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FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE – FAINOR CURSO DIREITO

MARIA DE LOURDES LUZ DE CARVALHO

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS

Vitória da Conquista – BA 2011


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MARIA DE LOURDES LUZ DE CARVALHO

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS

Monografia apresentada a Faculdade Independente do Nordeste - FAINOR, Curso de Direito, como pré-requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador (a): Profª. Kathiuscia Gil Santos

Vitória da Conquista – BA 2011


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MARIA DE LOURDES LUZ DE CARVALHO

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS

Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA / COMISSテグ AVALIADORA

_____________________________________________ Josテゥ Carlos Melo Miranda de Oliveira FAINOR

_____________________________________________ Kathiuscia Gil Santos FAINOR

_____________________________________________ Luciano de Oliveira Souza Tourinho FAINOR


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C331l

Carvalho, Maria de Lourdes Luz de A Lei Maria da Penha e suas medidas protetivas. / Maria de Lourdes Luz de Carvalho . _ _ Vitória da Conquista, 2011 118f. Monografia (Graduação em Direito) Orientador(a): Prof. Kathiuscia Gil Santos 1. Crime contra a mulher 2 Lei Maria da Penha. 3. Violência doméstica e familiar. I Título CDD 345.81025

Catalogação na fonte: Biblioteca da Fainor


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Dedico

Aos meus pais, Ruti e Maurício, os responsáveis pela formação da pessoa que sou, pelo imenso amor e por estarem sempre comigo; Aos meus maravilhosos irmãos, João Luiz e José Maurício, que sempre vibram com minhas conquistas; A Gabriel, de forma especial, pelo amor, companheirismo e apoio incondicional; A todos aqueles que sempre acreditaram que eu seria capaz.

Ofereço

Ao Centro de Referência da Mulher Albertina Vasconcelos - CRAV, em Vitória da Conquista – BA, pelo belo trabalho realizado; À Maria da Penha Maia Fernandes que, com sua trajetória de vida, fomenta o desejo de se contribuir com a erradicação da violência doméstica e familiar perpetrada contra a mulher.


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AGRADECIMENTOS

A Deus, razão maior da minha existência, fonte de fé na qual busco incessantemente força e refúgio. À Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR – em nome dos professores e amigos Edgard Larry, Edvaldo Gama e Sebastião Lopes, pela oportunidade de crescer pessoal e profissionalmente. Aos componentes da banca examinadora, os queridos professores Kathiuscia Gil, José Carlos Melo e Luciano Tourinho. Ao Núcleo de Prática Jurídica – NPJ/FAINOR – em nome de sua coordenadora, a professora e amiga Maria Norimá, pela confiança e oportunidade de contribuir com as atividades desse Núcleo. Aos meus pais e irmãos, meus grandes amores, por fazerem parte da minha vida, sempre acreditando e me fazendo acreditar que tenho potencial, com um amor único e incondicional, por nunca desistirem de mim. A Gabriel, pela presença constante, sempre demonstrando paciência e compreensão, com um amor muito especial, carinho e companheirismo, e pelo incentivo e apoio que, juntamente com sua família, dispensa a mim. A minha dinda Nina e ao meu avô Júlio, pelo amor, carinho e torcida constantes. Às minhas tias Miriam e Sônia, por tanto amor e amizade. À vó Murita e tia Ana, pelo amor e pelas orações sempre. Às amigas que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão desta etapa, especialmente, Mariana, Milene e Telma. À professora e orientadora, a amiga Kathiuscia Gil, que aceitou prontamente o convite para orientação deste trabalho, ajudando-me com seus conhecimentos. À professora Luciana Reis, sempre atenciosa e educada, pelos apontamentos pertinentes. Aos professores, por contribuírem para a minha formação acadêmica, em especial ao querido mestre e amigo, professor Paulo Cezar Martins. Ao Centro de Referência da Mulher Albertina Vasconcelos – CRAV, na pessoa de sua coordenadora, Angélica Andrade, pela oportunidade de conhecer e partilhar do importante trabalho realizado, incentivando-me nesta produção. Por fim, gostaria de agradecer a todos aqueles que participaram desta trajetória, que foram e são especiais pelo simples fato de existirem na minha vida.


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“Viva! Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito pra ser insignificante.” Charles Chaplin


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RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar os aspectos da Lei nº 11.340/06, especialmente a questão de suas medidas protetivas. A aprovação desta Lei trouxe novos mecanismos, com respostas mais efetivas do Estado, possibilitando, assim, encorajar um maior número de mulheres a formalizar denúncias. Portanto, visa estudar e compreender seu procedimento, classificando as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, com a identificação do agente agressor, das medidas de proteção, entre demais recursos que permitam solucionar ou minimizar o conflito no lar. Não é suficiente definir o sexo biológico. Entre os sujeitos deve haver uma relação pessoal, isto é, uma relação de afetividade, decorrente tanto da convivência no lar, do relacionamento amoroso, como de parentesco em sentido amplo. E mais, na definição dos sujeitos do crime, são irrelevantes suas preferências sexuais, não perdendo proteção penal especial a mulher cuja orientação sexual seja diversa da tradicional. Igualmente, não pode o homem agressor vir a eximir-se dos rigores preconizados pela legislação, invocando, para tanto, opção sexual diferente daquela idealizada para o macho no patriarcado. Verificando, nesse contexto, que a desigualdade entre os sexos é um problema que aflige a sociedade por séculos, ensejando a violência doméstica e familiar contra a mulher, veio a Lei Maria da Penha, como forma de mudar essa realidade, criar mecanismos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, optando o legislador por afastar a incidência da Lei nº 9.099/95, denominada Lei dos Juizados Especiais. A novel Lei, representando um relevante avanço no que diz respeito à proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, constitui, por conseguinte, um tema de grande importância ao ordenamento jurídico, bem como à sociedade brasileira como um todo.

Palavras-chave: Crime Contra a Mulher. Lei Maria da Penha. Violência Doméstica e Familiar.


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ABSTRACT

This paper aims to examine aspects of Law No. 11.340/06, especially the question of their protective measures. The passage of this Act brought new mechanisms, more effective responses to the state, thus enabling one to encourage more women to formalize complaints. Therefore, to study and understand your procedure, classifying the forms of domestic violence against women, with the identification of the offending agent, protective measures, among other resources to solve or minimize the conflict in the home. It is not enough to define the biological sex. Among those there should be a personal relationship, that is, a warm relationship, resulting from both living at home, the love relationship, as in the broad sense of kinship. Moreover, the definition of the subjects of crime, their sexual preferences are irrelevant, without losing protection special criminal woman whose sexual orientation is different from the traditional. Likewise, man can not see the perpetrator escape from the rigors advocated by the legislation, calling for both, sexual orientation different from that designed for the male patriarchy. Viewing in this context that gender inequality is a problem that afflicts society for centuries, giving rise to domestic and family violence against women, came to Maria da Penha Law, as a way to change this reality, and create mechanisms to prevent prevent violence against women, choosing the legislature by rejecting the levy of Law No. 9.099/95, known as the Law of Special. The novel Law, representing a significant advance with regard to the protection of women victims of domestic violence, is therefore a matter of great importance to the legal system, as well as society as a whole. Key-words: Crime Against Women. Maria da Penha Law. Domestic and Family Violence.


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LISTA DE SIGLAS

APAVV - Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência CEDAW – (Committee on the Elimination of Discrimination against Women) - Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEJIL - Centro para a Justiça e o Direito Internacional CLADEM - Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CONTEE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

JVDFMs - Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher OEA - Organização dos Estados Americanos


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................

01

ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI MARIA DA PENHA...........................................

04

1

A LUTA DAS MULHERES NA BUSCA DE NOVOS DIREITOS..................

04

1.1

A LUTA POR DIREITOS DAS MULHERES....................................................

04

1.2

HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA.......................................................

07

1.2.1

Denominação “Maria da Penha”..........................................................................

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1.3

A LEI MARIA DA PENHA E A CARTA MAGNA..........................................

13

1.3.1

Desigualdades. e direitos. relacionados à mulher antes da Constituição Federal de 1988 .......... ....................................................................................................

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1.3.2

Desigualdades e direitos relacionados à mulher após a Constituição Federal de 1988... ..................................................................................................................

21

1.3.3

Princípio da Igualdade..........................................................................................

23

FORMAS DE VIOLÊNCIA E PECULIARIDADES DA LEI Nº 11.340/06................

26

2

ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA LEI Nº 11.340/06................

26

2.1

COMPROMISSOS INTERNACIONAIS............................................................

26

2.1.1

A força dos Tratados Internacionais.....................................................................

28

2.2

FINALIDADE DA LEI Nº 11.340/06.................................................................

30

2.3

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.............

31

2.3.1

Âmbito de abrangência da violência doméstica e familiar contra a mulher........

33

2.3.2

Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher..................................

35

2.3.3

Definição dos sujeitos ativo e passivo da violência doméstica e familiar contra a mulher................................................................................................................

38

A LEI MARIA DA PENHA E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS..................

39

3

A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95...............................................

39

3.1

A CRIAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95......................................................................

39

3.1.1

Princípios Fundamentais dos Juizados Especiais.................................................

43


12

3.1.2

Institutos despenalizadores...................................................................................

43

3.1.2.1

Composição dos danos civis................................................................................

44

3.1.2.2

Transação penal....................................................................................................

45

3.1.2.3

Suspensão condicional do processo.....................................................................

47

3.1.3

Motivos que determinam a não incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.....

49

3.2

AÇÃO PENAL.....................................................................................................

50

3.2.1

Ação penal pública incondicionada......................................................................

51

3.2.2

Ação penal pública condicionada à representação...............................................

51

3.3

DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO DO ARTIGO 16 DA LEI Nº 11.340/06.........................................................................................................

52

MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER E A PRISÃO CAUTELAR COM ENFOQUE NA LEI Nº 11.340/06.....................................................................................

54

4

MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI Nº 11.304/06.................

54

4.1

TUTELA DE URGÊNCIA..................................................................................

54

4.2

PROCEDIMENTO DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER................

56

4.3

MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR...........................

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4.4

MEDIDAS DE PROTEÇÃO À OFENDIDA......................................................

58

4.5

PRISÃO PREVENTIVA.....................................................................................

59

CONCLUSÃO....................................................................................................................

61

REFERÊNCIAS.................................................................................................................

64

ANEXOS.............................................................................................................................

68

ANEXO A - Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006........................................................

68

ANEXO B - Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher..................................................................................................................

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ANEXO C - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher..................................................................................................

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ANEXO D - Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.....................................................

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INTRODUÇÃO

Ao longo da história, as relações desiguais entre homens e mulheres implicaram numa série de graves consequências para a sociedade como um todo. Tendo contribuído para isso até mesmo a questão da superioridade masculina, a qual relegava - e ainda o fez por muito tempo - a mulher à condição de “sexo frágil”. E, neste contexto de desigualdades, mulheres no mundo inteiro vivenciaram e ainda vivenciam o ciclo da violência, sendo esta corroborada pela manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que levaram à dominação e à discriminação contra essas. No Brasil, país marcado por contexto histórico cuja ideologia estigmatiza o gênero feminino, são muitos os casos de violência e discriminação contra a mulher, sendo essa violência uma realidade bastante presente nos dias de hoje. Daí a relevância em se estudar assuntos, assim, que ainda apresentam lacunas a serem colmatadas. Partindo do pressuposto de que todo indivíduo é titular de Direitos Humanos que se constituem em Direitos Fundamentais assegurados pela Constituição Federal, a violência, por si só, configura-se numa violação à proteção e à garantia da dignidade humana. E, a violência, em específico, contra a mulher, de acordo com a Lei nº 11.340/06 (mais conhecida como a Lei Maria da Penha), pode ser entendida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Esse tipo de violência engloba não apenas os maus tratos físicos, mas qualquer ato que tenha ou possa ter como resultado um mal ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, o que inclui ameaças, coação ou privação arbitrária da liberdade. A violência contra a mulher pode ocorrer em casa, seja da vítima ou do agressor, ou na rua, compreendendo-se, assim, o local de trabalho, de estudo, de lazer, dentre alguns outros. Pode ser praticada por pessoas que são ou se consideram parentes, unidas por laços naturais, por afinidades ou por vontade expressa, ou até mesmo mediante tolerância ou cometida pelo Estado ou seus agentes; além de poder acontecer em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independendo de coabitação. Portanto, tem este trabalho como seu objetivo geral o estudo da violência doméstica e familiar contra a mulher com enfoque na Lei 11.340/06, em especial de suas medidas protetivas. Como objetivos específicos, visa demonstrar as desigualdades e direitos em


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relação à mulher no período anterior e posterior à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; analisar o Princípio da Igualdade diante da edição da novel Lei; demonstrar a importância dos tratados internacionais na jurisdição interna; identificar quem a lei conceitua como sujeitos ativo e passivo, bem como descrever as medidas de proteção à mulher e sua aplicabilidade. A finalidade está em investigar os meios que favoreçam a proteção da mulher vítima de violência doméstica, bem como os meios punitivos para os agressores, observando, assim, as peculiaridades do procedimento processual. Para isso, o Capítulo 1 principia com a evolução histórica da referida Lei, debatendo-a com alguns dispositivos determinados pela Carta Magna. O Capítulo 2, por sua vez, apresenta a Lei sob comento em seus aspectos materiais e processuais, com as peculiaridades advindas da nova sistemática trazida em sua redação, ostentando as diversas formas de violência doméstica, suas hipóteses de ocorrência e os sujeitos passíveis de sofrê-la. No Capítulo 3, serão analisados aspectos da Lei nº 9.099/95, quanto à sua criação, princípios fundamentais norteadores, institutos despenalizadores, confrontando-se, assim, os dispositivos dos Juizados Especiais Criminais com a Lei Maria da Penha. Por fim, o Capítulo 4 trata das Medidas Protetivas de Urgência previstas na Lei Maria da Penha que ocasionam uma maior segurança na aplicação da Lei às vítimas de violência doméstica, além da possibilidade de decretar ao agressor a segregação cautelar. O encerramento do presente trabalho se dá com a apresentação de pontos conclusivos destacados, seguidos de um estímulo à continuidade dos estudos e das reflexões acerca da Lei em comento. Todavia, foram levantados os seguintes questionamentos: Qual o objetivo da criação da Lei 11.340/06? Quais as medidas protetivas cabíveis no procedimento da Lei 11.340/06? Como é instaurada a competente ação penal na Lei Maria da Penha? O Ministério Público é legitimado ativo para propor a ação penal procedente da Lei Maria da Penha? Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, num primeiro momento, foram buscados e recolhidos dados, sob a moldura do referente estabelecido, utilizando a pesquisa bibliográfica para identificá-los a fim de se ter uma percepção geral do assunto. A pesquisa bibliográfica refere-se à técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais (PASOLD, 2005, p. 239).


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Posteriormente, os dados foram ordenados e avaliados, explicitando-se previamente os motivos, os objetivos e o produto desejado com a delimitação do alcance temático para a pesquisa. Diante do exposto, este estudo visa proporcionar uma maior compreensão, à sociedade como um todo, não só aos operadores do Direito, sobre a importância da Lei nº 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, e suas disposições. Tudo isto, visando uma contribuição para a ampliação da cidadania feminina na luta contra a violência por ela sofrida.


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ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI MARIA DA PENHA

1.

A LUTA DAS MULHERES NA BUSCA DE NOVOS DIREITOS

1.1

A LUTA POR DIREITOS DAS MULHERES

O feminismo e seus movimentos, por meio de reivindicações e conquistas pelos direitos das mulheres, endosssaram grandiosas perspectivas, pairando em práticas sociais contemporâneas. Tais reivindicações, no Brasil, foram sendo agregadas às leis vigentes do atual ordenamento jurídico, porém, essa luta se deu de maneira lenta, à custa de incessantes protestos sociais femininos. O movimento feminista nasce no Brasil, de forma regular e com consistentes propostas, influenciado pelos movimentos sufragistas americano e inglês, aproximando-se mais do americano. Foi Bertha Lutz quem se destacou na luta pelo sufrágio feminino. Conforme a líder da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino – FBPF (fundada em 1922), o sufrágio representava o instrumento básico de legitimação do poder político, concentrando a luta no nível jurídico institucional da sociedade (BIANCHINI, 2009, p. 08). Entretanto, o feminismo sofreu um período de estagnação, advindo, sobretudo, do caráter do governo da época que impedia qualquer tipo de manifestação popular. Ao mesmo tempo, surge para a mulher o direito ao voto, e com ele a oportunidade de participar da vida nacional. No ano de 1931, Bertha Lutz, então presidente da FBPF, promove o II Congresso Internacional Feminista, que, menciona Bianchini (2009, p. 08): Foi a ocasião em que as congressistas tem acesso ao Presidente do Governo Provisório, Getúlio Vargas, que se comprometeu, pessoalmente, não envidar esforços em prol da campanha sufragista. Tal empenho se concretiza com a elaboração do Código Eleitoral, no ano seguinte, o qual permite as mulheres o direito ao voto.

Todavia, o movimento feminista toma corpo, ganhando força no contexto dos movimentos contestatórios dos anos 60, munido da ideologia de que “o pessoal é político”, pensado não somente como uma bandeira de luta mobilizadora, mas também como uma


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reflexiva crítica aos parâmetros conceituais do político. Assim, foram rompidos os limites do conceito de político, isto é, no campo da política que aqui é entendida como o uso limitado do poder social. Entende-se que o referido movimento atrai para a esfera dos questionamentos políticos determinados pontos que, até então, eram tidos como específicos do poder privado. Sobre o tema menciona Álvarez apud Martini (2009): O movimento resignificou o poder político e a forma de entender a política ao colocar novos espaços no privado e no doméstico. Sua força está em recolocar a forma de entender a política e o poder, de questionar o conteúdo formal que se atribuiu ao poder e as formas em que é exercido. Distingue-se dos outros movimentos de mulheres por defender os interesses de gênero das mulheres, por questionar os sistemas culturais e políticos construídos a partir dos papéis de gênero historicamente atribuídos às mulheres, pela definição da sua autonomia em relação a outros movimentos, organizações e o Estado e pelo princípio organizativo da horizontalidade, isto é, da não existência de esferas de decisões hierarquizadas.

Nesse contexto, visualizam-se os grandes alcances que o movimento feminista obteve, não medindo esforços para continuar sua luta em busca de mais resultados, sobremaneira quanto à sociedade discriminadora. A partir daí, em torno dos anos 70, o feminismo ressurge como um movimento de massas, com inegável força política e grande potencial de transformação social. Aparecem, assim, várias organizações atuando como núcleos congregadores de mulheres. Elas desenvolvem atividades permanentes – grupos de trabalho, pesquisa, debates, cursos, publicações – e participam de campanhas que levaram milhares de mulheres às ruas por suas reivindicações específicas, dentre as quais destacam-se: sexualidade e violência, saúde, ideologia e formação profissional e mercado de trabalho (BIANCHINI, 2009, p. 08).

Além disso, verifica-se o nascimento do feminismo em meio ao autoritarismo e à repressão de regimes militares dominantes e de falsas democracias nitidamente autoritárias. Ele surge, consequentemente, da resistência das mulheres à ditadura militar, por conseguinte, ligado de forma intrínseca aos movimentos de oposição que lhe proporcionaram uma especificidade determinante e como consequência do processo de modernização que ensejou uma maior inserção das mulheres no mercado de trabalho e a ampliação do sistema educacional.


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Álvarez apud Martini (2009) destaca que: (...) nesse processo de transição o intenso labor que as feministas enfrentaram ao serem obrigadas constantemente a lidar com a discriminação, a repensar sua relação com os partidos políticos dominados pelos homens, com a igreja progressista, com um Estado patriarcal, capitalista e racista.

No ano de 1975, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, representando um marco do movimento feminista. A partir desse momento, verifica-se um aumento significativo de associações, grupos e demais formas organizativas ligadas ao feminismo. Nesse mesmo ano, foi criado o Movimento Feminista pela Anistia, considerado o primeiro movimento organizado de contestação à ordem vigente, surgido onze anos após o regime de execução (BIANCHINI, 2009, p. 08). As feministas, munidas cada vez mais pelo ideal que as mobilizavam, continuaram com suas reivindicações no passar dos anos, mantendo sempre seu foco ideológico. Em diversos momentos, a atuação do feminismo na relação com o Estado representou um processo de difícil assimilação para o interior do movimento. A participação nos conselhos, em especial no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), por exemplo, foi tida como uma questão polêmica que incitou ânimos no VII Encontro Nacional Feminista, realizado em Belo Horizonte no ano de 1985. No período da Assembléia Nacional Constituinte, conjuntamente com o movimento feminista autônomo e outras organizações do movimento de mulheres de todo o país, o CNDM conduziu a campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher” com o objetivo de articular as demandas das mulheres. Foram realizados eventos em todo o país e posteriormente as propostas regionais foram sistematizadas em um encontro nacional com a participação de duas mil mulheres. Estas demandas foram apresentadas a sociedade civil e aos constituintes através da “Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte” (COSTA apud MARTINI, 2009). Denota-se, desta feita, uma tentativa de participação efetiva nas questões políticas nacionais, pelo movimento feminista, reforçada, principalmente, pela articulação feminista, que representou uma quebra nos tradicionais modelos de representação vigentes até então no país, na medida em que o próprio movimento defendeu e articulou seus interesses no espaço legislativo sem a intermediação dos partidos políticos.


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Pinto apud Martini (2009) explica muito bem esse quadro ao afirmar: A presença constante das feministas no cenário da Constituinte e a consequente “conversão” da bancada feminina apontam para formas de participação distintas da exercida pelo voto, formas estas que não podem ser ignoradas e que talvez constituam a forma mais acessível de participação política das feministas. Este tipo de ação política, própria dos movimentos sociais, não passa pela representação. Constitui-se em pressão organizada, tem tido retornos significativos em momentos de mobilização e pode ser entendida como uma resposta à falência do sistema partidário como espaço de participação.

Diante disso, tem-se o resultado das articulações feministas como um demonstrativo de forças, além da capacidade de mobilizar e articular novas alianças com o fito de propostas transformadoras, da condição feminina e de toda a sociedade brasileira. A mulher quer, assim, participar, e, por meio de reivindicações, caminha em busca de sociedade participativa, tornando esquecida aquela unilateral masculina. Entretanto, vale ressaltar que a chegada até aqui foi traçada por um caminho de dilemas, mudanças, enfrentamentos, ajustes, desajustes, derrotas e vitórias. O feminismo teve de enfrentar o autoritarismo da ditadura militar, construindo novos espaços públicos democráticos, concomitantemente se rebelando em face do autoritarismo patriarcal presente nas diversas instituições sociais, como a família, a escola, os locais de trabalho, até mesmo no Estado. Além disso, vislumbrou a possibilidade de manter a autonomia ideológica e organizativa numa interação com partidos políticos, sindicatos, além de demais movimentos sociais. Para tanto, procurou criar novos espaços de interlocução e atuação, principalmente, permitindo o surgimento de novas práticas, iniciativas e identidades feministas. Cada vitória significou o surgimento de novas demandas e outros enfrentamentos, todavia, longe está o feminismo de representar um consenso na sociedade brasileira, a exemplo das resistências culturais e políticas enfrentadas, ainda hoje, pela implantação de políticas especiais para mulheres.

1.2. HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA

É conhecido que as mulheres, desde os tempos mais antigos, vêm enfrentado violência de diversas formas, como a física, moral, a psicológica, entre outras.


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Pesquisas apontam que a primeira base de sustentação da ideologia de hierarquização masculina em relação à mulher, e sua consequente subordinação, possui cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) anos, através do filósofo helenista Filon da Alexandria, que propagou sua tese baseado nas concepções de Platão, que defendia a ideia de que a mulher pouco possuía capacidade de raciocínio, além de ter alma inferior à do homem. Ideias, estas, que transformaram a mulher na figura repleta de futilidades, vaidades, relacionada tão-somente aos aspectos carnais (CAMPOS, 2007, p. 99). Tem-se, aí, uma justificativa científica à superioridade masculina quanto ao gênero feminino. Aristóteles, por sua vez, discorreu sobre o conhecimento humano como sendo o maior alcance oriundo desse ser. Nesse contexto, posicionou o homem com superioridade e divindade em relação à mulher, já que esta se compunha como um ser emocional, desviado do tipo humano. Assim, a alma tem domínio sobre o corpo; a razão sobre a emoção; o masculino sobre o feminino (CAMPOS, 2007, p. 100). Diante dessa visão deturpada a sociedade veio se desenvolvendo ao longo dos séculos, tornando existente uma cultura de subordinação da mulher em relação ao sexo masculino, que, infelizmente, ainda vigora nos dias atuais. Protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do sexo que é respeitado por sua virilidade (DIAS, 2007, p. 16). Sendo assim, com a cultura machista da sociedade, somada à banalização da violência perpetrada contra as mulheres no sei familiar, não restaria saída para as vítimas senão se submeterem a essa situação, na falta de uma lei severa que punisse os agressores de forma eficaz, que lhes devolvessem a dignidade ofuscada pelo sentimento de repressão a que foram subjugadas. Existiu um prolixo processo para então, estar defronte à imagem de uma mulher distinta daquela estereotipada pela história, contendo valores e buscando sua dignidade. Essa busca, no Brasil, se deu de forma incessante até o sancionamento da Lei Maria da Penha, que veio consolidar os direitos humanos em relação às mulheres, vítimas de violência doméstica. A Lei Maria da Penha teve como alicerce uma série de fatores para sua criação. Inicialmente, cabe descrever acerca da 1ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no México, que resultou na elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, passando a vigorar em 1981 (CAMPOS, 2007, p. 42). É decorrente daí o impulso no sentido de que fossem reconhecidos os direitos humanos das mulheres, embora esse resultado tenha sido tardio. Somente em 1984 o Brasil passou a ser signatário dessa Convenção da Mulher, ou CEDAW, discorrendo acerca da


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necessidade dos Estados estabelecerem uma legislação concernente à violência doméstica contra a mulher. Posteriormente, o Brasil ratificou tal Convenção, abrigando o fórum internacional que aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em Belém do Pará, que se denominou Convenção de Belém do Pará, em 1994. Porém, mesmo após ter ratificado essa pretensão, não houve qualquer medida efetiva pelo Estado Brasileiro para materializar a proteção à mulher, continuando, assim, a ficarem à mercê do desamparo. A situação somente foi tomar outras dimensões a partir do caso da cearense Maria da Penha Maia Fernandes que, durante o lapso de tempo do matrimônio contraído com Heredia Viveiros, conviveu com seu temperamento hostil e agressivo. A mesma não se atreveu, no entanto, a separar do seu cônjuge, por temer as reações dele. Infelizmente a situação se tornou mais gravosa. No ano de 1983, Maria da Penha foi vítima de um disparo de arma de fogo deflagrado por seu marido na tentativa de assassiná-la. Por sorte a conduta do agente não resultou em sua morte, vindo ela, porém, a ficar em estado de paraplegia irreversível (CAMPOS, 2007, p. 42). Nesse contexto, pode-se constatar a brutalidade investida contra Maria da Penha, representando as inúmeras mulheres enquadradas na mesma situação, vitimadas por diversos tipos de agressão aos quais são submetidas por seus companheiros. Não obstante, passados alguns dias após o acontecido, mais uma vez o marido de Maria da Penha atentou contra sua vida, numa tentativa vil de eletrocutá-la durante o banho. Neste momento, cansada das investidas de seu agressor, a vítima resolveu lutar pela busca de seus direitos humanos. Decorreu cerca de 15 (quinze) anos o processo instaurado pelo Ministério Público, em 1984, sem que houvesse qualquer posição da Justiça Brasileira quanto à condenação do acusado, que se encontrava em liberdade. Foi quando a vítima buscou os órgãos internacionais protetores dos Direitos Humanos que apresentaram o caso à OEA, pela omissão e negligência do Estado Brasileiro que, mesmo após todas as denúncias ofertadas pela vítima, não havia deliberado acerca de alguma medida contra o agressor, ao longo de tantos anos (CAMPOS, 2007, p. 51). É mesmo de se lamentar que, no Brasil, o Poder Judiciário não tenha, por si, emitido sanção penal ao agressor, depois de tantos anos de espera, sendo preciso que órgãos mundiais interviessem para que fosse procedida.


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Neste norte, em 1998, os peticionários do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima Maria da Penha Maia Fernandes, encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), petição contra o Estado brasileiro, tendo-se em vista o fato do Brasil não estar cumprindo com os compromissos internacionais assumidos para o caso de violência doméstica, então sofrida pela vítima (CAMPOS, 2007, p. 44). Destarte, a Comissão de Direitos Humanos da OEA, através do relatório n. 54/2001, responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, uma vez que o mesmo inobservou o estabelecido no art. 7º da Convenção de Belém do Pará no tocante aos compromissos assumidos pelos Estados Partes para empenharem-se em: a. abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se comportem conforme esta obrigação; b. atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c. incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso; d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade; e. tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo legislativo, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas e consuetudinárias que respaldem a persistência ou tolerância da violência contra a mulher; f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos; g. estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher objeto de violência tenha acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes; e h. adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam necessárias para efetivar esta Convenção.

Além deste, a denúncia foi fundamentada na violação dos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que tratam, respectivamente, da obrigação dos Estados Partes respeitarem os direitos, garantias judiciais e proteção judicial. Como consequência da denúncia, no relatório n. 54/2001, recomendou-se ao Estado Brasileiro, dentre outras medidas, o prosseguimento e a intensificação do processo de reforma destinado à evitar a tolerância do Estado e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as mulheres, e “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar direitos e garantias do devido processo”, além do “estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de


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solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito

à sua

gravidade e às consequências penais que gera” (GUIMARÃES e MOREIRA, 2007, p. 15). Diante disso, criou-se no Brasil um Projeto de Lei, baseado no artigo 226, § 8º da CRFB/88, buscando “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, além dos tratados internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro (LIMA, 2008, p. 50). Contudo, aos 07 dias do mês de agosto do ano de 2006, é sancionada, pelo Presidente da República, a Lei nº 11.340/2006 que passou a vigorar em 22 de setembro do mesmo ano, representando um marco de grande relevância para as mulheres vitimadas de maus tratos, por resguardar legalmente sua integridade física e moral, além de sua dignidade humana.

1.2.1. Denominação “Maria da Penha”

O motivo determinante para a Lei nº 11.340/2006 ser chamada de Maria da Penha remonta ao ano de 1983, quando a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de violência doméstica, o que aparentemente seria somente mais um entre milhares de casos. Vale ressaltar que, mesmo antes de 1983, Maria da Penha e suas filhas eram acometidas pelas agressões de Heredia Viveiros. O temperamento violento deste fazia com que sua agressividade intimidasse a vítima, impedindo-a, por tempos, de deflagrar qualquer iniciativa de separação. Em 29 de maio de 1983, no Estado do Ceará, mais precisamente na cidade de Fortaleza, a farmacêutica Maria da Penha foi atingida em suas costas por um disparo de espingarda desferido por seu marido – o economista Marco Antônio Heredia Viveiros – tendo como resultado uma paraplegia. Na época, o agressor deu um relato à polícia de que se tratava de um caso de tentativa de roubo. No entanto, duas semanas posteriores à tentativa de homicídio, período no qual Maria ainda se convalescia da investida, de certa forma “frustrada” de seu agressor, aconteceu uma nova tentativa, agora por meio de uma eletrocussão através de descarga elétrica. Em junho do mesmo ano, foi dado início às investigações, porém a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. No ano de 1986, o réu foi pronunciado, sendo levado a júri em 04 de maio de 1991, quando teve uma condenação de oito anos de prisão.


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Consoante as informações apuradas nos autos, prestadas por testemunhas, o agressor de Maria da Penha, pouco antes de atentar contra sua vida, tentou convencê-la a contratar um seguro de vida, no qual seria seu único beneficiário, demonstrando, assim, a premeditação do crime. Para apelar da sentença, a defesa suscitou nulidade advinda de falha na elaboração dos quesitos. Acolhido o recurso, o réu, ainda em liberdade, foi submetido a um novo julgamento, no dia 15 de março de 1996, momento em que foi mais uma vez condenado, agora a uma pena de dez anos e seis meses de prisão. Ocorre que, novamente, recorreu em liberdade e apenas dezenove anos e seis meses após os fatos, em 2002, Marco Antônio Heredia Viveiros, finalmente, foi preso, mas dessa pena, cumpriu apenas dois anos de prisão. Vale salientar que a luta de Maria da Penha não ficou adstrita apenas ao território brasileiro. Conforme Souza apud Nascimento (2007): Teve ela o discernimento de levar a sua batalha pelos direitos humanos das mulheres aos campos internacionais, principalmente pela omissão brasileira em implementar medidas investigativas e punitivas contra o agressor, dentro do denominado razoável prazo de duração do processo, o que culminou com uma condenação do Estado

brasileiro perante órgãos internacionais. Posteriormente às tentativas de homicídio e no decorrer da tramitação do processo, Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violência e impunidade, chegando a ser coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência – APAVV – no Ceará. Assim, as informações sob comento, como as supramencionadas, representam o motivo pelo qual a Lei nº 11.340/06 recebeu a honrosa denominação de Lei Maria da Penha. Neste diapasão, mediante a aprovação da referida Lei, é o comentário de Maria da Penha, a saber: “Eu acho que a sociedade estava aguardando essa lei. A mulher não tem mais vergonha (de denunciar). Ela não tinha condição de denunciar e ser atendida na preservação da sua vida [...] não adianta conviver. Porque a cada dia essa agressão vai aumentar e terminar em assassinato” (CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino/Secretaria de Questões de Gênero e Etnia, 2007).


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1.3. A LEI MARIA DA PENHA E A CARTA MAGNA

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as mulheres passaram a ter reconhecidos os seus direitos humanos e cidadania plena. Essa conquista foi decorrente, em especial, das vastas mobilizações feitas pelas próprias mulheres, por meio de ações direcionadas ao Congresso Nacional, com a apresentação de emendas populares, além da articulação de movimentos que culminaram com a inserção da igualdade de direitos sob os aspectos de gênero, raça e etnias. Posto tais fatores, o Estado brasileiro ratificou sua assinatura, tornando-se signatário de dois tratados internacionais que se imputam exclusivamente à procedência e defesa dos direitos humanos das mulheres, quais sejam, a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Deste modo, “a Constituição, como documento jurídico e político dos cidadãos, buscou romper com um sistema legal fortemente discriminatório contra as mulheres e contribuiu para que o Brasil se integrasse ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, reivindicação histórica da sociedade” (CAMPOS, 2007, p. 143). Assim, contextualizando normas e princípios internacionais adotados em relação aos direitos humanos, a Constituição Brasileira aduz em seu art. 5º, § 2º: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Cabe ressaltar que, pela primeira vez, os direitos das mulheres foram mundialmente reconhecidos como direitos humanos, durante a Conferência Mundial de Direitos Humanos, o ano de 1993, em Viena – Áustria. Decorreu daí, pois, a Declaração sobre a Violência contra a Mulher, assunto que não tinha sido, até então, documentado no mundo inteiro. Finalmente, no ano de 1995, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, sediada em Pequim, na China, reconheceu-se definitivamente os direitos da mulher como sendo direitos humanos, constante em sua Declaração e Plataforma de Ação (DIAS, 2007, p. 25).


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Desta feita, a criação da Lei Maria da Penha vem calcada, especialmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, in verbis: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – (...); II – (...); III – a dignidade da pessoa humana; (...).

É oportuno, pois, discorrer acerca do princípio da dignidade humana corroborada pela norma constitucional brasileira. Para Otero (2007, p. 68): (...) a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade.

Ainda completa que tal princípio é “dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito”. Enredadas as considerações sobre os direitos humanos, mais precisamente do princípio fundamental da dignidade humana, esculpido pela Constituição Brasileira, o legislador da Lei Maria da Penha associou à citada legislação uma referência relacionada ao reconhecimento dos direitos da mulher, equiparando-os aos dos homens, enquanto ser humano. Assim, os artigos 2º e 3º da Lei sob comento enunciam perfeitamente os direitos da mulher, in verbis: Art. 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Sobre o tema discorreu Souza (2007, p. 42): O legislador da Lei relembrou que a mulher, enquanto ser humano igual, possui os mesmos direitos reconhecidos em favor do homem. Tal técnica deveria ser desnecessária, mas como efetivamente não o é, houve a reiteração em norma


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infraconstitucional, daquilo que a Constituição já prevê, porém que a prática indica que não se costuma cumprir.

No que concerne ao art. 3º da Lei Maria da Penha, dispõe: Art. 3º. Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar comunitária. § 1º - O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão. § 2º - Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

A norma legal trata mais especificamente do princípio da dignidade humana, tal qual menciona Souza (2007, p. 53): Este artigo 3º estabelece direitos que são consagrados na Constituição Federal, mas que agora aparecem relacionados em uma norma específica, em favor da mulher, tendo o legislador adotado uma redação bastante próxima àquela que o constituinte inseriu no artigo 227 da Constituição, em favor da criança e do adolescente. Mas, de qualquer sorte, é como se tivesse expressamente (reiterado) que a mulher deve ser respeitada em sua “dignidade humana” e que cabe ao Poder Público e à sociedade zelar por esse respeito.

Constata-se no enunciado de tal artigo a necessidade de corroborar que os direitos fundamentais, considerados que devem como direitos da pessoa humana, expandem-se em relação à mulher, não apenas ao homem que, demasiadas vezes, julga-se detentor da vida de suas respectivas companheiras. Inicialmente, o artigo supracitado pode estar fazendo menção ao evidente por tratar de questões já amparadas pela legislação constitucional, no entanto, possui explicação fática. Para Cunha e Pinto (2008, p. 25): É inegável, historicamente, que a construção legal e conceitual dos direitos humanos se deu, inicialmente, com a exclusão da mulher. Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre as mulheres e homens. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram. E em virtude da grande pressão das entidades não-governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos, ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena que os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais.


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É nesse âmbito de desigualdade entre homens e mulheres que a Lei Maria da Penha vislumbra o equilíbrio nas relações sociais entre os gêneros a fim de garantir, em favor das cidadãs, direitos inerentes à pessoa humana, quando feridos por indivíduos tidos física e socialmente “superiores” ao sexo feminino. Por estas, entre outras, razões, o legislador da Lei Maria da Penha confirma eu seu art. 6º, in verbis: Art. 6º. A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Assim sendo, o Estado, cuidou de legislar em favor das mulheres, na observância à primordial função dos regramentos sociais, qual seja, o humanismo, ainda que não tenha se dado de maneira absoluta, segundo entendimento jurisprudencial: Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de importante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das garantias individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético a que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (MS 23.452/RJ – TRIBUNAL PLENO – REL. MIN. CELSO DE MELLO – DJ 12.05.2000, p. 20).

Acompanhando este norte, tem-se uma nova dimensão somada aos direitos fundamentais, observando, para além da concepção igualitária constitucional, as concepções de gênero, pois resta insuficiente somente a igualdade promulgada pela lei, uma vez que não seja eficaz no meio social. Nada obsta, no entanto, que o direito venha a tratar de forma desigual aqueles juridicamente desiguais, já que, muito embora a Constituição Brasileira trate homens e mulheres como iguais, a realidade fática não evidencia a concepção dessa igualdade, fazendose oportuno que a Lei atente ao papel social. Consolidada nesses fundamentos, a Carta Magna admite, em determinadas situações, que a legislação promova um tratamento diferenciado entre as pessoas, para tanto que haja razoabilidade e proporcionalidade quanto à finalidade pretendida.


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É, portanto, previsto, pelo próprio texto constitucional calcado pelos Tribunais pátrios, o tratamento diferenciado em certas circunstâncias, desde que observada a realidade fática, conforme segue: São admitidas as diferenças em decorrência do sexo, em limitações impostas para inscrição em concursos públicos (por exemplo ingresso em Academia Militar de formação de oficiais de combatentes das Forças Armadas), com fundamento em razões de ordem sócio-constitucional (STF – RE 1120.305/RJ – 2ª TURMA – REL. MIN. MARCO AURÉLIO).

E ainda: No concernente ao foro privilegiado, no Estado de São Paulo, com relação ao divórcio direto, já se firmou o entendimento de que o privilégio é constitucional. O STJ, no entanto, apresenta uma tendência para considerar este privilégio de foro, no caso do divórcio direto, inconstitucional (STJ – RESP. 27.483/SP – REL. MIN. WALDEMAR ZVEITER – 3ª TURMA - DJ 07.04.1997, P. 11.112).

Desta feita, a nova legislação em favor da mulher, procurou não somente assegurá-las de seus direitos fundamentais – já concebidos pela Carta Magna – mas, sobretudo, garantir a efetividade do exercício desses direitos, contando para tanto com o apoio de políticas públicas previstas na Lei. Em síntese, a Lei Maria da Penha, veio resguardar às mulheres o exercício dos direitos constantes nos artigos 1º, II e III; 3º, I, III e IV; 4º, II; 5º, I e §§ 1º, 2º, 3º e 4º da Constituição Federal/88, atribuindo possível a reabilitação das vivências sociais entre os gêneros, por meio da igualdade jurídica por ela própria declarada.

1.3.1. Desigualdades e direitos relacionados à mulher antes da Constituição Federal de 1988.

A questão da violência cometida contra a mulher não pode ser encarada como uma problemática atual, já que a sociedade convive com essa situação há muito tempo. Inclusive, não pode ser restrita a determinada parcela da sociedade feminina, uma vez inexistente limite social ou, mesmo, territorial. Esclarece Welter (2007, p. 15) que “desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada”. O tratamento dispensado, pela sociedade e pela legislação, de forma desigual entre homens e mulheres fez com que o sexo feminino se tornasse um alvo fácil para ser vitimada por diversos tipos de agressões, desde a psicológica até mesmo a violência física,


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especialmente no seio familiar. Isso decorreu, entre outros motivos, do fato de que a sociedade e, consequentemente, o homem considerava plenamente normal o ato sexual realizado apenas para o bel-prazer do homem e para procriação de filhos homens, assim para a perpetuação do nome e para assumirem, posteriormente, os negócios da família. Assim, a partir do instante em que a sociedade tolera essas questões, inexiste o respeito pela mulher que fica, deste modo, à mercê do homem que, por vezes, exerce o domínio através da força física, causando-lhe marcas sentimentais e corporais. A desigualdade entre os gêneros foi por muitas décadas permitidas por nossas constituições, fato que merece uma breve análise, começando pela Constituição Política de 1824, que silenciava o que não era conveniente abordar: a questão dos escravos e a não previsão do direito ao voto às mulheres. Enfim, em relação à mulher, somente dispôs sobre a sucessão imperial e a regência do governo. Da mesma forma, a primeira constituição republicana nada dispôs sobre a situação jurídica das mulheres, havendo, tão-somente no congresso, uma previsão de extensão do direito ao sufrágio ao sexo feminino, entretanto, tantas foram as exigências pessoais que não chegaria a abranger um número expressivo de eleitoras (AZEVEDO, 2001, p. 62-63). A figura da família romana serviu de base para a família brasileira, sendo tomada como modelo para promulgação do Código Civil de 1916. Tal fato ocorreu, porque imperou no Brasil, até aquela data, a legislação de Portugal, denominado Ordenações Filipinas, a qual vigorou de 1603 até 1867, sendo que no Brasil teve vigência até 1916 (CARNEZIN apud NASCIMENTO, 2007). Assim, desde o período colonial até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a legislação deste país convivia com o tratamento desigual de direitos entre homens e mulheres, configurado por diversos dispositivos que retratavam essa desigualdade. Desta feita, vale salientar certos demonstrativos que exemplificam de maneira clara esta desigualdade, segundo previsão no Código Civil de 1916. Conforme Lôbo apud Nascimento (2007), “tão liberal no plano econômico, era extremamente opressor da mulher, no direito de família. Sem os exageros do período colonial, considerava a mulher relativamente incapaz”, o que pode ser atestado pelos artigos 233; 242, II; 274 e 380, todos do Código Civil de 1916. No entanto, cabe ressalvar que houve alguns avanços desde a elaboração do Código Civil de 1916 até a promulgação da Constituição Federal de 1988. De acordo com Matos (A. C. H. Aspectos sociais e jurídicos relativos à família brasileira – de 1916 a 1988.


