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FACULDADE INDEPENDENTE DO NORDESTE - FAINOR CURSO DE DIREITO

JOÃO BATISTA MARTINS FERRAZ FILHO

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA

VITÓRIA DA CONQUISTA/BA 2012


JOÃO BATISTA MARTINS FERRAZ FILHO

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Independente do Nordeste – FAINOR, como pré-requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito. Orientador: Gésner Lopes

VITÓRIA DA CONQUISTA/BA 2012


F381v

Ferraz Filho, João Batista Martins Violência contra a mulher e a lei Maria da Penha. / João Batista Martins Ferraz Filho._ _ Vitória da Conquista, 2012. 30 f.

Monografia (Graduação em Direito) Orientador(a): Prof. Gesner Lopes Ferraz

Catalogação na fonte: Biblioteca da Fainor 1. Lei Maria da Penha. 2. Mulher. 3. Violência. I Título. CDD: 345.81025


JOÃO BATISTA MARTINS FERRAZ FILHO

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA Aprovada em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA / COMISSÃO AVALIADORA

_____________________________________________________________ Gésner Lopes: orientador FAINOR

______________________________________________________________

Nome do 2º. componente FAINOR

______________________________________________________________

Nome do 3º. componente FAINOR

Vitória da Conquista – BA, 22 de junho de 2012.


RESUMO A presente monografia aborda sobre a Lei Maria da Penha e a integridade física, moral e psicológica da mulher e da família, frente aos direitos fundamentais e a necessidade de intervenção do Estado na proteção e reabilitação das vítimas da violência doméstica. Essa é uma das questões a ser abordada neste trabalho na qual pretende-se discorrer sobre a violência doméstica em si, suas causas e efeitos. Pretende-se ainda dar respostas à incidência deste mal na sociedade brasileira, mesmo com leis punitivas mais severas. Para o desenvolvimento desta pesquisa, optou-se pela pesquisa bibliográfica em doutrinas, legislações e jurisprudências e também pela pesquisa empírica. A partir das pesquisas realizadas, o que se propõe é a instalação de centros multidisciplinares especializados em reabilitar as vítimas da violência doméstica.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Mulher. Violência.


ABSTRACT This monograph addresses on the Maria da Penha Law and the physical, moral and psychological wife and family, compared to the fundamental rights and the need for state intervention in the protection and rehabilitation of victims of domestic violence. This is one of the issues to be addressed in this work, but to substantiate the need to arrest the offender, intended to discuss the domestic violence itself, its causes and effects. It is also intended to respond to the impact of this evil in Brazilian society, even with more severe punitive laws. For this research, we opted for literature in doctrines, laws and jurisprudence and also by empirical research. From the surveys, what is proposed is the installation of specialized multidisciplinary centers for rehabilitation of victims of domestic violence.

Keywords: Law Maria da Penha. Women. Violence.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 06 1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 1.1 Breve histórico da violência contra a mulher ......................................................... 09 1.2 Formas de violência contra a mulher......................................................................... 09 1.3 Causas da violência contra a mulher .......................................................................... 10 1.4 Consequências da violência contra a mulher .......................................................... 11 2 LEI MARIA DA PENHA 2.1 Origem da Lei ...................................................................................................................... 12 2.2 A efetividade da Lei Maria da Penha .......................................................................... 14 2.3 A Lei Maria da Penha na doutrina jurídica brasileira .......................................... 18 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 26

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 27


6 INTRODUÇÃO

A Lei 11.340/06, conhecida como Lei “Maria da Penha” proporciona inúmeras possibilidades de abordagens, seja no âmbito jurídico, na saúde, na moral e no próprio direito constitucional da proporcionalidade ou até mesmo no direito universalmente consagrado, que é o “direito à dignidade humana”. Os crimes secularmente praticados contra a mulher sempre foram relegados e acondicionados num pacote machista, vulgarmente comprimido numa única frase “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. A lei em questão introduziu uma nova possibilidade de mudança nesse cenário, aventando a possibilidade de prisão preventiva com vistas a assegurar a efetividade das medidas de proteção nela previstas. Mudança esta também ocorrida com o acréscimo do inciso IV ao art.313 do CPC – Código de Processo Penal. No entanto, entre tantas outras questões que não ficaram claras na “Lei Maria da Penha”, uma delas a inconstitucionalidade, ou não, da prisão cautelar do agressor, já que, de acordo com o principio da proporcionalidade, a prisão ante tempus estaria mais severa que a pena final. Todavia dada a inexistência de algum outro meio idôneo que possa garantir a dignidade da mulher vítima de violência doméstica, deve-se atribuir peso a seu direito de integridade física, moral e psicológica, e até a seu direito maior, que é a própria vida, bem jurídico inestimável, mesmo que tal proteção implique na restrição da liberdade de seu agressor. Essa é uma das questões a ser abordada neste trabalho na qual pretendese discorrer sobre a violência doméstica em si, suas causas e efeitos. Pretende-se ainda dar respostas à incidência deste mal na sociedade brasileira, mesmo com leis punitivas mais severas. Para explicar o surgimento da “Lei Maria da Penha”, discorre-se sobre as modalidades de violências de gênero com vistas ao mapeamento do significado real do que seja realmente uma violência doméstica, tendo como vítima a mulher, e os filhos, cujo futuro será construído fundado em bases absolutamente insólitas, fato gerador de novas violências num futuro bem próximo. Acredita-se que muitos estados brasileiros não têm condições de garantir a plena eficácia desta lei, pois em muitos estados brasileiros não tem Delegacia da


