores, como as implicações da criação de bancos de dados digitais para a elaboração do programa arquitetônico e as possibilidades de extrapolar o espaço da visita por meio do conceito de interatividade. O presente item, entretanto, pretende investigar, com maior profundidade, a relação entre a interatividade e o projeto de arquitetura a partir dos casos em questão.A bibliografia de referência consultada destaca duas possibilidades de se encarar o papel do espaço na configuração do percurso expositivo. Jean Davallon (1999, 2010) pontua que a arquitetura de museus pode ser considerada um simples suporte funcional para os objetos que nele são colocados, aludindo à perspectiva de “invólucro” ou “envelope neutro”. Por outro lado, a arquitetura também pode ser considerada participante efetivo dos efeitos produzidos pela exposição, contribuindo para a constituição dos processos de significação no espaço museal.
estabelecimento
Em ambos os casos analisados, a arquitetura dos museusdesenvolve os respectivos temas-geradores de maneira muito clara,seja pela escolha doEstádio do Pacaembu, conhecido lugar associado à memória esportiva para a instalação do Museu do Futebol; ou pela criação de um “organismo tecnológico” para sediar o Museu do Amanhã. Os edifícios agregam significado ao tema desenvolvido pelos museus, além de contribuírem para o desenvolvimento da narrativa museal, com destaque para alguns espaços de interesse. No Museu do Futebol, pode-se citar a
A arquitetura é vista como a primeira chave de leitura e interpretação do conteúdo museológico antes de se adentrar no espaço. Nessa medida, enfatiza-se a importância da linguagem arquitetônica do edifício para a configuração dos significados construídos pela instituição.Outra questão pontuada é a associação entre a criação de circuitos museais flexíveis, relacionados ao conceito de interatividade, a arquiteturas de planta livre; em contraponto ao estabelecimento de circuitos lineares e rígidos, relacionados a plantas compartimentadas (MONTANER, 2003).
Mauro Munhoz explicitou essa perspectiva em seu discurso, ao destacar que “
TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 409 vista para a Praça Charles Müller, o túnel que permite acesso direto ao gramado7 e a possibilidade de visita às arquibancadas, recordada pelos visitantes como momento de rememoração da importância do Estádio. Já no Museu do Amanhã, é possível assinalar a importância da vista para a baía de Guanabara como elemento narrativo, contribuindo para a construção de uma mensagem esperançosa e positiva ao final do percurso. Conforme depoimentos dos visitantes, “ ”8ou “ ?”9 Ambas as obras também adquirem significação quando analisadas do ponto de vista da abordagem projetual adotada por cada arquiteto. A solução de Mauro Munhoz para o Museu do Futebol desenvolve o tema da arquitetura contextualista de influência (MONOLITO, 2012, p. 94-101),refletindo sobre o compromisso da arquitetura com a produção do lugar e a busca da integração harmônica do edifício com o ambiente. O arquiteto privilegia o uso de materiais locais, mão-de-obra e técnicas construtivas adaptadas ao lugar, além da reutilização de estruturas existentes (MONOLITO, 2012). O Museu do Futebol, inserido no Estádio do Pacaembu e relacionando-se diretamente ao espaço público adjacente, a Praça Charles Müller, reflete em grande medida essas considerações. Por outro lado, Santiago Calatrava entende a arquitetura como capacidade de invenção, focada na busca da relação entre organismos naturais e máquinas, e destaca a importância de incorporar o dinamismo na concepção estrutural (LEFAIVRE e TZONIS, 2011, p. 78-79). A arquiteturacompreendida como escultura dinâmica incorpora o movimento explícito de seus componentes, revelando preocupação com esteticidade e experimentação tecnológica, sobretudo no que se refere ao uso do aço e concreto. O caso particular do Museu do Amanhã levanta uma série de soluções que nesse sentido, explorando o dinamismo explícito do edifício por meio da criação de móveis que captam energia solar para o funcionamento do Museu, e da concepção de sistema de climatização e abastecimento interno do edifício, alimentado pelas águas da baía de Guanabara e devolvidas à baía depois de tratadas.Observa-se uma especulação particular sobre o que poderia vir a arquitetura do amanhã. Se a capacidade de contribuir para os processos de significação museal pode ser destacada como característica presente em ambos os projetos arquitetônicos, também pode-se verificar que ambos os museus mobilizam a ideia de arquitetura entendida como “invólucro”.
7O referido túnel, cuja entrada se situa próxima ao hall de entrada, é ocasionalmente aberto ao público em exposições temporárias.
8Trechos de depoimentos dos visitantes, coletados em set. 2017. 9Op. cit.
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Pode-se traçar um paralelo com a ideia exposta por Santiago Calatrava, ao mencionar que (CALATRAVA,“ cf. ROSENFIELD, 2015, tradução nossa).