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Disponível em: <http://a.c.matos.sites.uol.com.br/-data/achm-critica_juridica.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2011): muitos acontecimentos vieram a incidir sobre a formação da família brasileira. Basta imaginarmos, para tanto, que de lá para cá tivemos duas guerras mundiais, a Revolução de 1930, o período Vargas, a ditadura militar, o movimento estudantil, o movimento sindical, a filosofia hippie, a revolução sexual, a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Pode-se salientar que Getúlio Vargas, mais precisamente em 1932, “cede aos apelos e incorpora ao novo Código Eleitoral o direito de voto à mulher, nas mesmas condições que aos homens, excluindo os analfabetos; e o Brasil passava a ser o quarto país nas Américas, ao lado do Canadá, Estados Unidos e Equador, a conceder o voto às mulheres” (DUARTE apud NASCIMENTO, 2007). No período entre as Constituições de 1891 e 1934, foi promulgada legislação ordinária específica que tratava da questão previdenciária e trabalhista, entretanto, somente na Carta Magna de 1934 houve a previsão relativa à ordem econômica e social: a qual, no artigo 121, prescreveu a proibição de diferença de salário, para o mesmo trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; do trabalho noturno aos menores, do trabalho insalubre a estes e às mulheres; prevendo, inclusive, a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante; a última assegurou o descanso no período anterior e posterior à gestação, sem prejuízo do salário e do emprego. As Constituições de 1946 e 1988, além de manterem os direitos conferidos pela constituição de 1934, delimitaram o alcance de alguns dispositivos e, ainda, dispuseram sobre outros direitos que foram conferidos aos trabalhadores (AZEVEDO, 2001, p. 63-64). Ainda, em 1962, aconteceu um grande avanço na legislação, quando promulgado o “Estatuto da Mulher Casada”. Com a lei 4.121/62, iniciou-se a caminhada na busca da igualdade entre os cônjuges. A mulher casada perdeu sua incapacidade relativa e tornou-se colaboradora na chefia da sociedade conjugal. Manteve-se a chefia da família confiada ao marido, sob a justificativa de garantir-se a preservação da família com base no princípio da unidade familiar. À mulher casada garantiu-se a possibilidade de administrar seus bens reservados, frutos de seu trabalho, independentemente do regime de bens (A. C. H. Aspectos sociais e jurídicos relativos à família brasileira – de 1916 a 1988. Disponível em: <http://a.c.matos.sites.uol.com.br/-data/achm-critica_juridica.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2011).


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Seguindo a evolução dos direitos da mulher, foi sancionada a Lei nº 6.515/77, conhecida como “Lei do Divórcio”. A Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, regulamentou a Emenda Constitucional nº 9/1977 que introduziu o divórcio no Brasil, rompendo uma resistência secular capitaneada pela Igreja Católica. A lei propiciou aos cônjuges, de modo igualitário, oportunidade de finalizarem o casamento e de constituição livre de nova família. A lei promoveu outras alterações na legislação civil, no caminho da igualdade conjugal, transformando em faculdade a obrigação de a mulher acrescer aos seus o sobrenome do marido. Manteve, contudo, o modelo do Estatuto da Mulher Casada de proeminência do marido na chefia da família. A adição do nome do marido, prevista na lei, é emblemática porque sempre simbolizou a transferência do pátrio poder para o poder marital; o direito liberou, mas o costume persiste, sem consciência de sua origem (LÔBO apud NASCIMENTO, 2007).

Salientamos que a Lei nº 6.515/77 não só beneficiou sobremaneira as mulheres como também aos homens, uma vez que desde a Idade Média, dada a supremacia da Igreja, os casais atravessavam diversas dificuldades, independentemente das camadas a que pertenciam, em especial o impasse na anulação do casamento, à qual as autoridades impunham muito rigor e severidade quando da apreciação das solicitações, dando como indissolúvel o vínculo conjugal, a não ser pela morte de um dos cônjuges (AZEVEDO, 2001, p. 71). Contudo, havia a figura do desquite, que legitimava a separação judicial, mas proibia a nova convolação, impossibilitando à mulher o direito de constituir uma nova família; tal impossibilidade gerou o aumento das uniões de fato, que não eram bem vistas pela sociedade. Como prova deste repúdio e preconceito, temos o exemplo dos filhos que, nascidos desta união, não poderiam frequentar as escolas particulares. Outras situações demonstram claramente o papel discriminatório da época, eis que mulheres desquitadas eram vistas como um perigo para as famílias e, ainda, eram tidas como vulgares, prontas para quaisquer investidas sexuais masculinas. Tais fatos causaram indignação e, como consequência, muita luta, tendo como fruto a promulgação da Lei do divórcio que possibilitou a dissolução do casamento civil, ou seja, o divórcio poderia ser requerido após três anos da separação judicial ou após cinco anos da separação de fato, comprovada em juízo. Atualmente, pelo novo código civil, há previsão de outras formas e prazos, conforme dispõem os artigos 1574, 1580, caput e § 2º, havendo a revogação dos dispositivos conflitantes da Lei nº 6.515/77 (SANTOS apud NASCIMENTO, 2007). Apesar destes avanços significativos, a questão da desigualdade e, consequentemente, da violência doméstica e familiar contra a mulher atingiu índices alarmantes nos últimos tempos. Dentre várias razões, podemos citar a independência feminina adquirida ao longo dos anos, uma vez que atualmente exercem atividade laborativa, pois até alguns anos atrás só os


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homens poderiam prover suas famílias. Tal fato impôs ao homem a necessidade de assumir responsabilidade dentro de casa. Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido, terreno fértil para conflitos (DIAS, 2007, p. 17). Essa maior independência foi o que encorajou a mulher a denunciar as agressões sofridas. Todavia, a inserção da mulher no setor produtivo ainda é bastante recente, abarcando uma pequena parcela da população, uma vez que grande parcela continua submissa à dominação do parceiro. Conforme entende Bastos apud Martini (2009): é impressionante o número de mulheres que apanham de seus maridos, além de sofrerem toda uma sorte de violência que vai desde a humilhação, até a agressão física. A violência de gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e afeto, que é o lar, o seio familiar.

Acerca desta situação, explica Dias (2007, p. 20): A ideia da família como uma entidade inviolável, não sujeita à interferência nem da Justiça, faz com que a violência se torne invisível, protegida pelo segredo. Agressor e agredida firmam um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro círculo vicioso: a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não impõe nenhuma barreira. A falta de um limite faz a violência aumentar. O homem testa seus limites de dominação. Quando a ação não gera reação, exacerba a agressividade, para conseguir dominar, para manter a submissão.

1.3.2. Desigualdades e direitos relacionados à mulher após a Constituição Federal de 1988 No Brasil, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tivemos a maior conquista feminina dos últimos tempos, eis que previu o princípio da igualdade de direitos entre homens e mulheres consagrados no artigo 5º, inciso I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição” (MORAES, 2006a, p. 192). Na atual Carta Magna encontramos vários textos que estabelecem normas programáticas que visam a nivelar e a diminuir as desigualdades reinantes. Como exemplos de tais normas têm os artigos 3º, 170 e incisos tratando da ordem econômica e social, 7º tratando da questão salarial e 205 tratando da democratização do ensino (SILVA, 2003).


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No plano econômico, retratando a maior participação da mulher após a Carta Magna de 1988, tem-se o resultado da pesquisa realizada por Gelinski e Ramos (2006), a qual constata que “a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu de 43,4% em 1995 para 44,9% em 1999, contrastando com a queda da participação masculina de 73,6% para 72% (Conselho..., 2003)” (GELINSKI, Carmen R. Ortiz G; RAMOS, Ivoneti da Silva. Mulher e família em mutação: onde estão os mecanismos de apoio para o trabalho feminino? [2005 – 2006]. Disponível em: <http://fee.tche.br/sitefee/dowload/mulher/ 2004/artigo9.pdf>. Acesso em: 10 out.2011). Na visão de Santos apud Nascimento (2007), o sistema patriarcal passa por uma crise global, precisando de um novo sistema que poderia ser denominado de sistema patriarcal compartilhado, o qual a sociedade não veria o homem como conceito de humanidade, mas que homens e mulheres juntos podem construir um conceito de humanidade que atue em um projeto societário global. A partir da nova visão constitucional, em 2003, passou a vigorar o novo ordenamento civil, sendo reconhecidos direitos e revogados alguns paradigmas, o que, segundo o entendimento de Cabral apud Nascimento (2007): foi uma grande vitória feminina, que somente foi alcançada depois de muitos anos de lutas e discriminações, muitas mulheres foram e são exemplos nesta luta, [...] mas a igualdade real e plena só será alcançada quando entendermos que homens e mulheres são seres diversos, mas com capacidades semelhantes.

Oportuno, pois, citar certas alterações advindas com o Código Civil de 2002, relacionadas à mulher, que igualam homens e mulheres como responsáveis pelos encargos da família; o art. 1567, que prevê que a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração pelo marido e pela mulher (BRASIL, 2002), além de direitos que foram reconhecidos a esta. No que pese a Carta Magna de 1988 preconizar a igualdade de gênero, ainda é latente a desigualdade, conforme preceituou Porto (2006): Parte-se, destarte, do reconhecimento sociológico de que não há, substancialmente, uma igualdade entre homens e mulheres. Tal isonomia em terra brasilis ainda é apenas formal, circunscrita que está a um encomiástico princípio constitucional, refletido múltiplas vezes na legislação ordinária (...).

Vale ainda salientar a criação, prevista no art. 98, inciso I, da Constituição Federal/88, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com regulamentação pela Lei nº 9.099/95, que


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representou uma tentativa de minimizar, de forma indireta, a violência doméstica. O art. 3º, inciso I, estabelece a competência dos Juizados Especiais Cíveis, e os artigos 60 e 61 estabelecem a competência dos Juizados Especiais Criminais, todos da Lei nº 9.099/95. Assim, visando resgatar a cidadania feminina, tendo observância ao princípio da igualdade, passou a viger, em 22 de setembro de 2006, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, recebendo o nome de Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, cumprindo, deste modo, o disposto no art. 226, em seu parágrafo 8º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

1.3.3. Princípio da Igualdade

Em que pese o tema central deste trabalho não seja identificar se houve ou não ofensa ao princípio da igualdade, por ter a Lei Maria da Penha protegido tão-somente a mulher, procuramos ilustrar alguns posicionamentos a respeito, uma vez que se trata de princípio basilar da República Federativa do Brasil, disposto no art. 5º, inciso I (MORAES, 2006a, p. 192). Para melhor entendimento do princípio da igualdade, norteador da criação da Lei nº 11.340/06, cumpre citar a definição trazida por Moraes (2006b, p. 31): A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Desta forma, o que é vedado são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, à medida que se desigualam, é exigência do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida por terceiro.

Vale ressaltar a análise feita por Ribeiro apud Dias (2007) quanto ao cumprimento da finalidade, aduzida no texto acima por Moraes, ao considerar que: A Lei Maria da Penha não fere o princípio da igualdade estampado no caput do art. 5º da Constituição Federal, pois visa a proteção das mulheres que sofrem com a violência dentro de seus lares, delitos que costumam cair na impunidade. Por este mesmo fundamento a Lei não fratura o disposto no inciso I, do mesmo dispositivo constitucional, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por critérios de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade substancial e não só a formal em abstrato perante o texto da Constituição (art. 5º, I).


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Moura (2005, p. 76-77), em sua obra, traz um exemplo prático que exprime o sentido do princípio da igualdade e de algumas diferenciações entre grupos de pessoas. Este exemplo foi adaptado à realidade estudada, utilizando-se homens e mulheres a fim de resumir a finalidade do princípio. Imaginemos dois recipientes com capacidade de 1 (um) litro de líquido essencial para existência digna, reconhecido como edd (essência da dignidade). Cada qual representado pelos símbolos g1 (para homens) e g2 (para mulheres), representando toda a vida de dois grupos, em diversos aspectos: físico, social, cultural, econômico, entre outros. A cada hora, um conta-gotas, automaticamente, pinga uma gota do líquido ‘edd’ em cada recipiente. O recipiente g1 possui líquido ‘edd’ até a marca de 70 mililitros, enquanto que o recipiente g2 esá marcando apenas 40 mililitros de ‘edd’. Duas indagações iriam surgir: por que a quantidade está tão diferente a ponto de se verificar um real desnivelamento? Como nivelá-los? A primeira resposta é variável, eis que depende das questões envolvidas, como, por exemplo, no recipiente com quantidade inferior, temos a mulher, cuja participação, ainda, é ínfima na economia; presença de obstáculos encontrados no campo profissional; um remanescente conservadorismo em considerar a mulher submissa ao homem, gerando a violência; a questão biológica que traduz certa fragilidade; no recipiente com quantidade superior temos os homens, que sempre foram tidos pela sociedade como seres superiores. Apenas com a Carta Magna de 1988 as mulheres foram igualadas em direitos e obrigações aos homens, entretanto, sendo muito recente, uma vez que, por séculos, estiveram subordinadas aos homens e, mesmo com a sua equiparação, grande parcela da sociedade ainda tem na mulher um ser inferior. O recipiente g1 já estava com muitas décadas de anos recebendo as gotinhas do líquido “edd”, enquanto que o g2, sendo bastante otimista, passou a receber as gotinhas há um pouco mais de 70 anos, com alguma conquistas adquiridas neste período (direito ao voto a partir do ano de 1951, a Lei do Divórcio promulgada em 1977, dentre poucas outras) e consagradas em 1988. Este é um dos motivos do desnivelamento dos recipientes. Quanto à segunda resposta, há quem, por diversas razões, diga que, com o tempo, os recipientes estarão com o mesmo nível do líquido “edd”. Mas, por uma questão de lógica, não há tempo que permita este nivelamento se nenhuma medida for tomada a este respeito. Diante deste fato, a resposta, com base na mesma lógica que impede o nivelamento natural, é programar o conta-gotas do recipiente que está com a menor quantidade de líquido “edd” para


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que, durante determinado tempo, calculado com a fórmula apropriada, pingue duas vezes, permitindo que, num dado momento, os recipientes encontrem o equilíbrio. Neste diapasão, pode-se dizer que a gota a mais que está pingando no recipiente da mulher seja a Lei Maria da Penha, a fim de que possa haver um equilíbrio entre homens e mulheres; o que, acontecendo, prescinde, de certa forma, a necessidade desta proteção. No que pese referir-se a uma lei recente, são muitas as divergências no que tange à observância ou não do princípio da igualdade, especialmente quanto a uma possível discriminação perante o homem. Portanto, não há como rejeitar certos posicionamentos desfavoráveis à promulgação da novel lei, os quais reputam uma ofensa ao princípio da igualdade. Conforme Santin apud Nascimento (2007): a pretexto de proteger a mulher, numa pseudopostura ‘politicamente correta’ a nova legislação é visivelmente discriminatória no tratamento de homem e mulher, ao prever sanções a uma das partes do gênero humano, o homem, pessoa do sexo masculino, e proteção especial à outra componente humana, a mulher, pessoa do sexo feminino, sem reciprocidade, transformando o homem num cidadão de segunda categoria em relação ao sistema de proteção contra a violência doméstica, ao proteger especialmente a mulher, numa aparente formação de casta feminina.

Confirmando este posicionamento, Jesus e Gonçalves apud Nascimento (2007) defendem que: o tratamento desigual tampouco se justifica por não haver adequação ao princípio da razoabilidade pelo argumento de que as mulheres sofrem violência doméstica em maior quantidade. As estatísticas não tornam menos gravosa a conduta quando atinge vítima do sexo masculino, precipuamente, repita-se, porque a vítima pode ser criança ou idoso. É inequívoco, por exemplo, que homens sofrem homicídio por emprego de arma de fogo em escala muito maior do que as mulheres, mas isso, em hipótese alguma, justificaria, devido ao princípio da igualdade entre os sexos, a existência de lei estabelecendo pena menor para os casos em que a vítima fosse do sexo feminino.

Contrastando-se a esse entendimento, leciona Bastos (2006): Outras tantas ações afirmativas têm sido resultado de políticas públicas contemporâneas, em que pesem algumas delas envoltas em polêmicas, não recebem a pecha da inconstitucionalidade. Citem-se as quotas para negros e estudantes pobres nas universidades, as quotas para deficientes em concursos públicos, as quotas para mulheres nas eleições etc.

Cunha e Pinto (2006, p. 20) afirmam que não somente a mulher é vítima de violência doméstica, também o homem pode sê-lo, tanto que o art. 129, § 9º, do Código Penal, não definiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. Assim, a Lei Maria da Penha limita


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tão-somente que as medidas de assistência e proteção sejam aplicadas em relação à vítima do sexo feminino. Posicionam-se Rabelo e Saraiva apud Nascimento (2007) que “a Lei Maria da Penha representa um marco na proteção da família e um resgate da cidadania feminina, na medida em que a mulher ficará a salvo do agressor. Quanto às inovações advindas com a nova Lei, é pertinente o posicionamento de Freitas (2007): Os principais mecanismos oferecidos pela Lei de tutela à mulher no campo penal e processual penal são os seguintes: a) dá nova redação ao § 9º do art. 129 do CP modificando a pena que passa a ser de 3 meses a 3 anos e cria uma agravante genérica ao CP (arts. 43 e 44); b) autoriza a prisão preventiva e modifica a Lei de Execuções Penais (arts. 20, 42 e 45); c) veda a incidência da Lei 9.099/95 (art. 41); d) cria medidas protetivas de urgência para o agressor e para a ofendida (arts. 22 e 23); e) autoriza a criação em cada Estado dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher através de Lei Estadual (art. 14).

Destarte, tendo em vista a importância da Lei Maria da Penha, justifica-se, pois, a confecção de apontamentos acerca de alguns dispositivos e, em maior profundidade, à questão da (in)aplicabilidade da Lei nº 9.099/95.

FORMAS DE VIOLÊNCIA E PECULIARIDADES DA LEI Nº 11.340/06

2 ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA LEI Nº 11.340/06

2.1. COMPROMISSOS INTERNACIONAIS

O Brasil, a partir do processo de democratização, deflagrado em 1985, passou a ratificar relevantes tratados internacionais de direitos humanos (DIAS, 2007, p. 27); entre vários, podem ser citados a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Acerca da importância dos tratados internacionais que vislumbram a proteção dos direitos humanos, não apenas para o Brasil, mas nos demais países, é o posicionamento de


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Pozzobon apud Nascimento (2007): “Os tratados internacionais de direitos humanos nasceram como uma resposta dos Estados às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial; a partir de então normas foram criadas com o intuito de prevenir que as antigas violações não mais ocorram”. Em relação à abrangência da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, promulgada pelo Decreto nº 4.3277/2002, posiciona-se Nucci (2006, p. 860) que o tema é muito mais amplo que a violência doméstica ou familiar, uma vez que trata da discriminação da mulher em qualquer setor, seja no lar, trabalho, escola etc. Destaca que em vários trechos da Convenção está demonstrado que o objetivo não é privilegiar a mulher em detrimento do homem, mas buscar a igualdade entre os sexos, lembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direitos e a própria dignidade da pessoa humana. Sobre a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, Nucci (2006, p. 861) aduz que: esta convenção (denominada Convenção de Belém do Pará, datada de 1994), promulgada pelo Decreto 1.973/96, cuida particularmente da violência ‘em que vivem muitas mulheres da América’, por se tratar de uma ‘situação generalizada’. Manifestam os Estados Partes a preocupação de que ‘a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens’. Portanto, busca instigar os Estados a editar normas de proteção contra a violência generalizada contra a mulher, dentro ou fora do lar.

No que pese os tratados dos quais o Brasil tornou-se signatário, visando a proteção dos direitos humanos e, também, às convenções mencionadas, nada havia sido feito no sentido de implementar e cumprir os dispositivos constantes desses tratados. Vale ainda salientar que apenas é possível recorrer à jurisdição internacional quando há o esgotamento dos recursos nos tribunais nacionais, isto é, após decisão definitiva segundo disposição do art. 46 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos dos Estados Americanos (OEA). No entanto, quanto ao caso de Maria da Penha, a denúncia foi baseada na exceção prevista no inciso II, alínea a, do artigo ora mencionado, que exclui esta condição quando houver atraso injustificado na decisão dos recursos internos, consoante aconteceu, já que o Poder Judiciário levou mais de dezoito anos para proferir decisão definitiva. Tendo em vista tal provocação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou informações por três vezes ao Brasil, não obtendo qualquer resposta. Assim, publicou, em abril de 2001, o relatório n. 54/2001, recomendando entre outras medidas:


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a finalização do processo penal do responsável pela agressão;que fosse realizado levantamento a fim de identificar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados no processo, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias pertinentes; a reparação simbólica material pelas violações sofridas por Maria da Penha por parte do Estado brasileiro por sua falha em oferecer um procedimento rápido e efetivo e, ainda, a adoção de políticas públicas voltadas a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Deste modo, a publicação da Lei Maria da Penha teve a finalidade de atender ao preceito constitucional do art. 226, § 8º, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (MORAES, 2006a, p. 2222), bem como, em sua ementa, fazendo expressa referência à observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos que foram ratificados pelo Brasil, in verbis: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (...).

Sobre a edição da Lei Maria da Penha, acrescenta Pimentel apud Dias, 2007 que “o Brasil está de parabéns, pois se trata de instrumento legal bastante cuidadoso, detalhado e abrangente, que representa o esforço de contextualização das duas paradigmáticas convenções”. Nucci (2006, p. 860), opondo-se a este entendimento, acredita que a Lei Maria da Penha continua a mesma tarefa de normas anteriores, mas também não solucionará eventual mantença da discriminação contra a mulher, uma vez que a eficiência do Estado não está na edição de leis, mas na educação e na conscientização dos valores humanos, desejando que a presente Lei não seja mais uma a permanecer no plano abstrato.

2.1.1. A força dos Tratados Internacionais

A recepção dos tratados internacionais fundados em direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio encontra-se consagrada nos §§ 2º, “Os direitos e garantias individuais expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil faça


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parte.” (MORAES, 2006a, p. 458) e 3º, “Os Tratados e Convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” (MORAES, 2006a, p. 460) do art. 5º da Constituição Federal de 1988. No entanto, a questão da força dos tratados internacionais tem ensejado discussões, especialmente no que diz respeito a sua prevalência quando relacionadas a normas de direito interno. Acerca do trâmite de incorporação não existe divergência, segundo Moraes (2006a, p. 1060): (...) decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O item procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Entretanto, quanto à posição de um tratado ratificado pelo Brasil, anterior à Emenda Constitucional 45/2004, que incluiu o § 3º, do artigo 5º, Roberto apud Nascimento (2007) entende que: antes da promulgação da presente emenda, o STF já havia se definido sobre a infraconstitucionalidade dos tratados e convenções no direito interno, tendo, portanto eficácia de lei ordinária, não podendo tratar de norma referente à lei complementar, e muito menos ser contrária a esta ou à norma constitucional. Sendo levados ao nível de lei ordinária, estes poderiam ser revogados por leis federais posteriores (embora alguns juristas como Antonio Augusto Cançado Trindade e Celso Albuquerque Mello, dever-se-ia permanecer a norma mais benéfica e não obrigatoriamente a mais recente).

Todavia, não se pode deixar de mencionar os apontamentos aduzidos por Piovesan apud Dias (2007): Não seria razoável sustentar que os tratados aprovados antes da nova exigência de aprovação especial fossem recepcionados somente como lei federal. Todos os tratados de direitos humanos devem ter natureza constitucional, sendo apenas materialmente (ratificados com aprovação simples) ou materialmente e formalmente (ratificados com aprovação especial de emenda constitucional).


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Sendo assim, após a sua ratificação, o tratado internacional passa a ter estatura da legislação interna ordinária, podendo revogar a lei interna, como também ser revogado por lei posterior: eis o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Hodiernamente, com a Emenda Constitucional 45/2004, os tratados internacionais ratificados irão vigorar com status de emendas constitucionais, desde que cumpram as exigências estabelecidas no artigo 60, § 2º, da Constituição Federal, dispondo que “a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros” (MORAES, 2006a, p. 1151). Deste modo, para Dias (2007, p. 30), com referência aos tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos, o Congresso Nacional tem possibilidade de incorporá-los com status ordinário (CF, art. 49, I), ou com status constitucional (CF, art. 5º, § 3º), a depender do quorum da aprovação, passando a ser um poder discricionário do Congresso Nacional. Nesse deslinde, já que a Lei Maria da Penha veio regulamentar direito assegurado por tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, objetivando a proteção dos direitos humanos, tem, portanto, natureza constitucional, da mesma hierarquia das normas constitucionais originárias, não podendo ser tratada como legislação infraconstitucional.

2.2. FINALIDADE DA LEI Nº 11.340/06

O artigo 1º, da Lei nº 11.340/06, deixa claro que o objetivo é coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesta linha, é o pensar de Cunha e Pinto (2007, p. 20): A Lei nº 11.340/2006 extraiu do caldo da violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher (vítima própria), no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade (art. 5º). Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão.

Em outras palavras, a nova lei tem como finalidade reconhecer dignidade à mulher, àquela que sofre violência doméstica e familiar, trazendo, assim, mecanismos que venham,


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especial e principalmente, conferir segurança através de medidas protetivas e assistenciais às vítimas.

2.3. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A violência doméstica e familiar acometida em face da mulher é uma questão vivenciada pela sociedade brasileira há décadas, o que é resultado de uma latente desigualdade entre homens e mulheres cultivada até a promulgação da Carta Magna de 1988, uma vez que esta representou uma grande conquista dos últimos tempos – a maior conquista feminina – ao conter vários textos que estabelecem normas programáticas, visando nivelar e diminuir as desigualdades reinantes. A Lei Maria da Penha, em específico, incluiu em sua redação definições sobre as formas de violência perpetradas contra a mulher, além de especificar os âmbitos em que ela poderá ocorrer. Preliminarmente, ressalta-se a definição de violência contra a mulher, para o Conselho Nacional Econômico das Nações Unidas, como “qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimento e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação de liberdade seja na vida pública ou privada” (CAMPOS e CORRÊA, 2007, p. 211). Corroborando o enunciado supracitado, a Lei nº 11.340/06 trouxe, em seu artigo 5º, a definição de violência, no âmbito doméstico e familiar, in verbis: Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

O termo “gênero”, utilizado pelo legislador no “caput” do artigo acima exposto, trata da questão do ser feminino/masculino, e sua relação de poder daí decorrente. Conforme Campos e Corrêa (2007, p. 212):


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O gênero é concebido como uma forma de dar significado às relações de dominação e de poder que terminam por ensejar as desigualdades de gênero, que concederam ao longo do tempo aos homens funções nobres e valorizadas pela sociedade, restando às mulheres papéis menos apreciados social e culturalmente.

Deste modo, a violência de gênero pode ser configurada como a faceta mais notória da desigualdade entre homens e mulheres, perante a crença da superioridade masculina, levando, assim, seus indivíduos a controlar, subjugar, humilhar e agredir de diversos modos o sexo feminino, em função do gênero. No que diz respeito ao âmbito doméstico aludido pelo art. 5º, inciso I, da Lei sob comento, o mesmo deve ser compreendido no sentido de que a conduta foi praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. Nesse contexto, a título exemplificativo, estão enquadradas as empregadas domésticas que frequentam a unidade de trabalho. Damásio de Jesus (2006, p. 98), entretanto, distingue tal profissional da “diarista”, que trabalha um ou dois dias na semana, não estando esta, amparada pela Lei, em razão de sua pouca permanência no local de trabalho. Não se exige, assim, que a ofendida possua vínculo de parentesco com o agressor para que se configure tal violência, bastando para isso a frequência naquela unidade doméstica, porém, não de forma periódica, como assenta Nucci (2006, p. 864): A mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Não seria lógico que qualquer mulher, bastando entrar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha.

O inciso II do mesmo artigo 5º, por sua vez, que dispõe acerca da violência em âmbito familiar, apresenta como o instituto da família não só o casamento, mas todas as demais entidades familiares reconhecidas pela Constituição Federal Brasileira, nos seus §§ 3º e 4º, do art. 226. Assim, merecem proteção do Estado as famílias anaparentais, formadas entre irmãos, e também as monoparentais, formadas por qualquer dos pais e seus descendentes. Enquadra-se, por conseguinte, da mesma forma, no âmbito familiar, a violência decorrente do filho afetivo, ao se interpretar a expressão trazida no dispositivo do inciso II do art. 5º da Lei Maria da Penha, no que diz respeito aos “indivíduos que são ou se consideram aparentados”. Ademais, a violência praticada nas relações paralelas, ou aquelas mantidas fora do casamento, também estão a merecer tutela jurisdicional. Assim, agredindo o varão qualquer


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das companheiras, o fato de a união ser rotulada como adulterina, não exclui do âmbito de proteção da Lei (DIAS, 2007, p. 44). Quanto ao inciso III, do art. 5º, da Lei nº 11.340/06, referente à relação íntima de afeto, a interpretação no que diz respeito aos sujeitos, seja ele ativo ou passivo, ganha maior abrangência. É pertinente o entendimento discorrido por Misaka apud Martini, 2009: Diante desta nova realidade não há como restringir o alcance da previsão legal. Vínculos afetivos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar nem por isso deixam de ser marcados pela violência. Assim, namorados e noivos, mesmo que não vivam sob o mesmo teto, mas resultando a situação de violência do relacionamento, faz com que a mulher mereça o abrigo da Lei Maria da Penha. Para a configuração de violência doméstica é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de afeto.

No entanto, para efeitos desta Lei, não aparece como requisito indispensável que a violência em âmbito familiar se dê dentro do lar ou domicílio da ofendida, até mesmo porque nem sempre os sujeitos coabitam sob o mesmo teto. Na mesma linha de raciocínio, tem-se o julgado: Penal. Processo Penal. Declínio Competência. Recurso em sentido estrito. Agressão via pública. Vínculo entre agressor e vítima. Violência doméstica. Juizado especial de violência contra a mulher. Necessidade de instrução do feito. Provimento SER. 1 – Para a lei 11.340/06, o local em que pode ser praticada a violência doméstica e familiar contra a mulher não se restringe ao espaço demarcado pelo recinto do lar ou do domicílio em que esteja vivendo a vítima. Desde que a violência tenha sido praticada em um contexto de violência familiar é irrelevante se a violência foi praticada dentro do lar ou em qualquer outro ambiente. (...). (2ª Turma Criminal, TJDF. RE n. 01.1.107789-6. Rel. Gislene Pinheiro. Provimento unânime. 15/03/2007).

Tem-se, daí uma interpretação extensa quanto a possíveis casos de ocorrência da violência doméstica e familiar, devendo-se, em outra direção, atentar-se às formas encontradas expressamente esculpidas na Lei Maria da Penha.

2.3.1. Âmbito de abrangência da violência doméstica e familiar contra a mulher

A princípio, vale salientar que a Lei Maria da Penha delimitou, cuidadosamente, o âmbito de ocorrência da violência doméstica a fim de aplicar seus dispositivos. Assim, o art.


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5º desta Lei e seus incisos dispõem acerca do âmbito de abrangência passível de ocorrência de quaisquer das formas de violências descritas no art. 7º. Conforme o entendimento de Dias (2007, p. 42-46), quanto à unidade doméstica, procurou o legislador definir o âmbito de abrangência, devendo ser entendida como o local em que a vítima faça parte. Quanto ao âmbito familiar, considera que não se limita somente aos homens e mulheres, pois trata o indivíduo. Desta forma, o conceito se torna muito amplo, devendo buscar no Código Civil a definição, por exemplo, dos vínculos de parentescos. Ainda, pelo reconhecimento da união homoafetiva como família, podemos abranger os relacionamentos entre lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros. Por fim, temos as uniões paralelas, nas quais homens podem manter duas famílias, concomitantemente, assim, teremos duas unidades familiares, ocorrendo caso de violência doméstica em quaisquer delas, estarão sob a proteção da lei em comento. Em relação à última previsão do artigo, ou seja, à violência doméstica na relação de afeto, uma vez que a definição de família traz a relação de afeto em seu conceito, não poderia o legislador se isentar de preservar o ambiente que contenha vínculo de afetividade. Desta maneira, namorados e noivos, que embora não convivam sob o mesmo teto, ocorrendo uma violência oriunda deste relacionamento afetivo, merece o abrigo da Lei Maria da Penha. Acerca do art. 5º, inciso III, deve-se considerar a ponderação aduzida por Nucci (2006, p. 864-865), o qual considera como relação íntima de afeto o relacionamento entre duas pessoas, fundada em amizade, amor, simpatia, como outros sentimentos de aproximação, ou seja, um conceito demasiadamente amplo. A partir deste ponto, seria cabível, por exemplo, aplicar a agravante do art. 61, II, “f”, parte final, do Código Penal, no caso em que uma amiga pratique lesão corporal contra outra, com quem, por muito tempo, manteve relação íntima de afeto, considerando não haver coabitação? Se aplicarmos a interpretação literal do artigo citado, poderíamos aplicar a agravante, entretanto, seria um absurdo, uma vez que se trata de um delito comum, cometido por uma mulher contra outra. Não pode o Direito Penal passar a considerar mais gravemente a agressão de uma pessoa amiga contra outra somente pelo fato de ser a vítima mulher. Desta forma, acredita não ser possível falar em violência doméstica e familiar, emergindo a inaplicabilidade do disposto no inciso III. De fato, a fim de que possa incidir a aplicação da Lei nº 11.340/06 sob o caso concreto, é imprescindível que a violência tenha acontecido no âmbito da unidade doméstica,


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no âmbito familiar ou, ainda, em relação íntima de afeto, caso contrário, esta legislação não será aplicável à situação.

2.3.2. Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher

O legislador da Lei Maria da Penha atentou-se em definir, além da violência doméstica e familiar, as suas formas de ocorrência. Assim, dispõe o art. 7º da referida Lei: Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência física, (I), constitui qualquer agressão ao corpo da mulher, independentemente se as investidas deixem marcas ou não, bastando o uso da força bruta para que seja consumada. Quanto a esta violência, assim se posiciona Dias (2007, p. 46): “Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão que define a violência física”. Os crimes assim descritos encontram tipificação no Código Penal, nos Capítulos I e II da parte especial. Especialmente, o art. 129, do mesmo códex, prevê em sua redação, no § 10º, causa de aumento de pena de 1/3 (um terço), aos crimes praticados contra as pessoas elencadas em seu § 9º, que traduz ocorrência de violência doméstica.


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Quanto à violência psicológica, descrita no inciso II, é a forma mais frequente e mais subjetiva das violências, até pela dificuldade de atentar-se que ela se configura como tal. A vítima, muitas vezes, nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e deve ser denunciada (DIAS, 2007, p. 48). Nessa modalidade, não é necessário laudo técnico ou perícia, até mesmo por conta de sua inviabilidade, uma vez que as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de pronto pelo juiz. Em relação com o Código Penal, a violência psicológica tem fulcro no art. 61, inciso II, alínea “f”, como causa agravante, quando não constituem ou qualificam o crime, não obstando os crimes de ameaça (art. 147), extorsão (art. 518), constrangimento ilegal (art. 149), sequestro e cárcere privado (art. 148), dentre outros. É relevante o posicionamento de Nucci (2006, p. 867): Quanto à violência psicológica, esta deve ser apreciada com cautela, uma vez que o legislador, ao conceituá-la, estendeu demais as hipóteses; temos que qualquer crime é capaz de gerar dano à vítima, independente do sexo. Dessa forma, não podemos ter uma agravante demasiadamente aberta, vale dizer sempre que se a pessoa ofendida for mulher deveremos aplicar a agravante de crime cometido com violência contra a mulher na forma da lei específica, prevista na nova redação do art. 61, II, “f”, do Código Penal.

Tocante à violência sexual (III), é caracterizada como uma forma de violência física de gênero, atentória à liberdade sexual da mulher originada das diferenças de gênero, sob a forma de desigualdade já referida. A violência sexual masculina nada mais é do que mais uma forma de controle das mulheres, de caráter pessoal, porém (CAMPOS, 2007, p. 279). No Código Penal Pátrio, vem tipificada nos crimes com previsão nos artigos 213 a 234, os quais cuidam dos crimes contra os costumes, e liberdade sexual, mais especificamente. Referente a esta violência, é o entendimento de Nucci (2006, p. 867): Quanto à violência sexual, a definição é ampla, envolvendo desde o constrangimento físico até a indução ao comércio da sexualidade, além de outras formas, sendo que muitas destas já estão previstas no Código Penal como agravantes, como o artigo 61, inciso II, alínea “e” ou como causas de aumento, artigo 226, inciso II. Entretanto, no caso dos delitos de lenocínio e tráfico de pessoas, pode-se aplicar a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “f”, parte final, uma vez que a potencial e comum vítima desses delitos é a mulher, devendo cuidar do caso com maior severidade.


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A violência patrimonial, por sua vez, prevista no inciso IV, tem suporte no Capítulo dos delitos contra o patrimônio, como furto, dano ou apropriação indébita, do Código Penal vigente. Nessa forma de violência, vale ressaltar o apontamento de Dias (2007, p. 52): A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal, quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra seu cônjuge ou companheira, ou, ainda, algum parente do sexo feminino.

Além de não mais se aplicarem as imunidades, se os crimes forem praticados contra a mulher com quem o agente mantenha vínculo familiar ou afetivo, irá incidir a agravante do art. 61, II, “f” do Código Penal. Finalmente, tem-se a violência moral com previsão no inciso V, sendo amparada pelo Código Penal Brasileiro nos arts. 138, 139 e 140, os quais retratam a calúnia, a difamação e a injúria, respectivamente. Os mencionados delitos são tidos como atentados contra a honra, mas sua ocorrência em âmbito familiar configura-se como violência doméstica ou familiar de ordem moral. Diante disso, analisando de forma geral o art. 7º desta Lei, cumpre salientar que seu rol não é exaustivo, de forma que outras condutas podem ser enquadradas como violência doméstica e familiar. Quanto aos delitos e penas, pode-se constatar que a Lei nº 11.340/06 não possui tipos penais próprios, quando, então, são remetidos aos casos comuns já existentes no Código Penal Brasileiro, acrescentando-lhes circunstâncias qualificadoras ou agravantes e modificando penas. Importante, ainda, ressaltar que apenas será violência doméstica e familiar contra a mulher quando alguma das formas previstas no art. 7º for perpetrada numa das situações do art. 5º, ambos da Lei sob comento. A partir dos apontamentos aludidos, pode- se perceber que a Lei nº 11.340/06 não cria novos tipos penais, no entanto, traz dispositivos que complementam os tipos préestabelecidos, como alteração de pena (art. 44) e previsão de nova agravante (art. 43). Sendo assim, a tipificação dos crimes e suas penas deverão ter respaldo no Código Penal.


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2.3.3. Definição dos sujeitos ativo e passivo da violência doméstica e familiar contra a mulher

Pode-se facilmente constatar que o diploma legal em comento objetiva tutelar a mulher vitimada por agressão decorrente de violência doméstica e familiar; por conseguinte, não abrange a violência da mulher contra o homem, sendo, neste caso, o tratamento legal o normal, incidindo, assim, as regras previstas no Código Penal e no Código de Processo Penal. Quanto às vítimas das agressões, Dias (2007, p. 41) lembra que: a empregada doméstica, que presta serviço a uma família, está sujeita à violência doméstica. Assim, tanto o patrão como a patroa podem ser os agentes ativos da infração. Igualmente, desimporta o fato de ter sido o neto ou a neta que tenham agredido a avó, sujeitam-se os agressores de ambos os sexos aos efeitos da Lei.

Quanto às agressões perpetradas contra a empregada doméstica, Jesus e Santos consideram somente aquelas que residem no imóvel da família, pois tal situação as torna mais suscetíveis de violência de membros empregadores, naturalmente pelo grau de intimidade que possuem com a família, ou seja, faz-se necessário que o empregado goze de um vínculo contínuo para que sejam receptoras da especial tutela legal quando venha a ocorrer a violência (JESUS apud NASCIMENTO, 2007). No que diz respeito ao sujeito passivo da agressão, houve uma surpreendente inovação advinda com a Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, parágrafo único, ao dispor que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (BRASIL, 2006), pois, até o advento desta lei, existia uma resistência do legislador em enfrentar a questão da união homoafetiva, especialmente posterior ao Código Civil de 2002 que não fez referências ao tema. Ainda, no que diz respeito ao sujeito passivo da violência doméstica, encontram-se, de acordo com o entendimento de Dias (2007, p. 41) que podem ser, aqui, enquadrado as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Segundo aduzem Cunha e Pinto (2007, p. 33): Portanto, de forma até então inédita em nosso ordenamento jurídico, prevê que as medidas de caráter penal e civil aplicadas para tutelar direitos da mulher, sejam aplicadas às uniões homossexuais, permitindo, inclusive, por exemplo, o afastamento do lar da agressora (art. 22, II), a fixação de alimentos (art. 22, V), dentre outras.


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Neste diapasão, pode-se perceber que o legislador teve a preocupação de definir quem seria o sujeito passivo tutelado pela Lei nº 11.340/06, sem se atentar, por conseguinte, com o gênero do sujeito ativo, o qual pode ser homem ou, ainda, uma outra mulher.

A LEI MARIA DA PENHA E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

3. A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95

3.1. A CRIAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95

Anteriormente à Constituição Federal de 1988, o sistema penal, no Brasil, encontravase em crise, já que o Poder Judiciário estava bastante carregado com a quantidade das demandas penais que surgiam, apresentando uma estrutura incompatível para tanto. Tal fato desencadeou um movimento a fim de implementar um sistema que pudesse garantir maior efetividade do processo penal. Para Fernandes (2005, p. 188), através de estudos realizados pela Criminologia, foi constatado que não há possibilidade do Estado perseguir e punir os infratores com igualdade, devendo, portanto, considerar a gravidade da infração praticada. Assim, delitos de menor potencial ofensivo poderiam ser solucionados de forma mais célere através de institutos, como a transação penal, a composição civil dos danos etc. Em decorrência, os delitos de maior gravidade poderiam ser apreciados com maior eficiência pelo Estado, trazendo uma maior eficácia ao combate à criminalidade. Tendo como norte esta realidade, é que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, no inciso I, de seu art. 98, trouxe a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Para efeitos desta Lei, vem o art. 61 definir o conceito de crime de menor potencial ofensivo, o qual abrange as contravenções penais e os crimes de pena máxima cominada não superior a 02 (dois) anos, podendo ser cumulada ou não com multa. Assim, a Lei nº 9.099/95 foi inserida na ordem legislativa criminal com o escopo de desafogar o sistema judiciário, desta feita, privilegiando a utilização de um procedimento de


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maiores simplicidade e celeridade, além de viabilizar uma aplicação de penas que pudesse ter um caráter mais social e menos punitivo. A adoção deste procedimento, simples e célere, veio permitir a punibilidade para os crimes de menor gravidade, uma vez que os mesmos, por vezes, eram prescritos pela não obtenção de uma resposta em tempo hábil do Poder Judiciário. Todavia, vale salientar que a possibilidade de se aplicar penas alternativas, mais brandas, não desestimulou a prática da violência doméstica, já que os crimes de lesão corporal leve e culposa, previstos no art. 129, respectivamente, no caput e no § 6º, e o crime de ameaça, com previsão no art. 147, todos do Código Penal Brasileiro, são passíveis de aplicação de institutos, tais como a composição civil dos danos, a transação penal ou a suspensão condicional do processo, os quais não surtem o efeito desejado em diversas situações. Cabe, ainda, salientar que, em 2002, a Lei nº 9.099/95 foi alterada na parte final do parágrafo único do art. 69 da Lei nº 10.455/02, dispondo sobre a possibilidade de que, após a lavratura do termo, o autor do fato seja imediatamente encaminhado ao juizado ou assuma o compromisso de a ele comparecer, nem se exigindo fiança; além disso, prevê, em caso de violência doméstica, a possibilidade de que o juiz determine, como medida cautelar, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. Ao inserir essa possível medida de cautela, o legislador demonstrou-se preocupado com a violência doméstica, porém, esta inserção não foi suficientemente capaz de modificar o cenário de violência ao qual o Brasil estava submetido. Contrapondo-se aos posicionamentos de que a Lei nº 9.099/95 não cumpriu a finalidade concernente ao combate às violências domésticas, reclamando a promulgação da Lei Maria da Penha que deixa, de forma clara, este repúdio em inúmeros dispositivos, é pertinente a crítica feita por Porto (2006), a saber: O fato dos juizados especiais aplicarem penas alternativas, não os tornam tolerante ou, ainda, ineptos. Para tanto, resolveria estabelecer regras que atuassem no âmbito da violência doméstica, aumentando a severidade da resposta a esses tipos de agressões e, por outro lado, não haveria o desmerecimento de um sistema recém criado que ainda não atingiu sua plenitude. Ainda quanto à previsão da instalação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, diante da sua magnitude, somente se encontra viável nos grandes centros, locais em que a demanda justificaria sua implantação.