7 Mulher em todas as cidades, e isso implica em transtornos à população, pois o atendimento à mulher ficará restrito a alguns municípios, ocorrendo assim uma superlotação nas delegacias. Uma das características da região centro-oeste brasileira é a de Estados que têm poucos Municípios, sendo que a maioria deles é muito pequena e, não bastasse, são muito distantes um do outro. Talvez uma pequena cidade não tenha vítimas suficientes para que se justifique a instalação de um centro como o que se propõe. Nesse sentido questiona-se: será que o Estado contribuirá para que a nova lei Maria da Penha tem efetividade em relação ao direito humano fundamental da integridade física e psicológica da mulher? As hipóteses apresentadas para a problemática acima são: supõe-se que a Lei Maria da Penha preocupa-se mais com a punição do agressor do que com o auxílio à vítima; acredita-se que é necessário que sejam criados centros de apoio à mulher em geral, que conterão cursos profissionalizantes para que as mulheres tenham uma profissão, tornando-se independentes dos companheiros e que, além disso, forneçam assistência psicológica à pessoa, tendo em vista que, muitas vezes, o problema da violência se estende por anos a fio em decorrência da baixa autoestima da mulher violentada. Como parte desse trabalho, o objetivo geral é compreender a nova lei Maria da Penha e a integridade física, moral e psicológica da mulher e da família, frente aos direitos fundamentais e a necessidade de intervenção do Estado na proteção e reabilitação das vítimas da violência doméstica. Apresentam-se como objetivos específicos: apresentar dados estatísticos sobre a violência doméstica praticada contra a mulher; analisar teoricamente a integridade física da mulher no seu lar na literatura antropológica e jurídica; analisar a legislação pertinente à violência contra a mulher, identificando as inovações trazidas pela Lei Maria da Penha e suas implicações no que diz respeito à viabilidade de aplicação e efetividade no Brasil e analisar as medidas integradas de prevenção e o papel do Estado. A nova lei de violência contra a mulher trouxe alguns institutos que se preocupam com a vítima, a exemplo das chamadas "cautelares pessoais", ou seja, ordens de restrição, proibição de aproximação do agressor e, ainda, a possibilidade de concessão da medida cautelar de separação de corpos pela Vara Criminal, mediante pedido do delegado de polícia.


8 Contudo, cremos que seja insuficiente. Estudos estatísticos demonstram que, agora, as mulheres não denunciam os agressores porque sabem que haverá possibilidade do companheiro violento permanecer preso, tendo em vista que o crime de lesão corporal, nos termos da lei, é de ação penal pública incondicionada, ficarem presos e, sem eles, não tem como se sustentar e a seus filhos. Este estudo se justifica e se faz relevante por ser um tema atual e bastante discutido na literatura jurídica. Pretende-se demonstrar que a violência contra a mulher devido aos bens jurídicos ofendidos, integridade física, integridade psíquica e saúde e por ser praticados violentamente contra a pessoa não deveriam ser entendidos como de menor potencial ofensivo. É preciso modificar essa realidade. Muito pode ser feito para que a vítima tenha tratamento digno junto à Justiça Criminal e desta forma, acredita-se que a Lei Maria da Penha muito inovou na matéria penal em defesa aos direitos de defesa da mulher agredida e/ou violentada. O Estado brasileiro, haja vista que tem como núcleo interpretativo constitucional a dignidade da pessoa humana e versa sobre os objetivos fundamentais em seu art. 3º, tem o dever de prestar assistência às vítimas de violência doméstica. Para o desenvolvimento desta pesquisa, optou-se pela pesquisa bibliográfica em doutrinas, legislações e jurisprudências, a qual objetiva explicar um problema através de referências teóricas, buscando-se analisar e conhecer as contribuições científicas ou culturais do passado, que influenciam um determinado tema, assunto ou problema. O presente estudo será dividido em dois capítulos. No primeiro, apresentase um breve histórico da violência contra a mulher, ressaltando suas causas e conseqüências. No segundo capítulo, realiza-se uma análise jurídica acerca da Lei Maria da Penha.