Ainda que se configurem como invólucros para museografias cambiantes, deve-se destacar que os projetos de museografia concebidos apresentam pouca flexibilidade para compor novos arranjos espaciais, sendo que alterações expográficas restringem-se à atualização ocasional de conteúdos, acessíveis através da museografia interativa. Na primeira década de atuação do Museu do Futebol, houve apenas um projeto de atualização expográfica de grande porte, realizado em 201511. Nesse sentido, a rigidez das narrativas desenvolvidas por ambos os projetos expográficos pareceu adequar-se de maneira mais fluida à compartimentação da planta do Museu do Futebol, em relação à planta livre do Museu do Amanhã. No segundo caso, foram observados problemas para o fluxo de visitação, como demonstrao depoimento de visitante: “ 12 Conforme é possível perceber, embora do ponto de vista teórico a aplicação do conceito de interatividade na arquitetura sugerisse o pensamento de circuitos museais flexíveis; nos casos analisados, ainda se observa forte presença da criação de visitas lineares de caráter
ACERVOSsequencial.DIGITAIS,
MUSEOGRAFIA INTERATIVA E ARQUITETURA. NOVOS DESAFIOS A análise comparativa entre os estudos de caso parece evidenciar certo descompasso entre criação de museus baseados em acervos digitais, elaboração de projetos expográficos interativos rígidos e o pensamento sobre o papel da arquitetura de museus nesse contexto. Em primeiro lugar, o artigo analisado buscou traçar a relação entre as demandas oriundas da constituição de museus baseados em acervos digitais, e evidenciou-se a necessidade de se delinear programas arquitetônicos capazes de responder às novas questões que se colocam. A concepção inicial que associava “museus semacervo” a grandes áreas expositivas e a reduzidas áreas técnicas mostrou-se frágil – tendo em vista que até mesmo museus entendidos como centros de referência possuem amplos acervos digitais que demandam áreas técnicas com funções específicas para sua elaboração e consulta por parte dos visitantes. Essa não parece ser uma questão especificamente formulada nos projetos dos museus em questão, tendo em vista
12Transcrição de depoimento de visitante (set. 2017).
10Entrevista concedida pelo arquiteto Mauro Munhoz em 16 mar. 2015.
11 Entrevista concedida por Daniela Alfonsi, diretora técnica do Museu do Futebol, em 29 mar. 2017.
Em ambos os casos, a museografia interativa surgiu como estratégia para garantir a aproximação entre instituição e público – envolvendo soluções e características muito distintas em relação ao tipo de aproximação que cada museu propõe o público ao desenvolver seu temagerador, podendo enfocar aspectos relacionados às modalidades “ e “ Embora o uso de dispositivos tecnológicos consista em apenas uma das possibilidades a serem desenvolvidas nesse sentido, sua ampla utilização nos projetos aponta para a necessidade de incorporação de soluções energéticas pelo projeto arquitetônico, tendo em vista que ambos os museus dependem de energia elétrica para seu funcionamento. Se no projeto original do Museu do Futebol, essa questão ainda estava sendo formulada; o Museu do Amanhã já incorporou essa questão em sua concepção.
411 que tanto o CRFB quanto o Observatório do Amanhã localizam-se em posições periféricas na planta dos museus, quase como anexos da exposição de longa duração. No Museu do Futebol, a área ocupada pela exposição principal é de cerca de 2655,60m²; enquanto as áreas técnicas ocupam aproximadamente 578,01m². Proporção equivalente pode ser observada no Museu do Amanhã, sendo que a exposição principal ocupa cerca de 2.238,00m², enquanto as áreas das galerias técnicas giram em torno de 596,56m². Essa relação entre áreas pode ser uma questão ser pensada, considerando que uma compreensão mais aprofundada das dinâmicas que envolvem esses museus indica a necessidade de ampliação do espaço para melhor atender às demandas institucionais (BRUNO & ARRUDA, 2010, p. 41).
Ademais, vale ressaltar que a interatividade também pode ser entendida não só como uma maneira de organizar e personalizar a navegação dos visitantes pelos bancos de dados em acervos digitais, mas também como um modo de propor maneiras de participação ativa do público na própria construção do acervo museal. Além disso, também pode ser vislumbrada como um estímulo para que a visita extrapole o espaço definido pelo museu, podendo reverberar em outras atividades relacionadas.
A arquitetura na formação de ambos os museus aparece como elemento fundamental, contribuindo ativamente para o processo de significação empreendido em ambas as instituições.
A experiência do corpo do visitante no espaço parece ganhar importância, sobretudo num contexto em que os acervos digitais dos museus também podem ser acessados à distância. Não obstante, o aspecto funcional dos edifícios igualmente adquire importância, tendo em vista a necessidade de servir de suporte para instalações museográficas que demandam constante atualização. Embora a arquitetura pareça responder bem a esse tipo de necessidade, a criação de narrativas expográficas fechadas, sequenciais e que oferecem poucas possibilidades de alteração ainda parecem consistir em dificuldades para o desenvolvimento do museu como espaço de interação, que do ponto de vista teórico sugeriria o estabelecimento de percursos de visitação fluidos, delineados pelo interesse dos próprios visitantes. Nesse sentido, acredita-se na
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TIPOLOGIAS URBANAS, MÉTODOS E FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO MESA 8 412 importância de se refletir e consolidar os estudos sobre criação desses espaços na Rcontemporaneidade.EFERÊNCIASARAÚJO,MarceloMattos;
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