E mais, embora feliz o intuito da criação dos juizados especiais, a Lei nº 9.099/95 não será aplicada aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, independendo da pena prevista, conforme previsão expressa do art. 41 da Lei Maria da Penha.


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Acerca da competência dos Juizados Especiais Criminais, retirando-se os crimes cometidos em atos de violência doméstica, a Lei nº 11.340/06 vetou, ainda, as penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, além da substituição de pena por pagamento isolado de multa, como sanção aos agressores. Assim fez o legislador, a fim de buscar uma sanção menos branda aos autores da violência doméstica. Vedou a aplicação nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. A intenção é ver o agressor cumprir pena de caráter pessoal, isto é, privativa de liberdade ou restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana ou interdição temporária de direitos), mais adequada ao tipo de crime (e autor) em análise (CUNHA; PINTO, 2008, p. 116). Uma grande polêmica em torno da vedação da aplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos crimes com enquadramento na Lei Maria da Penha diz respeito à configuração dos mesmos enquanto contravenções penais, ao exemplo das vias de fato; das perturbações de sossego e de tranquilidade; e da importunação ofensiva ao pudor. Em tais hipóteses, há certos doutrinadores com o entendimento de que, restando a referência do art. 41, de forma específica, aos crimes, estariam as contravenções penais sujeitas apenas ao art. 17, submetendo-se, igualmente, a competência dos Juizados Especiais Criminais. Neste sentido, menciona Fuller (2007, p. 15) que: a aplicação dos institutos da Lei 9.099/95 (notadamente a transação penal e a suspensão condicional do processo) se restringe aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher e, por isso, não alcança quaisquer contravenções penais, ainda que sujeitas ao regime jurídico da Lei 11.340/06.

Entretanto, é pacífica a compreensão da jurisprudência, contrapondo-se a esse entendimento, a qual, ainda que se trate dos casos de ocorrência de contravenção penal, exclui a inaplicabilidade dos institutos contidos na Lei dos Juizados Especiais; é o que se segue: A competência para processar e julgar conflitos envolvendo violência doméstica, ainda que se cuide de contravenção penal de vias de fato, é do Juizado Comum, uma vez que não incide, a teor do artigo 41 da Lei Maria da Penha, a legislação que trata dos Juizados Criminais (Lei 9.099/95). (TJRS, Conflitos de Competência 70019961077, Rel. Manoel José Martinez Lucaz, j. 29.08.2007, DJ 11.09.2007) Embora a denúncia tenha atribuído ao paciente a prática do crime de ameaça, punido com pena detentiva de 01 a 06 meses, isso não faz com que a competência para seu processamento recaia no Juizado Especial Criminal. Isso porque o artigo 41 da Lei


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11.340/06 preconiza que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95”. (TJRS, HC 70020690764, Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira, j. 08.08.2007, DJ 27.09.2007)

Porém, em paralelo ao questionamento relacionado ao cabimento ou não das contravenções penais em sujeição ao Juizado Especial Criminal, é trazido a tona o debate referente à constitucionalidade do art. 41. Consideram, assim, que este artigo estaria em confronto com a previsão do art. 98, inciso I, da Constituição Federal Brasileira, o qual prevê a criação dos Juizados Especiais para julgar infrações penais de menor potencial ofensivo. Entende Moreira apud Martini (2009) que subtraindo a competência dos Juizados Especiais Criminais, a referida lei incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois a competência determinada expressamente pela Constituição Federal não poderia ter sido reduzida por lei infraconstitucional. Todavia, cabe ao legislador infraconstitucional indicar a definição do que possa constituir uma infração penal de menor potencial ofensivo, o que fez, de fato; primeiro, através da Lei dos Juizados Especiais e, depois, com a Lei 11.313/06, ampliando, assim, o conceito ora comentado. Nada impede, portanto, que o legislador infraconstitucional inclua ou retire determinada conduta do âmbito dos Juizados. Aliás, a própria Lei 9.099/95 contempla duas exceções, ao prever que é afastada a competência dos Juizados, previstas nos arts. 77, § 2º e 66, parágrafo único (CUNHA; PINTO, 2007, p. 212). Ratificando entendimentos nesta diretriz, há julgados, majoritariamente, que reconhecem a constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, sob o fulcro de existir, no mundo fático, desigual tratamento entre homens e mulheres, o que, de certo modo, enseja um tratamento desigual diante da lei. Além do mais, conforme Campos e Corrêa (2007, p. 502): “considerar que crimes com violência doméstica e familiar contra a mulher possam ser definidos como infrações de menor potencial ofensivo atenta contra o bom senso e dignidade da pessoa humana”. Portanto, a regra é a total inaplicabilidade da Lei 9.099/95 quanto aos crimes e às contravenções penais acometidas em face da mulher no âmbito doméstico, até mesmo no que concerne aos benefícios lá previstos, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo.


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Igualmente, afastando-se a competência dos Juizados Especiais Criminais, resta também a competência da Turma de Recursos a fim de julgar casual discordância, para a qual, deve, por conseguinte, ser encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado competente.

3.1.1. Princípios Fundamentais dos Juizados Especiais

A Lei dos Juizados Especiais, justamente por vislumbrar uma resposta mais célere da Justiça aos seus jurisdicionados, baseia-se nos Princípios da Oralidade, Informalidade, Economia Processual e Celeridade. Referenciando-se pela própria Lei sob comento, o Princípio da Oralidade pode ser entendido como a exigência precípua da forma oral no tratamento da causa, porém, a forma escrita deve ser utilizada diante da necessidade de documentação a respeito do processo; o Princípio da Informalidade, por sua vez, implica numa interpretação ponderada, prescindindo um formalismo exagerado para a consolidação do ato a fim de que atinja sua finalidade; o Princípio da Economia Processual consiste em eliminar ou simplificar os atos, desde que não ofenda aos Princípios Fundamentais Constitucionais, por meio do qual resta impossível adiar os atos; e o Princípio da Celeridade, por fim, como resultado da aplicação dos Princípios anteriores, enseja a busca de uma resposta rápida aos conflitos que possam surgir.

3.1.2. Institutos despenalizadores

A Lei dos Juizados Especiais, qual seja, a de nº 9.099/95, trata da possibilidade de se aplicar certos institutos, como a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, os quais, provavelmente, devem ter sidos os encarregados de afastar esta Lei aos crimes perpetrados com violência doméstica e familiar em face da mulher, merecendo, assim, uma breve análise acerca do que venha a ser cada um deles.


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3.1.2.1. Composição dos danos civis

A composição civil vem a ser contemplada nos arts. 72 a 75 da Lei nº 9.099/95. Assim, quando há ocorrência de um ilícito penal de menor potencial ofensivo, abre-se a possibilidade de uma composição civil, impedindo a propositura de uma ação penal condenatória que, de acordo com Assis (2005, p. 67-68), trata-se de uma das grandes inovações da Lei, eis que ocorre antes da propositura da ação penal, sendo o conflito resolvido mediante a conciliação das partes, Estado, autor do fato, vítima e a coletividade. A composição civil figura como uma conciliação, podendo ser realizada até a audiência de instrução e julgamento, porém antes de formulada a acusação. Karam (2004, p. 109-110), em outras palavras, considera ter sido a inovação mais significativa, já que, ocorrendo a homologação do acordo, a sentença terá eficácia de título executivo, havendo, por conseguinte, a satisfação do direito, tendo como efeito o impedimento da propositura da ação penal condenatória e, desta forma, haverá a exclusão da possibilidade de aplicação de pena como resposta ao cometimento da infração penal, quando esta for de menor potencial ofensivo em que a demanda propulsora da pretensão punitiva deva ser apresentada em ação penal condenatória de iniciativa do ofendido ou condicionada à representação. Salienta, ainda, Karam (2004, p. 111-112) que a apreciação da causa civil quanto à reparação do dano resultado da conduta do réu em praticar um ilícito civil e a infração penal foi atribuída ao juízo criminal, atendendo aos princípios da Lei nº 9.099/95, quais sejam à economia processual e à celeridade, são estes claramente percebidos na ocasião da audiência preliminar, na qual não havendo a composição dos danos civis, poderá ser imediatamente proposta a ação penal condenatória, conforme dispõe o art. 75 e seguintes da Lei ou, também, poderá iniciar o processo penal a posteriori, em estrita observância ao prazo de decadência a fim de propor ação penal privada ou condicionada à representação. Quanto à ação penal de iniciativa do ofendido, ainda que frustrada a tentativa de composição civil dos danos na audiência preliminar, momento em que o processo será extinto sem resolução do mérito, abre-se, assim, a uma última tentativa de conciliação, conforme supramencionado, no transcorrer da ação penal condenatória, ao ser iniciada a audiência de instrução e julgamento. Neste instante, pode-se, simultaneamente, promover nova ação para a composição civil.


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Neste sentido, restando a mesma satisfatória, será, então, proferida uma sentença homologatória, com a extinção do processo, ensejando extinta a punibilidade na ação penal condenatória. Porém, a composição aqui atingida implicará não mais a renúncia ao direito de ação penal condenatória, mas equivalente ao perdão, consistindo, pois, na renúncia ou desistência ao prosseguimento do feito. No que diz respeito à ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, a composição civil promovida na audiência de instrução e julgamento da ação penal condenatória não surtirá efeitos idênticos, já que, ao se conceder autorização ao Ministério Público, este terá legitimidade para atuar com independência, igualmente na ação penal incondicionada, em observância ao Princípio da Obrigatoriedade e da Indisponibilidade, forma na qual o processo segue seu trâmite. Cabe ainda ressaltar que, acerca do âmbito de admissibilidade, a composição civil será admitida nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada, nas quais, o acordo homologado enseja a renúncia ao direito de queixa ou de representação, restando extinta a punibilidade, além nos de ação penal pública incondicionada, na qual a homologação do acordo civil não impede que seja aplicada pena ao infrator, muito menos o prosseguimento do feito, conforme os dispostos pelos arts. 77 e seguintes da Lei dos Juizados Especiais.

3.1.2.2. Transação penal

O instituto da transação penal, previsto no art. 76 da Lei nº 9.09/95, pode ser compreendido como o ato jurídico por meio do qual o autor do fato e o Ministério Público, após atenderem os requisitos legais, acordam, na presença do magistrado, em concessões recíprocas a fim de prevenir ou extinguir o conflito implantado com um fato típico, mediante cumprimento de uma pena ajustada consensualmente. Segundo Grinover et al. (2005, p. 149-150), nas ações penais públicas, encerrada a tentativa de conciliação civil, com ou sem êxito, na mesma oportunidade, será proposta transação penal. A princípio nada dispõe sobre a possibilidade de transação penal na ação de iniciativa do ofendido, quando sem êxito a composição civil, restando a este apresentar queixa ou ficar inerte, não iniciando a persecução penal. Acerca da possibilidade de se propor a transação penal pelo ofendido, nos crimes de ação penal privada, existe o entendimento de que é possível que o magistrado faça


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interpretação analógica do quanto disposto pelo art. 76, visto que pode ser mais benéfico não só ao autuado, mas, de certo modo, também à vítima. Seguindo este artigo, deparando-se o Ministério Público com uma conduta penal de menor potencial ofensivo, desde que no caso de ação penal pública incondicionada ou com a representação do ofendido, poderá fazer valer a pretensão punitiva do Estado, solicitando ao magistrado a aplicação antecipada da pena não privativa de liberdade, ou seja, aplicação de pena restritiva de direitos ou multas, desde que com o consentimento do infrator. Não havendo a concordância do infrator, o processo prosseguirá até a sentença, a qual poderá fixar uma pena não privativa de liberdade, como também, uma pena privativa de liberdade (KARAM, 2004, p. 86-87). Tendo em vista a hipótese supracitada, o Ministério Público, baseando-se no termo circunstanciado, irá oferecer denúncia oral, a qual será reduzida a termo, com a entrega de uma cópia ao acusado que, assim, estará citado e cientificado quanto à audiência de instrução e julgamento, segundo o disposto nos arts. 77 e 78 da Lei dos Juizados Especiais. Se houver ausência do acusado, a citação se procederá conforme os arts. 66 e 68 da mesma Lei. Assim, para que o acusado possa se beneficiar com a transação penal, o mesmo deve atender às condições estabelecidas pelo art. 76, § 2º e incisos, as quais mencionam as formas que impedem a proposta e sua homologação. Segundo Assis (2005, p. 84): Em relação à aceitação da proposta de transação penal, será esta homologada, desde que expressamente aceita pelo infrator e na presença de seu advogado, visto que o infrator deve ser orientado sobre as consequências da transação e sobre as possibilidades de, em uma eventual instauração da ação penal, ser comprovada sua inocência e, assim, não ter que cumprir pena, seja ela restritiva de direito ou privativa de liberdade.

É

pertinente

a

ressalva

quanto

a

possíveis

questionamentos

acerca

da

constitucionalidade deste instituto ora abordado, ao se considerar que o mesmo estaria ferindo o Princípio do Devido Processo Legal, o Princípio da Igualdade Processual, além do Princípio da Presunção de Inocência, os quais encontram respaldo, respectivamente, nos arts. 5º, LIV; 5º, caput e § 1º; 5º, LVII, todos da Constituição Federal de 88. Entretanto, conforme Assis (2005, p. 75-76), tal alegação resta prejudicada, uma vez que a Constituição Federal prevê tanto o princípio do devido processo legal, como também a transação penal, quanto ao princípio da presunção de inocência: a transação penal não importa em qualquer reconhecimento de culpa, tanto que o art. 76, § 4º, da Lei nº 9.099/95 dispõe que


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a transação penal não importará em reincidência, sendo anotado somente no registro criminal para impedir que haja nova transação no período de cinco anos. Por fim, não possui embasamento a justificativa de não observância ao princípio da isonomia, visto que, mesmo não havendo a composição civil, poderá o infrator, nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada, ser beneficiado pela transação penal, havendo tão-somente os impedimentos previstos no art. 76, § 2º e seus incisos. Entende Karam (2004, p. 99) que: A decisão proferida pelo magistrado, na apreciação da proposta de transação penal e sua aceitação pelo infrator, consistirá em sentença homologatória da transação, sendo equiparável à sentença de mérito, impedindo que o conflito já solucionado seja objeto de nova demanda, produzindo efeitos de coisa julgada material, tendo eficácia de título executivo judicial.

No que concerne ao descumprimento da sentença homologatória da transação penal, tomando por base a aplicação de pena restritiva de direito, várias divergências surgem acerca de suas consequências. Contudo, Assis (2005, p. 89) entende que “a posição que melhor se coaduna é a do Superior Tribunal de Justiça, o qual considera que tão-somente caberia a execução do acordo, mas não disciplina como ocorreria esta execução.” Considerando a questão referente ao descumprimento da pena de multa, e os entendimentos supracitados, depreende-se que Karam e Assis convergem em seus posicionamentos, compreendo, assim, que o art. 51 do Código Penal Pátrio deve ser aplicado, considerada a multa, aqui, uma dívida de valor, impondo-se, assim, às normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública no que diz respeito à execução, com a desconsideração do que dispõe o art. 85 da Lei dos Juizados Especiais.

3.1.2.3. Suspensão condicional do processo

A Lei nº 9.099/95 disciplina em seu art. 29 e parágrafos o instituto da suspensão condicional do processo, o qual, para ser concedido, precisa atender os requisitos previstos em lei. Segundo entende Grinover et al (2005, p. 252-253): A suspensão do processo, prevista no art. 89 da Lei em comento, não deve ser confundida com o sursis; este se refere à suspensão condicional da execução da pena, quando há a instauração de um processo, sendo realizada a instrução criminal


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e, ao final, se convencendo o juiz pela condenação, poderá suspender a execução da pena. Na suspensão do processo, o que se suspende é o processo, no momento do oferecimento da denúncia, em princípio é oferecida a proposta, que sendo aceita pelo acusado, autoriza a suspensão do processo pelo juiz. Havendo o cumprimento das condições fixadas na proposta, pelo acusado, sem a ocorrência da revogação, no final do prazo de prova será declarada extinta a punibilidade.

Karam (2004, p. 179) atenta para o fato de que a sentença declaratória da extinção de punibilidade pode ser considerada como simples declaração de extinção do processo, em razão de estar satisfeita a pretensão punitiva. Entretanto, não resta dúvida de que a extinção do processo apenas acontecerá se atendidas as condições estabelecidas dentro do período de prova, sob pena de que a suspensão seja revogada e o processo prossiga até a sentença. Certo é que não só a proposta, como também a concessão da suspensão condicional do processo configuram em direitos do acusado, constituindo um dever do Ministério Público e do magistrado de conceder o benefício, desde que preenchidos os requisitos legais. É pertinente salientar que existe, na suspensão condicional do processo, uma espécie de transação, já que, ao oferecer a proposta, o Ministério Público vai dispor acerca da persecução penal e o acusado de seus direitos e garantias, assim como no devido processo legal e na ampla defesa, a fim de extinguir a punibilidade (ASSIS, 2005, p. 95). Todavia, existe a crítica no que diz respeito à disponibilidade da persecução criminal pelo Ministério Público, ao propor a suspensão condicional do processo, já que a regra é a de que deve atuar observando o princípio da indisponibilidade da ação penal. Porém, deve ser considerado o regramento ao princípio da oportunidade, previsto pela Lei nº 9.099/95, com a pretensão de evitar a estigmatização derivada do processo. Deve-se considerar as condições que cercam todo o procedimento a fim de possibilitar a concessão deste instituto, visando a sua segurança jurídica (GRINOVER et al., 2005, p. 258-259). Por fim, no que tange ao instituto sob comento, vale mencionar que o mesmo apresenta vantagens e desvantagens. O caso, por exemplo, do acusado que aceita a suspensão, entra no período de prova e, neste ínterim, ocorre a revogação, pode ser considerado como desvantagem, pois pode haver prejuízo para as provas, especialmente quanto à localização da vítima e das testemunhas, que podem ter transferido a residência. Disso decorre a oitiva das testemunhas anos após a ocorrência dos fatos, devido ao lapso temporal demasiado pela presença deste acontecimento no decorrer do processo, como geralmente ocorre. Entre as vantagens, há o fato de não haver instrução, nem sentença; logo, não que se mencionar uma inserção do nome do acusado no rol de culpados – pressuposto da reincidência, antecedentes criminais, entre outros – assim como não haverá reprodução dos


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fatos, viabilizando, deste modo, economia à Justiça, além de benefício ao acusado, à vítima, e às testemunhas. Com isso, é dado ao Estado maior tempo para se atentar às infrações de natureza grave, e ao acusado é favorecida sua ressocialização, ao evitar seu contato com os presídios.

3.1.3. Motivos que determinam a não incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher

Nos últimos anos, em decorrência do alto índice de violência doméstica perpetrada contra a mulher, foi constatado que a Lei dos Juizados Especiais não contribui efetivamente a fim de reduzir estes números, o que pode ser explicado pela incapacidade dos seus institutos para desestimular os agressores, ou até mesmo pela má aplicação de tais institutos aos casos concretos. É pertinente retomar o que dispõe o art. 41 da Lei nº 11.340/06 quanto à inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como o art. 17 da mesma Lei que veda, em tais casos, a aplicação de penas de cestas básicas ou outras de prestação pecuniária, ou o pagamento isolado de multa, para entender que, com isso, teve o legislador o objetivo de enrijecer a resposta aquele agressor que comete crimes assim. De um modo mais simplificado, poder-se-ia mencionar que aceitar a incidência da Lei dos Juizados a pratica de crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher significaria um lugar comum, pois, com tal medida, restaria banalizada a aplicação dos institutos previstos na mesma, uma vez que, para agredir a companheira, bastaria pagar ou doar cestas básicas, com a homologação de acordos que, desta feita, iriam fomentar a violência. O fato de que a Lei nº 9.099/95 viabiliza a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, ainda que não dispense que alguns requisitos sejam preenchidos, permite, contudo, que o agressor tenha sentença homologatória de extinção da punibilidade, desconsiderando a reincidência desta. Assim, pode-se compreender que o ponto crucial para afastar a incidência da Lei nº 9.099/95 reside na questão de que, visando uma resposta mais célere do Poder Judiciário, seus institutos beneficiam excessivamente o agressor, sem solucionar, por vezes, o caso concreto, sendo, pois, ineficazes para combater novos delitos, já que o agressor não precisa produzir


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provas que comprovem sua inocência, sem contar que pode, ainda, ser beneficiado com uma pena restritiva de direitos, prevista no Código Penal em seu art. 44 e parágrafos, caso volte a cometer um novo crime. Neste diapasão, pode-se concluir que a Lei Maria da Penha teve a pretensão de que ao réu acusado da prática de crimes resultantes da violência doméstica e familiar acometida em face da mulher fosse, na hipótese de condenação, aplicado uma pena capaz de fazê-lo se sentir afligido com a sanção penal imposta a fim de demover do mesmo a ideia de persistir na prática de infrações penais desta espécie.

3.2. AÇÃO PENAL

À medida que o Estado passou a proibir os cidadãos de fazerem justiça pelas próprias mãos, inadmitindo, assim, a autodefesa, surgiu a necessidade de oferecer ao indivíduo instrumentos capazes para reclamar o que é, de direito, seu, através, por exemplo, do exercício do direito de ação, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Conforme leciona Mirabete (2003, p. 371), a ação penal desenvolve-se por meio do processo, subordinando-se às condições previstas em lei, apenas será possível a instaurar a ação penal se presentes essas condições, as quais, a contrario senso, estão disciplinadas no art. 43 do CPP. Somente será admitida se o fato for típico, se não estiver extinta a punibilidade por qualquer causa, se for legítima a parte e se estiverem preenchidos os requisitos específicos para o exercício do direito da ação penal. Neste estudo, a ação penal tratada é, em regra, pública, segundo o disposto pelo caput do art. 100 do Código Penal, a qual pode ser condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça. Todavia, a ação penal pode, também, ser de iniciativa privada personalíssima, ou, ainda, de iniciativa privada subsidiária da pública. Considerando este contexto, o interesse maior está em abordar acerca da ação penal pública incondicionada, bem como da ação penal pública condicionada à representação do ofendido, conforme se segue adiante.


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3.2.1. Ação penal pública incondicionada

O titular da ação, na pública incondicionada, conforme aduz o art. 24 do CPP, é o Ministério Público. Independendo de quem quer que seja manifestar sua vontade, basta apenas indícios de autoria e da prova de materialidade do fato para que a ação seja proposta. Nestes casos, o Ministério Público, observando o Princípio da Obrigatoriedade, deve, segundo o art. 5º, II, da Constituição Federal, propor a ação penal. Deste modo, conforme entende Rangel (2001, p. 145), não pode o Ministério Público se abster da propositura desta ação por motivo de política criminal ou qualquer outro sem previsão legal, pois sendo o fato típico, contrário à lei penal e culpável, bem como presentes as condições exigidas por lei para o exercício da ação penal, tais como legitimidade, interesse de agir, possibilidade jurídica e justa causa, a ação deve ser proposta. Além do Ministério Público, a obediência ao Princípio da Obrigatoriedade quanto à propositura da ação, quando possível, deve consistir num dever, não podendo desta dispor, configurando-se, por conseguinte, em concordância ao art. 42 do CPP, no Princípio da Indisponibilidade. Vale salientar, de acordo com o entendimento de Prado (2002, p. 661), que qualquer pessoa pode provocar a iniciativa do membro do Ministério Público, bastando, para tanto, apenas fornecer, por escrito, informações que viabilizem a ação deste, como a conduta e sua autoria, local de ocorrência do fato, o momento, além dos elementos de convicção, segundo o que aduz o art. 27 do CPP. Considerando, ainda, a lição de Prado (2002, p. 663), o fundamento para a propositura da ação penal pública incondicionada reside no fato da infração penal praticada pelo indivíduo ter afetado o interesse geral da sociedade de forma relevante, ensejando ao Estado o dever de exercer sua atividade jurisdicional.

3.2.2. Ação penal pública condicionada à representação

Considerada, igualmente, uma ação penal pública, tendo também o Ministério Público como titular, no entanto, neste caso, deve a vítima ou seu representante legal oferecer


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representação, isto é, autorizar ao membro do parquet que proponha a ação, configurando, assim, um requisito de procedibilidade. Sem a representação, o Poder Judiciário não pode ser acionado para apreciar o litígio. O motivo do requisito de procedibilidade na ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal fundamenta-se na própria agressão sofrida, uma vez que, certas vezes, o crime afeta a esfera de intimidade da vítima de tal forma que o Estado respeita com o intuito de evitar que o processo se torne ainda mais doloroso para esta do que para seu agressor (CAPEZ, 2005, p. 522). São como os casos nos quais a vítima prefere ver seu agressor impune a ter que se expor à propositura de uma ação que pode prolongar seu sofrimento ainda mais. No mais, segundo o entendimento de Mirabete (2003, p. 373), a representação não tem uma forma estabelecida, podendo ser oferecida desde que a vítima ou seu representante legal venha manifestar sua intenção de forma inequívoca, passando, desta feita, ao Estado o poder de desencadear a persecução penal. Cabe ressaltar que, ao ser oferecida a representação, irá desaparecer a possibilidade de desistência da vítima de ver seu agressor processado, pois a retratação apenas pode ocorrer até que a denúncia seja oferecida, segundo regram o Código Penal, em seu art. 102, e o Código de Processo Penal, em seu art. 25. Em consequência, com base no art. 107, VI, do CP, restará a causa extinta de punibilidade. Por fim, vale mencionar a previsão aduzida pelo art. 16 da Lei nº 11.340/06 acerca da renúncia à representação, a qual pode acontecer antes do recebimento da denúncia, isto é, em momento diferente do que determinam o Código Penal e o Código de Processo Penal.

3.3. DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO DO ARTIGO 16 DA LEI Nº 11.340/06

Segundo o art. 16 da Lei Maria da Penha, cabe à vítima, antes de recebida a denúncia pelo magistrado, a possibilidade de oferecer renúncia à representação manifestada. Conforme Dias (2007, p. 113), a representação trazida pela Lei nº 11.340/06 tem efeito quando do registro da ocorrência, oportunidade na qual as declarações da vítima são levadas a termo pela autoridade policial, o que consta do seu art. 12, inciso I. Assim, a posterior manifestação da vítima, perante o juiz, de não mais querer que a ação seja instaurada pode ser entendida como retratação à representação.


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O art. 25 do CPP estabelece que “a representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia”. Tal afirmativa distingue-se, pois, do que aduz o art. 16 da Lei em comento, uma vez que, segundo esta, a representação poderá ocorrer posteriormente à denúncia, entretanto, desde que seja antes de seu recebimento pelo juiz. Há, todavia, interpretação no sentido de haver obrigatoriedade de audiência no mencionado artigo em tela para que a denúncia, como um ato processual introduzido, seja recebida pelo juiz. Neste sentido, preleciona Cabette apud Martini, 2009: Nos casos de violência doméstica contra a mulher, derrogado o art. 25 do CPP, para alongar o tempo para a retratação (nunca renúncia), teria o legislador criado uma nova formalidade processual antes do recebimento da denúncia, qual seja, a oitiva da vítima para que se manifeste quanto a eventual retratação da representação anteriormente ofertada.

Entretanto, não é este o intuito demonstrado pela Lei nº 11.340/06. A renúncia depende de provocação direcionada ao magistrado, a fim de que este, tendo ciência da pretensão de renúncia por parte da vítima, venha designar uma audiência específica para registro e manifestação dessa vontade. Assim, o art. 16 da Lei Maria da Penha pode ser visto como uma faculdade da vítima de se retratar da representação manifestada em face do agressor, numa tentativa, diversas vezes, de reatar os laços afetivos, exercendo, portanto, um direito a ela conferido pelo art. 3º da própria Lei em comento, o qual trata a respeito da convivência familiar. Uma vez ocorrendo a ausência da vítima na audiência de retratação, depois de informado esse desejo na fase policial, entende-se que, da mesma forma, a ausência deve ser interpretada como uma retratação tácita, mediante a falta de interesse no prosseguimento de eventual ação penal. O entendimento de Cunha e Pinto (2008, p. 115) é o de que insistir na continuidade do feito, mesmo ausente a vítima, importaria em adotar uma medida que iria de encontro ao seu interesse, capaz, portanto, de revigorar situações já pacificadas no seio da família. Fora a dificuldade de ordem prática que poderia se constatar na colheita de prova, diante da nítida intenção da ofendida em livrar seu agressor de quaisquer responsabilidades. Certo é que a própria jurisprudência vem se conflitando acerca da necessidade (ou não) de que a vítima represente a fim de que seja deflagrada a ação penal correspondente, não tendo consolidado uma linha pacífica de entendimentos, mesmo sendo majoritária em se posicionar pela mantença da dependência da manifestação da vítima, se o delito em apreço tiver esta natureza.


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Assim, ainda que a Lei Maria da Penha vise coibir a violência doméstica e familiar, ela demonstrar respeitar a vontade da vítima com o intuito de que não lhe seja suprimida a possibilidade da mesma restaurar a paz no seio familiar. É de grande relevância o comentário de Damásio de Jesus (2006, p. 4) ao discorrer que para se compreender o significado da norma é preciso questionar sua finalidade, qual seja, a ratio legis. E, mais, não resta dúvida acerca da intenção da lei de ser favorável à mulher e não ao seu agressor. Tem-se, de qualquer modo, maior consistência na corrente defensora de que a ação deverá ser pública condicionada à representação da ofendida, sem prejuízo da distinta aplicação.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER E A PRISÃO CAUTELAR COM ENFOQUE NA LEI Nº 11.340/06

4. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI Nº 11.340/06

4.1. TUTELA DE URGÊNCIA

A Lei Maria da Penha trouxe um rol de medidas protetivas para efetivar os propósitos de sua criação, vislumbrando, assim, a proteção da mulher diante dos diversos tipos de violência doméstica e familiar a qual pode ser acometida. A princípio, cabe salientar que a concessão de tais medidas protetivas está relacionada aos pressupostos do periculum in mora (perigo na demora) e fumus boni iuris (aparência do bom direito), os quais são cumulativos e imprescindíveis para que o magistrado tenha o mínimo de elementos a fim de proferir a decisão, após apreciado o caso concreto. A Lei em comento trata sobre as medidas protetivas de urgência em seus artigos 22 (as que obrigam o agressor), 23 (as que protegem a vítima) e 24 (as de ordem patrimonial), as quais dependem do pedido da ofendida, com a ressalva de que, aos crimes cuja ação penal pública seja incondicionada, a solicitação deverá partir do membro do parquet.


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Tomando por base a medida protetiva de urgência que obriga o agressor, elencada no art. 22, III, alínea “a” da Lei Maria da Penha, é pertinente o posicionamento de Dias (2007, p. 85), o qual acredita que limitar o espaço de aproximação do agressor em relação à vítima não configura constrangimento ilegal, inclusive não infringe o direito, consagrado no art. 5º, XV, da Constituição Federal, de ir e vir, por retratar uma situação que contrasta dois direitos constitucionais, quais sejam, o direito à locomoção e o direito à preservação da vida e da integridade física. No entanto, deve-se limitar à locomoção, em razão da vida, o bem maior. No que diz respeito às medidas protetivas que obrigam o agressor, as que têm como escopo uma obrigação de fazer ou não fazer, a Lei nº 11.340/06 contempla em seu art. 22, § 4º, a possibilidade de se aplicar o Código de Processo Civil, mais precisamente, seu art. 461, §§ 5º e 6º, por prever medidas que possam garantir mais efetividade à determinação do juízo. Neste deslinde, vale frisar que as medidas protetivas não se limitam às previstas pelos artigos 22 a 24 da Lei, já que há previsão de demais medidas de proteção às vítimas, como ocorre, por exemplo, com o que estabelece o art. 9º, em seu § 1º, além de seu § 2º, inciso II. Vale ainda salientar o entendimento de Dias (2007, p. 79) no que concerne à possibilidade de se requerer, perante a autoridade policial, medidas protetivas de natureza cível ou penal, embora tal requerimento e/ou concessão possam ser realizados no recebimento do inquérito policial ou durante a tramitação do processo penal. Também, nas ações de natureza cível, originárias de violência doméstica, propostas pelas vítimas ou pelo Ministério Público, tem o magistrado a possibilidade de determinar que sejam adotadas medidas necessárias para proteger a vítima e os integrantes da unidade familiar. Não menos importante é o art. 21 da mesma Lei, o qual trata de uma medida protetiva ao dispor que a vítima deverá ser informada pessoalmente de todos os atos processuais relativos ao agressor, além de seu ingresso e saída da prisão. Esta previsão tutela, de forma tranquila e direta, a segurança da vítima ao ser informada quando seu agressor ingressará ou se verá livre da prisão. No entanto, entende Souza (2007, p. 113) que: “Não sendo razoável o entendimento de que eventuais obstáculos à realização dessa notificação possam servir de empecilho à libertação do suposto agressor, já que esse não pode ser prejudicado pela ineficiência do Estado.” Além disso, dispõe o próprio art. 21, em seu § 1º, que não pode a vítima, de maneira alguma, ser a portadora das informações ao agressor, já que, em alguns casos, residia a normalidade da incumbência da vítima de notificar seu agressor.


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Acerca da presença de advogado no ato do requerimento e concessão da medida protetiva, segundo o art. 27 da Lei sob comento, resta desnecessária tal presença, até mesmo pela incompatibilidade com a natureza da urgência da medida em questão. No que tange à competência para apreciar tais medidas, a mesma será do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs), com previsão no art. 14 da Lei Maria da Penha, órgãos da Justiça Ordinária, de competência cível e criminal. Porém, na ausência dos JVDFMs, devem as medidas protetivas serem encaminhadas ao juízo criminal a fim de apreciá-las e, ainda, executá-las. Entretanto, no que diz respeito às medidas de trato sucessivo como, por exemplo, a prestação de alimentos, o entendimento é de que o agressor, após intimado e decorrido prazo para recurso, será enviado ao juízo cível ou de família, o qual estará incumbido da execução nos casos em que haja o inadimplemento.

4.2. PROCEDIMENTO DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER

A Lei Maria da Penha, em seu art. 12, estabelece a forma como a autoridade policial deve proceder ao receber, pela vítima, o registro de ocorrência, devendo, então, encaminhar o requerimento das medidas protetivas ao juiz no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas. O mesmo artigo dispõe ainda que o expediente deve abranger o boletim de ocorrência lavrado na ocasião dos fatos, qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes, descrição sucinta dos fatos e das medidas protetivas pretendidas pela vítima, sendo, nesta fase de cognição sumária, prescindível demais documentos que possam demonstrar as alegações com mais clareza e veracidade. Conforme entende Fernandes (2005, p. 311), isso ocorre por conta do caráter de urgência ou, mesmo, de cauteralidade atribuído às medidas protetivas. Analisar as cautelares em geral, providências urgentes com as quais se busca aviar que a decisão da causa, ao ser alcançada, não mais satisfaça o direito da parte, tem o fito de evitar a realização da finalidade instrumental do processo consistente em justa prestação jurisdicional. Ainda normatiza o art. 19 desta Lei, no seu § 1º, a dispensa da oitiva da parte contrária para que as medidas protetivas de urgência possam ser deferidas. Neste sentido, vale ressaltar que tais medidas podem ser aplicadas de forma isoladas ou cumulativamente, podendo, ainda, a qualquer tempo, serem substituídas por outras de


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eficácia maior, sempre que houver ameaça ou violação aos direitos reconhecidos nesta Lei, uma vez que as providências dos artigos não são excludentes, mas compatíveis. Preleciona Hermann (2007, p. 174) que, diferente do art. 12, II, o qual determina que, a princípio, a legitimidade para pleitear medidas protetivas de urgência é exclusiva da ofendida, o art. 19, em sue caput, estende tal legitimidade ao Ministério Público. Atenta, assim, para uma interpretação não contraditória quanto a esta disposição legal, a qual deve ser coerente no sentido de entender que o parquet terá tal legitimidade em caso de impossibilidade da vítima, pois, contrariamente, o pedido feito pelo Ministério Público deve estar instruído por representação da ofendida. Bastos (2006, p. 5) ainda completa que as medidas arroladas são exemplificativas, uma vez que não esgotam o rol de providências protetivas passíveis de adoção, conforme resguardam os arts. 22, § 1º e o caput dos arts. 23 e 24. Vale, também, salientar o tempo de eficácia das medidas de proteção deferidas pelo juiz, as quais não se submetem ao prazo de caducidade estabelecido pelo art. 806 do Código de Processo Civil, que exige a interposição de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias. Exemplificando, Dias (2007, p. 82) traz a hipótese do ofensor que foi afastado do lar por conta das severas agressões perpetradas contra a mulher, tendo ela permanecido no domicílio comum com a prole. Após 30 (dias) de efetivada a medida, de todo descabido que, pelo fim da eficácia da decisão, o agressor tenha o direito de retornar ao lar. Ainda que pacificado pela jurisprudência, em sede de direito familiar, não perderá eficácia a medida cautelar, mesmo se a ação não for intentada no prazo legal, ainda que se trate de prazo decadencial. Por fim, cabe acrescentar que o juiz pode decretar a prisão preventiva do agressor, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, de ofício, a requerimento do parquet ou mediante a representação da autoridade policial.

4.3. MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR

As medidas protetivas que obrigam o agressor têm previsão no art. 22 da Lei Maria da Penha. Entretanto, trata-se apenas de um rol exemplificativo, não obstando que o magistrado, ao analisar o caso concreto, considerando as particularidades de cada um, adote demais


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medidas que entenda cabíveis. Além disso, não é imperioso que os sujeitos da relação de fato sejam casados, a fim de que o magistrado defira a medida. Ao se observar a novel legislação, constata-se a contundente intenção do legislador em primar pela integridade não só da vítima, mas também de seus dependentes, sendo assegurados ao agressor os seus direitos pertinentes ao patrimônio. Veio a Lei em comento, com a sua criação, inserir no ordenamento jurídico brasileiro um rol de medidas, visando resgatar a cidadania feminina com o fito de assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência, de forma que o Estado passou a tratar de modo diferenciado as agressões sofridas pelas mulheres. Assim, preconiza a Lei Maria da Penha, em seu art. 22, incisos I, II e III, alíneas “a”, “b” e “c”, inciso IV e inciso V, a possibilidade de que o juiz, após constatar a prática de violência doméstica e familiar em face da mulher, aplique, de imediato, ao agressor, as medidas protetivas nesse artigo elencadas, não exaurindo a eventualidade de aplicar outras medidas.

4.4. MEDIDAS DE PROTEÇÃO À OFENDIDA

O legislador da Lei nº 11.340/06, através dos artigos 23, incisos I, II, III e IV e 24, incisos I, II, III e IV, procurou proporcionar as medidas protetivas de urgência também à vítima. O art 23 visa preservar, principalmente, a integridade psicológica da vítima, ao passo que o art. 24 vem conferir medidas de proteção de cunho patrimonial, como uma resposta à violência patrimonial sofrida, conforme elencado pelo art. 7º. Assim, o art. 24 trata acerca de tutela cautelar civil a fim de proteger os bens da mulher na sociedade conjugal ou em outras relações com o agressor, cabendo ao magistrado a possibilidade de aplicar as medidas de forma incidental, seja nas ações penais, bem como na ação civil indenizatória por ato ilícito (SOUZA apud MARTINI, 2009). Portanto, as medidas aduzidas por este artigo 24 tem o escopo fundamental de proteção à mulher em face da violência patrimonial a ela perpetrada, devendo o magistrado, em tais circunstâncias, se necessário for, aplicá-las em conjunto com outras medidas previstas na Lei Maria da Penha.


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4.5. PRISÃO PREVENTIVA

Em sentido estrito, considerando ainda o que preconiza Mirabete (2003, p. 389), a prisão preventiva pode ser compreendida como uma medida cautelar que se constitui na privação de liberdade do autor do crime que é decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal, constatados os pressupostos legais, a fim de resguardar os interesses sociais de segurança. Para isso, compreendem tais pressupostos legais as provas de existência do crime e os indícios de autoria. A justificativa para que possa ser decretada deve ser fundada numa das hipóteses elencadas pelo art. 312, pois que, como medida cautelar típica, a lei se preocupou com o periculum in mora. Vale salientar que, apesar da possibilidade de prisão preventiva ter previsão em outros artigos, a exemplo do art. 20, da nova Lei, aqui será tratada a prisão preventiva resultante de descumprimento da medida protetiva. A Lei Maria da Penha, em seu art. 42, inseriu o inciso IV ao art. 313 do CPP, acrescentando a garantia da execução das medidas protetivas de urgência aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Tal hipótese pode ser considerada providencial, pois, ausente a mesma, em muitos crimes desta espécie restaria afastada a coerção da prisão preventiva e, consequentemente, frustrada a medida protetiva. Este dispositivo mostra-se, deste modo, de caráter sancionador ao agressor que não cumprir as determinações exaradas em sede de cognição sumária, por meio da expedição do requerimento de medidas protetivas. Os artigos 311 a 316 do CPP elencam o cabimento da prisão preventiva, encontrando seus pressupostos inserção no art. 312, ao dispor, este Código, que tal prisão poderá ser decretada a fim de garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar que a lei penal seja aplicada, desde que haja prova da existência do crime e suficientes indícios de autoria. A primeira parte, portanto, configura o periculum in mora, enquanto a segunda, o fumus boni iuris. Ratificando este raciocínio, Rangel (2001, p. 429) considera que o fundamento é o que comprova sua necessidade, a qual será constatada ao serem analisados o fumus boni iuris e o periculum in mora. Entende Nucci (2006, p. 877) que deve existir muita cautela para se determinar a prisão preventiva, devido à existência de infrações penais que não comportam tal tipo de prisão, já que a pena a ser aplicada poderia ser inferior ao tempo de prisão preventiva.