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1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

1.1 Breve histórico da violência contra a mulher

Infelizmente, a violência contra a mulher, chama a atenção da sociedade, apenas quando esta é cometida com requintes de perversidade, de modo tal que abale a opinião pública, fazendo com que esta tome consciência de que mudanças urgentes precisam ser implementadas a nível jurídico, que ainda é o único mecanismo de proteção da sociedade. A violência isoladamente já traz conseqüências emocionais profundas. A impunidade do agressor só faz aumentar esta recorrência. A isonomia entre os sexos, garantida pela Constituição Federal de 1988 precisa ser mais disseminada, principalmente entre as mulheres, que em sua maioria ainda continua cultuando paradigmas antigos e ultrapassados da entidade familiar. As mulheres têm lutado pela igualdade entre os sexos. Têm lutado também pela igualdade na hierarquia familiar. No entanto, Segundo Day et al (2003, p.17): [...] ainda continuam – não por necessidade, mas por pura ideologia - a dependerem da figura masculina. Querem liberdade, autoridade e igualdade, entretanto, elas próprias se posicionam de forma inferior numa relação emocional, na medida em que requerem para si a fragilidade física, emocional e econômica.

As raízes da violência doméstica, se regadas e adubadas, produzem frutos de igual natureza, que continuarão a se reproduzir perpetuamente. Isso ocorre porque as crianças testemunham essa violência, podendo ser consideradas também, como uma vítima da violência, mesmo que de forma indireta. “Essa vitimização por osmose acarreta problemas a longo prazo” (GALLO, 2004, p.16). 1.2 Formas de violência contra a mulher

O legislador, após a realização de pesquisas com diversas mulheres (vítimas), exemplificou cinco formas de violência doméstica, previstas no artigo 7° da Lei Maria da Penha, in verbis:


10 Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

1.3 Formas de violência contra a mulher

As causas que levam os homens a agredirem as mulheres, que na maioria das vezes são suas esposas e mães de seus filhos são diversas. Dentre os fatores que contribuem para a ocorrência da violência temos os fatores individuais, de relacionamento, os comunitários, os sociais, os econômicos, os culturais e ainda os fatores de história pessoal. Muitos pesquisadores acreditam que o álcool funciona como um fator desencadeador da prática da violência, sendo considerado um elemento situacional, aumentando em muito a probabilidade de violência, ao reduzir as inibições, anuviar o julgamento e coibir a capacidade de pessoa de interpretar os sinais (ALVES, 2007). Outro fator também relacionado com a violência, citado pelo autor acima, é o distúrbio da personalidade, ou seja, existe uma grande probabilidade de que homens que agridem suas esposas sejam emocionalmente dependentes. Em nível interpessoal, o fator mais consistente para o aparecimento da violência doméstica é o conflito ou a discórdia presente nos relacionamentos, pois o


11 casal ao iniciar uma discussão, primeiramente agride-se verbalmente, essa agressão vai de moderada à forte culminando com a agressão física, devido ao nível de estresse (GALLO, 2004). As atuais pesquisas realizadas no campo da violência doméstica no Brasil mostram que as suas principais causas são álcool em primeiro lugar (96%), seguido pela toxicodependência (94%), desemprego (79%), pobreza / exclusão social (73%) e o fato do histórico familiar dos agressores que sofreram violência (73%).

1.4 Consequências da violência contra a mulher

A potencialidade lesiva da violência contra a mulher é intensa. O aumento progressivo dessa violência que ocorre muitas vezes dentro de casa, pode possuir um padrão de lesividade de menor gravidade (lesões corporais leves e ameaças) ou maior gravidade, muitas vezes irreparável (estupro, lesões graves e homicídio). No entanto, o que evidencia-se é que a violência contra a mulher tem sido tratada nas instâncias do sistema penal, principalmente nos Juizados Especiais Criminais, da mesma maneira que são tratados conflitos marcados pela eventualidade da relação autor versus vítima, como um atropelamento no trânsito ou uma briga entre vizinhos. No que se refere às conseqüências para a saúde física da mulher são: lesões de natureza grave ou leve, cicatrizes deformantes, mutilações, doenças crônicas, doenças sexualmente transmissíveis, ferimentos, escoriações, hematomas, fraturas recorrentes, problemas ginecológicos, infecções, gravidez indesejada, abortamento, etc. Já as conseqüências para a saúde mental se apresentam como: estresse póstraumático caracterizado pela destruição da auto-estima, apatia, depressão, etc.


12 2 LEI MARIA DA PENHA

2.1 Origem da Lei

Contra a mulher, especificamente (conhecida como violência de gênero), a negligência recai sobre Estado, já que este, até o advento da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) negligenciou este tipo de desrespeito aos direitos humanos. Oportuno lembrar que esta lei surgiu como um alerta para o Estado, quando este foi condenado a indenizar a própria "Maria da Penha" por negligência, já que, por 18 (dezoito) anos, da tentativa de homicídio que a deixou paraplégica, seu (então) marido não havia sido condenado em nenhuma instância. No dia 29 de maio de 1983, Maria da Penha (biofarmacêutica) foi vitimada violentamente por seu ex-marido, que atirou contra ela enquanto dormia e escondeu a verdade alegando ter havido uma tentativa de roubo. A agressão de seu ex-marido (uma tentativa de homicídio) deixou a vítima paraplégica. Duas semanas depois de sair do hospital, ainda em recuperação, Maria da Penha sofreu uma segunda agressão, um novo atentado contra sua vida. Seu exmarido, sabendo de sua paraplegia e impossibilidade de defesa, tentou eletrocutá-la durante o banho. Entre estas duas agressões (dupla tentativa de homicídio) e o período em que efetivou-se a prisão do agressor se passaram 19 anos e 6 meses, graças aos instrumentos processuais em vigor na época, que contribuíram em demasia para a morosidade da Justiça. A negligência do Estado pode ser evidenciada em todos os sentidos. O homicida tentou contra a vida de alguém e causou danos irreversíveis. Juridicamente, esse homem teria que responder penal e civilmente. Trata-se de crime doloso – na esfera penal – e produção de danos materiais e imateriais – na esfera civil. Todavia, ele não foi condenado por nenhum deles, num lapso de tempo de dezoito anos. Devido a esse fato, conforme relata Devides (s/d, p. 16): [...] o CEJIL (Centro pela Justiça pelo Direito Internacional) e o CLADEM (Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher), juntamente com a própria vítima, ofereceram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – órgão que


