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11.1.8 Remoção de Repintura

11.1.8 Remoção de Repintura

As evidências apontadas ao longo do tratamento quanto a qualidade das repinturas, seja estética, material ou técnica, a incapacidade estrutural em que se encontravam, devido a pouca compatibilidade dos materiais com a madeira carbonizada sem enrijecimento, a não representação das chagas, um forte elemento iconográfico para o São Francisco de Assis Penitente, e, em contrapartida, o bom estado de conservação encontrado para o original, apesar do incêndio, começaram a subsidiar discussões, as quais as sínteses constaram no capítulo de Critérios de Intervenção, para a remoção completa das repinturas.

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Para certificar a possibilidade da remoção até o original, procedeu-se o aprimoramento dos exames estratigráficos de 2014, com prospecções em mais áreas na carnação do São Francisco, na base e nos atributos, ficando clara a correspondência das camadas pictóricas. Além disso, cortes estratigráficos foram realizados por Claudina Moresi, que confirmaram o trazido pelas janelas. Os resultados subsidiaram a confecção dos mapeamentos dos Esquema 8, Esquema 9, Esquema 11 e o ANEXO 1, concomitantemente ao aumento de segurança para ratificar a decisão de reestabelecer o original como camada pictórica visível. Deste modo, iniciou-se a remoção mecânica da Repintura 3 com um bisturi (cabo Nº3, lâminas Nº15 e Nº15C), na tentativa de remover, metodologicamente, cada uma das camadas por vez, registrando passo a passo. Decidindo-se por começar a remoção a partir das áreas de carnação chamuscadas na nuca e no pescoço, indo para a face e os membros. Essa repintura era facilmente eliminada mecanicamente, pois a camada pictórica apresentava-se muito fina e quebradiça (ver ilustrações abaixo).

Fotografia 113 – Remoção mecânica da Repintura 3 na nuca e no pescoço da escultura. Fotografia 114 – Remoção da Repintura 3 da testa e verniz oxidado.

Fonte: Fotografia da autora (18 mar. 2015). Fonte: Fotografia da autora (25 mar. 2015).

Fotografia 115 – Remoção de Repintura 3 no pé direito. Fotografia 116 – Remoção da Repintura 3 da mão direita.

Repintura 1 Original

Repintura 3

Repintura 2

Fonte: Fotografia da autora (08 abr. 2015). Fonte: Fotografia da autora (17 set. 2016).

Apesar das tentativas de proceder a remoção por camadas, a compatibilidade entre a Repintura 2 e a 1, a pouca espessura da Repintura 2, juntamente com a falta de aderência da base de preparação muito grossa da Repintura 1 fazia com que ambas se quebrassem em placas. Assim, somente da região do rosto conseguiu-se documentar os parciais da remoção (Fotografia 117, Fotografia 118, Fotografia 119 e Fotografia 120). Resumidamente, após a eliminação da Repintura 3, devido a fragilidade das Repinturas 2 e 1 que se desprendiam juntas e sem muito esforço ao toque do bisturi com a lâmina, chegava-se até a base de preparação da Repintura 1, reservando uma espessura milimétrica desta sobre a policromia original. O fino resquício da base de preparação foi removido com swab umedecido em água deionizada, o que garantiu que a lâmina do bisturi não atingisse a superfície do original, fato para o qual a camada de material ceroso, utilizado como proteção da policromia original também contribuiu. Os pontos de mais difícil remoção foram aqueles em que se aplicou a Repintura 2 diretamente sobre o original, sem a base de preparação. Para estes, o uso do gel de xilol192, aplicado com swab, contribuiu com a remoção, solubilizando a cera que funcionava como interface entre o original e as repinturas.

Ressalva-se que, durante o manuseio para a remoção das repinturas da face, a haste metálica afixada na tonsura foi suprimida, pois apresentava grande fragilidade, chegando a se quebrar. Durante o processo, destacaram-se dois pregos em cada pé, uma volumetria escultórica bem mais delicada e várias perdas de suporte provocadas pelo ataque de xilófagos, todos até então desconhecidos em consequência à grande espessura da base de preparação da Repintura 1. Galerias superficiais acompanhavam essas perdas e algumas delas estavam carbonizadas internamente, mas com a policromia original intacta na

192 O gel de xilol é uma formulação criada por Richard Wolbers, consistindo em 50 mL de xilol, 20 mL de triton e 30 mL de solução de trietanolamina a 1% em água (6 gotas de trietanolamina em 30 mL de água).

superfície. O fogo/ calor percorreu o oco das galerias, ambiente com oxigênio e capaz de manter a combustão.