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Notável, pois, diante a explanação de tais argumentos, a viabilidade da prisão cautelar, todavia, desde que presentes os requisitos pertinentes à sua decretação, bem como à manutenção, uma vez que poderá acontecer, a qualquer tempo, a sua revisão pelo magistrado, que pode ainda revogá-la, se assim bem entender.


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CONCLUSÃO

A tolerância presenciada ante a violência doméstica e familiar acometida às mulheres é um dos meios mais contundentes de se constatar a negação de direitos à integridade, à liberdade, à saúde e à dignidade feminina. Por muito tempo, homicidas tiveram sua absolvição em nome dos “crimes de paixão” ou da “legítima defesa”, com fulcro em textos legais e doutrinários tipificados pela discriminação de gênero. Pode-se constatar que as legislações vigentes até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 eram constituídas por dispositivos de fomento à desigualdade entre homens e mulheres, ensejando um tratamento diferenciado que arraigou no homem um sentimento de superioridade em relação à mulher, o qual utilizou a força física ou psicológica como meio de exteriorizar este domínio. Diferentemente, o atual texto constitucional traz a previsão de igualdade, em direitos e obrigações, entre homens e mulheres. No entanto, seu curto período de vigência comparado à cultura patriarcal e machista que perdurou por séculos na sociedade brasileira implicou numa não eficácia desse texto legalmente previsto no sentido de mudar a mentalidade cultural da sociedade brasileira a fim de efetivar o Princípio da Igualdade de Gênero. Tal fato pode ser corroborado pelos altos índices de violência praticada em face da mulher, especialmente, no âmbito doméstico, familiar ou mesmo nas relações de afeto. Diante deste contexto, em observância às Convenções Internacionais ratificadas pelo país, objetivando a proteção da mulher, quais sejam, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, surge a Lei nº 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, como uma ação afirmativa do Estado, destinada a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais, a qual parece estar relacionada a determinadas características biológicas (raça e sexo) ou sociológicas (etnia e religião), marcantes da identidade de certos grupos na sociedade, neste caso, a violência de gênero. O advento da Lei Maria da Penha traduziu a pretensão de se coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, buscando conscientizar o agressor de que seus atos não são corriqueiros nem normais, o qual precisa ser punido, se constatada a ocorrência da agressão contra a mulher.


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Além disso, a novel Lei buscou definir o sujeito passivo e ativo, sendo o primeiro a mulher, independendo de sua orientação sexual, e segundo, o homem ou uma outra mulher. Também, previu uma série de medidas protetivas de urgência com o fito de assegurar a integridade psicológica, física, moral, sexual e patrimonial da mulher, e de seus dependentes, buscando garantir sua efetividade por meio da possibilidade de decretar a prisão preventiva quando do descumprimento por parte do agressor. Ademais, a Lei nº 11.340/06 afastou a incidência da Lei dos Juizados Especiais, Lei nº 9.099/95, e a aplicabilidade de seus institutos, nos casos de ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que a Lei Maria da Penha, objetivando coibir esse tipo de violência em face do gênero feminino, teve como primordial finalidade endurecer a resposta ao agressor que pratica crimes desta espécie contra a mulher. Assim, deixou de ser considerado o crime de violência doméstica e familiar como crime de menor potencial ofensivo ao sair da competência dos Juizados Especiais Criminais. Portanto, a nova Lei significou um estímulo ao avanço de mecanismos punitivos da violência doméstica, fazendo valer os direitos da mulher ao desconsiderar o homem como símbolo do poder familiar. Entretanto, a Lei Maria da Penha não pretendeu exterminar a violência doméstica somente punindo mais severamente o agressor, pois tenciona, do mesmo modo, a prevenção de novas práticas de violência, ante a apresentação de um rol de medidas efetivamente capazes de proteger a mulher. Tomando por base a boa-fé das vítimas é que as medidas de proteção serão concedidas de imediato, posteriormente ao registro de ocorrência em meio policial. Portanto, devido à facilidade de sua concessão, várias mulheres utilizam a Lei Maria da Penha como meio de se vingar ou de ameaçar o homem, razão pela qual sua imagem pode ser deturpada por esta minoria, restando prejudicadas as mulheres que real e verdadeiramente precisam de amparo legal. De qualquer modo, a Lei sob comento viabilizou algo anteriormente parecido impossível ao preconizar combater efetivamente a violência doméstica, através de seus agentes ativos, os quais, hoje, têm a exata noção de que serão penalizados, caso cometam agressões de qualquer espécie em face da mulher, no âmbito doméstico e familiar. Finalmente, o Brasil não faz parte apenas dos países que somente se tornam signatários de Tratados e Convenções sobre a Discriminação contra a Mulher. Agora, conta com uma legislação específica para combater a discriminação, a violência doméstica e


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familiar contra a mulher, ao garantir às cidadãs o exercício de um dos direitos fundamentais resguardados pela Carta Magna, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Diante de tudo quanto exposto, pode-se concluir que a edição da Lei nº 11.340/06 foi um avanço de grande importância da legislação brasileira no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Que a novel Lei, portanto, continue surtindo positivos resultados como se pode constatar nos seus 05 (cinco) anos de criação, cumprindo, assim, com seu propósito.


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ANEXOS

ANEXO A – Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.


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Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput. Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. TÍTULO II DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.


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CAPÍTULO II DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. TÍTULO III DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CAPÍTULO I DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:


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I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades nãogovernamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. CAPÍTULO II DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei


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Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. § 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. § 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. § 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. CAPÍTULO III DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida. Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;


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IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.


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TÍTULO IV DOS PROCEDIMENTOS CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei. Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado: I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor. Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.


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CAPÍTULO II DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA Seção I Disposições Gerais Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado. § 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. § 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.


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Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor. Seção II Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. § 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.


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§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). Seção III Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo. CAPÍTULO III DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.


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Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário: I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros; II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas; III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. CAPÍTULO IV DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei. Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. TÍTULO V DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes. Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar. Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.


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TÍTULO VI DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput. TÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária. Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar; III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar; IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; V - centros de educação e de reabilitação para os agressores. Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei. Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.


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Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva. Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres. Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça. Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei. Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados. Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV: “Art. 313. ................................................. ................................................................ IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR) Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 61. .................................................. ................................................................. II - ............................................................ ................................................................. f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;


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........................................................... ” (NR) Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 129. .................................................. .................................................................. § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. .................................................................. § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR) Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 152. ................................................... Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR) Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação. Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006


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ANEXO B – Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher

CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (1979)*

TODAS

AS

FORMAS

DE

Os Estados-partes na presente Convenção, Considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o princípio da nãodiscriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção alguma, inclusive de sexo, Considerando que os Estados-partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, Observando, ainda, as resoluções, declarações e recomendações aprovadas pelas Nações Unidas e pelas agências especializadas para favorecer a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, Preocupados, contudo, com o fato de que, apesar destes diversos instrumentos, a mulher continue sendo objeto de grandes discriminações, Relembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade, Preocupados com o fato de que, em situações de pobreza, a mulher tem um acesso mínimo à alimentação, à saúde, à educação, à capacitação e às oportunidades de emprego, assim como à satisfação de outras necessidades, Convencidos de que o estabelecimento da nova ordem econômica internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre o homem e a mulher, Salientando que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação estrangeira e dominação e


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interferência nos assuntos internos dos Estados é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher, Afirmando que o fortalecimento da paz e da segurança internacionais, o alívio da tensão internacional, a cooperação mútua entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos e sociais, o desarmamento geral e completo, e em particular o desarmamento nuclear sob um estrito e efetivo controle internacional, a afirmação dos princípios de justiça, igualdade e proveito mútuo nas relações entre países e a realização do direito dos povos submetidos a dominação colonial e estrangeira e a ocupação estrangeira, à autodeterminação e independência, bem como o respeito da soberania nacional e da integridade territorial, promoverão o progresso e o desenvolvimento sociais, e, em consequência, contribuirão para a realização da plena igualdade entre o homem e a mulher, Convencidos de que a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz. Tendo presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a importância social da maternidade e a função dos pais na família e na educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de discriminação, mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres e a sociedade como um conjunto, Reconhecendo que para alcançar a plena igualdade entre o homem e a mulher é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem, como da mulher na sociedade e na família, Resolvidos a aplicar os princípios enunciados na Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, e, para isto, a adotar as medidas necessárias a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e manifestações, Concordam no seguinte: PARTE I Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Artigo 2º - Os Estados-partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a: a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas Constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio;


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b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação; e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa; f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher; g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher. Artigo 3º - Os Estados-partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas política, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem. Artigo 4º - 1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. 2. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória. Artigo 5º - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para: a) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres. b) garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres, no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos. Artigo 6º - Os Estados-partes tomarão as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração de prostituição da mulher.


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PARTE II Artigo 7º - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a: a) votar em todas as eleições e referendos públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas; b) participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais; c) participar em organizações e associações não-governamentais que se ocupem da vida pública e política do país. Artigo 8º - Os Estados-partes tomarão as medidas apropriadas para garantir à mulher, em igualdade de condições com o homem e sem discriminação alguma, a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais. Artigo 9º - 1. Os Estados-partes outorgarão às mulheres direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade. Garantirão, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento modifiquem automaticamente a nacionalidade da esposa, a convertam em apátrida ou a obriguem a adotar a nacionalidade do cônjuge. 2. Os Estados-partes outorgarão à mulher os mesmos direitos que ao homem no que diz respeito à nacionalidade dos filhos. PARTE III Artigo 10 - Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação e em particular para assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres: a) as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino de todas as categorias, tanto em zonas rurais como urbanas; essa igualdade deverá ser assegurada na educação préescolar, geral, técnica e profissional, incluída a educação técnica superior, assim como todos os tipos de capacitação profissional; b) acesso aos mesmos currículos e mesmos exames, pessoal docente do mesmo nível profissional, instalações e material escolar da mesma qualidade; c) a eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino, mediante o estímulo à educação mista e a outros tipos de educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em particular, mediante a modificação dos livros e programas escolares e adaptação dos métodos de ensino;


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d) as mesmas oportunidades para a obtenção de bolsas de estudo e outras subvenções para estudos; e) as mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva, incluídos os programas de alfabetização funcional e de adultos, com vistas a reduzir, com a maior brevidade possível, a diferença de conhecimentos existentes entre o homem e a mulher; f) a redução da taxa de abandono feminino dos estudos e a organização de programas para aquelas jovens e mulheres que tenham deixado os estudos prematuramente; g) as mesmas oportunidades para participar ativamente nos esportes e na educação física; h) acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bem-estar da família, incluída a informação e o assessoramento sobre o planejamento da família. Artigo 11 - 1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) o direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano; b) o direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego; c) o direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico; d) o direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho; e) o direito à seguridade social, em particular em casos de aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade para trabalhar, bem como o direito a férias pagas; f) o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução. 2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-partes tomarão as medidas adequadas para: a) proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil; b) implantar a licença-maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais;


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c) estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante o fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinada ao cuidado das crianças; d) dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas. 3. A legislação protetora relacionada com as questões compreendidas neste artigo será examinada periodicamente à luz dos conhecimentos científicos e tecnológicos e será revista, derrogada ou ampliada, conforme as necessidades. Artigo 12 - 1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive referentes ao planejamento familiar. 2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, os Estados-partes garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância. Artigo 13 - Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas da vida econômica e social, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre os homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) o direito a benefícios familiares; b) o direito a obter empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro; c) o direito de participar em atividades de recreação, esportes e em todos os aspectos da vida cultural. Artigo 14 - 1. Os Estados-partes levarão em consideração os problemas específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que desempenha na subsistência econômica de sua família, incluído seu trabalho em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à mulher das zonas rurais. 2. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular assegurar-lhes-ão o direito a: a) participar da elaboração e execução dos planos de desenvolvimento em todos os níveis; b) ter acesso a serviços médicos adequados, inclusive informação, aconselhamento e serviços em matéria de planejamento familiar;


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c) beneficiar-se diretamente dos programas de seguridade social; d) obter todos os tipos de educação e de formação, acadêmica e não-acadêmica, inclusive os relacionados à alfabetização funcional, bem como, entre outros, os benefícios de todos os serviços comunitários e de extensão, a fim de aumentar sua capacidade técnica; e) organizar grupos de auto-ajuda e cooperativas, a fim de obter igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou trabalho por conta própria; f) participar de todas as atividades comunitárias; g) ter acesso aos créditos e empréstimos agrícolas, aos serviços de comercialização e às tecnologias apropriadas, e receber um tratamento igual nos projetos de reforma agrária e de reestabelecimentos; h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas da habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações. PARTE IV Artigo 15 - 1. Os Estados-partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei. 2. Os Estados-partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica à do homem e as mesmas oportunidades para o exercício desta capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais direitos para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um tratamento igual em todas as etapas do processo nas Cortes de Justiça e nos Tribunais. 3. Os Estados-partes convêm em que todo contrato ou outro instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade jurídica da mulher será considerado nulo. 4. Os Estados-partes concederão ao homem e à mulher os mesmos direitos no que respeita à legislação relativa ao direito das pessoas, à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio. Artigo 16 - 1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão: a) o mesmo direito de contrair matrimônio; b) o mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento; c) os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução;


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d) os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial; e) os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso à informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos; f) os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela, curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos, quando esses conceitos existirem na legislação nacional. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial; g) os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação; h) os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto a título oneroso. 2. Os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, serão adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial. PARTE V Artigo 17 - 1. Com o fim de examinar os progressos alcançados na aplicação desta Convenção, será estabelecido um Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (doravante denominado "Comitê"), composto, no momento da entrada em vigor da Convenção, de dezoito e, após sua ratificação ou adesão pelo trigésimo quinto Estado-parte, de vinte e três peritos de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção. Os peritos serão eleitos pelos Estados-partes e exercerão suas funções a título pessoal; será levada em conta uma distribuição geográfica equitativa e a representação das formas diversas de civilização, assim como dos principais sistemas jurídicos. 2. Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas indicadas pelos Estados-partes. Cada Estado-parte pode indicar uma pessoa dentre os seus nacionais. 3. A primeira eleição se realizará seis meses após a data da entrada em vigor da presente Convenção. Ao menos três meses antes da data de cada eleição, o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas enviará uma carta aos Estados-partes para convidá-los a apresentar suas candidaturas no prazo de dois meses. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista, por ordem alfabética, de todos os candidatos assim designados, com indicações dos Estados-partes que os tiverem designado, e a comunicará aos Estados-partes. 4. Os membros do Comitê serão eleitos durante uma reunião dos Estados-partes convocada pelo Secretário Geral das Nações Unidas. Nesta reunião, na qual o quorum será estabelecido por dois terços dos Estados-partes, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que


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obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados-partes presentes e votantes. 5. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos. Entretanto, o mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao final de dois anos; imediatamente após a primeira eleição, os nomes desses nove membros serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê. 6. A eleição dos cinco membros adicionais do Comitê realizar-se-á em conformidade com o disposto nos parágrafos 2º, 3º e 4º deste artigo, após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. O mandato de dois dos membros adicionais eleitos nessa ocasião, cujos nomes serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê, expirará ao fim de dois anos. 7. Para preencher as vagas fortuitas, o Estado-parte cujo perito tenha deixado de exercer suas funções de membro do Comitê nomeará outro perito entre seus nacionais, sob reserva da aprovação do Comitê. 8. Os membros do Comitê, mediante aprovação da Assembléia Geral, receberão remuneração dos recursos das Nações Unidas, na forma e condições que a Assembléia Geral decidir, tendo em vista a importância das funções do Comitê. 9. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas colocará à disposição do Comitê o pessoal e os serviços necessários ao desempenho eficaz das funções que lhe são atribuídas em virtude da presente Convenção. Artigo 18 - Os Estados-partes comprometem-se a submeter ao Secretário Geral das Nações Unidas, para exame do Comitê, um relatório sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições desta Convenção e dos progressos alcançados a respeito: a) no prazo de um ano, a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado; e b) posteriormente, pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar. 2. Os relatórios poderão indicar fatores e dificuldades que influam no grau de cumprimento das obrigações estabelecidas por esta Convenção. Artigo 19 - 1. O Comitê adotará seu próprio regulamento. 2. O Comitê elegerá sua Mesa para um período de dois anos. Artigo 20 - 1. O Comitê se reunirá normalmente todos os anos, por um período não superior a duas semanas, para examinar os relatórios que lhe sejam submetidos, em conformidade com o artigo 18 desta Convenção. 2. As reuniões do Comitê realizar-se-ão normalmente na sede das Nações Unidas ou em qualquer outro lugar que o Comitê determine.


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Artigo 21 - O Comitê, através do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, informará anualmente a Assembléia Geral das Nações Unidas de suas atividades e poderá apresentar sugestões e recomendações de caráter geral, baseadas no exame dos relatórios e em informações recebidas dos Estados-partes. Essas sugestões e recomendações de caráter geral serão incluídas no relatório do Comitê juntamente com as observações que os Estados-partes tenham porventura formulado. 2. O Secretário Geral das Nações Unidas transmitirá, para informação, os relatórios do Comitê à Comissão sobre a Condição da Mulher. Artigo 22 - As agências especializadas terão direito a estar representadas no exame da aplicação das disposições desta Convenção que correspondam à esfera de suas atividades. O Comitê poderá convidar as agências especializadas a apresentar relatórios sobre a aplicação da Convenção em áreas que correspondam à esfera de suas atividades. PARTE VI Artigo 23 - Nada do disposto nesta Convenção prejudicará qualquer disposição que seja mais propícia à obtenção da igualdade entre homens e mulheres e que esteja contida: a) na legislação de um Estado-parte; ou b) em qualquer outra convenção, tratado ou acordo internacional vigente nesse Estado. Artigo 24 - Os Estados-partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias de âmbito nacional para alcançar a plena realização dos direitos reconhecidos nesta Convenção. Artigo 25 - 1. A presente Convenção estará aberta à assinatura de todos os Estados. 2. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas fica designado depositário desta Convenção. 3. Esta Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados junto ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. 4. Esta Convenção está aberta à adesão de todos os Estados. Far-se-á a adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao Secretário Geral das Nações Unidas. Artigo 26 - 1. Qualquer Estado-parte poderá, em qualquer momento, formular pedido de revisão desta Convenção, mediante notificação escrita dirigida ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. 2. A Assembléia Geral das Nações Unidas decidirá sobre as medidas a serem tomadas, se for o caso, com respeito a esse pedido. Artigo 27 - A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a contar da data em que o vigésimo instrumento de ratificação ou adesão houver sido depositado junto ao Secretário Geral das Nações Unidas.


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2. Para os Estados que vierem a ratificar a presente Convenção ou a ela aderir após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a contar da data em que o Estado em questão houver depositado seu instrumento de ratificação ou adesão. Artigo 28 - 1. O Secretário Geral das Nações Unidas receberá e enviará a todos os Estados o texto das reservas feitas pelos Estados no momento da ratificação ou adesão. 2. Não será permitido uma reserva incompatível com o objeto e o propósito desta Convenção. 3. As reservas poderão ser retiradas a qualquer momento por uma notificação endereçada com esse objetivo ao Secretário Geral das Nações Unidas, que informará a todos os Estados a respeito. A notificação surtirá efeito na data de seu recebimento. Artigo 29 - As controvérsias entre dois ou mais Estados-partes, com relação à interpretação ou aplicação da presente Convenção, que não puderem ser dirimidas por meio de negociação serão, a pedido de um deles, submetidas à arbitragem. Se, durante os seis meses seguintes à data do pedido de arbitragem, as Partes não lograrem pôr-se de acordo quanto aos termos do compromisso de arbitragem, qualquer das Partes poderá submeter a controvérsia à Corte Internacional de Justiça, mediante solicitação feita em conformidade com o Estatuto da Corte. 2. Cada Estado-parte poderá declarar, por ocasião da assinatura ou ratificação da presente Convenção, que não se considera obrigado pelo parágrafo anterior. Os demais Estados-partes não estarão obrigados pelo referido parágrafo com relação a qualquer Estado-parte que houver formulado reserva dessa natureza. 3. Todo Estado-parte que houver formulado reserva em conformidade com o parágrafo anterior poderá, a qualquer momento, tornar sem efeito essa reserva, mediante notificação endereçada ao Secretário Geral das Nações Unidas. Artigo 30 - A presente Convenção, cujos textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo são igualmente autênticos, será depositada junto ao Secretário Geral das Nações Unidas. Em testemunho do que os abaixo-assinados devidamente autorizados assinaram a presente Convenção. __________ *

Adotada pela Resolução 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 18.12.1979 ratificada pelo Brasil em 01.02.1984


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ANEXO C – Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher "Convenção de Belém do Pará" (1994)

Os Estados-partes da presente Convenção, Reconhecendo que o respeito irrestrito aos Direitos Humanos foi consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmado em outros instrumentos internacionais e regionais; Afirmando que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; Preocupados porque a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens: Recordando a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a mulher transcende todos os setores da sociedade, independentemente de sua classe, raça ou grupo étnico, níveis de salário, cultura, nível educacional, idade ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases; Convencidos de que a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena igualitária participação em todas as esferas da vida e Convencidos de que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las Convieram o seguinte: Capítulo I Definição e âmbito de Aplicação Artigo 1º Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.


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Artigo 2º Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: 1. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual: 2. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e 3. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. Capítulo II Direitos Protegidos Artigo 3º Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado. Artigo 4º Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercícios e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem , entre outros: 1. 2. 3. 4. 5.

o direito a que se respeite sua vida; o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral; o direito à liberdade e à segurança pessoais; o direito a não ser submetida a torturas; o direito a que se refere a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família; 6. o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei; 7. o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos; 8. o direito à liberdade de associação; 9. o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; 10. o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões. Artigo 5º Toda mulher poderá exercer livre r plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos


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regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados-partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. Artigo 6º O direito de toda mulher a uma vida livre de violência incluir, entre outros: 1. o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e 2. o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade de subordinação. Capítulo III Deveres dos Estados Artigo 7º Os Estados-partes condenam toda as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em: 1. abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se comportem conforme esta obrigação; 2. atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; 3. incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso: 4. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar, ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade; 5. tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo legislativo, para modificar ou abolir lei e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistências ou a tolerância da violência contra a mulher. 6. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha submetida a violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos 7. estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher objeto de violência tenha acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes; e 8. adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam necessárias para efetivar esta Convenção.


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Artigo 8º Os Estados-partes concordam em adotar, em forma progressiva, medidas específicas, inclusive programas para: 1. fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência o direito da mulher a que se respeitem para protejam seus direitos humanos; 2. modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher ou ligitimam ou exercebam a violência contra a mulher; 3. fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demissão funcionários encarregado da aplicação da lei assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher; 4. aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda a família, quando for o caso, e cuidado e custódia dos menores afetado. 5. fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente; 6. oferecer à mulher objeto de violência acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente na vida pública, privada e social; 7. estimular os meios de comunicação e elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher; 8. garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais informações pertinentes sobre as causas, conseqüências e freqüência da violência contara a mulher, como objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; e 9. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de idéias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher objeto de violência. Artigo 9º Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em conseqüência, entre outras, de sua raça ou de sua condição étnica, de migrante, refugiada ou desterrada.. No mesmo sentido se considerará a mulher submetida à violência quando estiver grávida, for excepcional, menor de idade, anciã, ou estiver em situação sócio-econômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade.


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Capítulo IV Mecanismos Interamericanos de Proteção Artigo 10 Com o propósito de proteger o direito da mulher a uma vida livre de violência, nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres, os Estados—parte deverão incluir informação sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para assistir a mulher afetado pela violência, assim como cobre as dificuldades que observem na aplicação das mesmas e dos fatores que contribuam à violência contra a mulher. Artigo 11 Os Estados-partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres poderão requerer à Corte Interamericana de Direitos Humanos opinião consultiva sobre a interpretação desta Convenção. Artigo 12 Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do artigo 7º da presente Concepção pelo Estado-parte, e a Comissão considera-las-á de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Capítulo V Disposições Gerais Artigo 13 Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados-partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher. Artigo 14 Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restrição ou limitação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outra convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema. Artigo 15 A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.


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Artigo 16 A presente Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 17 A presente Convenção fica aberta à adesão de qualquer outro Estado. Os instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 18 Os Estados poderão formular reservas à presente Convenção no momento de aprová-la, assiná-la, ratificá-la ou aderir a ela, sempre que: 1. não sejam incompatíveis com o objetivo e o propósito da Convenção; 2. não sejam de caráter geral e versem sobre uma ou mais disposições específicas. Artigo 19 Qualquer Estado-parte pode submeter à Assembléia Geral, por meio da Comissão Interamericana de Mulheres, uma proposta de emenda a esta Convenção. As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das mesmas na data em que dois terços dos Estados-partes tenham depositado o respectivo instrumento de ratificação. Quanto ao resto dos Estados-partes, entrarão em vigor na data em que depositem seus respectivos instrumentos de ratificação. Artigo 20 Os Estados-partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que funcionem distintos sistemas jurídicos relacionados com questões tratadas na presente Convenção poderão declarar, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção aplicar-se-á a todas as unidades territoriais ou somente a uma ou mais. Tais declarações poderão ser modificadas em qualquer momento mediante declarações ulteriores, que especificarão expressamente a ou as unidades territoriais às quais será aplicada a presente Convenção. Tais declarações ulteriores serão transmitidas à Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos e entrarão em vigor trinta dias após seu recebimento. Artigo 21 A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data que tenha sido depositado o segundo instrumento de ratificação. Para cada Estado que ratifique ou adira à Convenção, depois de ter sido depositado o segundo instrumento de ratificação, entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que tal Estado tenha depositado seu instrumento de ratificação ou adesão.


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Artigo 22 O Secretário Geral informará a todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos da entrada em vigor da Convenção. Artigo 23 O Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos apresentará um informe anual aos Estados membros da Organização sobre a situação desta Convenção, inclusive sobre as assinaturas, depósitos de instrumentos de ratificação, adesão ou declarações, assim como as reservas porventura apresentadas pelos Estados-partes e, neste caso, o informe sobre as mesmas. Artigo 24 A presente Convenção vigorará indefinidamente, mas qualquer dos Estados-partes poderá denunciá-la mediante o depósito de um instrumento com esse fim na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Um ano depois da data do depósito de instrumento de denúncia, a Convenção cessará em seus efeitos para o Estado denunciante, continuando a subsistir para os demais Estados-partes. Artigo 25 O instrumento original na presente Convenção, cujos textos em espanhol, francês, inglês e português são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia autenticada de seu texto para registro e publicação à Secretaria das Nações Unidas, de conformidade com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas.


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ANEXO D – Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.

Mensagem de veto

Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 1º Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência. Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Capítulo II Dos Juizados Especiais Cíveis Seção I Da Competência Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;


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III - a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo. § 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução: I - dos seus julgados; II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei. § 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação. Art. 4º É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro: I - do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório; II - do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita; III - do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, poderá a ação ser proposta no foro previsto no inciso I deste artigo. Seção II Do Juiz, dos Conciliadores e dos Juízes Leigos Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.


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Parágrafo único. Os Juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de suas funções. Seção III Das Partes Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. § 1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. § 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial: (Redação dada pela Lei nº 12.126, de 2009) I - as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) II - as microempresas, assim definidas pela Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) III - as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) IV - as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1o da Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001. (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) § 2º O maior de dezoito anos poderá ser autor, independentemente de assistência, inclusive para fins de conciliação. Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória. § 1º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local. § 2º O Juiz alertará as partes da conveniência do patrocínio por advogado, quando a causa o recomendar. § 3º O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo quanto aos poderes especiais.


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§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado. § 4o O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício. (Redação dada pela Lei nº 12.137, de 2009) Art. 10. Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência. Admitir-se-á o litisconsórcio. Art. 11. O Ministério Público intervirá nos casos previstos em lei. seção IV dos atos processuais Art. 12. Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Art. 13. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei. § 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo. § 2º A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio idôneo de comunicação. § 3º Apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão. § 4º As normas locais disporão sobre a conservação das peças do processo e demais documentos que o instruem. seção v do pedido Art. 14. O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado. § 1º Do pedido constarão, de forma simples e em linguagem acessível: I - o nome, a qualificação e o endereço das partes; II - os fatos e os fundamentos, de forma sucinta; III - o objeto e seu valor.


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§ 2º É lícito formular pedido genérico quando não for possível determinar, desde logo, a extensão da obrigação. § 3º O pedido oral será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas ou formulários impressos. Art. 15. Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo. Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias. Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação. Parágrafo único. Havendo pedidos contrapostos, poderá ser dispensada a contestação formal e ambos serão apreciados na mesma sentença. Seção VI Das Citações e Intimações Art. 18. A citação far-se-á: I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria; II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado; III - sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória. § 1º A citação conterá cópia do pedido inicial, dia e hora para comparecimento do citando e advertência de que, não comparecendo este, considerar-se-ão verdadeiras as alegações iniciais, e será proferido julgamento, de plano. § 2º Não se fará citação por edital. § 3º O comparecimento espontâneo suprirá a falta ou nulidade da citação. Art. 19. As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação. § 1º Dos atos praticados na audiência, considerar-se-ão desde logo cientes as partes. § 2º As partes comunicarão ao juízo as mudanças de endereço ocorridas no curso do processo, reputando-se eficazes as intimações enviadas ao local anteriormente indicado, na ausência da comunicação.


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Seção VII Da Revelia Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz. Seção VIII Da Conciliação e do Juízo Arbitral Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei. Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo. Art. 23. Não comparecendo o demandado, o Juiz togado proferirá sentença. Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei. § 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução. § 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos. Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por eqüidade. Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subseqüentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível. Seção IX Da Instrução e Julgamento Art. 27. Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa. Parágrafo único. Não sendo possível a sua realização imediata, será a audiência designada para um dos quinze dias subseqüentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventualmente presentes.


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Art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença. Art. 29. Serão decididos de plano todos os incidentes que possam interferir no regular prosseguimento da audiência. As demais questões serão decididas na sentença. Parágrafo único. Sobre os documentos apresentados por uma das partes, manifestar-se-á imediatamente a parte contrária, sem interrupção da audiência. Seção X Da Resposta do Réu Art. 30. A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor. Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia. Parágrafo único. O autor poderá responder ao pedido do réu na própria audiência ou requerer a designação da nova data, que será desde logo fixada, cientes todos os presentes. Seção XI Das Provas Art. 32. Todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes. Art. 33. Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias. Art. 34. As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de instrução e julgamento levadas pela parte que as tenha arrolado, independentemente de intimação, ou mediante esta, se assim for requerido. § 1º O requerimento para intimação das testemunhas será apresentado à Secretaria no mínimo cinco dias antes da audiência de instrução e julgamento. § 2º Não comparecendo a testemunha intimada, o Juiz poderá determinar sua imediata condução, valendo-se, se necessário, do concurso da força pública. Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.


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Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado. Art. 36. A prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos. Art. 37. A instrução poderá ser dirigida por Juiz leigo, sob a supervisão de Juiz togado. Seção XII Da Sentença Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório. Parágrafo único. Não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda que genérico o pedido. Art. 39. É ineficaz a sentença condenatória na parte que exceder a alçada estabelecida nesta Lei. Art. 40. O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis. Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado. § 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado. Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção. § 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias. Art. 43. O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte. Art. 44. As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 13 desta Lei, correndo por conta do requerente as despesas respectivas. Art. 45. As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento.


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Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. Art. 47. (VETADO) Seção XIII Dos Embargos de Declaração Art. 48. Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida. Parágrafo único. Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício. Art. 49. Os embargos de declaração serão interpostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão. Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso. Seção XIV Da Extinção do Processo Sem Julgamento do Mérito Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo; II - quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação; III - quando for reconhecida a incompetência territorial; IV - quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8º desta Lei; V - quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de trinta dias; VI - quando, falecido o réu, o autor não promover a citação dos sucessores no prazo de trinta dias da ciência do fato. § 1º A extinção do processo independerá, em qualquer hipótese, de prévia intimação pessoal das partes. § 2º No caso do inciso I deste artigo, quando comprovar que a ausência decorre de força maior, a parte poderá ser isentada, pelo Juiz, do pagamento das custas.


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Seção XV Da Execução Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: I - as sentenças serão necessariamente líquidas, contendo a conversão em Bônus do Tesouro Nacional - BTN ou índice equivalente; II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial; III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V); IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação; V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado; VI - na obrigação de fazer, o Juiz pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária; VII - na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a data fixada para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação de bem móvel, ou hipotecado o imóvel; VIII - é dispensada a publicação de editais em jornais, quando se tratar de alienação de bens de pequeno valor; IX - o devedor poderá oferecer embargos, nos autos da execução, versando sobre: a) falta ou nulidade da citação no processo, se ele correu à revelia; b) manifesto excesso de execução; c) erro de cálculo; d) causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença.


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Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei. § 1º Efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação, quando poderá oferecer embargos (art. 52, IX), por escrito ou verbalmente. § 2º Na audiência, será buscado o meio mais rápido e eficaz para a solução do litígio, se possível com dispensa da alienação judicial, devendo o conciliador propor, entre outras medidas cabíveis, o pagamento do débito a prazo ou a prestação, a dação em pagamento ou a imediata adjudicação do bem penhorado. § 3º Não apresentados os embargos em audiência, ou julgados improcedentes, qualquer das partes poderá requerer ao Juiz a adoção de uma das alternativas do parágrafo anterior. § 4º Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor. Seção XVI Das Despesas Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas. Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita. Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. Parágrafo único. Na execução não serão contadas custas, salvo quando: I - reconhecida a litigância de má-fé; II - improcedentes os embargos do devedor; III - tratar-se de execução de sentença que tenha sido objeto de recurso improvido do devedor. Seção XVII Disposições Finais Art. 56. Instituído o Juizado Especial, serão implantadas as curadorias necessárias e o serviço de assistência judiciária.


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Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial. Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público. Art. 58. As normas de organização judiciária local poderão estender a conciliação prevista nos arts. 22 e 23 a causas não abrangidas por esta Lei. Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei. Capítulo III Dos Juizados Especiais Criminais Disposições Gerais Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por Juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. (Vide Lei nº 10.259, de 2001) Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006) Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº 11.313, de 2006) Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. (Vide Lei nº 10.259, de 2001) Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006) Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.


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Seção I Da Competência e dos Atos Processuais Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal. Art. 64. Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei. § 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo. § 2º A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio hábil de comunicação. § 3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais. Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente. Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado. Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei. Art. 67. A intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação. Parágrafo único. Dos atos praticados em audiência considerar-se-ão desde logo cientes as partes, os interessados e defensores. Art. 68. Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor público. Seção II Da Fase Preliminar Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.


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Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002)) Art. 70. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes. Art. 71. Na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos arts. 67 e 68 desta Lei. Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal. Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação. Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo. Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei. Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. § 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade. § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:


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I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz. § 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. § 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei. § 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível. Seção III Do Procedimento Sumariíssimo Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. § 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. § 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei. § 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único do art. 66 desta Lei. Art. 78. Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, que com ela ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão ciência o Ministério Público, o ofendido, o responsável civil e seus advogados.


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§ 1º Se o acusado não estiver presente, será citado na forma dos arts. 66 e 68 desta Lei e cientificado da data da audiência de instrução e julgamento, devendo a ela trazer suas testemunhas ou apresentar requerimento para intimação, no mínimo cinco dias antes de sua realização. § 2º Não estando presentes o ofendido e o responsável civil, serão intimados nos termos do art. 67 desta Lei para comparecerem à audiência de instrução e julgamento. § 3º As testemunhas arroladas serão intimadas na forma prevista no art. 67 desta Lei. Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei. Art. 80. Nenhum ato será adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer. Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença. § 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias. § 2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a sentença. § 3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do Juiz. Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias. § 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 65 desta Lei. § 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa. § 5º Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. Art. 83. Caberão embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.


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§ 1º Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão. § 2º Quando opostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para o recurso. § 3º Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício. Seção IV Da Execução Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante pagamento na Secretaria do Juizado. Parágrafo único. Efetuado o pagamento, o Juiz declarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial. Art. 85. Não efetuado o pagamento de multa, será feita a conversão em pena privativa da liberdade, ou restritiva de direitos, nos termos previstos em lei. Art. 86. A execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão competente, nos termos da lei. Seção V Das Despesas Processuais Art. 87. Nos casos de homologação do acordo civil e aplicação de pena restritiva de direitos ou multa (arts. 74 e 76, § 4º), as despesas processuais serão reduzidas, conforme dispuser lei estadual. Seção VI Disposições Finais Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:


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I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos. Art. 90. As disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada. (Vide ADIN nº 1.719-9) Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999) Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência. Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei. Capítulo IV Disposições Finais Comuns Art. 93. Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência. Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.


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Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta Lei. Art. 96. Esta Lei entra em vigor no prazo de sessenta dias após a sua publicação. Art. 97. Ficam revogadas a Lei nº 4.611, de 2 de abril de 1965 e a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. Brasília, 26 de setembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Nelson A. Jobim Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 27.9.1995


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FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE – FAINOR CURSO DIREITO

MARIA DE LOURDES LUZ DE CARVALHO

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS

Vitória da Conquista – BA 2011


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MARIA DE LOURDES LUZ DE CARVALHO

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS

Monografia apresentada a Faculdade Independente do Nordeste - FAINOR, Curso de Direito, como pré-requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador (a): Profª. Kathiuscia Gil Santos

Vitória da Conquista – BA 2011


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MARIA DE LOURDES LUZ DE CARVALHO

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS MEDIDAS PROTETIVAS

Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA / COMISSテグ AVALIADORA

_____________________________________________ Josテゥ Carlos Melo Miranda de Oliveira FAINOR

_____________________________________________ Kathiuscia Gil Santos FAINOR

_____________________________________________ Luciano de Oliveira Souza Tourinho FAINOR


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C331l

Carvalho, Maria de Lourdes Luz de A Lei Maria da Penha e suas medidas protetivas. / Maria de Lourdes Luz de Carvalho . _ _ Vitória da Conquista, 2011 118f. Monografia (Graduação em Direito) Orientador(a): Prof. Kathiuscia Gil Santos 1. Crime contra a mulher 2 Lei Maria da Penha. 3. Violência doméstica e familiar. I Título CDD 345.81025

Catalogação na fonte: Biblioteca da Fainor


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Dedico

Aos meus pais, Ruti e Maurício, os responsáveis pela formação da pessoa que sou, pelo imenso amor e por estarem sempre comigo; Aos meus maravilhosos irmãos, João Luiz e José Maurício, que sempre vibram com minhas conquistas; A Gabriel, de forma especial, pelo amor, companheirismo e apoio incondicional; A todos aqueles que sempre acreditaram que eu seria capaz.

Ofereço

Ao Centro de Referência da Mulher Albertina Vasconcelos - CRAV, em Vitória da Conquista – BA, pelo belo trabalho realizado; À Maria da Penha Maia Fernandes que, com sua trajetória de vida, fomenta o desejo de se contribuir com a erradicação da violência doméstica e familiar perpetrada contra a mulher.


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AGRADECIMENTOS

A Deus, razão maior da minha existência, fonte de fé na qual busco incessantemente força e refúgio. À Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR – em nome dos professores e amigos Edgard Larry, Edvaldo Gama e Sebastião Lopes, pela oportunidade de crescer pessoal e profissionalmente. Aos componentes da banca examinadora, os queridos professores Kathiuscia Gil, José Carlos Melo e Luciano Tourinho. Ao Núcleo de Prática Jurídica – NPJ/FAINOR – em nome de sua coordenadora, a professora e amiga Maria Norimá, pela confiança e oportunidade de contribuir com as atividades desse Núcleo. Aos meus pais e irmãos, meus grandes amores, por fazerem parte da minha vida, sempre acreditando e me fazendo acreditar que tenho potencial, com um amor único e incondicional, por nunca desistirem de mim. A Gabriel, pela presença constante, sempre demonstrando paciência e compreensão, com um amor muito especial, carinho e companheirismo, e pelo incentivo e apoio que, juntamente com sua família, dispensa a mim. A minha dinda Nina e ao meu avô Júlio, pelo amor, carinho e torcida constantes. Às minhas tias Miriam e Sônia, por tanto amor e amizade. À vó Murita e tia Ana, pelo amor e pelas orações sempre. Às amigas que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão desta etapa, especialmente, Mariana, Milene e Telma. À professora e orientadora, a amiga Kathiuscia Gil, que aceitou prontamente o convite para orientação deste trabalho, ajudando-me com seus conhecimentos. À professora Luciana Reis, sempre atenciosa e educada, pelos apontamentos pertinentes. Aos professores, por contribuírem para a minha formação acadêmica, em especial ao querido mestre e amigo, professor Paulo Cezar Martins. Ao Centro de Referência da Mulher Albertina Vasconcelos – CRAV, na pessoa de sua coordenadora, Angélica Andrade, pela oportunidade de conhecer e partilhar do importante trabalho realizado, incentivando-me nesta produção. Por fim, gostaria de agradecer a todos aqueles que participaram desta trajetória, que foram e são especiais pelo simples fato de existirem na minha vida.


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“Viva! Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito pra ser insignificante.” Charles Chaplin


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RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar os aspectos da Lei nº 11.340/06, especialmente a questão de suas medidas protetivas. A aprovação desta Lei trouxe novos mecanismos, com respostas mais efetivas do Estado, possibilitando, assim, encorajar um maior número de mulheres a formalizar denúncias. Portanto, visa estudar e compreender seu procedimento, classificando as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, com a identificação do agente agressor, das medidas de proteção, entre demais recursos que permitam solucionar ou minimizar o conflito no lar. Não é suficiente definir o sexo biológico. Entre os sujeitos deve haver uma relação pessoal, isto é, uma relação de afetividade, decorrente tanto da convivência no lar, do relacionamento amoroso, como de parentesco em sentido amplo. E mais, na definição dos sujeitos do crime, são irrelevantes suas preferências sexuais, não perdendo proteção penal especial a mulher cuja orientação sexual seja diversa da tradicional. Igualmente, não pode o homem agressor vir a eximir-se dos rigores preconizados pela legislação, invocando, para tanto, opção sexual diferente daquela idealizada para o macho no patriarcado. Verificando, nesse contexto, que a desigualdade entre os sexos é um problema que aflige a sociedade por séculos, ensejando a violência doméstica e familiar contra a mulher, veio a Lei Maria da Penha, como forma de mudar essa realidade, criar mecanismos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, optando o legislador por afastar a incidência da Lei nº 9.099/95, denominada Lei dos Juizados Especiais. A novel Lei, representando um relevante avanço no que diz respeito à proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, constitui, por conseguinte, um tema de grande importância ao ordenamento jurídico, bem como à sociedade brasileira como um todo.

Palavras-chave: Crime Contra a Mulher. Lei Maria da Penha. Violência Doméstica e Familiar.


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ABSTRACT

This paper aims to examine aspects of Law No. 11.340/06, especially the question of their protective measures. The passage of this Act brought new mechanisms, more effective responses to the state, thus enabling one to encourage more women to formalize complaints. Therefore, to study and understand your procedure, classifying the forms of domestic violence against women, with the identification of the offending agent, protective measures, among other resources to solve or minimize the conflict in the home. It is not enough to define the biological sex. Among those there should be a personal relationship, that is, a warm relationship, resulting from both living at home, the love relationship, as in the broad sense of kinship. Moreover, the definition of the subjects of crime, their sexual preferences are irrelevant, without losing protection special criminal woman whose sexual orientation is different from the traditional. Likewise, man can not see the perpetrator escape from the rigors advocated by the legislation, calling for both, sexual orientation different from that designed for the male patriarchy. Viewing in this context that gender inequality is a problem that afflicts society for centuries, giving rise to domestic and family violence against women, came to Maria da Penha Law, as a way to change this reality, and create mechanisms to prevent prevent violence against women, choosing the legislature by rejecting the levy of Law No. 9.099/95, known as the Law of Special. The novel Law, representing a significant advance with regard to the protection of women victims of domestic violence, is therefore a matter of great importance to the legal system, as well as society as a whole. Key-words: Crime Against Women. Maria da Penha Law. Domestic and Family Violence.