13 atua em âmbito internacional, responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais

Segundo Teles (2003, p.61): A sociedade internacional – aí incluído o Brasil – há muito reconhece a importância dos direitos humanos e a necessidade de repressão significativa de quem os viola, especialmente através da difusão de doutrinas referendadas pelo poder constituinte derivado brasileiro que redefinem o status jurídico dos tratados que sobre eles dispõem. Exemplo típico dessa mudança foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que incluiu o § 3º no art. 5º, para dispor que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Dessa maneira, seria inadimissível um crime de menor potencial ofensivo que violasse também os direitos humanos, protegidos internacionalmente. As transformações ocorridas no ordenamento jurídico pátrio eram insuficientes e levaram o País a debater modificações profundas na função jurisdicional do Estado no sentido de intensificar e redefinir sua atuação no combate à violência doméstica contra a mulher. No que diz respeito à lei nº 9.099/95, conforme demonstrado por Alves (2006, p. 27): [...] o projeto originalmente continha soluções de adequação da legislação especial à necessidade de rápida resposta judicial e extrajudicial ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, alterando apenas o procedimento do Juizado Especial Criminal

Segundo Araújo (2003, p.111): Entre as inovações originalmente propostas, também havia a necessidade de uma audiência de apresentação, na qual a vítima seria ouvida pelo juiz antes do agressor e, mesmo diante de uma intenção conciliadora, não poderia a vítima ser compelida a transacionar. Em hipótese alguma, segundo o texto inicial, a audiência poderia ser presidida por servidor que não fosse juiz ou bacharel em Direito, além de capacitado na questão desse tipo de violência. Na audiência de instrução e julgamento do rito criminal especial, foi deslocado o momento para proposição da transação penal da primeira para a audiência seguinte, visando permitir, nesse intervalo, o encaminhamento da vítima à equipe multidisciplinar. Em relação às sanções, a proposta vedava claramente a aplicação de aplicação de penas restritivas de direito de prestação pecuniária, como o pagamento de cesta básica, e multa.


14 Em linhas gerais, embora tenha sido este o teor das modificações intentadas pelo Executivo, diversas mudanças referentes à proposta original foram realizadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Conforme demonstra Alves (2006, p. 28): A Câmara dedicou-se às alterações de mérito por intermédio de três comissões analisadoras. Graças às mais de 14 reuniões, seminários e audiências públicas realizados em todo o País, ao projeto foram incorporados os verdadeiros anseios das entidades representativas das mulheres. O Senado, por sua vez, através unicamente de sua Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, promoveu uma verdadeira revisão no projeto, então denominado PLC 37, de 2006, que originou a Lei Maria da Penha (LF 11340/2006)

A proteção à mulher contra a agressão realizada por seus parceiros em âmbito doméstico constitui-se em garantia aos direitos fundamentais e humanos promulgada pela Lei Maria da Penha.

2.2 A efetividade da Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha foi promulgada com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A violência da qual trata a Lei Maria da Penha não precisa ser necessariamente praticada dentro do lar, podendo ocorrer em diversos locais. No entanto, neste caso, faz-se necessário que a vítima e o agressor possuam um vínculo familiar sanguíneo e/ou afinidade, independente da coabitação. No caso da violência praticada dentro do lar, não necessariamente, vítima e agressor necessitam possuir laços de parentesco. A vítima pode ser, por exemplo uma agregada ou doméstica. O art. 4º da referida lei traça a linha hermenêutica para sua aplicação ao recomendar: “Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. Para evitar a continuidade da violência doméstica, o meio processual de que dispomos é o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal (Art. 888, VI do CPC). Trata-se de uma medida de forte repercussão e, por isso, requer a devida cautela, antes de ser deferida.


15 Segundo Araújo (2003, p.77): “algumas mulheres vitimadas costumam, também, pedir alvarás para se afastarem da residência do casal a fim de não configurar abandono do lar, o que eventualmente poderia ser alegado pelo agressor”. Para reforçar o preceito do art. 888, VI, do Código de Processo Civil, veio, agora, a Lei Maria da Penha que em seu artigo 22, incisos II e V assim dispõe: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: [...] II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; [...] V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios; [...]