Fotografia 117 – São Francisco de Assis com todas as camadas de repintura da carnação.

Fonte: Fotografia da autora (26 mai. 2014).

Fotografia 118 – Remoção das Repinturas 3 e 2 no lado direito da escultura.

Fonte: Fotografia da autora (29 jun. 2017).

Fotografia 119 – Remoção da Repintura 1 no lado esquerdo da escultura.

Fonte: Fotografia da autora (29 ago. 2017).

Fotografia 120 – Remoção total da repintura. Vista do original.

Fonte: Cláudio Nadalín (27 set. 2017).

Finalizada a remoção nos pés, estes receberam impregnação de Paraloid® B72 a 10% em acetona PA, para enrijecimento da madeira carbonizada em áreas sem policromia. Posteriormente a secagem da resina consolidante, introduziu-se massa de microesfera de vidro K1, da marca 3M, e Paraloid® B72 a 10% em acetona PA nas galerias internas e superficiais, com uso de seringa plástica, agulha e espátula dental. Valeu-se, igualmente, da massa de serragem fina com PVA em água (2:1), a fim de se modelar as áreas de perda do suporte, retomando as características da talha.

Fotografia 121 A e B – Pés durante a remoção das Repinturas 2 e 1.

Fonte: Fotografia da autora (15 mar. 2017).

Fotografia 122 A e B – Pés após a remoção das Repinturas 2 e 1. Consolidação das galerias e perdas de suporte com microesfera de vidro K1 e massa de serragem.

Fonte: Fotografia da autora (20 abr. 2017).

A B

A B

O mesmo tratamento foi dado às mãos, todavia estas não necessitaram de consolidação do suporte com massas. Percebeu-se que dois dedos da mão direita (dedo mínimo e anular) eram acréscimos ao suporte original, anexados por uma massa branca, lisa e bastante dura. A ponta do dedo polegar da mesma mão havia sido rompida e com a remoção pode retornar a seu local, sendo refixada com PVA puro e pressão.

Fotografia 123 A, B, C e D – Remoção das Repinturas 2 e 1 da mão direita.

A B

C

A D

Fonte: Fotografia da autora (03 mai. 2017/ 21 ago. 2017).

Fotografia 124 A, B, C e D – Remoção das Repinturas 2 e 1 da mão esquerda.

B

C D

Fonte: Fotografia da autora (03 mai. 2017/ 21 ago. 2017).

Após a remoção completa das repinturas foram realizados os registros fotográficos de luz visível para compreensão da totalidade de áreas carbonizadas e lacunares (ver ilustrações na sequência). Em cada um dos membros, a policromia original foi encontrada em três diferentes estágios de deterioração, mesclados entre si: a) De escurecimento superficial, sobretudo da camada de proteção, e sujidades;

Fotografia 125 A, B, C e D – São Francisco de Assis após a remoção das repinturas. Vista frontal (A), lateral direita (B), lateral esquerda (C) e posterior (D).

A B C

Fonte: Cláudio Nadalín (27 set. 2017).

D

b) Atingida pelo calor extremo, a camada pictórica escureceu localmente e formou pequenas bolhas de ar que se romperam ou foram rompidas durante a intervenção da Repintura 1, gerando inúmeras perdas circulares que expunham a base de preparação original;

c) Carbonização completa, juntamente com o suporte. Notou-se, ainda, que a carbonização do suporte se deu abaixo da camada pictórica original, sem o contato direto com o fogo, mas devido à atuação excessiva do calor durante o incêndio193 .

Fotografia 126 A, B, C e D – Detalhes de São Francisco de Assis após a remoção das repinturas. Cabeça: Superior (A e B), Frontal (C) e Posterior (D).

A B

193Cita-se como referência o trabalho de conservação-restauração da Virgen del Carmen, onde é especificado igualmente a carbonização da madeira abaixo da policromia original devido ao calor excessivo durante incêndio.

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