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LISTA DE SIGLAS

APAVV - Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência CEDAW – (Committee on the Elimination of Discrimination against Women) - Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher CEJIL - Centro para a Justiça e o Direito Internacional CLADEM - Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher

CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher CONTEE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

JVDFMs - Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher OEA - Organização dos Estados Americanos


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................

01

ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI MARIA DA PENHA...........................................

04

1

A LUTA DAS MULHERES NA BUSCA DE NOVOS DIREITOS..................

04

1.1

A LUTA POR DIREITOS DAS MULHERES....................................................

04

1.2

HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA.......................................................

07

1.2.1

Denominação “Maria da Penha”..........................................................................

11

1.3

A LEI MARIA DA PENHA E A CARTA MAGNA..........................................

13

1.3.1

Desigualdades. e direitos. relacionados à mulher antes da Constituição Federal de 1988 .......... ....................................................................................................

17

1.3.2

Desigualdades e direitos relacionados à mulher após a Constituição Federal de 1988... ..................................................................................................................

21

1.3.3

Princípio da Igualdade..........................................................................................

23

FORMAS DE VIOLÊNCIA E PECULIARIDADES DA LEI Nº 11.340/06................

26

2

ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA LEI Nº 11.340/06................

26

2.1

COMPROMISSOS INTERNACIONAIS............................................................

26

2.1.1

A força dos Tratados Internacionais.....................................................................

28

2.2

FINALIDADE DA LEI Nº 11.340/06.................................................................

30

2.3

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER.............

31

2.3.1

Âmbito de abrangência da violência doméstica e familiar contra a mulher........

33

2.3.2

Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher..................................

35

2.3.3

Definição dos sujeitos ativo e passivo da violência doméstica e familiar contra a mulher................................................................................................................

38

A LEI MARIA DA PENHA E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS..................

39

3

A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95...............................................

39

3.1

A CRIAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95......................................................................

39

3.1.1

Princípios Fundamentais dos Juizados Especiais.................................................

43


12

3.1.2

Institutos despenalizadores...................................................................................

43

3.1.2.1

Composição dos danos civis................................................................................

44

3.1.2.2

Transação penal....................................................................................................

45

3.1.2.3

Suspensão condicional do processo.....................................................................

47

3.1.3

Motivos que determinam a não incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.....

49

3.2

AÇÃO PENAL.....................................................................................................

50

3.2.1

Ação penal pública incondicionada......................................................................

51

3.2.2

Ação penal pública condicionada à representação...............................................

51

3.3

DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO DO ARTIGO 16 DA LEI Nº 11.340/06.........................................................................................................

52

MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER E A PRISÃO CAUTELAR COM ENFOQUE NA LEI Nº 11.340/06.....................................................................................

54

4

MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI Nº 11.304/06.................

54

4.1

TUTELA DE URGÊNCIA..................................................................................

54

4.2

PROCEDIMENTO DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER................

56

4.3

MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR...........................

57

4.4

MEDIDAS DE PROTEÇÃO À OFENDIDA......................................................

58

4.5

PRISÃO PREVENTIVA.....................................................................................

59

CONCLUSÃO....................................................................................................................

61

REFERÊNCIAS.................................................................................................................

64

ANEXOS.............................................................................................................................

68

ANEXO A - Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006........................................................

68

ANEXO B - Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher..................................................................................................................

82

ANEXO C - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher..................................................................................................

93

ANEXO D - Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.....................................................

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1

INTRODUÇÃO

Ao longo da história, as relações desiguais entre homens e mulheres implicaram numa série de graves consequências para a sociedade como um todo. Tendo contribuído para isso até mesmo a questão da superioridade masculina, a qual relegava - e ainda o fez por muito tempo - a mulher à condição de “sexo frágil”. E, neste contexto de desigualdades, mulheres no mundo inteiro vivenciaram e ainda vivenciam o ciclo da violência, sendo esta corroborada pela manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que levaram à dominação e à discriminação contra essas. No Brasil, país marcado por contexto histórico cuja ideologia estigmatiza o gênero feminino, são muitos os casos de violência e discriminação contra a mulher, sendo essa violência uma realidade bastante presente nos dias de hoje. Daí a relevância em se estudar assuntos, assim, que ainda apresentam lacunas a serem colmatadas. Partindo do pressuposto de que todo indivíduo é titular de Direitos Humanos que se constituem em Direitos Fundamentais assegurados pela Constituição Federal, a violência, por si só, configura-se numa violação à proteção e à garantia da dignidade humana. E, a violência, em específico, contra a mulher, de acordo com a Lei nº 11.340/06 (mais conhecida como a Lei Maria da Penha), pode ser entendida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Esse tipo de violência engloba não apenas os maus tratos físicos, mas qualquer ato que tenha ou possa ter como resultado um mal ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, o que inclui ameaças, coação ou privação arbitrária da liberdade. A violência contra a mulher pode ocorrer em casa, seja da vítima ou do agressor, ou na rua, compreendendo-se, assim, o local de trabalho, de estudo, de lazer, dentre alguns outros. Pode ser praticada por pessoas que são ou se consideram parentes, unidas por laços naturais, por afinidades ou por vontade expressa, ou até mesmo mediante tolerância ou cometida pelo Estado ou seus agentes; além de poder acontecer em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independendo de coabitação. Portanto, tem este trabalho como seu objetivo geral o estudo da violência doméstica e familiar contra a mulher com enfoque na Lei 11.340/06, em especial de suas medidas protetivas. Como objetivos específicos, visa demonstrar as desigualdades e direitos em


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relação à mulher no período anterior e posterior à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; analisar o Princípio da Igualdade diante da edição da novel Lei; demonstrar a importância dos tratados internacionais na jurisdição interna; identificar quem a lei conceitua como sujeitos ativo e passivo, bem como descrever as medidas de proteção à mulher e sua aplicabilidade. A finalidade está em investigar os meios que favoreçam a proteção da mulher vítima de violência doméstica, bem como os meios punitivos para os agressores, observando, assim, as peculiaridades do procedimento processual. Para isso, o Capítulo 1 principia com a evolução histórica da referida Lei, debatendo-a com alguns dispositivos determinados pela Carta Magna. O Capítulo 2, por sua vez, apresenta a Lei sob comento em seus aspectos materiais e processuais, com as peculiaridades advindas da nova sistemática trazida em sua redação, ostentando as diversas formas de violência doméstica, suas hipóteses de ocorrência e os sujeitos passíveis de sofrê-la. No Capítulo 3, serão analisados aspectos da Lei nº 9.099/95, quanto à sua criação, princípios fundamentais norteadores, institutos despenalizadores, confrontando-se, assim, os dispositivos dos Juizados Especiais Criminais com a Lei Maria da Penha. Por fim, o Capítulo 4 trata das Medidas Protetivas de Urgência previstas na Lei Maria da Penha que ocasionam uma maior segurança na aplicação da Lei às vítimas de violência doméstica, além da possibilidade de decretar ao agressor a segregação cautelar. O encerramento do presente trabalho se dá com a apresentação de pontos conclusivos destacados, seguidos de um estímulo à continuidade dos estudos e das reflexões acerca da Lei em comento. Todavia, foram levantados os seguintes questionamentos: Qual o objetivo da criação da Lei 11.340/06? Quais as medidas protetivas cabíveis no procedimento da Lei 11.340/06? Como é instaurada a competente ação penal na Lei Maria da Penha? O Ministério Público é legitimado ativo para propor a ação penal procedente da Lei Maria da Penha? Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, num primeiro momento, foram buscados e recolhidos dados, sob a moldura do referente estabelecido, utilizando a pesquisa bibliográfica para identificá-los a fim de se ter uma percepção geral do assunto. A pesquisa bibliográfica refere-se à técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais (PASOLD, 2005, p. 239).


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Posteriormente, os dados foram ordenados e avaliados, explicitando-se previamente os motivos, os objetivos e o produto desejado com a delimitação do alcance temático para a pesquisa. Diante do exposto, este estudo visa proporcionar uma maior compreensão, à sociedade como um todo, não só aos operadores do Direito, sobre a importância da Lei nº 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, e suas disposições. Tudo isto, visando uma contribuição para a ampliação da cidadania feminina na luta contra a violência por ela sofrida.


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ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI MARIA DA PENHA

1.

A LUTA DAS MULHERES NA BUSCA DE NOVOS DIREITOS

1.1

A LUTA POR DIREITOS DAS MULHERES

O feminismo e seus movimentos, por meio de reivindicações e conquistas pelos direitos das mulheres, endosssaram grandiosas perspectivas, pairando em práticas sociais contemporâneas. Tais reivindicações, no Brasil, foram sendo agregadas às leis vigentes do atual ordenamento jurídico, porém, essa luta se deu de maneira lenta, à custa de incessantes protestos sociais femininos. O movimento feminista nasce no Brasil, de forma regular e com consistentes propostas, influenciado pelos movimentos sufragistas americano e inglês, aproximando-se mais do americano. Foi Bertha Lutz quem se destacou na luta pelo sufrágio feminino. Conforme a líder da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino – FBPF (fundada em 1922), o sufrágio representava o instrumento básico de legitimação do poder político, concentrando a luta no nível jurídico institucional da sociedade (BIANCHINI, 2009, p. 08). Entretanto, o feminismo sofreu um período de estagnação, advindo, sobretudo, do caráter do governo da época que impedia qualquer tipo de manifestação popular. Ao mesmo tempo, surge para a mulher o direito ao voto, e com ele a oportunidade de participar da vida nacional. No ano de 1931, Bertha Lutz, então presidente da FBPF, promove o II Congresso Internacional Feminista, que, menciona Bianchini (2009, p. 08): Foi a ocasião em que as congressistas tem acesso ao Presidente do Governo Provisório, Getúlio Vargas, que se comprometeu, pessoalmente, não envidar esforços em prol da campanha sufragista. Tal empenho se concretiza com a elaboração do Código Eleitoral, no ano seguinte, o qual permite as mulheres o direito ao voto.

Todavia, o movimento feminista toma corpo, ganhando força no contexto dos movimentos contestatórios dos anos 60, munido da ideologia de que “o pessoal é político”, pensado não somente como uma bandeira de luta mobilizadora, mas também como uma


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reflexiva crítica aos parâmetros conceituais do político. Assim, foram rompidos os limites do conceito de político, isto é, no campo da política que aqui é entendida como o uso limitado do poder social. Entende-se que o referido movimento atrai para a esfera dos questionamentos políticos determinados pontos que, até então, eram tidos como específicos do poder privado. Sobre o tema menciona Álvarez apud Martini (2009): O movimento resignificou o poder político e a forma de entender a política ao colocar novos espaços no privado e no doméstico. Sua força está em recolocar a forma de entender a política e o poder, de questionar o conteúdo formal que se atribuiu ao poder e as formas em que é exercido. Distingue-se dos outros movimentos de mulheres por defender os interesses de gênero das mulheres, por questionar os sistemas culturais e políticos construídos a partir dos papéis de gênero historicamente atribuídos às mulheres, pela definição da sua autonomia em relação a outros movimentos, organizações e o Estado e pelo princípio organizativo da horizontalidade, isto é, da não existência de esferas de decisões hierarquizadas.

Nesse contexto, visualizam-se os grandes alcances que o movimento feminista obteve, não medindo esforços para continuar sua luta em busca de mais resultados, sobremaneira quanto à sociedade discriminadora. A partir daí, em torno dos anos 70, o feminismo ressurge como um movimento de massas, com inegável força política e grande potencial de transformação social. Aparecem, assim, várias organizações atuando como núcleos congregadores de mulheres. Elas desenvolvem atividades permanentes – grupos de trabalho, pesquisa, debates, cursos, publicações – e participam de campanhas que levaram milhares de mulheres às ruas por suas reivindicações específicas, dentre as quais destacam-se: sexualidade e violência, saúde, ideologia e formação profissional e mercado de trabalho (BIANCHINI, 2009, p. 08).

Além disso, verifica-se o nascimento do feminismo em meio ao autoritarismo e à repressão de regimes militares dominantes e de falsas democracias nitidamente autoritárias. Ele surge, consequentemente, da resistência das mulheres à ditadura militar, por conseguinte, ligado de forma intrínseca aos movimentos de oposição que lhe proporcionaram uma especificidade determinante e como consequência do processo de modernização que ensejou uma maior inserção das mulheres no mercado de trabalho e a ampliação do sistema educacional.


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Álvarez apud Martini (2009) destaca que: (...) nesse processo de transição o intenso labor que as feministas enfrentaram ao serem obrigadas constantemente a lidar com a discriminação, a repensar sua relação com os partidos políticos dominados pelos homens, com a igreja progressista, com um Estado patriarcal, capitalista e racista.

No ano de 1975, foi comemorado o Dia Internacional da Mulher, representando um marco do movimento feminista. A partir desse momento, verifica-se um aumento significativo de associações, grupos e demais formas organizativas ligadas ao feminismo. Nesse mesmo ano, foi criado o Movimento Feminista pela Anistia, considerado o primeiro movimento organizado de contestação à ordem vigente, surgido onze anos após o regime de execução (BIANCHINI, 2009, p. 08). As feministas, munidas cada vez mais pelo ideal que as mobilizavam, continuaram com suas reivindicações no passar dos anos, mantendo sempre seu foco ideológico. Em diversos momentos, a atuação do feminismo na relação com o Estado representou um processo de difícil assimilação para o interior do movimento. A participação nos conselhos, em especial no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), por exemplo, foi tida como uma questão polêmica que incitou ânimos no VII Encontro Nacional Feminista, realizado em Belo Horizonte no ano de 1985. No período da Assembléia Nacional Constituinte, conjuntamente com o movimento feminista autônomo e outras organizações do movimento de mulheres de todo o país, o CNDM conduziu a campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher” com o objetivo de articular as demandas das mulheres. Foram realizados eventos em todo o país e posteriormente as propostas regionais foram sistematizadas em um encontro nacional com a participação de duas mil mulheres. Estas demandas foram apresentadas a sociedade civil e aos constituintes através da “Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte” (COSTA apud MARTINI, 2009). Denota-se, desta feita, uma tentativa de participação efetiva nas questões políticas nacionais, pelo movimento feminista, reforçada, principalmente, pela articulação feminista, que representou uma quebra nos tradicionais modelos de representação vigentes até então no país, na medida em que o próprio movimento defendeu e articulou seus interesses no espaço legislativo sem a intermediação dos partidos políticos.


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Pinto apud Martini (2009) explica muito bem esse quadro ao afirmar: A presença constante das feministas no cenário da Constituinte e a consequente “conversão” da bancada feminina apontam para formas de participação distintas da exercida pelo voto, formas estas que não podem ser ignoradas e que talvez constituam a forma mais acessível de participação política das feministas. Este tipo de ação política, própria dos movimentos sociais, não passa pela representação. Constitui-se em pressão organizada, tem tido retornos significativos em momentos de mobilização e pode ser entendida como uma resposta à falência do sistema partidário como espaço de participação.

Diante disso, tem-se o resultado das articulações feministas como um demonstrativo de forças, além da capacidade de mobilizar e articular novas alianças com o fito de propostas transformadoras, da condição feminina e de toda a sociedade brasileira. A mulher quer, assim, participar, e, por meio de reivindicações, caminha em busca de sociedade participativa, tornando esquecida aquela unilateral masculina. Entretanto, vale ressaltar que a chegada até aqui foi traçada por um caminho de dilemas, mudanças, enfrentamentos, ajustes, desajustes, derrotas e vitórias. O feminismo teve de enfrentar o autoritarismo da ditadura militar, construindo novos espaços públicos democráticos, concomitantemente se rebelando em face do autoritarismo patriarcal presente nas diversas instituições sociais, como a família, a escola, os locais de trabalho, até mesmo no Estado. Além disso, vislumbrou a possibilidade de manter a autonomia ideológica e organizativa numa interação com partidos políticos, sindicatos, além de demais movimentos sociais. Para tanto, procurou criar novos espaços de interlocução e atuação, principalmente, permitindo o surgimento de novas práticas, iniciativas e identidades feministas. Cada vitória significou o surgimento de novas demandas e outros enfrentamentos, todavia, longe está o feminismo de representar um consenso na sociedade brasileira, a exemplo das resistências culturais e políticas enfrentadas, ainda hoje, pela implantação de políticas especiais para mulheres.

1.2. HISTÓRICO DA LEI MARIA DA PENHA

É conhecido que as mulheres, desde os tempos mais antigos, vêm enfrentado violência de diversas formas, como a física, moral, a psicológica, entre outras.


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Pesquisas apontam que a primeira base de sustentação da ideologia de hierarquização masculina em relação à mulher, e sua consequente subordinação, possui cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) anos, através do filósofo helenista Filon da Alexandria, que propagou sua tese baseado nas concepções de Platão, que defendia a ideia de que a mulher pouco possuía capacidade de raciocínio, além de ter alma inferior à do homem. Ideias, estas, que transformaram a mulher na figura repleta de futilidades, vaidades, relacionada tão-somente aos aspectos carnais (CAMPOS, 2007, p. 99). Tem-se, aí, uma justificativa científica à superioridade masculina quanto ao gênero feminino. Aristóteles, por sua vez, discorreu sobre o conhecimento humano como sendo o maior alcance oriundo desse ser. Nesse contexto, posicionou o homem com superioridade e divindade em relação à mulher, já que esta se compunha como um ser emocional, desviado do tipo humano. Assim, a alma tem domínio sobre o corpo; a razão sobre a emoção; o masculino sobre o feminino (CAMPOS, 2007, p. 100). Diante dessa visão deturpada a sociedade veio se desenvolvendo ao longo dos séculos, tornando existente uma cultura de subordinação da mulher em relação ao sexo masculino, que, infelizmente, ainda vigora nos dias atuais. Protege a agressividade masculina, constrói a imagem da superioridade do sexo que é respeitado por sua virilidade (DIAS, 2007, p. 16). Sendo assim, com a cultura machista da sociedade, somada à banalização da violência perpetrada contra as mulheres no sei familiar, não restaria saída para as vítimas senão se submeterem a essa situação, na falta de uma lei severa que punisse os agressores de forma eficaz, que lhes devolvessem a dignidade ofuscada pelo sentimento de repressão a que foram subjugadas. Existiu um prolixo processo para então, estar defronte à imagem de uma mulher distinta daquela estereotipada pela história, contendo valores e buscando sua dignidade. Essa busca, no Brasil, se deu de forma incessante até o sancionamento da Lei Maria da Penha, que veio consolidar os direitos humanos em relação às mulheres, vítimas de violência doméstica. A Lei Maria da Penha teve como alicerce uma série de fatores para sua criação. Inicialmente, cabe descrever acerca da 1ª Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada no México, que resultou na elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, passando a vigorar em 1981 (CAMPOS, 2007, p. 42). É decorrente daí o impulso no sentido de que fossem reconhecidos os direitos humanos das mulheres, embora esse resultado tenha sido tardio. Somente em 1984 o Brasil passou a ser signatário dessa Convenção da Mulher, ou CEDAW, discorrendo acerca da


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necessidade dos Estados estabelecerem uma legislação concernente à violência doméstica contra a mulher. Posteriormente, o Brasil ratificou tal Convenção, abrigando o fórum internacional que aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em Belém do Pará, que se denominou Convenção de Belém do Pará, em 1994. Porém, mesmo após ter ratificado essa pretensão, não houve qualquer medida efetiva pelo Estado Brasileiro para materializar a proteção à mulher, continuando, assim, a ficarem à mercê do desamparo. A situação somente foi tomar outras dimensões a partir do caso da cearense Maria da Penha Maia Fernandes que, durante o lapso de tempo do matrimônio contraído com Heredia Viveiros, conviveu com seu temperamento hostil e agressivo. A mesma não se atreveu, no entanto, a separar do seu cônjuge, por temer as reações dele. Infelizmente a situação se tornou mais gravosa. No ano de 1983, Maria da Penha foi vítima de um disparo de arma de fogo deflagrado por seu marido na tentativa de assassiná-la. Por sorte a conduta do agente não resultou em sua morte, vindo ela, porém, a ficar em estado de paraplegia irreversível (CAMPOS, 2007, p. 42). Nesse contexto, pode-se constatar a brutalidade investida contra Maria da Penha, representando as inúmeras mulheres enquadradas na mesma situação, vitimadas por diversos tipos de agressão aos quais são submetidas por seus companheiros. Não obstante, passados alguns dias após o acontecido, mais uma vez o marido de Maria da Penha atentou contra sua vida, numa tentativa vil de eletrocutá-la durante o banho. Neste momento, cansada das investidas de seu agressor, a vítima resolveu lutar pela busca de seus direitos humanos. Decorreu cerca de 15 (quinze) anos o processo instaurado pelo Ministério Público, em 1984, sem que houvesse qualquer posição da Justiça Brasileira quanto à condenação do acusado, que se encontrava em liberdade. Foi quando a vítima buscou os órgãos internacionais protetores dos Direitos Humanos que apresentaram o caso à OEA, pela omissão e negligência do Estado Brasileiro que, mesmo após todas as denúncias ofertadas pela vítima, não havia deliberado acerca de alguma medida contra o agressor, ao longo de tantos anos (CAMPOS, 2007, p. 51). É mesmo de se lamentar que, no Brasil, o Poder Judiciário não tenha, por si, emitido sanção penal ao agressor, depois de tantos anos de espera, sendo preciso que órgãos mundiais interviessem para que fosse procedida.


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Neste norte, em 1998, os peticionários do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima Maria da Penha Maia Fernandes, encaminharam à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), petição contra o Estado brasileiro, tendo-se em vista o fato do Brasil não estar cumprindo com os compromissos internacionais assumidos para o caso de violência doméstica, então sofrida pela vítima (CAMPOS, 2007, p. 44). Destarte, a Comissão de Direitos Humanos da OEA, através do relatório n. 54/2001, responsabilizou o Estado brasileiro por omissão, uma vez que o mesmo inobservou o estabelecido no art. 7º da Convenção de Belém do Pará no tocante aos compromissos assumidos pelos Estados Partes para empenharem-se em: a. abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se comportem conforme esta obrigação; b. atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c. incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso; d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade; e. tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo legislativo, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas e consuetudinárias que respaldem a persistência ou tolerância da violência contra a mulher; f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha sido submetida à violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos; g. estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher objeto de violência tenha acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes; e h. adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam necessárias para efetivar esta Convenção.

Além deste, a denúncia foi fundamentada na violação dos artigos 1º, 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que tratam, respectivamente, da obrigação dos Estados Partes respeitarem os direitos, garantias judiciais e proteção judicial. Como consequência da denúncia, no relatório n. 54/2001, recomendou-se ao Estado Brasileiro, dentre outras medidas, o prosseguimento e a intensificação do processo de reforma destinado à evitar a tolerância do Estado e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as mulheres, e “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar direitos e garantias do devido processo”, além do “estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de


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solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito

à sua

gravidade e às consequências penais que gera” (GUIMARÃES e MOREIRA, 2007, p. 15). Diante disso, criou-se no Brasil um Projeto de Lei, baseado no artigo 226, § 8º da CRFB/88, buscando “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, além dos tratados internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro (LIMA, 2008, p. 50). Contudo, aos 07 dias do mês de agosto do ano de 2006, é sancionada, pelo Presidente da República, a Lei nº 11.340/2006 que passou a vigorar em 22 de setembro do mesmo ano, representando um marco de grande relevância para as mulheres vitimadas de maus tratos, por resguardar legalmente sua integridade física e moral, além de sua dignidade humana.

1.2.1. Denominação “Maria da Penha”

O motivo determinante para a Lei nº 11.340/2006 ser chamada de Maria da Penha remonta ao ano de 1983, quando a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi vítima de violência doméstica, o que aparentemente seria somente mais um entre milhares de casos. Vale ressaltar que, mesmo antes de 1983, Maria da Penha e suas filhas eram acometidas pelas agressões de Heredia Viveiros. O temperamento violento deste fazia com que sua agressividade intimidasse a vítima, impedindo-a, por tempos, de deflagrar qualquer iniciativa de separação. Em 29 de maio de 1983, no Estado do Ceará, mais precisamente na cidade de Fortaleza, a farmacêutica Maria da Penha foi atingida em suas costas por um disparo de espingarda desferido por seu marido – o economista Marco Antônio Heredia Viveiros – tendo como resultado uma paraplegia. Na época, o agressor deu um relato à polícia de que se tratava de um caso de tentativa de roubo. No entanto, duas semanas posteriores à tentativa de homicídio, período no qual Maria ainda se convalescia da investida, de certa forma “frustrada” de seu agressor, aconteceu uma nova tentativa, agora por meio de uma eletrocussão através de descarga elétrica. Em junho do mesmo ano, foi dado início às investigações, porém a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. No ano de 1986, o réu foi pronunciado, sendo levado a júri em 04 de maio de 1991, quando teve uma condenação de oito anos de prisão.


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Consoante as informações apuradas nos autos, prestadas por testemunhas, o agressor de Maria da Penha, pouco antes de atentar contra sua vida, tentou convencê-la a contratar um seguro de vida, no qual seria seu único beneficiário, demonstrando, assim, a premeditação do crime. Para apelar da sentença, a defesa suscitou nulidade advinda de falha na elaboração dos quesitos. Acolhido o recurso, o réu, ainda em liberdade, foi submetido a um novo julgamento, no dia 15 de março de 1996, momento em que foi mais uma vez condenado, agora a uma pena de dez anos e seis meses de prisão. Ocorre que, novamente, recorreu em liberdade e apenas dezenove anos e seis meses após os fatos, em 2002, Marco Antônio Heredia Viveiros, finalmente, foi preso, mas dessa pena, cumpriu apenas dois anos de prisão. Vale salientar que a luta de Maria da Penha não ficou adstrita apenas ao território brasileiro. Conforme Souza apud Nascimento (2007): Teve ela o discernimento de levar a sua batalha pelos direitos humanos das mulheres aos campos internacionais, principalmente pela omissão brasileira em implementar medidas investigativas e punitivas contra o agressor, dentro do denominado razoável prazo de duração do processo, o que culminou com uma condenação do Estado

brasileiro perante órgãos internacionais. Posteriormente às tentativas de homicídio e no decorrer da tramitação do processo, Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violência e impunidade, chegando a ser coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência – APAVV – no Ceará. Assim, as informações sob comento, como as supramencionadas, representam o motivo pelo qual a Lei nº 11.340/06 recebeu a honrosa denominação de Lei Maria da Penha. Neste diapasão, mediante a aprovação da referida Lei, é o comentário de Maria da Penha, a saber: “Eu acho que a sociedade estava aguardando essa lei. A mulher não tem mais vergonha (de denunciar). Ela não tinha condição de denunciar e ser atendida na preservação da sua vida [...] não adianta conviver. Porque a cada dia essa agressão vai aumentar e terminar em assassinato” (CONTEE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino/Secretaria de Questões de Gênero e Etnia, 2007).


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1.3. A LEI MARIA DA PENHA E A CARTA MAGNA

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as mulheres passaram a ter reconhecidos os seus direitos humanos e cidadania plena. Essa conquista foi decorrente, em especial, das vastas mobilizações feitas pelas próprias mulheres, por meio de ações direcionadas ao Congresso Nacional, com a apresentação de emendas populares, além da articulação de movimentos que culminaram com a inserção da igualdade de direitos sob os aspectos de gênero, raça e etnias. Posto tais fatores, o Estado brasileiro ratificou sua assinatura, tornando-se signatário de dois tratados internacionais que se imputam exclusivamente à procedência e defesa dos direitos humanos das mulheres, quais sejam, a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Deste modo, “a Constituição, como documento jurídico e político dos cidadãos, buscou romper com um sistema legal fortemente discriminatório contra as mulheres e contribuiu para que o Brasil se integrasse ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, reivindicação histórica da sociedade” (CAMPOS, 2007, p. 143). Assim, contextualizando normas e princípios internacionais adotados em relação aos direitos humanos, a Constituição Brasileira aduz em seu art. 5º, § 2º: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Cabe ressaltar que, pela primeira vez, os direitos das mulheres foram mundialmente reconhecidos como direitos humanos, durante a Conferência Mundial de Direitos Humanos, o ano de 1993, em Viena – Áustria. Decorreu daí, pois, a Declaração sobre a Violência contra a Mulher, assunto que não tinha sido, até então, documentado no mundo inteiro. Finalmente, no ano de 1995, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, sediada em Pequim, na China, reconheceu-se definitivamente os direitos da mulher como sendo direitos humanos, constante em sua Declaração e Plataforma de Ação (DIAS, 2007, p. 25).


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Desta feita, a criação da Lei Maria da Penha vem calcada, especialmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, in verbis: Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – (...); II – (...); III – a dignidade da pessoa humana; (...).

É oportuno, pois, discorrer acerca do princípio da dignidade humana corroborada pela norma constitucional brasileira. Para Otero (2007, p. 68): (...) a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade.

Ainda completa que tal princípio é “dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito”. Enredadas as considerações sobre os direitos humanos, mais precisamente do princípio fundamental da dignidade humana, esculpido pela Constituição Brasileira, o legislador da Lei Maria da Penha associou à citada legislação uma referência relacionada ao reconhecimento dos direitos da mulher, equiparando-os aos dos homens, enquanto ser humano. Assim, os artigos 2º e 3º da Lei sob comento enunciam perfeitamente os direitos da mulher, in verbis: Art. 2º. Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Sobre o tema discorreu Souza (2007, p. 42): O legislador da Lei relembrou que a mulher, enquanto ser humano igual, possui os mesmos direitos reconhecidos em favor do homem. Tal técnica deveria ser desnecessária, mas como efetivamente não o é, houve a reiteração em norma


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infraconstitucional, daquilo que a Constituição já prevê, porém que a prática indica que não se costuma cumprir.

No que concerne ao art. 3º da Lei Maria da Penha, dispõe: Art. 3º. Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar comunitária. § 1º - O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência crueldade e opressão. § 2º - Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

A norma legal trata mais especificamente do princípio da dignidade humana, tal qual menciona Souza (2007, p. 53): Este artigo 3º estabelece direitos que são consagrados na Constituição Federal, mas que agora aparecem relacionados em uma norma específica, em favor da mulher, tendo o legislador adotado uma redação bastante próxima àquela que o constituinte inseriu no artigo 227 da Constituição, em favor da criança e do adolescente. Mas, de qualquer sorte, é como se tivesse expressamente (reiterado) que a mulher deve ser respeitada em sua “dignidade humana” e que cabe ao Poder Público e à sociedade zelar por esse respeito.

Constata-se no enunciado de tal artigo a necessidade de corroborar que os direitos fundamentais, considerados que devem como direitos da pessoa humana, expandem-se em relação à mulher, não apenas ao homem que, demasiadas vezes, julga-se detentor da vida de suas respectivas companheiras. Inicialmente, o artigo supracitado pode estar fazendo menção ao evidente por tratar de questões já amparadas pela legislação constitucional, no entanto, possui explicação fática. Para Cunha e Pinto (2008, p. 25): É inegável, historicamente, que a construção legal e conceitual dos direitos humanos se deu, inicialmente, com a exclusão da mulher. Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre as mulheres e homens. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram. E em virtude da grande pressão das entidades não-governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos, ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena que os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais.


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É nesse âmbito de desigualdade entre homens e mulheres que a Lei Maria da Penha vislumbra o equilíbrio nas relações sociais entre os gêneros a fim de garantir, em favor das cidadãs, direitos inerentes à pessoa humana, quando feridos por indivíduos tidos física e socialmente “superiores” ao sexo feminino. Por estas, entre outras, razões, o legislador da Lei Maria da Penha confirma eu seu art. 6º, in verbis: Art. 6º. A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. Assim sendo, o Estado, cuidou de legislar em favor das mulheres, na observância à primordial função dos regramentos sociais, qual seja, o humanismo, ainda que não tenha se dado de maneira absoluta, segundo entendimento jurisprudencial: Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de importante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das garantias individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético a que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (MS 23.452/RJ – TRIBUNAL PLENO – REL. MIN. CELSO DE MELLO – DJ 12.05.2000, p. 20).

Acompanhando este norte, tem-se uma nova dimensão somada aos direitos fundamentais, observando, para além da concepção igualitária constitucional, as concepções de gênero, pois resta insuficiente somente a igualdade promulgada pela lei, uma vez que não seja eficaz no meio social. Nada obsta, no entanto, que o direito venha a tratar de forma desigual aqueles juridicamente desiguais, já que, muito embora a Constituição Brasileira trate homens e mulheres como iguais, a realidade fática não evidencia a concepção dessa igualdade, fazendose oportuno que a Lei atente ao papel social. Consolidada nesses fundamentos, a Carta Magna admite, em determinadas situações, que a legislação promova um tratamento diferenciado entre as pessoas, para tanto que haja razoabilidade e proporcionalidade quanto à finalidade pretendida.


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É, portanto, previsto, pelo próprio texto constitucional calcado pelos Tribunais pátrios, o tratamento diferenciado em certas circunstâncias, desde que observada a realidade fática, conforme segue: São admitidas as diferenças em decorrência do sexo, em limitações impostas para inscrição em concursos públicos (por exemplo ingresso em Academia Militar de formação de oficiais de combatentes das Forças Armadas), com fundamento em razões de ordem sócio-constitucional (STF – RE 1120.305/RJ – 2ª TURMA – REL. MIN. MARCO AURÉLIO).

E ainda: No concernente ao foro privilegiado, no Estado de São Paulo, com relação ao divórcio direto, já se firmou o entendimento de que o privilégio é constitucional. O STJ, no entanto, apresenta uma tendência para considerar este privilégio de foro, no caso do divórcio direto, inconstitucional (STJ – RESP. 27.483/SP – REL. MIN. WALDEMAR ZVEITER – 3ª TURMA - DJ 07.04.1997, P. 11.112).

Desta feita, a nova legislação em favor da mulher, procurou não somente assegurá-las de seus direitos fundamentais – já concebidos pela Carta Magna – mas, sobretudo, garantir a efetividade do exercício desses direitos, contando para tanto com o apoio de políticas públicas previstas na Lei. Em síntese, a Lei Maria da Penha, veio resguardar às mulheres o exercício dos direitos constantes nos artigos 1º, II e III; 3º, I, III e IV; 4º, II; 5º, I e §§ 1º, 2º, 3º e 4º da Constituição Federal/88, atribuindo possível a reabilitação das vivências sociais entre os gêneros, por meio da igualdade jurídica por ela própria declarada.

1.3.1. Desigualdades e direitos relacionados à mulher antes da Constituição Federal de 1988.

A questão da violência cometida contra a mulher não pode ser encarada como uma problemática atual, já que a sociedade convive com essa situação há muito tempo. Inclusive, não pode ser restrita a determinada parcela da sociedade feminina, uma vez inexistente limite social ou, mesmo, territorial. Esclarece Welter (2007, p. 15) que “desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada”. O tratamento dispensado, pela sociedade e pela legislação, de forma desigual entre homens e mulheres fez com que o sexo feminino se tornasse um alvo fácil para ser vitimada por diversos tipos de agressões, desde a psicológica até mesmo a violência física,


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especialmente no seio familiar. Isso decorreu, entre outros motivos, do fato de que a sociedade e, consequentemente, o homem considerava plenamente normal o ato sexual realizado apenas para o bel-prazer do homem e para procriação de filhos homens, assim para a perpetuação do nome e para assumirem, posteriormente, os negócios da família. Assim, a partir do instante em que a sociedade tolera essas questões, inexiste o respeito pela mulher que fica, deste modo, à mercê do homem que, por vezes, exerce o domínio através da força física, causando-lhe marcas sentimentais e corporais. A desigualdade entre os gêneros foi por muitas décadas permitidas por nossas constituições, fato que merece uma breve análise, começando pela Constituição Política de 1824, que silenciava o que não era conveniente abordar: a questão dos escravos e a não previsão do direito ao voto às mulheres. Enfim, em relação à mulher, somente dispôs sobre a sucessão imperial e a regência do governo. Da mesma forma, a primeira constituição republicana nada dispôs sobre a situação jurídica das mulheres, havendo, tão-somente no congresso, uma previsão de extensão do direito ao sufrágio ao sexo feminino, entretanto, tantas foram as exigências pessoais que não chegaria a abranger um número expressivo de eleitoras (AZEVEDO, 2001, p. 62-63). A figura da família romana serviu de base para a família brasileira, sendo tomada como modelo para promulgação do Código Civil de 1916. Tal fato ocorreu, porque imperou no Brasil, até aquela data, a legislação de Portugal, denominado Ordenações Filipinas, a qual vigorou de 1603 até 1867, sendo que no Brasil teve vigência até 1916 (CARNEZIN apud NASCIMENTO, 2007). Assim, desde o período colonial até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a legislação deste país convivia com o tratamento desigual de direitos entre homens e mulheres, configurado por diversos dispositivos que retratavam essa desigualdade. Desta feita, vale salientar certos demonstrativos que exemplificam de maneira clara esta desigualdade, segundo previsão no Código Civil de 1916. Conforme Lôbo apud Nascimento (2007), “tão liberal no plano econômico, era extremamente opressor da mulher, no direito de família. Sem os exageros do período colonial, considerava a mulher relativamente incapaz”, o que pode ser atestado pelos artigos 233; 242, II; 274 e 380, todos do Código Civil de 1916. No entanto, cabe ressalvar que houve alguns avanços desde a elaboração do Código Civil de 1916 até a promulgação da Constituição Federal de 1988. De acordo com Matos (A. C. H. Aspectos sociais e jurídicos relativos à família brasileira – de 1916 a 1988.


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Disponível em: <http://a.c.matos.sites.uol.com.br/-data/achm-critica_juridica.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2011): muitos acontecimentos vieram a incidir sobre a formação da família brasileira. Basta imaginarmos, para tanto, que de lá para cá tivemos duas guerras mundiais, a Revolução de 1930, o período Vargas, a ditadura militar, o movimento estudantil, o movimento sindical, a filosofia hippie, a revolução sexual, a inserção da mulher no mercado de trabalho.

Pode-se salientar que Getúlio Vargas, mais precisamente em 1932, “cede aos apelos e incorpora ao novo Código Eleitoral o direito de voto à mulher, nas mesmas condições que aos homens, excluindo os analfabetos; e o Brasil passava a ser o quarto país nas Américas, ao lado do Canadá, Estados Unidos e Equador, a conceder o voto às mulheres” (DUARTE apud NASCIMENTO, 2007). No período entre as Constituições de 1891 e 1934, foi promulgada legislação ordinária específica que tratava da questão previdenciária e trabalhista, entretanto, somente na Carta Magna de 1934 houve a previsão relativa à ordem econômica e social: a qual, no artigo 121, prescreveu a proibição de diferença de salário, para o mesmo trabalho, em razão de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; do trabalho noturno aos menores, do trabalho insalubre a estes e às mulheres; prevendo, inclusive, a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante; a última assegurou o descanso no período anterior e posterior à gestação, sem prejuízo do salário e do emprego. As Constituições de 1946 e 1988, além de manterem os direitos conferidos pela constituição de 1934, delimitaram o alcance de alguns dispositivos e, ainda, dispuseram sobre outros direitos que foram conferidos aos trabalhadores (AZEVEDO, 2001, p. 63-64). Ainda, em 1962, aconteceu um grande avanço na legislação, quando promulgado o “Estatuto da Mulher Casada”. Com a lei 4.121/62, iniciou-se a caminhada na busca da igualdade entre os cônjuges. A mulher casada perdeu sua incapacidade relativa e tornou-se colaboradora na chefia da sociedade conjugal. Manteve-se a chefia da família confiada ao marido, sob a justificativa de garantir-se a preservação da família com base no princípio da unidade familiar. À mulher casada garantiu-se a possibilidade de administrar seus bens reservados, frutos de seu trabalho, independentemente do regime de bens (A. C. H. Aspectos sociais e jurídicos relativos à família brasileira – de 1916 a 1988. Disponível em: <http://a.c.matos.sites.uol.com.br/-data/achm-critica_juridica.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2011).


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Seguindo a evolução dos direitos da mulher, foi sancionada a Lei nº 6.515/77, conhecida como “Lei do Divórcio”. A Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, regulamentou a Emenda Constitucional nº 9/1977 que introduziu o divórcio no Brasil, rompendo uma resistência secular capitaneada pela Igreja Católica. A lei propiciou aos cônjuges, de modo igualitário, oportunidade de finalizarem o casamento e de constituição livre de nova família. A lei promoveu outras alterações na legislação civil, no caminho da igualdade conjugal, transformando em faculdade a obrigação de a mulher acrescer aos seus o sobrenome do marido. Manteve, contudo, o modelo do Estatuto da Mulher Casada de proeminência do marido na chefia da família. A adição do nome do marido, prevista na lei, é emblemática porque sempre simbolizou a transferência do pátrio poder para o poder marital; o direito liberou, mas o costume persiste, sem consciência de sua origem (LÔBO apud NASCIMENTO, 2007).

Salientamos que a Lei nº 6.515/77 não só beneficiou sobremaneira as mulheres como também aos homens, uma vez que desde a Idade Média, dada a supremacia da Igreja, os casais atravessavam diversas dificuldades, independentemente das camadas a que pertenciam, em especial o impasse na anulação do casamento, à qual as autoridades impunham muito rigor e severidade quando da apreciação das solicitações, dando como indissolúvel o vínculo conjugal, a não ser pela morte de um dos cônjuges (AZEVEDO, 2001, p. 71). Contudo, havia a figura do desquite, que legitimava a separação judicial, mas proibia a nova convolação, impossibilitando à mulher o direito de constituir uma nova família; tal impossibilidade gerou o aumento das uniões de fato, que não eram bem vistas pela sociedade. Como prova deste repúdio e preconceito, temos o exemplo dos filhos que, nascidos desta união, não poderiam frequentar as escolas particulares. Outras situações demonstram claramente o papel discriminatório da época, eis que mulheres desquitadas eram vistas como um perigo para as famílias e, ainda, eram tidas como vulgares, prontas para quaisquer investidas sexuais masculinas. Tais fatos causaram indignação e, como consequência, muita luta, tendo como fruto a promulgação da Lei do divórcio que possibilitou a dissolução do casamento civil, ou seja, o divórcio poderia ser requerido após três anos da separação judicial ou após cinco anos da separação de fato, comprovada em juízo. Atualmente, pelo novo código civil, há previsão de outras formas e prazos, conforme dispõem os artigos 1574, 1580, caput e § 2º, havendo a revogação dos dispositivos conflitantes da Lei nº 6.515/77 (SANTOS apud NASCIMENTO, 2007). Apesar destes avanços significativos, a questão da desigualdade e, consequentemente, da violência doméstica e familiar contra a mulher atingiu índices alarmantes nos últimos tempos. Dentre várias razões, podemos citar a independência feminina adquirida ao longo dos anos, uma vez que atualmente exercem atividade laborativa, pois até alguns anos atrás só os


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homens poderiam prover suas famílias. Tal fato impôs ao homem a necessidade de assumir responsabilidade dentro de casa. Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido, terreno fértil para conflitos (DIAS, 2007, p. 17). Essa maior independência foi o que encorajou a mulher a denunciar as agressões sofridas. Todavia, a inserção da mulher no setor produtivo ainda é bastante recente, abarcando uma pequena parcela da população, uma vez que grande parcela continua submissa à dominação do parceiro. Conforme entende Bastos apud Martini (2009): é impressionante o número de mulheres que apanham de seus maridos, além de sofrerem toda uma sorte de violência que vai desde a humilhação, até a agressão física. A violência de gênero é, talvez, a mais preocupante forma de violência, porque, literalmente, a vítima, nesses casos, por absoluta falta de alternativa, é obrigada a dormir com o inimigo. É um tipo de violência que, na maioria das vezes, ocorre onde deveria ser um local de recesso e harmonia, onde deveria imperar um ambiente de respeito e afeto, que é o lar, o seio familiar.