Logo, em seguida, ainda nesse mesmo viés: “Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: [...] II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; [...]” Temos, portanto, novo ponto de apoio, em nosso ordenamento jurídico, para reprimir a violência doméstica. A medida de afastamento do agressor torna-se, a partir de agora, mais efetiva e com maior amparo legal, pois o espírito da nova lei não só reforça a medida cautelar do CPC, destinada à proteção da mulher ofendida, como protege “qualquer relação de afeto” (Art. 5º, III e § único da Lei nº 11.340 de 07-08-2006), independentemente da orientação sexual das partes. Outra inovação digna de elogios é a possibilidade que a presente lei confere ao juiz de fixação de alimentos provisionais, diante do caso concreto. É uma conseqüência imediata do decreto de afastamento do cônjuge agressor, constituindo outra possibilidade legal de arbitramento de alimentos ex officio, a exemplo da Lei nº 8560/92. Com mais seriedade ainda, a Lei Maria da Penha considera a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma forma de violação dos direitos humanos. Passou-se, assim, do âmbito meramente ordinário para a dimensão constitucional do problema, o que, decerto, contribuirá para a mais pronta eficácia das medidas judiciais tomadas contra a prática ignominiosa de violência contra a mulher.


16 A Lei Maria da Penha amparou as relações homoafetivas entre lésbicas, transexuais e transgêneros, quando o legislador no art. 5º,parágrafo único, coloca que as relações pessoais independem de orientação sexual. Mas segundo a doutrina majoritária não se aplica à união afetiva entre dois homens (BRASIL, 2006). Segundo Dias, a Constituição Federal de 1.988 ao outorgar a proteção à família, independentemente da celebração do casamento, inseriu um novo conceito de entidade familiar. A família abrange vínculos afetivos como a união estável entre o homem e a mulher, as relações de um dos ascendentes com seus descendentes, bem como entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Com relação à família homoafetiva, a Constituição Federal de 1.988, somente não aceita a transformação em casamento, mas reconhece que forma um núcleo familiar à semelhança do casamento (DIAS, 2009). Maria Berenice Dias considera que o legislador criou um novo conceito de família no art. 5º II da Lei Maria da Penha, formada por vínculos afetivos, abarcando as famílias homoafetivas e outros modelos familiares. Assim lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros, com identidade feminina estão protegidas pela Lei, quando houver violência no âmbito familiar (DIAS, 2010). Segundo Guilherme de Souza Nucci, o legislador somente evitou discriminações sobre a orientação sexual, não vendo sentido em punir a mulher que agride sua namorada unicamente por ser a vítima mulher (NUCCI, 2010). Hoje há a tendência em se reconhecer as relações homoafetivas no Judiciário brasileiro; há várias jurisprudências nesse sentido e não há como se negar que o legislador quis abarcar as novas formas de família que existem nos tempos atuais. O direito protege nestes casos não somente questões patrimoniais, mas também as relações de afeto. A Lei Maria da Penha ao tutelar as mulheres em união homoafetivas, trouxe um novo conceito de entidade familiar abarcada pelo Direito de Família. Interessante observar também que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada por analogia para proteger os homens. A concessão de tais medidas em favor do homem caminha de forma gradativa, percorrendo vários Estados do Brasil. A primeira Sentença proferida nesse sentido foi em Cuiabá, Mato Grosso, e, em decorrência dela, no mesmo Estado, surgiu um posicionamento jurisprudencial, que caminhou de forma inovadora quando confirma e justifica até uma proteção futura


17 para as partes, quando coíbe desde logo com as medidas protetivas da Lei, posteriores e possíveis violências e ameaças que possam surgir à vítima. Acerca dessa inovação da Lei Maria da Penha, Gomes (s/d, p. 21) discorre que: A possibilidade de aplicação analógica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em favor do homem tornou-se possível diante da atribuição da analogia in bonam partem, não ferindo, assim, o ius libertati do indivíduo, bem como o Princípio da Reserva Legal ou Princípio da Legalidade, pois não se está diante de uma analogia in malam partem. Essa aplicação de forma analógica tornou-se possível com base no poder geral de cautela que o juiz tem de conceder medidas cautelares inominadas aos necessitados de proteção do Estado, desde que venha a requerê-las.

Nesse contexto, é importante proceder à distinção entre "direitos fundamentais" e “direitos humanos”, que são expressões comumente utilizadas como sinônimas. É inconteste que de certa forma, os direitos fundamentais, são também direitos humanos, haja vista que seu titular sempre será um ser humano. Assim, segundo Sarlett (2001, p.72): Tem-se que os direitos fundamentais são o conjunto de direitos e liberdades do ser humano institucionalmente reconhecidos e positivados no âmbito do direito constitucional positivo de determinado Estado, enquanto que os direitos humanos estão abarcados pelo direito internacional, porquanto extensivos a todos os seres humanos, independentemente de sua vinculação a determinada ordem constitucional, apresentando validade universal e caráter supranacional. Assim, os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com a Constituição na qual foram reconhecidos e assegurados. Não resta dúvida de que o reconhecimento oficial dos direitos humanos, pela autoridade política competente, gera muito mais segurança às relações sociais, exercendo, também, uma função pedagógica junto à comunidade, no sentido de fazer prevalecer os grande valores éticos, os quais, sem esse reconhecimento oficial, tardariam a se impor na vida coletiva.

É importante mencionar a contribuição de Lafer (1988, p.118) ao afirmar que "o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem". Quanto ao aspecto processual, destaca-se a questão da competência. A lei em análise criou um juizado especializado com atribuições para conhecer e julgar as causas envolvendo violência contra a mulher. Enquanto não for instalado tal juizado, essa competência deve ser atribuída a uma vara criminal, que


18 poderá, também, decidir sobre questões cíveis, como a fixação de alimentos provisionais. No

entanto,

Lourival

Serejo

(2007,

p.8)

coloca

os

seguintes

questionamentos: “E a execução dos alimentos provisionais? Não seria melhor manter a distinção das competências, deslocando para o juízo especializado apenas os casos de violência consumada?” Seguindo-se a nova previsão legal, o juízo de família, ao receber um pedido cautelar de afastamento temporário da morada do casal, por motivo de violência, deverá encaminhá-lo à vara especializada. Entretanto, por uma interpretação sistemática, entende-se que nada impede ao juízo de família utilizar-se das prescrições da Lei Maria da Penha para reforçar suas medidas em prol de assegurar a integridade da mulher, em pedidos de separação de corpos, em que haja ameaça ou consumação de violência. Com o tempo, a jurisprudência deve fixar esses limites.

2.3 A Lei Maria da Penha na doutrina jurídica brasileira

É importante ressaltar que a Lei Maria da Penha abrange a violência praticada contra a mulher, mas o agressor nem sempre será o homem, podendo também ser uma companheira. Neste sentido, a Lei inova abrangendo os relacionamentos homoafetivos. As novas doutrinas trouxeram uma flexibilização ainda maior ao conceito de família, objetivando englobar as uniões homoafetivas com ou sem filhos. No Brasil, ainda enfrenta-se a barreira da questão legal, embora já haja Tribunais pátrios estendendo o tradicional conceito de família para além da entidade que origina-se do casamento reconhecido legalmente, aplicando o conceito a partir de elementos afetivos de uma maneira geral. Nesse sentido, assim posiciona-se Alves (2007, p.33): [...] cremos que a Lei Maria da Penha poderá ser um passo normativo à frente do Direito Civil em discussão; afinal, o parágrafo único do art. 5º contém uma carga ideológica inovadora: pela primeira vez no Direito brasileiro, uma norma federal permite uma interpretação de reconhecimento da entidade familiar entre mulheres do mesmo sexo.


19 Aqui não está incluso os relacionamentos homoafetivos masculinos, mas somente os femininos. Ainda que alguns Tribunais assim não entendam, as mulheres homossexuais podem ser protegidas pela Lei Maria da Penha, haja vista que esta diz respeito à violência em relacionamentos íntimos de afeto. Além da violência física, a Lei consagrou outras formas de violência, sendo elas, a psicológica, sexual, patrimonial e moral, praticadas no âmbito doméstico, familiar ou nas relações afetivas, tendo o legislador afastado, qualquer que seja a ofensa, o rito dos Juizados Especiais. O art. 7º, então, trata de definir cada uma delas, a saber: Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

O artigo 8º da Lei Maria da Penha trata em seu capítulo 1 trata exclusivamente "das medidas integradas de prevenção", onde define-se as diretrizes para combater esta modalidade de violência. É

importante

destacar

os

dispositivos

que

objetivam

diluir

a

responsabilidade da prevenção à violência familiar e doméstica entre o Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, simultaneamente por meio da uma integração operacional em áreas diversas.


20 A Lei também versa acerca da formalização de convênios, especialização e

capacitação

dos

órgãos

responsáveis

pelo

atendimento

das

vítimas,

implementação de programas educacionais e a inclusão nos currículos educacionais de disciplinas direcionadas à valorização da dignidade humana. Outro ponto importante, segundo Alves (2007, p. 33) é “a consciência preventiva voltada à mídia, que terá responsabilidade social na destruição de estereótipos de gênero e na promoção de valores positivos sobre a família e a mulher”. No Capítulo II da Lei Maria da Penha, o art. 9º dispõe sobre a "assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar", estabelecendo que o atendimento à mulher vitimada deverá ser feito de maneira articulada entre os agentes públicos e as autoridades, se preciso, encaminhando-as a programas assistenciais mantidos pelo governo, além de viabilizar o acesso a benefícios assistenciais previstos em lei. No entanto, é especificamente o § 2º do artigo 9º que possui o dispositivo mais importante do Capítulo: a Lei inova com uma nova justificativa para o afastamento da servidora pública que esteja sofrendo violência doméstica e familiar, objetivando preservar sua integridade física e psicológica. Quanto às vítimas que não possuem vínculos com a administração pública, mas que encontram-se empregadas em qualquer modalidade de relação profissional com empresas ou particulares, a Lei assegura a sua estabilidade por um período de 6 meses, uma vez afastada do ambiente de trabalho através de medida judicial. Ainda no Capítulo III, os artigos. 10 a 12, vem dispõem acerca do atendimento da mulher vitimada pela autoridade policial. O art. 10 estabelece que a assistência policial poderá ser de duas formas: preventiva (em caso de iminência de agressão) ou repressiva (quando a agressão é consumada). Entre as providências legais cabíveis, cita-se as sumariadas no art. 11, que versam sobre as condutas de orientação e proteção de responsabilidade da autoridade policial, quais sejam: Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;