Acerca desta situação, explica Dias (2007, p. 20): A ideia da família como uma entidade inviolável, não sujeita à interferência nem da Justiça, faz com que a violência se torne invisível, protegida pelo segredo. Agressor e agredida firmam um pacto de silêncio, que o livra da punição. Estabelece-se um verdadeiro círculo vicioso: a mulher não se sente vítima, o que faz desaparecer a figura do agressor. Mas o silêncio não impõe nenhuma barreira. A falta de um limite faz a violência aumentar. O homem testa seus limites de dominação. Quando a ação não gera reação, exacerba a agressividade, para conseguir dominar, para manter a submissão.

1.3.2. Desigualdades e direitos relacionados à mulher após a Constituição Federal de 1988 No Brasil, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tivemos a maior conquista feminina dos últimos tempos, eis que previu o princípio da igualdade de direitos entre homens e mulheres consagrados no artigo 5º, inciso I: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta constituição” (MORAES, 2006a, p. 192). Na atual Carta Magna encontramos vários textos que estabelecem normas programáticas que visam a nivelar e a diminuir as desigualdades reinantes. Como exemplos de tais normas têm os artigos 3º, 170 e incisos tratando da ordem econômica e social, 7º tratando da questão salarial e 205 tratando da democratização do ensino (SILVA, 2003).


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No plano econômico, retratando a maior participação da mulher após a Carta Magna de 1988, tem-se o resultado da pesquisa realizada por Gelinski e Ramos (2006), a qual constata que “a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu de 43,4% em 1995 para 44,9% em 1999, contrastando com a queda da participação masculina de 73,6% para 72% (Conselho..., 2003)” (GELINSKI, Carmen R. Ortiz G; RAMOS, Ivoneti da Silva. Mulher e família em mutação: onde estão os mecanismos de apoio para o trabalho feminino? [2005 – 2006]. Disponível em: <http://fee.tche.br/sitefee/dowload/mulher/ 2004/artigo9.pdf>. Acesso em: 10 out.2011). Na visão de Santos apud Nascimento (2007), o sistema patriarcal passa por uma crise global, precisando de um novo sistema que poderia ser denominado de sistema patriarcal compartilhado, o qual a sociedade não veria o homem como conceito de humanidade, mas que homens e mulheres juntos podem construir um conceito de humanidade que atue em um projeto societário global. A partir da nova visão constitucional, em 2003, passou a vigorar o novo ordenamento civil, sendo reconhecidos direitos e revogados alguns paradigmas, o que, segundo o entendimento de Cabral apud Nascimento (2007): foi uma grande vitória feminina, que somente foi alcançada depois de muitos anos de lutas e discriminações, muitas mulheres foram e são exemplos nesta luta, [...] mas a igualdade real e plena só será alcançada quando entendermos que homens e mulheres são seres diversos, mas com capacidades semelhantes.

Oportuno, pois, citar certas alterações advindas com o Código Civil de 2002, relacionadas à mulher, que igualam homens e mulheres como responsáveis pelos encargos da família; o art. 1567, que prevê que a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração pelo marido e pela mulher (BRASIL, 2002), além de direitos que foram reconhecidos a esta. No que pese a Carta Magna de 1988 preconizar a igualdade de gênero, ainda é latente a desigualdade, conforme preceituou Porto (2006): Parte-se, destarte, do reconhecimento sociológico de que não há, substancialmente, uma igualdade entre homens e mulheres. Tal isonomia em terra brasilis ainda é apenas formal, circunscrita que está a um encomiástico princípio constitucional, refletido múltiplas vezes na legislação ordinária (...).

Vale ainda salientar a criação, prevista no art. 98, inciso I, da Constituição Federal/88, dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com regulamentação pela Lei nº 9.099/95, que


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representou uma tentativa de minimizar, de forma indireta, a violência doméstica. O art. 3º, inciso I, estabelece a competência dos Juizados Especiais Cíveis, e os artigos 60 e 61 estabelecem a competência dos Juizados Especiais Criminais, todos da Lei nº 9.099/95. Assim, visando resgatar a cidadania feminina, tendo observância ao princípio da igualdade, passou a viger, em 22 de setembro de 2006, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, recebendo o nome de Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, cumprindo, deste modo, o disposto no art. 226, em seu parágrafo 8º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

1.3.3. Princípio da Igualdade

Em que pese o tema central deste trabalho não seja identificar se houve ou não ofensa ao princípio da igualdade, por ter a Lei Maria da Penha protegido tão-somente a mulher, procuramos ilustrar alguns posicionamentos a respeito, uma vez que se trata de princípio basilar da República Federativa do Brasil, disposto no art. 5º, inciso I (MORAES, 2006a, p. 192). Para melhor entendimento do princípio da igualdade, norteador da criação da Lei nº 11.340/06, cumpre citar a definição trazida por Moraes (2006b, p. 31): A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Desta forma, o que é vedado são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, à medida que se desigualam, é exigência do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida por terceiro.

Vale ressaltar a análise feita por Ribeiro apud Dias (2007) quanto ao cumprimento da finalidade, aduzida no texto acima por Moraes, ao considerar que: A Lei Maria da Penha não fere o princípio da igualdade estampado no caput do art. 5º da Constituição Federal, pois visa a proteção das mulheres que sofrem com a violência dentro de seus lares, delitos que costumam cair na impunidade. Por este mesmo fundamento a Lei não fratura o disposto no inciso I, do mesmo dispositivo constitucional, porque o tratamento favorável à mulher está legitimado e justificado por critérios de valoração, para conferir equilíbrio existencial, social etc. ao gênero feminino. É a igualdade substancial e não só a formal em abstrato perante o texto da Constituição (art. 5º, I).


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Moura (2005, p. 76-77), em sua obra, traz um exemplo prático que exprime o sentido do princípio da igualdade e de algumas diferenciações entre grupos de pessoas. Este exemplo foi adaptado à realidade estudada, utilizando-se homens e mulheres a fim de resumir a finalidade do princípio. Imaginemos dois recipientes com capacidade de 1 (um) litro de líquido essencial para existência digna, reconhecido como edd (essência da dignidade). Cada qual representado pelos símbolos g1 (para homens) e g2 (para mulheres), representando toda a vida de dois grupos, em diversos aspectos: físico, social, cultural, econômico, entre outros. A cada hora, um conta-gotas, automaticamente, pinga uma gota do líquido ‘edd’ em cada recipiente. O recipiente g1 possui líquido ‘edd’ até a marca de 70 mililitros, enquanto que o recipiente g2 esá marcando apenas 40 mililitros de ‘edd’. Duas indagações iriam surgir: por que a quantidade está tão diferente a ponto de se verificar um real desnivelamento? Como nivelá-los? A primeira resposta é variável, eis que depende das questões envolvidas, como, por exemplo, no recipiente com quantidade inferior, temos a mulher, cuja participação, ainda, é ínfima na economia; presença de obstáculos encontrados no campo profissional; um remanescente conservadorismo em considerar a mulher submissa ao homem, gerando a violência; a questão biológica que traduz certa fragilidade; no recipiente com quantidade superior temos os homens, que sempre foram tidos pela sociedade como seres superiores. Apenas com a Carta Magna de 1988 as mulheres foram igualadas em direitos e obrigações aos homens, entretanto, sendo muito recente, uma vez que, por séculos, estiveram subordinadas aos homens e, mesmo com a sua equiparação, grande parcela da sociedade ainda tem na mulher um ser inferior. O recipiente g1 já estava com muitas décadas de anos recebendo as gotinhas do líquido “edd”, enquanto que o g2, sendo bastante otimista, passou a receber as gotinhas há um pouco mais de 70 anos, com alguma conquistas adquiridas neste período (direito ao voto a partir do ano de 1951, a Lei do Divórcio promulgada em 1977, dentre poucas outras) e consagradas em 1988. Este é um dos motivos do desnivelamento dos recipientes. Quanto à segunda resposta, há quem, por diversas razões, diga que, com o tempo, os recipientes estarão com o mesmo nível do líquido “edd”. Mas, por uma questão de lógica, não há tempo que permita este nivelamento se nenhuma medida for tomada a este respeito. Diante deste fato, a resposta, com base na mesma lógica que impede o nivelamento natural, é programar o conta-gotas do recipiente que está com a menor quantidade de líquido “edd” para


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que, durante determinado tempo, calculado com a fórmula apropriada, pingue duas vezes, permitindo que, num dado momento, os recipientes encontrem o equilíbrio. Neste diapasão, pode-se dizer que a gota a mais que está pingando no recipiente da mulher seja a Lei Maria da Penha, a fim de que possa haver um equilíbrio entre homens e mulheres; o que, acontecendo, prescinde, de certa forma, a necessidade desta proteção. No que pese referir-se a uma lei recente, são muitas as divergências no que tange à observância ou não do princípio da igualdade, especialmente quanto a uma possível discriminação perante o homem. Portanto, não há como rejeitar certos posicionamentos desfavoráveis à promulgação da novel lei, os quais reputam uma ofensa ao princípio da igualdade. Conforme Santin apud Nascimento (2007): a pretexto de proteger a mulher, numa pseudopostura ‘politicamente correta’ a nova legislação é visivelmente discriminatória no tratamento de homem e mulher, ao prever sanções a uma das partes do gênero humano, o homem, pessoa do sexo masculino, e proteção especial à outra componente humana, a mulher, pessoa do sexo feminino, sem reciprocidade, transformando o homem num cidadão de segunda categoria em relação ao sistema de proteção contra a violência doméstica, ao proteger especialmente a mulher, numa aparente formação de casta feminina.

Confirmando este posicionamento, Jesus e Gonçalves apud Nascimento (2007) defendem que: o tratamento desigual tampouco se justifica por não haver adequação ao princípio da razoabilidade pelo argumento de que as mulheres sofrem violência doméstica em maior quantidade. As estatísticas não tornam menos gravosa a conduta quando atinge vítima do sexo masculino, precipuamente, repita-se, porque a vítima pode ser criança ou idoso. É inequívoco, por exemplo, que homens sofrem homicídio por emprego de arma de fogo em escala muito maior do que as mulheres, mas isso, em hipótese alguma, justificaria, devido ao princípio da igualdade entre os sexos, a existência de lei estabelecendo pena menor para os casos em que a vítima fosse do sexo feminino.

Contrastando-se a esse entendimento, leciona Bastos (2006): Outras tantas ações afirmativas têm sido resultado de políticas públicas contemporâneas, em que pesem algumas delas envoltas em polêmicas, não recebem a pecha da inconstitucionalidade. Citem-se as quotas para negros e estudantes pobres nas universidades, as quotas para deficientes em concursos públicos, as quotas para mulheres nas eleições etc.

Cunha e Pinto (2006, p. 20) afirmam que não somente a mulher é vítima de violência doméstica, também o homem pode sê-lo, tanto que o art. 129, § 9º, do Código Penal, não definiu o sujeito passivo, abrangendo ambos os sexos. Assim, a Lei Maria da Penha limita


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tão-somente que as medidas de assistência e proteção sejam aplicadas em relação à vítima do sexo feminino. Posicionam-se Rabelo e Saraiva apud Nascimento (2007) que “a Lei Maria da Penha representa um marco na proteção da família e um resgate da cidadania feminina, na medida em que a mulher ficará a salvo do agressor. Quanto às inovações advindas com a nova Lei, é pertinente o posicionamento de Freitas (2007): Os principais mecanismos oferecidos pela Lei de tutela à mulher no campo penal e processual penal são os seguintes: a) dá nova redação ao § 9º do art. 129 do CP modificando a pena que passa a ser de 3 meses a 3 anos e cria uma agravante genérica ao CP (arts. 43 e 44); b) autoriza a prisão preventiva e modifica a Lei de Execuções Penais (arts. 20, 42 e 45); c) veda a incidência da Lei 9.099/95 (art. 41); d) cria medidas protetivas de urgência para o agressor e para a ofendida (arts. 22 e 23); e) autoriza a criação em cada Estado dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher através de Lei Estadual (art. 14).

Destarte, tendo em vista a importância da Lei Maria da Penha, justifica-se, pois, a confecção de apontamentos acerca de alguns dispositivos e, em maior profundidade, à questão da (in)aplicabilidade da Lei nº 9.099/95.

FORMAS DE VIOLÊNCIA E PECULIARIDADES DA LEI Nº 11.340/06

2 ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DA LEI Nº 11.340/06

2.1. COMPROMISSOS INTERNACIONAIS

O Brasil, a partir do processo de democratização, deflagrado em 1985, passou a ratificar relevantes tratados internacionais de direitos humanos (DIAS, 2007, p. 27); entre vários, podem ser citados a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Acerca da importância dos tratados internacionais que vislumbram a proteção dos direitos humanos, não apenas para o Brasil, mas nos demais países, é o posicionamento de


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Pozzobon apud Nascimento (2007): “Os tratados internacionais de direitos humanos nasceram como uma resposta dos Estados às atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial; a partir de então normas foram criadas com o intuito de prevenir que as antigas violações não mais ocorram”. Em relação à abrangência da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, promulgada pelo Decreto nº 4.3277/2002, posiciona-se Nucci (2006, p. 860) que o tema é muito mais amplo que a violência doméstica ou familiar, uma vez que trata da discriminação da mulher em qualquer setor, seja no lar, trabalho, escola etc. Destaca que em vários trechos da Convenção está demonstrado que o objetivo não é privilegiar a mulher em detrimento do homem, mas buscar a igualdade entre os sexos, lembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios de igualdade de direitos e a própria dignidade da pessoa humana. Sobre a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, Nucci (2006, p. 861) aduz que: esta convenção (denominada Convenção de Belém do Pará, datada de 1994), promulgada pelo Decreto 1.973/96, cuida particularmente da violência ‘em que vivem muitas mulheres da América’, por se tratar de uma ‘situação generalizada’. Manifestam os Estados Partes a preocupação de que ‘a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens’. Portanto, busca instigar os Estados a editar normas de proteção contra a violência generalizada contra a mulher, dentro ou fora do lar.

No que pese os tratados dos quais o Brasil tornou-se signatário, visando a proteção dos direitos humanos e, também, às convenções mencionadas, nada havia sido feito no sentido de implementar e cumprir os dispositivos constantes desses tratados. Vale ainda salientar que apenas é possível recorrer à jurisdição internacional quando há o esgotamento dos recursos nos tribunais nacionais, isto é, após decisão definitiva segundo disposição do art. 46 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos dos Estados Americanos (OEA). No entanto, quanto ao caso de Maria da Penha, a denúncia foi baseada na exceção prevista no inciso II, alínea a, do artigo ora mencionado, que exclui esta condição quando houver atraso injustificado na decisão dos recursos internos, consoante aconteceu, já que o Poder Judiciário levou mais de dezoito anos para proferir decisão definitiva. Tendo em vista tal provocação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou informações por três vezes ao Brasil, não obtendo qualquer resposta. Assim, publicou, em abril de 2001, o relatório n. 54/2001, recomendando entre outras medidas:


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a finalização do processo penal do responsável pela agressão;que fosse realizado levantamento a fim de identificar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados no processo, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias pertinentes; a reparação simbólica material pelas violações sofridas por Maria da Penha por parte do Estado brasileiro por sua falha em oferecer um procedimento rápido e efetivo e, ainda, a adoção de políticas públicas voltadas a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Deste modo, a publicação da Lei Maria da Penha teve a finalidade de atender ao preceito constitucional do art. 226, § 8º, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (MORAES, 2006a, p. 2222), bem como, em sua ementa, fazendo expressa referência à observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos que foram ratificados pelo Brasil, in verbis: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (...).

Sobre a edição da Lei Maria da Penha, acrescenta Pimentel apud Dias, 2007 que “o Brasil está de parabéns, pois se trata de instrumento legal bastante cuidadoso, detalhado e abrangente, que representa o esforço de contextualização das duas paradigmáticas convenções”. Nucci (2006, p. 860), opondo-se a este entendimento, acredita que a Lei Maria da Penha continua a mesma tarefa de normas anteriores, mas também não solucionará eventual mantença da discriminação contra a mulher, uma vez que a eficiência do Estado não está na edição de leis, mas na educação e na conscientização dos valores humanos, desejando que a presente Lei não seja mais uma a permanecer no plano abstrato.

2.1.1. A força dos Tratados Internacionais

A recepção dos tratados internacionais fundados em direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio encontra-se consagrada nos §§ 2º, “Os direitos e garantias individuais expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil faça


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parte.” (MORAES, 2006a, p. 458) e 3º, “Os Tratados e Convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.” (MORAES, 2006a, p. 460) do art. 5º da Constituição Federal de 1988. No entanto, a questão da força dos tratados internacionais tem ensejado discussões, especialmente no que diz respeito a sua prevalência quando relacionadas a normas de direito interno. Acerca do trâmite de incorporação não existe divergência, segundo Moraes (2006a, p. 1060): (...) decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O item procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Entretanto, quanto à posição de um tratado ratificado pelo Brasil, anterior à Emenda Constitucional 45/2004, que incluiu o § 3º, do artigo 5º, Roberto apud Nascimento (2007) entende que: antes da promulgação da presente emenda, o STF já havia se definido sobre a infraconstitucionalidade dos tratados e convenções no direito interno, tendo, portanto eficácia de lei ordinária, não podendo tratar de norma referente à lei complementar, e muito menos ser contrária a esta ou à norma constitucional. Sendo levados ao nível de lei ordinária, estes poderiam ser revogados por leis federais posteriores (embora alguns juristas como Antonio Augusto Cançado Trindade e Celso Albuquerque Mello, dever-se-ia permanecer a norma mais benéfica e não obrigatoriamente a mais recente).

Todavia, não se pode deixar de mencionar os apontamentos aduzidos por Piovesan apud Dias (2007): Não seria razoável sustentar que os tratados aprovados antes da nova exigência de aprovação especial fossem recepcionados somente como lei federal. Todos os tratados de direitos humanos devem ter natureza constitucional, sendo apenas materialmente (ratificados com aprovação simples) ou materialmente e formalmente (ratificados com aprovação especial de emenda constitucional).


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Sendo assim, após a sua ratificação, o tratado internacional passa a ter estatura da legislação interna ordinária, podendo revogar a lei interna, como também ser revogado por lei posterior: eis o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Hodiernamente, com a Emenda Constitucional 45/2004, os tratados internacionais ratificados irão vigorar com status de emendas constitucionais, desde que cumpram as exigências estabelecidas no artigo 60, § 2º, da Constituição Federal, dispondo que “a Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros” (MORAES, 2006a, p. 1151). Deste modo, para Dias (2007, p. 30), com referência aos tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos, o Congresso Nacional tem possibilidade de incorporá-los com status ordinário (CF, art. 49, I), ou com status constitucional (CF, art. 5º, § 3º), a depender do quorum da aprovação, passando a ser um poder discricionário do Congresso Nacional. Nesse deslinde, já que a Lei Maria da Penha veio regulamentar direito assegurado por tratados internacionais, ratificados pelo Brasil, objetivando a proteção dos direitos humanos, tem, portanto, natureza constitucional, da mesma hierarquia das normas constitucionais originárias, não podendo ser tratada como legislação infraconstitucional.

2.2. FINALIDADE DA LEI Nº 11.340/06

O artigo 1º, da Lei nº 11.340/06, deixa claro que o objetivo é coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesta linha, é o pensar de Cunha e Pinto (2007, p. 20): A Lei nº 11.340/2006 extraiu do caldo da violência comum uma nova espécie, qual seja, aquela praticada contra a mulher (vítima própria), no seu ambiente doméstico, familiar ou de intimidade (art. 5º). Nesses casos, a ofendida passa a contar com precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos aptos a coibir essa modalidade de agressão.

Em outras palavras, a nova lei tem como finalidade reconhecer dignidade à mulher, àquela que sofre violência doméstica e familiar, trazendo, assim, mecanismos que venham,


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especial e principalmente, conferir segurança através de medidas protetivas e assistenciais às vítimas.

2.3. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A violência doméstica e familiar acometida em face da mulher é uma questão vivenciada pela sociedade brasileira há décadas, o que é resultado de uma latente desigualdade entre homens e mulheres cultivada até a promulgação da Carta Magna de 1988, uma vez que esta representou uma grande conquista dos últimos tempos – a maior conquista feminina – ao conter vários textos que estabelecem normas programáticas, visando nivelar e diminuir as desigualdades reinantes. A Lei Maria da Penha, em específico, incluiu em sua redação definições sobre as formas de violência perpetradas contra a mulher, além de especificar os âmbitos em que ela poderá ocorrer. Preliminarmente, ressalta-se a definição de violência contra a mulher, para o Conselho Nacional Econômico das Nações Unidas, como “qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimento e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação de liberdade seja na vida pública ou privada” (CAMPOS e CORRÊA, 2007, p. 211). Corroborando o enunciado supracitado, a Lei nº 11.340/06 trouxe, em seu artigo 5º, a definição de violência, no âmbito doméstico e familiar, in verbis: Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

O termo “gênero”, utilizado pelo legislador no “caput” do artigo acima exposto, trata da questão do ser feminino/masculino, e sua relação de poder daí decorrente. Conforme Campos e Corrêa (2007, p. 212):


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O gênero é concebido como uma forma de dar significado às relações de dominação e de poder que terminam por ensejar as desigualdades de gênero, que concederam ao longo do tempo aos homens funções nobres e valorizadas pela sociedade, restando às mulheres papéis menos apreciados social e culturalmente.

Deste modo, a violência de gênero pode ser configurada como a faceta mais notória da desigualdade entre homens e mulheres, perante a crença da superioridade masculina, levando, assim, seus indivíduos a controlar, subjugar, humilhar e agredir de diversos modos o sexo feminino, em função do gênero. No que diz respeito ao âmbito doméstico aludido pelo art. 5º, inciso I, da Lei sob comento, o mesmo deve ser compreendido no sentido de que a conduta foi praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. Nesse contexto, a título exemplificativo, estão enquadradas as empregadas domésticas que frequentam a unidade de trabalho. Damásio de Jesus (2006, p. 98), entretanto, distingue tal profissional da “diarista”, que trabalha um ou dois dias na semana, não estando esta, amparada pela Lei, em razão de sua pouca permanência no local de trabalho. Não se exige, assim, que a ofendida possua vínculo de parentesco com o agressor para que se configure tal violência, bastando para isso a frequência naquela unidade doméstica, porém, não de forma periódica, como assenta Nucci (2006, p. 864): A mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Não seria lógico que qualquer mulher, bastando entrar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha.

O inciso II do mesmo artigo 5º, por sua vez, que dispõe acerca da violência em âmbito familiar, apresenta como o instituto da família não só o casamento, mas todas as demais entidades familiares reconhecidas pela Constituição Federal Brasileira, nos seus §§ 3º e 4º, do art. 226. Assim, merecem proteção do Estado as famílias anaparentais, formadas entre irmãos, e também as monoparentais, formadas por qualquer dos pais e seus descendentes. Enquadra-se, por conseguinte, da mesma forma, no âmbito familiar, a violência decorrente do filho afetivo, ao se interpretar a expressão trazida no dispositivo do inciso II do art. 5º da Lei Maria da Penha, no que diz respeito aos “indivíduos que são ou se consideram aparentados”. Ademais, a violência praticada nas relações paralelas, ou aquelas mantidas fora do casamento, também estão a merecer tutela jurisdicional. Assim, agredindo o varão qualquer


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das companheiras, o fato de a união ser rotulada como adulterina, não exclui do âmbito de proteção da Lei (DIAS, 2007, p. 44). Quanto ao inciso III, do art. 5º, da Lei nº 11.340/06, referente à relação íntima de afeto, a interpretação no que diz respeito aos sujeitos, seja ele ativo ou passivo, ganha maior abrangência. É pertinente o entendimento discorrido por Misaka apud Martini, 2009: Diante desta nova realidade não há como restringir o alcance da previsão legal. Vínculos afetivos que refogem ao conceito de família e de entidade familiar nem por isso deixam de ser marcados pela violência. Assim, namorados e noivos, mesmo que não vivam sob o mesmo teto, mas resultando a situação de violência do relacionamento, faz com que a mulher mereça o abrigo da Lei Maria da Penha. Para a configuração de violência doméstica é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação íntima de afeto.

No entanto, para efeitos desta Lei, não aparece como requisito indispensável que a violência em âmbito familiar se dê dentro do lar ou domicílio da ofendida, até mesmo porque nem sempre os sujeitos coabitam sob o mesmo teto. Na mesma linha de raciocínio, tem-se o julgado: Penal. Processo Penal. Declínio Competência. Recurso em sentido estrito. Agressão via pública. Vínculo entre agressor e vítima. Violência doméstica. Juizado especial de violência contra a mulher. Necessidade de instrução do feito. Provimento SER. 1 – Para a lei 11.340/06, o local em que pode ser praticada a violência doméstica e familiar contra a mulher não se restringe ao espaço demarcado pelo recinto do lar ou do domicílio em que esteja vivendo a vítima. Desde que a violência tenha sido praticada em um contexto de violência familiar é irrelevante se a violência foi praticada dentro do lar ou em qualquer outro ambiente. (...). (2ª Turma Criminal, TJDF. RE n. 01.1.107789-6. Rel. Gislene Pinheiro. Provimento unânime. 15/03/2007).

Tem-se, daí uma interpretação extensa quanto a possíveis casos de ocorrência da violência doméstica e familiar, devendo-se, em outra direção, atentar-se às formas encontradas expressamente esculpidas na Lei Maria da Penha.

2.3.1. Âmbito de abrangência da violência doméstica e familiar contra a mulher

A princípio, vale salientar que a Lei Maria da Penha delimitou, cuidadosamente, o âmbito de ocorrência da violência doméstica a fim de aplicar seus dispositivos. Assim, o art.


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5º desta Lei e seus incisos dispõem acerca do âmbito de abrangência passível de ocorrência de quaisquer das formas de violências descritas no art. 7º. Conforme o entendimento de Dias (2007, p. 42-46), quanto à unidade doméstica, procurou o legislador definir o âmbito de abrangência, devendo ser entendida como o local em que a vítima faça parte. Quanto ao âmbito familiar, considera que não se limita somente aos homens e mulheres, pois trata o indivíduo. Desta forma, o conceito se torna muito amplo, devendo buscar no Código Civil a definição, por exemplo, dos vínculos de parentescos. Ainda, pelo reconhecimento da união homoafetiva como família, podemos abranger os relacionamentos entre lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros. Por fim, temos as uniões paralelas, nas quais homens podem manter duas famílias, concomitantemente, assim, teremos duas unidades familiares, ocorrendo caso de violência doméstica em quaisquer delas, estarão sob a proteção da lei em comento. Em relação à última previsão do artigo, ou seja, à violência doméstica na relação de afeto, uma vez que a definição de família traz a relação de afeto em seu conceito, não poderia o legislador se isentar de preservar o ambiente que contenha vínculo de afetividade. Desta maneira, namorados e noivos, que embora não convivam sob o mesmo teto, ocorrendo uma violência oriunda deste relacionamento afetivo, merece o abrigo da Lei Maria da Penha. Acerca do art. 5º, inciso III, deve-se considerar a ponderação aduzida por Nucci (2006, p. 864-865), o qual considera como relação íntima de afeto o relacionamento entre duas pessoas, fundada em amizade, amor, simpatia, como outros sentimentos de aproximação, ou seja, um conceito demasiadamente amplo. A partir deste ponto, seria cabível, por exemplo, aplicar a agravante do art. 61, II, “f”, parte final, do Código Penal, no caso em que uma amiga pratique lesão corporal contra outra, com quem, por muito tempo, manteve relação íntima de afeto, considerando não haver coabitação? Se aplicarmos a interpretação literal do artigo citado, poderíamos aplicar a agravante, entretanto, seria um absurdo, uma vez que se trata de um delito comum, cometido por uma mulher contra outra. Não pode o Direito Penal passar a considerar mais gravemente a agressão de uma pessoa amiga contra outra somente pelo fato de ser a vítima mulher. Desta forma, acredita não ser possível falar em violência doméstica e familiar, emergindo a inaplicabilidade do disposto no inciso III. De fato, a fim de que possa incidir a aplicação da Lei nº 11.340/06 sob o caso concreto, é imprescindível que a violência tenha acontecido no âmbito da unidade doméstica,


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no âmbito familiar ou, ainda, em relação íntima de afeto, caso contrário, esta legislação não será aplicável à situação.

2.3.2. Formas de violência doméstica e familiar contra a mulher

O legislador da Lei Maria da Penha atentou-se em definir, além da violência doméstica e familiar, as suas formas de ocorrência. Assim, dispõe o art. 7º da referida Lei: Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência física, (I), constitui qualquer agressão ao corpo da mulher, independentemente se as investidas deixem marcas ou não, bastando o uso da força bruta para que seja consumada. Quanto a esta violência, assim se posiciona Dias (2007, p. 46): “Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão que define a violência física”. Os crimes assim descritos encontram tipificação no Código Penal, nos Capítulos I e II da parte especial. Especialmente, o art. 129, do mesmo códex, prevê em sua redação, no § 10º, causa de aumento de pena de 1/3 (um terço), aos crimes praticados contra as pessoas elencadas em seu § 9º, que traduz ocorrência de violência doméstica.


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Quanto à violência psicológica, descrita no inciso II, é a forma mais frequente e mais subjetiva das violências, até pela dificuldade de atentar-se que ela se configura como tal. A vítima, muitas vezes, nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e deve ser denunciada (DIAS, 2007, p. 48). Nessa modalidade, não é necessário laudo técnico ou perícia, até mesmo por conta de sua inviabilidade, uma vez que as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de pronto pelo juiz. Em relação com o Código Penal, a violência psicológica tem fulcro no art. 61, inciso II, alínea “f”, como causa agravante, quando não constituem ou qualificam o crime, não obstando os crimes de ameaça (art. 147), extorsão (art. 518), constrangimento ilegal (art. 149), sequestro e cárcere privado (art. 148), dentre outros. É relevante o posicionamento de Nucci (2006, p. 867): Quanto à violência psicológica, esta deve ser apreciada com cautela, uma vez que o legislador, ao conceituá-la, estendeu demais as hipóteses; temos que qualquer crime é capaz de gerar dano à vítima, independente do sexo. Dessa forma, não podemos ter uma agravante demasiadamente aberta, vale dizer sempre que se a pessoa ofendida for mulher deveremos aplicar a agravante de crime cometido com violência contra a mulher na forma da lei específica, prevista na nova redação do art. 61, II, “f”, do Código Penal.

Tocante à violência sexual (III), é caracterizada como uma forma de violência física de gênero, atentória à liberdade sexual da mulher originada das diferenças de gênero, sob a forma de desigualdade já referida. A violência sexual masculina nada mais é do que mais uma forma de controle das mulheres, de caráter pessoal, porém (CAMPOS, 2007, p. 279). No Código Penal Pátrio, vem tipificada nos crimes com previsão nos artigos 213 a 234, os quais cuidam dos crimes contra os costumes, e liberdade sexual, mais especificamente. Referente a esta violência, é o entendimento de Nucci (2006, p. 867): Quanto à violência sexual, a definição é ampla, envolvendo desde o constrangimento físico até a indução ao comércio da sexualidade, além de outras formas, sendo que muitas destas já estão previstas no Código Penal como agravantes, como o artigo 61, inciso II, alínea “e” ou como causas de aumento, artigo 226, inciso II. Entretanto, no caso dos delitos de lenocínio e tráfico de pessoas, pode-se aplicar a agravante do artigo 61, inciso II, alínea “f”, parte final, uma vez que a potencial e comum vítima desses delitos é a mulher, devendo cuidar do caso com maior severidade.


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A violência patrimonial, por sua vez, prevista no inciso IV, tem suporte no Capítulo dos delitos contra o patrimônio, como furto, dano ou apropriação indébita, do Código Penal vigente. Nessa forma de violência, vale ressaltar o apontamento de Dias (2007, p. 52): A partir da nova definição de violência doméstica, assim reconhecida também violência patrimonial, não se aplicam as imunidades absolutas ou relativas dos arts. 181 e 182 do Código Penal, quando a vítima é mulher e mantém com o autor da infração vínculo de natureza familiar. Não há mais como admitir o injustificável afastamento da pena ao infrator que pratica um crime contra seu cônjuge ou companheira, ou, ainda, algum parente do sexo feminino.

Além de não mais se aplicarem as imunidades, se os crimes forem praticados contra a mulher com quem o agente mantenha vínculo familiar ou afetivo, irá incidir a agravante do art. 61, II, “f” do Código Penal. Finalmente, tem-se a violência moral com previsão no inciso V, sendo amparada pelo Código Penal Brasileiro nos arts. 138, 139 e 140, os quais retratam a calúnia, a difamação e a injúria, respectivamente. Os mencionados delitos são tidos como atentados contra a honra, mas sua ocorrência em âmbito familiar configura-se como violência doméstica ou familiar de ordem moral. Diante disso, analisando de forma geral o art. 7º desta Lei, cumpre salientar que seu rol não é exaustivo, de forma que outras condutas podem ser enquadradas como violência doméstica e familiar. Quanto aos delitos e penas, pode-se constatar que a Lei nº 11.340/06 não possui tipos penais próprios, quando, então, são remetidos aos casos comuns já existentes no Código Penal Brasileiro, acrescentando-lhes circunstâncias qualificadoras ou agravantes e modificando penas. Importante, ainda, ressaltar que apenas será violência doméstica e familiar contra a mulher quando alguma das formas previstas no art. 7º for perpetrada numa das situações do art. 5º, ambos da Lei sob comento. A partir dos apontamentos aludidos, pode- se perceber que a Lei nº 11.340/06 não cria novos tipos penais, no entanto, traz dispositivos que complementam os tipos préestabelecidos, como alteração de pena (art. 44) e previsão de nova agravante (art. 43). Sendo assim, a tipificação dos crimes e suas penas deverão ter respaldo no Código Penal.


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2.3.3. Definição dos sujeitos ativo e passivo da violência doméstica e familiar contra a mulher

Pode-se facilmente constatar que o diploma legal em comento objetiva tutelar a mulher vitimada por agressão decorrente de violência doméstica e familiar; por conseguinte, não abrange a violência da mulher contra o homem, sendo, neste caso, o tratamento legal o normal, incidindo, assim, as regras previstas no Código Penal e no Código de Processo Penal. Quanto às vítimas das agressões, Dias (2007, p. 41) lembra que: a empregada doméstica, que presta serviço a uma família, está sujeita à violência doméstica. Assim, tanto o patrão como a patroa podem ser os agentes ativos da infração. Igualmente, desimporta o fato de ter sido o neto ou a neta que tenham agredido a avó, sujeitam-se os agressores de ambos os sexos aos efeitos da Lei.

Quanto às agressões perpetradas contra a empregada doméstica, Jesus e Santos consideram somente aquelas que residem no imóvel da família, pois tal situação as torna mais suscetíveis de violência de membros empregadores, naturalmente pelo grau de intimidade que possuem com a família, ou seja, faz-se necessário que o empregado goze de um vínculo contínuo para que sejam receptoras da especial tutela legal quando venha a ocorrer a violência (JESUS apud NASCIMENTO, 2007). No que diz respeito ao sujeito passivo da agressão, houve uma surpreendente inovação advinda com a Lei Maria da Penha, em seu art. 5º, parágrafo único, ao dispor que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (BRASIL, 2006), pois, até o advento desta lei, existia uma resistência do legislador em enfrentar a questão da união homoafetiva, especialmente posterior ao Código Civil de 2002 que não fez referências ao tema. Ainda, no que diz respeito ao sujeito passivo da violência doméstica, encontram-se, de acordo com o entendimento de Dias (2007, p. 41) que podem ser, aqui, enquadrado as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Segundo aduzem Cunha e Pinto (2007, p. 33): Portanto, de forma até então inédita em nosso ordenamento jurídico, prevê que as medidas de caráter penal e civil aplicadas para tutelar direitos da mulher, sejam aplicadas às uniões homossexuais, permitindo, inclusive, por exemplo, o afastamento do lar da agressora (art. 22, II), a fixação de alimentos (art. 22, V), dentre outras.


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Neste diapasão, pode-se perceber que o legislador teve a preocupação de definir quem seria o sujeito passivo tutelado pela Lei nº 11.340/06, sem se atentar, por conseguinte, com o gênero do sujeito ativo, o qual pode ser homem ou, ainda, uma outra mulher.

A LEI MARIA DA PENHA E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

3. A (IN)APLICABILIDADE DA LEI Nº 9.099/95

3.1. A CRIAÇÃO DA LEI Nº 9.099/95

Anteriormente à Constituição Federal de 1988, o sistema penal, no Brasil, encontravase em crise, já que o Poder Judiciário estava bastante carregado com a quantidade das demandas penais que surgiam, apresentando uma estrutura incompatível para tanto. Tal fato desencadeou um movimento a fim de implementar um sistema que pudesse garantir maior efetividade do processo penal. Para Fernandes (2005, p. 188), através de estudos realizados pela Criminologia, foi constatado que não há possibilidade do Estado perseguir e punir os infratores com igualdade, devendo, portanto, considerar a gravidade da infração praticada. Assim, delitos de menor potencial ofensivo poderiam ser solucionados de forma mais célere através de institutos, como a transação penal, a composição civil dos danos etc. Em decorrência, os delitos de maior gravidade poderiam ser apreciados com maior eficiência pelo Estado, trazendo uma maior eficácia ao combate à criminalidade. Tendo como norte esta realidade, é que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1998, no inciso I, de seu art. 98, trouxe a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Para efeitos desta Lei, vem o art. 61 definir o conceito de crime de menor potencial ofensivo, o qual abrange as contravenções penais e os crimes de pena máxima cominada não superior a 02 (dois) anos, podendo ser cumulada ou não com multa. Assim, a Lei nº 9.099/95 foi inserida na ordem legislativa criminal com o escopo de desafogar o sistema judiciário, desta feita, privilegiando a utilização de um procedimento de


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maiores simplicidade e celeridade, além de viabilizar uma aplicação de penas que pudesse ter um caráter mais social e menos punitivo. A adoção deste procedimento, simples e célere, veio permitir a punibilidade para os crimes de menor gravidade, uma vez que os mesmos, por vezes, eram prescritos pela não obtenção de uma resposta em tempo hábil do Poder Judiciário. Todavia, vale salientar que a possibilidade de se aplicar penas alternativas, mais brandas, não desestimulou a prática da violência doméstica, já que os crimes de lesão corporal leve e culposa, previstos no art. 129, respectivamente, no caput e no § 6º, e o crime de ameaça, com previsão no art. 147, todos do Código Penal Brasileiro, são passíveis de aplicação de institutos, tais como a composição civil dos danos, a transação penal ou a suspensão condicional do processo, os quais não surtem o efeito desejado em diversas situações. Cabe, ainda, salientar que, em 2002, a Lei nº 9.099/95 foi alterada na parte final do parágrafo único do art. 69 da Lei nº 10.455/02, dispondo sobre a possibilidade de que, após a lavratura do termo, o autor do fato seja imediatamente encaminhado ao juizado ou assuma o compromisso de a ele comparecer, nem se exigindo fiança; além disso, prevê, em caso de violência doméstica, a possibilidade de que o juiz determine, como medida cautelar, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. Ao inserir essa possível medida de cautela, o legislador demonstrou-se preocupado com a violência doméstica, porém, esta inserção não foi suficientemente capaz de modificar o cenário de violência ao qual o Brasil estava submetido. Contrapondo-se aos posicionamentos de que a Lei nº 9.099/95 não cumpriu a finalidade concernente ao combate às violências domésticas, reclamando a promulgação da Lei Maria da Penha que deixa, de forma clara, este repúdio em inúmeros dispositivos, é pertinente a crítica feita por Porto (2006), a saber: O fato dos juizados especiais aplicarem penas alternativas, não os tornam tolerante ou, ainda, ineptos. Para tanto, resolveria estabelecer regras que atuassem no âmbito da violência doméstica, aumentando a severidade da resposta a esses tipos de agressões e, por outro lado, não haveria o desmerecimento de um sistema recém criado que ainda não atingiu sua plenitude. Ainda quanto à previsão da instalação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, diante da sua magnitude, somente se encontra viável nos grandes centros, locais em que a demanda justificaria sua implantação.

E mais, embora feliz o intuito da criação dos juizados especiais, a Lei nº 9.099/95 não será aplicada aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, independendo da pena prevista, conforme previsão expressa do art. 41 da Lei Maria da Penha.


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Acerca da competência dos Juizados Especiais Criminais, retirando-se os crimes cometidos em atos de violência doméstica, a Lei nº 11.340/06 vetou, ainda, as penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, além da substituição de pena por pagamento isolado de multa, como sanção aos agressores. Assim fez o legislador, a fim de buscar uma sanção menos branda aos autores da violência doméstica. Vedou a aplicação nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. A intenção é ver o agressor cumprir pena de caráter pessoal, isto é, privativa de liberdade ou restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana ou interdição temporária de direitos), mais adequada ao tipo de crime (e autor) em análise (CUNHA; PINTO, 2008, p. 116). Uma grande polêmica em torno da vedação da aplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos crimes com enquadramento na Lei Maria da Penha diz respeito à configuração dos mesmos enquanto contravenções penais, ao exemplo das vias de fato; das perturbações de sossego e de tranquilidade; e da importunação ofensiva ao pudor. Em tais hipóteses, há certos doutrinadores com o entendimento de que, restando a referência do art. 41, de forma específica, aos crimes, estariam as contravenções penais sujeitas apenas ao art. 17, submetendo-se, igualmente, a competência dos Juizados Especiais Criminais. Neste sentido, menciona Fuller (2007, p. 15) que: a aplicação dos institutos da Lei 9.099/95 (notadamente a transação penal e a suspensão condicional do processo) se restringe aos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher e, por isso, não alcança quaisquer contravenções penais, ainda que sujeitas ao regime jurídico da Lei 11.340/06.

Entretanto, é pacífica a compreensão da jurisprudência, contrapondo-se a esse entendimento, a qual, ainda que se trate dos casos de ocorrência de contravenção penal, exclui a inaplicabilidade dos institutos contidos na Lei dos Juizados Especiais; é o que se segue: A competência para processar e julgar conflitos envolvendo violência doméstica, ainda que se cuide de contravenção penal de vias de fato, é do Juizado Comum, uma vez que não incide, a teor do artigo 41 da Lei Maria da Penha, a legislação que trata dos Juizados Criminais (Lei 9.099/95). (TJRS, Conflitos de Competência 70019961077, Rel. Manoel José Martinez Lucaz, j. 29.08.2007, DJ 11.09.2007) Embora a denúncia tenha atribuído ao paciente a prática do crime de ameaça, punido com pena detentiva de 01 a 06 meses, isso não faz com que a competência para seu processamento recaia no Juizado Especial Criminal. Isso porque o artigo 41 da Lei


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11.340/06 preconiza que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95”. (TJRS, HC 70020690764, Rel. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira, j. 08.08.2007, DJ 27.09.2007)

Porém, em paralelo ao questionamento relacionado ao cabimento ou não das contravenções penais em sujeição ao Juizado Especial Criminal, é trazido a tona o debate referente à constitucionalidade do art. 41. Consideram, assim, que este artigo estaria em confronto com a previsão do art. 98, inciso I, da Constituição Federal Brasileira, o qual prevê a criação dos Juizados Especiais para julgar infrações penais de menor potencial ofensivo. Entende Moreira apud Martini (2009) que subtraindo a competência dos Juizados Especiais Criminais, a referida lei incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois a competência determinada expressamente pela Constituição Federal não poderia ter sido reduzida por lei infraconstitucional. Todavia, cabe ao legislador infraconstitucional indicar a definição do que possa constituir uma infração penal de menor potencial ofensivo, o que fez, de fato; primeiro, através da Lei dos Juizados Especiais e, depois, com a Lei 11.313/06, ampliando, assim, o conceito ora comentado. Nada impede, portanto, que o legislador infraconstitucional inclua ou retire determinada conduta do âmbito dos Juizados. Aliás, a própria Lei 9.099/95 contempla duas exceções, ao prever que é afastada a competência dos Juizados, previstas nos arts. 77, § 2º e 66, parágrafo único (CUNHA; PINTO, 2007, p. 212). Ratificando entendimentos nesta diretriz, há julgados, majoritariamente, que reconhecem a constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, sob o fulcro de existir, no mundo fático, desigual tratamento entre homens e mulheres, o que, de certo modo, enseja um tratamento desigual diante da lei. Além do mais, conforme Campos e Corrêa (2007, p. 502): “considerar que crimes com violência doméstica e familiar contra a mulher possam ser definidos como infrações de menor potencial ofensivo atenta contra o bom senso e dignidade da pessoa humana”. Portanto, a regra é a total inaplicabilidade da Lei 9.099/95 quanto aos crimes e às contravenções penais acometidas em face da mulher no âmbito doméstico, até mesmo no que concerne aos benefícios lá previstos, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo.


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Igualmente, afastando-se a competência dos Juizados Especiais Criminais, resta também a competência da Turma de Recursos a fim de julgar casual discordância, para a qual, deve, por conseguinte, ser encaminhada ao Tribunal de Justiça do Estado competente.

3.1.1. Princípios Fundamentais dos Juizados Especiais

A Lei dos Juizados Especiais, justamente por vislumbrar uma resposta mais célere da Justiça aos seus jurisdicionados, baseia-se nos Princípios da Oralidade, Informalidade, Economia Processual e Celeridade. Referenciando-se pela própria Lei sob comento, o Princípio da Oralidade pode ser entendido como a exigência precípua da forma oral no tratamento da causa, porém, a forma escrita deve ser utilizada diante da necessidade de documentação a respeito do processo; o Princípio da Informalidade, por sua vez, implica numa interpretação ponderada, prescindindo um formalismo exagerado para a consolidação do ato a fim de que atinja sua finalidade; o Princípio da Economia Processual consiste em eliminar ou simplificar os atos, desde que não ofenda aos Princípios Fundamentais Constitucionais, por meio do qual resta impossível adiar os atos; e o Princípio da Celeridade, por fim, como resultado da aplicação dos Princípios anteriores, enseja a busca de uma resposta rápida aos conflitos que possam surgir.

3.1.2. Institutos despenalizadores

A Lei dos Juizados Especiais, qual seja, a de nº 9.099/95, trata da possibilidade de se aplicar certos institutos, como a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, os quais, provavelmente, devem ter sidos os encarregados de afastar esta Lei aos crimes perpetrados com violência doméstica e familiar em face da mulher, merecendo, assim, uma breve análise acerca do que venha a ser cada um deles.


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3.1.2.1. Composição dos danos civis

A composição civil vem a ser contemplada nos arts. 72 a 75 da Lei nº 9.099/95. Assim, quando há ocorrência de um ilícito penal de menor potencial ofensivo, abre-se a possibilidade de uma composição civil, impedindo a propositura de uma ação penal condenatória que, de acordo com Assis (2005, p. 67-68), trata-se de uma das grandes inovações da Lei, eis que ocorre antes da propositura da ação penal, sendo o conflito resolvido mediante a conciliação das partes, Estado, autor do fato, vítima e a coletividade. A composição civil figura como uma conciliação, podendo ser realizada até a audiência de instrução e julgamento, porém antes de formulada a acusação. Karam (2004, p. 109-110), em outras palavras, considera ter sido a inovação mais significativa, já que, ocorrendo a homologação do acordo, a sentença terá eficácia de título executivo, havendo, por conseguinte, a satisfação do direito, tendo como efeito o impedimento da propositura da ação penal condenatória e, desta forma, haverá a exclusão da possibilidade de aplicação de pena como resposta ao cometimento da infração penal, quando esta for de menor potencial ofensivo em que a demanda propulsora da pretensão punitiva deva ser apresentada em ação penal condenatória de iniciativa do ofendido ou condicionada à representação. Salienta, ainda, Karam (2004, p. 111-112) que a apreciação da causa civil quanto à reparação do dano resultado da conduta do réu em praticar um ilícito civil e a infração penal foi atribuída ao juízo criminal, atendendo aos princípios da Lei nº 9.099/95, quais sejam à economia processual e à celeridade, são estes claramente percebidos na ocasião da audiência preliminar, na qual não havendo a composição dos danos civis, poderá ser imediatamente proposta a ação penal condenatória, conforme dispõe o art. 75 e seguintes da Lei ou, também, poderá iniciar o processo penal a posteriori, em estrita observância ao prazo de decadência a fim de propor ação penal privada ou condicionada à representação. Quanto à ação penal de iniciativa do ofendido, ainda que frustrada a tentativa de composição civil dos danos na audiência preliminar, momento em que o processo será extinto sem resolução do mérito, abre-se, assim, a uma última tentativa de conciliação, conforme supramencionado, no transcorrer da ação penal condenatória, ao ser iniciada a audiência de instrução e julgamento. Neste instante, pode-se, simultaneamente, promover nova ação para a composição civil.


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Neste sentido, restando a mesma satisfatória, será, então, proferida uma sentença homologatória, com a extinção do processo, ensejando extinta a punibilidade na ação penal condenatória. Porém, a composição aqui atingida implicará não mais a renúncia ao direito de ação penal condenatória, mas equivalente ao perdão, consistindo, pois, na renúncia ou desistência ao prosseguimento do feito. No que diz respeito à ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação, a composição civil promovida na audiência de instrução e julgamento da ação penal condenatória não surtirá efeitos idênticos, já que, ao se conceder autorização ao Ministério Público, este terá legitimidade para atuar com independência, igualmente na ação penal incondicionada, em observância ao Princípio da Obrigatoriedade e da Indisponibilidade, forma na qual o processo segue seu trâmite. Cabe ainda ressaltar que, acerca do âmbito de admissibilidade, a composição civil será admitida nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada, nas quais, o acordo homologado enseja a renúncia ao direito de queixa ou de representação, restando extinta a punibilidade, além nos de ação penal pública incondicionada, na qual a homologação do acordo civil não impede que seja aplicada pena ao infrator, muito menos o prosseguimento do feito, conforme os dispostos pelos arts. 77 e seguintes da Lei dos Juizados Especiais.

3.1.2.2. Transação penal

O instituto da transação penal, previsto no art. 76 da Lei nº 9.09/95, pode ser compreendido como o ato jurídico por meio do qual o autor do fato e o Ministério Público, após atenderem os requisitos legais, acordam, na presença do magistrado, em concessões recíprocas a fim de prevenir ou extinguir o conflito implantado com um fato típico, mediante cumprimento de uma pena ajustada consensualmente. Segundo Grinover et al. (2005, p. 149-150), nas ações penais públicas, encerrada a tentativa de conciliação civil, com ou sem êxito, na mesma oportunidade, será proposta transação penal. A princípio nada dispõe sobre a possibilidade de transação penal na ação de iniciativa do ofendido, quando sem êxito a composição civil, restando a este apresentar queixa ou ficar inerte, não iniciando a persecução penal. Acerca da possibilidade de se propor a transação penal pelo ofendido, nos crimes de ação penal privada, existe o entendimento de que é possível que o magistrado faça


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interpretação analógica do quanto disposto pelo art. 76, visto que pode ser mais benéfico não só ao autuado, mas, de certo modo, também à vítima. Seguindo este artigo, deparando-se o Ministério Público com uma conduta penal de menor potencial ofensivo, desde que no caso de ação penal pública incondicionada ou com a representação do ofendido, poderá fazer valer a pretensão punitiva do Estado, solicitando ao magistrado a aplicação antecipada da pena não privativa de liberdade, ou seja, aplicação de pena restritiva de direitos ou multas, desde que com o consentimento do infrator. Não havendo a concordância do infrator, o processo prosseguirá até a sentença, a qual poderá fixar uma pena não privativa de liberdade, como também, uma pena privativa de liberdade (KARAM, 2004, p. 86-87). Tendo em vista a hipótese supracitada, o Ministério Público, baseando-se no termo circunstanciado, irá oferecer denúncia oral, a qual será reduzida a termo, com a entrega de uma cópia ao acusado que, assim, estará citado e cientificado quanto à audiência de instrução e julgamento, segundo o disposto nos arts. 77 e 78 da Lei dos Juizados Especiais. Se houver ausência do acusado, a citação se procederá conforme os arts. 66 e 68 da mesma Lei. Assim, para que o acusado possa se beneficiar com a transação penal, o mesmo deve atender às condições estabelecidas pelo art. 76, § 2º e incisos, as quais mencionam as formas que impedem a proposta e sua homologação. Segundo Assis (2005, p. 84): Em relação à aceitação da proposta de transação penal, será esta homologada, desde que expressamente aceita pelo infrator e na presença de seu advogado, visto que o infrator deve ser orientado sobre as consequências da transação e sobre as possibilidades de, em uma eventual instauração da ação penal, ser comprovada sua inocência e, assim, não ter que cumprir pena, seja ela restritiva de direito ou privativa de liberdade.

É

pertinente

a

ressalva

quanto

a

possíveis

questionamentos

acerca

da

constitucionalidade deste instituto ora abordado, ao se considerar que o mesmo estaria ferindo o Princípio do Devido Processo Legal, o Princípio da Igualdade Processual, além do Princípio da Presunção de Inocência, os quais encontram respaldo, respectivamente, nos arts. 5º, LIV; 5º, caput e § 1º; 5º, LVII, todos da Constituição Federal de 88. Entretanto, conforme Assis (2005, p. 75-76), tal alegação resta prejudicada, uma vez que a Constituição Federal prevê tanto o princípio do devido processo legal, como também a transação penal, quanto ao princípio da presunção de inocência: a transação penal não importa em qualquer reconhecimento de culpa, tanto que o art. 76, § 4º, da Lei nº 9.099/95 dispõe que


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a transação penal não importará em reincidência, sendo anotado somente no registro criminal para impedir que haja nova transação no período de cinco anos. Por fim, não possui embasamento a justificativa de não observância ao princípio da isonomia, visto que, mesmo não havendo a composição civil, poderá o infrator, nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada, ser beneficiado pela transação penal, havendo tão-somente os impedimentos previstos no art. 76, § 2º e seus incisos. Entende Karam (2004, p. 99) que: A decisão proferida pelo magistrado, na apreciação da proposta de transação penal e sua aceitação pelo infrator, consistirá em sentença homologatória da transação, sendo equiparável à sentença de mérito, impedindo que o conflito já solucionado seja objeto de nova demanda, produzindo efeitos de coisa julgada material, tendo eficácia de título executivo judicial.

No que concerne ao descumprimento da sentença homologatória da transação penal, tomando por base a aplicação de pena restritiva de direito, várias divergências surgem acerca de suas consequências. Contudo, Assis (2005, p. 89) entende que “a posição que melhor se coaduna é a do Superior Tribunal de Justiça, o qual considera que tão-somente caberia a execução do acordo, mas não disciplina como ocorreria esta execução.” Considerando a questão referente ao descumprimento da pena de multa, e os entendimentos supracitados, depreende-se que Karam e Assis convergem em seus posicionamentos, compreendo, assim, que o art. 51 do Código Penal Pátrio deve ser aplicado, considerada a multa, aqui, uma dívida de valor, impondo-se, assim, às normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública no que diz respeito à execução, com a desconsideração do que dispõe o art. 85 da Lei dos Juizados Especiais.

3.1.2.3. Suspensão condicional do processo

A Lei nº 9.099/95 disciplina em seu art. 29 e parágrafos o instituto da suspensão condicional do processo, o qual, para ser concedido, precisa atender os requisitos previstos em lei. Segundo entende Grinover et al (2005, p. 252-253): A suspensão do processo, prevista no art. 89 da Lei em comento, não deve ser confundida com o sursis; este se refere à suspensão condicional da execução da pena, quando há a instauração de um processo, sendo realizada a instrução criminal


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e, ao final, se convencendo o juiz pela condenação, poderá suspender a execução da pena. Na suspensão do processo, o que se suspende é o processo, no momento do oferecimento da denúncia, em princípio é oferecida a proposta, que sendo aceita pelo acusado, autoriza a suspensão do processo pelo juiz. Havendo o cumprimento das condições fixadas na proposta, pelo acusado, sem a ocorrência da revogação, no final do prazo de prova será declarada extinta a punibilidade.

Karam (2004, p. 179) atenta para o fato de que a sentença declaratória da extinção de punibilidade pode ser considerada como simples declaração de extinção do processo, em razão de estar satisfeita a pretensão punitiva. Entretanto, não resta dúvida de que a extinção do processo apenas acontecerá se atendidas as condições estabelecidas dentro do período de prova, sob pena de que a suspensão seja revogada e o processo prossiga até a sentença. Certo é que não só a proposta, como também a concessão da suspensão condicional do processo configuram em direitos do acusado, constituindo um dever do Ministério Público e do magistrado de conceder o benefício, desde que preenchidos os requisitos legais. É pertinente salientar que existe, na suspensão condicional do processo, uma espécie de transação, já que, ao oferecer a proposta, o Ministério Público vai dispor acerca da persecução penal e o acusado de seus direitos e garantias, assim como no devido processo legal e na ampla defesa, a fim de extinguir a punibilidade (ASSIS, 2005, p. 95). Todavia, existe a crítica no que diz respeito à disponibilidade da persecução criminal pelo Ministério Público, ao propor a suspensão condicional do processo, já que a regra é a de que deve atuar observando o princípio da indisponibilidade da ação penal. Porém, deve ser considerado o regramento ao princípio da oportunidade, previsto pela Lei nº 9.099/95, com a pretensão de evitar a estigmatização derivada do processo. Deve-se considerar as condições que cercam todo o procedimento a fim de possibilitar a concessão deste instituto, visando a sua segurança jurídica (GRINOVER et al., 2005, p. 258-259). Por fim, no que tange ao instituto sob comento, vale mencionar que o mesmo apresenta vantagens e desvantagens. O caso, por exemplo, do acusado que aceita a suspensão, entra no período de prova e, neste ínterim, ocorre a revogação, pode ser considerado como desvantagem, pois pode haver prejuízo para as provas, especialmente quanto à localização da vítima e das testemunhas, que podem ter transferido a residência. Disso decorre a oitiva das testemunhas anos após a ocorrência dos fatos, devido ao lapso temporal demasiado pela presença deste acontecimento no decorrer do processo, como geralmente ocorre. Entre as vantagens, há o fato de não haver instrução, nem sentença; logo, não que se mencionar uma inserção do nome do acusado no rol de culpados – pressuposto da reincidência, antecedentes criminais, entre outros – assim como não haverá reprodução dos


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fatos, viabilizando, deste modo, economia à Justiça, além de benefício ao acusado, à vítima, e às testemunhas. Com isso, é dado ao Estado maior tempo para se atentar às infrações de natureza grave, e ao acusado é favorecida sua ressocialização, ao evitar seu contato com os presídios.

3.1.3. Motivos que determinam a não incidência dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher

Nos últimos anos, em decorrência do alto índice de violência doméstica perpetrada contra a mulher, foi constatado que a Lei dos Juizados Especiais não contribui efetivamente a fim de reduzir estes números, o que pode ser explicado pela incapacidade dos seus institutos para desestimular os agressores, ou até mesmo pela má aplicação de tais institutos aos casos concretos. É pertinente retomar o que dispõe o art. 41 da Lei nº 11.340/06 quanto à inaplicabilidade da Lei nº 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como o art. 17 da mesma Lei que veda, em tais casos, a aplicação de penas de cestas básicas ou outras de prestação pecuniária, ou o pagamento isolado de multa, para entender que, com isso, teve o legislador o objetivo de enrijecer a resposta aquele agressor que comete crimes assim. De um modo mais simplificado, poder-se-ia mencionar que aceitar a incidência da Lei dos Juizados a pratica de crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher significaria um lugar comum, pois, com tal medida, restaria banalizada a aplicação dos institutos previstos na mesma, uma vez que, para agredir a companheira, bastaria pagar ou doar cestas básicas, com a homologação de acordos que, desta feita, iriam fomentar a violência. O fato de que a Lei nº 9.099/95 viabiliza a composição dos danos civis, a transação penal e a suspensão condicional do processo, ainda que não dispense que alguns requisitos sejam preenchidos, permite, contudo, que o agressor tenha sentença homologatória de extinção da punibilidade, desconsiderando a reincidência desta. Assim, pode-se compreender que o ponto crucial para afastar a incidência da Lei nº 9.099/95 reside na questão de que, visando uma resposta mais célere do Poder Judiciário, seus institutos beneficiam excessivamente o agressor, sem solucionar, por vezes, o caso concreto, sendo, pois, ineficazes para combater novos delitos, já que o agressor não precisa produzir


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provas que comprovem sua inocência, sem contar que pode, ainda, ser beneficiado com uma pena restritiva de direitos, prevista no Código Penal em seu art. 44 e parágrafos, caso volte a cometer um novo crime. Neste diapasão, pode-se concluir que a Lei Maria da Penha teve a pretensão de que ao réu acusado da prática de crimes resultantes da violência doméstica e familiar acometida em face da mulher fosse, na hipótese de condenação, aplicado uma pena capaz de fazê-lo se sentir afligido com a sanção penal imposta a fim de demover do mesmo a ideia de persistir na prática de infrações penais desta espécie.

3.2. AÇÃO PENAL

À medida que o Estado passou a proibir os cidadãos de fazerem justiça pelas próprias mãos, inadmitindo, assim, a autodefesa, surgiu a necessidade de oferecer ao indivíduo instrumentos capazes para reclamar o que é, de direito, seu, através, por exemplo, do exercício do direito de ação, consagrado no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Conforme leciona Mirabete (2003, p. 371), a ação penal desenvolve-se por meio do processo, subordinando-se às condições previstas em lei, apenas será possível a instaurar a ação penal se presentes essas condições, as quais, a contrario senso, estão disciplinadas no art. 43 do CPP. Somente será admitida se o fato for típico, se não estiver extinta a punibilidade por qualquer causa, se for legítima a parte e se estiverem preenchidos os requisitos específicos para o exercício do direito da ação penal. Neste estudo, a ação penal tratada é, em regra, pública, segundo o disposto pelo caput do art. 100 do Código Penal, a qual pode ser condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça. Todavia, a ação penal pode, também, ser de iniciativa privada personalíssima, ou, ainda, de iniciativa privada subsidiária da pública. Considerando este contexto, o interesse maior está em abordar acerca da ação penal pública incondicionada, bem como da ação penal pública condicionada à representação do ofendido, conforme se segue adiante.


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3.2.1. Ação penal pública incondicionada

O titular da ação, na pública incondicionada, conforme aduz o art. 24 do CPP, é o Ministério Público. Independendo de quem quer que seja manifestar sua vontade, basta apenas indícios de autoria e da prova de materialidade do fato para que a ação seja proposta. Nestes casos, o Ministério Público, observando o Princípio da Obrigatoriedade, deve, segundo o art. 5º, II, da Constituição Federal, propor a ação penal. Deste modo, conforme entende Rangel (2001, p. 145), não pode o Ministério Público se abster da propositura desta ação por motivo de política criminal ou qualquer outro sem previsão legal, pois sendo o fato típico, contrário à lei penal e culpável, bem como presentes as condições exigidas por lei para o exercício da ação penal, tais como legitimidade, interesse de agir, possibilidade jurídica e justa causa, a ação deve ser proposta. Além do Ministério Público, a obediência ao Princípio da Obrigatoriedade quanto à propositura da ação, quando possível, deve consistir num dever, não podendo desta dispor, configurando-se, por conseguinte, em concordância ao art. 42 do CPP, no Princípio da Indisponibilidade. Vale salientar, de acordo com o entendimento de Prado (2002, p. 661), que qualquer pessoa pode provocar a iniciativa do membro do Ministério Público, bastando, para tanto, apenas fornecer, por escrito, informações que viabilizem a ação deste, como a conduta e sua autoria, local de ocorrência do fato, o momento, além dos elementos de convicção, segundo o que aduz o art. 27 do CPP. Considerando, ainda, a lição de Prado (2002, p. 663), o fundamento para a propositura da ação penal pública incondicionada reside no fato da infração penal praticada pelo indivíduo ter afetado o interesse geral da sociedade de forma relevante, ensejando ao Estado o dever de exercer sua atividade jurisdicional.

3.2.2. Ação penal pública condicionada à representação

Considerada, igualmente, uma ação penal pública, tendo também o Ministério Público como titular, no entanto, neste caso, deve a vítima ou seu representante legal oferecer


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representação, isto é, autorizar ao membro do parquet que proponha a ação, configurando, assim, um requisito de procedibilidade. Sem a representação, o Poder Judiciário não pode ser acionado para apreciar o litígio. O motivo do requisito de procedibilidade na ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou de seu representante legal fundamenta-se na própria agressão sofrida, uma vez que, certas vezes, o crime afeta a esfera de intimidade da vítima de tal forma que o Estado respeita com o intuito de evitar que o processo se torne ainda mais doloroso para esta do que para seu agressor (CAPEZ, 2005, p. 522). São como os casos nos quais a vítima prefere ver seu agressor impune a ter que se expor à propositura de uma ação que pode prolongar seu sofrimento ainda mais. No mais, segundo o entendimento de Mirabete (2003, p. 373), a representação não tem uma forma estabelecida, podendo ser oferecida desde que a vítima ou seu representante legal venha manifestar sua intenção de forma inequívoca, passando, desta feita, ao Estado o poder de desencadear a persecução penal. Cabe ressaltar que, ao ser oferecida a representação, irá desaparecer a possibilidade de desistência da vítima de ver seu agressor processado, pois a retratação apenas pode ocorrer até que a denúncia seja oferecida, segundo regram o Código Penal, em seu art. 102, e o Código de Processo Penal, em seu art. 25. Em consequência, com base no art. 107, VI, do CP, restará a causa extinta de punibilidade. Por fim, vale mencionar a previsão aduzida pelo art. 16 da Lei nº 11.340/06 acerca da renúncia à representação, a qual pode acontecer antes do recebimento da denúncia, isto é, em momento diferente do que determinam o Código Penal e o Código de Processo Penal.

3.3. DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO DO ARTIGO 16 DA LEI Nº 11.340/06

Segundo o art. 16 da Lei Maria da Penha, cabe à vítima, antes de recebida a denúncia pelo magistrado, a possibilidade de oferecer renúncia à representação manifestada. Conforme Dias (2007, p. 113), a representação trazida pela Lei nº 11.340/06 tem efeito quando do registro da ocorrência, oportunidade na qual as declarações da vítima são levadas a termo pela autoridade policial, o que consta do seu art. 12, inciso I. Assim, a posterior manifestação da vítima, perante o juiz, de não mais querer que a ação seja instaurada pode ser entendida como retratação à representação.


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O art. 25 do CPP estabelece que “a representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia”. Tal afirmativa distingue-se, pois, do que aduz o art. 16 da Lei em comento, uma vez que, segundo esta, a representação poderá ocorrer posteriormente à denúncia, entretanto, desde que seja antes de seu recebimento pelo juiz. Há, todavia, interpretação no sentido de haver obrigatoriedade de audiência no mencionado artigo em tela para que a denúncia, como um ato processual introduzido, seja recebida pelo juiz. Neste sentido, preleciona Cabette apud Martini, 2009: Nos casos de violência doméstica contra a mulher, derrogado o art. 25 do CPP, para alongar o tempo para a retratação (nunca renúncia), teria o legislador criado uma nova formalidade processual antes do recebimento da denúncia, qual seja, a oitiva da vítima para que se manifeste quanto a eventual retratação da representação anteriormente ofertada.

Entretanto, não é este o intuito demonstrado pela Lei nº 11.340/06. A renúncia depende de provocação direcionada ao magistrado, a fim de que este, tendo ciência da pretensão de renúncia por parte da vítima, venha designar uma audiência específica para registro e manifestação dessa vontade. Assim, o art. 16 da Lei Maria da Penha pode ser visto como uma faculdade da vítima de se retratar da representação manifestada em face do agressor, numa tentativa, diversas vezes, de reatar os laços afetivos, exercendo, portanto, um direito a ela conferido pelo art. 3º da própria Lei em comento, o qual trata a respeito da convivência familiar. Uma vez ocorrendo a ausência da vítima na audiência de retratação, depois de informado esse desejo na fase policial, entende-se que, da mesma forma, a ausência deve ser interpretada como uma retratação tácita, mediante a falta de interesse no prosseguimento de eventual ação penal. O entendimento de Cunha e Pinto (2008, p. 115) é o de que insistir na continuidade do feito, mesmo ausente a vítima, importaria em adotar uma medida que iria de encontro ao seu interesse, capaz, portanto, de revigorar situações já pacificadas no seio da família. Fora a dificuldade de ordem prática que poderia se constatar na colheita de prova, diante da nítida intenção da ofendida em livrar seu agressor de quaisquer responsabilidades. Certo é que a própria jurisprudência vem se conflitando acerca da necessidade (ou não) de que a vítima represente a fim de que seja deflagrada a ação penal correspondente, não tendo consolidado uma linha pacífica de entendimentos, mesmo sendo majoritária em se posicionar pela mantença da dependência da manifestação da vítima, se o delito em apreço tiver esta natureza.


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Assim, ainda que a Lei Maria da Penha vise coibir a violência doméstica e familiar, ela demonstrar respeitar a vontade da vítima com o intuito de que não lhe seja suprimida a possibilidade da mesma restaurar a paz no seio familiar. É de grande relevância o comentário de Damásio de Jesus (2006, p. 4) ao discorrer que para se compreender o significado da norma é preciso questionar sua finalidade, qual seja, a ratio legis. E, mais, não resta dúvida acerca da intenção da lei de ser favorável à mulher e não ao seu agressor. Tem-se, de qualquer modo, maior consistência na corrente defensora de que a ação deverá ser pública condicionada à representação da ofendida, sem prejuízo da distinta aplicação.

MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER E A PRISÃO CAUTELAR COM ENFOQUE NA LEI Nº 11.340/06

4. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA DA LEI Nº 11.340/06

4.1. TUTELA DE URGÊNCIA

A Lei Maria da Penha trouxe um rol de medidas protetivas para efetivar os propósitos de sua criação, vislumbrando, assim, a proteção da mulher diante dos diversos tipos de violência doméstica e familiar a qual pode ser acometida. A princípio, cabe salientar que a concessão de tais medidas protetivas está relacionada aos pressupostos do periculum in mora (perigo na demora) e fumus boni iuris (aparência do bom direito), os quais são cumulativos e imprescindíveis para que o magistrado tenha o mínimo de elementos a fim de proferir a decisão, após apreciado o caso concreto. A Lei em comento trata sobre as medidas protetivas de urgência em seus artigos 22 (as que obrigam o agressor), 23 (as que protegem a vítima) e 24 (as de ordem patrimonial), as quais dependem do pedido da ofendida, com a ressalva de que, aos crimes cuja ação penal pública seja incondicionada, a solicitação deverá partir do membro do parquet.


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Tomando por base a medida protetiva de urgência que obriga o agressor, elencada no art. 22, III, alínea “a” da Lei Maria da Penha, é pertinente o posicionamento de Dias (2007, p. 85), o qual acredita que limitar o espaço de aproximação do agressor em relação à vítima não configura constrangimento ilegal, inclusive não infringe o direito, consagrado no art. 5º, XV, da Constituição Federal, de ir e vir, por retratar uma situação que contrasta dois direitos constitucionais, quais sejam, o direito à locomoção e o direito à preservação da vida e da integridade física. No entanto, deve-se limitar à locomoção, em razão da vida, o bem maior. No que diz respeito às medidas protetivas que obrigam o agressor, as que têm como escopo uma obrigação de fazer ou não fazer, a Lei nº 11.340/06 contempla em seu art. 22, § 4º, a possibilidade de se aplicar o Código de Processo Civil, mais precisamente, seu art. 461, §§ 5º e 6º, por prever medidas que possam garantir mais efetividade à determinação do juízo. Neste deslinde, vale frisar que as medidas protetivas não se limitam às previstas pelos artigos 22 a 24 da Lei, já que há previsão de demais medidas de proteção às vítimas, como ocorre, por exemplo, com o que estabelece o art. 9º, em seu § 1º, além de seu § 2º, inciso II. Vale ainda salientar o entendimento de Dias (2007, p. 79) no que concerne à possibilidade de se requerer, perante a autoridade policial, medidas protetivas de natureza cível ou penal, embora tal requerimento e/ou concessão possam ser realizados no recebimento do inquérito policial ou durante a tramitação do processo penal. Também, nas ações de natureza cível, originárias de violência doméstica, propostas pelas vítimas ou pelo Ministério Público, tem o magistrado a possibilidade de determinar que sejam adotadas medidas necessárias para proteger a vítima e os integrantes da unidade familiar. Não menos importante é o art. 21 da mesma Lei, o qual trata de uma medida protetiva ao dispor que a vítima deverá ser informada pessoalmente de todos os atos processuais relativos ao agressor, além de seu ingresso e saída da prisão. Esta previsão tutela, de forma tranquila e direta, a segurança da vítima ao ser informada quando seu agressor ingressará ou se verá livre da prisão. No entanto, entende Souza (2007, p. 113) que: “Não sendo razoável o entendimento de que eventuais obstáculos à realização dessa notificação possam servir de empecilho à libertação do suposto agressor, já que esse não pode ser prejudicado pela ineficiência do Estado.” Além disso, dispõe o próprio art. 21, em seu § 1º, que não pode a vítima, de maneira alguma, ser a portadora das informações ao agressor, já que, em alguns casos, residia a normalidade da incumbência da vítima de notificar seu agressor.


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Acerca da presença de advogado no ato do requerimento e concessão da medida protetiva, segundo o art. 27 da Lei sob comento, resta desnecessária tal presença, até mesmo pela incompatibilidade com a natureza da urgência da medida em questão. No que tange à competência para apreciar tais medidas, a mesma será do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs), com previsão no art. 14 da Lei Maria da Penha, órgãos da Justiça Ordinária, de competência cível e criminal. Porém, na ausência dos JVDFMs, devem as medidas protetivas serem encaminhadas ao juízo criminal a fim de apreciá-las e, ainda, executá-las. Entretanto, no que diz respeito às medidas de trato sucessivo como, por exemplo, a prestação de alimentos, o entendimento é de que o agressor, após intimado e decorrido prazo para recurso, será enviado ao juízo cível ou de família, o qual estará incumbido da execução nos casos em que haja o inadimplemento.

4.2. PROCEDIMENTO DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER

A Lei Maria da Penha, em seu art. 12, estabelece a forma como a autoridade policial deve proceder ao receber, pela vítima, o registro de ocorrência, devendo, então, encaminhar o requerimento das medidas protetivas ao juiz no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas. O mesmo artigo dispõe ainda que o expediente deve abranger o boletim de ocorrência lavrado na ocasião dos fatos, qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes, descrição sucinta dos fatos e das medidas protetivas pretendidas pela vítima, sendo, nesta fase de cognição sumária, prescindível demais documentos que possam demonstrar as alegações com mais clareza e veracidade. Conforme entende Fernandes (2005, p. 311), isso ocorre por conta do caráter de urgência ou, mesmo, de cauteralidade atribuído às medidas protetivas. Analisar as cautelares em geral, providências urgentes com as quais se busca aviar que a decisão da causa, ao ser alcançada, não mais satisfaça o direito da parte, tem o fito de evitar a realização da finalidade instrumental do processo consistente em justa prestação jurisdicional. Ainda normatiza o art. 19 desta Lei, no seu § 1º, a dispensa da oitiva da parte contrária para que as medidas protetivas de urgência possam ser deferidas. Neste sentido, vale ressaltar que tais medidas podem ser aplicadas de forma isoladas ou cumulativamente, podendo, ainda, a qualquer tempo, serem substituídas por outras de


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eficácia maior, sempre que houver ameaça ou violação aos direitos reconhecidos nesta Lei, uma vez que as providências dos artigos não são excludentes, mas compatíveis. Preleciona Hermann (2007, p. 174) que, diferente do art. 12, II, o qual determina que, a princípio, a legitimidade para pleitear medidas protetivas de urgência é exclusiva da ofendida, o art. 19, em sue caput, estende tal legitimidade ao Ministério Público. Atenta, assim, para uma interpretação não contraditória quanto a esta disposição legal, a qual deve ser coerente no sentido de entender que o parquet terá tal legitimidade em caso de impossibilidade da vítima, pois, contrariamente, o pedido feito pelo Ministério Público deve estar instruído por representação da ofendida. Bastos (2006, p. 5) ainda completa que as medidas arroladas são exemplificativas, uma vez que não esgotam o rol de providências protetivas passíveis de adoção, conforme resguardam os arts. 22, § 1º e o caput dos arts. 23 e 24. Vale, também, salientar o tempo de eficácia das medidas de proteção deferidas pelo juiz, as quais não se submetem ao prazo de caducidade estabelecido pelo art. 806 do Código de Processo Civil, que exige a interposição de ação principal no prazo de 30 (trinta) dias. Exemplificando, Dias (2007, p. 82) traz a hipótese do ofensor que foi afastado do lar por conta das severas agressões perpetradas contra a mulher, tendo ela permanecido no domicílio comum com a prole. Após 30 (dias) de efetivada a medida, de todo descabido que, pelo fim da eficácia da decisão, o agressor tenha o direito de retornar ao lar. Ainda que pacificado pela jurisprudência, em sede de direito familiar, não perderá eficácia a medida cautelar, mesmo se a ação não for intentada no prazo legal, ainda que se trate de prazo decadencial. Por fim, cabe acrescentar que o juiz pode decretar a prisão preventiva do agressor, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, de ofício, a requerimento do parquet ou mediante a representação da autoridade policial.

4.3. MEDIDAS PROTETIVAS QUE OBRIGAM O AGRESSOR

As medidas protetivas que obrigam o agressor têm previsão no art. 22 da Lei Maria da Penha. Entretanto, trata-se apenas de um rol exemplificativo, não obstando que o magistrado, ao analisar o caso concreto, considerando as particularidades de cada um, adote demais


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medidas que entenda cabíveis. Além disso, não é imperioso que os sujeitos da relação de fato sejam casados, a fim de que o magistrado defira a medida. Ao se observar a novel legislação, constata-se a contundente intenção do legislador em primar pela integridade não só da vítima, mas também de seus dependentes, sendo assegurados ao agressor os seus direitos pertinentes ao patrimônio. Veio a Lei em comento, com a sua criação, inserir no ordenamento jurídico brasileiro um rol de medidas, visando resgatar a cidadania feminina com o fito de assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência, de forma que o Estado passou a tratar de modo diferenciado as agressões sofridas pelas mulheres. Assim, preconiza a Lei Maria da Penha, em seu art. 22, incisos I, II e III, alíneas “a”, “b” e “c”, inciso IV e inciso V, a possibilidade de que o juiz, após constatar a prática de violência doméstica e familiar em face da mulher, aplique, de imediato, ao agressor, as medidas protetivas nesse artigo elencadas, não exaurindo a eventualidade de aplicar outras medidas.

4.4. MEDIDAS DE PROTEÇÃO À OFENDIDA

O legislador da Lei nº 11.340/06, através dos artigos 23, incisos I, II, III e IV e 24, incisos I, II, III e IV, procurou proporcionar as medidas protetivas de urgência também à vítima. O art 23 visa preservar, principalmente, a integridade psicológica da vítima, ao passo que o art. 24 vem conferir medidas de proteção de cunho patrimonial, como uma resposta à violência patrimonial sofrida, conforme elencado pelo art. 7º. Assim, o art. 24 trata acerca de tutela cautelar civil a fim de proteger os bens da mulher na sociedade conjugal ou em outras relações com o agressor, cabendo ao magistrado a possibilidade de aplicar as medidas de forma incidental, seja nas ações penais, bem como na ação civil indenizatória por ato ilícito (SOUZA apud MARTINI, 2009). Portanto, as medidas aduzidas por este artigo 24 tem o escopo fundamental de proteção à mulher em face da violência patrimonial a ela perpetrada, devendo o magistrado, em tais circunstâncias, se necessário for, aplicá-las em conjunto com outras medidas previstas na Lei Maria da Penha.


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4.5. PRISÃO PREVENTIVA

Em sentido estrito, considerando ainda o que preconiza Mirabete (2003, p. 389), a prisão preventiva pode ser compreendida como uma medida cautelar que se constitui na privação de liberdade do autor do crime que é decretada pelo juiz durante o inquérito ou instrução criminal, constatados os pressupostos legais, a fim de resguardar os interesses sociais de segurança. Para isso, compreendem tais pressupostos legais as provas de existência do crime e os indícios de autoria. A justificativa para que possa ser decretada deve ser fundada numa das hipóteses elencadas pelo art. 312, pois que, como medida cautelar típica, a lei se preocupou com o periculum in mora. Vale salientar que, apesar da possibilidade de prisão preventiva ter previsão em outros artigos, a exemplo do art. 20, da nova Lei, aqui será tratada a prisão preventiva resultante de descumprimento da medida protetiva. A Lei Maria da Penha, em seu art. 42, inseriu o inciso IV ao art. 313 do CPP, acrescentando a garantia da execução das medidas protetivas de urgência aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Tal hipótese pode ser considerada providencial, pois, ausente a mesma, em muitos crimes desta espécie restaria afastada a coerção da prisão preventiva e, consequentemente, frustrada a medida protetiva. Este dispositivo mostra-se, deste modo, de caráter sancionador ao agressor que não cumprir as determinações exaradas em sede de cognição sumária, por meio da expedição do requerimento de medidas protetivas. Os artigos 311 a 316 do CPP elencam o cabimento da prisão preventiva, encontrando seus pressupostos inserção no art. 312, ao dispor, este Código, que tal prisão poderá ser decretada a fim de garantir a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar que a lei penal seja aplicada, desde que haja prova da existência do crime e suficientes indícios de autoria. A primeira parte, portanto, configura o periculum in mora, enquanto a segunda, o fumus boni iuris. Ratificando este raciocínio, Rangel (2001, p. 429) considera que o fundamento é o que comprova sua necessidade, a qual será constatada ao serem analisados o fumus boni iuris e o periculum in mora. Entende Nucci (2006, p. 877) que deve existir muita cautela para se determinar a prisão preventiva, devido à existência de infrações penais que não comportam tal tipo de prisão, já que a pena a ser aplicada poderia ser inferior ao tempo de prisão preventiva.


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Notável, pois, diante a explanação de tais argumentos, a viabilidade da prisão cautelar, todavia, desde que presentes os requisitos pertinentes à sua decretação, bem como à manutenção, uma vez que poderá acontecer, a qualquer tempo, a sua revisão pelo magistrado, que pode ainda revogá-la, se assim bem entender.


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CONCLUSÃO

A tolerância presenciada ante a violência doméstica e familiar acometida às mulheres é um dos meios mais contundentes de se constatar a negação de direitos à integridade, à liberdade, à saúde e à dignidade feminina. Por muito tempo, homicidas tiveram sua absolvição em nome dos “crimes de paixão” ou da “legítima defesa”, com fulcro em textos legais e doutrinários tipificados pela discriminação de gênero. Pode-se constatar que as legislações vigentes até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 eram constituídas por dispositivos de fomento à desigualdade entre homens e mulheres, ensejando um tratamento diferenciado que arraigou no homem um sentimento de superioridade em relação à mulher, o qual utilizou a força física ou psicológica como meio de exteriorizar este domínio. Diferentemente, o atual texto constitucional traz a previsão de igualdade, em direitos e obrigações, entre homens e mulheres. No entanto, seu curto período de vigência comparado à cultura patriarcal e machista que perdurou por séculos na sociedade brasileira implicou numa não eficácia desse texto legalmente previsto no sentido de mudar a mentalidade cultural da sociedade brasileira a fim de efetivar o Princípio da Igualdade de Gênero. Tal fato pode ser corroborado pelos altos índices de violência praticada em face da mulher, especialmente, no âmbito doméstico, familiar ou mesmo nas relações de afeto. Diante deste contexto, em observância às Convenções Internacionais ratificadas pelo país, objetivando a proteção da mulher, quais sejam, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, surge a Lei nº 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, como uma ação afirmativa do Estado, destinada a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais, a qual parece estar relacionada a determinadas características biológicas (raça e sexo) ou sociológicas (etnia e religião), marcantes da identidade de certos grupos na sociedade, neste caso, a violência de gênero. O advento da Lei Maria da Penha traduziu a pretensão de se coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, buscando conscientizar o agressor de que seus atos não são corriqueiros nem normais, o qual precisa ser punido, se constatada a ocorrência da agressão contra a mulher.


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Além disso, a novel Lei buscou definir o sujeito passivo e ativo, sendo o primeiro a mulher, independendo de sua orientação sexual, e segundo, o homem ou uma outra mulher. Também, previu uma série de medidas protetivas de urgência com o fito de assegurar a integridade psicológica, física, moral, sexual e patrimonial da mulher, e de seus dependentes, buscando garantir sua efetividade por meio da possibilidade de decretar a prisão preventiva quando do descumprimento por parte do agressor. Ademais, a Lei nº 11.340/06 afastou a incidência da Lei dos Juizados Especiais, Lei nº 9.099/95, e a aplicabilidade de seus institutos, nos casos de ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher, uma vez que a Lei Maria da Penha, objetivando coibir esse tipo de violência em face do gênero feminino, teve como primordial finalidade endurecer a resposta ao agressor que pratica crimes desta espécie contra a mulher. Assim, deixou de ser considerado o crime de violência doméstica e familiar como crime de menor potencial ofensivo ao sair da competência dos Juizados Especiais Criminais. Portanto, a nova Lei significou um estímulo ao avanço de mecanismos punitivos da violência doméstica, fazendo valer os direitos da mulher ao desconsiderar o homem como símbolo do poder familiar. Entretanto, a Lei Maria da Penha não pretendeu exterminar a violência doméstica somente punindo mais severamente o agressor, pois tenciona, do mesmo modo, a prevenção de novas práticas de violência, ante a apresentação de um rol de medidas efetivamente capazes de proteger a mulher. Tomando por base a boa-fé das vítimas é que as medidas de proteção serão concedidas de imediato, posteriormente ao registro de ocorrência em meio policial. Portanto, devido à facilidade de sua concessão, várias mulheres utilizam a Lei Maria da Penha como meio de se vingar ou de ameaçar o homem, razão pela qual sua imagem pode ser deturpada por esta minoria, restando prejudicadas as mulheres que real e verdadeiramente precisam de amparo legal. De qualquer modo, a Lei sob comento viabilizou algo anteriormente parecido impossível ao preconizar combater efetivamente a violência doméstica, através de seus agentes ativos, os quais, hoje, têm a exata noção de que serão penalizados, caso cometam agressões de qualquer espécie em face da mulher, no âmbito doméstico e familiar. Finalmente, o Brasil não faz parte apenas dos países que somente se tornam signatários de Tratados e Convenções sobre a Discriminação contra a Mulher. Agora, conta com uma legislação específica para combater a discriminação, a violência doméstica e


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familiar contra a mulher, ao garantir às cidadãs o exercício de um dos direitos fundamentais resguardados pela Carta Magna, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Diante de tudo quanto exposto, pode-se concluir que a edição da Lei nº 11.340/06 foi um avanço de grande importância da legislação brasileira no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Que a novel Lei, portanto, continue surtindo positivos resultados como se pode constatar nos seus 05 (cinco) anos de criação, cumprindo, assim, com seu propósito.