21 II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Evidencia-se uma maior participação da autoridade policial, mais zelosa no atendimento às mulheres vitimadas. Essas precauções são necessárias, pois é sabido que a grande maioria das mulheres não denunciam seus agressores devido a diversas razões, dentre elas o medo da vingança do agressor contra os filhos ou contra si mesma. É muito comum também, mesmo quando registra-se a ocorrência, o fato de a mulher retornar à sua residência, por não ter outro lugar para ir, se submetendo novamente a novas agressões. Por isso, também é comum estas mulheres não comparecerem às audiências nos Juizados Especiais Criminais, impelindo o Ministério Público a solicitar que sejam arquivados os processos criminais. Nesses casos, é de suma importância que a vítima sinta-se segura e protegida, para que possam fazer a denúncia e, principalmente, mantê-la, permitindo que o agressor seja processado criminalmente e, se for o caso, condenado. O art. 12 da Lei Maria da Penha, a seu turno, dispõe acerca das providências que deverão ser tomadas pela autoridade policial no ato do registro de ocorrência do crime de agressão: Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V - ouvir o agressor e as testemunhas; VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:


22

I - qualificação da ofendida e do agressor; II - nome e idade dos dependentes; III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. § 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

O artigo 12 também se destaca por resgatar o inquérito policial, substituído pelo Termo Circunstanciado pela lei nº 9.099/95, termo este aplicável às infrações consideradas de menor potencial ofensivo. Esse resgate do inquérito policial foi reivindicado pelos movimentos feministas, e enfrenta diversas críticas advindas dos aplicadores do Direito, principalmente promotores e juízes de todo o país. Também estabeleceu-se que a vítima sempre deverá ser encaminhada para a realização de exames de corpo de delito e demais exames periciais, se necessário. Como a Lei exige que os entes públicos disponibilizem serviços especializados nessa modalidade de crime e no atendimento às vítimas, os exames periciais e laudos médicos poderão ser admitidos como provas contra os agressores. O Título IV da Lei Maria da Penha dispõe sobre os procedimentos judiciais e engloba 4 capítulos: o capítulo 1 (arts 13 a 17), o capítulo 2 (arts 18 a 24), o capítulo 3 (arts. 25 e 26) e o capítulo 4 (arts 27 a 33). O Capítulo I estabelece as "disposições gerais" que podem ser aplicadas ao processo criminal. É permitida a aplicação subsidiária do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal, dentre outras leis específicas. O art. 14 autoriza os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Essas varas terão competência criminal e cível. Já o art 15 dispõe que a competência jurisdicional deverá ser fixada de acordo com a opção feita pela vítima, podendo ser em seu domicílio, no local onde consumou-se o crime ou no domicílio do agressor. O art 16 estabelece que: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação


23 perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Também o art. 17 é de extrema representatividade na lei processual, haja vista que veta a aplicação de penas pecuniárias e proíbe a aplicação de multas, amplamente utilizadas pela legislação anterior. O Capítulo II também inova, ao criar a figura das "medidas protetivas de urgência". A concessão de medidas protetivas de urgência obedece ao disposto no artigo 19 da Lei Maria da Penha:

Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado. § 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. § 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

No art. 22 Lei apresenta uma lista não taxativa de medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, quais sejam: Art. 22 (...) I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Já os artigos 23 e 24, a seu turno, dispõem sobre as medidas urgência à ofendida. São elas:


24 Artigo 23 [...] I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV - determinar a separação de corpos. Artigo 24 [...] I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor; IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. [...]

Essas medidas respondem às reais necessidades para assegurar a integridade física, patrimonial e psicológica tanto da vítima quanto de seus dependentes. Por esta razão, adentram a esfera civil, invalidando os efeitos de atos de negociação (locação, compra e venda) de imóveis comuns e invalidando também procurações que a vítima possa ter dado ao agressor. Segundo Alves (2007): O inciso 4 do art. 24 da Lei Maria da Penha foi uma tentativa de impor ao agressor o dispêndio provisório de recursos monetários pela depredação de bens pertencentes à vítima ou necessários à sua sobrevivência no lar, a fim de garantir um ressarcimento posterior, mediante um juízo cognitivo mais complexo, à vítima lesada materialmente

As audiências públicas demonstram que os agressores, não raro, destroem móveis e utensílios da residência e até mesmo veículos que pertencem à esposa ou companheira ou ao casal e o ordenamento jurídico anterior à Lei Maria da Penha, não protegia a restauração da situação patrimonial do lar, muitas vezes deixando a mulher, juntamente com seus dependentes em sérias dificuldades financeiras e de subsistência. A prisão preventiva do agressor, com a Lei Maria da Penha passa a ser decretada mediante representação da autoridade policial ou do Ministério Público ou de ofício. Desta forma, objetivando assegurar a proteção da mulher, esta deverá receber notificação de todos os atos processuais referentes ao agressor, principalmente no que diz respeito à revogação da prisão preventiva.