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ANEXOS

ANEXO A – Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.


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Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. § 1o O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput. Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. TÍTULO II DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Art. 6o A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.


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CAPÍTULO II DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. TÍTULO III DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CAPÍTULO I DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO Art. 8o A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:


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I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades nãogovernamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. CAPÍTULO II DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR Art. 9o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei


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Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso. § 1o O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. § 2o O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica: I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta; II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses. § 3o A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. CAPÍTULO III DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida. Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;


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IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.


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TÍTULO IV DOS PROCEDIMENTOS CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei. Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado: I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor. Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.


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CAPÍTULO II DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA Seção I Disposições Gerais Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado. § 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. § 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.


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Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor. Seção II Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. § 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. § 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso. § 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.


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§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). Seção III Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo. CAPÍTULO III DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Art. 25. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.


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Art. 26. Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário: I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros; II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas; III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. CAPÍTULO IV DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA Art. 27. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei. Art. 28. É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. TÍTULO V DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR Art. 29. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde. Art. 30. Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes. Art. 31. Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar. Art. 32. O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.


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TÍTULO VI DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente. Parágrafo único. Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput. TÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 34. A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária. Art. 35. A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: I - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; II - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar; III - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar; IV - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; V - centros de educação e de reabilitação para os agressores. Art. 36. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei. Art. 37. A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.


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Parágrafo único. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva. Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres. Parágrafo único. As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça. Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei. Art. 40. As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados. Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Art. 42. O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV: “Art. 313. ................................................. ................................................................ IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR) Art. 43. A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 61. .................................................. ................................................................. II - ............................................................ ................................................................. f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;


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........................................................... ” (NR) Art. 44. O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 129. .................................................. .................................................................. § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. .................................................................. § 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR) Art. 45. O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 152. ................................................... Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR) Art. 46. Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação. Brasília, 7 de agosto de 2006; 185o da Independência e 118o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.8.2006


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ANEXO B – Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher

CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER (1979)*

TODAS

AS

FORMAS

DE

Os Estados-partes na presente Convenção, Considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, Considerando que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o princípio da nãodiscriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção alguma, inclusive de sexo, Considerando que os Estados-partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, Observando, ainda, as resoluções, declarações e recomendações aprovadas pelas Nações Unidas e pelas agências especializadas para favorecer a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, Preocupados, contudo, com o fato de que, apesar destes diversos instrumentos, a mulher continue sendo objeto de grandes discriminações, Relembrando que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade, Preocupados com o fato de que, em situações de pobreza, a mulher tem um acesso mínimo à alimentação, à saúde, à educação, à capacitação e às oportunidades de emprego, assim como à satisfação de outras necessidades, Convencidos de que o estabelecimento da nova ordem econômica internacional baseada na equidade e na justiça contribuirá significativamente para a promoção da igualdade entre o homem e a mulher, Salientando que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação estrangeira e dominação e


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interferência nos assuntos internos dos Estados é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher, Afirmando que o fortalecimento da paz e da segurança internacionais, o alívio da tensão internacional, a cooperação mútua entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos e sociais, o desarmamento geral e completo, e em particular o desarmamento nuclear sob um estrito e efetivo controle internacional, a afirmação dos princípios de justiça, igualdade e proveito mútuo nas relações entre países e a realização do direito dos povos submetidos a dominação colonial e estrangeira e a ocupação estrangeira, à autodeterminação e independência, bem como o respeito da soberania nacional e da integridade territorial, promoverão o progresso e o desenvolvimento sociais, e, em consequência, contribuirão para a realização da plena igualdade entre o homem e a mulher, Convencidos de que a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa da paz. Tendo presente a grande contribuição da mulher ao bem-estar da família e ao desenvolvimento da sociedade, até agora não plenamente reconhecida, a importância social da maternidade e a função dos pais na família e na educação dos filhos, e conscientes de que o papel da mulher na procriação não deve ser causa de discriminação, mas sim que a educação dos filhos exige a responsabilidade compartilhada entre homens e mulheres e a sociedade como um conjunto, Reconhecendo que para alcançar a plena igualdade entre o homem e a mulher é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem, como da mulher na sociedade e na família, Resolvidos a aplicar os princípios enunciados na Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, e, para isto, a adotar as medidas necessárias a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e manifestações, Concordam no seguinte: PARTE I Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Artigo 2º - Os Estados-partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a: a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas Constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio;


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b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher; c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação; d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação; e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa; f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher; g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher. Artigo 3º - Os Estados-partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas política, social, econômica e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem. Artigo 4º - 1. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. 2. A adoção pelos Estados-partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória. Artigo 5º - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para: a) modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação de preconceitos e práticas consuetudinárias e de qualquer outra índole que estejam baseados na idéia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres. b) garantir que a educação familiar inclua uma compreensão adequada da maternidade como função social e o reconhecimento da responsabilidade comum de homens e mulheres, no que diz respeito à educação e ao desenvolvimento de seus filhos, entendendo-se que o interesse dos filhos constituirá a consideração primordial em todos os casos. Artigo 6º - Os Estados-partes tomarão as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração de prostituição da mulher.


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PARTE II Artigo 7º - Os Estados-partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a: a) votar em todas as eleições e referendos públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas; b) participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais; c) participar em organizações e associações não-governamentais que se ocupem da vida pública e política do país. Artigo 8º - Os Estados-partes tomarão as medidas apropriadas para garantir à mulher, em igualdade de condições com o homem e sem discriminação alguma, a oportunidade de representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das organizações internacionais. Artigo 9º - 1. Os Estados-partes outorgarão às mulheres direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade. Garantirão, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento modifiquem automaticamente a nacionalidade da esposa, a convertam em apátrida ou a obriguem a adotar a nacionalidade do cônjuge. 2. Os Estados-partes outorgarão à mulher os mesmos direitos que ao homem no que diz respeito à nacionalidade dos filhos. PARTE III Artigo 10 - Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher, a fim de assegurar-lhe a igualdade de direitos com o homem na esfera da educação e em particular para assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres: a) as mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas instituições de ensino de todas as categorias, tanto em zonas rurais como urbanas; essa igualdade deverá ser assegurada na educação préescolar, geral, técnica e profissional, incluída a educação técnica superior, assim como todos os tipos de capacitação profissional; b) acesso aos mesmos currículos e mesmos exames, pessoal docente do mesmo nível profissional, instalações e material escolar da mesma qualidade; c) a eliminação de todo conceito estereotipado dos papéis masculino e feminino em todos os níveis e em todas as formas de ensino, mediante o estímulo à educação mista e a outros tipos de educação que contribuam para alcançar este objetivo e, em particular, mediante a modificação dos livros e programas escolares e adaptação dos métodos de ensino;


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d) as mesmas oportunidades para a obtenção de bolsas de estudo e outras subvenções para estudos; e) as mesmas oportunidades de acesso aos programas de educação supletiva, incluídos os programas de alfabetização funcional e de adultos, com vistas a reduzir, com a maior brevidade possível, a diferença de conhecimentos existentes entre o homem e a mulher; f) a redução da taxa de abandono feminino dos estudos e a organização de programas para aquelas jovens e mulheres que tenham deixado os estudos prematuramente; g) as mesmas oportunidades para participar ativamente nos esportes e na educação física; h) acesso a material informativo específico que contribua para assegurar a saúde e o bem-estar da família, incluída a informação e o assessoramento sobre o planejamento da família. Artigo 11 - 1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) o direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano; b) o direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego; c) o direito de escolher livremente profissão e emprego, o direito à promoção e à estabilidade no emprego e a todos os benefícios e outras condições de serviço, e o direito ao acesso à formação e à atualização profissionais, incluindo aprendizagem, formação profissional superior e treinamento periódico; d) o direito a igual remuneração, inclusive benefícios, e igualdade de tratamento relativa a um trabalho de igual valor, assim como igualdade de tratamento com respeito à avaliação da qualidade do trabalho; e) o direito à seguridade social, em particular em casos de aposentadoria, desemprego, doença, invalidez, velhice ou outra incapacidade para trabalhar, bem como o direito a férias pagas; f) o direito à proteção da saúde e à segurança nas condições de trabalho, inclusive a salvaguarda da função de reprodução. 2. A fim de impedir a discriminação contra a mulher por razões de casamento ou maternidade e assegurar a efetividade de seu direito a trabalhar, os Estados-partes tomarão as medidas adequadas para: a) proibir, sob sanções, a demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade e a discriminação nas demissões motivadas pelo estado civil; b) implantar a licença-maternidade, com salário pago ou benefícios sociais comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios sociais;


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c) estimular o fornecimento de serviços sociais de apoio necessários para permitir que os pais combinem as obrigações para com a família com as responsabilidades do trabalho e a participação na vida pública, especialmente mediante o fomento da criação e desenvolvimento de uma rede de serviços destinada ao cuidado das crianças; d) dar proteção especial às mulheres durante a gravidez nos tipos de trabalho comprovadamente prejudiciais a elas. 3. A legislação protetora relacionada com as questões compreendidas neste artigo será examinada periodicamente à luz dos conhecimentos científicos e tecnológicos e será revista, derrogada ou ampliada, conforme as necessidades. Artigo 12 - 1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos, inclusive referentes ao planejamento familiar. 2. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 1º, os Estados-partes garantirão à mulher assistência apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada durante a gravidez e a lactância. Artigo 13 - Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher em outras esferas da vida econômica e social, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre os homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular: a) o direito a benefícios familiares; b) o direito a obter empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro; c) o direito de participar em atividades de recreação, esportes e em todos os aspectos da vida cultural. Artigo 14 - 1. Os Estados-partes levarão em consideração os problemas específicos enfrentados pela mulher rural e o importante papel que desempenha na subsistência econômica de sua família, incluído seu trabalho em setores não-monetários da economia, e tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a aplicação dos dispositivos desta Convenção à mulher das zonas rurais. 2. Os Estados-partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher nas zonas rurais, a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, que elas participem no desenvolvimento rural e dele se beneficiem, e em particular assegurar-lhes-ão o direito a: a) participar da elaboração e execução dos planos de desenvolvimento em todos os níveis; b) ter acesso a serviços médicos adequados, inclusive informação, aconselhamento e serviços em matéria de planejamento familiar;


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c) beneficiar-se diretamente dos programas de seguridade social; d) obter todos os tipos de educação e de formação, acadêmica e não-acadêmica, inclusive os relacionados à alfabetização funcional, bem como, entre outros, os benefícios de todos os serviços comunitários e de extensão, a fim de aumentar sua capacidade técnica; e) organizar grupos de auto-ajuda e cooperativas, a fim de obter igualdade de acesso às oportunidades econômicas mediante emprego ou trabalho por conta própria; f) participar de todas as atividades comunitárias; g) ter acesso aos créditos e empréstimos agrícolas, aos serviços de comercialização e às tecnologias apropriadas, e receber um tratamento igual nos projetos de reforma agrária e de reestabelecimentos; h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente nas esferas da habitação, dos serviços sanitários, da eletricidade e do abastecimento de água, do transporte e das comunicações. PARTE IV Artigo 15 - 1. Os Estados-partes reconhecerão à mulher a igualdade com o homem perante a lei. 2. Os Estados-partes reconhecerão à mulher, em matérias civis, uma capacidade jurídica idêntica à do homem e as mesmas oportunidades para o exercício desta capacidade. Em particular, reconhecerão à mulher iguais direitos para firmar contratos e administrar bens e dispensar-lhe-ão um tratamento igual em todas as etapas do processo nas Cortes de Justiça e nos Tribunais. 3. Os Estados-partes convêm em que todo contrato ou outro instrumento privado de efeito jurídico que tenda a restringir a capacidade jurídica da mulher será considerado nulo. 4. Os Estados-partes concederão ao homem e à mulher os mesmos direitos no que respeita à legislação relativa ao direito das pessoas, à liberdade de movimento e à liberdade de escolha de residência e domicílio. Artigo 16 - 1. Os Estados-partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão: a) o mesmo direito de contrair matrimônio; b) o mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com o livre e pleno consentimento; c) os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução;


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d) os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial; e) os mesmos direitos de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso à informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos; f) os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela, curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos, quando esses conceitos existirem na legislação nacional. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial; g) os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação; h) os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto a título oneroso. 2. Os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, serão adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial. PARTE V Artigo 17 - 1. Com o fim de examinar os progressos alcançados na aplicação desta Convenção, será estabelecido um Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (doravante denominado "Comitê"), composto, no momento da entrada em vigor da Convenção, de dezoito e, após sua ratificação ou adesão pelo trigésimo quinto Estado-parte, de vinte e três peritos de grande prestígio moral e competência na área abarcada pela Convenção. Os peritos serão eleitos pelos Estados-partes e exercerão suas funções a título pessoal; será levada em conta uma distribuição geográfica equitativa e a representação das formas diversas de civilização, assim como dos principais sistemas jurídicos. 2. Os membros do Comitê serão eleitos em votação secreta dentre uma lista de pessoas indicadas pelos Estados-partes. Cada Estado-parte pode indicar uma pessoa dentre os seus nacionais. 3. A primeira eleição se realizará seis meses após a data da entrada em vigor da presente Convenção. Ao menos três meses antes da data de cada eleição, o Secretário Geral da Organização das Nações Unidas enviará uma carta aos Estados-partes para convidá-los a apresentar suas candidaturas no prazo de dois meses. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas organizará uma lista, por ordem alfabética, de todos os candidatos assim designados, com indicações dos Estados-partes que os tiverem designado, e a comunicará aos Estados-partes. 4. Os membros do Comitê serão eleitos durante uma reunião dos Estados-partes convocada pelo Secretário Geral das Nações Unidas. Nesta reunião, na qual o quorum será estabelecido por dois terços dos Estados-partes, serão eleitos membros do Comitê os candidatos que


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obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados-partes presentes e votantes. 5. Os membros do Comitê serão eleitos para um mandato de quatro anos. Entretanto, o mandato de nove dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao final de dois anos; imediatamente após a primeira eleição, os nomes desses nove membros serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê. 6. A eleição dos cinco membros adicionais do Comitê realizar-se-á em conformidade com o disposto nos parágrafos 2º, 3º e 4º deste artigo, após o depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão. O mandato de dois dos membros adicionais eleitos nessa ocasião, cujos nomes serão escolhidos, por sorteio, pelo Presidente do Comitê, expirará ao fim de dois anos. 7. Para preencher as vagas fortuitas, o Estado-parte cujo perito tenha deixado de exercer suas funções de membro do Comitê nomeará outro perito entre seus nacionais, sob reserva da aprovação do Comitê. 8. Os membros do Comitê, mediante aprovação da Assembléia Geral, receberão remuneração dos recursos das Nações Unidas, na forma e condições que a Assembléia Geral decidir, tendo em vista a importância das funções do Comitê. 9. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas colocará à disposição do Comitê o pessoal e os serviços necessários ao desempenho eficaz das funções que lhe são atribuídas em virtude da presente Convenção. Artigo 18 - Os Estados-partes comprometem-se a submeter ao Secretário Geral das Nações Unidas, para exame do Comitê, um relatório sobre as medidas legislativas, judiciárias, administrativas ou outras que adotarem para tornarem efetivas as disposições desta Convenção e dos progressos alcançados a respeito: a) no prazo de um ano, a partir da entrada em vigor da Convenção para o Estado interessado; e b) posteriormente, pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comitê vier a solicitar. 2. Os relatórios poderão indicar fatores e dificuldades que influam no grau de cumprimento das obrigações estabelecidas por esta Convenção. Artigo 19 - 1. O Comitê adotará seu próprio regulamento. 2. O Comitê elegerá sua Mesa para um período de dois anos. Artigo 20 - 1. O Comitê se reunirá normalmente todos os anos, por um período não superior a duas semanas, para examinar os relatórios que lhe sejam submetidos, em conformidade com o artigo 18 desta Convenção. 2. As reuniões do Comitê realizar-se-ão normalmente na sede das Nações Unidas ou em qualquer outro lugar que o Comitê determine.


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Artigo 21 - O Comitê, através do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, informará anualmente a Assembléia Geral das Nações Unidas de suas atividades e poderá apresentar sugestões e recomendações de caráter geral, baseadas no exame dos relatórios e em informações recebidas dos Estados-partes. Essas sugestões e recomendações de caráter geral serão incluídas no relatório do Comitê juntamente com as observações que os Estados-partes tenham porventura formulado. 2. O Secretário Geral das Nações Unidas transmitirá, para informação, os relatórios do Comitê à Comissão sobre a Condição da Mulher. Artigo 22 - As agências especializadas terão direito a estar representadas no exame da aplicação das disposições desta Convenção que correspondam à esfera de suas atividades. O Comitê poderá convidar as agências especializadas a apresentar relatórios sobre a aplicação da Convenção em áreas que correspondam à esfera de suas atividades. PARTE VI Artigo 23 - Nada do disposto nesta Convenção prejudicará qualquer disposição que seja mais propícia à obtenção da igualdade entre homens e mulheres e que esteja contida: a) na legislação de um Estado-parte; ou b) em qualquer outra convenção, tratado ou acordo internacional vigente nesse Estado. Artigo 24 - Os Estados-partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias de âmbito nacional para alcançar a plena realização dos direitos reconhecidos nesta Convenção. Artigo 25 - 1. A presente Convenção estará aberta à assinatura de todos os Estados. 2. O Secretário Geral da Organização das Nações Unidas fica designado depositário desta Convenção. 3. Esta Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados junto ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. 4. Esta Convenção está aberta à adesão de todos os Estados. Far-se-á a adesão mediante depósito do instrumento de adesão junto ao Secretário Geral das Nações Unidas. Artigo 26 - 1. Qualquer Estado-parte poderá, em qualquer momento, formular pedido de revisão desta Convenção, mediante notificação escrita dirigida ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas. 2. A Assembléia Geral das Nações Unidas decidirá sobre as medidas a serem tomadas, se for o caso, com respeito a esse pedido. Artigo 27 - A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a contar da data em que o vigésimo instrumento de ratificação ou adesão houver sido depositado junto ao Secretário Geral das Nações Unidas.


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2. Para os Estados que vierem a ratificar a presente Convenção ou a ela aderir após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a contar da data em que o Estado em questão houver depositado seu instrumento de ratificação ou adesão. Artigo 28 - 1. O Secretário Geral das Nações Unidas receberá e enviará a todos os Estados o texto das reservas feitas pelos Estados no momento da ratificação ou adesão. 2. Não será permitido uma reserva incompatível com o objeto e o propósito desta Convenção. 3. As reservas poderão ser retiradas a qualquer momento por uma notificação endereçada com esse objetivo ao Secretário Geral das Nações Unidas, que informará a todos os Estados a respeito. A notificação surtirá efeito na data de seu recebimento. Artigo 29 - As controvérsias entre dois ou mais Estados-partes, com relação à interpretação ou aplicação da presente Convenção, que não puderem ser dirimidas por meio de negociação serão, a pedido de um deles, submetidas à arbitragem. Se, durante os seis meses seguintes à data do pedido de arbitragem, as Partes não lograrem pôr-se de acordo quanto aos termos do compromisso de arbitragem, qualquer das Partes poderá submeter a controvérsia à Corte Internacional de Justiça, mediante solicitação feita em conformidade com o Estatuto da Corte. 2. Cada Estado-parte poderá declarar, por ocasião da assinatura ou ratificação da presente Convenção, que não se considera obrigado pelo parágrafo anterior. Os demais Estados-partes não estarão obrigados pelo referido parágrafo com relação a qualquer Estado-parte que houver formulado reserva dessa natureza. 3. Todo Estado-parte que houver formulado reserva em conformidade com o parágrafo anterior poderá, a qualquer momento, tornar sem efeito essa reserva, mediante notificação endereçada ao Secretário Geral das Nações Unidas. Artigo 30 - A presente Convenção, cujos textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo são igualmente autênticos, será depositada junto ao Secretário Geral das Nações Unidas. Em testemunho do que os abaixo-assinados devidamente autorizados assinaram a presente Convenção. __________ *

Adotada pela Resolução 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 18.12.1979 ratificada pelo Brasil em 01.02.1984


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ANEXO C – Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher "Convenção de Belém do Pará" (1994)

Os Estados-partes da presente Convenção, Reconhecendo que o respeito irrestrito aos Direitos Humanos foi consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmado em outros instrumentos internacionais e regionais; Afirmando que a violência contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; Preocupados porque a violência contra a mulher é uma ofensa à dignidade humana e uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens: Recordando a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a mulher transcende todos os setores da sociedade, independentemente de sua classe, raça ou grupo étnico, níveis de salário, cultura, nível educacional, idade ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases; Convencidos de que a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena igualitária participação em todas as esferas da vida e Convencidos de que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar toda forma de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui uma contribuição positiva para proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência que possam afetá-las Convieram o seguinte: Capítulo I Definição e âmbito de Aplicação Artigo 1º Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.


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Artigo 2º Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: 1. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual: 2. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e 3. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. Capítulo II Direitos Protegidos Artigo 3º Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado. Artigo 4º Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercícios e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Estes direitos compreendem , entre outros: 1. 2. 3. 4. 5.

o direito a que se respeite sua vida; o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral; o direito à liberdade e à segurança pessoais; o direito a não ser submetida a torturas; o direito a que se refere a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família; 6. o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei; 7. o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos; 8. o direito à liberdade de associação; 9. o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; 10. o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões. Artigo 5º Toda mulher poderá exercer livre r plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos


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regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados-partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. Artigo 6º O direito de toda mulher a uma vida livre de violência incluir, entre outros: 1. o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e 2. o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade de subordinação. Capítulo III Deveres dos Estados Artigo 7º Os Estados-partes condenam toda as formas de violência contra a mulher e concordam em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas orientadas e prevenir, punir e erradicar a dita violência e empenhar-se em: 1. abster-se de qualquer ação ou prática de violência contra a mulher e velar para que as autoridades, seus funcionários, pessoal e agentes e instituições públicas se comportem conforme esta obrigação; 2. atuar com a devida diligência para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; 3. incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, assim como as de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e adotar as medidas administrativas apropriadas que venham ao caso: 4. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor abster-se de fustigar, perseguir, intimidar, ameaçar, machucar, ou pôr em perigo a vida da mulher de qualquer forma que atente contra sua integridade ou prejudique sua propriedade; 5. tomar todas as medidas apropriadas, incluindo medidas de tipo legislativo, para modificar ou abolir lei e regulamentos vigentes, ou para modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistências ou a tolerância da violência contra a mulher. 6. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher que tenha submetida a violência, que incluam, entre outros, medidas de proteção, um julgamento oportuno e o acesso efetivo a tais procedimentos 7. estabelecer os mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher objeto de violência tenha acesso efetivo a ressarcimento, reparação do dano ou outros meios de compensação justos e eficazes; e 8. adotar as disposições legislativas ou de outra índole que sejam necessárias para efetivar esta Convenção.


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Artigo 8º Os Estados-partes concordam em adotar, em forma progressiva, medidas específicas, inclusive programas para: 1. fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência o direito da mulher a que se respeitem para protejam seus direitos humanos; 2. modificar os padrões sócio-culturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados a todo nível do processo educativo, para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher ou ligitimam ou exercebam a violência contra a mulher; 3. fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demissão funcionários encarregado da aplicação da lei assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher; 4. aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher objeto de violência, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda a família, quando for o caso, e cuidado e custódia dos menores afetado. 5. fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente; 6. oferecer à mulher objeto de violência acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente na vida pública, privada e social; 7. estimular os meios de comunicação e elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas suas formas e a realçar o respeito à dignidade da mulher; 8. garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais informações pertinentes sobre as causas, conseqüências e freqüência da violência contara a mulher, como objetivo de avaliar a eficácia das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; e 9. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de idéias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher objeto de violência. Artigo 9º Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-partes terão especialmente em conta a situação de vulnerabilidade à violência que a mulher possa sofrer em conseqüência, entre outras, de sua raça ou de sua condição étnica, de migrante, refugiada ou desterrada.. No mesmo sentido se considerará a mulher submetida à violência quando estiver grávida, for excepcional, menor de idade, anciã, ou estiver em situação sócio-econômica desfavorável ou afetada por situações de conflitos armados ou de privação de sua liberdade.


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Capítulo IV Mecanismos Interamericanos de Proteção Artigo 10 Com o propósito de proteger o direito da mulher a uma vida livre de violência, nos informes nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres, os Estados—parte deverão incluir informação sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para assistir a mulher afetado pela violência, assim como cobre as dificuldades que observem na aplicação das mesmas e dos fatores que contribuam à violência contra a mulher. Artigo 11 Os Estados-partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres poderão requerer à Corte Interamericana de Direitos Humanos opinião consultiva sobre a interpretação desta Convenção. Artigo 12 Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do artigo 7º da presente Concepção pelo Estado-parte, e a Comissão considera-las-á de acordo com as normas e os requisitos de procedimento para apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Capítulo V Disposições Gerais Artigo 13 Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restrição ou limitação à legislação interna dos Estados-partes que preveja iguais ou maiores proteções e garantias aos direitos da mulher e salvaguardas adequadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher. Artigo 14 Nada do disposto na presente Convenção poderá ser interpretado como restrição ou limitação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou a outra convenções internacionais sobre a matéria que prevejam iguais ou maiores proteções relacionadas com este tema. Artigo 15 A presente Convenção está aberta à assinatura de todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos.


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Artigo 16 A presente Convenção está sujeita à ratificação. Os instrumentos de ratificação serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 17 A presente Convenção fica aberta à adesão de qualquer outro Estado. Os instrumentos de adesão serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Artigo 18 Os Estados poderão formular reservas à presente Convenção no momento de aprová-la, assiná-la, ratificá-la ou aderir a ela, sempre que: 1. não sejam incompatíveis com o objetivo e o propósito da Convenção; 2. não sejam de caráter geral e versem sobre uma ou mais disposições específicas. Artigo 19 Qualquer Estado-parte pode submeter à Assembléia Geral, por meio da Comissão Interamericana de Mulheres, uma proposta de emenda a esta Convenção. As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das mesmas na data em que dois terços dos Estados-partes tenham depositado o respectivo instrumento de ratificação. Quanto ao resto dos Estados-partes, entrarão em vigor na data em que depositem seus respectivos instrumentos de ratificação. Artigo 20 Os Estados-partes que tenham duas ou mais unidades territoriais em que funcionem distintos sistemas jurídicos relacionados com questões tratadas na presente Convenção poderão declarar, no momento da assinatura, ratificação ou adesão, que a Convenção aplicar-se-á a todas as unidades territoriais ou somente a uma ou mais. Tais declarações poderão ser modificadas em qualquer momento mediante declarações ulteriores, que especificarão expressamente a ou as unidades territoriais às quais será aplicada a presente Convenção. Tais declarações ulteriores serão transmitidas à Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos e entrarão em vigor trinta dias após seu recebimento. Artigo 21 A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data que tenha sido depositado o segundo instrumento de ratificação. Para cada Estado que ratifique ou adira à Convenção, depois de ter sido depositado o segundo instrumento de ratificação, entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que tal Estado tenha depositado seu instrumento de ratificação ou adesão.


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Artigo 22 O Secretário Geral informará a todos os Estados membros da Organização dos Estados Americanos da entrada em vigor da Convenção. Artigo 23 O Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos apresentará um informe anual aos Estados membros da Organização sobre a situação desta Convenção, inclusive sobre as assinaturas, depósitos de instrumentos de ratificação, adesão ou declarações, assim como as reservas porventura apresentadas pelos Estados-partes e, neste caso, o informe sobre as mesmas. Artigo 24 A presente Convenção vigorará indefinidamente, mas qualquer dos Estados-partes poderá denunciá-la mediante o depósito de um instrumento com esse fim na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Um ano depois da data do depósito de instrumento de denúncia, a Convenção cessará em seus efeitos para o Estado denunciante, continuando a subsistir para os demais Estados-partes. Artigo 25 O instrumento original na presente Convenção, cujos textos em espanhol, francês, inglês e português são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia autenticada de seu texto para registro e publicação à Secretaria das Nações Unidas, de conformidade com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas.


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ANEXO D – Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.

Mensagem de veto

Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 1º Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, órgãos da Justiça Ordinária, serão criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para conciliação, processo, julgamento e execução, nas causas de sua competência. Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Capítulo II Dos Juizados Especiais Cíveis Seção I Da Competência Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;


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III - a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo. § 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução: I - dos seus julgados; II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei. § 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial. § 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação. Art. 4º É competente, para as causas previstas nesta Lei, o Juizado do foro: I - do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, agência, sucursal ou escritório; II - do lugar onde a obrigação deva ser satisfeita; III - do domicílio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza. Parágrafo único. Em qualquer hipótese, poderá a ação ser proposta no foro previsto no inciso I deste artigo. Seção II Do Juiz, dos Conciliadores e dos Juízes Leigos Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Art. 7º Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.


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Parágrafo único. Os Juízes leigos ficarão impedidos de exercer a advocacia perante os Juizados Especiais, enquanto no desempenho de suas funções. Seção III Das Partes Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. § 1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. § 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial: (Redação dada pela Lei nº 12.126, de 2009) I - as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) II - as microempresas, assim definidas pela Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) III - as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999; (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) IV - as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1o da Lei no 10.194, de 14 de fevereiro de 2001. (Incluído pela Lei nº 12.126, de 2009) § 2º O maior de dezoito anos poderá ser autor, independentemente de assistência, inclusive para fins de conciliação. Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória. § 1º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local. § 2º O Juiz alertará as partes da conveniência do patrocínio por advogado, quando a causa o recomendar. § 3º O mandato ao advogado poderá ser verbal, salvo quanto aos poderes especiais.


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§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado. § 4o O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício. (Redação dada pela Lei nº 12.137, de 2009) Art. 10. Não se admitirá, no processo, qualquer forma de intervenção de terceiro nem de assistência. Admitir-se-á o litisconsórcio. Art. 11. O Ministério Público intervirá nos casos previstos em lei. seção IV dos atos processuais Art. 12. Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Art. 13. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei. § 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo. § 2º A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio idôneo de comunicação. § 3º Apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão. § 4º As normas locais disporão sobre a conservação das peças do processo e demais documentos que o instruem. seção v do pedido Art. 14. O processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado. § 1º Do pedido constarão, de forma simples e em linguagem acessível: I - o nome, a qualificação e o endereço das partes; II - os fatos e os fundamentos, de forma sucinta; III - o objeto e seu valor.


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§ 2º É lícito formular pedido genérico quando não for possível determinar, desde logo, a extensão da obrigação. § 3º O pedido oral será reduzido a escrito pela Secretaria do Juizado, podendo ser utilizado o sistema de fichas ou formulários impressos. Art. 15. Os pedidos mencionados no art. 3º desta Lei poderão ser alternativos ou cumulados; nesta última hipótese, desde que conexos e a soma não ultrapasse o limite fixado naquele dispositivo. Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias. Art. 17. Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação. Parágrafo único. Havendo pedidos contrapostos, poderá ser dispensada a contestação formal e ambos serão apreciados na mesma sentença. Seção VI Das Citações e Intimações Art. 18. A citação far-se-á: I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria; II - tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado; III - sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória. § 1º A citação conterá cópia do pedido inicial, dia e hora para comparecimento do citando e advertência de que, não comparecendo este, considerar-se-ão verdadeiras as alegações iniciais, e será proferido julgamento, de plano. § 2º Não se fará citação por edital. § 3º O comparecimento espontâneo suprirá a falta ou nulidade da citação. Art. 19. As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação. § 1º Dos atos praticados na audiência, considerar-se-ão desde logo cientes as partes. § 2º As partes comunicarão ao juízo as mudanças de endereço ocorridas no curso do processo, reputando-se eficazes as intimações enviadas ao local anteriormente indicado, na ausência da comunicação.


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Seção VII Da Revelia Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz. Seção VIII Da Conciliação e do Juízo Arbitral Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei. Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo. Art. 23. Não comparecendo o demandado, o Juiz togado proferirá sentença. Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei. § 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução. § 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos. Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por eqüidade. Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subseqüentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível. Seção IX Da Instrução e Julgamento Art. 27. Não instituído o juízo arbitral, proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento, desde que não resulte prejuízo para a defesa. Parágrafo único. Não sendo possível a sua realização imediata, será a audiência designada para um dos quinze dias subseqüentes, cientes, desde logo, as partes e testemunhas eventualmente presentes.


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Art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença. Art. 29. Serão decididos de plano todos os incidentes que possam interferir no regular prosseguimento da audiência. As demais questões serão decididas na sentença. Parágrafo único. Sobre os documentos apresentados por uma das partes, manifestar-se-á imediatamente a parte contrária, sem interrupção da audiência. Seção X Da Resposta do Réu Art. 30. A contestação, que será oral ou escrita, conterá toda matéria de defesa, exceto argüição de suspeição ou impedimento do Juiz, que se processará na forma da legislação em vigor. Art. 31. Não se admitirá a reconvenção. É lícito ao réu, na contestação, formular pedido em seu favor, nos limites do art. 3º desta Lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia. Parágrafo único. O autor poderá responder ao pedido do réu na própria audiência ou requerer a designação da nova data, que será desde logo fixada, cientes todos os presentes. Seção XI Das Provas Art. 32. Todos os meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes. Art. 33. Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias. Art. 34. As testemunhas, até o máximo de três para cada parte, comparecerão à audiência de instrução e julgamento levadas pela parte que as tenha arrolado, independentemente de intimação, ou mediante esta, se assim for requerido. § 1º O requerimento para intimação das testemunhas será apresentado à Secretaria no mínimo cinco dias antes da audiência de instrução e julgamento. § 2º Não comparecendo a testemunha intimada, o Juiz poderá determinar sua imediata condução, valendo-se, se necessário, do concurso da força pública. Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.


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Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado. Art. 36. A prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos. Art. 37. A instrução poderá ser dirigida por Juiz leigo, sob a supervisão de Juiz togado. Seção XII Da Sentença Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório. Parágrafo único. Não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida, ainda que genérico o pedido. Art. 39. É ineficaz a sentença condenatória na parte que exceder a alçada estabelecida nesta Lei. Art. 40. O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis. Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado. § 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 2º No recurso, as partes serão obrigatoriamente representadas por advogado. Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção. § 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias. Art. 43. O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte. Art. 44. As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 13 desta Lei, correndo por conta do requerente as despesas respectivas. Art. 45. As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento.


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Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. Art. 47. (VETADO) Seção XIII Dos Embargos de Declaração Art. 48. Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida. Parágrafo único. Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício. Art. 49. Os embargos de declaração serão interpostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão. Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recurso. Seção XIV Da Extinção do Processo Sem Julgamento do Mérito Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I - quando o autor deixar de comparecer a qualquer das audiências do processo; II - quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação; III - quando for reconhecida a incompetência territorial; IV - quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8º desta Lei; V - quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de trinta dias; VI - quando, falecido o réu, o autor não promover a citação dos sucessores no prazo de trinta dias da ciência do fato. § 1º A extinção do processo independerá, em qualquer hipótese, de prévia intimação pessoal das partes. § 2º No caso do inciso I deste artigo, quando comprovar que a ausência decorre de força maior, a parte poderá ser isentada, pelo Juiz, do pagamento das custas.


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Seção XV Da Execução Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de Processo Civil, com as seguintes alterações: I - as sentenças serão necessariamente líquidas, contendo a conversão em Bônus do Tesouro Nacional - BTN ou índice equivalente; II - os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial; III - a intimação da sentença será feita, sempre que possível, na própria audiência em que for proferida. Nessa intimação, o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado, e advertido dos efeitos do seu descumprimento (inciso V); IV - não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo à execução, dispensada nova citação; V - nos casos de obrigação de entregar, de fazer, ou de não fazer, o Juiz, na sentença ou na fase de execução, cominará multa diária, arbitrada de acordo com as condições econômicas do devedor, para a hipótese de inadimplemento. Não cumprida a obrigação, o credor poderá requerer a elevação da multa ou a transformação da condenação em perdas e danos, que o Juiz de imediato arbitrará, seguindo-se a execução por quantia certa, incluída a multa vencida de obrigação de dar, quando evidenciada a malícia do devedor na execução do julgado; VI - na obrigação de fazer, o Juiz pode determinar o cumprimento por outrem, fixado o valor que o devedor deve depositar para as despesas, sob pena de multa diária; VII - na alienação forçada dos bens, o Juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em juízo até a data fixada para a praça ou leilão. Sendo o preço inferior ao da avaliação, as partes serão ouvidas. Se o pagamento não for à vista, será oferecida caução idônea, nos casos de alienação de bem móvel, ou hipotecado o imóvel; VIII - é dispensada a publicação de editais em jornais, quando se tratar de alienação de bens de pequeno valor; IX - o devedor poderá oferecer embargos, nos autos da execução, versando sobre: a) falta ou nulidade da citação no processo, se ele correu à revelia; b) manifesto excesso de execução; c) erro de cálculo; d) causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, superveniente à sentença.


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Art. 53. A execução de título executivo extrajudicial, no valor de até quarenta salários mínimos, obedecerá ao disposto no Código de Processo Civil, com as modificações introduzidas por esta Lei. § 1º Efetuada a penhora, o devedor será intimado a comparecer à audiência de conciliação, quando poderá oferecer embargos (art. 52, IX), por escrito ou verbalmente. § 2º Na audiência, será buscado o meio mais rápido e eficaz para a solução do litígio, se possível com dispensa da alienação judicial, devendo o conciliador propor, entre outras medidas cabíveis, o pagamento do débito a prazo ou a prestação, a dação em pagamento ou a imediata adjudicação do bem penhorado. § 3º Não apresentados os embargos em audiência, ou julgados improcedentes, qualquer das partes poderá requerer ao Juiz a adoção de uma das alternativas do parágrafo anterior. § 4º Não encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoráveis, o processo será imediatamente extinto, devolvendo-se os documentos ao autor. Seção XVI Das Despesas Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas. Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita. Art. 55. A sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé. Em segundo grau, o recorrente, vencido, pagará as custas e honorários de advogado, que serão fixados entre dez por cento e vinte por cento do valor de condenação ou, não havendo condenação, do valor corrigido da causa. Parágrafo único. Na execução não serão contadas custas, salvo quando: I - reconhecida a litigância de má-fé; II - improcedentes os embargos do devedor; III - tratar-se de execução de sentença que tenha sido objeto de recurso improvido do devedor. Seção XVII Disposições Finais Art. 56. Instituído o Juizado Especial, serão implantadas as curadorias necessárias e o serviço de assistência judiciária.


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Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial. Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público. Art. 58. As normas de organização judiciária local poderão estender a conciliação prevista nos arts. 22 e 23 a causas não abrangidas por esta Lei. Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei. Capítulo III Dos Juizados Especiais Criminais Disposições Gerais Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por Juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. (Vide Lei nº 10.259, de 2001) Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006) Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº 11.313, de 2006) Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. (Vide Lei nº 10.259, de 2001) Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006) Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.


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Seção I Da Competência e dos Atos Processuais Art. 63. A competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração penal. Art. 64. Os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem as normas de organização judiciária. Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei. § 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo. § 2º A prática de atos processuais em outras comarcas poderá ser solicitada por qualquer meio hábil de comunicação. § 3º Serão objeto de registro escrito exclusivamente os atos havidos por essenciais. Os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente. Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado. Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei. Art. 67. A intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independentemente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação. Parágrafo único. Dos atos praticados em audiência considerar-se-ão desde logo cientes as partes, os interessados e defensores. Art. 68. Do ato de intimação do autor do fato e do mandado de citação do acusado, constará a necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado, com a advertência de que, na sua falta, ser-lhe-á designado defensor público. Seção II Da Fase Preliminar Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.


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Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima. (Redação dada pela Lei nº 10.455, de 13.5.2002)) Art. 70. Comparecendo o autor do fato e a vítima, e não sendo possível a realização imediata da audiência preliminar, será designada data próxima, da qual ambos sairão cientes. Art. 71. Na falta do comparecimento de qualquer dos envolvidos, a Secretaria providenciará sua intimação e, se for o caso, a do responsável civil, na forma dos arts. 67 e 68 desta Lei. Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade. Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação. Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal. Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação. Art. 75. Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo. Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em lei. Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. § 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade. § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:


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I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz. § 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. § 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei. § 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível. Seção III Do Procedimento Sumariíssimo Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. § 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. § 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei. § 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único do art. 66 desta Lei. Art. 78. Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, entregando-se cópia ao acusado, que com ela ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão ciência o Ministério Público, o ofendido, o responsável civil e seus advogados.


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§ 1º Se o acusado não estiver presente, será citado na forma dos arts. 66 e 68 desta Lei e cientificado da data da audiência de instrução e julgamento, devendo a ela trazer suas testemunhas ou apresentar requerimento para intimação, no mínimo cinco dias antes de sua realização. § 2º Não estando presentes o ofendido e o responsável civil, serão intimados nos termos do art. 67 desta Lei para comparecerem à audiência de instrução e julgamento. § 3º As testemunhas arroladas serão intimadas na forma prevista no art. 67 desta Lei. Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei. Art. 80. Nenhum ato será adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer. Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença. § 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo o Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias. § 2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a sentença. § 3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do Juiz. Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três Juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias. § 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 65 desta Lei. § 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa. § 5º Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão. Art. 83. Caberão embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.


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§ 1º Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão. § 2º Quando opostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para o recurso. § 3º Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício. Seção IV Da Execução Art. 84. Aplicada exclusivamente pena de multa, seu cumprimento far-se-á mediante pagamento na Secretaria do Juizado. Parágrafo único. Efetuado o pagamento, o Juiz declarará extinta a punibilidade, determinando que a condenação não fique constando dos registros criminais, exceto para fins de requisição judicial. Art. 85. Não efetuado o pagamento de multa, será feita a conversão em pena privativa da liberdade, ou restritiva de direitos, nos termos previstos em lei. Art. 86. A execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direitos, ou de multa cumulada com estas, será processada perante o órgão competente, nos termos da lei. Seção V Das Despesas Processuais Art. 87. Nos casos de homologação do acordo civil e aplicação de pena restritiva de direitos ou multa (arts. 74 e 76, § 4º), as despesas processuais serão reduzidas, conforme dispuser lei estadual. Seção VI Disposições Finais Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:


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I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos. Art. 90. As disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada. (Vide ADIN nº 1.719-9) Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. (Artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999) Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência. Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei. Capítulo IV Disposições Finais Comuns Art. 93. Lei Estadual disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência. Art. 94. Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.


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Art. 95. Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta Lei. Art. 96. Esta Lei entra em vigor no prazo de sessenta dias após a sua publicação. Art. 97. Ficam revogadas a Lei nº 4.611, de 2 de abril de 1965 e a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. Brasília, 26 de setembro de 1995; 174º da Independência e 107º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Nelson A. Jobim Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 27.9.1995


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