25 Outra questão interessante e que também foi uma conquista das reivindicações feministas, encontra-se no § único do art. 21: “Art. 21 [...] Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor”. Esse dispositivo legal direciona-se principalmente às delegacias de polícia, pois constatou-se ser muito comum a vítima, após registrar a ocorrência, ficar encarregada de entregar a notificação ao agressor para comparecer frente à autoridade policial. Tal fato, muitas vezes, motivava outras agressões à mulher. No site da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres1 encontra-se disponível uma listagem de serviços específicos para o atendimento à Mulher vitimada pela violência doméstica e familiar. Tais serviços são prestados pelo Governo nas esferas federal, estadual e municipal, além de várias outras instituições civis abaixo relacionadas:

a) Centros de Referência à Mulher; b) Defensorias Públicas de Atendimento à Mulher; c) Delegacias e Postos de Atendimento Especializados da Mulher; d) Organismos Institucionais de Políticas para as Mulheres; e) Casas Abrigo; f) Serviços de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência Sexual; g) Serviços de Atendimento às Mulheres Lésbicas; h) Serviços de Atendimento às Vítimas de Tráficos de Pessoas; i) Serviços de Atendimento Jurídico; j) Serviços de Referência em Saúde para a Mulher; k) Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos da Mulher; l) Delegacias Regionais do Trabalho – Núcleo de Combate à Discriminação no Trabalho; m) Organismos e Serviços Não Governamentais de Mulheres; n) Pastorais da Mulher Marginalizada – PMM; o) Juizados e Varas Especializados em Violência Doméstica e contra a Mulher p) Outros Organismos Relacionados às Mulheres (SNMT/CUT, 2007, p.30).

1

SPM – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as mulheres. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/>. Acesso: 24 out 2008.


26

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi promulgada com o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Entretanto, essa lei supracitada merece uma reflexão crítica no que se refere a sua efetividade, pois há muitos contrapontos que impedem a sua aplicação eficaz. .Assim, o que se propõe é a instalação de centros multidisciplinares especializados em reabilitar as vítimas da violência doméstica. O referido centro deveria contar com serviços de apoio pedagógico, psicológico e jurídico. Além disso, deveria disponibilizar abrigo para as vítimas que não tem lugar para se esconder da violência, ao menos durante o tempo que leva para que sejam julgados os pedidos cautelares especificados na lei, apoiando a mulher no momento mais frágil de sua luta contra os maus tratos que sofre, ou seja, o período entre a decisão de abandonar o agressor e de a efetivação dessa pretensão. Ademais, pretende-se a instalação de cursos profissionalizantes para as referidas vítimas, para que possam se livrar da dependência econômica do marido violento, deixando de ser escravas da violência.


27

REFERÊNCIAS

ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=8764>. Acesso em: 24 out 2008. ARAÚJO, Letícia Franco de. Violência contra a mulher: a ineficácia da Justiça Penal Consensuada. São Paulo: Lex, 2003. DAY, Vivian Peres; TELLES, Lisieux Elaine de Borba; ZORATTO, Pedro Henrique; AZAMBUJA, Maria Regina Fay de; MACHADO, Denise Arlete; SILVEIRA, Marisa Braz; DEBIAGGI, Moema; REIS, Maria da Graça; CARDOSO, Rogério; BLANK, Paulo. Violência Doméstica e suas diferentes manifestações. Revista de Psiquiatria. Rio Grande do Sul. v.25 supl.1 Porto Alegre abr. 2003. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. DEVIDES, Ana Maria. Símbolo de luta. Disponível <http://www.araras.sp.gov.br/ materias2007/0648.html>. Acesso: 24 out 2008.

em:

GALLO, Alex Eduardo. Subjetividade e Arte. Anais da VI Semana de Psicologia da UEM. Maringá (PR), 2004, p.16. GOMES, Luiz Flávio. Lei Maria da Penha: aplicação para situações análogas. Disponível em: <www.lfg.com.br>. Acesso em: 27 de maio de 2012. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.118. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 72. SEREJO, Lourival. A Lei Maria da Penha e suas repercussões nas varas de família. Boletim IBDFAM, jan-fev, 2007, p.8. SNMT/CUT. Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT. A Lei Maria da Penha: uma conquista, novos desafios. São Paulo: Secretaria Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT, 2007, p.30 SPM – Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as mulheres. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/>. Acesso: 24 out 2008.


28 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentário a Lei de Combate à Violência Contra a Mulher. ed. Curitiba: Juruá, 2008. TELES, Maria Amélia de Almeida e Mônica de Melo. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003


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